FACULDADE DE MEDICINA DO EIO DE JANEIRO CONTRIBUIÇÃO PA HA 0 ESTUDO DA MATÉRIA MEDICA BRAZILEIRA Do Páo Pereira, Da Fereima e seus sães SUAS INDICAÇÕES E CONTRA-INDICAÇÕES NAS MANIFESTAÇÕES AGUDAS DA MALARIA (These approvada com distincção) Pelo Dr. ALMIR ININA INTERNO, POR CONCURSO, DA CLINICA MEDICA DA FACULDADE DO PvtO DE JANEIRO (SERVIÇO DO PROEESSOK TOHRKS-HOMEM) EX-INTERNO INTERINO DA CLINICA CIRÚRGICA DA FACULDADE DA BAHIA (SERVIÇO DO PROFESSOR DOMINGOS CARLOS) EX-INTERNO DO HOSPITAL DE MARINHA DA BAHIA EX-CHEFE DE CLINICA DE MOLÉSTIAS DE CRIANÇAS NA POLICLÍNICA GERAL DO RIO DE JANEIRO (sERVIÇO DO DR. MONCORVO) RIO DE JANEIRO Typ. Gr. Leuzinger A s analyses de Goos e de Plaíf foram feitas em 1839, e o resultado obtido por Blanc foi um resinato ammoniacal. Dez annos depois da descoberta da pereirina, o Dr. Ezequiel Corrêa dos Santos, actual professor de pharmacologia d’esta Fa- culdade, cujo gosto pelas sciencias naturaes, e cujos conhecimentos profundos são hoje de notoriedade absoluta, levado, como elle mesmo o declara, por amor a humanidade, por sentimento de filho reve- rente, e de brazileiro patriota, continuou os estudos de seu pae, e fez d’elles o assumpto de uma monographia importante, e que muito auxilio nos prestou na confecção das duas primeiras partes d’este nosso trabalho. Depois de conhecidas as propriedades therapeuticas do páo- p) Revista medica fluminense 1838. (2) Domingos Freire. Recueil de travaux chimlqucs.—Eio de Janeiro 1880. 8 pereira e da pereirina, o seu emprego generalisou-se entre os prá- ticos, notando-se entre os que os empregaram logo em principio o Professor Yalladão, depois Barão de Petropolis, Pereira do Ptego, actual Barão do Lavradio, De-Simoni, Sigaud, e muitos outros; observando-se, porém, que de certo tempo para cá o emprego d’estas substancias dirninuio algum tanto, naturalmente como o diz o professor Freire, por não ser um producto chimicamente puro a pereirina do commercio. Depois dos trabalhos cVeste distincto cbimico, sobre os quaes fallaremos em occasião competente, reergueu-se o emprego d’esta individualidade therapeutica. Apezar dos muitos e assignalados serviços que prestava o vegetal medicamentoso, até 1877 ainda ninguém havia procurado investigar o modo pelo qual elle actuava sobre o organismo, a não ser, e assim mesmo em poucas tentativas, o Dr. Gonçalves Ramos; foi então que o Dr. Cypriano de Freitas, boje professor de ana- tomia e physiologia pathologicas n’esta Faculdade, emprehendeu, em collaboração com o Dr. Bochefontaine, no laboratorio do professor Yulpian em Paris, uma serie de experiencias nesse sentido, redi- gindo ambos uma nota que apresentaram á Sociedade de Biologia e á Academia de Sciencias. (*) Em 1875 o Sr. Daniel Henninger, então estudante da Escola Polytechnica, fez alguns estudos chimicos sobre a pereirina, prin- cipalmente em relação aos seus saes. (2) É agora o momento de. seguindo a ordem chronologica que temos mais ou menos guardado, assignalar os trabalhos do pro- fessor Domingos Freire. Foi no laboratorio de chimica organica da Faculdade, o modesto theatro de seus trabalhos, que o professor Freire, secundado por um moço trabalhador também, o Sr. Feli- císsimo Fernandes, emprehendeu os seus estudos chimicos sobre a pereirina, estudos que entre outros resultados práticos têm a van- (*) Cypriano do Freitas e Bochefontaine. —Recherches sur Vaction physiologique du Fáo-peireira. Comptes rendus de la Société de Biologie, et de VAcadémie des Sciences de 1877. ' (2) Daniel Henninger. —• Nota sobre o alcalóide de Páo-pereira. Revista medica do Rio de Janeiro 1875. 9 tagem de haver tornado conhecido o chlorhydrato de pereirina que, por motivos que adduziremos mais tarde, é hoje quasi que exclusivamente a forma sob a qual se administra a pereirina. Foi sohre a acção physiologica d’este sal que o Dr. Baptista de Lacerda, o henemerito descobridor do antidoto do veneno ophidico, realisou no Museu Nacional uma serie de experiencias cujos re- sultados apresentaremos no logar competente (*) São estes os principaes trabalhos a enumerar nesta resenha histórica. Relevem-nos a falta si porventura tivermos commettido a injustiça de esquecer alguém. (*) Lacerda. Investigações experimentaes sobre a acção physiologica do chlorhydrato de pereirina. Kio de Janeiro 1881. CAPITULO II HISTORIA NATURAL Família das Apocynaceas Stnonimia scientifica. Taberncemontana, loevis, Yelloso; GeissospermumVellosii, Freire Allemão ; Vallesia punctata, Spruce ; Vallesia inédita, Ruiz e Pavon; Geissospermum laeve, Baillon. Sxnonimia vulgar. Páo-pereira, páo-forquilha, páo-de-pente, páo-colher, camará de bilro, camará do mato, canudo amargoso, pinguaciba, übá-assú, chapèo de sol. Synonimia scientifica. Á simples inspecção do enumerado das denominações scientificas que tem tido a individualidade vegetal que estudamos se vê que o Páo-pereira tem sido diversamente classificado por botânicos de nomeada, sendo successivamente collo- cado em lugares diíFerentes nas divisões e sub-divisões creadas pela taxonomia vegetal. Occupa o primeiro lugar na ordem cbronologica a classificação de Yelloso (x). O eminente botânico brazileiro achou que o vegetal que estudava cabia perfeitamente no genero Taberncemontana, mas teve necessidade de crear para elle uma especie nova. Confrontando o genero do Páo-pereira com o genero Tabernce- montana encontrão-se, como o faz notar o Professor Ezequiel na sua já por nós citada monographia, caracteres de verdadeira ana- logia : calix monosepalo, quinque-partido, persistente, corolla hypo- cràteriforme, limbo quinque-partido, cinco estames inclusos, antheras P) Yelloso Flora Jluminensis Eio de Janeiro 1825. 12 saggitadas, dois ovários uniloculares, dois estyletes conjunctos, muitas sementes envolvidas em uma polpa cellulosa etc.; mas a existência no Páo -pereira de outros caracteres como sejão : folhas alternas, sem estipulas, fructo indehiscente, e a disposição parti- cular das sementes, assim como o facto de não ser o Páo-pereira lactescente (Ezequiel Filho) distanciam-no completamente do genero em que fora incluido. Alfredo de Candolle, no B.° volume, do Prodomus admitte a classificação de Yelloso, e é por isso que estranha que, na estampa da Flora fluminensis do botânico hrazileiro, o Páo-pereira seja repre- sentado com folhas alternas, o que attribue á erro de pintor, porque no genero Taherncemontana as folhas são oppostas. Martius (*), Ruiz, Pavon e Eiedel consideraram o vegetal de que nos occupamos como uma Vallesia. A confrontação, porém, dos caracteres vem ainda mostrar o erro de classificação. E verdade que o Páo-pereira tem communs com as Yallesias os caracteres fornecidos pela disposição das folhas, pela inílorescencia, pela per- sistência e numero de divisões do calix, pela forma da corolla, e pelo numero e inserção dos estames; mas os caracteres fornecidos pelo fructo estabelecem o diagnostico diíferencial, pois o fructo das Yallesias é uma drupa, e o do Páo-pereira é carnoso, indehiscente, dividido por um falso septo, e encerra oito ou dez sementes em duas series (Ezequiel Filho). Em 1845 Freire Allemão (2), cuja memória veneranda é uma das glorias d’esta Faculdade, lançou as bases para uma nova clas- sificação do vegetal brazileiro. Nessa classificação, que é ao mesmo tempo a veneração de um sabio a outro sabio, Freire Allemão honrou o nome de Yellozo, lembrando o facto de ter sido elle o primeiro que classificou o Páo-pereira. Geissospermum Vellosii eis a denominação por elle dada. Deixemos que elle mesmo a justifique : p) Martius Syst. Mat. Med. VegetabiLis Braziliensis. (3) Freire Allemão Botanica do Geissospermum Vellosii. Arcbivo medico brazi- leiro. Elo de Janeiro, 18-15. 13 (( Um pericarpo carnoso, lactescente, indehiscente; a ausência de um endocarpo fibroso; a polpa succulenta que enche *a cellula; as sementes peitadas, lenticulares, bisseriadas, imbricadas; um embrião endospermico, com raiz superior; a corolla herbacea; as folhas alternas ; a inflorescencia extra-axillar, são caracteres que não se achão reunidos em genero algum dos até aqui descrip- tos. Por isso me animei a propor um genero novo, cujo caracter principal deduzi do arranjamento das sementes. Quanto á especie entendi ser de rigorosa justiça que ella fizesse lembrar o nome de Velloso, sendo elle o primeiro que tratou d’esta planta, reconhe- cendo-a por especie nova. O nome especifico de loevis dado por Velloso, não o conservei, por não convir á planta. » Esta classificação foi geralmente acceita, e na Flora Brazi- liensis de Martins foi ella admittida por Miiller que fez a exposição da farnilia das Apocynaceas. Em 1877, porém, o Professor Baillon da Faculdade de Paris, em uma nota enviada aos Srs. Cypriano de Freitas e Bochefon- taine, e que estes annexaram á memória a que já nos referimos, propoz a denominação de Geissospermnm loeve. O professor de Paris alliou ao genero de Freire Allemão a especie de Velloso, affirmando que o termo loeve deve ter a prefe- rencia. Para nos todavia, que não achamos inconveniente na denomi- nação de Freire Allemão, que tem além de tudo a vantagem de recordar o nome de um dos sábios brazileiros, que aliás são muito pouco conhecidos fora do paiz, o Páo-pereira continua a ser o Geis- sospermum Vellosii. Synonimiâ vulgar. —As denominações muitas vezes caprichosas dos nossos vegetaes indigenas escapam não raro á qualquer ten- tativa de explicação de quem quer que procure interpretal-as. Faz-se mister em algumas occasioes o conhecimento das linguas das diversas tribus selvagens, antigos habitantes do nosso paiz, para o conhecimento de certas denominações que a tradição con- servou até nos, ora intactas, ora alteradas e corrompidas. Dentre as denominações vulgares que tem tido o vegetal, 14 destaca-se como mais importante aquella pela qual é elle mais conhecido; e que se acha mais ou menos espalhada : páo-pereira. O Professor Domingos Freire crê que esse nome tira sua origem no facto de terem os primeiros exploradores encontrado n’essa planta alguma semelhança com a pereira da Europa. Outros têm snpposto que a planta tomou o nome de algum viajante que primeiro a descobrio. Freire Allemão, porém, julga ver na denominação commum uma corrupção dos vocábulos indí- genas : Pereirana, Pereiriha, ou melhor ainda Pereiora, palavras que, segundo Martius, querem dizer casca preciosa, provavelmente porque já os indígenas conheciam o valor medicamentoso da planta. A denominação de páo-forquilha encontra talvez a sua expli- cação na disposição dichotomica dos ramos, assim como o epitheto de páo~de-pente na perpendicularidade das folhas. Camará significa planta de folhas asperas; é portanto uma denominação imprópria no caso vertente. Descripção do vegetal. De todas as descripções que pode- mos encontrar em nossas pesquizas, incontestavelmente a mais completa e a mais minuciosa é a de Freire Allemão. Será ella portanto que transcreveremos aqui; « Arvore de grande altura; casca grossa, profunda, e irregu- larmente gretada na parte suberosa, que tem algumas linhas de espessura; o liber consta de grande numero de folhas que se separam sem muita difficuldade, e tem uma cor de ocre amarella; perfazendo tudo a grossura de 4 a 5 linhas, na casca dos troncos antigos, sendo mais delgada e menos gretada nos troncos novos; é húmida e não lactescente, si bem que nas extremidades dos ramos novos haja uma seiva leitosa, dotada de um amargor sem mistura de adstringência notável. « Ramos tortuosos, copados; raminhos dichotomos, e raras vezes trichotomos, com as divisões espalmadas horizontalmente, longos, flexíveis, cobertos de um tomento pardo, caduco. « Folhas alternas, patentes e distichadas nos ramos por causa da disposição horizontal d’estes, que por isso tomam a apparencia de palmas: peciolo curto, de 2 a 3 linhas, sub-canaliculado: limbo 15 oval-lanceolado, dè 2 a 3 pollegadas de comprido sobre 1 a 17a de largo: agudo na base, na ponta longamente acuminado : mar- gem inteira, ondeada; membranoso, sub-coriaceo, lustroso, glabro, conservando apenas algum resto de pellos, que o cobrem abun- dantemente nos renovos; perinerveo, nervuras pouco proeminentes nas duas faces. « Sem estipulas. « Flores pequenas, de côr parda, sem cheiro; reunidas em racimos extra-axillares, muito mais pequenas que as folhas. « Pedunculo anguloso, mais ou menos dividido, divisões curtas, cada uma munida de uma bractea, caduca; tudo coberto de pellos deitados, assetinados. de uma côr cinzenta escura, um tanto bron- zeada. Calix monosepalo, persistente, sem glandulas; tubo curtís- simo ; limbo quinque-partido; lacinias agudas erectas, muito mais curtas que o tubo da corolla, um pouco sobrepostas lateralmente no botão; tudo coberto por fóra dos mesmos pellos do pedunculo. « Corolla hypocrateriforme, herbáceo*coriacea, toda coberta por fóra dos mesmos pellos do calix, sub-quinque-anguloso, um pouco túrgido no meio; linbo quinque-lobado; lobos oblongos, obtusos, no botão imbricados lateralmente, dextrorsus e um pouco espiraes; fauce contrahida. « Estarnes 5, alternos, inclusos; filetes mui curtos, munidos na porção livre de alguns pellos raros, dirigidos para cima, e na porção adherente á corolla de pellos mais numerosos, brancos e dirigidos para baixo; antheras conniventes, abarcando os estygmas, e situadas no bojo da corolla, sub-basifixas, entrorsas, emarginadas na base, no apice acuminadas, com duas cellulas que se abrem por fendas, e contêm um pollen granuloso; são glabros e de côr ámarellada. « Ovários coadunados, pillosos, unicellulares; ovulos bisseriados; estyletes conjunctos, apresentando por baixo dos estygmas um en- grossamento fusiforme e bi-sulcado; estygmas terminaes mui pe- quenos. « Nectários nullos. « De ordinário só uma ou duas flores chegão a fructiíicar; e 16 de cada uma resultão dois fructos (raras vezes um, por aborto) carnosos, ovaes, acuminados, divergentes, afastando-se um do outro em sentido opposto até ficar horisontaes; tendo na parte superior e ventral um sulco, quasi apagado, que indica a sutura da car- pella; emquanto verdes estão cobertos de pellos cinzentos luzidios, depois de .maduros são glabros e amarellos. (c Pericarpo carnudo, indehiscente (?) mui lactescente, trophos- perma suturai, do qual provém duas laminas carnoso-fibrosas, que descendo unidas até a parte opposta, ou dorsal da cellula, férma um falso septo, que a divide em dois compartimentos: sementes peitadas, lenticulares, irregularmente oblongas ou arredondadas; dispostas em duas filas de 4 a 5, raras vezes mais, de cada lado dos falsos septos, sobre os quaes estão applicadas, e imbricadas de modo que a primeira e inferior cobre metade da segunda, esta metade da terceira, e assim por diante; na face e dorso apresentam depressões que resultam do mutuo contacto; envolvidas numa polpa branda, fibrosa, succulenta, não lactescente; episperma glabro, pallido, formado de duas membranas, a exterior chartacea, a inferior tenue ; embryão coberto por um endosperma de consis- tência sub-cornea; cotyledones planos, foliaceos, cordiformes; gem- mula mui pequena; radicula recta, obtusa e dirigida para a ponta do fructo. « Esta arvore cresce nas mattas virgens; sempre as tenho en- contrado á mais de 1000 metros de altura nas montanhas da Tijuca, da Estrella e de Gericino. Floresce de Agosto a Setembro e tem fructo de Janeiro a Fevereiro (Freire Allemão). » GeograpMa botanica. —De ordinário os autores que se têm occupado d’esta planta dizem que ella existe numa zona compre- hendida entre as provindas da Bahia, Espirito Santo, Minas Geraes e Rio de Janeiro. Mas este vegetal existe também no Norte, segundo nos aífirmou o nosso distincto collega o Snr. Euzebio Martins Costa, e abunda na provincia do Maranhão, onde é conhecido pela deno- minação de Páo-pita. CAPITULO 111 ESTUDOS CHIMICOS Analyse da casca do páo-pekeira. A analyse mais completa até hoje conhecida é a que foi publicada em 1848 pelo actual Professor de Pharmacologia da Faculdade do Pio de Janeiro. Este distincto chimico apresentou em sua monographia, com todos os detalhes e minuciosidades, a marcha e os processos que seguiu nessa analyse. s E desnecessário transcrever aqui extensamente as paginas que elle consagrou a essa parte dos seus estudos. Limitamos-nos á apresentação dos resultados. Eis ahi os princípios, quer de origem organica quer de origem mineral, que foram encontrados: Amido, albumina, gomma, resina, matéria corante, principio extractivo amargo, principio activo ou pereirina, principio lenhoso ou fibra vegetal. Saes que são : sulfatos, chlorhydratos, phosphatos e carbonatos, com base de potassa, cal, alumina, protoxydo de manganez, magnesia e oxydo de ferro. Siliça e traços de cobre. Si bem que esta analyse do Professor Ezequiel seja, como acabamos de dizer, a que encontramos publicada com mais minu- ciosidades e detalhes, todavia já Plaíf e Goos tinham chegado mais ou menos aos mesmos resultados em 1839, um anno depois da descoberta da pereirina por Ezequiel, Pae. 0 Snr. Daniel Henninger diz que no estado fresco a casca do Páo-pereira parece ter um sd alcalóide, mas que algum tempo 5139 2 18 depois de tirada da arvore encerra dois ou mais alcalóides, origi- nados da oxydação do primitivo, facto a que elle attribue a mu- dança de cor da casca que de clara primitivamente torna-se depois escura. Os Snrs. C. de Freitas e Bochefontaine verificaram que as folhas da planta encerram, si bem que em menor quantidade, o principio alcaloidico. Esta verificação foi feita por meio da analyse chimica e da experimentação physiologica. Pela analyse chimica, quer uma maceração de folhas inteiras em álcool a 36° C, quer a maceração aquosa de folhas contun- didas, deu pelos reactivos de Yalser e de Bouchardat as reacções características da existência de ura alcalóide, sendo que os precipi- tados produzidos por ambos os reactivos eram muito semelhantes aos fornecidos pela casca. Pela experimentação physiologica notaram que algumas rãs, ás quaes foi administrada uma dose determinada de maceração aquosa das folhas, apresentaram os phenomenos de intoxicação que produz o alcalóide contido na casca. PEREIRINA Já deixamos provado, nas considerações históricas com que iniciamos este nosso pequeno trabalho, que pertence a Ezequiel Correia dos Santos a gloria da descoberta do principio activo do Páo-pereira, que elle denominou Pereirina. Os Snrs. Cypriano de Freitas e Bochefontaine propõem que esta denominação seja substituída pela de —c/eissospermina, ou por abreviação geissina , do nome generico do vegetal. Conhecemos perfeitaraente que uma technologia scientiíica oíferece bases sólidas para a vulgarisação universal de uma sub- stancia qualquer ; conservaremos entretanto a denominação de pereirina, não só porque fará conhecer, a quem procurar investigar a sua origem, a procedência brazileira do vegetal, como também porque já está grandemente vulgarisada entre nós, e mesmo no estrangeiro, nos logares onde é conhecido o alcalóide. 19 Talvez houvesse mais justiça em substituiha por aquella que fizesse lembrar o nome do chimico descobridor, idéa que antes de nós já apresentou o Dr. Gonçalves Ramos. Composição centesimal, peso molecular e formula. O Professor Domingos Freire, fazendo a analyse elementar da pereirina preci- pitada de sua combinação com o acido sulfurico (sulfato de pe- reirina), achou para o alcalóide a composição centesimal seguinte : Carbono 30,215 Hydrogeneo 7,749 Azoto 5,059 Oxygeneo 56,977 100,000 O peso molecular deduzido da combinação do chlorhydrato de pereirina com o chlorureto de platina é 279. A formula é C 7H21Az010. Processos de preparação. Para se obter a pereirina pódem empregar-se todos os processos geraes de preparação dos alcalóides; apresentaremos todavia aqui os processos preferidos pelos diversos chimicos que se têm occupado do assumpto, dando a cada um o nome d’aquelle que o empregou. Processo Ezequiel, Pae. Fazem-se repetidas infusões aquosas da casca do Páo-pereira; reduzem-se estas pela evaporação a um pequeno volume; lança-se-lhe ammonea-caustica até não dar mais precipitado ; separa-se este liquido por meio de filtração; lava-se e dissolve-se em agua convenientemente acidulada pelo acido sul- furico; põe-se esta dissolução a ferver por algum tempo com carvão animal; filtra-se e sobre o liquido filtrado lança-se uma solução fraca e bem limpa de hydrato de potassa que, combinan- do-se com o acido sulfurico, precipita o principio activo que a elle estava unido. Processo Ezequiel, Filho. Trata-se a infusão aquosa e fria do liber da casca pela cal extincta, lançada por pequenas porções até que o liquido fique ligeiramente alcalino. Filtra-se, e faz-se 20 seccar o deposito de cal e pereirina em uma temperatura pouco elevada. Logo que estiver secco, reduz-se a pó, e faz-se macerar em álcool a 35° e fervendo. Repete-se a maceração até que toda a pereirina se tenha dissolvido; reunem-se os licores, e distilla-se em banho-maria para tirar quasi a totalidade do álcool. Dissolve-se o residuo da evaporação em agua distillada, ligeiramente acidulada com acido sulfurico; lança-se na dissolução, assim obtida e filtrada, carvão animal em quantidade sufficiente para o descorar; depois de 3 dias de maceração filtra-se de novo. 0 liquido que se obtem é amarello alaranjado e muito amargo; lançando-se dentro ammonea liquida, precipita-se a pereirina; depois lava-se e sécca-se. Processo Henninger, do Rio de Janeiro. Trata-se o Páo- pereira repetidas vezes pela agua fervendo. Não convém empre- gar-se acido sulfurico diluido porque elle apressa a oxydação da pereirina-. Recolhem-se as soluções aquosas que são saturadas pelo chlorureto de sódio. A addição do sal commum transforma o sal orgânico era chlorhydrato, o qual sendo muito solúvel nagua, o é muito pouco nas soluções salinas. 0 precipitado do chlorhydrato é filtrado e lavado em uma solução de sal commum, e depois dissolvido nagua. Precipitada esta solução ultima pela ammonea, obtem-se a pereirina misturada com os produetos de sua oxydação. Filtra-se e lava-se o precipitado com o fim de eliminar os chloruretos de ammonea e de sódio. Secco e precipitado, apparece a pereirina sob a fórma de fragmentos de cor amarellada ou cinzenta, muito parecida com a argilla. N’esta fórma o alcalóide contêm ainda uma pequena quantidade de chlorureto de sódio proveniente da incompleta la- vagem do precipitado. Dissolvido esse producto no álcool, filtrado da parte insolúvel, e deixando-se evaporar o dissolvente, ficará a pereirina misturada com seus produetos de oxydação. Para sepa- rar-se agora o alcalóide d’estes últimos produetos servimos-nos da propriedade que tem a pereirina de formar com o acido borico um borato solúvel e crystallisavel, ao passo que os produetos de oxydação são insolúveis, e talvez não se combinem com o acido borico. Para isso, trata-se a frio a pereirina por uma solução de 21 acido borico até reacção neutra; íiltra-se o liquido para separar a parte insolúvel (alcalóide oxydado) da parte solúvel (borato de pereirina). O borato crystalliza por evaporação expontânea do liquido, não convindo evaporar a quente porque isso favorece a oxydação. Separado da agua mãe, dissolvido em agua distillada, preci- pita-se o borato pela ammonea; íiltra-se, lava-se e sécca-se o pre- cipitado que é a pereirina só. Processo Domingos Freire. Obtem-se a pereirina pondo-se em maceração em agua acidulada em acido sulfurico a casca do Páo-pereira reduzida a pequenos fragmentos. Precipita-se o pro- ducto da maceração pela ammonea. Descora-se com carvão animal tanto quanto fôr possivel, e dissolve-se no álcool que pela evapo- ração deposita o alcalóide. Como a pereirina obtida assim na primeira operação não é pura, deve-se combinal-na de novo com o acido empregado, e decompor outra vez o sal formado, repe- tindo isto varias vezes áté obter um producto o mais descorado possivel. Propriedades physicas. Até boje ainda se não conseguio obter a pereirina completamente separada da matéria corante que a ella se acba intimamente unida. A quantidade mais ou menos considerável d’esta matéria faz, portanto, variar a cor da pereirina obtida pelos diversos processos. A cor mais clara que se tem obtido é o pardo claro tirando ao amarello. Henninger attribue a cor escura aos productos de oxydação da pereirina; é possivel, diz elle, que livre desses productos ella seja branca. A pereirina tem o aspecto de um pó incrystallisavel. O seu sabor é muito amargo. É inodora. O alcalóide é pouco solúvel nagua, mas dissolve-se bem no álcool, no ether e no cbloroformio. Na benzina e no petroleo a solubilidade é fraca (Henninger). A pereirina é muito solúvel numa solução de potassa caustica, que tem a propriedade de apoderar-se de sua matéria corante, alterando todavia o alcalóide. As suas soluções assim como as de seus saes têm a pro- priedade de produzir espuma quando agitadas. Por transmissão ellas mostrão-se mais ou menos amarelladas. Segundo o Professor Freire a 100° ella perde a agua, e a 110° altera-se tomando uma coloração avermelhada, e em tempe- ratura mais elevada decompõe-se desprendendo vapores espessos, amarellados e aromáticos. Para Tlenninger o ponto de fusão do alcalóide está situado perto de 190°, e é nesta temperatura que elle começa a decompor-se ou oxydar-se. Propriedades chimicas. (') As soluções de pereirina têm reacção alcalina, tornão azul o papel reactivo. Tratada pelo acido sulfurico a pereirina dá uma cor amarella, que torna-se depois vermelha suja. Si lançarmos uma porção de pereirina numa mistura de acido sulfurico e chlorato de potássio, que desprende portanto peroxydo de chloro nascente, produzem-se detonações muito vivas, e nota-se uma coloração escarlate que, depois de algum tempo, passa á cor de rosa e finalmente ao amarello. Pelo acido azotico a pereirina dá uma cor de purpura que passa também a cor de rosa e ao amarello; esta coloração araa- rella será obtida rapidamente si á cor purpurea addicionarmos al- gumas gottas d’uma solução de proto-chlorureto de estanho. Addicionando potassa ao resultado da acção do acido azotico, precipita-se uma matéria vermelha pulverulenta que fica amarella pela acção da agua. A reacção que o Professor Freire considera caracteristica do alcalóide é a que resulta da acção do acido sulfurico e peroxydo de manganez, a qual dá uma coloração violeta. Repetindo esta reacção com o nosso amigo o Dr. Felicissimo Fernandes, prepa- rador de chimica organica da Faculdade, tivemos occasião de ve- rificar que, para que ella se manifeste hem clara, é preciso actuar (*) As reacções que aqui apresentamos foram obtidas pelo Professor Freire. 23 sobre a pereirina em natureza e não em solução, assim como também que o acido sulfurico seja concentrado. Fazendo actuar o acido sulfurico e bichromato de potássio obtem-se a coloração negra que passa ao vermelho escuro. O acido chromico a frio torna a pereirina negra. Aquecendo-se a pereirina com o acido iodico ella torna-se vermelha, depois negra, e emfím deflagra, produzindo bellas faiscas vermelhas que desprendem vapores de iodo. Aquecendo-se com o bichromato de potássio temos cor negra e desprendimento de fumaças de cheiro sui generis. Si aquecer-se com o chlorato de potássio temos coloração avermelhada, depois negra, dando-se no fim uma crepitação que se acompanha de chammas brancas, e um cheiro aromatico. Pelos vapores de bromo cor verde. A solução de proto-chlorureto de estanho a quente faz des- prenderem-se fumaças de um cheiro irritante que envermelhecem o tournesol, e o alcalóide dissolve-se no liquido que se tornou cor de ouro; este liquido turva-se pelo resfriamento O bi-chlorureto de platina precipita a pereirina de suas so- luções em flocos amarellados, precipitado que augmenta si ele- varmos a temperatura. O chlorureto de ouro dá ás soluções uma beila cor de romã, cor que é fornecida pelos flocos que se formão. O acido sulfurico e assucar tornão o liquido vermelho muito escuro, e fazem desprender um cheiro cyanhydrico. A pereirina gosa da propriedade de reunir-se aos ácidos para formar saes. Saes de pereirina. Diversos tem sido os saes obtidos com a pereirina. Já forão preparados azotato, borato, acetato, oxa- lato, phosphato, chromato, tartrato, (Henninger), sulfito (F. Fer- nandes), chlorhydrato, sulfato, valerianato (D. Freire). Fallaremos aqui apenas dos tres últimos, que são os únicos que têm sido até agora empregados em clinica. Chlorhydrato. A pereirina forma com o acido chlorhydrico um chlorhydrato acido e um chlorhydrato neutro. 0 chlorhydrato acido obtem-se tratando o alcalóide pelo acido chlorhydrico diluído e em excesso; por evaporação tera-se um producto escuro, que secco á estufa á 100° apresenta o aspecto de um corpo quasi negro, sob a forma de grãos crystallinos bri- lhantes, que examinados ao microscopio mostrão taboas quadran- gulares, sendo algumas losangicas, ou então agulhas tabulares allongadas. Dissolvendo-se o alcalóide em agua acidulada pelo acido chlor- hydrico de modo a obter uma solução neutra, e submettendo esta dissolução á evaporação, obtem-se uma massa escura, de uma consistência de extracto molle : é o chlorhydrato neutro de pereirina, que secco á estufa a 100° torna-se duro, friável, de uma cor vermelha muito carregada e de um brilho vitreo, que oíferece, ao microscopio, prismas quadrangulares, terminados por vertices pyramidaes, e massas ellipticas cercadas de uma penumbra, amarelladas e claras no meio. Algumas d’essas massas soldão-se entre si dando configurações estrelladas. (D. Freire). O chlorhydrato é solúvel nagua, em todas as proporções; o mesmo se dá em relação ao álcool; é porém insolúvel no ether. Valerianato.— O valerianato apresenta-se sob a forma de pa- lhetas brilhantes de uma cor parda escura. / # E perfeitamente solúvel no álcool: 25 centigrammas dissol- vem-se em 5 centímetros cúbicos de álcool a 36°. É muito pouco solúvel nagua distillada, pois 100 centímetros cúbicos d’este vehiculo não dissolvem 25 centigrammas de sal. No ether ainda se dissolve menos do que n’agua. Segundo o Professor Freire o valerianato de pereirina executa movimentos rotatorios quando lançado na superfície cFagua; nunca vimos, porém, produzir-se este phenomeno apezar de o haver procurado. Sulfato.— O sulfato de pereirina apresenta o mesmo aspecto que o valerianato. É pouco solúvel no álcool, menos ainda no ether, e melhor nagua, na qual todavia 200 centímetros cúbicos não dissolvem 25 centigrammas. 25 Natureza e funcção chimica da pereirina. A pereirina foi considerada um alcalóide pelo seu descobridor, assim como por Pelletier, Perreti, e Goos que a examinaram na Europa. Tratando d’este assumpto diz o Dr. Ezequiel; « A pereirina é um alcalóide porque goza de propriedades bazicas, e é azotada. Digo que ella goza de propriedades bazicas porque fórma com os ácidos combinações estáveis; e que é azotada porque o pro- ducto de sua distillação é sensivelmente ammoniacal. Não lia principio immediato algum azotado, com propriedades bazicas que não seja alcalóide. » O Professor Freire considera-a também um alcalóide, mas analysando a pereirina do commercio mostrou que ella não é um principio immediato perfeitamente definido, um producto chimica- mente puro, mas sim a reunião de cinco corpos que conseguio isolar. Esses corpos são: l.° matéria amylacea; 2.° matéria corante amarga, que retem o alcalóide; 3.° matéria de uma apparencia crystallina mal definida, apresentando a composição centesimal da glucose, insolúvel nagua; 4.° uma matéria tendo a composição d’um hydrato de carbono diíferente do precedente; 5.° matéria crystallina, incolor, oíferecendo os caracteres de um glucoside, sem garantia de pureza chimica absoluta. Ainda não foi possivel até hoje separar a pereirina da ma- téria corante com a qual está intimamente ligada, parecendo até que faz parte de sua molécula. A potassa tem a propriedade de desprender a matéria corante mas alterando a pereirina. Com o carvão animal ainda não se conseguio descoral-a completamente. CAPITULO IV ACÇÃO PHYSIOLOGICA Une bonne observation clinique a plus de valeur qu’une preuve physiologique expé- rimentale; mais quand I’une et I’autre té- moignent du même fait, c’est un gage de certitude. Gtjido Bacelli. Ç) Tratando aqui da acção physiologica da pereirina aprovei- tar-nos-hemos ao mesmo tempo dos resultados obtidos pela experi- mentação physiologica e dos dados fornecidos pela observação clinica. É do consorcio intimo d’estes dois meios de estudo, do auxilio que se prestam um ao outro, que mais facilmente ha de brotar a solução dos problemas que se apresentam em assumpto d’esta ordem. Quando os resultados de ambos forem accordes e idênticos elles servir-se-hão reciprocamente de contra-prova; quando porém se apresentarem contraditórios e dispares, então, não occultamos a nossa preferencia, será pela clinica que nos decidiremos sempre, até que novos estudos, e investigações ulteriores venham explicar a razão d’essas contradições, d’esses desaccôrdos que não são muitas vezes senão apparentes. Poremos aqui em grande contribuição os estudos experimentaes (l Guido Bacelli Leçons cliniques sur la perniciosité. Trad. de Luis Jullien Ly«n 1871. 28 dos Drs. Cypriano de Freitas e Bochefontaine, e os do Dr. La- cerda, alguns dos quaes tivemos occasião de repetir no Laboratorio de Physiologia Experimental do Museu Nacional, si bem que nos apressemos em confessar a nossa pouca competência em estudos d’essa natureza. Sobre diversos pontos apresentaremos os resultados dos nossos estudos clínicos, pois é preciso lembrar sempre que é debaixo do ponto de vista clinico que estudamos o assumpto que nos occupa. Seguiremos aqui o methodo que nos pareceu mais apropriado, e adoptado por diversos autores em trabalhos idênticos. Acção tópica.—De suas experiencias em diversos animaes os Drs. Cypriano de Freitas e Bochefontaine tiraram a seguinte con- clusão sobre a acção local da pereirina : que esta substancia não tem acção local notável, pois os animaes aos quaes ella foi admi- nistrada, quer em injecções hypodermicas quer por inserção sob a pelle de uma porção de extracto da planta, esses animaes ficavam tranquillos, não se agitavam, como soe acontecer quando se faz uso de substancias toxicas dotadas de propriedades locaes irritan- tes, taes como a veratina, a nicotina, a aconitina, etc. Prendendo-se á esta questão a possibilidade do emprego do me- dicamento em injecções hypodermicas aos doentes, emprehendernos na enfermaria de clinica medica da Faculdade um estudo a esse respeito. Servimo-nos para esse fim, á principio, de uma solução de duas grammas de clorbydrato de pereirina em 20 grammas d’agua distil- lada, usando depois de uma gramma apenas do sal para a mesma quantidade de vebiculo. Injectamos de cada vez uma gramma sómente da solução em cada braço. Dos sete doentes aos quaes fizemos essa applicação, um não apresentou phenomeno algum irritativo no lugar da injecção; nos outros seis houve uma ligeira irritação, um certo rubor e alguma dor que em alguns só se revelava á pressão, mas que em outros era espontânea. Esta irritação, porém, foi sempre de pouca inten- sidade, e desapparecia em pouco tempo. Em nenhum dos casos observámos a formação de escharas que se tem referido ás injec- ções hypodermicas dos sáes de quinina. 29 Applicando uma pequena porção de qualquer das duas solu- ções sobre o derma desnudado do epidemia por um vesicatório, não vimos produzir-se irritação nem dor alguma. Acção sobre o tubo digestivo. A pereirina e seus sáes são, como já tivemos occasião de dizel-o, dotados de um amargor ex- tremamente desagradavel, mas não produzem irritação alguma na mucosa que reveste a cavidade da boca e do pharynge. Introduzindo na cavidade estomacal uma solução de pereirina ou de algum de seus sáes, não ba também irritação alguma, como o demonstram as autopsias dos animaes submettidos á essa appli- cação. A pereirina não determina nunca dores gastralgicas. Dos numerosos doentes, aos quaes administrámos o medica- mento, apenas tres não o toleraram, tendo lugar a rejeição pelo vomito ; d’esses tres, porém, um, que faz o assumpto da observação n.° YI, estava fazendo uso de uma poção em que entrava a ipeca- cuanha como anti-dysenterico, e foi esta evidentemente que, apezar das gottas de laudano que lhe foram reunidas, determinou os vo- mitos ; no 2.°, que era um individuo que tinha febre intermittente ligada a um processo tuberculoso, houve durante alguns dias into- lerância para todo medicamento; no 3.°, que era um doente do serviço do Dr. Barbosa Romeu, a intolerância foi só para o sal de pereirina, mas havia n’elle um estado saburral franco da parte superior do tubo digestivo, estado que não removemos préviamente. Parece-nos, portanto, que podemos estabelecer que, em regra geral, os sáes-de pereirina não produzem vomitos, deixando no entanto margem para algumas excepções. Nos doentes que tivemos occasião de observar, e que faziam uso da pereirina internamente, nunca houve phenomeno algum irri- tativo para os intestinos , nenhum d’elles teve enteralgias, mesmo usando do medicamento durante muitos dias consecutivos. Applicada sob a forma de clysteres uma solução de chlorhy" drato de pereirina, é a principio tolerada; quando, porém, repetem-se as npplicações, no fim da terceira ou quarta manifestam-se pheno- menos irritativos caracterisados por dores e tenesmos. Acção sobre o systemã nervoso. Não ha duvida que a 30 pereirina actua sobre o systema nervoso; provam-n’o assaz as experiencias dos physiologistas que a têm estudado. Entre as conclusões de suas experiencias dizem os Snrs. Cy- priano de Freitas e Bochefontaine que a pereirina é um agente paralysante que tem a propriedade de abolir á principio os movi- mentos voluntários, depois os movimentos reflexos, sem actuar sobre os nervos, quer sensitivos, quer motores, ou pelo menos só extinguindo a excito-motricidade d’elles depois que o animal já está durante algum tempo inerte e entorpecido. Do primeiro facto, isto é, da abolição dos movimentos volun- tários, antes que desappareçam os movimentos reflexos, con- cluem os dois experimentadores que a pereirina actua sobre o cerebro. A segunda proposição, relativa á abolição dos movimentos reflexos, apoia-se em experiencias feitas em rãs, nas quaes, tendo sido retirado o cerebro, os movimentos reflexos, que continuaram depois d’essa ablação, foram supprimidos pela pereirina. Para demonstração da terceira proposição, os dois physiolo- gistas, a cujos trabalhos nos estamos referindo, apresentam a se- guinte experiencia : EXPERIENCIA I. Rã verde (Rana esculenta), pequeno talhe. Liga-se pela região lombar a artéria illiaca primitiva direita. Iramediatamente após a ligadura, ás 4 horas, e 12 minutos, injecta-se sob a pelle do braço direito uma solução de 2 milligrammas de geis- sina (pereirina). 4h,16 minutos. Fraqueza muito grande dos movimentos; a rã não póde mais voltar á sua attitude normal quando é collocada sobre o dorso. A excitação de cada uma das patas posteriores produz movimentos reflexos normaes n’estes membros. 4h,23 minutos. Inércia completa. Os movimentos reflexos então enfraquecidos; quer se excite uma, quer outra das extremidades posteriores o resultado é o mesmo. Os movimentos respiratórios hyoi- dianos são menos frequentes que antes da experiencia. 4h,27 minutos, Parada dos movimentos respiratórios. Os movimentos reflexos são ainda mais fracos que ás 4h,23 minutos. 4h,35 minutos. O nervo sciatico esquerdo é posto a desco- berto. Sua excitação com a pinça galvanica de Pulvemacher produz 31 movimentos na parte correspondente, e os olhos retrahom-se na orbita. Os másculos se contrahem muito bem debaixo da influencia da electricidade. A excitação mecanica ou electrica das diversas partes do corpo não produz movimentos reflexos senão nos globos oeculares; 4h,48 minutos. Os movimentos reflexos estão abolidos. Pode excitar se mecanicamente, com acido acético ou com a pinça de Pul- vemaeher, as difterentes partes do corpo, e nada se obtem; os olhos da rã estão retrahidos nas orbitas e cobertos pelas palpebras inferioi'es. ò\ A excitação galvanica do nervo sciatico esquerdo não produz mais movimentos dos artelhos da pata correspondente. Des- cobre-se o sciatico do lado direito, e examina-se cora o mesmo exci- tante ; não ha movimento dos artelhos; ha contracções do musculo sural. Os musculos das difterentes partes do corpo reagem debaixo da influencia da electrisação. No dia seguinte pela manhã a rã é encontrada morta. Yê-se nesta experiencia que honve perfeita identidade de phenomenos no membro, cuja artéria nutritiva estava ligada, e n’aquelle em que a circulação era franca, e que devia ser o unico aífectado si a substancia exercesse a sua acção directa sobre os nervos. Si no fim da experiencia a excitação das patas posteriores não deu mais lugar a movimentos reflexos, foi porque os centros nervosos já tinham sido accionados, e não porque os nervos ti- vessem perdido as suas propriedades. O Dr. Lacerda, estudando também a acção sobre o systema nervoso, vai mais adiante, e tira de suas experiencias o seguinte resultado : o chlorhydrato de pereirina, em dóses toxicas, paralysa os centros vaso-motores bulbo-spinaes, assim como os filetes car- diacos do nervo vago. No intuito de verificar si a acção paraiysante do chlorhydrato de pereirina exerce-se sobre os centros vaso-motores, diz o Dr. La- cerda, strychnisámos um animal préviamente curarisado, e quando a tensão se havia elevado consideravelmente, injectámos a pereirina nas veias ; o resultado foi uma quéda imraediata e permanente da tensão. 32 Eis a experiencia a que nos referimos : EXPERIEJSTCIA 11. Cito de grande porto, préviamente cu- rarisado, e submettido á respiração artificial. 12h,õo minutos. Descobre-se a carótida e communica-se com o tubo do kymographo. Toma-se o primeiro traçado. Tensão =lO muito variavel, subindo ás vezes á 11. Coração muito lento. lh. Injecção na sapbena de Ç2 milligramma de strycbnina dissolvido em agua distillada. Dois minutos depois percebem-se al- gumas contracções limitadas á pata anterior direita. A columna de mercúrio do hemodynamometro começa a oscillar, e a tensão sobe rapidamente a 20. Injecta-se então na sapbena 0gr,03 de cblorhydrato de pereirina de uma vez. Dois minutos depois, coração excessiva- raente accelerado: a tensão que estava a 20, cabe bruscaraente a 13, a 10, e no fim de tres minutos estava a 5. lh,lõ minutos. Não se percebe mais oscillações na columna do bemodynarnometro. Eetira-se a canula da carótida; n’essa occasião já não se sente pulsar a artéria, o sangue corre sem jacto. Continua, não obstante, a respiração artificial. 2h,20 minutos. Nova injecção na sapbena de ogr.ol0gr.01 de chlo- rhydrato de pereirina, dissolvido n’agua. Continúa a respiração arti- ficial. 2h,55 minutos. Coração já muito enfraquecido. 3h,10 minutos. Yamos examinar o animal, o coração havia parado. Quanto á acção sobre os filetes cardíacos do nervo vago, observou o Dr. Lacerda em diversas experiencias, que a excitação do pneumogastrio, extremidade peripherica, com o apparelho de Du Bois-Raimond, que antes da administração da pereirina tinha uma acção prompta sobre os batimentos cardíacos, depois que a substancia era applicada ficava consideravelmente diminuída ou abolida. São estes os dados fornecidos pela experimentação physiolo- gica a respeito da acção da pereirina sobre o systema nervoso. A observação clinica nos forneceu mais algumas noções, relativas á acção sobre os orgãos dos sentidos, e sobre as faculdades intel- 33 lectnaes. Estes factos têm algum valor, porque temos sempre em vista um certo parallelo entre a pereirina e a quinina. A pereirina, ao menos em dose therapeutica, não produz nunca as perturbações intellectuaes, delírio e outros phenomenos ligados á anemia cerebral, como se observa com a quinina. O mesmo se dá em relação á innervação sensorial; cumprindo chamar a attenção sobre o facto de não haver nunca as perturbações au- ditivas tão frequentemente causadas pela quinina. Não ha também inconveniente do lado do apparelho da visão. Para não abrir um paragrapho especial, diremos mesmo aqui que a pereirina não tem acção alguma sobre a contractibilidade muscular. Acção sobre a circulação. Os factos capitaes observados nas experiencias physiologicas têm sido abaixamento mais ou menos rápido da tensão arterial, e acceleração dos batimentos cardíacos. Estes dois factos constantes quando se empregam dóses rela- tivamente fortes de pereirina, principalmente em injecções intra- venosas, soífrern algumas modificações quando se administram dóses pequenas e em injecções sub-cutaneas, pois neste ultimo caso não se obtêm effeitos notáveis sobre a tensão, e os períodos de acce- leração cardíaca alternam com períodos mais curtos de retar- damento. Eoi provavelmente por haver empregado dóses pequenas que os Snrs. Cypriano de Freitas e Bochefontaine chamaram a atten- ção em sua—Nota—para a demora dos batimentos cardíacos; facto que, dizem elles, já tinha sido observado clinicamente pelo Professor José Silva e pelo Dr. Gonçalves Ramos. O abaixamento da tensão arterial, sobre que estão de accôrdo os tres physiologistas, e a acceleração dos batimentos cardíacos, assignalada pelo Dr. Lacerda, foram pòr nós observados nas ex- periencias que tivemos occasião de fazer, das quaes transcrevemos aqui as seguintes : EXPEEIEXCIA 111. 6 de Agosto de 1888. Cão de grande porte, pesando 12 kilograrnmas, e 200 gr. Coração batendo 120 vezes por minuto. Temperatura rectal —• 39,°2. Á lh: Descobre-se a carótida e com- munica-se com o tubo do kymographo. Tensão = 17. Tira-se o I.® traçado. lh,lo minutos. Introduz-se uraa ca* nula na sapbena e injeetão-se 3 cc. de uma solução de 1 gr. de valerinato de peréirina em 100 gr. d’agua distillada (1). Tensão = 15. Toma-se 2.° traçado. Antes da pereirina T = 17 | Depois da pereirina T = 7 1h,20lh,20 minutos. Coração batendo 180 vezes.—-Temperatura rectal —39,2. Tensão =7. Tira-se o 3.° traçado. O animal agita-se, dá alguns gemidos; respiração diaphr ag m a ti ca. TRAÇADOS I E 111 1h,30lh,30 minutos. Coração bate 160 vezes por minuto. Temperatura rectal 38°,8. Ten- são =6. O cão levanta-se, mas não pode conservar-se muito tempo de pé. 2h. Coração bate 180 vezes. A tem- peratura rectal é 39°. Paramos aqui a experiencia ; no dia seguinte o cão estava restabelecido. O EXPERIENCIA IY. Cão pesando 8 kilogramas e 900 gr.; 146 batimentos cardiacos por minuto. Temperatura rectal 40°,4. 1h,25lh,25 minutos. Injecta-se no tecido cellular sub-cutaneo do ventre 1 centímetro cubico de uma solução de 2 gr. de chlorhy- drato de pereirina em 30 gr. d’agua distil- lada. 1h,45lh,45 minutos. Coração bate 188 vezes. Temperatura rectal conserva-se a mesma. 1h,55lh,55 minutos. Coração 200 pulsações. Temperatura rectal 40°, 6. (x) Convém notar que as 3 cc. do liquido injectadas não correspondem a 3 centigr. de sal de pereirina, porque este não é completamente solúvel n’agua. 35 2h,5 minutos. Injecta-se mais um centímetro cubico da so- lução debaixo da pelle do ventre. 2h,15 minutos. Coração bate 228 vezes. Temperatura rectal 40°,4. 2h,35 minutos. Coração 216 pulsações. Temperatura rectal 40°,4. 2h,45 minutos. Coração 252 pulsações. Temperatura rectal 40°,2. Na primeira d’estas duas experiencias vêem-se as modifica- ções do numero dos batimentos cardiacos e as da tensão arterial; na segunda somente as modificações do numero das pulsações. Como consequência da paralysia dos centros vaso-motores bulbo-spinaes, que o chlorhydrato de pereirina produz em dóses toxicas, como dissemos no paragrapho precedente, resulta um relaxamento mais ou menos completo da totalidade dos vasos ; d’ahi uma lentidão na circulação peripherica e repleção notável dos vasos abdominaes, factos observados pelo Dr. Lacerda. Quando se observa directamente o coração pereirinisado, notam-se não só as contracções fluctuantes dos ventriculos que se contrabem quasi vasios, como a pequena expansão da • aorta a cada systote ven- tricular. O Dr. Lacerda chama ainda a attenção, no trabalho que publicou, para a especie de antagonismo que existe entre a perei- rina e a digitalina, pois um coração digitalinisado, na phase de retardamento, no fim de alguns minutos depois do emprego da pereirina, não só acelera-se como perde as irregularidades que a digitalina produz. Eis as duas experiencias que elle fez sob este ponto de vista : EXPERIEXCIA V.— Rã commum, muito vigorosa. Eixa-se sobre uma placa de cortiça e descobre-se o coração. Elle bate 40 vezes por minuto. 2h,1l minutos. Injecção sobre a pello da perna direita na direcção da pata de 3 gottas de uma solução de 1 milligr. de digitalina para 5 gramraas d’agua. 2h,14 minutos. Coração mais frequente, 56 por minuto. 2h,19 minutos. Coração 52; systoles completas e energicas. 2h,24 minutos. Coração 52. 2b,50 minutos. Injecção sob a pelle da perna, na direcção da pata de 4 gottas da mesma solução de digitalina. 36 3h. Coração 64. Respiração hyoidiana frequente. 3h.7 minutos. Coração 56 ; systoles completas e energicas. 3h,12 minutos. Injecção sob a pelle da perna, do outro lado, de 4 gottas de uma solução de 05r,05 de chlorhydrato de pereirina para 5 gr. d’agua. 3h,15 minutos. Coração mais accelerado, pulsando 68 vezes por minuto. 3h,16 minutos. Injecção debaixo da pelle da perna de mais 5 gottas da mesma solução de pereirina; 1 minuto depois arã se agita. 3h,20 minutos. Coração pulsando 76 vezes por minuto; sys- toles ventriculares menos energicas e menos completas. EXPERIEXCIA YI. Rã commum, muito vigorosa. Fixa-se sobre uma placa de cortiça e descobre-se o coração. Elle pulsa 16 vozes por minuto. 17 minutos depois do meio-dia. Injecção, debaixo da pelle da perna, de 20 gottas de uma solução de ogr,20gr,2 do de pereirina em 20 gr. d’agua. 25 minutos depois do meio-dm. Coração a 32. 35 minutos depois do meio-dia. Coração 52. lh,lo minutos. Injecção debaixo da pelle da perna de ba milligr. de digitalina dissolvido n’agua. P,13 minutos. Coração 52. lh,lB minutos. Coração 48. 1h,30lh,30 minutos. Coração 48. 1h,40lh,40 minutos. Injecção, debaixo da pelle da perna, de 20 gottas de uma solução de 2 milligr. de digitalina para 10 gr. d’agua. 2h. Coração 48. Respiração hyoidiana, frequente. Na primeira d’es tas duas experiencias vê-se um coração ligei- ramente digitalimsado, batendo 56 vezes por minuto, elevar a sua frequência a 76, no espaço de 12 minutos, depois da injecção da pereirina; ao passo que na segunda —um coração accelerado pela pereirina perde apenas 4 pulsações depois da injecção da digitalina. Na seguinte experiencia observam-se melhor os factos : EXPERIEXCIA YII.— Cadella de porte mediano. Coração irregular, batendo 88 vezes por minuto. Temperatura no recto 39°,5. Pupillas de pequeno diâmetro. llh,lO minutos. Injecção debaixo da pelle do ventre do 5 milligr. de digitalina amorpha, dissolvidos em agua distillada. llh,20 minutos. Coração muito frequente ; pulsando 188 vezes por minuto, com irregularidades. Temperatura no recto 40°. llh,50 minutos. Coração menos accelerado, batendo 152 vezes. Temperatura rectal 40°,2. 12h,45 minutos. Injecção sob a pelle do ventre de mais 5 milligr. de digitalina, dissolvidos em agua distillada. 37 Depois de uma phase de acceleração que durou quasi meia hora, o coração começou a retardar-se e cahio a 56 e 48 por mi- nuto, com grandes intermittencias. 1h,15lh,15 minutos. Injecção debaixo da pelle do ventre, em dois pontos diversos, de 0gr,05 de chlorhydrato do poreirina dissolvidos em agua distillada. Cinco minutos depois o coração que estava a 48, torna-se accelerado, mas com longas pausas de 4 em 4 revoluções cardíacas. Ho fim de 10 minutos essas pausas tinham desapparecido e o coração batia 140 vezes por minuto. 1h,30lh,30 minutos. Coração muito accelerado, pulsando 180 vezes por minuto sem intermittencias. Temperatura rectal 40°,5. 1h,45lh,45 minutos. Coração a 180 por minuto sem intermittencias. 2h. Coração pulsando 200 vezes por minuto sem interrait- tencias. Descobre-se o pneumogastrico, liga-se e secciona-se. Exci- tando a extremidade peripherica com a corrente 20, nenhuma modificação se produz no coração; com a corrente 15 ha uma ligeira parada. Temperatura no recto 40°. Nos doentes nunca observamos regularidade nas modificações do pulso : havia algumas vezes augmento, e outras diminuição do numero de batimentos ; na maior parte, porém, não havia modifi- cação alguma. A demora dos batimentos da radial, a que se referem os Drs. C. de Freitas e Bochefontaine, só foi observada pelo Pro- fessor José Silva uma vez, segundo nos referio este nosso mestre. Acção sobre a temperatura.—É esta a questão talvez mais im- portante da acção physiologica da pereirina, e justamente aquella que nos parece não poder ter ainda uma solução cabal e definitiva. Em uma de suas conclusões, diz o Dr. Lacerda : « O chlo- rhydrato de pereirina não tem acção anti-thermica, antes, pelo contrario, faz augmentar muitas vezes de alguns décimos de gráo a temperatura central. » De facto, em suas experiencias o distincto physiologista observou muitas vezes elevações de temperatura central que foram em alguns casos de 4 décimos de gráo, no espaço de meia hora, e de temperatura peripherica que attingiram algumas vezes a 20,3 na pata posterior, no espaço de um quarto de hora. Com doses minimas houve variações muito irregulares da tem- peratura, que ora baixava ora elevava-se, quer no centro quer na peripheria. 38 Tivemos occasião de observar estes mesmos factos em diversas experiencias que fizemos ; mas cumpre dizer aqui que em outras, fazendo uso do valerianato de pereirina em dose forte e por injec- ção estomachal, obtivemos queda rapida e considerável da tempe- ratura central. Eis aqui uma d’estas experiencias : EXPERIENCIA YIII. Cão de pequeno porte, pesando 6k400 gr. Temperatura rectal 39°,2. Coração batendo 128 vezes por minuto. Temperatura da pata ant. direita 32°,2. Pata post. 32°,4. Movimentos respiratórios 22 por minuto; lh. Descobre-se a carótida, e com- munica-se com o tubo dokymographo. Tensão = 16 ; tira-se o l.° traçado. 1h,20lh,20 min. Injecta-se no estomago, por meio de uma sonda esophagiana, 1 gram- raa dc valerianato de pereirina em 100 gr. d’agua distillada. Antes da peieirina T=l6 | Depois da pcreirina T=6 J/2 1h,40lh,40 min. Temperatura rectal 38°,8. Coração batendo 148 vezes. Temp. da pata ant. 32° ; pata posterior 30°. Movimentos respiratórios 22. Tensão 6 ljr Toma-se se- gando traçado. TRAÇADOS I E II 2h. Temperatura rectal 37°,4. Pata ant. 28°,8; pata post. 28°,6. Coração pul- sando 128 vezes. Movimentos respiratórios 18. As pupillas estão muito dilatadas; o animal está muito abatido ; a sensibilidade reflexa, e a dolorosa achão-se abolidas, podendo aper- tar-se com uma pinça uma das patas sem que o animal a retire ou dê signaes de dôr. 2U,10 min. Temperatura rectal 37°. Coração 142. Respiração IG. Tensão = 6; toma-se o 3.° traçado. 2h,30 min. Temperatura rectal 36°, G. Coração 180. Ha um tremor era todo o corpo do animal semelhando ura calafrio. A tensão arterial é quasi nulla. 3h. Temperatura rectal 36,°6. Co- ração batendo 180 vezes. No dia seguinte o cão é encontrado morto. 39 Não dispuzemos de tempo bastante para repetir um numero considerável de vezes estas experiencias, de modo a poder resolver esta questão; todavia observamos este abaixamento rápido e con- siderável da temperatura trez veses. Em geral não observamos essa quéda rapida e considerável nos doentes que vimos; todavia em alguns a temperatura desceu. No doente da observação n.° XX a temperatura, que á tarde era de 40°,6, tendo-se administrado ao doente uma gramma de chlorhydrato de pereirina desceu na manhã seguinte a 38°. Teria sido este facto uma remissão natural da febre, ou o eífeito do medicamento empregado ? Não podemos por ora, apezar dos nossos esforços, dar uma resposta cabal e decisiva a esta interrogação; a acção da pereirina sobre a temperatura necessita ainda de estudos mais demorados. Ella deve ser estudada nas moléstias em que a temperatura man- tem-se elevada durante um periodo de tempo relativamente longo; sé assim se poderão observar peiTeitamente as modificações im- pressas pelo medicamento, porque nos casos de febre intermittente, que aliás foram quasi que exclusivamente os casos em que pudemos empregar a pereirina, não se pode saber na maioria das vezes si a temperatura baixa por eífeito do medicamento, ou porque tem de descer naturalmente no fim de certo tempo. Acção sobre a respiração. O numero dos movimentes respi- ratórios diminue quando se submette um animal á pereirina, dizem os Srs. C. de Freitas e Bochefontaine. Em algumas occasiões, porém, vimos a respiração accelerar-se, tornar-se quasi que exclusivamente diaphragmatica, quando se administravam doses fortes. Os animaes intoxicados pela pereirina morrem asphyxiados. Comparando esta asphyxia com a produzida pelo curara, diz o Dr. Lacerda que com este ultimo a asphyxia dá-se porque o ar não pode chegar até o sangue, ao passo que na intoxicação pela pereirina é o sangue que não péde chegar até o ar. É por isso que a respiração artificial, que póde impedir a morte no animal curarisado, retarda-a apenas no animal intoxicado pela pereirina 40 Acção sobre as substancias organicas putresciveis. Tendo em consideração a opinião de diversos observadores como Pringle, Pavesi, Bioz, e mais modernamente Ceei, sobre a acção anti- putrida da quinina, dirigimos nesse sentido as nossas vistas para a pereirina. Não podendo fazer uso do alcalóide só, por ser elle quasi insolúvel na agua distillada, que aliás era o único vebiculo a em- pregar para não invalidar as conclusões dos factos observados, servimo-nos, em nossas experiencias, do cblorliydrato. Fizemos ensaios sobre diversas substancias como, porções de musculo, sangue, leite, caldos de carne, etc., e tivemos occasião de observar que, mesmo com uma solução ao millesimo, os pbeno- menos de fermentação e putrefacção tardaram em apparecer. Não se pode dizer que a pereirina seja um verdadeiro anti- putrido, pois no fim de algum tempo apparecem nas substancias, com as quaes ella é posta em contacto, os organismos inferiores considerados como causa das fermentações; todavia fazendo sempre estudo comparativo entre os phenomenos que se passavam nas substancias submettidas á acção da pereirina, é uma porção idên- tica abandonada a si mesma, notamos sempre que não só a appa- rição d’esses organismos inferiores era mais tardia e em menor quantidade no primeiro caso, como também que o fétido pvoprio das substancias putrefeitas só muito mais tarde apparecia na porção em contacto com a pereirina. Absorpção e eliminação. Como vias inequivocas de absorpção no caso vertente temos o estomago, o recto, o tecido cellular sub- cutâneo, e finalmente a traebea por onde o Dr. Gonçalves liamos injectou uma solução de valerianato de pereirina, numa experiencia qúe fez sobre a temperatura. Convêm todavia notar que si, quando nos servimos da via gastrica, podemos fazer uso quer da pereirina quer de qualquer de seus sáes, não se dá o mesmo quando o medicamento tem de ser administrado em clysteres ou em injecções hypodcrmicas; nestes casos deve-se lançar mão do cblorliydrato que é extremamente solúvel. 41 Á respeito da absorpção cutanea, questão tão controvertida em physiologia, devemos fazer aqui uma interrogação; os banhos com o decocto de casca de Páo pereira dão bons resultados porque o medicamento é absorvido ? Com o auxilio do Dr. Felicíssimo Fernandes procuramos estudar a eliminação da pereirina pela urina, mas não conseguimos chegar ao fim desejado. Submettemos 2 litros de urina de um individuo em uso de 2 grammas de chlorhydrato de pereirina por dia, á evaporação a B. M. até a consistência de extracto molle. O extracto foi esgo- tado pelo álcool absoluto; obteve-se uma solução vermelho-vinhosa, a qual evaporada a B. M. até a seccura deixou um residuo ver- melho escuro no qual não conseguimos a reacção característica dada pelo professor Freire. Em outros ensaios, tratamos a urina pela ammonea; aban- donamos por 48 horas, e filtramos. Obtivemos assim um precipitado insignificante, sobre o qual nunca pudemos encontrar a reacção característica. CAPITULO V ACÇÃO THERAPEUTICA Indicações e contra-indicações Scire potestates herbarum, usumque medendi. A SN, XII, 399. Apezar dos grandes progressos realisados modernamente pelos outros methodos therapeuticos, verdadeiramente scientificos, nao se póde negar ao empirismo, sem commetter uma ingratidão inquali- ficável, o muito que a sciencia lhe deve, e o muito que lhe deve a humanidade. De facto, lançando um olhar investigador para o passado da maior parte dos agentes utilisados pela medicina de todos os tempos, é facil ir encontrar a sua origem no uso empirico de um certo numero de indivíduos. Em regra geral, somente quando uma substancia se impõe por um numero considerável de factos de cura, mais ou menos bri- lhantes, accumulados ao acaso, e conservados pela tradição, é que o therapeutista, empregando os meios de que póde dispôr, vai ao seu encontro, analjsa os seus effeitos, inquire do seu modo de acção, e no fim de muito trabalho e muito estudo, ou consegue desvendar o segredo do seu modo de acção ou então confessando a sua impotência curva-se á lógica dos factos, e contenta-se, como ultimo recurso, com hypotheses mais ou menos plausíveis, mais ou menos racionaes. 44 0 empirismo no valor philosophico e completo da expressão, diz Teixeira de Souza, não deixará nunca de ser o ponto de par- tida da medicina scientiíica, porém só a esse emprego instrumental provisorio se deverá restringir. Não o pensa assim Bouchard ; elle entende que é justamente debaixo do ponto de vista da invenção que o empirismo lia de re- cuar incessantemente diante dos progressos da sciencia; mas que sob o ponto de vista da verificação e da consagração dos factos, guardará sempre a sua supremacia e, por sssim dizer, a sua magis- tratura. Seja, porém, como fôr, repetimos, não devemos esquecer nunca o que ao empirismo devemos. Isto que vimos dizendo em these geral, tem applicação muito par- ticular á matéria medica brazileira que está toda surgindo do co- nhecimento e das praticas dos indígenas e dos sertanejos. A historia therapeutica do Páo-pereira não escapa á regra geral; já a esboçámos a traços largos na primeira parte d’este nosso trabalho, mostrámos o periodo em que ella se foi tornando scientiíica, e apontámos sempre os nomes brazileiros a que essa his- toria se liga. Tendo, pela natureza do ponto formulado pela Faculdade, de limitar-nos ao estudo das indicações e contra-indicações do medi- camento nas manifestações agudas da malaria, em que justamente elle se apresenta como succedaneo da quinina, faremos, sempre que isso fôr necessário, um estudo comparativo entre as duas subs- tancias. Mas apresentando aqui o Páo-pereira e os medicamentos d’elle extrahidos, como succedaneos da quina e seus alcalóides, longe de nós a idéa de affirmar que elles devem ser preferidos a estes últimos. Não; para que esses representantes da matéria medica brazileira assumam lugar importante na therapeutica das moléstias palustres, basta-lhes a gloria de poderem ser comparados ao medi- camento que já mereceu as honras de ser denominado o divino re- medio. As proposições que emittiremos aqui estudando a acção the- 45 rapeutica, as indicações e contra-indicações do medicamento, imo são em sua maioria mais do que consequência dos principios que estabelecemos no capitulo precedente. Trataremos do emprego da pereirina nas febres intermittentes com todos os seus typos, nas febres remittentes, nas formas ou manifestações larvadas do impaludismo e nas febres perniciosas ; mostraremos o valor que o medicamento tem, conforme os casos, e analysaremos as regras que devem presidir o seu emprego. Insistimos ainda uma vez sobre as difficuldades com que tivemos de lutar para a confecção d’esta parte do nosso trabalho. Sem estatísticas que nos podessem auxilar, com a falta quasi com- pleta de observações publicadas, com um pequeno numero de factos communicados, tivemos que limitar-nos quasi que exclusivamente ao pouco que o tempo nos permittio observar. Febres intermittentes. É incontestavelmente a febre inter- mittente a forma mais genuina e mais commum de manifestar-se a intoxicação palustre, á tal ponto que, quando se emprega isolada- mente a expressão—febre intermittente sem adjectivação outra que lhe especifique o sentido, entende-se logo por uma especie de accordo tácito, que trata-se de uma febre de origem palustre. Um certo numero de autores, entre os quaes devemos citar Colin, tem reclamado ultimamente contra esta synonimia estabelecida; tem-se dito mesmo que ao passo que nos approximamos das regiões equatoriaes, é a fórma remittente a mais geralmente observada. De accordo, porém, com os práticos brazileiros mais eminentes, e com a nossa observação, embora limitada ainda, podemos affirmar que é a febre intermittente a forma mais commum entre nós, das manifestações agudas da inalaria. É justamente n’estes casos que a medicação pelo Páo-pereira, a pereirina e seus sáes, encontra a sua indicação mais formal, e é nelles que conta os successos mais brilhantes e os resultados mais esplendidos. Quando o medicamento começou a ser empregado era admi- nistrado aos doentes, ou internamente sob a fórma de um decocto feito com 15 a 30 grammas da casca para 500 graramas d’agua, ou externamente em banhos geraes, empregando-se 500 ou 1000 grammas da casca para um banho commum. Hoje, a não ser nos sertões, ou nos lugares onde o medica- mento não existe de outra fórnxa, não se faz mais uso da decocção internamente ; mais os banhos ainda são muito usados nos casos rebeldes aos outros modos de administração, e encontram uma indicação muito razoavel na therapeutica infantil, pois é difficil administrar ás crianças o alcalóide ou qualquer de seus sáes de um sabor extremamente desagradavel. Apresentamos aqui alguns casos em que os banhos, quer admi- nistrados só, quer de concomitância com o uso interno da perei- rina, deram bons resultados. Si elles não são descriptos com as minuciosidades que a critica exige nas observações clinicas, visto como nos foram referidos de accôrdo apenas com a reminiscência dos factos principaes, valem todavia muito, ao menos entre nós, pelo nome dos práticos que os observaram. OBSERVAÇÃO I. (Professor Torres Homera).—Uma senhora que residio durante muitos annos no Pilar (lugar muito pantanoso) soffria, havia longo tempo, de uma febre interraittente de tjpo quartão, rebelde á toda medicação até então empregada, e só conseguio curar-se mediante o emprego de um banho geral de cozimento da casca de Páo-pereira, tomado todos os dias, por espaço de um mez, e 60 cen- tigrammas de valerianato de pereirina, em duas dóses, quotidiana- mente, durante o mesmo período de tempo. OBSERVAÇÃO 11. (Professor Martins Costa), —• Uma senhora, casada com um deputado de uma das provindas do Norte, foi ope- rada em 1882 pelo Professor Pereira Guimarães de um tumor na parede de vagina; depois da operação esta senhora começou a ter aecessos do febre palustre, typo quotidiano, bem caracterisados. Foram empregadas dóses fortes de sulfato de quinina, quer só, quer associado ao valerianato, e acido arsenioso; removeu-se a doente para o morro de Santa Thereza, e,’apezar de tudo, os aecessos continuavam Recorrendo-se depois aos banhos de casca de Páo-pereira, a senhora, restabeleceu-se dentro de pouco tempo. OBSERVAÇÃO 111. (Idem). Uma criança, filha de uma es- crava que se achava em tratamento na Casa de Saúde de N. S. d’Ajuda, apresentou-se com aecessos intermittentes de febre palustre. Re- cusando-se a doentinhaa ingerir qualquer medicamento, o Dr. Martins 47 Costa mandou fazer fricções cora sulfato de quinina dissolvido em vinagro aromatico por espaço de 2 a 3 dias; não tendo obtido resul- tado com isto, mandou administrar banhos de casca de Páo-pei'eira, que conseguiram uma cura prompta. OBS.RRYAÇÃO IY. (Dr. Samico)— XTma menina, filha do Snr. A. R., chefe de gabinete do ministro da marinha, que soffria de febre intermittente palustre, havia muito tempo, achava-se profunda- mente cachetica e em grão adiantado de marasmo. O Dr. Sumiço, chamado para vêl-a, além de aconselhar uma alimentação fortemente nutritiva, mandou dar-lho banhos com cozimento de cascas de Páo- pereira; dentro de pouco tempo, menos de ura mez, não só os aceossos febris tinham desapparecido. mas também o estado geral da doente era outro, extremamente animador, boa physionomia, e bom appelite. OBSRRYAÇÃO A. (pessoal), Ai mos, na rua do Marquez de Olinda, em Botafogo, uma criança, de 8 mezes de idade, de desenvol- vimento regular, filha de um distincto negociante, a qual havia alguns dias que tinha todas as tardes um accesso febril franco, e uma diar- rhéa que a estava enfranquecendo consideravelmente. Com alguns banhos ella restabeleceu se dentro de poucos dias, não só da febre como das perturbações intestinaes. Depois da descoberta da pereirina, em 1838, começou esta a substituir no uso interno o deeocto da casca. Grande vantagem resultou d’isso, não só porque com uma quantidade menor de substancia o doente ingeria a quantidade do principio activo suffi- ciente para cural-o, como porque tornava-se menos desagradavel o uso do remedio reduzido assim á pequenas proporções. A pereirina foi usada então em larga escala, e os resultados colhidos na clinica lhe foram favoráveis. 0 Dr. Ezequiel cita em sua monographia, escripta em 1848, dez casos observados por elle. Hoje por sua vez a pereirina está sendo abandonada, fazen- do-se uso quasi exclusivo dos saes, dos quaes o cblorhydrato e o valerianato são os mais empregados. Vejamos quaes as regras que devem presidir o emprego dos saes de pereirina no tratamento da febre intermittente simples, regras que, embora sejam em sua maioria as mesmas que para os saes de quinina, são algumas especiaes ao novo medicamento. 0 primeiro cuidado do pratico que vai empregar o medica- 48 mento é preparar o organismo que o tem de receber, de modo que a sua absorpção se faça completa e rapidamente. E assim que convém remover o embaraço gástrico, muito commum nas febres palustres, e que se revela pela saburra esbranquiçada que cobre a mucosa linsrual, administrando ao doente um vomitivo. O mesmo inconveniente para o lado dos intestinos pode ser obviado com a administração de um purgativo. As congestões visceraes, das quaes a congestão hepatica é a mais commum na febre intermittente simples, devem ser removidas pelas ventosas e pelas sanguesugas. . O calomelanos, cholagogo e descongestionante, tem sua indicação quando o elemento bilioso complica o caso. Preparado assim o doente para receber o medicamento, tem o medico ainda tres problemas a resolver a occasião em que deve elle ser administrado, a dose que é preciso prescrever e a fórma sob que ha de ser tomado. Quanto á primeira, isto é, a do momento da administração, é fora de duvida que é no período de apyrexia, pois a acção principal do medicamento é a acção anti-periodica, que consiste talvez, numa modificação impressa ao systema nervoso, mas que não foi ainda até hoje explicada mesmo para o sulfato de quinina. Mas embora se saiba que é o período de apyrexia o mais conveniente para a administração do medicamento, ainda não foi possivel de- terminar, firmando-nos em bases verdadeiramente scientificas, o momento preciso em que essa administração deve ser feita, pois os nossos estudos e do Br. Felicissimo Fernandes sobre a elimi- nação da pereirina, que podiam, marcando o tempo que a sub- stancia existe no organismo, resolver esse problema, não deram ainda os resultados esperados. Todavia, por analogia com o que se dá com o sulfato de quinina, costumamos administrar os saes de pereirina duas a tres horas antes da hora provável do accesso, e com esta pratica, em regra geral, conseguimos impedir que elle se manifeste. Quanto á fórma sob que deve ser administrado o medica- mento, é preciso attender á diversas condições. 49 Na clinica hospitalar, onde por via de regra os doentes não são dos que têm paladar muito delicado, empregamos o medica- mento em substancia, ou, o que é mais commum, dissolvido em uma pequena porção de vinho quinado. O sal a que damos pre- ferencia é o chlorhydrato por ser extremamente solúvel. Na clinica civil, porém, onde o medico tem mais necessidade de tornar menos desagradavel o sabor do medicamento, e onde é preciso muitas vezes condescender com certos caprichos do doente, este modo de administração não é o mais conveniente. E preciso nesses casos collocar a substancia, depois de pul- verisada, dentro de capsulas próprias, ou envolvel-a mesmo em uma porção de hóstia. Assim procedendo impede-se o contacto do medicamento com a mucosa bucal, e não prejudica-se em cousa alguma a sua absorpção, pois o envolucro é facilmente atacado no estomago. A férma pillular preferida por muitos doentes tem no caso vertente os mesmos inconvenientes que lhe são geralmente attri- buidos ; de facto, não só não se póde calcular de antemão o tempo pouco mais ou menos que levará o medicamento assim empre- gado, para ser absorvido, como também muitas vezes as pillulas atravessarão o tubo digestivo sem ser atacadas, como num caso que nos foi referido pelo Professor João Silva, no qual este dis- tincto pratico tendo administrado umas pillulas de valerianato de pereirina e sulfato de quinina, foram ellas encontradas intactas nas dejecções do doente. Apezar d’isso, em certos casos, sendo ellas bem manipuladas, pódem ser empregadas com bom resultado; convém então dar por excipiente ao medicamento o extracto molle de quina ou, o que é melhor, o extracto do proprio Páo-pereira, o que augmentará a energia do preparado e as probabilidades da acção therapeutica. Quanto á administração pela via hypodermica, sobre a qual nada tinha sido publicado até hoje, emprehendemos na clinica medica da Faculdade, durante o nosso internato, uma série de experiencias cujos resultados já referimos em parte no capitulo precedente. 50 N'’essas nossas experiencias, em que visavamos principalmente o estudo da acção local da substancia, nunca empregámos exclu- sivamente as injecções hypodermicas, usando sempre d’ellas como adjuvantes da medicação interna; nunca injectámos também mais de 1 decigramma de chlorydrato de pereirina, mas soubemos depois que o Dr, C. de Freitas já tem empregado até 4 deci- grammas. Por essas razões não podemos tirar conclusões relativas á dóse necessária para a cura; mas também, tratando-se de febres intermittentes simples, parece-nos que só póde haver indicação para o emprego das injecções bypodermicas nas crianças, ás quaes é difficil administrar o medicamento pela via gastrica, quer em substancia pelo seu sabor desagradavel, quer em pillulas ou capsulas que ellas custam a deglutir. 0 Professor José Silva já empregou varias vezes o cblorhy- drato pela via rectal, mas com o emprego de alguns clysteres vio apparecerem phenomenos de irritação. Estudando a questão das doses que se devem empregar no tratamento da febre intermittente, cumpre-nos declarar que admi- nistramos pouco mais ou menos as mesmas em que são empregados entre nós os sáes de quinina. Si se trata de uma febre quotidiana empregamos de ordinário 2 a 3 horas antes da hora provável do accesso uma grámma de chlorhydrato, que é, como já dissemos, o preparado geralmente preferido ; si os accessos são muito fortes, ou si resistem a essa dóse commum, empregamos então uma dóse dupla, dando a segunda gramma com algum intervallo da primeira. Quando o doente cura-se e os accessos desapparecem, seguindo a pratica do Profes- sor Torres Homem, sustentamos ainda durante dois ou tres dias a dóse usada durante a moléstia e vamos depois diminuindo-a grádualmente nos dias consecutivos. OBSERVAÇÃO VI (pessoal). Manoel Campos, branco, hes- panhol, natural de Orense, morador á rua da Carioca, de 33 annos de idade, solteiro, cozinheiro, entrado para o hospital á 25 de Maio, occupou o leito n.° 6 da enfermaria de Santa Isabel, serviço do Pro- fessor Torres Homem. O doente está no Brazil ha 10 annos, e ha 8 que se acha no 51 Pio de Janeiro. Em sua terra natal soffreu em criança de febres palustres, variola e sarampão. Já teve também blenorrhagias, cancros venereos e rheumatismo. A sua moléstia começou no dia 9 de Maio, sentindo elle dôres fortes no ventre e tenesmo rectal; estes phenomenos foram se aggravando progressivamente. No dia 23 as suas dejecções eram um pouco sanguinolentas; nos outros dias eram constituídas por uma mucosidade extremamente fétida, augmentando-se cada vez mais a vontade de ir á latrina. Seis dias depois do começo da moléstia o doente começou a sentir todas as tardes e á mesma hora um ca- lafrio intenso e febre. N'estas condições entrou para o hosjntal no dia 25 ; tinha a lingua muito saburrosa, o figado muito augmentado de volume ; e o baço muito sensível á pressão. Eace abatida; enfraquecimento geral. .No dia de sua entrada foi-lhe prescripto o seguinte: Infusão branda de ipecacuanha 120 grammas Laudano de Sydenham 1 » Xarope de flores de larangeira 30 » Para tomar 1 colhér de sôpa de 2 em 2 horas. Magnesia fluida de Murray 1 vidro Tintura de noz-vomica . 12 gottas Elixir paregorico.. 6 grammas Tintura de camomilla 4 » Para tomar 1 cálix de 2 em 2 horas. Sulfato de quinina 50 oentigrammas A tarde a temperatura foi de 38°,2. Dia 26. A mesma medicação. Temperatura M. - 37°,2, T. - 38°. Dia 27. O doente continua muito incommodado; tem de instante a instante desejos de defecar, de modo que quasi não póde estar no leito. Manda-se augmentar 4 gr. de elixir paregorico á poção que estava tomando. Temperatura M. - 37°, 1, T. - 38°. Dia 28. Continua o mesmo estado; prescreve-se : Cosimento branco gommado 350 grammas Sub-nitrato de bismutho 6 » Laudano de Sydenham.... 10 gottas Xarope de ratanhia 30 grammas Chlorhydrato de pereirina 1 gramma A temperatura que pela manhã era 37°,4, á tarde foi 37°,8. 52 Dia 29. - A medicação foi: Infusão de ipecacacuanha 150 grammas Laudano de Sydenham 24 gottas Xarope do flores de larangeira 30 grammas Para tomar 1 colhér de pôpa de 2 em 2 horas. Chlorhydrato de percirina 1 gramma Temperatura da manhã 36°,8. A poção, naturalmente por não conter a dóse prescripta de laudano, produzio vomitos, expellindo o doente o chlorhydrato de pereirina que havia ingerido. Temperatura da tarde 38°. Dia 30. Algumas melhoras. Repetio-se a dóse do chlorhy- drato de pereirina, que foi absorvido. Temperatura M. - 37° T. 37°,2. Dia 31. Volta á poção do dia 29 ; continua o chlorhydrato de pereirina. Temperatura M.-36,8 T.-37,2. Dia l.° de Junho. Continua a pereirina. Temperatura M. - 36,9 T. - 36,6. Dia 2. O doente estava peior dos phenomenos intestinaes. Volta-se á poção de sub-nitrato de bisrnutho do dia 28; continúa o sal de pereirina. Temperatura da manhã 36°,4. A tarde o doente estava muito abatido; prescrevemos uma poção com cognac, extracto molle de quina e tintura de canella ; e um clister fortemento adstringente. Temperatura da tarde 36°,7. Dia 3. O doente estava muito melhor, mais animado; tinha dormido bem, e poucas vezes fora á banca. Deu-se lhe apenas 50 centg. do chlorhydrato de pereirina. A temperatura tanto da manhã como da tarde 36°,7. Dia 4. Continuam as melhoras. Prescreve-se vinho quinado. Temperatura da manhã e da tarde 37°. Xo dia 8 o doente pedio e obteve alta. T. 37°,2. Apezar de tratar-se aqui de um caso de dysenteria, em cuja etiologia nem todos admittem a influencia do impaludismo, parece- nos que os accessos febris, que o doente apresentava todos os dias á tarde, eram verdadeiros accessos de febre intermittente palustre. Elles cederam ás primeiras dóses do chlorbydrato de pereirina, embora os phenomenos intestinaes permanecessem estacionados e se aggravassem ás vezes. E por isso que publicámos aqui esta observação. 53 OBSEEYAÇÃO YII (pessoal). Francisco Moreira Pinto branco, portuguez, natural de Paiva, morador na Ilha do Governa- dor, de 40 annos de idade, solteiro, roceiro, entrou para’a enfermaria do Professor Torres Homem, onde occupou o leito n.° 3. Dizia o doente que havia um mez que soffria de.uma febre intermittente contrahida mesmo na Ilha do Governador, onde havia então um grande numero de casos idênticos, febre que lhe apparecia todas as tardes precedida de calafrio e seguida de suores abundan- tes. O doente lastimava-se de já haver gasto mais de vinte mil réis em sulfato de quinina sem conseguir curar-se, nem mesmo com a vinda para a Corte. Apezar de estar doente havia um mez, não estava grande- mente abatido; o baço e o fígado estavam augraentados de principalmente o fígado; a lingua era saburrosa; a urina estava normal. Prescreveu-se um vomitivo de poaia, e 1 gramma de sulfato de quinina para depois dos vomitos. Á tarde a temperatura foi de 38°; o accesso apresentou-se com todos os seus tres estádios. Dia 11. Temperatura da manhã 37°. Á 1 hora da tarde, 2 horas antes do momento costumado do accesso, administra-se ao doente 1 gramma de chlorhydrato de pereirina internamento, e faz-se em cada braço uma injecção hypodermica de 5 centigrammas do mesmo sal dissolvidos em 1 gr. d’agua distillada. Temperatura da tarde 37°. Dia 12. Temperatura M. -36°,8; mesma medicação; tempe- ratura T. - 37°,2. Dia 13. Temperatura M. - 37° ; os lugares onde tinham sido feitas as injecções apresentam-se um pouco dolorosos, principalmente á pressão, e estão cercados de uma aureola vermelha. Dá-se o me- dicamento só internamente. Temperatura T. - 37°,2. Dia 14. Temperatura M. - 37° ; os phenoraenos de irritação local dos braços tinham desapparecido; reduz-se á metade a dóse do chlorhydrato de pereirina; temperatura T. -36°,8. Hos dias seguintes prescreveu-se unicamente vinho quinado, e no dia 18 o individuo teve alta em óptimas condições. OBSEEYAÇÃO YIII (pessoal). Manoel Joaquim Machado, branco, portuguez, natural de Braga, morador á rua do Marquez de Abrantcs n.° 2, de 33 annos de idade, casado, moço de cavalhariça na estação de bonds do Largo do Machado, entrou para o Hospital da Misericórdia no dia 12 de Janeiro, indo occupar o leito n.° 26 da enfermaria de Santa Isabel, então a cargo do Dr. Teixeira Brandão. Não accusa antecedentes morbidos a não ser uma febre inter- mittente palustre que teve ha 18 annos em Portugal. Acha-se no Brazil ha 6 mezes, e ha 5 que occupa o referido lugar na companhia de bonds de Botafogo. As condições hygienicas em que vive não são das mais desejáveis, como acontece em geral aos indivíduos mora- dores em estalagens. No dia 6 de Janeiro teve o primeiro accesso de febre prece- dido de um calafrio e seguido de suores profusos; o accesso reappa- receu todas as tardes até que no dia 12 o doente resolvou-se a procurar o hospital. Lingua saburrosa; fígado congesto; baço ligeiramente augmen- tado. Nada de importante nos outros apparelhos. Urina sem albumina. Prescreveu-se no dia de sua entrada calomelanos e oleo de ricino; e 1 gramma de sulfato de quinina para depois do effeito pur- gativo. O accesso voltou á tarde. Dia 13. 2 grammas de sulfato de quinina em 180 gr, de limonada sulfurica. Accesso á tarde. Dias 14 e 15. A mesma medicação; continuam os accessos. Dia 16. Prescreveu-se: Sulfato de quinina 4 grammas Yalerianato de quinina, 4 » Acido arsénico 25 milligrammas Extracto molle de quina q. s. E. s. a. 30 pillulas para tomar 6 por dia. À tarde appareceu o accesso. Dia 19. Nada se havendo modificado, o Dr. Teixeira Brandão, a nosso pedido, receitou: Chlorhydrato de pereirina 2 grammas Assucar de leite 4 » Em 6 papéis para tomar 2 por dia. Não tendo chegado a tempo o medicamento receitado, a irmã de caridade deu ao doente uma pequena porção já antiga que existia na enfermaria. Na tarde desse dia o accesso foi forte, 39°, Dia 20. O doente toma uma dose receitada de chlorhydrato de pereirina. O accesso foi muito fraco. Dia 21.—A mesma medicação. Temperatura T. 38°. Dia 22. Chlorhydrato de pereirina 1 gramma, para tomar de uma só vez. Não houve accesso. 55 Nos dias consecutivos 50 centigrammas apenas do ehlorhy- drato de pereirina e vinho quinado. Dia 23. A mesma dose. Não houve accesso. No dia 27 o doente teve alta, não tendo tido mais accessos desde o dia 22. OBSERVAÇÃO IX (pessoal). - Cezario Francisco Alves, pardo, livre, brazileiro, natural de Capivary, de 38 annos, solteiro, roceiro, morador em Macacos, entrou para a enfermaria de Santa Izabel no dia 12 de Agosto, e occupou o leito n.° 18. Soífre de febres palustres ha longo tempo, e já esteve uma occasião em tratamento no hospital de uma paralysia dos membros inferiores que lhe sobreveio em consequência de uma grande pancada que recebeu no craneo, produzida por uma bananeira que cahio sobre elle quando trabalhava na roça. O doente está profundamente cache- tico, e queixa se não só de fraqueza como também d’accessos do febre interraittente que Ibe apparecem de vez em quando. No dia de sua entrada o Professor Torres Homem prescre- veu-lhe as pillulas seguintes : Sulfato de ferro 4 grammas Sulfato de quinina 2 » Sulfato de stiychnina 5 centigramraas Extracto molle de quina... q. s. Para 30 pillulas á tomar 3 por dia. Sobre cada uma delias 1 calix de agua ingleza. Com esta medicação o doente foi-se dando muito bem, e até o dia 29 nunca teve febre. JSTa noite de 29, ás 11 horas, levantando-se para ir á latrina o doente sentiu um calafrio e uma pontada no lado esquerdo do tborax. Na manhã do dia 30 a temperatura era de 39°,2 ; havia attrito em corta extensão da pleura esquerda onde o doente sentira a pon- tada. Lingua saburrosa; fígado congesto. Prescreveu-se um vomitivo de ipéca. Temperatura da tarde 40°, Dia 31. Temp. m. 37°,6. Sulfato de quinina 2 gr. Um ve- sicatório na parte posterior e esquerda do thorax. Temp. da t. 40°. Dia l.° de Setembro. Temp. m. 36°,2. Chlorhydrato de pereirina 2 grammas. Temp, da t. 37°. Dia 2. Temp. m. 37°. O doente não tomou o remedio por um engano da irmã de caridade. Temp. da t. 38°. Dia 3. Temp. ra. 37°,2. Duas grammas de chlorhydrato de peroirina. Temp. da t. 37°,2. 56 Dia 4. Temp. ra. 36°,2. Uma gramma de chlorhydrato; vinho quinado. Temp. da t. 37°,4. No dia 6 o doente teve alta. Neste caso em que evidentemente a marcha do pleuriz foi influenciada pela infecção palustre, houve ao mesmo tempo prova e contra-prova da acção do chlorhydrato de pereirina, porque não só os accessos não appareceram nos dias em que o medicamento foi administrado, mas também no dia 2 em que o doente não tomou a pereirina, a temperatura á tarde foi de 38°. OBSERYAÇÃO X (pessoal). O Sr. O. P., estudante do curso superior da Escola Militar, de 19 annos de idade, natural do Mara- nhão, de constituição regular, consultou-nos no dia 9 de Maio. No dia 29 de Abril o doente teve o primeiro accesso de febre intermittente, perfeitamente caracterisado, com os seus tres estádios, calafrio, calor e suor. No dia 30 reproduziu-se o accesso, sendo o donte obrigado a baixar á enfermeria da Escola, onde lhe foi administrado um sudo- rifico de jaborandi, e um vomitivo com tartaro stibiado. Nos tres dias seguintes o doente passou bem ; mas no dia 4 teve um novo accesso, que appareceu nos dias seguintes sempre á 1 hora da tax-de, apezar do do sulfato de quinina. Foi no dia 9 que o doente consultou nos: tinha a lingua co- bei-ta de uma sabux-ra amarellada; o figado augmentado de volume pxúncipalmente no lobo esquerdo, e doloroso á pressão. Demos-lbe um vomitivo de poaia, e depois de ter elle vomi- tado abundantemente, íizemos-lbe ingerir 1 gramma de chlorhy- drato de pereixdna, dóse que I'epetimos no dia seguinte sem que em nenhum d’elles voltasse o accesso; nos dias 12 e 13 o doente tomou ainda 60 centigi’ammas do mesmo medicamento, e apezar de ter pexmxanecido no lugar onde contrahio a moléstia, nunca mais appareceram os accessos. Quando ã febre é de typo terção deve-se nos dias de accesso seguir a mesma regra que na febre de typo quotidiano, adminis- trando então no dia de intervallo uma dóse menor, 50 a 60 cen- tigrammas. Eis aqui um caso nestas condições : fossor Martins Costa). —José Francisco de 01iveii’a, brazileiro, natural do Rio Grande do Norte, de 42 annos do idade, solteiro, morador -OBSERVAÇÃO XI (Do nosso collega Xaviei’, interno do Pi’o- 57 em Maxambomba, entrou para a 9.a enfermaria de medicina, serviço do Professor Martins Costa, no dia 11 de Agosto. Diz o doente que ha um mez pouco mais ou menos que soífre de accessos de febre que appareciam á principio todos os dias pela manhã com os tres estádios de frio, calor e suor; submettendo-se ao tratamento que lhe prescreveu o pharmaceutico do lugar não con- seguio curar-se, mas os accessos começaram a deixar entre si um dia de intervallo. O doente está anémico ; lingua saburrosa, figado algum tanto augmentado de volume e doloroso á pressão; baço também aug- mentado de volume. Apparelhos circulatório e respiratório normaes; urinas normaes. No dia de sua entrada, pela manhã, apresentava: Tomp. 36°,3; pulso 70; respiração 24. Eeceitou-se: 40 grammas de sulfato de magnesia e 1 gramma de chlorhydrato de pereirina para tomar depois do eífeito purgativo. Á tarde, temp. 36°,5 ; pulso 74; 22. Dia 12. Pela manhã o doente teve um calafrio. Temp. 38° . pulso 84; resp. 28. Dá-se-lhe 1 gr, de chlorhydrato de pereirina.— Á tai’de temp. 37°,5; pulso 76; resp. 26. Dia 13. —De manhã temp. 36°; pulso 74; resp. 22. Dá-se 60 centigramraas de chlorhydrato de pereirina. Á tarde temp. 36°,5 ; pulso 74; resp. 24. Dia 14. Manhã temp. 38°; pulso 86; resp. 28. O mesmo cortejo dos accessos anteriores. Administra-se 1 gramma do chlo- rhydrato.— Á tarde temp. 36°; pulso 74; resp. 22. Dia 15. Manhã temp. 36°; pulso 70 ; resp. 22. Dá-se 60 centigramraas de chlorhydrato de pereirina. Ã tarde: temp. 36° ; pulso 72; resp. 24. Mais 60 centigrammas de chlorhydrato. Dia 16 (dia provável do accesso). Manhã temp. 36°; pulso 70; resp. 20. Clorhydrato de pereirina 60 centigrammas. —A tarde temp. 36°; pulso 72; resp. 26. Durante 2 dias o doente tomou ainda 60 centigrammas de medicamento, e depois somente vinho quinado. Os accessos não voltaram mais, como se póde vêr das notas seguintes: Dia 17. Manhã, temp. 36° ; pulso 72; resp. 22. Tarde, temp, 36°,5; pulto 76 ; resp. 24. Dia 18. Manhã, temp. 36°; pulso 72; resp. 24. Tarde, temp, 36°,3 ; pulso 76 ; resp. 26. Dia 19. Manhã, temp. 36°; pulso 70; resp. 20. Tarde, temp. 36°,2 ; pulso 74 ; resp. 22. 58 Dia 20. Manhã, temp. 36° ; pulso 70; resp. 24 Tarde, temp. 36°; pulso 70; resp. 20. Dia 21. —■ Manhã, temp. 36°,5 ; pulso 70 ; i-esp. 22. O individuo teve alta n’esse dia. Na febre de typo quartão, o processo de administração é ainda o mesmo, tendo em consideração os dias de accesso e os dias in- tercalares ; todavia, como estes casos são geralmentc muito rebeldes, ha conveniência em lançar mão ao mesmo tempo de diversas vias de absorpção e de doses relativamente fortes. OBSERVAÇÃO XII. (Do nosso collega Paulo Ponseca). —A Snr.a F., de 25 annos de idade, casada, moradora em Carandahy (Minas), actualmente aqui na côrte, em S. Christovão, consultou-nos no dia 16 de Agosto. Esta senhora estava soífrendo, havia um mez, de febres in- termittentes que se apresentaram á principio com o typo quotidiano; achando-se gravida, e receiando tomar sulfato de quinina por lhe haverem dito que este medicamento provocava o aborto, a doente submettêra-se ao tratamento pelo acido arsenioso. Xo fim de algum tempo a febre tomou typo quartão. Foi n’essas condições que a vimos; pallidez do tegumento externo e das'mucosas, descoramento das conjunctivas; lingua pouco saburrosa; figado congesto; baço pouco augmentado de volume; apparelhos circulatório e respiratório normaes. Xo dia 16 administramos-lhe um purgativo de calomelanos e oleo de ricino. Xo dia 17 uma grarama de chlorhydrato de pereirina. Xo dia 18 (dia costumado do accesso) a mesma dóse do sal de pereirina; á tarde apparoceu a febre. Xo dia 19 não tomou remedio; no dia 20, uma gramma. Dia 21 (do accesso), uma gramma; a febre appareceu, mas muito pequena. Dia 22, vinho do Porto quinado; dia 23 uma gramma do chlo- rhydrato. Dia 24 (do accesso), duas grammas do medicamento; não appareceu a febre. Dias 25 e 26, somente o vinho. Dias 27 e 28, uma gramma de chlorhydrato de pereirina; não voltou a febre. Xos dias consecutivos a senhora só fez uso do vinho quinado, e no dia 3 de Setembro rctiròu-se para Minas em excellentes con- dições. 59 OBSBRYAÇÃO XIII (pessoal). Manoel Ferreira Júnior, branco, portuguez, natural de Penafiel, de 28 annos de idade, solteiro, foguista da estrada de ferro D. Pedro 11, morador á rua de S. Diogo, entrou para o serviço do Professor Torres Homem, em 17 de Maio, indo occupar o leito n.° 3. Ha 9 annos que se acha no Brazil, e desde que chegou mora no mesmo lugar e occupa o meamo emprego na estrada de ferro. Ha muito tempo que soffre de febres intermittentes palustres; os accessos foram a principio duplo-quotidianos, depois quotidianos, em seguida terçãos, e íinalmente, quartãos bem regulares. O doente está muito cachetico ; lingua saburrosa, baço gran- demente augmentado de volume, figado ligeiraraente congesto. Xo dia 16, vespera da sua entrada para o hospital, tinha tido um accesso. Xo dia 18 deu-se-lhe um purgativo de oleo de ricino; uma gramma de sulfato de quinina pai’a depois do effeito purgativo. 4 ventosas em cada hvpochondrio. Á tarde, temp. 37°; Dia 19. —M. temp. 37,°8. Sulfato de quinina 1 gr. T. temp. 39°,8. Dia 20. —M. temp. 36°,2 ás 9h e 20 minutos ; administrou-se 1 gramma de chlorhydrato de pereirina. As 10h e 20 minutos, uma hora, portanto, depois da ingestão do medicamento, a temp. era 36°,2. Ás llh e2O minutos 35°,9. a tarde 35°,5. Dia 21. A temp. pela manhã era 36°,8. Repete-se a dose do chlorhydrato de pereirina; uma hora depois a temp. era .36°,5. Á tarde 35°,7. Dia 22 (dia provável do accesso). Temp. M., 36°,3. A mesma dóse do chlorhydrato. Á tarde temp. 35°,8. Dia 23. —M. temp. 36°,6. O doente pedio alta. Nesta observação nota-se muito bem a temperatura, mesmo normal, baixando sempre depois da injecção do medicamento. Nas febres intermittentes de typo irregular, que ordinaria- mente se manifestam no decurso da cachéxia palustre, os sáes de pereirina, como aliás também os sáes de quinina, não têm a energia e promptidão de acção que manifestam nas febres intermittentes chamadas agudas; quasi nunca conseguem impedir a repetição d’esses accessos que se apresentam em épocas variaveis. Dos diíferentes casos nessas condições em que empregamos os sáes de pereirina, quer na clinica do Professor Torres Homem, 60 quer na do Professor Benicio de Abreu, apenas em um a cura foi completa e definitiva. OBSBEYAÇÃO XIV (pessoal). Francisco Corrêa Machado, branco, portugaez, natural da Ilha Terceira, morador em Macacos de 28 annos de idade, solteiro, marinheiro, entrado para a enfei*- maria de Santa Isabel á 28 do Outubro de 1882. Este doente, que era profundamente cachetico, e que percorreu a lista inteira dos preparados ferruginosos e tonicos durante o tempo que esteve no hospital, aprosentava-se de vez em quando, em inter- vallos irregulares, com acccssos febris. Em Abril do corrente anno, quando abrio-se o curso de clinica medica da Faculdade, o doente teve no dia 16 um novo accesso, de 38°; administramos-lhe então’, durante 4 dias, 1 gramma de chlorhydrato de pereirina quotidianamente. Depois d’isso o doente ainda lesmu no hospital quatro mezes, e entretanto nunca mais teve febre. Foi melhorando cada vez mais de sua cachexia, e em 6 de Julho obteve alta. N’esses casos, em que o indivíduo está cachetico, extrema- mente depauperado, parece que os banhos com o decocto da casca são mais proveitosos, dão mais resultados do que mesmo os saes de pereirina (obs. IV). Os diversos factos clínicos que temos adduzido até agora, e um grande numero d’elles que têm tido em sua clinica a maior parte dos médicos não sé da corte como do interior do Brazil, affirmarn eloquentemente as propriedades therapeuticas da substancia; mas as diííiculdades apparecem quando se procura explicar o modo pela qual ella produz a cura. Não admira que isso aconteça com a pereirina e seus saes, quando ainda reina o mesmo mysterio em relação á quinina. A unica theoria até hoje apresentada é a do Dr. Baptista Lacerda. Admittindo a theoria nervosa que explica os diversos estádios da febre intermitente pela influencia da innervação vaso-motorà, determinando á principio uma constricção dos vasos da peripheria (estádio de frio), constricção que é seguida de uma relaxação dos mesmos vasos (estádio de calor), e tendo em consideração os re- 61 sultados de suas experiencias physiologicas, o Dr. Lacerda explica a acção anti-periodica da pereirina dizendo que ella, pela sua acção sobre os centros vaso-motores, produzindo uma diminuição do poder moderador que esses centros exercem sobre o tonus vas- cular, nullifica ou attenúa os eífeitos da excitação do sympathico que constitue o primeiro estádio do accesso. Esta theoria, embora engenhosa, do Dr. Lacerda tem apenas o valor de uma hypothese; ella não explica todos os casos em que a pereirina tem uma acção anti-periodica. Esta acção ainda está por explicar assim como a da quinina. É com razão que sobre esta ultima diz Delioux de Savignac : « é provável que sua acção anti-periodica se exerça a favor de uma modificação do systema nervoso; mas a nossa ignorância sobre a natureza d’essa modificação deve ser necessariamente igual e correlativa á nossa ignorância sobre a natureza do elemento 'periodismo —; e a theoria das affecções periódicas nos escapa tanto quanto a dos remedios anti-periodicos; toda explicação de modo de acção d’estes não pode pois ser acceita sinão com reservas. » Febres remittentes.—A pereirina e seus saes tem perfeita indicação nos casos em que as febres palustres se apresentam com marcha remittente. O Dr, Lacerda considerando que o medicamento não é anti- thermico, diz que não ha razão nem indicação para o seu em- prego no caso vertente. Não acceitamos este modo de pensar do illustre physiologista; a sua opinião tem, n’este assumpto, o grande inconveniente de ter sido criada no laboratorio e não no hospital. Em primeiro lugar a questão da acção da pereirina sobre a temperatura não se acha, a nosso ver, julgada de uma maneira definitiva; em segundo a temos visto baixar diversas vezes, depois do emprego do medicamento; e finalmente ha muitos casos de febre remittente em que a substancia em questão tem dado bons resultados. Apresentamos aqui duas observações. Além das regras geraes que são as mesmas seguidas no tra- 62 tamento das febres intermittentes, convém ter em vista certos preceitos. O momento da remissão deve ser o preferido para a adminis- tração do medicamento, o qual deve ser dado em dóses mais fortes do que na febre intermittente (2 grammas por dia). Como muitas vezes a remissão é pouco considerável, ha conveniência era fazer preceder a ingestão da pereirina por uma injecção hypodermica de pilocarpina que produz uma transpiração abundante, abate algum tanto a temperatura, e colloca o organismo em melhores condições para ser influenciado pelo medicamento. Em certas occasiões quando a pereirina não cura logo a febre remittente, transforma-a em intermittente, cujos accessos combate em seguida. OBSERYAÇÃO XY. (Do nosso collega Bernardo de Souza). J. D. S, branco, brazileiro, de 39 annos de idade, de constituição regular, residente em Xictheroy, foi por nós visto no dia 9 de Maio de 1883 ás 9 horas da noite. Refere o doente que se levantara pela manhã muito indisposto, que não tivera vontade de almoçar, mas que fôra assim mesmo para o seu trabalho. As 2 hóras da tarde, porém, não podendo mais tra- balhar, voltou para casa, e ahi ás 4 horas teve um calafrio muito intenso, seguido de calôr forte e cephalalgia. Xa casa onde mora o doente haviam fallecido, havia pouco tempo, 2 pessoas de febre perniciosa. Ás nove horas da noite, quando o vimos, o doente tinha uma temperatura de 39°,5; lingua ligeiramente saburrosa, figado congesto e muito sensível á menor pressão, principalmente no lobo esquerdo. Xada de anormal nos apparelhos circulatório e respiratório. Prescrevemos-lhe um purgativo de oleo de ricino, uma poção diaphoretica cora acetato d’ammonea e tintura de aconito; e 1 gramma de sulfato de quinina para tornar depois do effeito purgativo. Dia 4. Temperatura m. 38°. Ainda havia alguma cephalalgia; 0 doente tinha evacuado abundantemente com o purgativo. Repete-se 1 gramma de sulfato de quinina. Á tarde temp. 39°. Dia 5. Temp. m. 38°. Prescripção:— sulfato e valerianato de quinina 50 centg. de cada um. Limonada sulfurica para tomar aos cálices. Á tarde temp. 38°,5. Dia 6. A mesma prescripção. Temp. da manhã e da tarde 38°, 63 Dia 7. Tcmp. ra. 37°,8. Chlorhydrato de pereirina 1 gramma, Â tarde 37°,5. Dia 8. —Manhã 37°. Repete-se a pereirina. Temp. 37°,2. Dia 9. Continua 1 gramma de chlorhydrato de pereirina. Manhã e tarde temp. 37°. Não teve mais febre. Medicação tónica. OBSERVAÇÃO AVI (pessoal) Ventura, preto, escravo, bra- zileiro, natural de Campo Grande, morador á rua do Lavradio, de 40 annos de idade, carroceiro, entrou a 25 de Julho de 1883 para o Hospital da Misericórdia, serviço do Professor Torres Homem. O doente é ura velho muito enfraquecido ; tem soffrido muito de febres palustres em Campo Grande; abusou muito e ainda abusa das bebidas alcoólicas. O coração está enfraquecido; ha uma dilatação d’aorta thoraxica; cirrhose atrophica do figado, com edema dos mem- bros inferiores, ascite ; baço augmentado de volume ; pulmões ligeira- mente congestos na base. Poucos dias antes de entrar para o hospital o doente tinha tido um accesso de febre palustre, de que soífria havia muito tempo. No dia de sua entrada foi-lhe administrado um purgativo, e uma poção com digitalis. Dia 26. Urna poção com 1 gramma ddodureto de potássio. Leite, 1 litro. Ventosas, 6 sarjadas e 6 seccas na parte posterior e inferior direita do thorax. Á tarde appareceu-lhe a febre 38°,5. Dia 27. Manbã 38°. Sulfato de quinina 1 gramma. T. 38°,2. Dia 28. Manhã 38°,2. Tarde 38°,4. Dia 29. Pela manhã temp. 38°,2. Á tarde 38°,6. Dia 30. Temp. m. 38°,2. Duas grammas de chlorhydrato de pereirina com intervallo de 3 horas uma da outra. A tarde temp. 37.° Dia 31. Uma gramma só de chlorhydrato de pereirina. Temp. pela manhã e á tarde 37°. Dia l.° de Agosto. Mesma medicação. Temperatura pela manhã e á tarde 37°. Dia 2. Temp. da manhã 35°,6. O doente tinha tido umas hemoptises ligeiras. A tarde temp. 36.°. Ao anoitecer o doente foi atacado de uma dyspnéa atroz, deitou uma pequena porção de sangue pela bocca, e morreu quasi repentinaraente. A autopsia não poude ser feita porque o cadaver foi reclamado. O que teria dado lugar á morte deste doente ? seria a ruptura da dilatação aortica que elle tinha, os progressos da congestão pul- 64 monar, ou algum accesso pernicioso que sobreveio 4 dias depois de haver desapparecido a febre ? Só a autopsia podel-o-hia responder. O que convém notar, todavia, é que a febre, que existia desde o dia 26, cedeu ás primeiras doses do chlorhydrato de pereirina. Formas ou accidentbs larvados. A expressão febres intermittentes larvadas commumente empregada entre nós para designar todos os accidentes larvados do impaludismo, que não chegam até a perniciosidade, é uma expressão duplamente viciosa: em primeiro lugar porque se usa da palavra febre para designar esses accidentes que são na sua maioria apyreticos, e em segundo porque, embora na maior parte das vezes seja a intermittencia o seu caracteristico, todavia casos ha em que os phenomenos são perfeitamente remittentes. A denominação melhor para abranger os factos que queremos significar é a de fórmas ou accidentes larvados do impaludismo comprehendendo ifella, como o faz Bard, todas as manifestações agudas do impaludismo, nas quaes um accidente anormal, benigno per si mesmo, acompanha ou substitue o accesso febril, ou um dos estádios d’esse accesso, quer haja, quer não augmento de temperatura. Quando empregamos aqui a palavra benigno, é bem claro que nos referimos ao symptoma em si que predomina na scena mórbida, mascarando e procurando occultar o fundo da moléstia, a qual por isso mesmo que se apresenta dissimulada, com apparencias enga- nadoras, é um inimigo tanto mais para temer-se. É o typo quotidiano o mais commumente observado nas fórmas larvadas do impaludismo, si bem que ellas possam aífectar outro typo. São múltiplos os phenomenos que a infecção paludosa pode apresentar em suas dissimulações, mas é a forma nevrálgica a mais commumente observada no Rio de Janeiro, como o aífirma a opinião autorisada do Professor Torres Homem, e com elle os práticos mais distinctos. Nestas manifestações do impaludismo, de que estamos fallando, nas quaes, como dissemos, a intermittencia é a regra, a medicação 65 pela pereirina e seus saes tem uma indicação muito razoavel, por que é a anti-periodicidade a sua acção mais importante. As regras que devem presidir a medicação n’estes casos são mais ou menos as mesmas que para a febre intermittente simples. As dóses do medicamento não devem ser muito pequenas, de ordi- nário devem variar entre 1 e 2 grammas. Como quando se trata da quinina, á medicação principal deve alliar-se uma medicação symptomatica, conforme os phenomenos que se impõem reclamando-a. Quando a forma nevrálgica se apresenta, o sal preferido deve ser o valerianato que, segundo alguns, actua também como sedativo pelo seu acido. No curto espaço de tempo em que tivemos de estudar o assumpto d’esta these, não tivemos uma só occasião de observar casos d’esta ordem; é essa a razão porque não podemos apresentar observação alguma pessoal. Não podemos também citar casos da clinica do Professor João Silva, que tem tido diversos, porque motivos sérios de moléstia impediram o distincto clinico de dar-nos a nota que nos promettêra. Só podemos apresentar os apontamentos de um caso que nos foi communicado pelo Professor José Silva. OBSEEYAÇÃO XYII. (Professor José Silva). Yimos em Junho do)corrente anno (1883) uma moça de ISannos, solteira, parenta de um medico distincto do Hospital da Misericórdia. Esta moça que tem phenomenos de uma tuberculose incipiente, que não tem antecedente hysterico algum, havia 3 noites que sentia á mesma hora (á meia noite) uma nevralgia intensissima no ovário, que lhe causava grandes incommodos e lhe impedia de conciliar o somno. A periodicidade regular do phenoraeno fazendo suspeitar sua natureza palustre, foram-lhe administradas umas pilulas com vale- rianato de pereirina. Desde o primeiro dia da administração do medicamento a nevralgia não appareceu mais, ficando a doente resta- belecida conqdetamente dos seus incommodos. Acdidentes perniciosos. É nestas formas gravíssimas da intoxicação palustre que ainda não se póde indicar de uma ma- neira positiva e franca a medicação pela pereirina. 66 A questão do tratamento da febre perniciosa, como muito bem diz o Professor Torres Homem, é de uma importância transcen- dente, é uma questão de vida ou de morte. É nessas condições que entendemos que o medico é obrigado á lançar mão, sem demora, dos saes de quinina, de reputação universal; elle não tem o direito de ensaiar medicamento algum outro em caso de tamanha gravidade, de prognostico sempre duvidoso. Mas, quando por quaesquer circumstancias o grande medicamento* empregado com toda a energia e por todos os modos, não dá os resultados esperados, o doente periga, e as condições coraplicam-se, então sim, o clinico não só pode, mas ainda tem dever impres- cindivel de recorrer á todos os agentes que tem probabilidade de produzir effeitos vantajosos. E 11’essas condições que o medico deve lançar mão da pereirina, e, é preciso que se diga, é em casos d’esta ordem que ella tem provado a sua acção. Quando estes factos se tiverem multiplicado consideravelmente, e houver um numero avultado cTelles, então haverá indicação para que a substancia seja empregada desde o principio. Eão apresentamos aqui regra alguma para a administração da pereirina no caso vertente; ellas são inteiramente as mesmas que para a quinina. OBSERVAÇÃO XVIII. (Dr. EzequieÇÇ). Uma filha do Se- nador Vergueiro soffreu uma febre intermittente perniciosa com symptomaa cercbraes, metro-peritonite e gastro enterite. O Dr. Silva, depois de ter empregado os meios anti-phloghticos, recorreu aos banbos de Páo-pereira, repetidos de hora em hora. Com este trata- tamento, e em 24 horas, os accessos desappareceram. OBSERVAÇÃO XIX. (Idem). Uma filha do Sr. Francisco de Paula Brito .soffreu em 1838 de uma febre intermittente perni- ciosa que cedeu, depois de alguns dias de tratamento, ao uso da pereirina em dóse elevada. Esta doente foi tratada pelo Dr. Francisco de Paula Menezes. OBSERVAÇÃO XX. José Affonso Pereira, portuguez, de 25 annos de idade, trabalhador, residente na Ilha do Governador, (P Estas duas observações do Dr, Ezerpiiel foram publicadas em 1848. 67 entrou no dia 26 de Junho de 1883, para o serviço do Professor Martins Costa, e occupou o leito n.° 18. Soube-se que o doente ha 7 dias tem tido aoeessos de febre intermittente, os quaes têm-se tornado mais fortes nos últimos dias. Fora do Hospital apenas tomou um diaphoretioo e um purgativo. Por occasião de sua entrada o doente aposenta-se com a face congesta, lingua saburrosa com tendência a seecar, fígado augmen- tado de volume, baço normal, sêdo intensa, extremidades frias; delirio. Temperatura axillar 40°,2 pulso a 80, Foram-lhe administradas 2 grammaa de sulfato de quinina dis- solvidas em limonada sulfurica. Á tarde a temperatura era de 39°,3. O chefe de clinica mandou administrar-lhe então um elyster purgativo, e depois 3 clys- teres, contendo 2 grammas de sulfato de quinina. 8 sanguesugas ás apopbyses mastoides. Bia 27. -7- O doente melhorara consideravelmente, A tempera- tura 37°; pulso 84, Havia, porém, um ligeiro delirio. Mandou-se addicionar 5 centgr. de extracto gommoso d’opio á poção de sulfato de quinina. Á tarde a temperatura era de 37°,3. O doente tinha tido diversas vertigens; estava muito prostrado, e com um suor abun- dantíssimo constituindo ura verdadeiro accesso sudoral. Foi-lhe prescripta uma poção excitante com extracto molle de quina, ether, xarope de cravo, tendo por vehiculo o hydrolato de valeriana. Bia 28. Bom estado. Temperatura a 37°. Tarde 37°,5, Insiste-se no sulfato de quinina; e depois faz-se uso de agua ingleza. Hos dias seguintes o doente foi bem; a marcha da temperatnra foi esta : Dia 29. M.~ 38°. T.-38°. Dia 30. —M. - 36°,6. T.-37. Julho. Dia l.°. —M. - 37°. T. - 37°,5. Dia 2. M.-37°. T.-37°. Dia 3. —M. -37°. T.-370. Bia 4. O doente peiora; apparece de novo algum delirio. Temperatura axjllar 40°,2. Bá-se-lhe ainda a poção com 2 grammas de sulfato de quinina. A tarde a temperatura era de 40°,6. O chefe de clinica, Br. Yasconcellos, administrou-lhe então uma gramma de chlorhydrato de pereirina. Bia 5. A temperatura da manhã era 38°. O delirio desap- parecêra ; o doente achava-se muito melhor disposto, Beu-se outra 68 gramma de ehlorhydrato de pereirina. Á tarde, temperatura 38°,3. Repete-se o medicamento. Nos dias seguintes continuou o uso do sal de pereirina, em dóse decrescente; agua ingleza, vinho do Porto, etc. A marcha da temperatura nos dias seguintes foi: Dia 6. —M. - 37°,2. T.-37°. Dia 7. —M. -37°, T. - 37°,3. Dia 8. —M. - 36°,5. T.-37°,2. Dia 9. M.-36°,5. T.-36°,6. Dia 10. —M. - 36°,4. T.-36°,4. Dia 11. M.-36°. T. - 37°. No dia 12 o doente teve alta. Do que temos dito até aqui se deprehende que não achamos contra-indicação alguma para o emprego da pereirina e seus saes nas manifestações agudas da mataria; tendo-se, todavia, em consi- deração as restricções que fizemos em relação aos accidentes perniciosos. PROPOSIÇOES Cadeira de pliarnsacologia e arte de formular Dos alcalóides vegetaes chimico - pharmacologicamente considerados I Os alcalóides vegetaes são provavelmente, como as aminas, productos de substituição do liydrogenio da ammonea por certos radicaes, quer alcoolicos quer oxigenados. II Cabe a Serturner a gloria da descoberta dos alcalis ve- getaes. 111 Já se conseguio reconstituir por syntbese a betaina e a muscarina. IV Todos os alcalóides são azotadas e comportam-se chimicamente como as bases mineraes. Y Quasi todos os, alcalóides são monoacidos ; todavia a quinina exige para saturar-se duas moléculas de um acido monobasico. VI São numerosos os reactivos, quer para revelar a presença, quer para provar a identidade dos alcalóides. YII Os alcalóides não se acham nas plantas em estado de liber- dade, mas sim combinados com ácidos naturaes. YIII Nem todos os alcalóides obtidos são crystallisaveis. IX A differença de solubilidade dos diversos alcalóides no ether, é muitas vezes utilisada com caracter especifico, e melhor ainda como meio de separação. X Os alcalóides voláteis distinguem-se dos alcalóides solidos, não sd pelo seu estado como pela sua composição. XI Sob o ponto de vista da therapeutica a descoberta dos alca- lóides foi de utilidade considerável: a actividade dos medicamentos e a sua dosagem puderam ser melhor determinadas. XII A pereirina é um alcalóide. Cadeira è anatomia e physiologia patbologica Paludismo I O paludismo é uma das causas geographicas da degeneres- cencia individual e ethnica. II O paludismo engendra no organismo lesões hematicas e visceraes. visceraes 111 Nas organopathias paludicas lia modificações isoladas ou interdependentes da vascalatura ou da vitalidade histológica; d’ahi os raptos congestivos ou hemorrhagicos e as inflammações com suas consequências. IV Não ha lesões dos solidos ou dos líquidos, micro ou macos- copica, pathognomonica do paludismo. y Na genese da melanemia a opinião de Virchow c preferível á de Arnstein. 74 Os globulos brancos de sangue alterados pela malanemia, realisam uma das suas funcções physiologicas em presença das granulações pigmentares. VII É o pigmento livre ou encorporado aos leucocytos que o oca- siona as embolias capillares no paludisino. VIII Além da hypoglobulia ha na anemia palustre diminuição na capacidade respiratória das hematias por inópia de hemo- globina. IX A hemoglobinuria representa uma das fontes de espoliação da hemoglobina na cachexia malarica. X No sangue chronicamente modificado pelo paludismo encontram- se corpúsculos microscopieos de forma octaedrica, incoloros e bri- lhantes : são os crystaes de Charcot, cuja constituição chimica tem alguma similitude com a mucina. XI A diminuição do oxigeno circulante prepondera como factor na pathogenia da degeneração gordurosa do endocardio e en- doar teria. XII 0 fígado e o baço são os orgãos que em geral primeiro se resentem da infecção palustre; a íluxão é o processo anatomico elementar. i 1 cadeira è clinica dica Do alcoolismo chronico e suas consequências I Alcoolismo clironico é uma moléstia de evolução ordinaria- mente lenta e progressiva, produzida pelo abuso das bebidas alcoólicas, caracterisada anatòmicamente por inflammações especiaes não suppurativas, ou por degerescencia graxa dos orgãos, e sym- ptomaticamente por perturbações funccionaes diversas, assestadas principalmente sobre os apparellios nervoso e digestivo. (Lan- cereaux). II As lesões produzidas pelo alcoolismo chronico, cuja sede varia muito, são entretanto idênticas na natureza do processo histo- genico. 111 Qualquer que seja o orgão de preferencia affectado, as lesões se dividem em dois grupos: de um lado hypertropliia do tecido conjunctivo, de outro degenerescencia gordurosa. 76 IV Os symptomas das lesões determinadas pelo alcoolismo chro- nico não são difíerentes dos das lesões idênticas produzidas por outras causas; com tudo a coexistência de um certo numero d’elles, a sua marcha, etc., dão a esta entidade mórbida um cunho es- pecial para o diagnostico. y 0 alcoolismo chronico modifica a marcha e os symptomas de grande numero de moléstias. VI As hemoptyses, no curso de pneumonias, não coexistindo diatheses hemorrlmgicas ou tuberculose pulmonar, indicam alcoolismo chronico. VII As bronchites simples são muitas vezes complicadas de gan- grena mucosa em consequência do alcoolismo chronico. VIII A hepatite alcoolica, anatomo-pathologicamente considerada, ofierece caracteres especiaes. IX A hepatite alcoolica earacterisa-se clinicamente em seu começo por modo diverso das outras especies etiologicas de hepatite. X 0 tumor splenico, na cirrhose hepatica alcoolica, é uma lesão coordenada, porém não tributaria do embaraço na circulação spleno-hepatica. XI Sobre certos processos diathesicos o alcoolismo chronico exerce uma influencia inhibitoria. XII Sob uma formula synthetica, é licito affirraar-se que o alcoolismo chronico póde produzir as moléstias de nutrição retardada, da classificação de Beneke. HIPPOCRATIS APHORISM.I I Yita brevis, ars longa, occasio prseceps, experientia fallax, judicium difficile. (Sect. I, Apb. I). II In quibusvis anni temporibus omnis generis morbi oriuntur, nonnnlli tarnen in qnibusdam tum fmnt tum excitantur. (Sect. 111, Apb. XIX). 111 Morborum acutorum non in totum certae snnt praenuncia- tiones neque salutis neqne mortis. (Sect. 11, Apb. XIX). IV In febribus non intermittentibus si partes extenue algeant, internce urantur, et sitiant, lethale est. (Sect. IV, Apb. XLVIII). V In febribus per somnos pavores ant convulsiones, maio snnt. (Sect. IV, Apb. LXV). YI Somnns, vigília, utraque, si modum excesserint, morbus. (Sect. VTI, Apb. LXXIII). Esta tbese está conforme os Estatutos. Rio, 5 de Outubro de 1883 Dr. Caetano de Almeida. Dr. Benicio de Abreu. Dr. Oscar Bulhões.