DISSERTAÇÃO PRIMEIRO PONTO Sciencias Medicas Das grandes epidemias pestilenciaes e das regras e preceitos iiygienicos pe se devem oDservar no intuito de olstar o seu desenvolvimento ou propagaçHo PROPOII€ÕE§ «k SEGUNDO PONTO Secção Àccessoria.— Líquidos TERCEIRO PONTO Secção Cirúrgica.— Dos Polypos naso-pharyngeauos QUARTO PONTO Secção Medica.— Nevralgias THESE APRESENTADA Á FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO EM S3 DE SETEMBRO DE 1876 E PERANTE ELLA SUSTENTADA fio DIA 17 DE pEZEMBRO DO MESMO ANNO PELO —/fí/ff rtf.r / f' (Ti^tevla Natural do Rio de Janeiro RIO DE JAiEIRO Typographià Universal de E. & H. Laemmert 71, Rua dos Inválidos , 71 1875 HAIIIE IIP. lllICtU III) lllll 1 JHinil imtiXTOie Conselheiro Dr. Visconde de Santa Izabel. VICG-IIIRECVOR Conselheiro Dr. Barão de Theresopolis. SECItfiTAKIO Dr. Carlos Ferreira de Souza Fernandes. EEWTE S CATHEDR ATICO Si Doutorei I PRIMEIRO A NI NIO F. J . do Canto c Mello Castro Mascarenhas.(la cadeira). Physica em geral, e particularmente em suas appli cações á Medicina Manoel Maria deMoraese Valle (Presidente) (2a » ). Chimica e Mineralogia. (3a » ). Anatomia descriptiva. SRGUXDO A NINO Joaquim Monteiro Caminhoá . . . .(Ia cadeira . Rotanica e Zoologia. Domingos José Fre re Júnior . . . .(2a » ). Chimica organica. Francisco Pinheiro Guimarães ... .(3a » ). Physiologia. (4a * ). Anatomia descriptiva. TERCEIRO A NI NIO Francisco Pinheiro Guimarães . . •(!" cadeira). Physiologia. Conselheiro Antonio Teixeira da Rocha .(2a » ). Anatomia geral e pathologica. Francisco de Menezes Dias da Cruz . . .(!3a » ). Pathologia geral. QUARTO A NI NI O Antonio Ferreira França. . . . . .(Ia cadeira). Pathologia externa. João Damasceno-Peçanha da Silva Exami- nador , » )• Pathologia interna. Luiz da Cunhà Feijó Júnior (3° » )• Partos, moléstias de mulheres pejadas e paridas e de recem-nascidos. Vicente Cândido Figueira de Saboia . .(4a » ). Clinica externa (3° e 4° anno). QUINTO ANNO Joã) Damasceno Pcçanha da Silva . . .(Ia cadeira). Pathologia interna. Francisco Praxedes de Andrade Pertence.(2a » ) Anatomia topographica, medicina operamri e appirelhos. Albino Rodrigues de Alvarenga . . . .(3a » ). Matéria medica e therapeutica. SEXTO ANNO Antonio Corrêa de Souza Costa . . . . (Ia cadeira). Hygiene e historia da Medicina. Barão de Theresopolis (2a » ). Medicina legal. Ezequiel Corrêa dos Santos (òa » ). Pharmacia. Vicente Cândido Figueira de Saboia. .(4a » ). Clinica interna (5° e 6° anno). João Vicente Torres-Homem ... .(4a » ). Clinica interna. Agostinho José de Souza Lima Benjamin Franklin Ramiz Galvão João Joaquim Pizarro João Martins Teixeira Augusto Ferreira dos Santos LEITES SUBSTITUTOS Secção Je Sciencias Accessorias Luiz Pientzenauer Cláudio Velho da Moita Maia José Pereira Guimarães Pedro Affonso de Carvalho Franco . Anlomo Caetano de Almeida (Examinador) • . . Secção de Sciencias Cirúrgicas. José Joaquim da Silva João José da Silva João Raptista Kossuth Vinelli (Examinador). Secção de Sciencias Medicas. iY.ft. A Faculdade nã > approva nem reprova as opiniões emittidas nasTheses que lhe *ão apresentadas ÍEIS ET ÃIICIS DISSERTAÇÃO PRIMEIRO PONTO Das grandes epidemias pestilenciaes e das regras e preceitos hygienicos que se devem observar uo iutuito de obstar o seu desenvolvimento ou propagação. Diftieile est proprie coinmunia dicere. Horatio. PREFACIO Esta these versa sobre um assumpto difficil e vasto. Essa vastidão e difficuldade attenuão os graves defeitos de que ella se resente. Novel, obscuro e sem grandes conhecimentos, não podíamos fazer cousa melhor. Fomos breves, laconicos talvez, pela força de motivos particulares. A lei quiz que apresentássemos esta ultima prova de capacidade intellectual. Eil-a. Boa ou má, ella vai ser julgada ; e o juizo dos mestres será o nosso juizo. CAPITULO 1 As epidemias pesiilciiciues Segundo a my thologia grega Jupiter,querendo castigar a Prometheu, enviou-lhe, para esposa, Pandora, depois de a ter presenteado com uma caixinha, onde todos os males estavão encerrados. Prometheu, desconfiando de uma cilada, não quiz recebe-la. Seu irmão, Epimetheu, aceitou Pandora por mulher, abrio a caixinha e todos os males se espalhârão pela superficie da terra. « Desde então, diz Hesiodo, (Opera et dies), todas as moléstias começárão a affligir a humanidade de dia e de noite • ellas vêm por si mesmas, sem que ninguém as chame, ferem em silencio, sem prevenir, porque o prudente Júpiter lhes tirou a voz.» Um passado remoto que, ha muito, sumio-se na noite dos tempos, comprehendia assim a origem das moléstias; a historia assignala como causas dessa falsa interpretação, a ignorância e superstição dos antigos que vião nas cousas, boas ou más, a influencia dos deoses. Não ha duvida alguma que a historia da pathologia é tão antiga como a historia da humanidade. Estavão, com effeito, os nossos antepassados submettidos ás mesmas influencias nocivas que nós; vivião no mesmo meio, possuião os mesmos orgãos. Tinhão de soffrer, portanto, como nós ora soffremos, as trans- formações organicas, os desequilíbrios de funcções que o tempo e as cousas que nos cercão sóem produzir. 10 Mas, ninguém pretenderá, por certo, que as moléstias epidemieas pestilenciaes sejão, todas, coevas do homem como póde-se suppôr a respeito das moléstias inflammatorias, catharraes e biliosas, cujas causas subsistirão em todas as épocas. Assim, quem estuda a historia das grandes epidemias, ao notar as épocas fixas de seus apparecimentos, não póde deixar de fazer a seguinte pergunta: Por que motivo esses grandes fiagellos humanos não tiverão principio com o homem, que evoluções na vida dos povos derão origem á sua existência? A não admittir-se, como a legenda, que elles cahirão, um bello dia, sobre a terra como uma tremenda avalanche, é forçoso reconhecer que são o resultado dos tempos, porque não têm causas conhecidas, existência necessária, porque, emfim, a historia da pathologia desenrola, a nossos olhos, um grande numero de moléstias extinctas, modificadas e novas. As moléstias epidemicas, individualidades mórbidas especificas, incorporarão-se, portanto, á humanidade depois de longa elaboração. E por que não seria assim ? Por que motivo as transformações por que tem passado a physiono- mia do globo não influirião sobre as moléstias, que são phenomenos naturaes ? Por que razão havião ellas de escapar a essa lei de muta- ção, cujos effeitos são tão geraes? Por que razão não haveria moléstias históricas, como ha animaes e vegetaes fosseis, como pergunta Charles Borsch ? Como os anjos exterminadores dos livros santos, as moléstias epidemieas pestilenciaes apparecem, hoje, onde encontrão condições telluricas especiaes, matão, somem-se sem que possamos, ao certo, prevêr a sua volta ou extincção. CAPITULO II HISTOIilCO Historia quoque modo scripta delectat. (Plinio). Febre amarella A historia da febre amarella ê posterior ao descobrimento da America. No dizer de alguns historiadores, Colombo descobrio simul- taneamente o Novo Mundo e a febre amarella. As primeiras noções sobre este grande flagello são muito obscuras. No século xv Oviédo, Heréra e Gromara chamarão-lhe peste. Na America hespanhola appellidarão-o vomito prieto, febre amarilla. Entre os médicos inglezes e americanos, Robert Jackson lhe chama the concentrated fever; Rush, the malignant bilious fever. E a febbre di Livorno, febbre gialla dos médicos italianos. É a febre remittente biliosa dos paizes quentes, de Lind; o typho icteroide,àe Cullen; o typho grave, typho tropicus, typho da America, a febre miasmatica, de Bally, Valentin e Dubreuil ; a febre adynamica, ataxica, acleno ner- vosa, de Pinei ; é emíim, a gastro-entero-cephalite, a gastro cephalite, a cephalite dos Drs. Rochoux, Lefort e Catei. Com o intuito de provar que a febre amarella era conhecida, desde muito tempo, entre os indigenas da America, cita-se um trecho de Heréra em que ellediz que—«de oito em oito annos elles mudavão-se de uns lugares para outros por causa de enfermidades que apparecião com o calôr. * Cita-se também a opinião do padre Raymundo Breton que, em seu diccionario da lingua caraiba, falia da palavra—homa- nhatina pela qual os indios caraibas clesignavâo o typho americano. Uoutro lado, as accusações dos indígenas contra os Hespanhoes, 12 de terem estes lhes importado a moléstia, o silencio do padre Las Casas parecem indicar que a febre amarella appareceu, pela primeira vez, em 1494. Como o Sr. Conselheiro Barão de Lavradio, pensamos que nenhum eseriptor chegou a demonstrar, cabalmente, o ponto de partida do typho americano. Importando pouco saber donde elle é originário e fazer a historia de todas as suas devastações pela Europa, Asia, África e America, occupar-nos-hemos sómente com a historia das epidemias que têm grassado no Brazil. Segundo os escriptos do Dr. Ferreira da Rosa, citados pelo Sr. Barão de Lavradio, a febre amarella appareceu, pela primeira vez, no nosso paiz em 1686. O Dr. Sigaud diz, em sua obra—Du climat et des maladies du Brésil—, que a moléstia observada por essa occasião, não apresentava os verdadeiros symptomas do typho icteroide. Não se pode, portanto, affirmar que a febre amarella tenha existido ou não, entre nós, em 1686. De 1849 para cá, varias epidemias se têm desenvolvido no BraziJ, e os Srs. Conselheiros Barão de Lavradio e Paula Cândido da Silva, Dr. Torres Homem e outros médicos distinctos, relevantissimos serviços têm prestado ao paiz fazendo sobre ellas aturados estudos. Em 1849 e em 1850 foi a Bahia invadida pela febre amarella. Mais de cem mil pessoas forão affectadas, e destas, quatro mil falle- cêrão. Reappareoendo em 1854 o mal de Sião, continuou a exercer sua perniciosa influencia até 1863, época em que extinguio-se, para voltar de novo em 1871, desde quando tem existido até agora de um modo esporádico. Ao mesmo tempo que a febre amarei la invadia, em 1849, a Bahia, lançava também suas mãos destruidoras sobre Pernambuco, onde, si bem que muito mais benigna do que na Bahia, fez, comtudo, 2800 victimas. Em 1852 reappareceu de novo e foi declinando até 1865, época em que ausentou-se, de todo, até 1870, desde quando reinou com extrema benignidade até fins de 1872. Em 1850 houve pequenas epidemias no Maranhão, Ceará, Parahyba e Piauhy. Em 1862 a febre amarella fez 400 victimas em Sergipe. No Pará, Alagoas, Amazonas e Espirito Santo observou-se em 1850 e em 1860 alguns casos esporádicos. Na cidade do Rio de Janeiro os primeiros casos de febre amarella derão-se em fins de 1849. Dessa época até 1850, 80,000 indivíduos forão accommettidos, fallecendo 4,160. Esta cidade estava nas melhores condiçõ es de receber a filha do Mississipe. « Agglomeração súbita de população pela chegada constante de immigrantes para a Califórnia, accumulação de africanos eivados de moléstias graves de toda a especie, calor ardentissimo no estio, sêcca prolongada, ausência de trovoadas, e, o que é mais grave, total aban- dono da hygiene publica, forão, diz o Sr. Barão de Lavradio, os elementos favoráveis ao desenvolvimento e gravidade da febre amarella ». Em 1852 contou-se 1943 victimas; em 1853, 853; em 1854 a febre amarella desappareceu para surgir de novo em 1857, fazendo 1,525 mortes. Desde então ella existio sempre, mais ou menos nos annos seguintes. Em 1870 cobrou novo vigor; em 1873 fez estragos consideráveis e no anno presente flagellou o povo fluminense, ajudada pela incúria do governo e dos particulares. ‘ Na província do Rio de Janeiro, o typho americano visitou Nitherohy, Campos, Mangaratiba e outros portos de mar. Appareceu em 1850) 1853 e 1859 na província de S. Paulo; em 1852, 1857 e 1870 visitou o Paraná.; em 1852 e 1870 mostrou-se em Santa Catliarina. Conclue-se deste resumo da historia da febre amarella: Io. Que as provincias de Goyaz, Matto-Grosso, Minas e Rio-Grande do Sul forão poupadas pelo monstro do Mississippi; 2o. Que elle tem exercido sua fatal influencia principalmente no Rio de Janeiro, na Bahia e em Pernambuco; 3o. Que parece a febre amarella ter-se tornado endemica na corte. Tal é, em duas palavras, a historia desse grande flagello no Brazil, dessa hydra de cem cabeças, que ergue-se sempre medonha e fatal, apezar de estudada e combatida por talentos da ordem dos Srs. Barões de Petropolis e Lavradio, Drs. Paula Cândido, Torres Homem e outros. Cholera Hippocrates, em seu 4o livro — De ralione in acutis, e Galleno, em seus — Commentarios sobre esses livros, fallào do cholera. Ambos dizem que elle appareceu sempre no estio, durante o reinado das febres intermittentes. Baillou, escriptor do século xvi, diz que o cholera foi sempre precedido por febres perniciosas e de máo caracter. O cholera que conhecemos hoje será o cholera desses tempos? A índia, onde dizia-se : Uma das quatorze cousas preciosas que os deuses produzirão agitando o oceano, é um medico instruído — a índia não nos offerece documentos scientificos. Entretanto, Daremberg affirma que o cholera que foi observado antes de 1817 era o cholera nostras. Fauvel observa que, pelo menos, o cholera tomou, em 1817, um caracter novo. Pensamos com Daremberg e Fauvel. Ao norte de Calcutá existe uma villa situada no Delta do Ganges? mal ventilada e rodeiada de uma quantidade immensa de aguas estag- nadas. Essa villa, que chama-se Jessore, foi o berço do cholera em 1817. Elle disimou as populações do Ilindostão, da Pérsia, da Asia Menor, da China e de Sião ; invadio as possessões inglezas e francezas ao sul da África, recuou diante do Cabo da Boa-Esperança, invadio de novo a Pérsia, subio ao Caucaso e mostrou-se em Astrakan em 1823. Retrocedeu, ainda, para a Asia, depois de atravessar as vastas pla- nícies da Tartaria. Em 1827 a Europa estremeceu á noticia de que o mortífero habi- tante do Ganges havia apparecido em Oremburgo. Nessa época o cholera invadio a Allemanha, a Áustria, a Italia, a Polonia, a França, a Hespanha e Portugal; saltou aos Estados-Unidos, onde fez estragos consideráveis em suas principaes cidades. Em 1846, 1854, 1857, 1861 e 1863 novas epidemias grassárão em diversos paizes da Europa. Foi em 1855 que o cholera, perfeitamente caraeterisado, appa- receu no Brazil, invadindo, primeiro, a provincia do Pará e os lugares ribeirinhos do Alto-Amazonas. De 16,800 pessoas que forão affectadas, 4,715 morrêrão. Os Drs. José da Gama Malcher e Camillo José do Valle, mem- bros da commissão de hygiene publica, sustentárão que a moléstia nào era nova na provincia, e, como prova de sua assersão, apre- sentárão os seguintes argumentos : Io. Que o padre Antonio Vieira, em cartas dirigidas ao governo portuguez, fizera menção de uma moléstia epidemica caracterisada por vomitos e diarrhea com dôres agudíssimas no ventre ; 2o. Que em 1827 o Dr. Antonio Corrêa de Lacerda observou o cliolera, em sua clinica; 3o. Que em 1833 e 1849 o cholera também havia apparecido, deixando-se conhecer pelos seguintes symptomas : febre precedida de calefrios, vomitos mucosos ou biliosos, dôres no estomago e ventre, lingua esbran- quiçada, prisão de ventre em uns, dysenteria em outros, dôres arthriticas e erupção de pelle ; 4o. Que a maior gravidade, em 1855, dependeu de causas extraordinárias, como calôr extremo desde os últimos mezes de 1854, falta de chuvas quotidianas, carência repentina de carne verde, uso exclusivo de bacalhau em péssimo estado etc. Em 1855 e em 1856, o cholera assolou a Bahia. Durante essas duas epidemias morrêrão, na capital, 9,849 pessoas ; na Cachoeira, 8,293 ; emMaragogipe, 1,894 ; em Santo Amaro,8,444; em Nazareth, 3,215 ; emValença, 1,647. Perturbações importantes no estado sanitario forão observadas em fins de 1854, e a commissão de hygiene publica attribuio o cholera a aguas pútridas e esterquilinos de extensão enorme. Em Julho de 1855, o mortifero habitante do Ganges fez erupção na Côrte, e devastou, diz o Sr. Barão de Lavradio, com mais intensidade, as ruas próximas ao littoral e ao mangue da Cidade Nova. Esten- dendo-se á Paquetá, Guaratiba e Ira já fez o considerável numero de 5,828 victimas. Reappareceu em 1867 e apenas matou 234 pessoas. O cliolera de 1855 estendeu-se á provincia do Rio de Janeiro. Em Campos morrerão 1,192 pessoas; em S. João da Barra, 605; em Nitlierohy, 480 ; em Barra Mansa, 328 ; em Cantagallo, 206; em Mage, 106 ; em Vassouras 72 ; na Estrella 114 ; em Mangara- tiba 29, e em Valença, 24. Fm 1855 e em 1866 duas epidemias grassárão na província de Sergipe, e, durante ellas, 22,000 pessoas fallecêrão. Em 1856 e 1861, Pernambuco soffreu dous insultos eholericos. No primeiro, morrêrão 37,586 indivíduos ; no segundo, 3,000. Em 1856, as Alagoas, a Parahjba, o Rio Grande do Norte, o Espirito-Santo, S. Paulo, Santa Catharina e o Rio Grande do Sul pagârão pesado tributo.Na Parahyba, morrêrão 25,735 pessoas; nas Alagoas, 17,000; no Rio Grande do sul 4,000. Peste. Nos annaes da mais remota antiguidade faz-se menção de muitas epidemias de peste. Papon as refere. No Exodo„ Moysés cita as seguintes palavras de Deus : Fiat pulvis super omnern terram Egypti; et erunt super homines et quadrupeda, ulcera, vesicce efferventes... Et facta sunt ulcera, vesicce efferventes. .. Et in hominibus et in quadrupedis facta sunt ulcera in veneficis et in omni terra Egypti. É impossivel formar-se opinião sobre a natureza dessa moléstia cem os dous únicos signaes : ulceras e tumores. Entretanto, Krause acredita na variola, e Daremberg conjectura uma verdadeira peste. A primeira grande epidemia de peste, bem conhecida, teve lugar em Athenas, no anno de 429 antes de Christo. Ella inaugura o apparecimento desses flagellos cosmopolitas que se substituem no curso dos tempos e infligem á familia humana o mais pesado tributo. Thucydides, em sua Historia da guerra do Peloponeso, faz delia uma brilhante descripção. Mais tarde, quatro centos annos depois, Lucrecio, cora grande habilidade, resumio, no ultimo canto do seu poema — De naturâ rerum.—os symptomas, a marcha e os soffrimentos que essa moléstia infligia aos doentes os quaes, em extremo do desespero, só pedião a De os uma morte prompta. A segunda epidemia teve lugar no anno de 395, antes de Christo. Diodoro da Sicilia, historiador grego, faz a sua descripção em sua —Bibliotheca Histórica,— e a atribue ao calor eá agglomeração de milhões de homens em um lugar baixo e pantanoso. Tito Livio diz que, em 174 antes de Christo, liouve, em Roma, uma grande epidemia que foi precedida de epizootia bovina, e que nem os cães nem os abutres tocavão nos cadavares que jazião sem sepultura. « Cadavera intacta a canibus et vvlturibus tabes absumébat, satisque constabat nec illo nee priore anno in tanta strage boum hominumque vulturium usquam visurn.» O mesmo disse Thucy- dides relativamente á peste de Athenas. No anno 66 da éra christã liouve, em Roma, durante o reinado de Nero, uma epidemia que, segundo Suetonio, matou, em dous mezes, 30,000 Romanos. Tácito, fallando a respeito desta epidemia, diz, em seus — Annaes, — que ella foi precedida por grandes per turbações meteorológicas. Em 161, quando o exercito romano apoderou-se da Seleucia, aprouve ao destino que mna nova epidemia se mostrasse. Essa epi- demia, que tomou o nome de peste Antonina, durou, segundo Anglada, 15 annos, e, na opinião de Littré, foi idêntica á de Athenas. Em 187, houve nova epidemia relatada por Dion Cassius; em 252, outra descripta por Eutropio, historiador latino, e na qual morrião, em Roma e em alguns lugares vizinhos, 5,000 pessoas por dia. De todas as epidemias de peste a mais fatal foi, sem duvida, a que desolou o mundo de 1348 a 1350. Foi chamada pestis atro- císsima, grande morte negra e morte. Os Italianos a appellidárão de peste de Florença, por causa, diz Iíenri Martin, das illustres victimas que ella fez nessa cidade que era, então, o mais importante fóco de civilisação na Europa. Foi e é, ainda hoje, mais commummente conhecida pelo nome de peste negra. O qualificativo negra, segundo uns, traduz o luto que cobria as populações; segundo outros, é filho da coincidência do appareci- mento de um cometa negro ; na opinião de Anglada, exprime, apenas, uma modificação na côr da pelle, post morte m. Sahindo de Cathay, a peste negra invadio a China. Depois de ter feito 13 milhões de victinias nesse paiz, chegou á índia, â Arabia, ao Egypto e, finalmente, á costa septentrional da África. Demorou-se algum tempo nas ilhas do Mediterrâneo, surgio, depois, em Florença ; appareceu no resto da Italia, na França, na Inglaterra, Bélgica, Hespanha, Hollanda, Suécia, Allema- nha e foi perder-se na fria Groenlândia. Tal é, em poucas palavras, a historia das principaes epidemias de peste, e com ella damos termo ao historico das moléstias pestilenciaes. As grandes devastações que o mundo tem soffrido por causa destes flagellos confrangem a alma . O espirito recria diante de tanta catastrophe e, instinctivamente, perguntamos, como Plutarco: Os monstros ainda virão? CAPITULO III Symptomatologia Se um historiador, relatando os feitos de um grande vulto, não fizesse a sua biographia e não descrevesse o seu physico e moral, commetteria uma grande falta. O que se dá com o historiador, dá-se, também, com o medico. O medico que escreve sobre uma moléstia, cuja origem perde-se na mais remota antiguidade, tem obrigação de conhecer as varias mutações por que ella tem passado. Os conhecimentos históricos das moléstias, sobre serem agrada- veis, como muito bem disse Daremberg, são de grande utilidade na vida pratica. Assim, em grave erro incorreria aquelle que, para com- bater o cholera epidemico, que ê cruel, empregasse os mesmos meios de que lançaria mão se, por ventura, tivesse diante dos olhos um caso de cholera esporádico, que é benigno. Para não commettermos essa falta e para que as pessoas alheias á medicina, que lerem esta the3e, possão fazer idéa das tres moléstias pestilenciaes sobre que escrevemos, procuraremos dar um acanhado resumo da symptomatologia da febre amarella, do cholera, e da peste. A marcha da febre amarella é dividida em tres periodos. No pri- meiro, chamado de reacção, congestivo ou inflammatorio, o doente experimenta um calefrio de intensidade variavel, cephalalgia forte, dôres lombares e nos membros inferiores, e febre intensa. A face torna-se animada, os olhos injectão-se, lacrymejão, a pelle apre- senta-se rubra, a lingua, em alguns casos, é saburrosa, em outros, a unica mudança que soífre é algum rubor na ponta e boi das. Ha dor epigastrica, algumas vezes ha vomitos, outras, nauseas. As ourinas tornão-se raras, mais vermelhas, e deixão, ás vezes, precipitar albumina pelo acido azotico ou pelo calor. Em quasi todos os casos observa-se constipação de ventre. O segundo periodo, denominado enganador por alguns patholo- gistas, quinico pelo Sr. Barão de Petropolis, intermediário e quinico pelo Dr. Torres Homem, é caracterisado pela diminuição da febre, dôres lombares e de todos os outros symptomas do primeiro periodo. Os doentes julgão-se bons. O medico, porém, não deve esquecer-se de que esse período é de decisão. O Dr. Torres Homem cliama a attenção de seus alumnos, e com justa razão, para quatro symptomas que podem existir nessa eminencia. Esses symptomas são: permanência da febre em gráo inferior ao do primeiro período, albuminúria, anxiedade epigastrica e insomnia. Isolados, esses quatro symptomas traduzem um prognostico dubio; reunidos, annuncião o apparecimento do terceiro período em toda a sua força e, quasi sempre, uma terminação fatal. O terceiro periodo, período hemorrhagico ou ataxico-adinomico, é caracterisado pela cor bem amarellada da pelle, pelas hemorrhagias que têm lugar no estomago, utero, bocca e tecido sub-cutaneo, pela anuria, pela albuminúria considerável, pelos symptomas ataxico-ady- namicos, como delirio, sobresalto dos tendões, carphologia, crocidismo, coma, tremor da lingua e soluços. Os symptomas do terceiro período não são constantes; apparecem, ás vezes, simultaneamente, o que é gravíssimo; em outras occasiões, se bem que raras, são só os plienomenos ataxico-adynamicos que se mostrão. O unico effeito directo do veneno cholerico ê um catarrho intestinal. A abundancia da transudação desse catarrho, diz o Pr. Jaccoud, decide das formas clinicas que apresenta o cholera, produzindo alte- ração na consistência do sangue. Assim, para o Dr. Jaccoud, ha tres fôrmas de cholera de gravidade crescente, segundo o espessamento do sangue é nullo, mediocre ou extremo: cholera mucoso ou catarrho cholerico, cholerina ou cholera seroso, cholera asphyxico ou paralytico. O cholera mucoso, que tem tomado o nome de diarrhêa premoni- tora, por traduzir o primeiro periodo de uma forma mais grave, tem, por symptoma fundamental, uma diarrhéa sem cólicas; as evacua- ções são compostas de matérias mucosas coloradas pela bilis. Ás vezes ha signaes de catarrho gástrico, de anorexia; a lingua torna-se branca, a bocca amarga; ha nauseas, sede, e mesmo um ligeiro movimento febril. As evacuações mucosas, posto que não muito frequentes, produzem fadiga e prostração extremas, tendencia ao resfriamento, e, em alguns casos, suores profusos. O cholera seroso é caracterisado por evacuações muito copiosas de matérias puramente liquidas, apresentando os caracteres que llie têm valido a comparação com canja de arroz. O liquido evacuado, composto principalmente de grande quanti- dade de agua, de epithelium e cellulas novas, ê tanto que, em pouco tempo, o doente prostra-se. Concorrem para o estado de prostração em que cahe o doente, as matérias vomitadas de natureza idêntica á das evacuadas e que appa- recem ao mesmo tempo. Tão grandes e continuadas perdas produzem, como effeito certo, o espessamento do sangue, e os resultados desse facto pathologico são: hematose menos activa, hálito frio, perda de turgescência dos tecidos < demora da circulação, pelle fria e cyanosada, diminuição na secreção da ourina, aphonia e sêde intensa. O cholera asphyxico ê o ultimo gráo a que póde chegar o cholera seroso. Quando o cholera chega a esse período, cessão os vomitos e eva- cuações por esgotamento do organismo. Depauperado em extremo, o doente soffre notável metamorphose, seus traços desfigurão-se j pelo desapparecimento do tecido gordu- roso os dedos e membros afilão-se, a pelle enruga-se e põe-se em equilibrio de temperatura com o meio ambiente. A stase circulatória é levada ao ultimo ponto, não só pela conden- sação do sangue, como pela paresia cardiaca. Como consequência das difficuldades de hematose, o sangue torna-se negro por se achar carregado de acido carbonico. Um individuo affectado de peste abandona-se, quasi completa- mente, á acção das leis physicas. Assim, elle permanece deitado, quasi immovel, dando signaes de extrema prostração. O seu fácies é o typo da indifferença, muito semelhante ao fácies de um doente de febre typhoide. Perseguido de insomnia atroz umas vezes, outras cahindo em coma profundo, o doente delira, e o delirio é manso ou furioso. O pulso torna-se frequente, pequeno ; o sangue condensa-se e torna-se escuro ; a temperatura eleva-se ; a respiração accelera-se. O doente vomita materiaes aquosas, ás vezes sanguinolentas, tem diarrhéa. Tantas perdas produzem sêde inextinguivel. Em época indeterminada, horas ou dias depois do apparecimento desses pri- meiros symptomas, o corpo do desgraçado cobre-se de bubões, anthrazes, carbúnculos, e de vários exanthemas. Os bubões pestilenciaes são tumores formados por ganglios lymphaticos. Nascem na verillia, axilla, nas regiões cervical e paro- tidiana e, raramente, no concavo popliteo. Os anthrazes têm a fórma de uma mancha vermelha de tres ou quatro dedos de extensão; são extremamente dolorosos ; occupão o dorso, as espaduas e as verilhas; terminão-se pela resolução ou gangrena. O carbúnculo ê formado por uma pustula coberta de serosidade negra. A mortificação, que invade as partes carbunculosas, penetra profundamente. O tronco, os orgãos genitaes, a face e o couro cabel- ludo são os lugares em que, ordinariamente, se observa o carbúnculo. Quando os bubões, anthrazes e carbúnculos apparecem simulta- neamente, ou, quando isolados, tomão um caracter serio, symptomas geraes muito graves vêm complicar a moléstia. Assim, uma viva reacção febril, dyspnéa atroz, abolição ou per- versão dos sentidos, soluços, syncopes e hemorrhagias vem aggravar o triste estado do doente, e este morre victima de tantos males que fazem da peste um medonho Protheu. CAPITULO IV Etiologia Nous ne connaissons le tout de rien. (Montaigne.) Por occasião dos grandes acontecimentos os espiritos se agução e todos querem conhecer as causas que lhes derão origem. Cada um explica o facto a seu modo, e engendra contos que nem sempre exprimem a verdade. Dahi a confusão e discordância. Isso que se dá na vida commum acontece, também, na vida scien- tifica. Em face das grandes epidemias, os homens da sciencia, querendo explicar as suas causas, creão theorias, ás vezes, singulares e absurdas. E que a etiologia desses flagellos está um pouco fóra do alcance da intelligencia humana e dos limites que Deos traçou ás nossas concepções e investigações. Assim, Hippocrates attribue as epidemias ás variações atmosphe- ricas. Sydenham observa as constituições metcorologicas e procura deduzir dahi as constituições medicas e, não podendo achar nas primeiras a causa completa das segundas, reconhece, nas qualidades do ar, um quid divinum. Admitte Sydenham, portanto, uma cons- tituição epidemica durante a qual todas as moléstias tomão um caracter especial. Hecker defende a etiologia cósmica, e pensa que as epidemias nascem de perturbações na ordem physica. Fuster julga que a verdadeira causa é uma combinação indeter- minada de causas cósmicas e de influencias moraes e políticas, e faz, no seu livro—Des maladies de la France— uma habil resenha das grandes crises moraes, precedendo sempre o apparecimento das moléstias pestilenciaes, e pede emprestadas a Noah Webster as provas que subordinão a geração das grandes epidemias ás influencias cósmicas extraordinárias. Podiamos citar muitas outras theorias, algumas excessivamente absurdas em que se dá, como causa dos flagellos pestilenciaes, a cólera dos deuses, a influencia de certos astros, etc. Pensamos, porém, como Cornilliac, que a etiologia das moléstias pestilenciaes deve ser deduzida do estudo dos accidentes e natureza dos terrenos e do das variações atmo- sphericas nos lugares em que ellas, de predilecção, exercem seus furores; e, por pensarmos assim, trataremos, separadamente, da etiologia da febre amarella, do cholera e da peste. Parece hoje fóra de duvida que o littoral pantanoso das regiões equinoxiaes é um fóco constante de febre amarella. 25 Se não bastasse para proval-o o facto de ter ella se tornado endemica em lugares pantanosos como Vera-Cruz,Havana, S. Domin. gos, Martinica e Antilhas, ahi estavão, para dar força a essa opinião, as observações de Proust, que em sua Hygiene Internacio- nal, diz ter o solo das Antilhas todas as variedades de pantanos, que podem dar nascimento ao miasma da febre amarella; do Marcus que, em seus — Annaes de litteratura medica, a attribue a ema- nações provenientes de matérias vegetaes e animaes putrefactas em aguas estagnadas ; de Bally que, como causas dessa moléstia em S. Domingos, aponta um calor excessivo e pantanoso de que a costa está cheia ; do Dr. Torres Homem que acredita em um miasma mixto, composto de partes paludosas e typhicas, e subordinado á influencia maritima. A pequena elevação do sólo acima do nivel do mar é, na opinião de muitos observadores, uma das condições pathogenicas da febre amarella, e afíirmão alguns que nos pontos collocados a 3000 metros acima desse nivel não se tem observado o typho icteroide. A meteorologia concorre, em grande parte, para o apparecimento do typlio americano. Assim, as epidemias de febre amarella são sempre precedidas de grande calor que, comtudo, quasi nunca excede a 26° ou 27a centígrados. Acreditão os pathologistas que os estios e invernos extremos são obstáculos ao desenvolvimento d’essas epidemias porque, no pri- meiro caso, ha dissecação rapida dos pantanos, e, no segundo, coagulamento dos miasmas. Em 1850, o Sr. Conselheiro Paula Cândido observou notável diminuição de ozona na atmosphera e notou que a epidemia, que então reinava, decrescia á proporção que aquelle gaz augmen- tava. Referem alguns pathologistas a influencia dos ventos; parece provável que elles, com effeito, concorrão para o desenvolvimento da febre amarella em lugares vizinhos aos fócos de infecção pela propriedade que têm de conduzir os miasmas. Pantanos, calôr, humidade, influencia marítima e modificações de electridade talvez, são, portanto, as causas que, na opinião de quasi todos os observadores, combinão-se para produzir o principio gera- dor da febre amarella. Para explicar a natureza desse principio, cuja existência é hypo- thetica, o distincto Conselheiro Paula Cândido diz que — «o ar atmospherico encerra, accidentalmente, corpos orgânicos, em fórma de gazes, que condensão-se com a neve e chuva, que são absorvidos por eorpos porosos que passão, sob a acção do ar e do sol, a acido carbonico, agua e ammoniaco que são demonstrados pelos reagentes chimicos em innumeras experiencias, e é o que se chama miasmas ou emanações organicas » . Accrescenta o Conselheiro Paula Cândido que nesses miasmas se dá um fermento excitador que é necessário para produzir-se a moléstia, e que esse excitador, actuando sobre os miasmas da febre intermittente, typhoide, etc., póde dar nascimento á febre amarella. A theoria do chorado professor de Physica não está isenta de defeitos, e o primeiro delles é o fermento excitador cuja existência não passa de uma hypothese. O Dr. Torres Homem pensa, como já o dissemos, que o miasma do typho icteroide é o resultado de uma combinação dos miasmas paludoso e typbieo modificados pela influencia marítima. Este modo de pensar, se não tem o brilho da verdade, possue, ao menos, o grande mérito de satisfazer o espirito, porquanto elle é filho do estudo da etiologia, symptomatologia e tratamento da moléstia. Causas predisponentes.—As indigestões, os excessos, as paixões vivas, o medo e a falta de aeclimação são, sem duvida alguma, causas predisponentes da febre amarella. A falta de acclimatamento e o medo têm, sobretudo, notável influencia no desenvolvimento desta moléstia, assim como no de todas as outras epidemias pestilenciaes. Assim, o numero dos affectados do typlio americano pertence, quasi exclusivamente, a indivíduos recem-chegados ao lugar em que reina a moléstia. Aqui no Rio de Janeiro é,com effeito, o que se dá.Por que esta predilecção ? - A resposta parece facil. Os indivíduos não acclimados respirão, de improviso, um ar viciado, sofírem a acção de um clima novo, quente, como é sempre o dos lu- gares em que se origina a febre amarella, e, por tal motivo, o orga- nismo, enfraquecendo-se, torna-se apto á acquisição da moléstia. Os lugares baixos e húmidos são aquelles que o cholera escolhe, de preferencia, para suas devastações. Tem elle reinado, com eífeito, em lugares’ pantanosos como Jessore, Bombaim, Madrasta, etc., e parece ter-se tornado endemico nesses lugares. Dão, ainda, força a essa opinião as abservações de Grriesinger, Farr, Mottard, Pettenkofer e tantos outros. Pettenkofer, não ligando importância á composição chimica dos terrenos, estudou, aturadamente, os seus caracteres physicos e reco- nheceu que as localidades, em que ocholera grassava epidemicamente estavão collocados em terreno poroso, permeável ao ar e á agua, e que as cidades edificadas em sólo composto de rochas e impermeável á humidade tinhão sido completamente poupadas. Hirsch é da mesma opinião. Não ha duvida, diz elle, que uma epidemia de cholera só tem lugar em localidades collocadas em terreno poroso e permeável; ao contrario, um terreno pediegoso, solido, não podendo ser penetrado pela agua, exclue o apparecimento dessa moléstia. Os factos aqui no Brasil confirmão, também, a grande influencia dos pantanos na producção do cholera. Na opinião dos Drs. José da Gama Malcher e Camillo José do Yalle, a epidemia que em 1855 assolou o Pará foi devida ás péssimas condições hvgienicas em que se achava a província e a excessivo calor. Na Bahia, a epidemia de 1855 foi attribuida, pela commissão de hygiene publica, a aguas pútridas e a decomposições de matérias organicas. A importância das condições atmosphericas na etiologia do cholera é manifesta. E no estio que elle mostra-se mais violento; um frio extremo parece ser um obstáculo a seu desenvolvimento, se bem que uma grande epidemia já fosse observada em Moscowcomuma tempe- ratura de 10° abaixo de zero. Os epidemiographos acreditão que o ar atmospherico que precede de pouco, as epidemias de cholera é húmido e quente, e que, diffioil- mente, move-se nas camadas inferiores. Ê muito provável que assim seja, porque calor e humidade são elementos que favorecem a putre- facção das matérias organicas, condição muito importante na etiologia do cholera. Na opinião de Hirsch e de Griesinger, o cholera é mais frequente na mulher que no homem, e a idade adulta é a mais sujeita a seus insultos. Posto que a infancia esteja em melhores condições de observar o miasma cholerico, parece verdadeira essa opinião se attender-se aos effeitos do terror. 0 cholera é uma dessas moléstias que mais numero de victimas faz na classe pobre. E, com effeito, entre os proletários mal alimentados e que vivem agglomerados em habitações húmidas que elle se torna mais grave e frequente. No Rio de Janeiro quasi que se tem limitado á raça preta. A conferencia de Constantinopla, tratando da influencia das agglo merações, formulou as tres leis seguintes : 1. a Toda a agglomeraçao de homens na qual se introduz o cholera é uma condição favoravel á extensão rapida da moléstia. 2. a A rapidez da extensão 6 proporcional á concentração da massa agglomerada. 3. a Em uma massa agglomerada qnanto mais rapida é a extensão da moléstia mais prompta é a sua cessação. Eis, em resumo, o conjuncto das causas do cholera apresentadas por muitos pathologistas ; são ellas que, actuando de combinação, dão lugar á formação do miasma choleriço, cuja natureza ainda não é conhecida. 0 Egypto foi, na mais remota antiguidade, um paiz de poesia. Tudo o que a natureza possue de esplendido ahi se encontrava. Estava elle livre dos inconvenientes de um clima rigoroso pela amenidade de seu sol, pela pureza do ar, pela fertilidade do solo e pela limpidez de suas aguas. Representantes da civilisação, os Egypcios accrescentárão, aosdons da natureza, os bens que a sabedoria, a força e a intelligencia huma- nas sóem produzir. Ao lado das pyramides, dos templos e monu- mentos de toda a especieque, de Thebas aMemphis, erguião-se orgu- lhosos, via-se as aguas do Nilo correrem por um systema de canaes admiravelmente concebido. Por toda a parte cultivado, cheio de habitações edificadas segundo as regras hygienicas, o Egypto foi, du- rante muitos séculos, um paiz dos mais sadios do globo. Atravessou, cheio de pujança, o dominio dos Pharáos, dos Persas, de Alexandre e parte do governo romano. Então, as cousas mudarão-se; os Egypcios, os homens das pyra- mides e dos grandes monumentos de outPora, passárão a habitar miseráveis cabanas, baixas e húmidas; na terra humedecida dessas palhoças deitavão-se , desordenadamente , familias inteiras ; a abumlancia de outros tempos foi substituída por extrema carestia das cousas mais necessárias á vida. Por toda a parte a miséria, e, mais ainda, a ausência completa de hygiene publica. Tinhão os cemitérios collocados no meio das cidades e sepultavão os corpos até no chão de suas próprias casas. O tempo e os homens destruirão os canaes, e o Nilo, espraiando-se, de quando em quando, pelas planícies, formava terríveis pantanos. Pois bem, foi depois dessa marcha retrograda da civilisação egyp- ciaca que a peste appareceu, e, assim, parece fóra de duvida que esse descalabro de costumes e da hygiene publica apressou o appareci- mento desse flagello pestilencial. Mas, os pantanos ea putrefaeção das matérias organicas animaes não são as únicas causas capazes de produzir a peste. Como acontece com a febre amarella e com o cholera, o calor e a humidade atmospherica tem grande influencia, e o desenvolvimento da peste é favorecido por uma temperatura de 20° a 30n Réaumur, e está sempre na razão directa da humidade atmospherica, como observou Pugnet. O terror como cama predisponeiite Não ha medico que ignore a influencia que o moral exerce sobre o physico dos doentes. Uma emoção dolorosa aggrava, muitas vezes, o estado de uma ulcera; um simples accesso de cólera, uma noticia súbita, o medo repentino tem matado muita gente, com uma presteza de raio. E Hippocrates já recommendava, como um dos primeiros deveres do medico que se animasse os desgraçados enfermos, e que, em seus espíritos, não se deixasse pairar a menor inquietação. E que a saude do homem depende em parte do estado do coração. Uma alma que aspira pela saude consegue, quasi sempre, o 31 restabelecimento do corpo, quando não lia impossibilidade material. Mas, uma alma fraca que se deixa dominar pelo terror, dá motivo a um prognostico fatal. Acredita um homem, por occasião de uma epidemia pestilencial, que está irremediavelmente perdido ; esse homem torna-se triste e medroso. A tristeza, roendo-lhe o coração, destroe-llie as forças; o medo, que não é mais do que uma perturbação da alma que se crê abandonada, traz a descrença. Doente, fraco e descrente é doente perdido. O terror em tempo de epidemias produz fataes resultados ; qua- druplica a mortalidade na opinião de Brayer. O dizer de Brayer é justificado pelas estatísticas, e estas provão que as crianças, cuja intelligencia não póde comprehender o perigo? pagão pequeno tributo ás moléstias pestilenciaes. No importantíssimo diccionario do Dr. Jaccoud vem transcripta uma legenda que reproduzimos pela sua singularidade. Um viajante foi escolhido para introduzir a peste em uma cidade. Depois de muito esquivar-se ao cumprimento de tão triste missão, elle aceitou-a e estipulou que o numero dos mortos seria limitado. A peste esteve tres dias nessa cidade, e o numero das victimas excedeu, de muito, ao numero marcado. As increpações feitas pelo viajante, a peste respondeu: Foi o medo que matou o excesso. Ao envez do terror, as impressões alegres produzem os mais beneficos effeitos. Assim, a peste não achou mais predisposições no exercito francez, em Jaffa, depois que Napoleão collocou a mão em um bubâo pestilencial. Em Varsóvia, segundo Brière de Boismont, o cholera diminuio de intensidade logo que os espíritos se acalmárão pelo descrédito das idêas do contagio. Como estes exemplos podiamos citar muitos, de que os livros de medicina estão cheios. Pelo pouco que temos dito vê-se bem quanto póde o moral sobre, o physico do homem. Ter animo, fé e esperança é, portanto? uma necessidade indeclinável em tempo de epidemias. Ninguém deve esquecer que a vida humana depende, como já o diss°mos, em grande parte, do estado do coração. A esperança salva, a inquietação mata. CAPITULO V As moléstias pestilenciaes silo contagiosas? A questão de saber se as moléstias pestilenciaes são ou não con- ta giòsas é uma questão difficil, é um desses problemas que maiores debates têm suscitado na sciencia, e que muitos julgão impossivel de ter uma solução. Sem duvida, evitaríamos de fallar a respeito se esse assumpto não formasse o ponto principal de nossa these e não fosse a fonte donde dimanará a segunda parte desta dissertação. A questão não e essencialmente medica; é, também, social. O bem-estar dos povos e o seu socego estão, em parte, presos á solução desse problema. Questões internacionaes têm liavido e ainda terão lugar por causa da divergência dos médicos no assumpto. As nações, poucas é verdade, aproveitão-se dessa indecisão para vários fins. Umas auferem lucros com lazaretos chronicos, outras desfeiteão suppostos inimigos. A Confederação Argentina está no ultimo caso. Com o intuito de fazer crer ao estrangeiro que a nossa querida patria é um foco constante de epidemias e, assim, desviar a corrente de emigração que da Europa se dirige á America, a Republica Platina fecha, quando bem lhe parece, seus portos aos navios que tocão em nossas plagas. A Providencia a tem castigado. O Brasil, o deleixado, tem soffrido muito menos que ella, a cautelosa. Que o digão as constantes epi- demias com que Buenos Ayres tem lutado, e, principalmente, a de 1871. É por isso que entendemos que toda e qualquer polemica tra- vada entre contagionistas e anticontagionistas, quando se trata de moléstias que affectão grandes populações e sérios interesses sociaes, não é completamente esteril, como já disse o distincto Dr. Torres Homem. O habil professor de clinica medica assim se exprimio porque os factos a que os coriphêos de uma e outra doutrina recorrem para sustentar suas opiniões chocão-se mutuamente. Falsos ou verdadeiros, prestão-se elles, com effeito, á susten- tação das duas theorias, o que, seja dito de passagem, é um grande mal para os contagionistas que, nelles, vêm a base de suas opiniões. Mas quando os factos, que, na opinião de Pariset, formão uma das primeiras autoridades em medicina, não resolvem uma questão, resta ao medico o raciocínio, e é para o raciocinio que appellaremos. Antes, porém, definamos as palavras contagio e infecção. E tal a confusão a respeito da definição da palavra contagio que a Com- missão da peste nomeada pela Academia de Medicina de Paris, em 1844, chegou á singular conclusão que a peste não era contagiosa e sim transmissível, não applicando a palavra — contagiosas — senão ás moléstias communicaveis por contacto immediato. E raro encontrar-se um autor que não comprehenda as palavras—contagio e infecção—de um modo especial; e, para que não haja duvida sobre o sentido que daremos a essas palavras, vamos definil-as de modo simples e generico. Entendemos por contagio o acto pelo qual uma moléstia deter- minada se transmitte de um indivíduo que delia é affectado a um indivíduo são, por um meio qualquer. Chamamos infecciosa a moléstia que é devida a causas locaes que vicião a atmosphera, e cuja acção póde-se estender alem do fóco que produz esse viciaunento. Ditas estas palavras vejamos qual das duas doutrinas tem mais direitos aos fóros de verdade. As idéas sobre contagio, relativamente ás grandes epidemias pesti- lenciaes, são falsas e filhas, sómente, de uma necessidade politica, em 1550 ; e, assim, podemos dizer que ellasnem têm por si a vantagem de provirem de uma convicção. Hippocrates, ereando os seus miasmata et inquinamenta, referio-se a uma causa geral affectando, ao mesmo tempo, um grande numero de individuos. O aer corruptus, o ventus pestilens da Biblia mostrão que a causa da peste reside em um viciamento da atmosphera. Não se encontra, nos velhos auctores de medicina, cousa alguma que diga respeito ao contagio das moléstias pestileneiaes, com excepção de Thucydides que, unico na antiguidade, fallou em contagionismo. De um lado Hippocrates, o grande observador, a Biblia, os velhos compêndios de litteratura medica ; do outro Thucydides que foi, sem duvida, um grande general e nunca um medico. Que fé nos pódeme- recer Thucvdides? Foi em 1550 que appareceu o contagionismo clássico j era o tempo de Machiavel e da Inquisição. Fracastor, querendo ser agradavel a Paulo III, que desejava a transladação do concilio de Trento para Bolonha, creou o contagio da peste, justamente na occasião em que os médicos no Egypto nega- vão-n’o formalmente. Estes factos, que só dizem respeito á historia do contagio, servem para pôr em relevo a origem da doutrina contagionista e fazer-se um juizo prévio sobre o que ella poderá ser actualmente. Para que possamos affirmar que uma moléstia é contagiosa devemos ter em vista tres condições : 1 .a Um ser homem ou animal, precedentemente doente. 2.a Um principio elaborado ou secretado pelo doente, 3. * A introducçào desse principio no organismo do homem são, produzindo a mesma moléstia de que emana esse principio. As moléstias incontestavelmente contagiosas gyrão sempre na orbita dessas tres condições precitadas e propagão-se tanto mais quanto os homens mais se expõem ásua contagiosidade. As moléstias epidemicas pestilenciaes têm existência diversa, appa- reeem na ausência de qualquer doente e só em virtude de causas loeaes, extinguem-se apezar das relações incessantes dos homens sãos com os homens doentes. Ora, essa diversidade das manifestações principaes das moléstias realmente contagiosas e das moléstias pestilenciaes põe fóra de duvida que o contagio das ultimas não existe. Não negão os contagionistas que as moléstias pestilenciaes possão provir de uma causa desconhecida e reconhecem assim que ellas são infecciosas. Em favor da doutrina anticontagionista ha uma consideração de muito valor, e é aquella que se funda na espontaneidade das mo- léstias. Com effeito, a não adrnittirmos as idéasde Nacquart e de J. Adams, segundo as quaes seriamos levados a vêr no primeiro homem um com- pendio completo de pathologia, ou a não querermos resolver o famoso problema formulado por Voltaire, e procurarmos, com elle, onde e como o primeiro germen teve nascimento, seremos obrigados a negar o contagio das moléstias pestilenciaes. Para que, então, attribuir-se ao contagio e nâo á infecção o appa- recimento do cholera, da febre amarella e peste em uma cidade ou hospital ? Na casa de saude do Bom Jesus do Cal vario e na enfermaria de clinica medica nunca observámos um unico caso de contagio de febre amarella, e nesses lugares, existião todas as condições para que elle se désse. No Paraguay, os doentes de cholera, segundo o Dr. Pereira da 36 Silva, distincto direçtor da casa de saude do Bom Jesus, erão trata- dos em enfermarias geraes, onde existião doentes depauperados por ferimentos antigos e moléstias clironicas, e, entretanto, nem um só caso de contagio teve lugar. O facto de individuos que tem visitado navios provenientes de portos infectados de cholera, febre amarella ou peste, serem logo depois acconnnettidos de moléstia idêntica, não serve de argumento em favor do contagionismo. Um navio que *ahe de um porto infectado leva, aprisionada com o carregamento, uma certa quantidade de ar do ponto de partida. Á chegada desse navio em porto estranho, os visitantes respirão um ar viciado, como que se transportão ao fóco deinfecção. O proprio Fauvel ê dessa opinião, e elle diz que o cholera nào pode ser transportado por homens que atravessão o deserto em caravanas, em quanto o e em navios. Na opinião de todos, dos proprios contagionistas, as moléstias pes- tilenciaes, quando sporadicas, não são contagiosas. Porque, então, o serião no estado epidemicío ? Os contagionistas respondem a essa intorrogação com um subterfú- gio, e dizem que o contagio não é um faato constante, um caracter inherente á natureza da moléstia, considerão-o como uma qualidade nova, um elemento secundário que se une á moléstia e que póde existir ou não. O enunciado dessa explicação dada primeiro por Perlinus e sus- tentada por Fodéré, basta para que possamos ajuizar do gráo de verdade nella contido. Admittil-a seria acreditar no contagio de todas as moléstias. Reuna-se ao que temos dito a inutilidade completa das quarentenas e cordões sanitários, e poder-se-lia talvez affirmar que as moléstias epidemicas pestilenciaes não são contagiosas. Acreditamos isso, e sentimos estar em divergência com o intelli- genteDr. Souza Costa que, este anno, em duas eloquentes lições, mostrou-se contagionista extremado. Approximamo-nos mais do Sr. conselheiro Jobim, que não é completamente adversário da doutrina anticontagionista, como o disse, no Senado, na sessão de 16 de Abril deste anno. Para nós o contagio das moléstias pestilenciaes reside no ter- reno, nas condições atmospliericas e no mephitismo animal. Por que motivo, porém, a febre amarella tem tanta predilecção pela America, o cholera pela índia e a peste pelo Egypto ? A sciencia é muda a esse respeito, se bem que Martin Damourette, querendo explicar essaspredilecções, tenha dito: « L Amérique estie pays de Tintempérance, le travail d’élimmation du foie est exagéré, d’oíi la fiévre jaune ; l'Inde est la contrée de la misère, et l’on sait que le choldra se manifeste de préférence chez les sujets aífaiblis ; la peste se rapproche du charbon qui reconnait, pour cause première, la putrefaction des matières animales; or elle sévit en Egypte à la suite des debordements du Nil qui dépose, sur le sol, un grand nombre dmfuaoires en voie de corruption. » Lazaretos c quarentenas. A divergência que existe entre os liygienistas a respeito da etiologia das moléstias pestileuciaes têm collocado os governos em sérios embaraços. De um lado os contagionistas a pedirem, instan- tement.e, os lazaretos e quarentenas; do outro, os coriphêos da dou- trina da infecção a condeumarem essas medidas e a apontarem os pantanos e matérias organicas em putrefacção como a verdadeira causa dessas moléstias. Como muito bem disse o illustrado Sr. Dr. Caminhoá, em seu discurso sobre — As Quarentenas — pronun- ciado no congresso medico internacional de Vienna, os governos vêm-se assim collocados em um dilemma terrível: ou o horror de contribuir para as hecatombes humanas, ou a dor de prejudicar o interesse dos paizes, pondo embaraços á colonisação e ao commercio. A questão, portanto, ê importantissima e, sem duvida, procura- ríamos escrever sobre ella um longo capitulo, se não estivessemos convencidos da inutilidade desse regímen sanitario. E, por isso, apenas diremos algumas palavras sobre a sua historia. r E ao tempo das cruzadas que se prendem os lazaretos e qua- rentenas. Forão os primeiros fundados sob a invocação de S. Lazaro e destinados a receber os leprosos. Passarão, depois, a receber indi- viduos e mercadorias vindas de paiz estrangeiro onde reinasse epide- mias pestilenciaes. A lei exigia que os viajantes ficassem reclusos durante quarenta dias ; dahi o nome de quarentenas, que, ainda hoje, õ, impropria- mente, empregado. Veneza, tendo visto o seu território assolado pela peste no século XII, introduzio, a primeira, os lazaretos na Europa. No século XV, a França, a Hespanha, a Allemanha e 0 resto da Europa os importárão, e as instituições sanitarias, em breve, se espalharão pelo Oriente. Fallando do lazareto de Veneza, Horrard disse : « O meu apo- sento consistia em uma camara muito immunda, repleta de bicha- ria, sem cadeira, sem leito, sem mesa ; mandei lavar, durante um dia inteiro, o meu quarto ; esta lavagem não purgou-o do máo cheiro, nem dissipou as dôres de cabeça que sentia. » Sobre o lazareto de Marselha, Alby disse o seguinte : « Nunca se vio cousa mais mal ordenada, ha perigo em ahi se achar e parar. Em 1821, Cliervin abalou nos médicos e no governo da França a crença no contagio da febre amarella e 11a efíicacia das medidas sanitarias, e a França reduzio a 15 dias o tempo das quarentenas. Em 1824, a Inglaterra seguio 0 exemplo dado pela França. Para fazer-se idéa do modo por que os doentes erão tratados nos antigos1 lazaretos, citaremos alguns periodos do discurso do Sr. Dr. Caminhoá. Les peuples de tous les pays et les médecins en general avaient peur de s’approcher des malades qui, presque toujours, mouraient sans le secours de la Science, et dont les cadavres restaient pendant long-temps sans sépulture. Quelques uns de vous auront encore probablement vu les costumes en taffetas ciré, les tenailles, les fers incandescents placés entre le lit du malade et le médecin, les bistouris d’un mètre de longueur, et ces monstrueuses instructions, soi disant hygiéniques, qui ordonnaient aux cliniques du lazaret de passer la visite à 12 mètres de distance du malheureux malade, qui voyait, devant lui un monstre du fétichisme au lieu de 1’ami calme et sublime du souffrant ! » Que utilidade os lazaretos ofierecem ao bem publico ? Foi muitos annos depois de sua creação que a peste deixou de affligir a Europa, e isto coincidio com o começo do desenvolvimento da civilisação no século xvm. Antes da existência dessas casas de reclusão, no largo tempo de tres séculos, a Europa foi invadida por 105 epidemias ; nos tres séculos que seguirão-se á sua installação ella soffreu 143 insultos epi- demicos. Mesmo no tempo em que as quarentenas erão rigorosa- mente cumpridas, as moléstias pestilenciaes zombárão sempre dessas suppostas barreiras. Hoje, os lazaretos existem pro formulâ e o nosso da Jurujuba só serve para mostrar a facilidade com que despendemos dinheiro. No dizer 'de pessoa muito competente, os passageiros em qua- rentena nesse lazareto são ahi visitados e passeião mesmo pelas ruas desta cidade. Vê-se bem a inutilidade desse systema sanitario que, por inca- paz de pôr um paradeiro á marcha das epidemias, constitue um grande protesto contra a doutrina contagionista. Com excepção da França, Hespanha e Portugal onde elle existe completamente modificado, as outras nações da Europa o abandonárão de todo, e nem por isso a historia de suas pathologias relata maior numero de insultos epidemicos. Antes, pelo contrario. O Brazil deve seguir o exemplo desses paizes e acabar com esse systema caduco, condemnado pela scien- cia e escarnecido pela pratica. Isifecçao Porque pensamos que as moléstias epidemicas pestilenciaes são infecciosas, dedicamos á theoria da infecção algumas palavras. Vinte e nove annos depois de Fracastor crear a escola contagionista, Silvano Facio fundou, scientificamente, a escola contraria, e, por direito de antiguidade, foi proclamado seu chefe. Até então a escola anticontagionista tinha por base um acervo de theorias extravagantes. Com excepção de Hippocrates, que podemos considerar verdadeiro chefe da doutrina da infecção, os outros médicos, não conhecendo de perto a causa das epidemias, as attribuirão a forças occultas, a influencias divinas, sideraes, etc. De 1579 para cá, as idéas de Facio ganharão terreno, e as definições mais arrojadas forão lançadas no mundo scientifico. Assim, disse-se: Moléstia infecciosa é toda a moléstia provocada por um agente morbifico, de que o ar é vehiculo. Ora, esta definição vai além da verdade, porque o espirito recusa crer que as emanações mercuriaes, plumbicas, etc., deixem de ter as mesmas propriedades que possuem em estado solido e que produzão acção diversa do envenenamento só pelo facto de serem conduzidas pelo ar. Abrange essa definição, também, o virus contagioso que, por achar-se suspenso na atmosphera, não perde a propriedade do contagio. A theoria da infecção não deve suffocar assim a theoria do conta- gionismo. Cada uma em sens limites. Definimos infecção toda a acção mórbida exercida sobre o homem, pelo ar impregnado de matérias organieas não contagiosas e provenientes de causas locaes. Ficão separadas deste modo as duas doutrinas, sem risco de se destruírem, confundindo-se. A theoria da infecçâo creou — os miasmas — que, segundo sua origem, são: palustres, animaes e pútridos. O miasma palustre, cuja esphera de actividade é difficil determinar-se rigorosamente, tem existência que se impõe pela manifestação de effeitos que são diversos e variados. Rigaud de 1’Isle, citado na excellente tliese do Dr. José de Azevedo Monteiro, querendo demonstrar, experimentalmente a existência desses miasmas, condensou sobre as paredes de um balão cheio de gelo os vapores das lagoas Pontinas, e observou que elles continhão ammo- niaco e frocos de neve. Boussingault, com o mesmo fim, recolheu o gaz exhalado pela vasa dos pantanos de Nova Granada, e fazendo passar uma corrente desse gaz sobre a potassa, obteve uma substancia negra que ardia. Como Boussingault e Bigaud, muitos outros procurárão descobrir os miasmas palustres e sempre debalde. Salisbury, medico americano, examinando os escarros de doentes de febres intermittentes, descobrio cellulas de algas do genero Palmella? e pensa que os miasmâs palustres não são outra cousa mais do que essas cellulas. E por causa dessas tentativas infructiferas e resultados ainda não perfeitamente averiguados que apparecem theorias como a de Armand, que nega a existência dos miasmas palustres, e dá, como causa das febres intermittentes, a acção dos phenomenos termo- electricos—hygrometricos, e como a de Burdel, para quem o miasma palustre é constituído por um fluido particular que emana do sólo, onde se produz uma acção electro-chimica especial. Os miasmas animaes são princípios que provêm de animaes vivos. A vida humana é entretida pelo exercicio de duasordens de funcções. Por uma, o corpo se apropria, constantemente, de materiaes neces- sários a seus gastos; por outra, regeita aquelles que, por soffrerem metamorphose especial, tornão-se incapazes de um fim util. E por causa do exercício constante dessas duas ordens de funcções que os corpos vivos produzem miasmas e estão sempre promptos a ab- sorvei-os. Miasma pútrido é um miasma proveniente da putrefacção dos cadaveres. Os fócos de infecção produzem miasmas dessas tres espeeies. Com o calor esses effluvios crescem de numero, elevão-se e pairão na atmos- phera. Quando a temperatura baixa o cumulus desce compacto e exerce, então, os maléficos effeitos de que todos têm conhecimento. SEGUNDA PARTE Regras e preceitos hygienicos que se devem observar no intuito de obstar o desenvolvimento das grandes epidemias pestilenciaes. CAPITULO VI Po capitulo dedicado á etiologia, deprehende-se quaes sejão os meios a lançar mão no intuito de obstar o desenvolvimento das mo- léstias pestilenciaes. Para não fallarmos de cada um delles por sua vez e não darmos assim grande volume a esta these, faremos uma ligeira descripção das condições hygienicas em que se acha a cidade do Rio de Janeiro e deduziremos, então, as medidas que cumpre executar com o fim de obstar o desenvolvimento das epidemias pestilenciaes. 4 Cidade do Rio de Janeiro. Situada na costa oriental da Ameriea do Sul a 22°, 54’ e 72” de latitude do sul, e a 2o, 52’ e 32” de longitude do meridiano de Greenwich, a cidade do Rio de Janeiro goza a temperatura média annual de 23° centígrados e, nos casos de maior calor, o thermo- metro oscilla entre 27° e 30°, nunca descendo nos dias mais frios a menos de 15°. Centro mais importante da America do Sul, o Rio de Janeiro pisa sobre um plano furtivamente elevado acima do mar, mas que, de dia a dia, se eleva e se alonga não só em virtude dessa elevação successiva que experimenta o continente Sul-Americano, como também pelos aterros com que o genio do homem vai roubando ao oceano seus dominios superabundantes. Banhada pelo Atlântico que, lambendo-a em um gvro semicircu- lar, dá-lhe a fórma a mais graciosa, ella vê nas orlas sinuosas de suas praias carregadas de ribas, arvoredos e casarias, desenrolar-se, com aguas azul-celestes, que reverberão em languida ondulação, a mais bella bahia que é possivel apresentar-se aos enlevos de uma vista ainda que aífeita aos sublimes quadros da natureza tropical. Ao sul e oriente, agigantão-se altas montanhas, elevadas penedias onde brotão crystallinas aguas que se enroscando em murmurio por mil quebradas sinuosas, vem de salto em salto, engrossando-se aqui e alli, com outras limpidas correntes, saciar a sede da grande cidade. Além dessas montanhas que a rodeião em semicirculo e que, encor- dilheirando-se, simulão, do alto mar, um gigante que dorme, lindos outeiros sobreelevando-se aos mais altos edifícios, enfeitão a grande capital ou sobrecarregados de habitações, ou sombreados por luxu- riante vegetação,atravez de cujos resquícios transparecem mil chacaras da mais pittoresca perspectiva. Emquanto as serras e outeiros, assoberbados pela riqueza de sua viridente roupagem, embalsamâo a atmosphera com suas fragrancias ineffaveis, emquanto o Corcovado lá se mostra, nas alturas, nii, des- carnado e firme como uma sentinella avançada, emquanto lá surge, na entrada da baliia, o Pão de Assucar que se aguça em rochedo massiço; mais abaixo um sólo sobremodo liumoso, que occulta debaixo de tenue crosta um vasto pantano subterrâneo e que deixa destillar de si, com profusão, o veneno subtil do impaludismo. Em torno da ampla baliia aberta em uma enseada de cinco léguas para beber as aguas de dezenove preguiçosos rios, estende-se ainda uma vasta esteira de pantanos terriveis. Os miasmas, que em bulcões de lá se elevão,agarrados pelos ventos, vem voando em correntes impetuosas até ás cercanias da cidade. Ahi encontrão as cordilheiras que, de quando em quando, oppõem obstá- culos á sua marclia, até que, finalmente, a onda miasmatica irrompe por caminho facil, e parte delia singra pela barra fóra, e a outra doudeja confusa na atmospliera, que se agita sobre a cidade entregue a seu lidar afanoso. Graças, porém, ás leis que os regem, esses miasmas torvelinhão suspensos pela força do calor do dia; mas, desde que cahe a noite, desde que a irradiação da terra se incrementa, eITes, aproveitando- se das trevas, descem em cumulus mephiticos sobre a cidade incauta. Una-se, agora, a tudo isso o revolvimento continuo do sólo que exigem o estabelecimento e conservação dos tubos d’agua, luz e esgotos, que, graças aos nossos progressos, minão todo esse chão; una-se, ainda, a privação, no coração da cidade, dos bafejos do mar, á cuja brisa serve de obice o morro do Castello, e mais, também, a escassez das chuvas, tão frequentes outr’ora em que tremendas tem- pestades, acompanhadas de estridentes descargas electricas, despe- nhavão-se em jorros pelas ruas fluminenses ; attenda-se mais ás ruas húmidas e apertadas, a essas posilgas apinhadas de pobreza, miseras posilgas sem ventilação, ao deleixo da policia urbana ; e ser-se-lia forçado a admittir que tantas circumstancias etiologicas reunidas são mais que sufiicientes para explicar o apparecimento das moléstias pestilenciaes na cidade do Rio de Janeiro. As aguas fornecidas pelas fontes que nascem do seio da terra, pelos rios que transbordão, pelas enchentes que banhão os valles, pelo mar que reflue sobre o littoral, estagnando na superfície ou entre as camadas de um solo pouco permeável, sem escoamento natural ou artificial, forrnào, com as matérias organicas ahi depo- sitadas, esses pantanos maléficos que pullulão por todo o globo. A America parece ostentar, por luxo, a exuberância de seus pantanos que souberão arrancar a Buffon uma pagina brilhante. O Brasil, que, segundo Humboldt, tem a immensa superfície de 250 mil léguas quadradas marinhas, que desde o Amazonas até o Prata é atravessado por um sem numero de rios e re- gatos, esta vasta região do hemispherio sul onde ha planicies intermináveis, não podia deixar de ser bem aquinhoado na partilha dos pantanos. O Rio de Janeiro é, talvez, um dos lugares que soffrê- rão maior prodigalidade da natureza na repartição dos fócos palus- tres. Se hoje elle não merece o nome de Lagoas pontinas do Novo- Mundo, não está ainda completamente livre desses fócos de mo- léstias que a incúria dos governos alimenta. Basta cavar uns quatro ou cinco palmos para ver se a agua surgir, e, como se não bastasse esse vasto pantano subterrâneo, ahi temos Bemfica, S. Christovão, a lagôa de Rodrigo de Freitas, o Canal do Mangue e outros ainda, que formão muitas variedades de pantanos. Quaes são os resultados desses fócos de infecção nesta cidade ? A grande classe das pyrexias e as moléstias pestilenciaes que nós, infelizmente, conhecemos. O chorado Dr. Paula Cândido, examinando as aguas estagna- das, chegou á conclusão de que ellas são prejudiciaes á saude pela pobreza de oxigeno e abundancia de principios deleterios que contêm. A opinião do Dr. Paula Cândido está de accordo com a grande maioria de observadores de todos os tempos. Hippocrates dizia: « bibentibus constabat splenes esse magnas et plenes *. Magendie injectou nas veias de animaes agua de pantanos e observou o apparecimento de moléstias semelhantes á febre amarella e typlio. Griesinger refere casos de cholera devidos exclusiva- mente á ingestão de aguas estagnadas. Assim, parece fóra de duvida que a ingestão dessas aguas pro- duz grandes males, que só encontrão iguaes naquelles causados pela respiração dos effluvios palustres. Johnson conta que, de vinte e oito soldados que se expuzerão ás emanações de um pantano, dezeseis tiverão febre intermittente, quatro dysenteria, quatro o cholera e quatro a febre amarella. Bonnet diz que, de vinte e oito soldados que roteavão um outro pantano, dezeseis adoecerão de febre intermittente, tres de cholera, cinco de dysenteria e quatro de febre amarella. 49 Entre nós a acção dos effluvios palustres é subordinada ãs esta- ções. L ao meio dia que elles são menos nocivos, acompanhão os mo\imentos da atmosphera, elevao-se e irradião-se tanto que 0 seu escasseamento na superfície da terra deve ser quasi completo. A tarde contrahem-se as camadas atmosphericas, e os miasmas concentrão-se, até que, por seu peso especifico ou pela condensação dos vapores que lhes servem de vehiculo, precipitão-se sobre e em volta do abysmo que lhes deu nascimento. No Rio de Janeiro, assim como em todo o Brazil, a força vegetativa contraria muito a malignidade dos miasmas paludosos. Acreditamos que, se não fossem os pantanos, estaríamos livres da febre amarella, do cholera. e de todas as affecçoes paludosas, e que elles representão o principal papel na etiologia das moléstias pestileneiaes 5 e, por pensarmos assim, diremos que o governo e camara municipal devem empregar todos os esforços para des- truir-se esses focos pestilenciaes, dissecando, aterrando e canalisando as aguas estagnadas. Em época próxima foi motivo de grande preoccupação dos gover- nos da Europa o melhoramento dos esgotos, que em Roma occupava a Cicero e que tinha suas divindades para presidil-o. Pariz soffreu lamentáveis desgraças e uma critica amarga de seus filhos e do estrangeiro, emquanto não possuio esse melhoramento. Londres teve quem dissesse que o máo serviço de limpeza era peior do que centenas de cães damnados soltos na cidade. Pariz e Londres têm melhorado constantemente o seu systema de esgotos, e são hoje as cidades mais aperfeiçoadas nesse grande melho- ramento. Comprehende-se bem que um objecto que preoccupa ainda hoje os governos e hygienistas europêos não póde ser perfeito aqui 50 onde quasi tudo é copiado de lá e onde existe tanto desprezo pela saude publica. Assim, em matéria de esgotos riós estamos muito áquem das principaes cidades da Europa. Mas, uma cousa parece fóra de duvida e é que, relativamente aos antigos meios de lim- peza, grandes vantagens obtivemos com o actual systema de esgoto. Anteriomiente á companhia City Improvements o serviço dos des- pejos era feito de um modo lastimoso. Valias estreitas, pouco profundas e sem declividade, abertas segundo as necessidades da população, recebião as aguas das casas, das chuvas, as immundicias e as matérias fecáes, e, com seu fun- do lodoso e infecto, constituião-se focos perennes de mephitismo animal e vegetal. As praias, quintaes e praças erão receptaculo de todas as iramun- dicias donde se exlialavão miasmas pestíferos e gazes deleterios. Causa admiração que, ao lado de quadro tão contristador, e que era uma verdadeira vergonha para nós, se notasse uma salubri- dade que nos mereceu honrosos epitlietos e citações de homens eminentes. A explicação parece estar nas condições de outr’ora. Se tínhamos um mephitismo incontestável, não possuíamos uma popu- lação tão agglamerada ; tinliamos, também, grandes mattas que o gume do machado da civilisação foi pouco a pouco, destruindo ; tínhamos estações regulares, chuvas torrenciaes e beneficas trovoa- das ; não conhecíamos tanto os theatros, os bailes e os jogos que enfraquecem o corpo, effeminando a alma. E quem sabe se, com efieito, não existia já nesses tempos a febre amarella ou o cholera V Os médicos de então referem varias moléstias que grassavão endé- mica e epidemicamente, e alguns dizem mesmo que observárão algumas muito semelhantes á febre amarella e ao cholera. Parece, portanto, fóra de duvida que o systema de esgotos do Rio de Janeiro offerece grandes vantagens aos habitantes dessa cidade. Contrista-nos, porém, a alma que, reconhecido util e necessário esse melhoramento, os governos não tratem de corrigir os grandes defeitos que, por certo, os tem, e conservem-se surdos* aos justos clamores da Junta de Hygiene Publica. Entre os defeitos de que re- sentem-se os esgotos do Rio de Janeiro, devemos mencionar a falta de declividade, a falta d'agua, a collocação dos canos muito á superfície, e canalisação con mum a muitos prédios. E, sem duvida, por causa da falta de declividade que tantas obstrucções têm havido nas diversas galerias e collectores subsidiários. Assim, por causa de obstrucções os encanamentos forão abertos 177 vezes em 1869, 219 em 1870, 192 em 1871, 197 em 1872. Não ê pequeno o mal que resulta dessas aberturas constantes; gazes pútri- dos desprendem-se das galerias e das matérias collocadas no meio das ruas vão exercer maléfica acção sobre a população desta cidade e principalmente sobre aquelles que se aclião proximos desses fócos de infecção. Pensão alguns, e entre elles os Srs. Drs. Souza Costa e Torres Homem, que os inconvenientes das obstrucções podem ser sanadas com abundancia d’agua que ê o elemento principal para um bom serviço de esgotos. Não partilhamos dessa opinião. Com effeito, com a falta de declividade de que resentem-se os esgotos e com as continuas obstrucções algumas vezes devidas á baixa de uma das extremidades dos tubos, que outra cousa mais poderão fazer as aguas do que romper os encanamentos áquem dos obstáculos ? Accresce uma causa : o nosso systema de esgotos ê mixto, isto é, as aguas pluviaes correm pelos mesmos tubos por onde transitão as matérias fecaes. Os inconvenientes desse systema patenteão-se e para tornal-os mais salientes ainda, citaremos as seguintes palavras do Sr. Barão de Lavradio : < Em 1872, as obstrucções e suas consequências não se extin- guirão, antes parecerão augmentar depois das grandes chuvas, talvez em razão das areias e terras arrastadas para os encanamen- tos pelas aguas. » Aprofundar mais o assentamento dos canos em algumas ruas, é uma medida de que ha muito se devia ter cuidado; é muito com- mum, ao levantar-se os calçamentos, observar-se tubos quebrados por causa, sem duvida, do peso das grandes carroças que frequen- temente transtão nas ruas de maior commercio. A s vantagens que se deve colher da canalisaçao especial para cada prédio são manifestas. Todos os dias vê-se os empregados da companhia City Improvements revolverem o sólo de muitas casas para destruirem urna obstrucção em uma delias. Sobre ser incommodo, é máo para a saúde dos liabitantes dessas casas esse revolvimento, qne a um só aproveitará. A canalisaçao especial, sanando esses inconvenientes, constitue-se um grande me- lhoramento, Prover abundante quantidade d'agua para as necessidades domes- ticas e publicas, não permittir grande agglomeraçao de pessoas em hospitaes, collegios e prisões, remover os hospitaes para fóra do centro da cidade, velar sobre a qualidade dos generos expostos á venda, e sobre a limpeza das ruas e praças, são medidas hygienicas de que a administração publica deve lançar mão no intuito de obstar o desenvolvimento das moléstias pestilenciaes no Rio de Janeiro. A agua é um agente intimamente ligado ás funcções da vida, e os antigos davão-lhe já grande importância, como o provão esses canaes, aqueductos e monumentos hydraulicos que ainda lioje se observa na Pérsia, Egypto, Grécia e Roma. Nos tempos modernos, nenhum paiz culto esquece essa questão vital e, de dia a dia, novos melhoramentos se realizão. No Rio de Janeiro, questão de tanta magnitude não tem despertado grande zelo dos governos e eamaras municipaes, e não é raro vêr-se o povo desta cidade ameaçado de morrer á sêde. Possuimos, entretanto, uma infinidade de rios que circumdâo a cidade ; mas, esses são abandonados, e a administração publica aproveita-se de pequenos e insufficientes manan- ciaes que ornão os arrabaldes. Os perigos de agglomeraçâo de pessoas em hospitaes, collegios, prisões, etc., são muitíssimo conhecidos. O homem tem necessidade de oito metros cúbicos de ar por dia, e pelos phenomenos cliimicos da respiração, essa porção de ar é restituída á atmosphera em estado differente, isto é, carregada de acido carbonico que é um gaz irrespirável. Comprehende-se, portanto, os sérios perigos a que su- jeitão-se aquelles que se acharem agglomerados em nossos estabeleci- mentos publicos, ordinariamente sem condições hygienicas e sem a necessária ventilação. Mas, não é só na perturbação dos elementos de que normalmente se compõe o ar que assesta-se a viciação da atmosphera nos lugares confinados. Ella é ainda alterada pela evaporação aquosa do corpo humano, elevada, segundo Dumas, á 1000 grammas em 24 horas, pela transpiração cutanea e pulmonar que produzem a exhalação de differentes matérias organicas. Funestissimos são os efteitos do ar confinado. No-lo provâo o celebre facto passado em um tribunal de Oxford em que, de repente, os espectadores cahirão fulminados pela atmosphera viciada, e o lamentável suc :esso acontecido no Pará, em 1823, quando 253 indivíduos forão lançados no porão de um navio. Boudin diz que, um dia no seu serviço na Caridade, os doentes forão accommettidos de cholera e que, removida a metade da gente, os accidentes cessárâo. Marchai conta que, em Breslau, a caridade ou interesse pessoal levárão os habitantes ricos a soccorrer os pobres, dando-lhes vestimentas, alimentos sãos, e proporcionando-lhes habi- tações salubres e vastas, e que, assim, conseguirão reter os pro- gressos do cholera. Os hospitaes e casas de saude, nem sempre construidos segunda os preceitos liygienicos, espalhados pelo centro da cidade em ruas estreitas e populosas, não podem deixar de ser considerados como um perigo continuo ameaçando os habitantes da Corte. O proprio hospital da Misericórdia, obra prima em arehitecturai possue defeitos bem graves. Assim, ellc está collocado em um terreno que já servio de cemiterio, nas fraldas de um morro, em lugar baixo, longe de vegetação e aguas e sem ventilação de um lado. Se o hospital da Misericórdia apresenta tão sérios inconvenientes, facil é prevêr-se o que serão os outros hospitaes esquecidos e ignorados. Em tempo de epidemias pestilenciaes todos os hábitos devem ser respeitados. Ao contrario, os excessos serão condemnados. Não se deve permittir a venda de alimentos e bebidas em máo estado o que, infelizmente, é muito commum entre nós, máo grado as commissões de inspecção. As más condições de hygiene em que se acha a cidade do Rio de Janeiro, e que acabamos de apontar são, em nossa opinião, as causas do desenvolvimento das epidemias pestilenciaes entre nós. Remove-las é pôr obstáculos ao apparecimento desses flagellos que tantas vezes tem assollado os povos. Urge, porém, tomar medidas, senão efficazes, ao menos que modifiquem esta ordem de cousas que, a todos momentos, nos annuncia um futuro cheio de calamidades. Basta de catastrophes. As victimas dessas moléstias ahi estão de seus tumulos maldizendo a incúria dos governos, e pedindo compaixão para os vivos. PROPOSIÇÕES SECÇÃO ACCESSORIA SEGUNDO POMO Líquidos (CADEIRA DE PHYSICA ) I 0 estado liquido dos corpos é caracterisado por fraca cobesão das moléculas, e por isso ellas facilmente deslocão-se, amoldão-se á fórma dos vasos que as contêm, e obedecem constantemente á acção do peso. II A hydrostatica trata das condições de equilíbrio dos líquidos e das pressões que elles transmittem ; a hydrodinamica occupa-se dos movimentos, e a kydraulica applica os princípios da hydrodynamica á arte de conduzir e elevar as aguas. III Os líquidos sao muito pouco compressiveis. IV Uma pressão exercida sobre uma massa líquida se transmitte em todos os sentidos, com a mesma intensidade, em toda superfície igual á que recebe a pressão. V A pressão transmittida é proporcional á superfície que a recebe. VI A pressão que as camadas liquidas superiores exercem sobre as inferiores dá origem á repulsão dos líquidos. VII Um liquido conserva-se em equilíbrio em um vaso qualquer, quando uma molécula, tomada na massa liquida soffre pressões iguaes e contrarias. VIII Para que dous líquidos de densidades difierentes, collocados em vasos que se communicão, possão entrar em equilíbrio, é preciso, além de outras condições, que as alturas das columnas liquidas estejão na razão inversa das densidades dos dous líquidos. IX Um corpo mergulhado em um liquido perde parte de seu peso igual ao peso do liquido deslocado. X Conforme os grãos de densidade, os corpos lançados nos líquidos mergulhão, ficão em suspensão ou fluctuão. XI A pressão exercida pelos líquidos no fundo dos vasos é indepen- dente da fórma dos vasos e da quantidade de liquido nelles contidos. XII Determina-se o peso especifico dos líquidos pela balança hydrosta- tica, pelos areometros e pelo methodo do frasco. 59 XIII Os líquidos em contacto com os solidos produzem uma serie de phenomenos, aos quaes a physica chamou — capillares. XIV Os liquidos elevão-se ao redor dos solidos quando estes são mo lhados por elles. XV A ascensão dos liquidos nos tubos capillares é submettida á lei seguinte: A ascensão varia com a natureza dos liquidos e com a tem- peratura, e é independente da substancia dos tubos e da espessura de suas paredes. XVI A ascensão de um liquido em um tubo capillar é tanto maior quanto menor é o diâmetro do tubo. (Lei de Jurin.) XVII Liquidos de densidades differentes, separados por uma divisão fina e bastante porosa, capazes de se misturar, passão atravez da divisão, em virtude das leis de endosmose e exosmose. XVIII Os phenomenos da endosmose e exosmose ainda nâo puderão ser explicados de uma maneira satisfactoria. SECÇÃO CIRÚRGICA TERCEIRO POSTO Dos polypos naso-pharyngeanos (CADEIRA DE CLINICA EXTERNA) I Polypo naso-pharyngeano é todo tumor pediculado, que occupa a parte superior do pharynge e posterior das fossas nasaes. II Os polypos naso-pharyngeanos são mucosos ou fibrosos* III Implantão-se frequentemente na vizinhança do orificio pharyn- geano da trompa de Eustaquio e, mais raramente, na opophyse basilar, no etlimoide, sphenoide, etc. IV Além dos pontos de inserção, pódem os polypos naso-pharyn- geanos adquirir adhereneias consecutivas. V Exemplos têm havido de perfuração dos ossos do craneo pelos polypos naso-pharyngeanos. VI A etiologia dos polypos naso-pharyngeanos é obscura. VII Com raríssimas excepções, elles só têm sido observados em indivíduos menores de 30 annos. VHI Os primeiros symptomas dos polypos naso-pliaryngeanos sào: difíiculdade na respiração nasal, corysa intenso e sensação espe- cial accusada pelo doente. IX O diagnostico dos polypos naso-pliaryngeanos só offeiece diffi- culdade no principio da moléstia. X Entregues a si mesmos elles podem causar a morte do doente XI De todos os meios de tratamento aquelle que tem por fim a extirpação do polypo é o melhor. XII r E muitas vezes impossivel actuar directamente sobre a inser- ção do polypo com os meios de que a arte dispõe. XIII Nestes casos o cirurgião recorre a certas operações chamadas — preliminares, que lhe preparão um accesso facil ao polypo. XIV Estas operações ou sâo palatinas, ou faciaes, ou nasaes, ou orbitarias. 63 XV Do methodo palatino o melhor processo é o de Nelaton. XVI A resecção definitiva do maxillar superior é, das operações faciaes, a que fornece mais luz e raais espaço ao operador, e, também, a que reclama grandes habilitações e que deixa cicatrizes disformes. XVII O esmagamento linear, de Chassaignac, é uma bôa operação fun- damental, uma vez que a cauterisação venha auxilial-a depois, des- truindo inteiramente o ponto de inserção do polypo. XVIII A exsiccaçào, a compressão, o dilaceramento, o arrancamento, o tritnramento e o sedenho, no tratamento dos polypos naso-plia- ryngeanos, são hoje apenas um facto liistorico. SECÇÃO MEDICA QUARTO POSTO Nevralgias (CADEIRA DE PATHOLOGrIA INTERNA) I O conhecimento das causas das nevralgias é de summa impor- tância para o medico. II A herança, causa poderosa das nevroses em geral, tem grande valor etiologico. III As nevralgias desenvolvem-se ordinariamente de 20 a 50 annos. IV As condições sociaes da vida da mulher e as diversas afíecções a que ella está sujeita de preferencia, explicão a maior frequência da nevrose algesica neste que n?outro sexo. V As constituições e os temperamentos têm um valor etiologico duvidoso. VI Uma habitação húmida e fria, uma alimentação grosseira e insuffi- ciente, uma profissão que expõe á absorpção dos venenos metallicos, chumbo, mercúrio, etc., e ás variações bruscas de temperatura, re- presentão causas capazes de produzir nevralgias mais ou menos intensas e de duração variavel. VII O clima e as estações parecem ter algum valor: as cólicas seccas são observadas quasi exclusivamente nas regiões tropicaes; conta-se mais casos de nevralgias nas estações frias e em tempos tempes- tuosos. VIII Todas as feridas, cirúrgicas ou accidentaes e mesmo simples con- tusões são acompanhadas muitas vezes de nevralgias. IX Corpos estranhos inertes ou vivos, em contacto prolongado com os nossos tecidos, determinão nevralgias, cuja duração e intensidade varião. X O frio e uma causa poderosa para alguns pathologistas e de mediocre importância para outros. XI As neoplasias homologas do tecido nervoso têm grande valor etiologico. 67 XII Depois dessas neoplasias, os tumores que determinão nevralgias mais frequentemente são: os cânceres encephaloides muito molles, os kistos e sobretudo os aneurysmas. XIII As alterações do sangue, determinadas por um principio mor- bido diathesico, virulento, toxico ou outro qualquer, são causas poderosas. XIV Muitas nevralgias rbeumaticas, segundo parece, são devidas a eon gestões do nevrilemma. XV As moléstias dos orgãos genito-urinarios, sobretudo as affecções uterinas, exercem uma influencia notável sobre o desenvolvimento das nevralgias reflexas. XVI A excitação exagerada dos sentidos, em indivíduos muito nervosos, póde occasionar uma nevrose algesica. XVII As emoções violentas e súbitas, os desgostos prolongados, os trabalhos intellectuaes excessivos e uma educação mal dirigida re- presentão causas mais ou menos importantes. XVIII Emfim, a suppressão das regras, do fluxo hemorrhoidario, de erupções cutaneas, do suor dos pés, são acompanhadas, algumas vezes, de nevralgias de difficil senão impossível explicação. HIPPOCRATIS APHOEISII I Non satietas, non fames, neque aliud quicquam bonum est, quod supra naturse modum fuerit. (Sect. 2a.) II Autumnus tabidis malus. (Sect. 3a.) III Tempestatum anni mutationes potissimum morbos pariunt et in ipsis anni tempestatibus magme mutationes frigoris et caloris, aliaque pro ratione ad hunc modum. (Sect. 3a.) IV Per anni tempestates, quando eodem die modo calor modo frigus fit, autumnales morbos expectare convenit. (Sect. 3a.) V Frigida veluti nix et glacies pectoris sunt adversa, tusses movent, sanguinis eruptiones et distillationes efficiunt. (Sect. 5a.) VI Frigidum ossibus adversum, dentibus, nervis, cerebro, dorsali medullse, calidum vero utile. (Sect. 5a.) Esta these está conforme os Estatutos. — Rio de Janeiro, 24 de Setembro de 1875. Dr. Caetano de Almeida. Dr. João Damasceno Peçanha da Silva. Dr. Kossuth Vinelli.