FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO 
THESE 
DO 
Dr. Augusto Luiz de Barros 
RIO DE JANEIRO 
Typ. de C>. Leuzinger filhos, Ouvidor 31 
1883 THESE DISSERTAÇÃO 
CADEIRA DE CLINICA PSYCHIATRICA 
DIAGNOSTICO E TRATAMENTO DA LOUCURA EM DUPLA FORMA 
PROPOSIÇÕES 
CADEIRA DE PHARMACIA E ARTE DE FORMULAR 
DO OPIO CHIMICO—PHARMACOLOGICAMENTE CONSIDERADO 
CADEIRA DE OBSTETRÍCIA 
IIEMORRHAGIAS PUERPERAES 
CADEIRA DE PHYSIOLOGIA, THEORICA E EXPERIMENTAL 
DAS ACÇÕES REFLEXAS 
THESE 
APRESENTADA 
í FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO 
Um 27 de Setembro de 7883 
E SUSTENTADA 
Um 72 de 'Dezembro 
PELO 
Dr. Augusto Luiz de Barros 
NATURAL DA PROVÍNCIA DO RIO DE JANEIRO (THERESOFOLIS) 
FILHO DO COMMENDADOR 
FELIX LUIZ DE BARROS 
E DE 
D. Maria Joaquina Moreira de Barros 
RIO DE JANEIRO 
Typ. cie Gf. Leuzinger <fe Filhos, Ouvidor, 31 
1883 FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO 
DIRECTOR 
Conselheiro Dr. Vicente Cândido Figueira de Saboia. 
VICE-DIRECTOR 
Conselheiro Dr. Antonio Corrêa de Souza Costa. 
SECRETARIO 
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João Martins Teixeira Physica medica. 
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Domingos José Freire Júnior Chimica organica e biologia. 
João Baptista Kossuth Vinelli Physiologia theorica e experimental. 
João José da Silva (Examinador) Pathologia geral. 
Cypriano de Souza Freitas Anatomia e physiologia pathologicas. 
João Damasceno Peçanha da Silva... Pathologia medica. 
Pedro Affonso de Carvalho Franco Pathologia cirúrgica. 
Conselheiro Albino Rodrigues de Alvarenga Matéria medica e therapeutica, especialmente bra- 
sileira. 
Luiz da Cunha Feijó Júnior Obstétrica. 
Cláudio Velho da Motta Maia Anatomia topographica, medicina operatória ex- 
perimental, apparelhos e pequena cirurgia. 
Conselheiro Antonio Corrêa de Sonza Costa Hygiene e historia da medicina. 
Conselheiro Ezequiel Corrêa dos Santos Pharmacologia e arte de formular. 
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Conselheiro João Vicente Torres Homem (Presidente) 
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Conselheiro Vicente C. Figueira de Saboia 
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Clinica cirúrgica de adultos. 
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Antonio Caetano de Almeida Anatomia topographica, medicina operatória ex- 
perimental, apparelhos e pequena cirurgia. 
Oscar Adolpho de Bulhões Ribeiro Anatomia descriptiva. 
Nuno Ferreira de Andrade (Examinador) Hygiene e historia da medicina. 
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Clinica medica de adultos. 
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José Joaquim Pereira de Souza Clinica medica e cirúrgica de crianças 
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Carlos Amazonio Ferreira Penna Clinica ophthalmologica 
Clinica psychiatrica. 
Clinica cirúrgica de adultos. 
■N. B. — A Faculdade nâo approva nem reprova as opiniões emittidas nas theses que lhe sào apresentadas. Á Sagrada Memória 
De meus avós 
De minha idolatrada irmã D. Maria Luiza 
de Barros Freitas 
De meu innocente irmão Raul Xavier Luiz 
de Barros 
De minha cunhada D. Joaquina Angélica Pinto 
de Barros 
De minhas sobrinhas Alice e Maria Eugenia 
De meus bons amigos João Ignacio Aleixo, José 
Pinto Mourão Bastos e José Xavier Ferreira 
De meu padrinho o Dr. Bento Martins 
De meus collegas Joaquim Floriano Novaes de 
Camargo Júnior e João Paes Leme de Monlevade 
Kecordação eterna. Á MEU BOM PAE E MELHOR AMIGO 
O Sr. Commendador Felix Luiz de Barros. 
O que sou vos devo e a vós pertencem todas as glorias da minha vida. Aceitae 
este pequeno trabalho como emblema do grande amor que vos consagro e de vossos 
grandes sacrifícios durante minha vida escolástica. 
Abençoae-me, para que, encetando o sacerdócio que me foi confiado, seja sempre 
guiado pelo caminho da felicidade. 
Á MINHA ESTREMOSA MÃE 
D. Maria Joaquina Moreira de Barros. 
Nada é mais sublime na vida que possuir uma mãe como vós. Vossos ternos e 
doces conselhos ficarão gravados para sempre em meu coração. 
Aceitae este pequeno trabalho e um beijo deste filho que vos idolatra. 
ÁS MINHAS QUERIDAS IRMÃS 
D. Thereza Luiza de Barros Rangel 
D. Joanna de Barros Queiroz 
D. Josefina Luiza de Barros 
D. Anna Luiza de Barros 
D. Adelina Luiza de Barros 
Sincero amor fraternal. 
AOS MEUS PREZADOS IRMÃOS E ÍNTIMOS AMIGOS 
Capitão Joaquim Luiz de Barros 
Dr. José Luiz Moreira de Barros 
Felix Luiz de Barros Júnior 
Amizade fraternal. 
ÁS MINHAS CUNHADAS 
D. Sophia Vidal Leite de Barros 
D. Adelia Teixeira Leite de Barros 
Muita amizade e consideração. 
Á MEUS CUNHADOS 
Á MEU BOM AMIGO, COMPADRE E CUNHADO 
O Sr. Dr. Cezario Coelho da Silva Rangel 
Muita affeição e reconhecimento. 
Á MEU TIO 
0 Sr. José Maria de Barros 
Amizade e respeito. Á MINHA TIA 
D. Anna Luiza de Barros Martins 
e a seu esposo 
O Ill.mo Snr. João Fernandes Martins 
Felicidades. 
Á MEU DEDICADO AMIGO 
O Snr. Dr. José Soares da Silva 
E a seus filhos : 
Dr. Valdemiro Amadel Soares 
Acar Eudante Soares 
Algenio Alborim Soares 
Julio Rasberge Soares 
Meus protestos de verdadeira estima 
AO ILL.M0 SNR. 
Commendador Luiz Antonio Martins 
E a sua Ex.ma familia 
Amizade e gratidão. 
AOS MEUS SOBRINHOS E SOBRINHAS 
ÁS MINHAS PRIMAS E PRIMO 
AOS PARENTES QUE ME ESTIMÃO 
AOS MEUS COMPANHEIROS DE REPUBLICA 
Dr. José Augusto de Gouveia 
Dr. José Barbosa Gonçalves 
Dr. José Hygino da Silveira 
Dr. Casimiro Villela de Andrade Júnior 
Dr. Antonio de Cerqueira Lima 
Dr. Francisco Baptista de Paula Júnior 
Dr. Francisco Cândido Alves 
Dr. Alfredo de Menezes Carneiro 
Dr. João Baptista de Andrade 
Dr. Procopio Zoroatro Alves 
Benjamim de Menezes Carneiro 
Em lembranças de nossos tempos académicos. AOS MEUS EX-COMPANHEIROS DE REPUBLICA 
Dr. Arthur Ernesto Pereira e Souza 
Amnisio Amaro Pereira e Souza 
Francisco Ignacio de Andrade 
Julio Cezar Alves 
Felicidades. 
AO MEU DISTINCTO AMIGO, COLLEGA E COMPANHEIRO 
DE REPUBLICA 
O Sr, Dr. Manoel Gonçalves Barroso 
E a sua Ex.nia familia 
Muita amizade. 
AOS DISTINCTOS ALIENISTAS 
Os Snrs.: 
Dr. Joio Carlos Teixeira Brandão 
Dr. Domingos Jacy Monteiro Júnior 
Amizade e reconhecimento. 
AO DISTINCTO MEDICO E MEU DEDICADO AMIGO 
O Ex.mo Snr. Dr. Julio Rodrigues de Moura 
E a sua Ex.ma familia 
Homenagem ao talento e á illustraçâo. 
AO COLLEGA 
Dr. Bernardo Cândido Mascarenhas 
Saudades 
A TODOS OS MEUS COLLEOAS 
AOS MEUS AMIGOS 
Á MOCIDADE ACADÉMICA 
AOS DOUTORANDOS DE 1884. PREFACIO 
« Toute tranche détachée du trone est 
« destinée à périr. Cela est vrai pour la 
« branche de la médecine mentale, elle a 
« besoin de se rattacher au trone de la 
« médecine générale, sous peine de ne pas 
« vivre. » 
Lasegtte. 
Dissertando sobre um ponto de psychiatria, tivemos apenas 
em mira adquirir alguns conhecimentos de medicina mental, cujo 
estudo começa agora a ser iniciado na nossa faculdade. 
Com o intuito de dar amplo desenvolvimento a nossa dissertação, 
tratamos em primeiro lugar da historia, etyologia, symptomatologia 
e marcha, para abordar em seguida o diagnostico, prognostico e 
tratamento desta entidade mórbida. 
Recebendo, de nosso distincto amigo o illustre alienista, 
Dr. Domingos Jacy Monteiro Júnior, algumas observações colhidas 
no Hospicio de alienados annexo ao Hospital de S. João Baptista 
em Nictheroy, as transcrevemos na ultima parte desta these como 
confirmação de tudo quanto n’ella tivermos dito. 
Circumdado de innumeras difficuldades oriundas, sem duvida, 
do pouco conhecimento da especialidade unida á escacez do tempo 
para escrever esta these, não nos foi possível fazer um estudo 
completo desta parte da medicina cujo conhecimento deve estar 
no dominio de todo o medico e não exclusivamente do alienista, 
como ainda até hoje soe acontecer. 2 
É sem duvida sobre ella que versa uma das paginas mais 
tristes da historia da humanidade. E 11’ella que se acha registrado 
0 modo barbaro e lamentável por que erão tratados estes infelizes 
da sorte, quando a velha Europa ainda estava submergida pela 
onda da superstição e da ignorância. O louco não era então, um 
individuo no estado pathologico, era antes uma operação sobre- 
natural divina ou diabólica, ou ainda a degradação de uma alma 
conservada escrava pelo peccado. Estas velhas instituições, estas 
ferrenhas crenças legadas, pelos coevos destes séculos, á pratica 
da medicina mental, forão pouco a pouco apagadas pelo benefico 
sopro do progresso desde 0 meado do século passado. Desde então 
ella tem caminhado rapidamente na senda do progresso; e este 
ramo de medicina que até então se achava destacado da arvore 
da sciencia, agora a reveste em todas as Faculdades, e entre 
ellas a nossa, abrindo assim vastos liorisontes de conhecimentos 
para a esperançosa mocidade do presente e do porvir. DISSERTAÇÃO 
Diagnostico e tratamento da loucura em dupla forma HISTORICO 
<c La folie est une des maladies qu’on a 
« étudiées le plus tard, parce que c’était une 
« de celles qu’il était le plus difficile d’étu- 
« dier. Mais aujourd’hui que la philosophie, 
« aujourd’hui que la physiologie ont fait 
« tant de progrès, 1 Application de ces pro- 
« grès à 1’étude de la folie, étude si intéres- 
» sante et si triste n’est-elle pas un des pre- 
« miers besoins de la Science et un des 
« premiers devoirs de 1’humanité ? » 
Flourens.—(Examen de la phrénologie.) 
É sempre difficil a descripção histórica de uma moléstia, 
ainda ha pouco descoberta pela centelha do progresso, no meio das 
trevas que ainda envolvem a medicina mental. 
Longe de almejarmos supperar esta difliculdade, apenas ten- 
taremos em rápidos traços esboçar a historia d’esta entidade 
mórbida. 
Desde os tempos infantis dá medicina que eminentes clinicos 
tem legado á posteridade escriptos repletos dos resultados de suas 
sagazes observações, formando uma massa de factos mal coordenados 
e mal ligados, mas cuja exactidão é incontestável. 
/ 
E compulsando as vetustas paginas destes monumentos scien- 
titicos, destes documentos quasi sempre abandonados ao pó das 
bibliothecas que os auctores têm procurado estudar e coordenar 
a historia da loucura em dupla fórma, observar como os antigos 
interpreta vão este phenomeno e as consequências que d’ahi tiravão. 
Yê-se então, como aííirmão grande numero de auctores que a 
pathologia mental tem caminhado, posto que de um modo lento, 
na trilha do progresso. 
Que as antigas doutrinas formuladas por Pinei e Esquirol, 
(que tanto coopeiarão para o progresso d’esta parte da sciencia) 6 
até então acceitas como leis supremas, têm sido abaladas em seus 
fundamentos por novas descobertas, até que mão potente venha 
retocar inteiramente este edifício hoje minado por todas as partes, 
sobretudo no ponto de vista da classificação das moléstias mentaes. 
Entre as descobertas que mais abalarão a classificação dos 
mestres, devemos notar em primeiro lugar a paralysia geral dos 
alienados, que encerra em si quatro fôrmas principaes da classifi- 
cação reinante : a mania, a melancolia, a monomanià e a demencia; 
o alcoolismo agudo ou chronico com as diversas formas mentaes 
que o revestem ; o delirio de perseguição ; o estado mental dos 
epilépticos, dos hystericos o dos aphasicos; as perturbações intel- 
lectuaes ligadas a diversas nevroses, etc., etc.; emfim, a loucura 
em dupla fórina da qual passamos a tratar. 
A partir do século de Pereclis, quando o celebre medico de 
Cos hasteou a bandeira da medicina até o século actual, temos 
em primeiro lugar a collecção hyppochratica que sobre o nosso 
assumpto bem pouco se preoceupa. 
Hyppocratis apenas apresenta ahi um aphorismo onde parece 
claramente indicar a transformação da melancolia em loucura ou 
em outras moléstias. Morborum melancolicorum periculosi decubitus 
aut cor por is siderationem aut convulsionem aut furor em aut coecitatem 
denunciant. 
Transportando-nos do século de Pereclis ao primeiro século 
da era christâ, encontramos nelle o trabalho de Arretée de Ca- 
padoce Tratado dos signaes, das causas e da cura das moléstias 
agudas e chronicas. Falia na transformação da mania em melan- 
colia, e dá a este respeito uma explicação muito interessante: 
« Emquanto o mal reside nos hypochondrios, diz elle, sua causa 
não actua senão nas circumvisinhanças do diaphragma; a bilis tendo 
uma livre sahida para cima ou para baixo, o doente fica simples- 
mente melancólico; porém se esta causa actua sympathicamente 
sobre o cerebro o excesso de tristeza muda-se em alegria e risos 
immoderados que durão uma parte da vida. Os melancólicos tor- 
não-se assim maniacos antes pelo progresso do que pela intensidade 
da moléstia. » 7 
Este alienista chegou mesmo a notar que os excessos de 
mania podem ser seguidos de um periodo depressivo, quando diz 
que « o accesso terminado o doente torna-se languido, triste, taci- 
turno ; e lembrando o que lhe acabou de acontecer ficão enver- 
gonhados e confusos ». 
Finalmente, chega mesmo a indicar certos symptomas que 
permittem prever esta passagem da mania para a melancolia; 
dizendo que « os doentes que têm de passar por esta transformação 
emmagrecem menos do que os outros e parecem ver espectros de 
uma côr azulada, negra ». 
Galeno. — Depois de Arretée de Capadoce temos os dous 
trabalhos de Galeno; em um intitulado Des lieux affectês, tra- 
ducção de Duremberg, pouco diz sobre o nosso ponto; no outro 
tratado especial sobre melancolia, este medico de Pergamo faz um 
resumo desta questão segundo suas idéas e as de seus coevos 
taes como Iiufus, Posedonios e Marcellus. 
Alexandro de Tralles. — Foi este o primeiro alienista que, 
apparecendo no século 6.°, mais approximou suas idéas das acei- 
tas hoje. 
Seguindo as idéas de Capadoce, para elle a mania não é mais 
do que a melancolia elevada ao seu auge. Admitte que na melan- 
colia chronica a mania póde vir por accessos periódicos (per 
circuitas J. 
Finalmente, compara os accessos aos da febre intermittente, 
admittindo uma intermittencia entre elles. 
Depois d’este illustre alienista a medicina mental atravessou 
dez séculos completamente áridos; e se perigrinarmos através destes 
séculos, veremos que todos os manigraphos não fazião mais do 
que copiar os auctores antigos, principalmente os que acabamos 
de citar. 
Chegando ao século 17.° encontramos o celebre medico inglez 
Thomaz Willis que já não acredita que a mania seja simplesmente 
a melancolia no seu auge; mas como possivel a transformação 
d’esta n’aquella ou reciprocamente, como a labareda substitue a 
fumaça. Eis como elle se exprime : 8 
« Depois da melancolia é necessário tractar da mania, que 
com ella tem tanta relação que se succedem muitas vezes, a pri- 
meira transformando-se na segunda e reciprocamente. A melan- 
colia elevada ao seu mais alto gráo determina o furor; este. 
acalmando-se, torna-se frequentemente em melancolia, (diathese 
atrabiliar). Estas duas affecções muitas vezes se substituem e 
excluem como a labareda e a fumaça. » 
No século 18.° todos os auctores aceitão as theorias de Thomaz 
Willis e entre elles destingue-se Morgani e Lorrv. 
Morgani, um dos vultos mais eminentes do século 18.°, o 
illustre anatomo-pathologista que deixou á posteridade traços in- 
deleveis de sua passagem no mundo scientifico, consagrou uma das 
paginas da sua immortal obra ao estudo da mania, da melancolia 
e da hydrophobia. 
Acérrimo defensor das idéas de Willis, chega mesmo a usar 
de suas próprias palavras para explicar que a mania é tão visinha da 
melancolia que muitas vezes se substituem mutuamente e que uma 
toma o caracter da outra. 
E tão intima esta connexão, que muitas vezes os alienistas 
vacilão em denominar maniacos ou melancólicos indivíduos que já 
se apresentarão taciturnos e tementes, loquazes e audazes. 
O auctor. tratando ainda da alternancia da mania e da me- 
lancolia, cita a historia de uma moça na qual elle fez a autopsia, 
que depois de um longo período melancólico foi victima de um 
accesso de mania. 
Lorry. — Escreveu uma obra sobre a « melancolia e as alfec- 
ções melancólicas ». Melancholia et moròis melancholicis. 
Tracta não sd da mania melancólica, como também da mania 
como terminação da melancolia; estuda as causas e as classifica, 
em numero de cinco que são : 
1. Uma certa idiosyncracia que tem sua sede em uma con- 
stituição mais delicada da sensibilidade interna. 
2. Influencia dos lugares. 
3. As perturbações políticas. 
4. Embriaguez frequente e o abuso de licores alcoolicos. 5.° Trabalhos intellectuaes prolongados. 
Chegamos ao século 19:", ao século de luzes. 
A medicina mental não podia deixar de compartilhar da onda 
do progresso que tem atravessado este século desde a alvorada do 
seu primeiro dia e que chegará ao século vindouro tendo ele- 
vado ao seu auge todos os ramos da sciencia. 
Desde Philippe Pinell no começo deste século, até Falret, 
Beillarger e outros na époche actual, a medicina mental, como 
em todos os ramos da sciencia, tem seguido a lei do progresso 
passado do simples ao complexo por uma serie de transformações 
successivas. 
Se analysarmos com cuidado o conjuncto de factos que en- 
travão nas antigas fôrmas de loucura, demonstraremos que muitos 
dos caracteres diíferenciaes que até então tinhão passado des- 
apercebidos têm sido agora estudados com attenção e induzido a 
geração presente a crear pouco a pouco, ao lado dos typos anti- 
gamente admittidos outros novos, em grande parte tirados dos 
precedentes. 
E a loucura em dupla fôrma uma das descobertas do século 
actual. 
Ella é oriunda de detidas observações da mania e da melan- 
colia, d’estas duas affecções que entre si oíferecem differenças e 
contrastes notáveis e que desde a mais alta antiguidade forão re- 
conhecidas como duas espeeies dis tine tas da alienação mental. 
A geração actual reconheceu que muitas vezes ha um laço 
secreto que as une, transformando-as em periodos que juntos cons- 
tituem um accesso de uma affecção especial a que elles denomi- 
narão loucura em dupla fôrma ou loucura circular. 
Vejamos quaes os auctores que mais cooperárão para esta 
importante descoberta. 
Temos em primeiro lugar Philippe Pinell. 
Este illustre medico da Salpetrière, demonstrou perfunctoria- 
mente, em seu Tratado medico-philosophico sobre alienação mental, 
não sô a transformação da melancolia em mania, como também a 
alternancia d’estas duas fôrmas. 10 
/ 
E o que demonstrão suas observações citadas por Geoffroy, 
Ritti e outros. 
N’estas observações encontrão-se os symptomas dos dous pe- 
ríodos caracteristicos da loucura em dupla forma; como se póde 
notar na observação transcripta na segunda parte d’este nosso 
trabalho. 
Além d’isso elle também demonstra que « o idiotismo especie 
de alienação mental, mui frequente nos hospícios, cura-se algumas 
vezes pela mania ». Devemos, porém, notar que elle descrevia com 
o nome de idiotismo grande numero de factos aos quaes hoje 
tem-se dado diversas denominações, como sejão : demencia aguda, 
estupidez, melancolia com estupor, etc. Cita igualmente sobre este 
ponto uma observação importante. 
Jacquelin Dubuisson. — Em sua obra Des vesanies ou maladies 
mentales, tratando da melancolia, sustenta igualmente como os outros 
auctores que a melancolia póde ser complicada com a mania; 
admitte-se também que a melancolia termine-se em mania o 
que elle denomina metapiose. Considera esta conversão como ter- 
minação muito frequente e muitas vezes feliz, d’esta especie de 
vesania especial. 
Tractando da mania elle admitte igualmente a metaptose, isto 
é, n’estes casos a conversão da mania em melancolia, fazendo 
notar especialmente nestas condições a gravidade do prognostico. 
Esta gravidade de prognostico foi igualmente notada por Fodéré. 
D’esta rapida descripção collegimos que para a maioria dos 
auctores até agora citados a mania não é mais do que o mais alto 
gráo da melancolia ou então a terminação d’esta affecção ; para 
alguns, como Willis, ha uma alternancia entre as duas fôrmas ; 
finalmente para outros, como Dubuisson, os symptomas proprios 
da melancolia podem se manifestar entre os accessos da mania 
periódica ou intennittente, notando nestes casos a gravidade do 
prognostico. 
Estas idéas assim permanecerão por algum tempo apezar das 
grandes pesquizas de eminentes alienistas como Esquirol, Dr. An- 
ceaume, Gueslain, etc. 11 
0 Dr. Anceaume, discípulo de Esquirol acreditava como seu 
mestre, que a mania e a melancolia affectão algumas vezes o 
mesmo indivíduo, succedem-se alternativamente em intervallos mais 
ou menos afastados, regulares ou irregulares ; que são duas affec- 
ções do espirito que existem isoladamente em tempos diíferentes. 
Gueslain escreveu Traitê sur les phrenopathies e mais tarde 
Leçons orales sur les phrenopathies porém nada adianta. 
Griesinger. — Este alienista allemão escreveu um tractado 
clássico das moléstias mentaes. Como seus predecessores, observou 
a transformação do estado meláncolico em estado maniaco e vice- 
versa. Teve, porém, a gloria de ser o primeiro que assignalou de 
uma maneira precisa esta ordem de factos; eis como elle se ex- 
prime : 
« La transition de la manie à la mélancolie et 1’alternance de 
ces deux formes s-ont très ordinaires. II n’est pas rare de voir 
toute la maladie consister dans un cycle de deux formes qui al- 
ternent souvent très régulièrement. 
(( D’autres observateurs et nous-mêmes avons vu des cas dans 
lesquels une mélancolie survenue en liiver est remplacée par une 
manie au printemps, qui, en automne, se transforme de nouveàu 
en mélancolie. 
c( Les accès de manie avec agitation alternent souvent avec 
un état de mélancolie. Quelques fois il y a entre ces deux formes 
une alternance régulière pour celles, par exemple, qui débutent à 
une certaine époque de l’année. » 
Mais adiante encontra-se ainda o seguinte : 
« On a déjà indiqué comment, dans la plupart des cas, l’état 
mélancolique se transforme en un état maniaque et réciproquement. 
En suivant attentivement le développement de la maladie, on peut 
voir chez les mélancoliques le sentiment d’une anxiété douloureuse 
s’accroítre de jour en jour, se traduire d’abord par la manifestation 
intérieure d’une sorte d’inquiétude violente qui en continuant tou- 
jours à faire des progrès, se transforme enfin en une agitation ma- 
niaque complètement caractérisée. » 
Griesinger compara, portanto, a moléstia a um circulo (cycle). 12 
0 alienado sahe da mania para voltar á melancolia, depois á mania, 
e assim indefinidamente rolando por assim dizer em uma especie 
de circulo. 
Foi inspirado n’esta comparação de Griesinger que em 1851 
Falret creou a denominação de : forma circular das moléstias men- 
taes e n’este mesmo anno a denominou Loucura circular. 
Foi, portanto, Griesinger quem em 1845 descreveu pela pri- 
meira vez de uma maneira precisa e como muito frequente as 
alternancias regulares da mania e da melancolia, não notando, porém, 
n’isso senão a alternancia de duas fôrmas distinctas da alienação 
mental. 
O sabio alienista não teve a felicidade de ver n’ellas uma 
entidade mórbida especial. 
Foi quem melhor escreveu esta passagem da mania para 
a melancolia ; quem fez notar que estas alternancias se observão 
principalmente em individuos, cujos accessos voltão em certas 
epochas regulares do anno ; finalmente, quem notou a gravidade 
do prognostico n’estes accessos de mania periódica. 
Falret. — No dia 14 de Janeiro de 1851 publicou na 
G-azette des hopitaux suas lições feitas no hospicio da Salpetrière. 
Ahi, elle revela ter creado ao lado do typo intermittente ou pe- 
riódico, que a loucura apresenta em sua marcha, um typo parti- 
cular distincto do precedente a que elle designou sob o nome de 
forma circular. 
Eis como elle se exprime : 
« 11 est une forme spéciale, que nous appelons circulaire et 
qui consiste, non comine on la dit fréqueminent, dans falternative 
de la manie et de la mélancolie, séparée par un intervalle Incide 
plus ou moins prolongé, mais dans le roulement de 1’exaltation ma- 
niaque, simple suractivité des facultes avec la suspension de l’in- 
telligence. Une période d’exaltation aliernée a vec une période ordi- 
nairement plus longue d’affaiblissement. 11 ny a généralement ni 
véritable aliénation partielle, ni aliena,tion générale; c’est, en 
quelque sorte, le fonds de chacune de ces formes, sans leur relief. 
Chose remarquable ! chacun de ces deux états pris à part est plus eurable que les manies et les mélancolies ordinaires, et leur réu- 
nion constitue toujours une forme inourable des maladies mentales. » 
Vemos que n’estas citações estão comprehendidos os princi- 
paes elementos que constituem a nova especie mórbida. Admitte 
a fôrma circular das moléstias mentaes consistindo na alternancia 
da mania e da melancolia com caracteres particulares ; faz notar 
como Griesinger a gravidade do prognostico; admitte um intervallo 
lúcido. 
Em 1854, publicando a segunda edição destas mesmas lições, 
trata da loucura circular e diz « que os doentes girão em um 
mesmo circulo de estados doentios que se reproduzem sem cessar 
como que fatalmente e são separados por um intervallo de razão 
de curta duração. 
N esta nova edição as suas idéas estão mais adiantadas, e 
vê-se apparecer pela primeira vez o termo de Loucura circular 
em vez de Fórma circulur das moléstias mentaes como tinha publi- 
cado na Gazette des hôpitaux. 
Em 14 de Fevereiro de 1854 vem transcripto no Bulletin de 
VAcadémie de médecine » uma memória lida por Falret nesta aca- 
demia e intitulada Mémoire sur la folie circulaire, forme de maladic 
mentale caracterisée par la reproduction successive et régulière de 
Vétat maniaque, et de Vétat mélancolique et d’un intervalle lucide 
plus ou rnoins prolongé. 
Este trabalho appareceu 15 dias depois do de Baillarger. 
Faz logo a principio algumas considerações geraes sobre a lou- 
cura intermittente e a loucura remittente, em seguida aborda a 
descripção de loucura circular. 
A moléstia é constituída por accessos, cada accesso apresenta 
tres periodos : o estado maniaco, o intervallo lúcido, e o estado 
melancólico. 
Faz uma bella descripção. dos dois estados, faz notar princi- 
palmente a importância da hereditariedade para a producção desta 
especie de loucura, e a sua maior frequência na mulher do que 
no homem. 
Baillarger. — Em 31 de Janeiro de 1854 Baillarger leu na 14 
Academia de medicina um trabalho intitulado : Note sur un genre 
de folie dont les accès sont caracterisês par deux périodes régulières, 
V une de dépression et Vautre d'excitation. 
Denominou esta entidade mórbida Loucura em dupla forma. 
Elle considera esta vésania constituida por accessos e cada um 
comprehendendo dois períodos, o que os auctores até então cha- 
mavão accessos. 
Estes períodos são: um de excitação e outro de depressão, 
seguindo-se sem intermittencia. 
Explica os casos em que admitte a intermittencia entre os 
dois períodos, demonstrando que nestes casos não ha uma volta 
completa aos antigos hábitos, e que nos casos em que os accessos 
são longos não ha intermittencia real. 
Divide a loucura em dupla forma em duas classes : 
1. a Loucura em dupla fôrma intermittente. 
2. a Loucura em dupla forma continua. 
Quanto á duração dos accessos julga que pôde ser de G 
a 8 dias ou a um anno. 
Que os dois períodos são tanto mais iguaes quanto são 
mais curtos. 
A transição é muitas vezes tão rapida, diz elle, que entre a 
depressão que termina e a excitação que começa não é possivel 
reconhecer um estado de equilibrio que possa ser considerado como 
uma intermittencia real. 
Termina sua memória com as seguintes conclusões : 
1. Além da monomania, da melancolia e da mania existe 
um genero de loucura caracterisada por dois períodos regulares, 
um de depressão e outro de excitação. 
2. Este genero de loucura se apresenta : l.° em estado de 
accessos isolados; 2.° reproduz-se de uma maneira intermittente ; 
o.° os accessos podem-se succeder sem interrupção. 
o.° A duração dos accessos varia de dois dias a um anno. 
4.° Quando os accessos são curtos, a transição do primeiro 
ao segundo periodo tem lugar de uma maneira brusca e ordinaria- 15 
mente durante o somno. Ao contrario, quando os accessos são 
prolongados ella faz-se por gráos e muito lentamente. 
5.° Neste ultimo caso os doentes parecem entrar em conva- 
lescença no fim do primeiro periodo; mas se a volta da saúde 
não é completa depois de dias, um mez, seis semanas quando 
muito, o segundo periodo apparece. 
Segundo a opinião do Dr. Ritti, que se diz imparcial na 
grande luta travada entre Falret e Baillarger sobre a primasia da 
descoberta desta moléstia, a loucura circular de Falret não é mais 
do que uma das variedades do typo morbido creado por Bail- 
larger; isto é aquelle no qual os accessos podem se succeder sem 
intervallos lúcidos. 
Depois de termos estudado com attenção e imparcialidade a 
descripção da moléstia feita, de um lado por Baillarger e Geoffroy; 
de outro lado por Falret e Julio Falret chegamos a uma unica 
conclusão e é: que se tracta de uma unica entidade mórbida cuja 
unica differença é na denominação; que tanto Baillarger como 
seus antagonistas comprehendem a moléstia composta de accessos 
que comprehendem dois períodos e um intervallo lúcido maior ou 
menor. 
Quando tractarmos do intervallo lúcido voltaremos a este 
assumpto e daremos a nossa opinião. 
Depois de termos percorrido a historia da loucura em dupla 
forma ou loucura circular desde Hyppocratis até Baillarger e Falret, 
accompanhando-a em todas as suas phases e diíferentes modificações, 
até nossos dias; resta-nos para completal-a dizer algumas palavras 
sobre os trabalhos que apparecerão depois destas memórias. 
Temos em primeiro lugar o Dr. Billod que publicou em 1856 nos 
Annaes medico-psychologicos, uma memória sobre « Diverses formes 
de lypemanie » Abandona as denominações dadas por Baillarger e 
Falret dando a de « Loucura em dupla phase. » 
Morel. — Em 1859 publicou seu Traitê des maladies mentales. 
Não classifica a loucura em dupla forma como uma entidade mór- 
bida distincta; assim diz elle : « Je ne puis, pour ce qui me 
regarde, accepter pour des formes distinctes, pour des genres 16 
spéciaux, des situations pathologiques qui sont observées dans 
toutes les variétés de folie en général. » Explica em um longo 
artigo esta proposição. 
Depois de Morei muitos outros tem escripto sobre alienação 
mental; uns considerão a loucura em dupla forma como uma mo- 
léstia especial; outros só fazem menção d’ella traetando da marcha 
da loucura. 
Entre os que a considerão como uma moléstia especial 
notamos: Marce — que escreveu em 1862. Traité pratique des 
maladies mentales. 
Dagonet, falia muito superficialmente sobre esta moléstia tanto 
em seu Traité élêmentaire et pratique des maladies mentales, como 
também em seu Nouveau traité élêmentaire et pratique des maladies 
mentales. 
Appareceu em 1861 uma these do Dr. Ernest Geoffroy interno 
da casa de Charenton, discipulo de Baillarger, cuja dissertação 
/ 
era : De la folie à double forme. E um completo resumo de tudo 
quanto se conhecia até aquella epocha e contem observações im- 
portantes. 
Julio Ealret, publicou nos Archivos geraes de medicina em 
1879 alguns artigos, onde elle externa perfeitamente as idéas de 
seu pae, mais denomina a moléstia de « Loucura em formas 
alternas. » 
Ainda podíamos enumerar muitos outros trabalhos recentes, 
mas que em nada nos adianta, e por isso completaremos este nosso 
quadro historico citando em homenagem ao trabalho e ao talento 
os nomes de: Ludwig-Meyer; Ludwig-Kirn ; Kraíít-Ebing; final- 
mente Ritti que publicou este anuo uma excellente obra deno- 
minada De la folie à double forme que tracta minueiosamente sobre 
este assumpto, enriquecida de grande copia de observações próprias 
e de outros auctores. SYMNONIMIA 
Diííerentes são as denominações dadas a esta entidade mór- 
bida; assim Baillarger denomina, loucura cm dupla forma; Falret, 
loucura circular; Billod loucura cm dupla phase; Delaye, loucura 
cm formas alternas; Legrand de Sàulle, delírio em formas alternas; 
Ludwig-Kirn, die cyclische pychosc ; Vou Krafft-Ebing —Das circulàre 
irresein. DEFINIÇÃO 
Loucura era dupla forma ou loucura circular é uma especie 
particular de alienação mental, cujos accessos são earaeterisados 
pela successão regular de dois periodos, um de depressão e o 
outro de excitação ou reciprocamente 
Em sua evolução estes accessos podem seguir immediatamente 
uns aos outros sem intervallo lúcido; ou um intervallo mais ou 
menos longo se interpõe entre elles. 
Eis porque, em relação á marcha da moléstia, o Dr. Ritti, e 
com elle grande numero de alienistas, sustenta que ella pode 
apresentar-se debaixo de duas formas distinctas: 
1. Loucura em dupla forma propriamente dita ou typo pe- 
riódico; isto é aquelle em que os accessos são separados por um 
intervallo lúcido mais ou menos longo. 
2. Loucura em dupla forma continua ou typo circular, isto 
é, aquelle em que os accessos seguem uns aos outros sem apre- 
sentar intervallo lúcido. 
O eminente alienista Falret, como já vimos, um dos que mais 
tem cooperado para o progresso da medicina mental, tractando das 
loucuras intermittentes em sua obra Des maladies mentales et des 
aziles d'aliénês, reconhece como caracter desta loucura que: os 
accessos ulteriores se assemelhão aos precedentes em todos os 
pontos, quer pelos symptomas physicos, moraes ou intellectuaes; 
quer pela marcha e pelas idéas delirantes expressas. 0 Dr. Ritti igual athleta da sciencia e incansável observador 
nesta parte da medicina sustenta que este earacter também se 
observa na loucura em dupla forma e que se rigorosamente obser- 
varmos um accesso, veremos que os seguintes seguem a mesma 
evolução symptomatica, e apresentão as mesmas concepções deli- 
rantes, os mesmos actos, a mesma marcha etc. etc. 
É n’estas condições que o medico, como observador intelli- 
gente e que segue pari-passu com olhos de profissional as differentes 
evoluções dos accessos, pode com grande certeza nos accessos 
subsequentes indicar desde o começo as diíferentes manifestações 
que vão ter lugar e mesmo assignalar a epocha na qual a moléstia 
passará de um periodo a outro. ETIOLOGIA 
0 estudo etiologico da loucura em dupla forma é excessiva- 
mente difficil, como o de todas as moléstias mentaes. 
Todas as pesquizas feitas pelos alienistas em relação ás causas 
da moléstia, á sua frequência, etc., são sempre acompanhadas de 
contradicções que lanção sempre a duvida no espirito d’estes médicos. 
O ponto que mais tem attrahido a attençfio dos alienistas é 
sem duvida a frequência d’esta entidade mórbida; e é justamente 
este que se apresenta circumdado das maiores difficuldades, e que 
não se póde resolver de um modo cabal. Em primeiro lugar com- 
prehende-se que ha um grande numero de alienados no primeiro 
gráo da moléstia dos quaes não se tem conhecimento, e que vivem 
no lar domestico e no seio da sociedade. Em segundo lugar devemos 
notar que nas moléstias mentaes, quasi nunca o observador segue 
a sua marcha de um modo satisfactorio para bem estabelecer o 
diagnostico da moléstia; e assim são classificados melancólicos 
ou maniácos conforme o periodo em que foi observado em um 
momento dado. Em seguida o alienista, muitas vezes, o perde de 
vista, ou porque apparentemente curado a familia retira-se com elles 
para outros sitios, ou por outras causas a ella particulares, evi- 
tando assim ao observador de seguir durante muitos annos o mesmo 
doente. 
Quantos loucos existem longos annos esparsos no seio da so- 
ciedade ou recolhidos ao lar domestico e que só são izolados em 
um hospício e sujeitos a observação medica quando a sua convi- 
vência se torna impossível ? São sómente estes que já se achão em 22 
período adiantado que se observa nos hospícios, e cuja historia se 
d’elles é impossível colher de seus parentes é muito difficil. 
Perguntai aos parentes de um louco se os seus antepassados 
soffrerão desta moléstia ? Procurão immediatamente embair o cri- 
tério do medico, ou negando absolutamente, ou descrevendo a mo- 
léstia de seus antepassados procurando afastar-lhe a idéa de loucura; 
para o que muito se presta esta entidade mórbida. Se querem 
descrever o período melancólico elles accusão que apenas tinha 
momentos e mesmo dias de tristeza, de abatimento, de prostração 
attribuindo sempre a um motivo. Além disso o doente não sahindo, 
estando constantemente isolado, não entretendo conversações, não 
dá ao publico, por consequência, um testemunho de seu estado 
mental. Se descrevem o periodo de excitação referem que era 
alegre, folgasão, social, espirituoso e longe de o julgarem doente 
o. suppunham no goso de perfeita saude. Quando este estado se 
adianta attribuem ao effeito do álcool, porquanto muito se as- 
semelha ao primeiro gráo da embriaguez. Se este estado augmenta-se, 
começa a praticar actos de máos sentimentos, então queixão-se 
que elle tem mudado de caracter, tem-se tornado exquisito, in- 
trigante e de difficil convivência; mas sempre procurando evitar 
de o considerarem louco. 
Das pesquizas dos auctores que rnais se têm occupàdo sobre 
este assumpto nos deduzimos que a loucura em dupla forma é mais 
frequente na mulher do que no homem. 
No relatorio do hospício de alienados annexo ao Hospital de 
S. João Baptista em Nictheroy apresentado pelo distincto alienista 
o Sr. Dr. Domingos Jacy Monteiro Júnior figurão dous casos desta 
moléstia, que elle denomina loucura cyclica, ambos de mulheres. 
Sendo uma de 37 annos e outra de 54. Geralmente esta moléstia 
manifesta-se desde a puberdade, é muito raro apresentar-se pela 
primeira vez em uma idade mais avançada. 
A loucura em dupla forma, segundo as estatísticas dos hos- 
pitaes não é muito commum no nosso paiz. No relatorio acima 
referido de duzentos e vinte sete doentes existentes neste hos- 
pício somente dois d’effa erão affectados. Esta opinião, que avan- 23 
çamos em relação ao Brasil, também se refere aos paizes estrangeiros, 
assim fallão as estatisticas de Faville, de Gérard Cailleux, etc., etc. 
A loucura em dupla forma é uma das formas de alienação 
mental essencialmente hereditária dizem todos os auctores. 
Marce refere o caso de um doente que contava em sua familia 
soífrendo da mesma moléstia,: sua mãe, uma irmã e uma tia; ainda 
mais uma segunda irmã que soffria de. melancolia e .tinha duas 
filhas affectadas de mania hysterica. 
O Dr. Ritti refere que em trinta e um casos de differentes 
observadores apenas seis não apresentavão traços de hereditariedade; 
todos os outros tinham ascendentes directos ou indirectos, ou ainda 
collateraes que erão alienados, ou affectados de moléstias nervosas, 
ou de simples estados nevropathicos ou emfim ébrios. O que pre- 
domina, porém, é a herança do tronco paterno ou materno. 
Tractando das causas predominantes da loucura em dupla forma 
Ch. Lasegue diz que o traumatismo cerebral pode ser causa desta 
vesania. O individuo que soffreu um choque cerebral adquire uma 
diathese mórbida que termina em muitos casos pela declaração franca 
da loucura em dupla forma. Apresenta dois casos em que os accessos 
ao principio intermittentes e irregulares, foram se accentuando até 
a declaração franca da moléstia. 
Temos ainda como causa predisponente a hysteria e a epilepsia. 
No primeiro caso o Dr. Catard diz que ha predominância dos instinctos 
perversos e actos nocivos proprios da mania hysterica. No segundo 
caso ha o verdadeiro delirio dos epilépticos; n’elles observa-se a 
mania, a melancolia, o delirio religioso, as idéas de perseguição, etc.,etc. 
A epilepsia desenvolve symptomas particulares e dá á marcha 
da loucura um cunho proprio, do mesmo modo que a loucura em 
dupla forma de origem hysterica apresenta seus caracteres especiaes. 
Entre as causas occasionaes, isto é aquellas que provocam o 
desenvolvimento da moléstia, devemos notar as causas physicas e as 
causas morcics. 
Entre as causas physicas os auctores citão as affecções internas, 
a puerper alidade e a syphilis. Nestes casos desde que se faça cessar 
a causa deverá cessar o eífeito «sublatâ causa, tollitur effedus. » 24 
Como provão duas observações citadas pelo Dr. Ritti, ambas se- 
guidas de cura. 
Entre as causas moraes nota-se a emoção violenta depois da 
qual começam os accessos da loucura em dupla forma. Nestes casos 
os accessos são separados por intervallos mais ou menos longos, e 
como fez observar Esquirol cada accesso é muitas vezes precedido 
de uma emoção moral viva. SYMPTOMATOLOGIA 
« Scepe hcec duo (melancolia et mania) 
« quasi fumus et flama, se mutuo excipiunt 
« ceduntque. » (Willis, Opera Omnia t. II. 
« On voit dans beaucoup de cas, la mé- 
« lancolie succéder à la níanie et récipro- 
« quement, comme si un lien secret unissait 
« entre elles ces deux maladies. » 
Baillargek, B. Acad. med. t. IX p. 340. 
Definindo a loucura em dupla forma vimos que ella é consti- 
tuida por dois períodos um de depressão e outro de excitação (que 
formão um accesso) seguido ou não de um intervallo lúcido mais 
ou menos longo. 
Faremos a nossa descripção symptomatologica tractando em 
separado de cada um destes períodos e depois diremos algumas 
palavras sobre o intervallo lúcido. 
Periodo de depressão ou estado melancólico 
A melancolia, que na maioria dos casos, é quem abre a scena 
da moléstia, quem primeiro annuncia o naufragio do ser psychico, 
ora manifesta-se debaixo da simples depressão das forças physicas 
e intellectuaes, ora por um verdadeiro delirio melancólico podendo 
ir até ao estupor. 
Quando, muitas vezes no goso de perfeita saude, os primeiros 
symptomas começão a manifestar-se em um indivíduo, estes pa- 26 
tenteião-se aos olhos do observador pela mascara da tristeza e do 
tedio que cobre o rosto da victima. 
Impellidos por um sentimento inexplicável conservão-se ca- 
bisbaixo, com sobrolhos carregados, as feições contrahidas, taci- 
turnos e apenas mechem com os beiços e em voz baixa respondem 
ao que se lhe pergunta. Se ainda a pouco compartilhava da 
paz e da alegria familiar, é agora circumdado d’aquelles que 
lhe são caros e que anciosos indagão da causa de sua tristeza. 
E então que elle queixa-se de seus soffrimentos physicos e moraes, 
julga-se o ente mais infeliz e desgraçado do mundo, já perdera a 
sua actividade physica e moral e e incapaz de tudo, o que para 
elle é causa de grande mar ty ri o. 
Os sentimentos de affeição para os amigos e parentes, as 
ternas caricias aos filhos amados, o amor maternal e conjugal emfim 
forão substituidos pela fria indifferença. Insensiveis á tudo tornão-se 
inabalaveis mesmo com a morte de pessoas que lhe erão tão caras. 
Já não lhe commove este golpe que outrora lhe arrancaria as la- 
grimas para banhar-lhe o rosto enrugado pela dor. Nada o altera 
a não ser os seus proprios soffrimentos. 
A intelligencia é diminuída e obscurecida em suas concepções. 
Esquecem-se de tudo mesmo dos deveres de familia e de sua pro- 
fissão. Falto de idéas e não podendo pensar é para elles um grande 
sacrifício a reflexão e a conversação, do que elles a todo o transe 
procurão fugir. 
Acabrunhados por um sentimento geral de fadiga, de excessiva 
molleza, de incapacidade physica e moral, elles permanecem pros- 
trados e deprimidos, procurão a immobilidade e têm uma tendencia 
irresistível para estarem sentados ou deitados e affastarem-se de 
todo e qualquer movimento que então lhe é penoso e difficil. 
Permanacem assim, circumdados de todos os soffrimentos, du- 
rante horas inteiras na maior immobilidade, na mesma attitude e 
numa completa indecisão. 
Si os obrigão a levantar-se procurão logo um canto onde possão 
estar desarranjados e ahi permanecem por muito tempo. 27 
Indifferentes a tudo, não cuidão de sua limpeza nem de seu 
toilette; e andão sempre em completo desabono. 
Desgostosos da vida chegão mesmo a pensar em não comer e 
a cohibir-se de eíFectuar os actos mais indispensáveis da vida, quando 
por accumulo de sua desgraça não têm um ente qne por elles velle, 
obrigando-os a nutrir-se e a vestir-se convenientemente. 
Alguns que já têm permanecido semanas inteiras e mesmo 
mezes em completa inacção, não permittem a entrada em seu quarto, 
n’elle se feixão evitando com cuidado o ar e a luz. Se por acaso 
se entregão a algum trabalho logo o abandonão fatigados. 
/ 
E este o eonjuncto de symptomas que constituem a melan- 
colia simples. Mas, se é verdade que em grande numero de casos 
o doente é apenas afíectado desta melancolia simples, não é menos 
verdade que em um grande numero d’elles a moléstia adquire um 
mais alto gráo de intensidade e outros phenomenos a ella se vem 
ajuntar. Este mais alto gráo de intensidade constitue o que os 
auctores denominão delírio melancólico. 
Se até então o gelo dá indiíTerença tinhão separados da 
familia e dos amigos e lançado em profunda apathia, agora 
sobrevem as concepções delirantes tristes, ha um profundo desgosto 
pela vida (tcedium vitceJ % a idéa de suicídio lhe povoa o espirito • 
/ 
E então que elles são como que lançados em um labirynto 
onde turvilha com furor a idéa que os domina, da qual não podem 
fugir, e os obriga a pôr termo á sua existência. 
Além deste desgosto pela vida outras concepções delirantes 
podem manifestar-se taes como, a de mina, de incapacidade, de 
culpabilidade, de damnação, etc., etc.; cujas consequências são, é 
verdade, menos perigosas mas que para os doentes são causas de 
grandes torturas e perpetua agonia. Aqui são criminosos que tem 
commettido peccados e que já não esperão o perdão divino nesta 
nem na outra vida; ali é uma desventurada mãi que se queixa 
de mal ter ensinado seus filhos dando-lhes uma instrucção medíocre 
e insufhciente; acolá é um doente convencido que todos que o 
rodeião soffrem por causa d’elle; e assim são torturados, durante 
muito tempo por estas idéas. 28 
Outras vezes apresentão idéas delirantes de perseguição com 
allucinações do ouvido; idéas de envenenamento repellindo então os 
alimentos. A estas vem se associar muitas vezes as idéas religiosas, 
dizem que tem connnunicação com as potências divinas, são inter- 
mediários de Deus, são verdadeiros prophetas e os que os rodeião 
são satellites de Satam. 
Finalmente temos as preoccupações hypochondriacas; queixão-se 
de vários soffrimentos assestados em differentes partes do corpo, e 
assim passão dias sempre com o rosto indicando soffrimento. 
A physionomia destes delirantes tem um caracter especial 
conforme a idéa que os domina. Apresentando, porém, na maior 
parte o ollmr profundamente triste e desesperado, as phrases in- 
tercortadas e pronunciadas com receio, como que temendo reconhecer 
o individuo, causa de seus tormentos e inquietações. 
Assim permanecem o dia sentados em uma cadeira exhalando 
de quando em quando profundos suspiros e dolorosos gemidos. 
Nem sempre a melancolia apenas chega ao delirio como temos 
até agora descripto. Eleva-se muitas vezes a um mais alto gráo, 
ao seu auge, constituindo o que os auctores chamão melancolia com 
estupor. 
Neste ultimo gráo do estado melancólico os doentes ficão com- 
pletamente immoveis, assentados ou de pé, com os olhos e a cabeça 
baixos, voltados para a parede e não respondem ao que se lhes per- 
gunta. Muitas vezes apresentão um fácies de anciedade, de temor, 
como que algum perigo o ameaça do qual elles tentão fugir em- 
pregando para isso grandes esforços. Seus lábios estão em cons- 
tante movimento, e observa-se que muitas vezes esfolão o rosto 
com as unhas e sempre no mesmo lugar. 
Julio Falret, diz que este estado não existe senão em appa- 
rencia. Que emquanto estão mergulhados n’este supposto estupor 
ouvem, percebem e observão tudo quanto se passa no mundo 
exterior. Mais tarde quando chegão ao periodo de excitação, narrão 
detalhadamente tudo quanto observarão durante o estado melancólico? 
com grande pasmo dos que o virão ireste periodo e que o jul- 
ga vão completamente estranho ao que se passava em derredor de 29 
si. Parece, como bem diz Ritti, que os factos ambientes se em- 
pregnarão n’aqnelle cerebro que então não possuia a faculdade de 
reagir pelo pensamento nem pela aeção. 
O que mais impressiona o doente depois deste estado é o tempo 
parecer-lhe muito mais longo do que é realmente. Assim obrigando-o 
a qualquer trabalho durante certo tempo este lhe parece tres ou 
quatro vezes maior. 
Este estupor vem seguido de concepções delirantes, alluci- 
nações da vista e do ouvido, e symptomas de estupidez. Levados 
por um delirio exclusivamente triste que desenha em sua face a 
mascara da estupidez e os transporta ás regiões ethereas, ao mundo 
imaginário; é então que uns veem soldados entrarem para os prender; 
outros acreditão-se mortos ou no esquife; este vê fantasmas; 
aquelle sente cheiros pestilenciaes em redor de si. 
Finalmente o estupor pode chegar até a catalepsia. 
KraíFt-Ebing cita casos de indivíduos que. no estado de 
estupor, entregavão-se desenfreadamente e em publico ao onanismo; 
seu furor era tal que introduzião corpos estranhos no canal da 
urethra. 
Symptomas physicos. — O cerebro acabrunhado por todas 
estas diíferentes evoluções que apresenta o periodo depressivo, 
collocado portanto em um estado pathologico, este estado deve 
necessariamente repercutir em todas as outras funcções do orga- 
nismo. 
Durante este periodo elles sentem constantemente a cabeça 
pesada e um sentimento de vacuidade no interior do craneo, sen- 
timento que desapparece por encanto desde que começa o periodo 
de excitação. 
A digestão é difficil, a nutrição se faz mal e além disso muitos 
repellem os alimentos como os que têm idéa de envenenamento; 
condições estas sufficientes para o emagrecimento considerável e 
ipso facto diminuição de peso. 
A respiração é diminuída, os movimentos respiratórios tornão- 
se insensíveis, e segundo Julio Falret um suspiro de quando em 
quando suppre a insufficiencia da respiração habitual. 30 
A circulação é igualmente diminuída. Esta diminuição póde 
ser absoluta ou relativa. 
Absoluta quando o pulso vai abaixo do normal, obtendo-se 
65, 60, 45 e mesmo 30 e 25 pulsações por minuto. 
Relativa quando elle tem diminuido relativamente ao numero 
de pulsações que se obtinha no periodo de excitação; assim se 
neste elle tinha 120 pulsações, agora no periodo de depressão tem 
70 ou 80, que é a media do homem no estado physiologico; mas 
que se afasta da que se obtinha no estado de excitação. 
Desde que a circulação geral é perturbada e que haja obstá- 
culo na marcha dos liquidos, o curso do sangue nas veias é ipso 
facto diminuido ; donde resulta as extremidades frias, augmentadas 
e azuladas, a face cyanotica, etc., etc. 
A secreção salivar é na maioria dos casos diminuida, com tudo 
ha casos de indivíduos que no ultimo gráo de estupor forão 
affectados de uma verdadeira sialorrhea, que pode ser momen- 
tânea, mas que muitas vezes dura semanas. 
A constipação do ventre é muito frequente n’este periodo. E 
muito commum ver-se estes indivíduos, assentados ou andando, ex- 
pedirem ourina e matéria fecal. 
A ausência da transpiração torna a pelle secca e rugosa. 
As ourinas raras e muito pouco abundantes. 
O somno. — Geralmente dormem bem ou ao menos íicão tran- 
quillos durante a noite. Nos casos, porém, de allucinações do 
ouvido ou da vista ou de qualquer outra perturbação delirante, 
nota-se a insomnia. 
A sensibilidade. — E diminuida ou mesmo abolida quando a 
melancolia vai até o estupor, ou quando apresenta manifestações 
hystericas. Nestes casos póde-se picar a pelle que não manifestão 
sensações dolorosas. 
Outras vezes em lugar da anesthesia temos uma verdadeira 
hyperesthesia, assestando-se quasi sempre nos nervos de sensibi- 
lidade interna. Eis a razão das diversas dores internas como sejão: 
as dores epigastricas, a anciedade precordial, isto é, uma sensação 31 
de pressão dolorosa sobre o peito, cabeça pesada, as perturbações 
para o lado da vista, do ouvido, etc., etc. 
A menstruação. — Em certas mulheres a menstruação não 
soífre alteração alguma; em outras, o que é mais cominum. prin- 
cipalmente quando o periodo é de curta duração, ella cessa no 
periodo de depressão para reapparecer no periodo de excitação. 
Quando os períodos são de curta duração com intermittencias 
a menstruação apparece nestas intermittencias. 
Finalmente, quando os accessos são mensaes (15 dias de 
excitação e. 15 de depressão) a menstruação coincide sempre com 
a phase de excitação, e traz então uma recrudescência dos symp- 
tomas deste periodo. 
Estas opiniões são confirmadas por numerosos factos citados 
por abalisados escriptores. 
Periodo de excitação ou maníaco. 
0 periodo de excitação da loucura em dupla forma é inteira- 
mente diverso do periodo de depressão. Se de um lado elle é 
representado pela imagem da melancolia, onde predomina o mu- 
tismo, a immobilidade e a indifíerença; de outro lado elle é o 
typo da alegria e o individuo apresenta-se jovial, trabalhador, 
folgazão, com uma memória prodigiosa, etc., etc. 
Este periodo que geralmente consiste em uma simples super- 
excitação das faculdades physicas e moraes, póde com o progresso 
da moléstia apresentar idéas delirantes e muitas vezes delirio de 
grandeza. 
Logo no começo da moléstia o symptoma que mais se pa- 
tenteia ao observador, é sem duvida a incessante necessidade que 
tem o alienado de movimento e de actividade physica e moral. 
Em movimento continuo elle não cessa de fallar e actuar. 
Quando o doente ainda está em liberdade os primeiros symp- 
tomas da moléstia passão desappercebidos aos olhos dos que o 
rodeião. 32 
0 indivíduo parece mais jovial e alegre do que no seu estado 
normal; diz-se geralmente que elle está satisfeito; no entretanto, 
a moléstia começa a manifestar-se. 
Estes primeiros symptomas vão se augmentando e os seus 
aetos já são semelhantes aos do embriagado no primeiro periodo. 
Depois já sahem constantemente de casa; fazem visitas con- 
tinuamente, escrevem cartas, fazem convites para jantar, vão aos 
espectaculos, aos soirées, passão noites e dias em claro sem ficar 
tranquillos um só instante. 
Semelhantes a indivíduos que se achão constantemente debaixo 
da influencia alcoolica, elles commettem os maiores desacatos em 
casa dos parentes, amigos, e mesmo de pessoas a quem apenas co- 
nhecião, impondo sem acanhamento nem respeito conveniências 
e usos sociaes. 
Sua imaginação povôa-se de variados projectos, muitas vezes 
impossiveis de se realizarem, verdadeiros castellos no ar, que se 
desmoronão com o mais brando sopro da realidade. 
Para satisfazer essa necessidade de actividade elles lanção 
mão do que possuem, assim : os que são proprietários procurão 
modificar a distribuição de seus compartimentos, remechem em seus 
jardins, querem emprehender grandes trabalhos de utilidade pu- 
blica, finalmente desarranjão tudo quanto têm; os capitalistas fazem 
grandes compras, emprehendem transacções commerciaes das quaes 
podem tirar bons resultados, como também podem trazer sua 
ruina e a de sua familia. 
Entre muitas observações citadas por Baillarger sobre estas 
kleptomanias, das quaes algumas vêm citadas na segunda parte 
deste trabalho, nós lembramos a de um indivíduo que no auge de 
sua agitação fazia grandes transacções, e que em uma delias que 
arruinava o futuro de sua familia, foi em uma tarde ainda a tempo 
desmanchada por sua mulher, em um dos restaurantes das circum- 
visinhanças de Pariz. 
Em muitos doentes em vez desta tendencia a perversidade, 
deste delírio devorador, ha ijma verdadeira dipsomania, e em 33 
quasi todos, á esta vem se ajuntar uma exageração do instincto 
sexual chegando muitas vezes a nymphomania e a satyriasis. 
Em alguns esta dipsomania parece ser o resultado de uma 
sede intensa, que os faz absorver grande quantidade d’agua 11a 
falta de vinho ; em outros é absoluiamente necessário 0 uso dos 
licores fortes para os satisfazer, são estes os verdadeiros dipsomanes. 
Deprehende-se que pela continuação do abuso alcoolico ha 
um estado de embriaguez continuo, e mais tarde os symptomas de 
alcoolismo agudo ou sub-agudo á estes se vem ajuntar. 
No meio de todas as faculdades a que se acha em maior 
superexcitação é sem duvida a intelligencia. 
Ella é tanto mais excitada quanto no periodo de depressão 
foi mais diminuida. 
Ila uma verdadeira fermentação intellectual durante a qual 
os pensamentos mais differentes se substituem, concebem mil pro- 
jectos que inmiediatamente são abandonados e com tal rapidez que 
apegar da ligeireza da palavra não ha tempo de os exprimir. 
As idéas pollulão com tanta rapidez no seu espirito que elles 
não têm tempo de fixar-se em nenhuma delias. Apenas acabão de 
exprimir uma idéa, outra já surge e ahi se intercalla muitas vezes 
sem nexo e sem transição apparente. D'onde resulta uma desordem 
de idéas completamente fóra do estado normal. 
A excitação intellectual é tal que elles mesmo se admirão de 
ter adquirido uma fecundidade de idéas e uma imaginação tão 
cheia de recursos. Os que os conhecerão os achão mais intelligentes 
e espirituosos. 
A memória é superexcitada como as outras faculdades. 
Leinbrão-se de factos mais insignificantes de sua vida passada, 
mesmo os de sua meninice, os quaes já elles julgavão apagados 
de sua memória. Recitão longos trechos de auctores clássicos 
aprendidos na sua infancia e com tal felicidade e loquacidade que 
admira aos ouvintes. Compõe discursos, poesias, fallão muitas 
linguas e mostrão-se superiores ás pessoas que os circumdão, fallão 
e escrevem sem cessar muitas vezes com uma variedade de termos 
e uma felicidade de expressão que elles não terião no estad 
5288 3 34 
normal. Devemos notar que a esta superactividade se ajunta 
muitas vezes uma grande desordem, uma variedade de concepções 
e uma successão rapida de idéas desbaratadas que denotão uma 
perturbação mental considerável apezar da apparente fecundidade 
de pensamento. 
A parte affectiva de nosso ser, isto é, o sentimento e o pen- 
samento são igualmente superexcitados. 
Em seu coração fermentão as paixões as mais contradictorias 
como em seu espirito pollulão as idéas as mais desbaratadas. Em 
seu rosto que ainda a pouco se desenhava a affeição vê-se brus- 
camente desenhar-se a cólera, paixões eróticas violentas, movi- 
mentos de odio, de ciúmes, e vingança. Estes doentes, em geral, 
revestidos da mascara hypocrita da alegria são no entretanto os 
mais malévolos, tacanhos, brigadores e malfeitoros de todos os 
alienados. 
Semelhantes a mulheres hystericas inventão as maiores men- 
tiras, com um cynismo extraordinário. 
Verdadeiros intrigantes atacão a reputação, a honra e a mo- 
ralidade de todos aquelles com quem vivem. 
Colleccionam todos os factos que ouvem, e com habilidade 
de detractor os revestem com as frisas cores da calumnia, os 
enriquecem de minuciosos detalhes, dando-lhe um cunho de vera- 
cidade e com tal firmeza que muitas vezes levão a convicção ao 
espirito de todos que os circundão; e assim arrastão a desordem 
para o meio da sociedade em que vivem. 
Dominados por influencia da exaltação tornão-se audazes, in- 
solentes e grosseiros. Tractão com familiaridade ás pessoas que os 
rodeião muitas vezes desconhecidas. 
A proporção que não repàrão no seu comportamento para 
com seus semelhantes, querem fazer tudo sem admoestação al- 
guma ; tornão-se irresistiveis, contestão, discutem e brigão muitas 
vezes por motivos os mais fúteis. Observa-se que individuos que 
no estado pliysiologico tinhão sentimentos nobres, e bons instinctos, 
no estado pathologico estes são metamorphoseados. 
Se até agora a sua convivência ainda era agradavel agora é 35 
nociva e difficil cie se suportar; tornão-se máos, constantemente 
propensos a prejudicar, contrariar, desdenhar, zombar e mesmo 
fazer mal. 
Sua linguagem que até então era a expressão de um senti- 
mento de agraclabilidade e de delicadeza, agora reflecte as dispo- 
sições novas de seu caracter; suas respostas são ordinariamente 
offensivas e espirituosas; tornão-se satyricos; aproveitão-se das 
faltas e dos defeitos dos que os rodeião para lançar-lhes em rosto 
revestindo suas phrases de palavras jocosas e picantes. 
Os excessos venereos vem geralmente juntos com os excessos 
alcoolicos; atirão-se com furor á libidinagem e frequentão constan- 
temente os albergues- das mulheres prostituídas. 
Esta superexcitação do instincto sexual não se observa igual- 
mente em todos os individuos; assim em uns ha uma grande 
predilecção para vestir-se elegantemente, tem certos galanteios, 
olhares amorosos, gestos significativos, etc.; em outros a excitação 
erótica toma um caracter inais serio. Os homens s<5 procurão con- 
versações obscenas, traduzem para a immoralidade as palavras e 
gestos mais simples e innocentes. Se estão em liberdade elles vão 
ao encalço de todas as mulheres que lhes cahem debaixo das 
vistas com o intuito de satisfazer seus brutaes desejos. Quando 
não procurão mulheres ou as não aclião entregão-se desenfreada- 
mente ao onanismo. 
Nas mulheres esta excitação varia de intensidade desde o 
simples galanteio até a prostituição a mais abjecta. 
Quando as idéas eróticas ainda não têm attingido ao gráo de 
lubricidade, observa-se apenas certos desejos de casar e projectos 
inherentes ao matrimonio; idéa que constantemente as preoccupa e 
é o seu assumpto predilecto de conversação, e de suas dissertações 
quando são escriptoras ou poetisas. 
Quando esta excitação tem attingido a um gráo mais adian- 
tado ellas perdem o recato e o pudor; lanção olhares provoca- 
dores, tem uma linguagem obscena, tomão posições lascivas, ati- 
rão-se aos braços do primeiro homem que encontrão ou entregão-se 
a uma phrenetica masturbação. 36 
Baillarger considera esta superexcitação genesica como devida 
a uma especie de reacção depois de um longo período de entorpe- 
cimento dos orgãos genitaes. 
O professor Westphal de Berlim descreve um delirio muito 
curioso sob a denominação de die croutare sezualempfinduny, isto é, 
attração dos dois sexos semelhantes ou instincto sexual invertido. 
Considera este estado psyehopathico como uma perversão con- 
génita do instincto sexual; que uma mulher nestas condições é 
physieamente mulher mas psychicamente homem, que o homem, 
ao contrario, 6 physieamente homem e psychicamente mulher. 
Também observa-se o homem procurar indivíduos de seu 
proprio sexo, como a mulher abandonando o homem procurar as 
suas semelhantes para realizar os prazeres sexuaes. Vimos no 
hospício de D. Pedro II dois irmãos com estes dois diíferentes 
estados psycophaticos. 
O mais moço queixava-se que estava no hospício por ter tido 
relações illicitas com seus companheiros de trabalho. 
O mais velho foi por diversas vezes arredado pelos criados 
do hospício quando elle já ameaçava a seus companheiros de in- 
fortúnio a servir-lhes de padecentes. 
A parte impulsiva do nosso ser também participa da super- 
excitação geral de todas faculdades, diz Júlio Falret. 
Pela simples observância de seus actos, mais do que pelos 
seus discursos, nota-se que nelles se manifestão perturbações intel- 
lectuaes e moraes. Entregão-se aos movimentos os mais violentos 
e não conhecem obstáculos no momento de maior excitação. Tor- 
não-se perigosos praticando os actos mais arrojados. 
Outras vezes tornão-se apenas incoercíveis e impossíveis de se 
dirigirem por causa da desordem de sua conducta. 
O período de excitação, muitas vezes, toma proporções mais 
consideráveis do que temos enunciado até aqui, constituindo 
o que os auctores denominão agitação maníaca com incoherencia. 
Observa-se, então, nestes doentes o delirio maniaco, que pode ir 
augmentando progressivamente até chegar aos limites do furor; 
que as idéas e os discursos também augmentão; que o delirio e 37 
a incoherencia se patenteão. Outras vezes, o que é mais raro, o 
período de excitação consiste em um verdadeiro accesso de mania 
aguda. Vivem numa agitação continua dia e noite durante muitas 
semanas e mesmo mezes. Com os cabellos esparsos e as vestes 
em desordem elles gritão, cantão, dansão, rasgão as vestes, que- 
brão a mobília, os vidros, despem-se, tirão os sapatos e andão 
descalços, etc. Possuem idéas as mais desbaratadas, tomão o homem 
por Deus ou pelo diabo, as mulheres pela Virgem Sancta, etc. 
Não conhecem os amigos nem mesmo os membros de sua familia. 
Não pára ahi o periodo da excitação da loucura em dupla 
forma, elle attinge o seu mais alto gráo e constitue a mania 
com delírio de grandeza. Nestas condições tudo lhe parece favo- 
rável ; estão cheios de si mesmo; são fátuos; capazes das maiores 
façanhas; dizem-se músicos, poetas, etc., sem nada terem apren- 
dido, nem feito. Outros são deputados, senadores, ministros, têm 
idéas de dotar seu paiz de grandes trabalhos, obras gigantescas, 
etc. Emfim muitos acreditão-se reis, imperadores, príncipes de 
sangue, presidentes de republica. E mesmo muito conunum ver 
doentes acreditarem que mudarão de sexo, de condição e de per- 
sonalidade. Na casa de Saude de S. Sebastião pertencente ao 
nosso distincto professor de psychiatria o Dr. Teixeira Brandão, 
observamos um infeliz moço, que comnosco havia cursado os pri- 
meiros annos desta Faculdade, que sendo depois aífectado desta 
moléstia, apresentou no auge do periodo de excitação o delirio de 
grandeza. .Julgou-se a principio um dos grandes do paiz e depois 
dizia-se Gambetta. 
Estes symptomas muito se confundem com a variedade ex- 
pansiva da paralysia geral, principalinente reunidos aos symptomas 
physicos como adiante veremos. 
Neste gráo do periodo de excitação ha ligeiros 'phenomenos 
congestivos com embaraço de palavra, desigualdade pupillar e mesmo 
ataques epileptiformes. São factos de grande importância e que 
nos podem levar a um erro no diagnostico. 
Aspecto exterior. — No periodo de excitação o modo de ves- 
tir-se merece grande importância, Achilles Foville, J. Falret, Ritti 38 
e outros fizerão notar que pela simples inspecção do alienista em 
um hospício de alienados, póde-se distinguir o doente afíectado d’esta 
entidade mórbida no meio de seus companheiros de infortúnio. 
Ha em seu modo de vestir um conjuncto de caracteres taes, que 
os distingue de qualquer doente afíectado de um delirio maniaco 
mais ou menos intenso de qualquer outra moléstia. 
Singularisão-se em cada um de seus actos. Em sua maneira 
de andar e fallar, de apresentar-se, em sua posição, em sua acti- 
vidade, etc., ha um quid especial que muitas vezes leva o obser- 
vador exercitado a diagnosticar mesmo a distancia. O que sobretudo 
nos atrahe a áttenção é o seu modo especial de vestir-se. Este facto 
tem chamado a attenção de todos os alienistas que têm tractado 
d’este assumpto e entre elles Foville que assim se exprime: 
(( A maior parte das vezes só o seu vestuário basta para 
fazer julgar as desordens de seu espirito. As mulheres vestem-se 
de uma maneira resplandescente que descorda de sua posição e 
sua idade. Outras vezes cobrem-se de trapos ridículos; vestem 
as saias sobre os vestidos; tirão e tornão a calçar constante- 
mente as botinas e as meias; arranjão e desarranjão os cabellos; 
descosem suas vestes para as retalhar, ajuntando a semelhança 
de ornamentos, ouropéis os mais vulgares, de maneira que au- 
gmentão por um lado e diminuem pelo outro. Os homens virão 
suas vestes, arregação as mangas e as calças, arrancão os botões 
e muitas vezes cortão em pequenos pedaços suas melhores ves- 
timentas ». 
Para completar este quadro basta transcrevermos o que diz 
Júlio Falret em seu artigo sobre loucura em dupla fórma, publi- 
cado no Novo diceionario de medicina: 
« Nos asylos modernos hoje tão regularmente administrados 
no ponto de vista da uniformidade do vestuário dos alienados, os 
doentes que se achão no período de excitação da loucura circular, 
são talvez os únicos que sabem conservar a esquesitice e a sin- 
gularidade do trajo que outrora caracterisavão todos os habitantes 
dos asylos dos alienados, que lhe erão como que a insígnia e a 
manifestação exterior a mais saliente da loucura ». 39 
Ititti accrescenta que estes doentes também têm o habito de 
amassar e quebrar tudo quanto lhe cahe nas mãos : os andrajos, 
os pedaços de papel, de madeira, crostas de pão, fragmentos de 
ossos, etc., etc., e enchem com estes pedaços todos os bolços e 
as gavetas de seu aposento. Alguns os ajuntão para colleccionar; 
outros ao contrario servem-se d’elles e com tal arte que chegão 
a fabricar objectos os mais engenhosos, porém sempre esquisitos. 
Symptomas physicos. — Os symptomas physicos no período de 
excitação, assim como no de depressão, correspondem exactamente 
aos phenomenos de ordem moral e intellectual; havendo portanto 
uma superexcitação geral de todas as funcções. 
Se passarmos em revista cada uma das funcções do organismo 
no periodo de excitação, e confrontarmos com o que se passa no 
período de depressão, veremos que entre elles um contraste enorme 
tem logar. 
No periodo de excitação elles possuem um sentimento geral 
de bem estar; um verdadeiro excesso de saude; constante neces- 
sidade de movimento muscular sem sentimento de fadiga e fraqueza 
geral apezar de sua constante mobilidade, e gasto considerável 
das forças; ausência completa das sensações dolorosas; insomnia 
habitual e quando dormem o somno é curto, ligeiro e constante- 
mente interrompido. O apetite é muito augmentado provocado 
talvez pelo auginento de actividade das funcções digestivas e das 
funcções nutritivas. Tornão-se vorazes, insaciáveis e tudo quanto 
se lhes dá é pouco; engordão muito rapidamente. 
A circulação e a respiração se accelerão; o pulso attinge 
muitas vezes a 120 pulsações por minuto. 
As funcções genitaes, quer no homem quer na mulher, .são 
igualmente superexcitadas. Ha phenomenos congestivos para a 
cabeça que se assemelhão com os da paralysia geral em começo. 
São estes os symptomas physicos que habitualmente acompanhão 
o periodo de excitação da loucura em dupla forma. 
Intervallo periodico e intervallo lúcido 
N’este capitulo tractaremos não só da passagem de um pe~ 40 
riodo a outro, do elo que une os dois períodos para formar o 
accesso, que se deve denominar intervallo periodico; mas também 
do intervallo lúcido de Falret, isto é, o estado de equilibrio da 
razão o mais perfeito possível entre o período melaneolico e a 
volta do periodo de excitação. Completando assim, para este 
auctor, um verdadeiro circulo de diflferentes estados, cuja marcha 
circular não interrompida constitue o caracter fundamental d’esta 
variedade de loucura. 
Intervallo periodico.—A passagem de um periodo a outro 
não se effectua de um modo fixo e invariável em todos os casos; 
ella pode ter logar segundo tres differentes cathegorias. 
/ 
I.a Transição lenta.—E esta de todas a mais frequente, e 
geralmente se observa nos casos em que o periodo se prolonga 
cinco, seis e mais mezes. O periodo subsequente é annunciado 
pela diminuição paulatina do periodo precedente. 
Para bem explicarmos esta passagem, supponhamos um indi- 
víduo no auge do periodo de excitação ou em um gráo mais ou 
menos elevado, segundo os casos e que tende a passar para o 
periodo de depressão. Observa-se que o estado maníaco começa 
de novo a abaixar-se pouco a pouco; que o cortejo de symptomas 
que constituía este periodo diminue e tende a extinguir-se. 
Torna-se menos violento em seus actos, em suas palavras, falia 
menos, não destróe os objeetos que lhe cahem nas mãos, tem appa- 
rencias de razão e aprecia mais sensatamente todas as cousas do 
mundo exterior, mas ainda não está no seu estado physiologico. 
Já faz projectos realizáveis, mas que ainda não estão de accordo 
com seu estado actual, nem com seus hábitos exteriores; não 
aprecia convenientemente nem o seu estado de excitação actual, 
nem a sua moléstia anterior; tem ainda movimentos activos e vo- 
lubilidade em suas palavras. Finalmente todo o cortejo de sym- 
ptomas do periodo de excitação está diminuído e quasi abolido ; 
mas seus últimos raios ainda oífuscão o estado physiologico. 
Se em vez do periodo de excitação é o periodo de depressão 
que se acha aífectado o doente de nossa observação, a diminuição 
se faz igualmente de um modo paulatino. Se o doente se acha 41 
no mais alto gráo de estupôr, o encontramos sentado, inerte, ca- 
bisbaixo, delineando-se em seu rosto os traços la agonia; repel- 
lindo todo e qualquer alimento, sendo muitas vezes necessário 
alimental-o por meio da sonda oesophagiana, e ast im permanece 
semanas e mezes. Depois como que um fio de luz começa a 
atravessar as trévas que lhe envolvia o cerebro e a sahir 
do torpor em que estava emergido. Começa então a prestar 
attenção com certo interesse no que se lhe diz, e responde ás 
perguntas. Já veste-se, come, e anda com certa lentidão caracte- 
ristica. Esta diminuição vae caminhando rapidamente de dia para 
dia até o estado physiologico. Decorrido algum tempo o pratico 
é surprehendido por ver o doente dirigir-lhe a palavra, pedir-lhe 
para sahir,"para escrever aos seus, etc. Finalmente Aaquelle homem 
que ainda a pouco era o typo do entorpecimento operoa-se uma 
metamorphose completa, transformando-o em um ente aetivo e 
intelligente. 
Em ambos os casos nesta passagem o indivíduo fica como 
em um estado de calmaria, em uma especie de equilibrio da razão, 
comparável, segundo J. Folret, á calma passageira do mar entre 
a maré que sóbe e a maré que desce. 
Esta calma é ephemera, apenas veem-se desapparecer os últimos 
raios do periodo de excitação, quando já se deleneião os primeiros 
traços do periodo melancólico. A sua passagem é tão sensivel como 
a do dia para a noite e vice-versa. Aqui, como na natureza, vê-se 
as sombras da noite offuscar os últimos frouxos raios do dia e a, 
claridade se transformar em trévas; ou os primeiros raios do dia vão 
pouco a pouco afiastando as negras trévas da noite. N’estes casos 
é excessivamente difficil, senão impossível, marcar um momento 
em que se possa dizer que o individuo está no seu estado normal. 
Esta calma enganadora que enche de contentamento áquelles 
que lhe são caros não é mais do que a bonança que em breve 
será substituída pela procella. Assim como a moléstia foi diminuindo 
progressivamente até o estado actual, assim também os symptomas 
do periodo seguinte começam a manifestar-se e vão augmentando 
progressivamente até a sua declaração franca. 42 
%.a Transição brusca. — Este modo de transição geralmente se 
efíeeua durante a noite e de um modo repentino. O individuo deita-se 
no periodo de excitação e acorda no de depressão e vice-versa, 
sem que haja verdadeira transição. 
3.a Transição por oscillaçoes. — Ha uma verdadeira oscillação 
entre a mania e a melancolia de modo que o doente ora apresenta-se 
maníaco ora melancólico ; como muito bem diz Ritti é semelhante 
aos últimos clarões de uma luz que se apaga. Depois de muitas 
oscillaçoes o periodo melancólico se estabelece deffinitivamente e de 
uma maneira continua durante muito tempo. Este modo de tran- 
sição é de todos o mais raro. 
Em todos estes casos não ha como vemos um verdadeiro periodo 
intercallar; a mania e a melancolia se succedem sem que seja pos- 
sivel observar n’este elo que as une um verdadeiro intervallo lúcido. 
Intervallo lúcido. — É o estado de equilíbrio de razão o mais 
perfeito possível entre a melancolia e a volta da excitação, diz 
Falret. E este o ponto de divergência que dividio os alienistas em 
dois campos distinctos. 
De um lado encontramos Baillarger a frente de seus partidários 
entre os quaes destacão-se Geoffroy seu discípulo, Ritti e outros. 
De outro lado Falret pae, acompanhado de seu filho e fiel interprete 
Julio Falret, Ludwig Meyer alienista allemão e outros. 
Para Falret pae e seus partidários que denominão a moléstia 
de loucura circular, ella é constituída por tres períodos, o de excitação, 
o de depressão e o intervallo lúcido; formando como que um ver 
dadeiro circulo no qual o padecente durante toda a sua exis- 
tência. O intervallo lúcido faz portanto parte da moléstia. 
Para Baillarger e seus partidários, que denominão a moléstia 
de loucura em dupla fôrma, o intervallo lúcido não é considerado 
como um periodo. Neste intervallo o individuo se acha de saúde 
perfeita, no seu estado normal; e portanto não pode ser conside- 
rado no cyclo de phenomenos pathalogicos. Seria constituir da 
saude uma phase da moléstia. 
Não ha portanto um verdadeiro circulo como querem os par- 
tidários de Falret, a moléstia é por assim dizer constituída por 43 
accessos de dupla fórma. Para haver o circulo imaginado por aquelles 
alienistas era necessário que n’este intervallo o individuo se achasse 
debaixo da influencia desta entidade mórbida, posto que diminuída; 
assim representar o elo entre os dois accessos e constituir o cir- 
culo morbido; mas n’este intervallo elle se acha de perfeita saude, 
em seu completo estado e portanto não póde servir 
de cadeia para unir dois estados pathologicos, e formar o circulo 
em torno do qual deveria girar o doente. 
Para nós, portanto, que seguimos a opinião de Baillarger a 
a moléstia é constituída por accessos de dupla fórma, separados 
por um intervallo lúcido. Todos os alienistas estão de acordo na 
existência deste intervallo lúcido. 
Os partidários de Baillarger, e entre elles o Dr. Ritti em sua 
obra publicada este anno, fazem uma pequena injustiça ao seu 
antagonista J. Falret em relação ao modo de interpretação do 
intervallo lúcido. Elles dizem que este alienista admittia o inter- 
vallo lúcido, (como terceira phase) entre os dois períodos destruindo 
assim a homogeneidade mórbida dos accessos. Julgamos que J. 
Falret não colloca este intervallo entre os períodos, isto é não se 
refere ao intervallo periodico dando-lhe um caracter de lucidez; 
para elle, como para todos os alienistas, este intervallo é insignifi- 
cante e o individuo continua debaixo da entidade mórbida ; havendo 
apenas mudança na fórma da loucura, mudança tão incensivel como 
a do dia para a noite. 
Elle colloca este intervallo entre os accessos como provamos 
com suas próprias palavras : « une troisième pêriode ou pêriode d'in- 
tervalle lucide entre la mélancolie et le retour de Vexcitation. » Ora dizer 
que este intervallo é collocado entre a melancolia e a volta da exci- 
tação é dizer que depois do accesso veio o intervallo lúcido. Se- 
gundo Ritti esta moléstia é constituída do modo seguinte por Falret; 
mania, intervallo, melancolia, intervallo, mania, intervallo, etc., etc. 
Mas pelas palavras deste alienista acima referidas elle como todos 
os alienistas considerão a moléstia constituída do modo seguinte : 
Mania — melancolia (accesso.) 
Intervallo lúcido. 44 
Mania — melancolia (accesso.) 
Intervallo lúcido, etc., etc. 
A unica differença que, para nós, existe entre estas duas 
opiniões é que: uns considerão este intervallo fazendo parte da 
moléstia servindo de cadeia de união do circulo; os outros consi- 
derão como um estado inteiramente physiologico e independente da 
moléstia. D’onde concluímos que a loucura circular e a loucura em 
dupla fórma é uma mesma entidade mórbida. 
Marcha da loucura em dupla forma 
A loucura em dupla fórma ínanifesla-se em sua vietima logo 
nc período da puberdade, quando a intelligencia ainda a vida de 
conhecimentos começa a desabrochar ; n’esta epocha em que para 
os [ aes, os filhos são as únicas delicias de sua vida, o vinculo que 
mais estreita o amor conjugal. 
Na maioria dos casos esta entidade mórbida, que é essen- 
cialmente constitucional e hereditária, manifesta-se sem causas occa- 
sionaes apreciáveis, e se alguma causa existe é tão insignificante 
que no <so espirito vacilla em aceitai-a como tal. 
Em um periodo mais adiantado da vida ella manifesta-se, 
algumas vezes, precedida de uma causa que parece estar em relação 
com a origem da affecção ; como depois de um parto, de uma queda 
sobre a cabeça, de um traumatismo qualquer, de uma causa moral 
emfim. Se formos, porém, indagar de seus paes, parentes, e com- 
panheiros de infancia a historia do doente desde sua puberdade, 
veremos que a moléstia tem acompanhado sua vietima, posto que 
moderadamente, em toda a senda de sua vida. 
Porque periodo começa a moléstia, pelo melancólico ou pelo 
maníaco ? 
Eis um ponto de interrogação que sé aos mestres compete 
decidir. Emquanto a nós inexperientes marinheiros que agora en- 
tramos neste mar encapellado da vida medica, aquem a practica 
ainda não confirmou o que a theoria nos lega; limitamo-nos a dizer 45 
que das numerosas observações citadas por Falret, Geolfray, 
Baillarger e outros deprehendemos que a moléstia começa, na maioria 
dos casos, pelo periodo melancólico. Gueslin é tão enthusiasta por 
esta opinião que acredita ser este o começo de todas as moléstias 
mentaes em geral. O nosso enthusiasmo não chega a este ponto, 
porquanto vimos pelas observações que lemos, em muitos casos 
a moléstia começar pelo periodo maniaco. 
Em muitos casos antes da moléstia tomar seu caracter acen- 
tuado, apresenta muitos accessos melancólicos ou muitos aecessos 
maníacos separados uns dos outros por entervallo lúcido. 
Começada a moléstia geralmente por um periodo melancólico 
mais ou menos longo, os períodos são idênticos nos accessos subse- 
quentes, mesmo quando ha longos intervallos lúcidos. 
Grãos do accesso. — Todos os auetores estão de acordo em 
admittir dois gráos na loucura em dupla fórma, destinguindo-se 
um do outro pela presença ou ausência de contracções delirantes. 
Estado melancólico. 
Simples exaltação mental. 
l.° Accesso no l.° gráo 
2.° Accesso no 2.° gráo 
Melancolia com delírio, estupor, etc. 
Mania aguda, concepções delirantes, ctc. 
Os indivíduos affectados uo primeiro gráo da loucura em 
dupla fórma não se encontrão nos hospícios e nos asylos dos alie- 
nados ; achão-se exparsos na sociedade, occnpando muitas vezes 
importantes empregos de onde depende o futuro de muitas fa- 
mílias e mesmo de uma sociedade inteira. 
Não lia quem, examinando a sociedade em que vive, não en- 
contre estes loucos lúcidos, isto é, indivíduos que apresentão todas 
as particularidades do primeiro gráo de loucura. 
No primeiro periodo de excitação apenas parecem ter mudado 
de caraoter e adquirido momentaneamente uma actividade desacos- 
tumada ; são mais alegres, mais joviaes, escrevem cartas, fazem 
visitas, emprehendem negocios novos, tornão-se loquazes e espiri- 
tuosos, estão em movimento continuo, etc., etc. 
Quem não o conhecer e portanto não o observou anterior- 
mente não pode julgar seu verdadeiro estado mental; ao observador 46 
intelligente e aos membros da família este estado não pode escapar. 
Depois este periodo vai-se tornando cada vez mais saliente e chega 
a um certo gráo de intensidade; em seguida diminue e começa, 
então, a manifestar-se os primeiros raios do periodo de depressão 
que sendo inteiramente diverso, o indivíduo já não nos parece o 
mesmo : seu caracter tem mudado-se completamente e elle torna-se 
sedentário, pouco communicativo, quasi silencioso, cessa de sahir, 
de fazer visitas, de escrever cartas, foge do mundo e procura a 
solidão e o isolamento, apenas responde ao que se lhe pergunta, 
queixa-se de um mal geral, falta de appetite, anciedade precordial, 
está triste, julga-se infeliz, etc., etc. Cria, então, desgosto pela 
vida, alimenta se mal, encerra-se no quarto durante dias e mesmo 
mezes. 
Entretanto não ha delírio nem acção alguma que especialmente 
chame a attenção da familia, apenas o julgão de máo humor, longe 
de pensarem que a moléstia já começa a cavar a ruina d’aquella 
vida. 
O publico, que apenas o vê quando o periodo de excitação 
tem voltado, e portanto como o conhecerão anteriormente, que não 
o vio mergulhados em profunda tristeza, encerrado em seu quarto 
de angustias, não pode avaliar o estado mental do indivíduo. 
O Dr. Ritti apresenta mais dois gráos tão frequentes como 
os dois precedentes, e que não são mais do que variações do accesso 
no primeiro gráo. São as duas seguintes formas : 
Simples exaltação mental. 
Melancolia anciosa com es- 
tupor. 
l.° Accesso da loucura em dupla forma 
2.° Accesso da loucura em dupla forma 
Mania aguda. 
Simples exaltação melan- 
cólica. 
Nem sempre o simples estado melancólico é seguido de uma 
simples exaltação mental como dissemos acima. Póde acontecer, 
como fez notar Ritti, nestas duas formas, ou haver a simples exal- 
tação mental, mas no estado de depressão apresentar-se a melan- 
colia anciosa ou com concepções delirantes de natureza diversa e 47 
mesmo melancolia com estupor; ou haver o simples estado melan- 
cólico seguido de uma agitação maniaca violenta com delirio. 
Duração do accesso. — É excessivamente variavel a duração 
de cada periodo nos accessos da loucura em dupla férina, quer em 
um mesmo doente, quer em doentes diíFerentes. A duração de 
cada phase póde estender-se desde um dia até um anuo e mais; 
sendo, porém, mais commum de quinze dias. 
Tractando da duração de um accesso em relação ao seguinte, 
Baillarger diz que ella é tanto mais igual quanto os accessos são 
mais curtos; e que esta igualdade não se observa nos accessos 
longos. Esta desigualdade não deve ser considerada de um modo 
absoluto, porquanto, como diz Falret, apezar destas variações no 
gráo de intensidade dos diíFerentes accessos a lei geral subsiste e 
na immensa maioria dos casos os accessos da loucura circular se 
reproduzem durante toda a vida do mesmo individuo com uma 
uniformidade verdadeiramente surprehendente que merece a attenção 
dos observadores. O Dr. Ritti ensaiou grupar estes factos debaixo 
de duas grandes cathegorias. 
Uma questão que ha longos annos tem attrahido a attenção 
dos observadores e da qual não ha solução deffinitiva, é se existe 
alguma relação entre a epocha da reprodução dos accessos e as 
estações do anno ou com certas condições atmosphericas. Ha muitos 
casos citados por diíFerentes auctores, de doentes aíFectados de 
melancolia no inverno e mania no estio; mas se esta relação existe 
em uns, não se produz em todos. 
Tem-se mesmo observado individuos que durante muitos annos 
forão aíFectados do periodo de excitação no estio e mais tarde 
apresentou-se no inverno. 
Baillarger, estudando a marcha e o encadiamento dos accessos 
desta aíFecção, classificou-os em cinco cathegorias : 
« Primeira cathegoria. — Comprehende os accessos isolados, quer 
o doente tenha tido um ou mais accessos separados por longos in- 
tervallos e provocados por novas causas. 
(c Segunda cathegoria. — Comprehende os accessos, tanto longos 
como curtos que se reproduzem de uma maneira intermittente 48 
porem irregular. O doente tem oito, dez, doze aceessos em inter- 
vallo de um a seis mezes e mesmo de um e dois annos sem que 
causa alguma possa explicar a apparição. 
« Terceira cathegoria. — Oomprehende a loucura em dupla fôrma 
periódica; a duração das intermittencias é regular, porém muito 
variavel segundo os casos ; em certos casos ella é de quinze dias 
em outros de seis mezes, etc., etc. 
« Quarta cathegoria. — Comprehende os aceessos que se suc- 
cedem sem interrupção, mas cuja duraçTo é quando muito de 
alguns mezes. Estes factos podião fazer parte da loucura circular 
mas d’ella são excluidos por um dos caracteres principaes ; fallo 
das intermittencias. Aqui a transição é tão brusca, tão rapida, que 
não nos resta duvida alguma. Os periodos e os aceessos se suc- 
cedern sem interrupção. 
« Quinta cathegoria. — Comprehende os aceessos de longa du- 
ração que se succedem sem interrupção e sem intermittencia. 
« A passagem de um periodo a outro e de um accesso a outro 
se faz de uma maneira lenta e gradual, podendo-se mesmo em 
certo momento acreditar que o doente está de saúde perfeita. 
« Não penso que esta volta seja completa e que haja mesmo 
curta intermittencia. 
Esta classificação foi modificada por Marce e pelo Dr. Ritti, 
que a dividio em tres typos : 
1. Loucura em dupla fôrma, typo periodico e aceessos isolados, 
2. Loucura em dupla fôrma, periódica com aceessos combinados. 
3. Loucura em dupla fôrma com tgpo continuo ou circular. 
Modos de terminação. — A loucura em dupla forma pode 
terminar-se de differentes maneiras : 
1. Pela cura, o que é excessivamente raro. 
2. Pela chronicidade, c mais tarde a demeneia. 
3. Pela transformação em uma outra fôrma de moléstia mental. 
4. Pela morte. 
l.° Pela cura. — São tão poucos os casos citados de cura que 
nos parece antes que estes infelizes não forão realmente curados, 49 
mas sim que deixados em um intervallo lúcido mais ou menos 
longo desapparecerão das vistas de seu observador, que depois não 
foi conhecedor de sua recàhida. Comtudo alguns auctores affirmão 
que ella pode ter lugar, ou por meio de crises, ou por meio de 
um tratamento conveniente, na loucura verdadeiramente periódica; 
mas tanto em um como em outro caso, repetimos, é infelizmente, 
muito raro. 
Emfim, a cura pode ter lugar, diz Greoffroy, em virtude uni- 
camente das forças da natureza ; nestes casos os periodos conservão 
a mesma duração e vão apresentando menos intensidade. 
2. Terminação pela chronicidade e mais tarde a demencia. — 
Desde que a moléstia tem chegado ao estado chronico, termina-se 
geralmente pela demencia e pela estupidez ; os intervallos lúcidos 
se assignalão por uma fraqueza intellectual mais ou menos pro- 
nunciada e são ás vezes tão diminuídos que os accessos tornão-se 
quasi contínuos. Muitas vezes, depois que o padecente já a curtio 
longos annos de sua triste existência, quando apparece o intervallo 
lúcido, elle ainda manifesta n’este interim um brilho intellectual e 
uma memcria prodigiosa; como que uma sentelha electrica atra- 
vessou as trévas de sua existência e de novo o deixou na obscu- 
ridade. 
3. Pela transformação em uma outra moléstia mental. — Esta 
entidade mórbida péde terminar pela mania ou pela melancolia 
simples ; nestes casos os periodos são longos e um d’elles principia 
a augmentar de intensidade até predominar o outro. Pode-se sup- 
primir ou prevenir um dos periodos por meio de um tratamento 
apropriado, transformando nestes casos a moléstia em uma loucura 
simples com accessos mais ou menos periódicos ; foi o que alcançou 
Baillarger • em uma menina, por meio de sangrias repetidas. 
4. Terminação pela morte. — Quando a moléstia termina pela 
morte, ella sobrevem apresentando as particularidades próprias do 
período que a acarretou ; a mania ou a melancolia. 
Finalmente, a morte pode ter lugar pelo suicídio quando para 
este fim são levados estes desgraçados pelo delirio melancólico. DIAGNOSTICO 
0 medico alienista, para chegar ao diagnostico de uma loucura 
em dupla forma, assim como de qualquer outra moléstia mental, 
vê-se circumdado de innumeras difficuldades. 
Se na clinica cirúrgica ou na clinica medica, os membros da 
familia e o proprio doente anciosos procurão transmittir ao pratico 
a historia de sua moléstia, fornecendo-lhe todos os elementos ne- 
cessários para o diagnostico; na das moléstias mentaes o alienista 
vê-se em condicções inteiramente oppostas. Não só os membros da 
familia não lhes fornecem cabalmente a historia do doente, ou por 
falta de observação ou por qualquer causa que diz respeito ao 
amor proprio, como também é impossível colher do proprio doente 
a historia de sua moléstia. Tal é a critica posição de um alienista, 
perante um alienado. 
E entretanto de grande utilidade o diagnostico certo desta 
vesania; quer debaixo do ponto de vista de podermos diminuir 
ou mesmo supprimir um dos períodos por meio de um tratamento 
apropriado, quer attendendo que esta variedade de loucura não 
exclue a transformação da mania em melancolia e reciprocamente, 
sem contudo constituir a loucura em dupla forma. 
Esta certeza do diagnostico logo no primeiro periodo é im- 
psssivel; porquanto ainda não temos elementos clínicos precisos, 
nem symptoma algum patliognomonico que a elle nos guie. 
As consequências desta difíiculdade são entretanto fataes para 
o doente e para o medico. Para o doente porque não teve a feli- 
cidade de ser prevenido o accesso subsequente. Para o medico, 52 
porque teve a decepção de ver de.novo entrar um doente a quem 
já tinha dado alta como restabelecido. Quantas vezes no fim do 
período de depressão ou excitação, o alienista, que considerou o 
seu doente apenas affectado de uma simples mania ou melancolia, 
que o vio chegar a esta especie de equilíbrio mental parecendo 
entrar em convalescência, e que depois entregou aos lares domes- 
ticos como completamente curado, tem a decepção de o ver de 
novo entrar debaixo da influencia do periodo de excitação ? 
Deste erro têm sido victimas eminentes alienistas, e entre 
elles Krafft-Ebing, e Baillarger que francamente confessa ter-se 
enganado por duas vezes. Em uma d’ellas tratava-se de uma moça 
que elle considerava completamente curada, e deu-lhe alta; quando 
logo depois o periodo de excitação começou, sendo reconduzida 
furiosa para o azylo que a pouco havia deixado. 
O momento de transicção de um periodo a outro, pode em 
grande numero de casos ser percebido pelo alienista, ou ser-lhe 
communicado pelo proprio doente. O alienado é então avisado da 
transição de um periodo a outro, por symptomas quasi sempre 
meramente physicos. Marce cita casos em que esta passagem era 
annunciada por digestões difficeis, embaraços gástricos e diarrhéa. 
Baillarger refere casos de apparecimento de herpes labial na pas- 
sagem de um para outro periodo. Ritti cita a historia de um 
doente que nos últimos dias do periodo de depressão apresentava 
uma verdadeira fome canina, comia quantidades extraordinárias de 
pão, carne, os alimentos de seus companheiros, e ia muitas vezes 
ao lixo apanhar os restos da refeição. Este mesmo auctor ainda 
cita duas observações muito interessantes. Em uma era uma doente 
que sentia, antes do periodo, insomnia e pedia que lhe dessem um 
remedio para fazer dormir, esperando por este meio escapar da 
agitação que ella tanto temia. Na outra trata-se de um doente que 
chegando ao declínio do periodo de excitação era apoderado de 
grande terror, por saber que ia cahir na tristeza, lutava com todas 
as suas forças para vencel-a, e para isto implorava a todos o seu 
auxilio, mas no fim de alguns dias era vencido pelo mal e * cahia 
em profundo estupor. 53 
0 único symptoma que até certo ponto póde servir de elemento 
principal para caracterisar a moléstia é a successão regular dos 
periodos ; quer a moléstia comece pela mania, quer pela melancolia, 
voltando sempre na mesma epocha, na mesma estação, sem inter- 
vallo lúcido apreciável entre os dous periodos. 
Ainda assim póde-se confundir com a loucura intermittente ou 
com a loucura remittente. 
No primeiro caso ha a mesma regularidade nos accessos, mas 
estes são separados por um intervallo lúcido completo, e os 
symptomas varião um pouco em suas manifestações successivas. 
No segundo não ha regularidade nos accessos, quer em sua 
duração quer em sua. intensidade. 
A loucura em dupla fórma póde ainda confundir-se com outras 
vesanias que apresentão signaes muito semelhantes. 
Julio Falret apresenta como um elemento excellente de 
diagnostico, verificar se o doente enche os bolsos de papeis, pe- 
daços de madeira, ornatos, etc., etc. Este symptoma é para elle 
de tanta importância que basta revistar o doente, para sem mais 
nenhuma pesquiza anterior chegar-se ao diagnostico da afíecção. 
Logo no começo da moléstia é impossivel fazer-se o diagnostico 
preciso da moléstia, quer ella comece pela mania, quer pela melan- 
colia. A phase melancólica sabemos que póde manifestar-se debaixo 
de differentes formas: ou consistir em uma simples melancolia sem 
delirio; ou com delirio melancólico apresentando idéas anciosas ; ou 
emfim com um gráo mais profundo de estupor. 
O primeiro caso quasi sempre se observa na loucura em dupla 
fórma e raramente fora desta moléstia; nos dois últimos casos 
encontrão-se em outras aífecções mentaes sem symptomas patho- 
gnomonicos que as distinga. 
Quando a moléstia começa pela phase maniaca, notamos igual- 
mente desde a simples exaltação das faculdades moraes e intel- 
lectuaes até á mania aguda propriamente dita, uma grande varie- 
dade de formas, que podem ser confundidas com outras fôrmas 
de alienação mental e que difficilmente se distinguem d’ella. A 54 
simples exaltação é mais commuménte observada na loucura em 
dupla fórma. 
Falret tratando das vesanias que apresentão signaes muito 
semelhantes aos da loucura em dupla fórma assim se exprime: 
« Na mania observa-se ás vezes estados melancólicos mais ou 
menos pronunciados e duráveis. Alguns maniacos apresentão antes 
da explosão da agitação um estado melancólico de uma duração 
mais ou menos variavel, ou antes de curar-se completamente, um 
periodo de prostração que provavelmente é eífeito das perdas 
nervosas excessivas. De outro lado, na alienação parcial demonstra- 
se ás vezes paroxismos maniacos, e mesmo melancolia anciosa; 
notável por uma necessidade incessante de movimento, por uma 
agitação interior que faz o desespero dos doentes, e não lhes 
permitte fixar sobre cousa alguma, estado que ás vezes chega ao 
estado maniaco. » 
A loucura em dupla fórma no seu periodo de excitação apre- 
senta grande analogia com a fórma espansiva do começo da para- 
lysia geral. Em ambas nota-se as mesmas idéas de grandeza, os 
mesmos projectos ambiciosos, a mesma actividade febril. No pe- 
riodo dè excitação da loucura em dupla fórma observa-se muitas 
vezes accidentes congestivos, ataques cpileptiformes, embaraços da 
palavra, etc., etc. Nestes casos em que é muito difficil a resolução 
do problema, deveremos bem observar os symptomas physicos e o 
delirio, o que ainda não será sufíiciente para nos affastar do erro. 
Os signaes physicos da paralysia geral que se encontrão no 
periodo de excitação da loucura em dupla fórma são principalmcnte 
as perturbações da palavra e a desigualdade das pupillas. 
Na paralysia geral estes symptomas são continuos, persistentes 
ou repetem-se muitas vezes. Na loucura em dupla fórma o con- 
trario tem lugar; estes symptomas são fugazes, raramente se re- 
produzem e podem ser considerados como uma excitação cerebral 
passageira. 
Os signaes intellectuaes têm grande valor para o diagnostico 
differencial, mas demandão muita attenção do observador. 
Na paralysia geral as idéas delirantes são sempre absurdas 55 
e apresentão os caracteres da demencia. Julio Falret diz que « o 
observador attento começa a notar nos doentes ausência momen- 
tânea da intelligencia e da memória, verdadeiras lacunas nas con- 
cepções, em uma palavra, traços não contestáveis da demencia 
começante, que são como que signaes caracteristicos da paralysia 
geral desde suas primeiras manifestações. » Na loucura em dupla 
fórma ha incoherencia nos discursos, passão de um assumpto a 
outro sem nexo, contradizem-se e as idéas são mui confusas, mas 
em nada se comparão com a incoherencia da demencia paralytica. 
M. Regis apresenta um elemento para o diagnostico de mais 
valor para elle, do que os signaes physicos e intellectuaes, são 
os que dizem respeito aos sentimentos manifestados pelos doentes. 
Os doentes de paralysia geral, diz elle, são bons, cordiaes, 
cheios de amenidade, etc., etc. 
Os de loucura em dupla fórma ao contrario, são perigosos, 
malignos, perversos, malévolos, impulsivos, etc., etc. De modo que 
para este auctor, estas duas moléstias se distinguem perfeitamente 
debaixo do ponto de vista moral. Estes symptomas associados aos 
physicos e moraes podem concorrer para o diagnostico diíferencial 
entre estas duas vesanias; mas devemos notar que muitas vezes 
o paralytico geral não é bom, cordial, cheio de amenidade, etc., etc., 
como o descreve M. Regis, ha casos em que elles são malignos. 
Finalmente, na maioria dos casos, todós estes elementos são 
insufficientes e só a marcha da moléstia nos pode esclarecer o 
diagnostico. PROGNOSTICO 
A gravidade do prognostico na loucura em dupla fórma tem 
sido admittida como uma verdade inconcussa por todos os alienistas. 
Longos annos antes da moléstia ser descoberta, já os alie- 
nistas formavão prognostico grave quando observavão a alternancia 
da mania e da melancolia. 
Esta gravidade é tanto maior quanto reconhecermos no in- 
dividuo as condições de hereditariedade, juventude, extensão dos 
periodos e dos accessos. 
Se alguns observadores, como Dubuisson, têm observado o 
contrario, é porque elles têm em vista a transformação da mania 
em melancolia ou reciprocamente. 
Assim diz elle : « Lorsque la maladie est convertie en manie, 
la maladie est susceptible d’une heureuse terminaison; cet état 
d’excitation des fonctions cérébrales devient alors une circonstance 
favorable pour amener la guérison. » 
Anceaume, também, em sua these sobre a melancolia, diz que 
esta moléstia isolada é excessivamente grave, mas que esta gra- 
vidade é menor quando a moléstia se acha reunida a outra, ficando 
o doente em tanto melhores condições quanto a moléstia que a 
ella se reune fôr mais grave. 
Falret pae, mostra em suas Leçons cliniques que, sendo facil- 
mente curáveis estas duas moléstias tomadas isoladamente ; são 
pelo contrario de grande gravidade quando se apresentão reunidas 
para formar a loucura circular. 
O resultado de tantas tentativas pará a cura desta moléstia, 58 
tem-se resumido em alcançar-se maiores remissões, mas nunca 
grandes melhoramentos e ainda menos a cura completa. 
Segundo o Dr. Ritti ha uma grande differença a estabelecer 
em relação ao prognostico, conforme se tracta da loucura em dupla 
fórma typo periodico, ou da loucura em dupla fórma typo circular. 
No primeiro caso póde acontecer que o individuo depois de 
curado do primeiro accesso não apresente outro senão depois de 
um intervallo lúcido muito prolongado. N’estes casos quanto mais 
adiantado em idade o individuo, tanto mais curtos vão se tornando 
estes intervallos e os accessos mais longos. 
No segundo caso desde que o circulo seja estabelecido, a in- 
curabilidade é certa e apenas nos resta a esperança de minorar o 
gráo de intensidade do accesso ou supprimir um dos dous periodos. 
Em qualquer dos casos o prognostico é desfavorável e des- 
esperador. 
Ao medico, que compete nunca perder a esperança, na cabe- 
ceira do doente, mesmo quando neste apenas divise os últimos 
lampejos da vida, deve investigar todos os meios, recorrer ainda a 
esta therapeutica, muitas vezes impotente contra as leis da natu- 
reza, lançar mão de todos os meios que estiver ao seu alcance, 
para ao menos minorar os males quando a cura seja impossivel. TRATAMENTO. 
Todos os ensaios tendentes ao curativo da loucura em dupla 
fórina tem sido baldados; e perante uma therapeutica até então 
impotente baqueião os esforços médicos e torna-se cada vez mais 
grave o prognostico. 
Os alienistas têm procurado por todos os meios combater a 
moléstia ; ora tentando abrandar o mal; ora ensaiando surprehender 
o accesso, quebrando assim esta cadeia de Falret em torno da 
qual girão os infelizes doentes. 
Segundo Geoffroy o tratamento que devemos seguir é com- 
bater symptomas. E esta a praxe estabelecida e seguida por todos 
os alienistas que não fazem mais do que, com uma therapeutica 
apropriada, combater o periodo do qual é aífectado o doente. 
O ponto que mais tem preoccupado os alienistas é a volta dos 
accessos e os meios de os prevenir. Para conseguir este desideratum 
e portanto combater a moléstia têm-se empregado os anti-perio- 
dicos por excellencia, a quina e seus preparados. Assim, elles têm 
procurado prevenir um ou outro dos dous periodos, reduzindo a 
moléstia a uma loucura maniaca ou melancólica, modificando por- 
tanto as condições do doente. 
Todos estes esforços têm sido, porém, baldados, porque no 
meio de tantas tentativas a sciencia apenas registra um facto em 
que os accessos se compunhão de periodos muito curtos; e este 
facto pertence a M. Steinthal, medico de Berlim. « Era um 
homem forte, bem constituído, que havia ficado com uma mania 60 
religiosa e que durante o período de seis semanas passou por di- 
versas fôrmas : furor, demencia, estupidez, lucidez. Estes diversos 
phenomenos se reproduzirão durante muitos mezes com tal regu- 
laridade, que podia-se precisar o instante de sua apparição. A 
applicação de casca de quina com perseverança foi seguida da cura, 
que não foi desmentida por cerca de 12 annos. » O auctor esque- 
ceu-se do modo de emprego do medicamento. 
O sulfato de quinino tem sido prescripto com alguma van- 
tagem nos accessos contínuos, sendo applicado no período de 
transição ou na intermitteneia quando elles são separados por um 
ligeiro intervallo lúcido. 
E de todos os meios o pie tem sido applicado com mais 
vantagem, sobretudo n’estes dous casos. Começa-se applicando 30 
a 40 centigrammas e vae-se augmentando até duas grammas por 
dia. E este o meio que melhores resultados tem dado. 
Se o emprego do sulfato de quinina em ordem crescente até 
uma dose mais elavada tem dado resultados satisfactorios, o mesmo 
não podemos dizer de seu emprego em pequenas doses. Eis porque 
falharão as primeiras tentativas de Brierre de Boismont, que assim 
se exprime : « Em presença desta regularidade nos syinptomas, 
tivemos a idéa de administrar o sulphato de quinina algumas 
horas antes do período de depressão (transição). O doente tomou 
sem difficuldade durante muitos dias seguidos 5 a 10 centigrammas 
de sulfato de quinina. Apenas observamos como única mudança um 
retardamento nos accessos, um periodo de excitação um pouco mais 
longo e modificações no apparecimento do periodo de abatimento, 
conservando a mesma forma e somente variavel na duração e in- 
tensidade. » Se a dose fosse maior o resultado seria mais satis- 
factorio. Assim provão as experiencias do Dr. Legrand de Saulle 
em um indivíduo que apresentava curtos períodos com intermit- 
tencia. « Tracta-se de uma moça que começou pelo periodo melan- 
cólico, passando alguns dias depois ao maniaeo, apresentando uma 
intermitteneia de 11 dias; depois novo accesso (melancolia 6 dias, 
mania 8 dias). 
Depois de ter inutilmente usado dos banhos, aífusões, opiacios, 61 
comecei a applicar-lhe o sulfato de quinina na dose de 20 centi- 
grainmas por dia, e augmentaudo progressivamente até á dose 
diaria de duas grammas, durante um mez. Com esta medicação a 
doente apresentou notáveis melhoras. Na época da invasão da 
moléstia a doente apenas apresentava-se um pouco mais triste que 
anteriormente, não desarrazoava nem tinha allucinações; queixava- 
se de dores cephalalgicas durante quatro ou cinco dias, que em 
parte attribue-se ao agente anti-periodico. Depois da melancolia 
deveria succeder-se o periodo de excitação, mas desta vez ainda o 
mal foi conjurado. Ha ainda alguma animação na vista; ainda dirige 
algumas palavras ferinas ás pesscas que habitualmente a acorn- 
panhão e que são de sua maior intimidade. Estas mudanças 
forão-se dissipando e a doente curou-se. » 
Acreditamos na cura desta entidade mórbida pelo sulfato de 
quinina em casos idênticos ao que se refere este alienista; nos 
casos, porem, em que os accessos são de longos periodos este 
tratamento echoará na maioria dos. casos. E esta a opinião de 
todos os alienistas principalmente Baillarger, Falret, Geoífroy etc. 
Temos em seguida o tratamento pelo haschisch posto em 
practica por Brierre de Boismont. Empregando, ora no periodo de 
depressão, e ora no periodo de excitação porem sempre sem van- 
tagem. No primeiro caso o abatimento durou dois dias em lugar 
de tres; no segundo a excitação cessou subitamente, sendo logo 
substituída pela tristeza que desta vez durou quatro dias. Emfim 
terminou suas experiencias por haver o indivíduo apresentado 
alguma gravidade. 
Outros meios tem sido apresentados para o tratamento desta 
vesania entre outras encontramos no « tratado de alienação mental 
de Guislain » um facto de cura, pertencente á clinica do Dr. 
Stmaltz, por meio do estramonio, em uma moça aíFectada alterna- 
tivamente de mania e melancolia. Este tratamento póde sem du- 
vida trazer grandes vantagens mas ainda não foi confirmada nem 
bem estudada pelos alienistas. 
No meio de muitos medicamentos, que tem sido ensaiados 
para combater a loucura em dupla forma, o Dr. liitti lembra o 62 
bromureto de potássio cuja efficacia o Dr. Krafft-Ebing já tem 
demonstrado em alguns casos de curtos períodos; assim como as 
•injecções subcutâneas de opio e de morphina, que lhe derão re- 
sultados muito favoráveis. 
Até aqui temos nos referido aos medicamentos internos ten- 
dentes a combater a periodicidade dos accessos da loucura em 
dupla forma. 
O estudo da marcha e das causas da moléstia pode igualmente 
fornecer ao observador indicações uteis e quiçá uma réstia de luz 
atravez das negras trevas que envolve a therapeutica mental. Eis 
porque muitos observadores já tem para ahi dirigido suas pesquizas 
procurando prevenir um ou outro dos accessos ; e os resultados 
alcançados tem sido mais ou menos favoráveis porquanto elles têm 
conseguido reduzir a moléstia quer a loucura maniaca simples, 
quer a um accesso melancólico ordinário collocando assim o doente 
em condições mais propicias. 
Foi Baillarger quem primeiro dirigio as vistas para este ponto 
alcançando a cura, posto que de um modo incompleto, por meio 
das sangrias repetidas. Eis como elle se exprime. 
« Depois de ter combatido sem successo durante tres annos 
por meio de diversos medicamentos os accessos de uma de minhas 
doentes, practiquei uma sangria no meio de cada intervallo das 
epochas menstruaes ; continuei este tratamento durante oito mezes 
e tive um resultado feliz porem incompleto. O segundo período, o 
da excitação maniaca foi supprimido. A moléstia reduzio-se a um 
unico período melancólico que continuou a reproduzir-se como por 
accessos periódicos. » 
O Dr. Dittmar, medico do azilo de Klingenminster, obteve 
resultados analogos, que são citados pelo professor Krafft-Ebing. 
Elle condemnava o doente a um repouso absoluto obtendo por este 
meio o retardamento do começo do período maniaco e a sua dimi- 
nuição de intensidade. 
Temos finalmente a hydrotherapia que péde produzir grande 
perturbação na marcha dos accessos e operar uma mudança salutar. 
Quando tiverem echoado já todos os meios, o que infelizmente 63 
quasi sempre acontece, só nos resta combater symp tomas. E infe- 
lizmente nesta therapeutica symptomatica que se resume o tracta- 
mento da loucura em dupla forma, até a epocha actual. 
Passaremos, per summa capta, em revista os principaes trata- 
mentos empregados quer na mania, quer na melancolia. 
Quando o doente apresenta-se debaixo da forma maniaca 
devemos empregar: os banhos, as aífusões, as ducbas, bebidas 
acidas, os opiacios em alta dose, as injecções subcutâneas de 
morfina, de chloral, de bromureto de potássio, os antiphlogisticos etc. 
Na forma melancólica empregamos os excitantes: banhos sul- 
furosos, sinapismos, revulsivos, os tonicos, o álcool, etc. 
Em todos os casos devemos attender muito para a alimen- 
tação; forçando-os a comer, e mesmo alimental-os por meio da 
sonda oesophagiana desde que elles recusem a tomal-os; entreter o 
ventre livre por meio de laxativos, purgativos, etc. 
Se ha suspensão de escorrimentos morbidos ou physiologicos, 
procurar-se-ha restabelecel-o porem com grandes precauções sobre- 
tudo quando se trata de menstrucção. 
Se o individuo tem tendências ao suicidio é mister exercer 
sobre elle grande vigilância. 
Einfim temos o tratamento moral que deve ser empregado 
com grande discernimento, aconselhando o menos possivel os meios 
repressivos, dando ao doente uma certa liberdade sabiamento estu- 
dada, sem que entretanto isto prejudique ao doente ou ás pessoas 
que o circundam. OBSERVAÇÕES 
do distincto alienista o Sr. Dr. Domingos Jacy Monteiro 
Júnior, medico do Hospicio de alienados annexo ao 
hospital de S. João Baptista em Nictheroy. 
l.a Observação 
Sabina A. L. K. brazileira, branca, 54 annos, viuva, remettida 
sem exame de loucura, nem informações do hospital de S.ta Thereza 
de Petropolis entrou a 18 de Abril de 1882. Alta, magra, nervosa 
cabellos longos, annellados, grisalhos; physionomia desharmonica, 
inovei, vivaz; gesto e modo exagerado, loquacidade extravagante: 
falia em suas grandes relações e amizades, com altas personagens, 
com a familia reinante, em seus parentescos numerosos e notáveis; 
vaidosa e volúvel, tão depressa propõe-se a contar uma longa historia 
quanto distrahe-se com incidentes e divaga para outros assumptos; 
ora triste, ora alegre, exaltada ou humilde. Manifesta superacti- 
vidade intellectual com essas irregularidades de caracter e faz crer 
que dispoz de alguma fortuna, educação e tracto 'social, que bem 
difíicil deveria ser, como é, com tal alienada; tanto que não é 
possivel conserval-a em companhia de outras, torna-se motivo de 
indisposição, queixa e reclama dos que não podem supportal-a, 
sendo assim um elemento de desordem e turbulência. Cuida de si 
com certo esmero extravagante. Não teve filhos; ha alienados na 
familia; vi um irmão alienado que foi para o Hospicio de Pedro II, 
onde já estivera, e para onde também foi ella removida a 12 de 
Agosto de 1882. 
2.a Observação 
Anna de A. L. V. brazileira, branca, 37 annos, casada, re- 
sidente em jNíictheroy entrou a 14 de Maio de 1883. Acha-se 
5288 — 5 66 
alienada. Um irmão suicidou-se; a mãi já idosa, quando mais tarde 
veio a saber da morte do filho, também suicidou-se precipitando-se 
da janella de um segundo andar. 
Sem querer aventar razões que justifiquem ou condemnem o 
suicídio basta que. como medico, encare esses suicídios como ele- 
mentos de diagnostico na avaliação de uma forma de loucura em 
que a herança nevropathica é uma condição tão importante. Anna 
de A.... que é a ultima filha manifestou depois desses desgostos 
modificações do caracter, insomnia, excitação e delírio seguidos de 
tentativa de suicídio e foi tratada conforme o caso exigia. Ao 
depois cahio em depressão e tristeza. Levou-a o marido á Europa. 
A moléstia foi progredindo com alternativas; a doente concebeu e 
deu á luz por vezes; durante as epochas menstruaes voltava á 
exaltação ; durante as degestões, tornava-se mais calma e assim 
mantinha-se durante as da lactação que, entretanto, raras vezes 
poude levar a termo. 
Ainda mais esta senhora casou-se com fortuna, enviuvou e 
contrahio segundas núpcias; viveu em certa abastança; mas que 
foi cessando a ponto de ser substituída por uma vida de privações. 
Ha portanto factores múltiplos : por um lado um elemento nevro- 
pathico que determina a predisposição, por outro desgostos e pri- 
vações aggravando-se estas em razão directa da marcha da loucura, 
que em circulo vicioso também para ellas trazia seu contingente. 
Assim continuou até que lançarão mão do recurso que tardiamente 
empregão, — recolherão-n’a á casa de saude do Sr. Dr. Eiras onde 
permaneceu por alguns mezes — de Janeiro a Abril de 1882. 
Passou os outros mezes em casa; não sendo possível porém 
conserval-a obtiveram ser admittida neste hospício afim de obter 
lugar no de Pedro II, o que sómente a 27 de Julho poude ser 
conseguido. 
Era uma senhora intelligente e de grande vivacidade, mos- 
trava que recebera boa educação e dispunha de alguma illustração, 
leitura e conhecimento da lingua franeeza e de musica. No meio 
de todas as extravagancias ditadas pela loucura percorria successiva 67 
e rapidamente toda a escala de sentimentos passando de um extremo 
a outro : começava em prantos e terminava em gargalhada ; enu- 
merava phrases de cortesia e gostava de dizel-as em francez em- 
bora com palavras torpes. Bastava um simples incidente para 
desvial-a; bastava uma palavra solta para tomal-a como thema e 
dissertar corrente mas falsamente: era um brilho de lentejoulas. 
Fallava, gritava, chorava, ria-se, pedia alta, batia com violência, 
para logo depois moderar-se tornando-se carinhosa quasi humilde. 
Lembro-me de uma phrase d’ella : « estou presa condemnada a este 
ostracismo, que deriva-se de ostra, pois estou reduzida a ostra, 
nem me posso mover, ainda menos do que isso nem posso escolher 
a pedra a que deve agarrar-me. » D’ahi a pouco cantava; recitava 
poesias e insultava ao primeiro que lhe passasse á vista.—Melhor 
do que esta descripção pode dar idéa da doente alguns trechos de 
cartas; estava sempre prompta a escrevêl-as e longamente. 
« Ex.“10 Sr. —D. A. de A.... vem pedir por este meio a V". Ex.a 
a sua sahida do Hospital de S. João Baptista, enfermaria Visconde 
de Prados, de onde foi atirada brutalmente por tres esbirros embria- 
gados, estando a mesma senhora passeiando diante de sua casa, a 
espera que seos filhos se recolhessem ao domicilio para então fe- 
char a sua porta, seria pouco mais ou menos oito horas, não 
obstante gritar pessoa alguma acudio visto que a visinhança toda 
presenciou, mas não obstante isso, recorro a V. Ex.a para quanto 
antes despachar em meo abono o meu pedido para eu tornar para 
perto de meos filhos e estou anciosa por vel-os e continuar no 
meo trafego de mãi de familia. Desculpe V. Ex.a da maneira como 
vae escripto, pois dizendo isto decláro-lhe tudo. E uma casa de 
burros, bestas e doudos, tudo manda, tudo grita, até negros em- 
briagados dão bordoadas a valer e eu não sei como posso escre- 
ver-lhe. É uma convivência familiar entre enfermeiros e tutti quanti. 
Quem está habituada com familia não péde viver com semelhantes 
canalhas. De V. Ex.a etc., etc. » 
Esta carta e bem assim a seguinte estão exactamente trans- 
criptas conforme o original. 
(( ....Se faço qualquer reclamação como seja de um vestido 68 
que mandei lavar, mandando um dos empregados, S..., e a sahida; 
do quarto, pois, estou trancada, não querem abrir a porta, e 
obriga-me a dizer palavras impróprias de uma senhora. 
« O S.nr.... e.... é que são intitulados donos. Ora imaginem! 
Elles declaram que foi meo marido que poz-me aqui e eu declaro-lhes 
que se elle o fez é porque não sabe visto nunca ter estado em 
logar d’estes.... Esses verdadeiros carrascos fazem tudo ao contrario 
para ver se de qualquer forma ligo-me a elles e a canalha que 
todo o dia aqui vem a pretexto de visitar parentes e não são mais 
que bellas relações do tal.... etc., que levão de pagode. Ora uma 
senhora que está habituada a sahir.... etc como é que agarrão 
attestão que sofffe de alienação mental visto os actos que pratica 
não ser mais, não ser mais do que de uma boa mãi e esposa. 
Querem então separação? Pois eu não quero visto estar nos meos 
direitos, pois sendo o acto sido celebrado em Lisboa na Igreja de 
S. Paulo no largo de S. Paulo testemunha o e não uma mu- 
lher ordinaria ou p..., desculpe V. Ex.a, que se atire a um hospital 
e ainda assim acho barbarismo quando não ha impedimento da 
parte dos dois desgraçados entes. Porém no meo caso, não só é 
desrespeito ás autoridades como ás familias nobres e canalhismo 
de quem rectificou algum documento allegando moléstia ou qualquer 
acto em meo desabono.—A. de A... » 
3.a Observação 
Poríirio J. Gonçalves. — Falia com emphase, diz-se por al- 
cunha Jacucása; dá-lhe uma physionomia caracteristica a exageração 
de que todo elle se ressente : exagerado nas funcções intellectuaes 
falia em suas terras, seu emprego no engenho central de Angra 
dos Reis, suas emprezas, caçadas, cães de caça, etc.; divaga em 
numerosos incidentes, cita os titulos eleitoraes que possue (sobre 
o que existe particularmente) cita artigos do Codigo da Constituição 
do Império. Exagerado nos instinctos e sentimentos (com perversão) 
commette actos extravagantes; extravagancia que também se revela 
nos trajes. Não pude colher informações. Foi removido para o Ilospicio 
de Pedro 2.° Ainda em Julho ultimo veio acompanhado por um en- 69 
fermeiro a visitar este hospicio e reclamar seus titulos eleitoraes. 
Só com o tempo se poderá justificar o diagnostico. Poderá 
ser um caso de loucura cyclica cujos symptomas apresenta, ou 
mesmo sendo o l.° periodo de paralysia geral poderá affectar a 
forma d’aquella loucura e então ainda mais difficil se tornará 
o caso. 
Concluindo estas observações o nosso distincto amigo o Sr. 
Dr. Jacy Monteiro Júnior, acrescentou as seguintes palavras, que 
confirma o que já anteriormente dissemos : (c Para terminar direi 
que a loucura cyclica se caracterisa mais pela perversão moral, 
pela extravagancia dos actos do que por delirio intellectual, sendo 
as manifestações mentaes antes de superactividade embora desre- 
grada. Por isso aparenta lucidez que illude aos que não- conhecem 
a matéria e dá assumpto á litteratura facil que se apraz em accu- 
sações a médicos; por isso ha razão em incluírem os autores 
inglezes essa loucura entre as especics de loucura moral (moral- 
insanUy.J 
« 2.° Não observei nestes casos perversão do apparelho genital, 
que costumão apparecer, acompanhando a excitação geral. 
(( 3.° Para o diagnostico é circumstancia imprescindível o 
tempo para avaliar da marcha seguida. 
/ 
(c 4.° E preciso não esquecer que a alternancia, remittencia e 
intermittencia são peculiares ás nevroses e também ás psycho- 
nevroses. » 
4.a Observação 
Esta observação é extrahida do trabalho do Dr. Ritti « De 
la folie à double forme » 
Summaeio. — Muitos accessos âe mania. — Loucura em dupla forma confirmada depois 
de tres annos. — O accesso dura perto de tres mezes : quinze dias de excitação ; 
dous mezes de depressão.—O periodo de excitação é caracterisado pela agitação 
maniaca ; o de depressão pelo estado melancólico. 
M.lle Victoria com sessenta annos de idade entrou para a 
casa de Charenton a 24 de Novembro de 1878. E intelligente, 
porem apenas recebeu uma instrucção muito elementar. Sendo cos- 70 
tureira a principio tornou-se depois mercadora de aves. Era dotada 
de um caracter brando, afavel, vivendo sempre em boa harmonia 
para com seus parentes e amigos. A saude physica era um pouco 
delicada; tinha frequentes diarrheas provocadas pela menor contra- 
riedade; affecção cutanea (eczema?) nas mãos, no pescoço, na 
coxa que já a companhava a 17 annos. Emfim ella tinha sido 
muito achacada de enxaquecas que a obrigavão a um completo 
isolamento durante todo o tempo de sua duração. Estas enxa- 
quecas desapparecerão completamente depois do primeiro accesso 
de mania. A menstruação ordinariamente regular posto que pouco 
abundante tinha cessado na idade de 39 annos. O pae de M!le 
Victoria tem um caracter muito esquisito, é muito violento e col- 
lerico. Pelo lado materno não ha hereditariedade. 
No correr do anno de 1860 M.lle Victoria perdeu um irmã 
victima do sarampão; apoderou-se d’ella uma violenta tristeza, ao 
mesmo tempo seu caracter mudou-se. Em 1863, foi acommettida de 
variola e pouco depois aífectada de um accesso de mania, caracte- 
risada pela exaltação mental e extravagancia dos sentimentos e 
das acções : a doente vestia-se de branco, mascarava-se, comprava 
uma multidão de objectos inúteis, queria casar-se, etc. 
Este accesso durou seis semanas; desde então até 1875 a calma 
não foi desmentida; M,Ue Victoria durante este tempo vivia um 
pouco deprimida porem nada indicava em seus actos e em seus 
discursos a menor perturbação. 
Em 1876 seu pae cahio de um carro de feno; na mesma 
epoclia uma de suas sobrinhas que ella muito estimava casou-se 
contra sua vontade. Vivamente commovida por todas estas con- 
trariedades, não tardou a recahir em um novo accesso de mania 
(meado de Fevereiro de 1877) apresentando os seguintes sympto- 
mas: exaltação intellectual, idéas exquisitas, actividade continua; 
a doente quer sem cessar mudar-se, deslocar seus moveis etc. ; 
corta vestidos em pedaços, fiz colleções dos farrapos e os guarda 
cuidadosamente, emfim compra tudo quanto é inútil. Grita sem 
motivos, pratica scenas em presença de todo o mundo; enVum dia 
ella ameaçou de fechar a porta a sua sobrinha que a tinha vindo 71 
ver e fazia-lhe algumas observações. Esta excitaçfio dura noite e 
dia; quando á noite fazião a doente deitar-se, ella procura esca- 
par-se; uma noite foi ao quarto de um de seus primos, muito mais 
velho do que ella e lhe disse qne o amava, que queria esposal-o ; 
assentou-se em seus joelhos, deitou-se mesmo em seu leito, e ficou 
sentida de a tirarem de lá. Scenas iguaes se renovarão por assim 
dizer todos os dias. 
Foi n’este estado condusida, pela primeira vez, para a casa 
de Charenton em 9 de Março de 1877, seu accesso de mania 
continuou até o dia 20; /durou portanto um mez. A doente sahio 
curada a 25 de Março. 
Em 1878 novo accesso de mania, que obrigou de novo a ser 
enviada para a casa de Charenton. Este accesso durou um mez 
e foi seguido de um periodo de tristeza. Foi d’ahi em diante que 
se reconheceu tratar-se de uma loucura em dupla forma, cujo 
periodo de excitação dura de 15 dias a um mez e o de depressão 
um mez e mesmo dois. 
Vamos descrever um dos accessos, porque conhecido um, os 
outros são idênticos. 
O periodo depressivo é caracterisado por um estado de abati- 
mento geral; a doente fica sentada sempre em um canto, os olhos 
baixos, occupada quer a coser, quer a fazer fios, seu rosto expri- 
mindo a tristeza e humildade. Quando se lhe interroga, responde 
apenas e a meia voz, ou mesmo sómente por signaes. A intelligencia 
é lenta, as idéas parecem vir diíficilmente. Tudo quanto a doente 
faz tem um cunho de lentidão ; quando ella desfia, tira cada fio 
como uma pessoa fatigada e que não póde mais. As vezes a de- 
pressão augmenta, então sente dores de cabeça, como que uma 
barra lhe comprime a fronte, não vê mais com seus oculos e não 
póde mais trabalhar. O appetite é regular, o somno sufficiente. O 
pulso é pequeno quasi filiforme, porem muito frequente, como se 
vê constantemente. 
O periodo de excitação é sempre precedido de muitas noites 
de insomnia; e annuncia-se sempre por uma especie de recordação 
geral. A doente que até então vivia no mutismo começa a fallar, 72 
a interpellar o medico; os olhos tornão-se vivos e brilhantes, o 
espirito é maligno. 
Pouco a pouco vem apparecendo a loquacidade, os assumptos 
são alegres e enfreados; adoente conta os factos passados e recentes. 
Ella tem consciência deste estado, porque ella mesmo diz que 
reconta « um monte de asneiras » que « sua lingua não está bem 
assentada. » 
Depois a agitação augmenta e torna-se verdadeiramente ma- 
níaca ; M.lle Victoria pedia que lhe pozessem a camisola porque, 
diz ella, ia despedaçar todas as suas roupas. Corre sem cessar, 
salta, dansa, ri ás gargalhadas, falia de uma maneira incoherente, 
seus discursos são eroticos e mesmo obscenos. Este estado dura 
tres a quatro dias, depois a doente volta a simples exaltação do 
começo do periodo e emfim em uma manhã é encontrada sentada 
em um canto e recomeçando um novo periodo de depressão. 
Os symptomas physicos que se apresentão durante o periodo 
que acaba de ser descripto são os seguintes : insomnia quasi com- 
pleta e que não se péde combater; o pulso é frequente e excede 
muitas vezes a cem pulsações; as vezes ha diarrhéa e lingua 
saburral; pouco appetite, posto que a doente peça que à sirvão 
copiosamente; ourina muitas vezes no leito. 
Eis a marcha da doente depois do mez de Janeiro de 1879 : 
Periodo de excitação até o dia 20 de Janeiro de 1879. 
Periodo de depressão até o dia 15 de Abril. 
Accesso 
Periodo de excitação do dia 15 ao dia 31 de Abril 
(16 dias). 
Periodo de depressão do dia 1 de Maio ao dia 15 de Junho. 
Accesso 
Periodo de excitação do dia 15 de Junho ao dia 27 de 
de Junho (12 dias). 
Periodo de depressão de 28 de Junho a 2 de Setembro. 
Accesso 
Periodo de excitação de 2 de Setembro a 18 de Se- 
tembro (16 dias). 
Periodo de depressão de 18 de Setembro a 20 de No- 
vembro. 
Accesso 
Periodo de excitação de 18 de Setembro a 23 de Novembro. 
Periodo de depressão de 23 de Novembro de 1879 a 
10 de Fevereiro de 1880. 
Accesso 73 
Durante este periodo de depressão M.n* Victoria foi affectada 
de uma bronchite aguda (de 15 a 31 de Janeiro) que não modi- 
ficou a marcha habitual da aífecção mental; o estado melancólico 
não se tornou nem mais nem menos intenso. 
Periodo de excitação de 10 a 26 de Fevereiro (16 dias). 
Periodo de depressão de 26 de Fevereiro a 10 de 
Abril 1880, etc. 
Accesso 
Durante este ultimo accesso. o periodo de excitação foi ca- 
racterisado pela simples exaltação mental: loquacidade, perguntas 
de todas as especies, etc., etc. Não houve propriamente agitação 
maniaca. 
O pulso desta doente foi tomado regularmente na visita da 
manhã durante um de seus accessos; o de 2 de Setembro a 8 de 
Novembro de 1879 ; vem abaixo o resultado. 
Periodo de excitação 
3 de Setembro — Pulso 114 
4 » » » 116 (Diarrhéa) 
5 » » » 108 
6 » » » 108 
8 » » » 100 
9 » » » 112 (Grande agitação) 
10 » » » 100 
11 » » » 88 
12 » » » 100 
15 » - » » 100 
16 » » » 100 
17 )) » » 92 
Periodo de depressão 
18 de Setembro — Pulso 92 
19 » » » 83 
20 » » « 88 
22 » » » 92 
25 » » » 88 
26 » » » 84 
27 » » » 92 
29 » » » 92 
30 » » » 92 
Insomnia 
1 de Outubro » 92 
2 » » » 84 
3 » » » 80 
Depressão maior 74 
5.a Observação 
M. D. Tendo 54 annos de idade, casado, e pae de cinco 
filhos, era um rico proprietário de vinhos. Desde 1846 em que tinha 
quarenta e tres annos de idade, começou sem causa apreciável a 
tornar-se exquisito em seu caracter e seus hábitos : ora triste, 
desengraçado, gritador, desmazelado ; ora, ao contrario, alegre, 
gaiato, de uma actividade sorprehendente, etc. 
A partir do começo do anno de 1849, elle começou ater o que 
sua familia chamava accessos, isto é, dois ou tres mezes de tristeza, 
de apathia e de depressão e uma duração quasi igual de activi- 
dade e loquacidade... Depois todos estes phenomenos diminuirão: 
M. D.., voltava ao estado normal, occupava-se nos seus negocios, 
da direcção de suâ casa, do futuro de seus filhos. 
Em 1852 depois de tres mezes de uma profunda depressão, 
M. D. se incita repentinamente e parte com sua familia para 
Pariz, entrega-se a despezas um pouco exageradas, mostra-se muito 
alegre, querendo tudo ver, tudo visitar, indo aos passeios, aos 
concertos, aos espectaculos. Na noite que completou oitenta e 
cinco ou oitenta e seis dias de sua estada em Pariz, elle apre- 
sentou-se soífrendo da cabeça, triste e deprimido. Deixou imme- 
diatamente Pariz e voltou para sua cása depois de ter gasto 
15,000 francos. 
Em 1854 uma das depressões foi notada por esta circums- 
tancia que elle não queria mais vêr a mulher e quatro de seus 
filhos; só sua filha mais velha era admittida em seu quarto e lhe 
servia as refeições. M. D... apenas deixava seu leito ficava em 
inacção, chorando sempre e exigia que as portas estivessem sempre 
fechadas. 
Em 1855 fez nova viagem a Pariz, gastou 10,000 francos em 
menos de tres mezes, compras numerosas, actividade sorprehen- 
dente, cursos muito longos a pé. 
Em 1856 os periodos de excitação e de depressão se prolon- 
garão cada vez mais e tomarão caracteres assustadores. Durante 
a phase de remissão completa M. D. occupava-se de seus negocios, 75 
lamentava essas despezas passadas, dava ordens, prescrevia uma 
severa economia em sua casa. 
Em 1857, no mez de Agosto, depois de dois mezes e meio 
de uma melancolia profunda, repellindo muitas vezes os alimentos, 
M. D. desceu ao meio-dia ao seu jardim, armado de uma espin- 
garda, collocou-se ao bordo de um tanque, atirou sobre a cabeça, 
esmagando o cerebro. Sua filha mais velha que o tinha seguido, 
lançou-se ao tanque e retirou o cadaver de seu pae. 
6.a Observação 
Quem não conheceu M.lle C..., diz M. Sentoux, quem não 
tem sido entretido pelas suas proezas em Charenton? Nunca appa- 
rece nos salões, na capella, nas reuniões musicaes, e entretanto 
não ha um empregado, mesmo um doente, que não falle e não se 
interessa por ella. Ella merece bem esta popularidade. Uma 
noite, sem fio nem agulha, com um simples pedaço de vidro des- 
coseu uma de suas cobertas e formou uma vestimenta de capu- 
chinho com seu habito; vestio essa vestimenta, collocou o habito 
sobre a cabeça, foi. ao quarto da criada, tirou-lhe debaixo do tra- 
vesseiro as chaves de sua divisão por meio das quaes ella penetrou 
nos corredores, onde com sua voz brilhante entoou um cântico 
religioso. As criadas, as irmãs vierão precipitadamente e virão 
sorpreheíididas e quasi amedrontadas o espectro de um capuchi- 
nho, que, depois de as ter feito conservar durante um instante o 
respeito, reconhecerão-a e encantadas do successo de seu gracejo 
proromperão em risos. 
Uni dia sob um outro pretexto qualquer ella convida para 
seu quarto a irmã de sua divisão, sahe bruscamente, a fecha e 
colloca-se na porta a cantar em voz alta, que resoava em toda a 
casa; as enfermeiras não ouvindo assim os gritos da irmã, que as 
chamava, ella permaneceu prisioneira mais de uma hora. 
Seu espirito inventivo era tão cheio de recursos quanto o 
era de estratagemas. Escrevia cartas sem que lhe dessem penna 
e tinta. Quando o medico via que estas composições lhe exci- 
tavão de algum modo o fogo de seu delirio, fazia-lhe retirar as 76 
pennas, a tinta e o papel. Com as espinhas do peixe da sexta- 
feira, ella fabricava as pennas ; com o extracto de alcaçuz que 
lhe davão fabricava a tinta; o papel nada mais facil para o 
arranjar; utilisava-se dos envoltorios de seus chocolates. 
Fazia trabalhos de crochet com um alfinete, cuja extremidade 
ella arredondava. Admirava-se em seus bordados os desenhos ele- 
gantes que ella compunha. Sempre a espreita, tinha a arte de 
fazer fallar as criadas ou escutar o que dizião; sabia antes de 
todos as novidades, mesmo as de fora, que ella contava com em- 
phase ao medico por occasião da visita. 
Durante o período de depressão era conduzida para a divisão 
das mulheres calmas ou convalescentes ; mas recusava tomar parte 
em suas distracções. Mergulhada em profunda tristeza, com os 
olhos baixos, e constantemente húmidos de lagrimas, o olhar 
amortecido, magoado, indicando indisivel dor; concentrando-se em 
um mutismo absoluto, repellindo ás vezes com obstinação de tomar 
os alimentos, a ponto de ser-se obrigado a nutril-a por meio da 
sonda; tão concentrada, em apparencia, em si mesmo que parecia 
estranha, ou melhor ainda, morta para tudo quanto a rodeiava ; 
observava e guardava, entretanto, com seus menores detalhes tudo 
que se dizia e que se passava em torno delia, e advinhava o 
resto; depois um bello dia dissipando-se a tristeza e o torpor, 
revinha por gráos a vida activa, endireitava-se e animava-se pouco 
a pouco, retomava em sua attitude e seus olhares esta firmeza 
que lhe dava a physionomia de um leão prisioneiro. 
Nada mais commovente do que sua pantomima, de mais sor- 
prehendente que sua voz, que já não se ouvia a tres, quatro ou 
cinco mezes, desde que levantando as palpebras que havia con- 
servado abaixadas por tanto tempo, os olhos abertos, illuminados 
de uma chamma estranha, encarava os médicos e exclamava : « Eu 
determinei que me conduzão para o quarto. » O período de exci- 
tação maniaca começava. 
É então que fazia segundo seu capricho, « tudo tremer 
ao redor de si. É necessário, bradava ella, que os traidores, os 
hypocritas, os jesuitas sejão confundidos ! ! ! » 77 
Ella admirava, sobretudo, por sua argúcia aos estrangeiros 
que tinhão occasião de ouvil-a; mais de um assegurou-nos que 
nunca tinhão visto mulher mais espirituosa; mais de um duvidou a 
principio de sua loucura até o momento que ella lhe disse : « Eu 
sou esposa do imperador » ou então, a imperatriz geral de Cha- 
renton » ou ainda « qual é a vossa missão depois de mim, e que 
titulo devo-lhe dar, Senhor ? Declarai, pois, que vós sois o prín- 
cipe, o ministro tal! » 
Algumas vezes os accessos maníacos não paravão nesta corrente 
de palavras e de epigrammas. M.Ue C. chegava então ás ameaças, 
ás imprecações, ao furor. Era raro, entretanto, que n’estes paro- 
xismos ella tivesse actos de violência; contentava-se em fazer medo. 
Quando via bem embaraçada a pessoa para a qual ella tinha 
avançado ameaçante, dava uma formidável gargalhada, e com 
os cabellos esparços, olhos arregalados ella exclamava: «Imbecil, o 
que eras tu para mim ? » 
Ella mudava de condição, de personalidade, de sexo, de um 
dia para outro. Ora filha de sangue real e esposa de um imperador 
qualquer; ora plebêa e democrata; hoje casada e gravida; amanhã 
ainda virgem e apaixonada por um homem. Figurou-se-lhe um dia 
que era uma prisioneira política de importância, e nesta con- 
vicção compoz os seguintes versos: 
COUR DES LOGES 
Lorsque dans ma cellule oíi par fois je sommeille 
Un doux sang embellit les heures de ma nuit 
Souvent la Liberté de mon rêve m’éveille: 
(c Suis-moi, je te fais libre! abrité sous mon aile 
On ne pourra ravir à ta mère son íruit I » 
— Mais moi, faisant effort, je repouse son zéle: 
« Mon Dieu! Je ne veux pas être libre à tout prix : 
Mon sort est magnifique, il est digne d’envie, 
Je veux encor des fers, des fers toute ma vie, 
Je veux souffrir, je veux mourir pour mon pays!!! » 78 
7.a Observarão 
M. X..., idade de 26 annos, habitante no Brazil, apresenta 
ha muitos, alternativas de superexcitação e de torpor durante esta- 
ções inteiras. Pertence a uma fainilia honrada, dotado de uma in- 
telligencia e de uma instrucção muito elevada, de um caracter 
perfeito e de uma saúde excellente ; este moço não tinha ante- 
cedente hereditário. Ha sete annos, depois de uma grande tristeza 
de amor, elle ensaiou envenenar-se. Desde então suas faculdades 
mentaes, deixavão a desejar cada vez mais; e as pessoas que o 
rodeavão o consideravão como um verdadeiro alienado. Eis quaes 
são os symptomas e a marcha da moléstia : 
M. X... passa a metade do anno (inverno) encerrado em casa de 
seus parentes em uma vasta casa de campo, a uma legua distante 
da cidade, d’onde elle nunca sahe; parece ter esquecido, na apathia 
onde elle se acha mergulhado, seus parentes, seus amigos, a socie- 
dade ; está triste, solitário, taciturno, indifferente á tudo ; passa 
semanas sem ver sua mãi, seu pai, seus irmãos e irmãs. Posto 
que muito desconfiado ainda escuta os conselhos que se lhe dá. 
Se franqueia o limiar de sua porta vai errar nos recantos mais 
solitários da casa. 
Na primavera, e, como se elle fosse arrastado pelos movi- 
mentos da natureza, M. X... tomou hábitos inteiramente oppostos. 
Assim, de desconfiado, triste, taciturno e indifferente que era, eil-o 
que torna-se social, alegre, activo e mesmo loquaz; mas d’outro 
lado, menos docil, mais irritável, susceptivel e difficil de conten- 
tar-se ou em moderar seus desejos exagerados. Eil-o, entretanto, 
affectado em seu toilette a éxcesso, cheio de luxo, apresentando-se 
a cada instante em casa dos parentes e amigos ; apezar da dis- 
tancia e do estado do tempo. Tem uma vida de movimento, infa- 
tigável, não tendo muitos cavallos que cheguem para suas viagens, 
elle os compra, troca e os apparelha ricamente e de diversas ma- 
neiras, cuidando delles com uma solicitude incrivel; gasta muito 
dinheiro, zanga-se das observações que lhe fazem, chegando mesmo 
e encolerisar-se. Além disso passa muito bem, engorda, está 
agil, lesto e contente. Emfim, M. X... é ás vezes muito embirrado e perigoso em 
seus pensamentos eroticos, que sua familia tem podido reprimir. 
Nós terminaremos dizendo que não tem consciência de seu estado 
e não dá conta de nenhum de seus actos. 
(Extrahido de uma carta do Dr. Charès, do Rio de Janeiro, 
Brazil, amigo do doente, à M. Baillarger). 
(These de Geoffroy — Paris, 1861). PROPOSIÇOES CADEIRA DE PHARMACOLOGIA E ARTE 
DE FORMURAR 
Do opio 
I 
Dá-se o nome de opio ao producto solido ou semi-solido pro- 
veniente da evaporação do sueco leitoso extrahido da capsula da 
dormideira (papaver somniferum), planta da familia das Papave- 
raceas. 
II 
Esta planta cresce sobretudo em diversos paizes do Oriente, 
na Australia, nas índias Orientaes e na China. 
III 
As principaes especies de opio empregadas em medicina são: 
o opio de Smyrna, o opio de Constantinopla, e o opio do Egypto 
ou de Alexandria, segundo sua riqueza em morphina. 
IV 
Os opios do commereio apresentão algumas differenças que 
dependem dos processos de extraeção, das modificações do clima, 
da natureza do solo, do estado da atmosphera e das variedades 
de dormideiras submettidas á cultura. 84 
V 
0 processo regular de extracção consiste em praticar incisões 
superficiaes sobre as paredes das capsulas chegadas á maturidade; 
estas incisões, interessando os vasos laticiferos dão passagem a um 
sueco leitoso que, depois de espessar-se convenientemente até á 
consistência extractiva, é recolhido e disposto em pães de diffe- 
rentes fôrmas. 
VI 
O opio de Smyrna ou de Anatolia apresenta-se em massas 
moles, mais ou menos consideráveis e muitas vezes deformadas; 
cobertas de folhas de papoula e fructos do rumex; sua superfície 
interna tem uma cor mais ou menos escura que se torna mais 
carregada exposta ao ar; seu sabor é acre e amargo, seu cheiro 
forte e viroso, e sua riqueza em morphina varia entre 5 e 12 
por 100. 
VII 
O opio de Constantinopla apresenta-se sob diversas fôrmas : 
ora com a fôrma de pães volumosos e achatados ; ora sob a fôrma 
de pães pequenos irregulares e lenticulares, cobertos de folhas de 
papoula; é mais duro e tem o cheiro menos pronunciado do que 
o de Smyrna, sua riqueza média em morphina varia entre 7 e 8 
por 100. 
VIII 
O opio do Egypto ou thebaico apresenta-se em fôrmas de 
pães seccos e achatados, conservando apenas alguns vestigios das 
folhas que os envolverão; seu cheiro é fraco e sua cor escura 
carregada, sua superfície de secção é lusidia, e sua riqueza em 
morphina medeia entre 3 e 6 por 100. 
IX 
O opio é uma substancia eminentemente complexa: além de 
diversos principios que se encontrão em geral nos vegetaes, além 85 
do acido meconico e da meconina, elle contém diversos alcaloides, 
cujos principaes são: a morphina a codeina, a marceina, a the- 
baina, a papaverina e a narcotina. 
X 
A morphina é solida, crystallisavel em prismas rectos rhom- 
boidaes incolores; dissolve-se lentamente na saliva, produzindo um 
sabor amargo muito persistente; é muito pouco solúvel nagua, 
porém muito solúvel no chloroformio e no álcool amylico. 
XI 
A codeina se apresenta no estado anhydro ou no estado hy- 
dratado ; é a mais solúvel das bases do opio, e dissolve-se também 
facilmente no álcool ordinário, no álcool amylico, no ether, no 
chloroformio e na benzina ; precipita-se pelo acido phospho-moly- 
bdico, o iodureto de potássio ioduretado e o tannino; seu sabôr 
assim como o de seus saes é amargo, ligeiramente acido e não 
nauseoso. 
XII 
A morphina e a codeina. os dois alcaloides do opio mais 
empregados em medicina, podem ser preparados por diversos pro- 
cessos, entre os quaes sobresahe o de Gregory e de Robertson 
pela vantagem de fornecer rapidamente e por um mesmo tratamento 
estes dois principios. 
XIII 
Muitos são os preparados pharmaceuticos em que o opio re- 
presenta o principal papel, taes como: o extracto gommoso, o 
laudano de Syndenham, o de Rousseau, o elixir paregorico, xarope 
de diacodio e os pés de Dower. 
XIV 
A morphina combina-se com os ácidos formando saes crystal- 
lisaveis, geralmente solúveis na agua, no álcool e na glycerina ; não se dissolvendo sensivelmente nem no ether nem no ehloro- 
formio puro; e entre esses saes os mais uzados em medicina são 
o sulpliato e o chlorydrato de morphina. 
XV 
O opio é empregado em muitos estados morbidos, quer interna 
quer externamente, e os saes de morphina são de grandes van- 
tagens em injecções hypodermicas. CADEIRA DE OBSTETRÍCIA 
Elemorrhagias puerperaes 
I 
Hemorrhagia puerperal é todo o accidente hemorrhagico que, 
sob a influencia directa ou indirecta do estado puerperal, póde 
accommetter a mulher antes, durante e depois do trabalho do 
parto. 
II 
As hemorrhagias puerperaes têm sua sede não só nos orgãos 
da geração, o feto e seus annexos, como ainda em differentes 
vísceras do organismo. 
III 
Conforme sua séde, as hemorrhagias puerperaes se dividem em 
externás, internas e intersticiaes, das quaes a mais importante, 
quer pela sua frequência quer pela sua gravidade, é o thrombo- 
vulvo-vaginal. 
IV 
As causas das hemorrhagias puerperaes são múltiplas e va- 
riadas e podem se classificar em predisponentes, determinantes e 
especiaes. 88 
V 
As modificações que a gestação imprime no organismo da 
mulher, mormente as alterações da crase sanguínea e do meca- 
nismo da circulação, são as causas predisponentes capitaes das 
hemorrhagias puerperaes. 
VI 
As emoções moraes vivas e as commoções physicas resumem 
e synthetisão as múltiplas e variadas causas determinantes das 
hemorrhagias puerperaes. 
VII 
As anomalias na inserção da placenta, a ruptura do cordão 
umbilical e a retracção brusca e violenta do útero constituem as 
principaes causas especiaes das hemorrhagias puerperaes. 
VIII 
Os symptomas das hemorrhagias puerperaes podem ser clas- 
sificados em symptomas geraes e symptoinas locaes. 
IX 
Os symptomas geraes das hemorrhagias puerperaes são ge- 
ralmente precedidos de phenomenos prodromicos e caracterisão-se 
pela pallidez da pelle, fraqueza do pulso, resfriamento das extre- 
midades, cuja intensidade é determinada pela abundancia e rapidez 
da hemorrhagia, pelas forças da mulher e varias outras circum- 
stancias. 
X 
Os symptomas locaes nas hemorrhagias externas são caracte- 
risados pelo proprio corrimento sanguíneo; nas internas e intersti- 
ciaes, porém, os symptomas geraes pódem ser observados em 
primeiro logar e chamar assim a attenção do pratico para os pri- 
meiros. XI 
0 diagnostico das hemorrhagias puerperaes o mais ou menos 
difficil, conforme a época e a abundancia da perda sanguinea, 
conforme a séde em que ella se faz e conforme u. causa que a 
determina. 
XII 
Accidente em geral de máo agouro, o prognostico de uma 
hemorrhagia está, todavia, na dependencia das mesmas eircum- 
stancias que o diagnostico ; porém, em condições idênticas a sua 
gravidade é tanto maior para a mulher, quanto mais tarde se 
manifestar a perda, e tanto mais considerável para o féto quanto 
mais cedo ella tiver logar. 
XIII 
O tratamento das hemorrhagias puerperaes comprehende meios 
prophylaticos ou preventivos e meios curativos. 
XIV 
Os meios preventivos são tão numerosos e variados como as 
causas predisponentes, e fazem todos' parte da hygiene da prenhez. 
XV 
Os meios curativos distinguem-se em geraes e especiaes, e estes 
varião com a abundancia da perda sanguinea, a época em que ella 
se manifesta, a sua séde e a causa que a determinou. 
XVI 
Tantas e tão variadas são as circumstancias em que se pode 
manifestar uma hemorrhagia puerperal, que impossivel é ao pratico 
traçar a priori sua norma de conducta, e so o poderá fazer diante 
de cada caso que se apresentar á sua observação. CADEIRA DE PHYSIOLOGIA THEORICA 
E EXPERIMENTAL 
Das acções reflexas 
I 
Dá-se o nome de aeção reflexa, no sentido restrieto da palavra, 
a todo o movimento provocado em uma parte do corpo por uma 
excitação vinda d’essa parte, e actuando por meio de um centro 
nervoso diverso do cerebro e portanto independente da vontade. 
II 
O estudo das acções reflexas é um facto relativamente re- 
cente em physiologia e data dos fins do século passado, quando 
em 1784 Prochascka publicou em Praga sua memória sobre este 
assumpto. 
III 
Para que se dê uma aeção reflexa é necessário que haja 
uma excitação, um conductor centrípeto ou sensitivo, um centro 
nervoso receptor, um conductor centrífugo ou motor e um orgão 
contractil ou muscular. IY 
0 estudo das acções reflexas começou pela medula espinhal, 
que então deixou de ser considerada como simples orgão de con- 
ducção para assumir foros de centro-nervoso. 
Y 
A fonte dos reflexos medulares é a parte central da medula 
espinhal ou a sua substancia cinzenta. 
VI 
O cerebro exerce sobre a medula uma acção moderadora, 
de sorte que, quando esta é separada d’aquelle, o seu poder reflexo 
augmenta. 
VII 
Como o systema nervoso tem como representante immediato 
de sua influencia o systema muscular, as acções reflexas classi- 
ficão-se em duas grandes divisões, conforme os musculos que entrão 
em contracção e conforme os nervos que os animão. 
VIII 
As acções reflexas produzidas pelos musculos da vida de 
relação, são devidas, ou á influencia dos nervos cephalo-rachidianos 
ou á influencia do grande sympathico. 
IX 
As acções reflexas dos musculos da vida organica são devidas 
ou á influencia dos nervos cephalo-rachidianos ou á influencia do 
grande sympathico. 
X 
As acções reflexas constituem as mais simples manifestações 
da actividade das partes centraes do systema nervoso. XI 
A manifestação das acções reflexas está na dependencia da 
intensidade da excitação e do estado do centro nervoso, onde a 
impressão sensitiva deve transformar-se em impressão motora. 
XII 
A manifestação das acções reflexas está subordinada ás leis 
da unilateralidade, da symetria, da irradiação, da intensidade e da 
generalisação. 
XIII 
O conhecimento das acções reflexas marca um progresso real 
não só na physiologia nervosa, como ainda em pathologia, onde 
muitos phenomenos considerados como sympatliias receberão uma 
explicação racional. 
XIV 
O mecanismo intimo das acções reflexas, isto é, o como uma 
impressão sensitiva se transforma no interior de uma cellula nervosa 
em uma impressão motora, é um facto que a sciencia ainda não 
conhece. HIPPOCRATIS APHORISMI 
I 
Ubi delirium somnus sedaverit, bonnm. 
Sect. II, Aph. 2. 
II 
Melancholicis affectibus et renum vitiis succedentes hoemor- 
rhoides, hoc est sanguinis profluvium per ora venarum in ano 
sanguinem fundere solita, bono sunt. 
Sect. VI, Aph. 11. 
III 
Deliria qurn cum risu íiunt tutiora. At qum stndio adhibito 
periculosiora. 
Sect. VI, Aph. 53. 
IV 
Metus et tristitia si din perseverant, melancholim istud 
indicium est. 
Sect. VI. Aph. 23. 
V 
Morborum melancholicorum pericolosi decubitns ant corporis 
sederationem aut convulsionem ant furorem aut coecitatem de- 
nunciant. 
Sect. VI, Aph. 56. 
VI 
Insanientibus si varices aut sanguinis profluvium per ora 
venarum qurn in ano sunt hoemorrhoides decuntur, accesserint, 
insanim solutio. 
Sect, VI, Aph. 21. Esta these está conforme os Estatutos. 
Rio, 28 de Setembro de 1883 
Dr. Caetano de Almeida. 
Dr. Benicio de Abreu. 
Dr. Oscar Bulhões.