TBISS DO sr. Joaquim Dircníc xla Jlilua o e Ex.’m' Sr. Conselheiro Dr. José Martins da Cruz Jobim, Presi dente, e também arguente. Os Ex.mos Srs. Doutores: Francisco Gabriel da Rocha Freire. Ezequiel Corrêa dos Santos. Antonio Ferreira França. João Vicente Torres Homem. Matheus Alves de Andrade, opa®® DOS Pantanos em relação à Etiologia. A primeira necessidade d’um paiz é a saude publica. O Sr. Dr. Macedo Pinto (I). m dos assumptos mais interessantes, de que a bygiene pode occupar-se, é sem duvida indagar, para as poder combater, as causas das moléstias, que “vi atacão simultaneamente um grande numero de individuos, tanto nos es- treitos limites d’uma fazenda, d’uma aldêa ou d’uma cidade, como em extensas regiões da terra. A nossa tliese é pois uma questão toda bygienica, a que andão ligadas con- siderações relativas á vida dos individuos, e á prosperidade das nações. Se as leis da vida são muito complexas, para serem facilmente descobertas, mesmo no estado physiologico, a difficuldade cresce de ponto, quando a mani- festação dos actos vitaes é perturbada por um estado patbologico. Estas questões, são em muitos casos, d’uma difficuldade extrema, quer pela multiplicidade de formas e variados modos de manifestação, que apresentão esses temorosos flagellos, que constituem as doenças, quer pela deficiência dos meios, que a sciencia conta, para descobrir as causas primordiaes dos pheno- menos da natureza. Não podendo a sciencia explicar cabalmente a origem das moléstias endémi- cas, que affligem algumas populações; sendo para ella quasi mysterioso o modo de propagação, e a essencia do principio gerador de epidemias devastadoras; sendo a sciencia a primeira na confissão de que o seu estado 'presente não lhe permitte explicar, o que é essa influencia epidemica que constitue a causa verda- deira e material de urna epidemia reinante é comtudo certo, que ella conhece muitas das manifestas causas de insalubridade local ou temporária, que dão ori- gem a muitas enfermidades endemicas, ou augmeníão a violência das epidemias accidentaes. (1) Policia Hygienica, Coimbra 1863. A sciencia possuo numerosos factos, que valem por outras tantas provas evi- dentes, de que as decomposições organicas animaes e vegetaes, quando tem lo- gar n’um solo mais ou menos molhado, exercem uma influencia funesta sobre a saude dos povos. Não só a influencia dos pantanos, onde grandes massas de vegetaes, e quasi sempre de animaes, se decompõem ao contacto da agua e do calor, tem provo- cado claramente o desenvolvimento de graves enfermidades, n’um grande numero de indivíduos ao mesmo tempo, como tão bem se tem visto muitas vezes a in- salubridade de muitos logares desapparecer, pelo simples esgoto de pantanos ex- istentes nas suas vizinhanças. Algumas povoações do liítoral da Italia, tão saudaveis no tempo dos romanos, hoje cobertas de pantanos naturaes e artificiaes, tornárão-se tão insalubres como Lancici as descreveo (1). O Egypto, tornado tão saudavel em quanto o braço poderoso dos Pharaós domou o Nilo entre fortes muralhas e animeu a agricultura, tornou-se pestilen- cial depois que esse rio gigantesco despertou do seu letargo, e transbordou so- bre esses diques que o cairelavão. Portugal, tão saudavel, como é proverbial, a contar do século passado, tornou- se em algumas localidades tão insalubre, depois que alli se introduzio o gosto lucrativo e luetuoso dos pantanos artificiaes a orizicultura, como se comprova no tumultuar dos povos, nas queixas da imprensa, e na voz da tribuna parla- mentar. Investigar a natureza e as causas da riqueza do solo, é justo e necessário, por que d’essa instituição hade brotar a riqueza das nações; mas para isso importa reconhecer as leis naturaes fuma ordem especial; porque primeiro que tudo cumpre cuidar de viver. Quando a especulação de investigar a riqueza da pro- ducção do solo faz lucrar a um o que perdem os outros, não é produzir novas utilidades para a humanidade. Já Quesnay, esse celebre medico de Luiz XV (2) dizia: que os trabalhos de que resultavão profundas perturbações na saude e constituição dos povos, pertencião mais á cultura especulativa, do que á pura philosophia industrial. Neste caso está a cultura do arroz na Europa, onde os factos se apresentão em toda a sua hediondez, a ponto de cada 15 k. d’arroz custar uma vida! A philosophia progressiva d’esta ultima parte do século xix não podendo conservar-se dentro do seu antigo involucro, tem desthronado por uma reacção natural e salutar as idéas e pretensões d’essa nova ordem de jphysiocratas. A Hespanha, a França, o Piemonte, a Italia e outras multas nações gemem da mesma dor. (1) De Noxiis paludum effluviis, etc., Romãs 1717. (2) Dupont de Nemours Encyclopediu fermiers et grains. 3 No Brasil não são os povos mais felizes neste sentido, porque além das mo- léstias próprias dos paizes quentes, mesmo no interior do Pio de Janeiro exis- tem grandes pantanos, que dão lugar ao desenvolvimento de affecções paludosas muitas vezes graves, como conta o Ex.mo Sr. Dr. Torres Homem. No entanto ainda assim os melhoramentos consideráveis por que tem passado, e o desseccamento de muitos pantanos dentro e fora da cidade, dão a este grande centro de popu- lação, os benefícios de que está gozando. Basta-nos citar somente um logar da these de concurso d’aquelle mui intelligente professor de medicina (1) para fun- damentar a nossa proposição: Depois que forão aterrados os paúes da Cidade Nova, as febres intermittentes torndrão-se muito mais raras. Por tanto, a existência das emanações paludicas, é, como depois melhor vere- mos, um facto, que não admitte contestação seria, e cujos effeitos se revelão sobre o homem, os brutos, e até sobre os vegetaes. Pantanos. Os pantanos podem reputar-se a mais poderosa causa pathogenica, e a mais variavel cm seus ter- ríveis effeitos. O Sr. Dr. Macedo Piiíto (2). As condições que constituem um pantano, diz Tardieu, são : uma porção de solo alternadamente coberta pelas aguas, dando logar, debaixo da influencia da evaporação e do calor a exhalações de miasmas, que gerão febres. Segundo Fleury, pantano, é uma porção d’agua estagnada, cobrindo uma terra lodosa, carregada de matéria vegetal. Pela palavra pantano, diz o nosso respeitável mestre, o Sr. Dr. Macedo Pinto (3): queremos designar toda a porção d’agua estagnada ou levemente agitada, em que ha decomposição de matéria organica; comprehendendo também na definição as terras húmidas, que abundão em matérias organicas, e que dão fácil accesso ao ar. Por consequência os paúes, brejos, charcos, lagos, tanques, [albufeiras, poços, rios, ribeiros, salinas, lodaçáes, canos de esgoto, etc., todos devem ser conside- rados como outros tantos pantanos, sempre que actuados pelo calorico, determi- narem a decomposição da matéria organica, e dahi se evolverem efíluvios noci- vos á saude. (1) These do Acclimatamento, Rio de Janeiro 1805. (2) Hygiene publica, Coimbra 1862. (3) Obra citada. 4 Do que precede podemos concluir; que o pantano é um conjunto de elemen- tos, em que entra matéria organica, ar e agua em mutua decomposição, favore- cida pela estagnação e determinada pelo calorico. Formação dos pantanos. As aguas reunidas á superfície da terra, fornecidas pela chuva, nascentes, rios ou pelo mar, estagnando n’um solo impermeável, sem sabida natural ou artifi- cial, e de modo que a evaporação não possa vencer todo esse liquido, salvo d’um modo lento e durável, constitue a origem ou formação de lagos, e lagoas, .que sendo extensas e pouco profundas, facilmente se transformão era pantanos, pela corrupção das matérias fornecidas pela atmosphera e pela terra. Os rios transbordando alagão o campo, que se avizinha ao seu leito, ou que acairela o seu curso, deixando no seu abaixamento ’as depressões e bacias do terreno cheias d’agua, que alli se conserva em quanto a pouca permiabilidade do terreno o permittirem, ou a evaporação d’um tempo quente a não seccar. Haja em vista o que se passa no Egypto com as enchentes do Nilo, nos cam- pos de Ferrara com os infiltrações do Pó, nos campos de Coimbra com o trans- bordamento do Mondego, o que se observa nos grandes rios d’America, e mesmo no Brasil, sem emprazar-mos o Amazonas, esse primeiro curso do mundo, ha muitos rios n’estas condições : citaremos somente alguns dos que se abrem na bahia da Corte, por nos ficarem mais comezinhos, como o Imboaçú, Faria, Ma- cacú, Gomes, Guarahy, etc. As torrentes da chuva precipitando-se do alcantil das montanhas, arrastão comsigo detritos de toda a especie e tamanho, que encontrão na sua queda, e os vão depositar nas depressões e excavações do terreno, ou vão formar depósi- tos de alluvião na embocadura dos rios, onde o mar se entrincheira contra a sua corrente, dando deste modo logar á formação de extensissimos deltas, onde se conservão aguas estagnadas e corruptas. E isto o que se nota na embocadura do Mississipi e em todos os grandes rios da America do Sul, etc. Os pantanos, quer sejão alimentados por aguas da chuva, ou pelas nascen- tes, varião muito na forma e dimensões; mas o primeiro cuidado do hygienista é attender á pouca altura da agua, á extensão da sua superfície, natureza do solo, temperatura do clima, e á quantidade e qualidade de individuos, que os povoão, tanto pelo que diz respeito á fauna como á flora. Do fluxo e refluxo das aguas do mar acontece frequentemente a innundação das praias, dando logar a depositos d’aguas estagnadas nas depressões do terreno, ficando a agua salgada só, ou de mistura com agua doce, como se observa nas margens dos rios, onde chega a maré, formando assim pantanos salgados ou raixtos, logo que tenha logar o complexo de condições, que os ultimão. 5 Divisão dos pantanos. Como se acaba de ver, os pantanos formão-se debaixo de muitas condições, umas dependentes do terreno, outras relativas ás aguas que os alimentão. Os pantanos dizem-se naturaes ou artiíiclaes, segundo a sua formação depende só da natureza ou do homem; superficiaes e profundos, conforme as suas rela- ções de fundura para a largura; subterrâneos quando internados no solo; per- manentes, temporários ou accidentaes conforme a permanência ou demora da agua no mesmo logar. CD CD Pelo que diz respeito á qualidade das aguas estagnadas, que alimentão esses depositos, dividem-se em pantanos d’agua doce, d’agua salgada, ou mixtos. Estes últimos, que resultão da mistura da agua salgada com a doce, são tidos como os mais nocivos á saude. Apontaremos a este respeito ura dos factos contados por Mêlier (1). A praia que corre desde Massa-Carrara até ao rio Serchio, proximo a Pisa, por que tinha muitos charcos, e tres grandes bacias d’agua doce, banhadas de tempos a tempos pela agua do mar, tornava o clima muito insalubre; mas, depois que em 1741 com uma especie de comporta, a modo de valvula, se vedou a entrada da agua salgada, o clima tornou-se sadio, e a povoação de Yiareggio, aldêa até então quasi deshabitada, ganhou grande incremento. Estragou-se porém a comporta, e deixando outra vez entrar e misturar a agua salgada com a doce, fez em 1768 e 1769 reapparecer as febres paludicas, elevando a insalubridade a ponto de subir a mortandade a 1 por 15 pessoas; mas finalmente, concertada a comporta, melhorou o estado sanitario, e desceu a mortalidade a 1 por 40 no anno se- guinte. Solonha (França) ha 10 annos era deserta, por que o numero de obitos era de 1:12 nas crianças, e 1: 17 nos adultos. As mulheres aos 20 annos estavão velhas e não contava homens de 60 annos. Hoje, Solonha, é uma terra muito saudavel e rica em cultura, depois que os pantanos forão cortados por valias e drainados. O mesmo aconteceu com o esgoto do grande lago de Afler onde hoje se contão algumas risonhas e saudaveis povoações. Os milhões de libras gastos no enchugo do lago de Horrem (Hollanda), além dos milhares de vidas que tem poupado, rende hoje un juro de 49 por cento aos seus accionistas. (1) Mánoires de VAcadémie de Méd. de Paris, tóm. XIII. 6 Flora c Fauna dos pantanos. É pasmoso quanto estes reservatórios de aguas estagnadas, focos de putrefacçâo de matéria orgâ- nica, favorecem o desenvolvimento do certos vegc- taes c animaes. O Sr. Dr. Macedo Pinto (1). Depois de termos dito o que se entende por pantano, e suas divisões, razão é que digamos algumas palavras ácerca dos seres que os povoão. Os habitantes dos pantanos varião com relação ao logar e á natureza dos climas, e ainda nas mesmas condições, os indivíduos que se domicilião nos pan- tanos d’agua doce, diversificão dos da agua salgada. Já se ve, que de modo al- gum presumi-mos na formação do seu cadastro, ou inventario minucioso; con- tentamo-nos em fazer uma rebatinha apropriada ao pequeno vulto da nossa dis- sertação. Parece á primeira vista, que, estes focos de putreíacção de matéria organica, serão deshabitados de toda a natureza viva, que os abandonará com horror; mas não acontece assim, e até causa pasmo a protecção, que certas especies de vegetaes e animaes encontrão 11’essas bacias d’agua estagnada, e dormente. Os pantanos são, á vista do que se nota, verdadeiros laboratorios, onde se compõe e decompõe a matéria organica, servindo de berço e sepultura a gera- ções sem numero, que, aproveitando-se da estagnação das aguas, multiplicão essa creação immunda, que mais tarde ha de ser ura dos maiores inimigos da vida do homem. Flora dos pantanos. A flora, ou essa floresta de variegados generos e especies, que existem no fundo e superfície das aguas pantanosas, varião segundo a natureza d’essas mesmas aguas, e dos climas em que se dão. Nos pantanos d’agua doce, de mistura com plantas innocentes, e até alimen- tares, como é o agrião, crescem outras venenosas, principalmente d’entre as Rai- nunculares e Umbrelladas. Emquanto algumas d’essas plantas revelão uma influencia nociva pelo aspecto sinistro, e cheiro repugnante, outras pela belleza de suas cores, e suavidade de seus aromas, seduzem e deleitão a vista, aprazera e recreião o olfato, como acon- (1) Hygiene publica. 7 tece com a sagittaria sagittifolia, a typha angustifolia de Lin., e diversas especies do gencro ranunculus, etc. As plantas, que vivera nos pantanos d’agua doce, são na maior parte annuaes, de folhas carnudas, e ricas em partes verdes. Nos pantanos de agua salgada não veceja uma vegetação cheia de capricho e rica de cores, como no caso precedente; mas ha em compensação uma flora re- presentada por muitas e variadas especies, taes como o junco da praia, o goivo, a sahina, a junça das arcas, etc. Não mencionaremos todos os generos e especies de plantas, que habitão os jmntanos, por nos parecer um trabalho proprio de tractados especiaes, e não d’um escripto desta ordem. Fauna dos pantanos. Se é soberba e luxurlosa essa floresta, que vegeta com variado eífeito, alfom- brando a superfície das aguas paludosas, surprebende e espanta a força com que pulula nos pantanos, promiscuamente com a sua vegetação, uma fauna variada, mais rica e numerosa, que se desenvolve debaixo de diversas circumstancias, que lhes dão uma força genetica prodigiosa, representada por myriades de animaes de toda a especie de infusorios, zoopbitos, vermes, moluscos, peixes, e reptis, que morrem igualmente cada anno, e cujos restos reunidos aos limos e aos despojos dos vegetaes, que ahi habitão, completão o grande arsenal de matéria organica, que, sendo de composta, vai corromper a agua e a atmosphera d’esses pantanos, formando d’este modo seus perniciosos effluvios. Pela apreciação de M. Levy (1) as aguas mais ou menos estagnadas agasalhão para mais de 500 especies de annelides, os tres quartos de molluscos privados de valvulas, os univalvulas e bivalvulas, quasi todos os crustáceos, e muitas es- pecies de brataceos, proteos, etc. Nos climas frios e temperados, em que ha quatro estações bem distinctas, e também nos climas quentes, onde só ha verdadeiramente duas estações, é ainda no inverno, que essa grande massa de matéria organica existente nos pantanos, fica estacionaria pela congelação das aguas ou pelo abaixamento de temperatura, em que não ha um gráu de calor bastante para favorecer a sua decomposição. No inverno o reino vegetal despindo suas verduras, cobre-se de lueto, em- quanto os animaes inferiores da escala se occultão em seus esconderijos; ou en- tão a sua decomposição se continua com certa lentura nos climas quentes em que o sol ainda dardeja com certa força. Mas este descanço, que se nota na estação invernosa, traduz-se depois n’um renascimento de decomposições mais (1) TraiU dTtyrj. publ. et priv., Paris 1857. 8 fortes, e mais intensas em todos os climas, logo que os primeiros calores do verão se desabrochão. Ordinariamente as aguas estagnadas apresentão-se com uma cor esverdeada, que deve attribuir-se á presença d’animaes e vegetaes; n’este caso estão as len- tilhas d’agua doce, e as confervas no meio das quaes nadão myriades d’anima- culos infusorios gnomas pulvisculus). GeograpMa dos pantanos. Não ha parte alguma do globo que possa dizcr-se livre desta praga. O Sr. Dr. Machdo Pinto. Se o conhecimento da geographia physica e mathematica é importante para o conhecimento da historia d’um paiz e do globo inteiro, o conhecimento da geo- graphia dos pantanos, se não é mais, é pelo menos jtão essencial para o hygie- nista e para o medico. A geographia medica ensina, que o dominio das febres paludosas se estende a quasi toda a superfície do globo (1), e o ponto de vista mais geral, debaixo do qual devemos vêr a etiologia das febres endemicas, é o da repartição dos seus focos. Encontrão-se os pantanos em toda a parte do globo. Existem nas frias regiões do norte, nas regiões temperadas da Europa, na África ardente, como na America e Oceania. Por toda a parte esta fnnesta praga d’onde emana a degradação das raças a definhação da especie, a doença, e a morte devastadora dos povos e das nações. Nas regiões do Norte encontrão-se muitos lagos. Ha-os na Rússia, como na Dinamarca; e na Rússia basta lembrar, que de S. Petersburgo até ao mar negro se encontrão vastas praias pantanosas. Na Hollanda. onde a extensão do terreno [é disproporcional ao genio d’um povo laborioso, economico e aproveitador, e que apezar de ser um paiz formado por uma rede de canaes, e diques, onde ha uma reacção constante entre os ho- mens e as inundações do mar e dos rios; na Hollanda onde as conquistas d’uns sobre os outros productores, não atenua as conquistas sobre o solo bemfazejo, porque é o primeiro estado do mundo onde o homem sabe descobrir e recolher com mais cuidado os thesouros da natureza (2), a ponto de não haver quatro (1) Bouclin, Traité de yéoyr. et síatist. mcdicale, Paris 1857. (2) Bastiat Harmonies economiques. 9 metros de terreno livre e sem cultura; ahi mesmo, no paiz typo dos aprovei- tamentos, ainda existe um grande numero de logares pantanosos. Na Inglaterra, o desenvolvimento da agricultura, tem convertido em ferteis prados a maioria dos seus mais extensos e antigos pantanos; mas na Irlanda e ao norte da Escossia conta-se um numero de restar. Voltando a vista para a parte meridional da Europa, vejamos o que a historia resa e ensina. Na Italia entre outros muitos temos os populares pantanos da Toscana, Palmi, Mantua, as Lagoas Pontinas, os lagos de Iseo, de Garda, e as lagoas deYeneza. Todos os departamentos da França mostrão os seus pantanos, principalmente nas costas do Oceano, e do Mediterrâneo. Só o delta do Rhodano com uma su- perfície de 72 legoas quadradas, era bastante para nos mostrar o quanto por lá abundão os charcos e os poços pantanosos. Uma exposição clara e rigorosa da extensão occupada pelos pantanos d’aquelle império, é exposta por M. Motard na sua these de concurso. A Hespanha possue bem maior numero de pantanos do que conta M. Levy, que só falia dos que ficão junto de Cadix, Malaga e Gibraltar. Em Portugal não ha uma só provinda onde falte essa praga dos pantanos. A província do Minho é de todas a mais poupada. Não os ha no districto de Braga., e só existem alguns e insignificantes no districto de Vianna do Castello em alguns pontos marginaes dos rios Lima, Coura, e Minho, como por exemplo na veiga de S. Martinho, e nos extremos limites de Yillarelho, Seixas e Yalença, o que coincide com a sua constituição geologica, com o seu desenvolvimento na industria agrícola, e pecuaria, e com uma vegetação, por assim dizer, peculiar e característica, não só d’arvores de grande porte, como d’uma vegetação ras- teira e uniforme, que alfombra até o mais ingrato terreno d’aquelles logares. Pois, como é sabido, a cultura alternada por plantas vigorosas e uteis, melhora o solo e depura a atmosphera, internando na terra detritos das matérias animaes e vegetaes, que accumulados á superfície, e influenciados pelo calor e humidade, constituião outros tantos laboratorios de miasmas febriferos. Não obstante termos visitado aquella provinda na estação invernosa, em que a natureza se descarregaça dos seus adornos, e de por lá não observarmos essa extrema diversidade ou mistura excessiva de generos e especies, que se nota nas regiões tropicaes, ainda assim, basta interrogar a própria natureza em qual- quer folha do seu proprio livro, para sermos impressionados da sua amenidade e producção espantosa. Apezar de não ser alli o trabalho agrícola baseado em princípios seguros e 10 fecundos das theorias scíentifícas, que nos ensina a Agronomia; apezar de ser a Agrologia naquelle povo ainda uma arte puramente manual e grosseira, conten- tando-se o cultivador com a applicação directa dos methodos de producção ro- tineira, onde ha só a observação e a pratica dos factos; apezar de não poder usar-se naquella provincia o systema da grande cultura, pela multiplicada divi- são da propriedade e topographia do terreno; todavia, é talvez a provincia mais saudavel e que mais thezouros arranca do seio da terra, pela natureza do seu solo, e pela applicação aturada da arte agrícola. Não pode attribuir-se aos proprietários o atrazo dos instrumentos empregados na preparação do terreno; porque quem fôr á poética, amena e graciosa quinta do mosteiro de Refojos do Lima, pertencente a um dos mais nobres cavalheiros de Vianna, o Ex.m 0 Sr. José Mendes Ribeiro, ficará maravilhado, como eu fiquei’ perante um pequeno arsenal de innovados instrumentos de abegoar-ia. Entre ou- tros encontrão-se alli o excellente e aperfeiçoado arado e charrua simples de Ma- thieu de Dombasle, e a grade de Yalcourt; mas estão em relíquia, por que para o cultivador rutineiro não ha desapego possível ao imperfeito arado de Provença. Para esses agricultores a fanatica sancção dos séculos, não comporta facilmente os melhoramentos do pi-ogresso, nem se amoldão á pratica de empunhar a ra- biça do arado, logo que se afaste além da quintupla alliança da tradicional rabiça com suas chupadas aivecas e enguiçada reilha, terminando-se o jogo do vetusto legado de Provença por um desengraçado timão armado por um segão (,sega), tão disconveniente como o todo de que faz parte. Em face d’este prejuízo é necessaiào reduplicar os esforços d’esses dois agentes productores o trabalho da natureza edo homem como diz A. Smith (1), para do resultado final d’um multiplicado trabalho, tempo e capital, provir pouco e máo producto utilitário, em relação á fecunda liberalidade da natureza, e á labutação do agricultor. Continuar n’este retrogrado caminho, é desconhecer, que, o grande problema ju-atico, relativo á producção da riqueza, se reduz, nos meios de obter com o menor trabalho possivel, a maior quantidade de producto, como diz Mac-Culloch, e que os esforços constituem a despeza da producção, como as utilidades produzidas representão a receita. Se o emprego das ferramentas é condição indispensável para o desenvolvi- mento da capacidade productiva do homem, é claro que este será tanto mais util, quanto mais aperfeiçoado fôr o utensílio. Denotaremos um exemplo bem frisante : É sabido que no tempo de Ulysses um homem apenas fazia n’um dia farinha para 25, ao passo que hoje em S. Mauro, proximo a Parlz, um só moinho com 20 operários tem produzido nas mesmas horas farinha para 72,000; ou 1 para 3,600. Assim como o desenvolvimento agrícola pode fazer apparecer a riqueza onde (1) M. V. Coasin Onjaniaation de /’industrie. a natureza é madrasta (1), também a incúria e o atrazo faz renascer a mizeria, onde a natureza é mãe liberal; por que segundo observa M. de Fontenay, a força productiva, a fecundidade meramente natural da terra, produz tri- bulos et spinas (2) na maior parte dos casos. Aonde se ostenta com maior força, e melhores productos, pululão as feras, e os animaes nocivos; e apenas alimenta algumas trihus de selvagens errantes. Portanto é necessário que, os povos se convenção de que a pedra philosophal do enriquecimento das nações, hade encontrar-se no apogeo do desenvolvimento progressivo da sua agricultura, e não nas abegoarias históricas e praticas agrí- colas usadas no tempo de Confucio (3). Parece-nos ainda ver aqui, como na maior parte das nações, a agricultura no estado de escravidão e atrazo em que o despotismo dos imperadores e pretores romanos a lançárão, quando ha 18 séculos se assenhoreárão do mundo inteiro. Não é necessário possuir profundos conhecimentos de Geognosia, para ter uma idéa da structura geologica do solo da provincia do Minho, visto que pela structura exterior podemos chegar a determinar o aspecto da superfície, que dá origem aos seus montes, vales, e a todas as desigualdades que lá se uotão. Ora, sendo a origem e formação dos solos araveis devida aos diversos ele- mentos, que entrão na composição das rochas encontradas á superfície do terreno? depois de actuados pelos agentes atmosphericos, podemos concluir: que o seu terreno é geralmente silicioso, assentando sobre um esqueleto de rochas graníticas. Estas leves considerações são concernentes á conclusão; de que a causa pro- vável de, por assim dizer, não haver pantanos nesta provincia, pode attribuir-se ás suas condições de terreno e cultura; a insignificância dos seus pantanos deve explicar o diminutissimo numero de febres intermittentes, e gastricas, em relação ás outras provindas do reino, em que grassão intermittentes de todos os typos, ás vezes refractarias ao tractamento, remittentes, typhos, gastricas, dysenterias, etc. A extensão dos pantanos nas terras Africanas rivalisa com todas as outras partes do globo, o que se explica facilmente pelo transbordamento de seus rios caudalosos durante a queda das chuvas tropicaes, pela impermeabilidade do ter- reno, que constitue essas bacias, onde as aguas se conservão em estado pantanoso a maior parte do anno. Basta o Senegal e o Nilo com todo o comprimento de seus cursos, para explicar esta verdade. A Asia, parece que fora antigamente coberta por um vasto mar interior, que (1) J. B. Say, Conrs, 1. P. (2) Genes. 3, v. 18. ) Andrade, Cartas da índia c China. 12 se acha hoje representado por numerosos lagos e pantanos. Nas índias a embo- cadura e margens do Ganges, e do Euphrates dão origem a muitos pantanos e lagos como o Elton, Arnal, Ormiah, o Urnia (na Pérsia), etc. O mar Caspio é cercado de pantanos; toda a Crimea e a Mosopotamia; nem faltão no reino de Sião. Ainda assim parece ser Asia a região menos infectada era relação ás outras partes do mundo. Na America são abundantíssimo os pantanos, devidos ás mesmas causas, que os produz na África. Nos Estados-Unidos ha grandes e muitos pantanos. O Mississipi é bastante (para encharcar uma extensa area de terrenos, como se nota nos pantanos, que se estendem em mais de 20 legoas junto da sua foz. Contão-se outros muitos rios na America do Sul, na Guyana, e na Colombia, que dão origem á formação de muitos e extensos pantanos. Nestes estados é sem duvida na Carolina onde as febres paludicas maiores estragos fazem, e onde mais abundão os pantanos artificiaes pela cultura do arroz. O Brasil abunda também muito em logares pantanosos, o que é devido á ri- queza e abundancia de seus rios, ás suas relações com o mar, e a todas as outras condições, que concorrem para a sua formação nas outras partes da America. A’cêrca da província do Rio de Janeiro diz ainda o Ex.mo Sr. Dr. Torres Homem (1): os trabalhos da estrada de ferro de Pedro 11° attrahem muitos colonos portu- guezes, os quaes no fim de alguns mezes vão povoar as enfermarias do Hospital da Santa Casa da Misericórdia, affectados [de febres intermittentes simples e per- niciosas, febres rernittentes, biliosas, dysenterias e cachexias palustres, morrem em grande quantidade no ultimo grão de miséria. A Oceania pode considerar-se quasi tão rica de pantanos, como as nações da America. Tal é em geral o epilogo sobre a geographia, dos pantanos nas diversas re- giões do globo. Ao lado da geographia está o estudo da topographia, dos caracteres hydro- geologicos do solo, e da meteorologia, posto que Dutraulau (2) considere a en- demlcidade das febres paludosas, como um caracter de localidade, e não como attributo do clima meteorologico. (1) These de concurso, pag. 28, 1865. (2) Maladie des Européens dans les pays chauds, Paris 1861. 13 Emanações dos pantanos e sua composição. A agua estagnada contendo restos orgânicos cor- rompe-se dentro de poucos dias; e se fôr de verão, altera a atraosphera com suas emanações, nocivas ao homem e aos animaes. O Sr. Dr. Macedo Pinto (1). Para explicar a natureza e composição dos affluvios pantanosos, algumas hy- potheses têm apparecido; mas hoje têm soffrido um cambio de tal ordem, á face dos progressos da sciencia, que o seu valor por cerceado, não pode receber-se á vista dos factos positivos. Neste caso estão as hypothcscs de Varrão, Vitruvio, etc.; que as emanações pantanosas erão produzidas por insectos sabidos das aguas estagnadas; por gazes exbalados pelos habitantes d’essas aguas, etc. Depois, Wolaston e Paulo Savi, analysando a atmosphera, que se levanta dos pantanos, partem da hypothese de que a origem da insalubridade dos pantanos está ligada á producção do hydrogenio sulfurado e carbonado. Volta descobrio além d’esses gazes hydrogenados, hydrogenio phosphorado, azote, acido carbonico e productos ammoniacaes. A existência destes gazes é uma evidencia; mas o que não podemos admittir, é que os funestos effcitos dos pantanos tenhão essa unica origem; porque as ex- periências feitas com a mistura de gazes, que aproximadamente representavão a composição dos effluvios pantanosos, ou mesmo ensaiados separadamente, nunca produzirão eífeitos semelhantes aos das emanações paludosas. Deve haver então alguma outra causa. Vejamos: Tenard e Gasparin condensando o orvalho recebido sobre os pantanos, em apparelhos convenientes, [observarão : que os gazes dos pantanos depositavão na agua uma matéria putrecivel, cuja origem se attribue á decomposição ou alte- ração da matéria organica animal e vegetal, que alli jaz, formando ura lodo com seus arcabouços, e a cujas emanações o ar serve de vehiculo. Assim como a podridão da terra se transforma em tortulhos ou cogumellos de sapo que enve- nenão, a vasa dos pantanos se desdobra em effluvios que matão. É a estes principio, que se dá o nome de miasmas pantanosos, emanações pa lustres, e effluvios paludosos. (1) Policia hygienica, Coimbra 1863. 14 A existência d’esta matéria organica, não é simplesmente uma hypothese, é hoje um facto que a experiencia e a observação tem elevado á cathegoria de verdade, demonstrada por todos os chimicos, Moscat, de Milão, condensando as emanações dos arrozaes, pantanos artificiaes dlagua doce, em globos de vidro cheios de neve, collocados ura metro acima do solo, obteve uma matéria ílocunosa, putrecivel, de cheiro cadavérico, como ob- tivera, dos vapores recebidos no hospital de Deus da mesma cidade. Yauquelin nos offluvios das lagoas Pontinás obteve uma matéria organica, que se separava espontaneamente dos frasco. Eigaud e liimigliano encontrarão nas emanações pantanosas, além dos gazes já citados e conhecidos, essa matéria organica a que Savi chamou putrina. Boussingault descobrio na atmosphera dos vastos e perniciosos pantanos da America, matéria organica, que se carbonisava pelo acido sulfurico, obtendo iguaes resultados com os fluidos obtidos em vidros de ventosa sobre as aguas do Sena. Ultimamente Gigot (1), Pasteur e outros chimicos têm illucidado um pouco mais este importante objecto. Fizerão passar uma corrente d’ar atmospherico dos pantanos por um tubo contendo acido sufurico puro, e notárão no acido uma cor, que estava na razão directa da matéria organica, contida n’essa atmosphera pantanosa; mas como o acido carbonisava a matéria organica, Gigot envolveo o tubo n’uma mistura fri- gorifica, e substituio o acido por agua distillada, que conservou a uma baixa temperatura. Deste modo a corrente atmospherica, atravessando a agua do tubo, deixava a matéria organica suspensa, e de mais facil observação. Já por essa occasião Smith havia apresentado á sociedade real de Londres os seus trabalhos a este respeito, servindo-se do permanganato de soda, de cor vermelha. Por qualquer destes processos podemos avaliar a quantidade de matéria or- ganica contida nos effluvios pantanosos. Portanto, encontrão-se na atmosphera de todos os pantanos, donde se evolvem emanações insalubres, hydrogenio proto-carbonado, denominado por isso o gaz dos pantanos. O hydrogenio sulphurado é constante nos pantanos de qualquer especie, sal- gados, mixtos e nos d’aguá doce, que contêm sulfatos, o que dá ás emanações um cheiro característico do acido sulphydrico, porque os sulfatos, em presença da matéria organica cm decomposição, transformão-se em sulfuretos; estes em presença do acido carbonico e do oxygenio do ar e da agua, dão origem a car- bonatos, hyposulphytos e acido sulphydrico livre: e é este gaz nascente quem torna sempre os effluvios pantanosos mais nocivos. (1) Recherches expérim. sur la nature des éman, marccageuses, ctc. 15 Além dos productos gazosos, existe como vimos, matéria organica, que dá a esses effluvios um cheiro sui generis cadavérico. A sciencia ainda não chegou a decretar como lei irrevogável, se devemos con- ceder somente á matéria organica o unico papel na formação dos effluvios pan- tanosos. E uma lei geral, que todos os corpos em decomposição desenvolvem electri- cidade. Partindo d’estes princípios, Andral e Duran (1) querem ver na parte virtual da matéria organica, que constitue o miasma, a causa das moléstias pa- ludosas. A theoria electrica da pathogenia das febres paludosas, fique aqui já iniciado, como quer Burdel (2), armonisa com as idéas de Nepple, que afiançava, que os miasmas da febre actuavão immediatamente, e que as incubações a longo periodo erão meras hypotheses; mas hoje não ha um só medico que não tenha observado esses longos e indeterminados periodos de incubação do miasma por 50 e mais dias, posto em actividade por poderosas causas accidentaes. Burdel quer ver no solo paludoso uma vasta pilha voltaica, fornecendo á atmosphera uma enorma quantidade de electricidade, outras vezes a tira da atmosphera para a reter n’esse immenso reservatório. Duran é tão engenhoso na sua argumentação, como fértil em razões de persuadir. Neste caso os effeitos paludosos só serião perturbações da electricidade atmos- pherica sobre o organismo, e devião como os phenomenos eléctricos produzir-se instantaneamente no mesmo logar, o que se não verefica. É verdade que nos paizes quentes, onde os indivíduos, por efleito do calor permanente se enfraquecem e conservão menos força physicas, a incubação é mais curta do que na Europa, e dá logar a uma febre remittente ou continua, sempre grave, podendo obrar como a fulminação do raio, e arrebatar o indiví- duo n’um só accesso; mas a regra geral é dar-se a incubação, e á vista dos longos periodos de incubação, e do transporte dos miasmas a distancia não po- demos abraçar a theoria electrica da pathogenia da febre paludosa, como quer Burdel, sem que excluamos o concurso da força virtual, na acção material do miasma na producção das febres paludosas. Aqui pode prender-se ainda uma questão, a saber; o que será mais nocivo á saude as emanações levantadas dos pantanos, ou o uso de suas aguas ? Grasparin dando durante alguns dias agua de pantanos com cheiro repugnante a beber a carneiros, notou : que n’esses anirnaes se densenvolveo a moléstia co- nhecida pelo nome de hydrohemia. P. Frank cita uma povoação, no ducado de Brunswich, onde todos os annos (1) Febr. intermitt, na Argélia, Paris 1862. (2) Union mèdicale, 1858. 16 coincidia uma epidemia de dysenteria com a epoca em que se macerava o linho n’um pequeno ribeiro, de cujas aguas a povoação fazia uso. Magendi observou, que a agua com restos de peixe em putrefacção era mais nociva do que a carne corrupta, e que a agua com restos de pescada apodre- cida, sendo injectada nas veias, occasionava moléstias mui semelhantes á febre amarella, tornando-se o sangue de cor escura e tão fluido, que transudava por todos os tecidos. O mesmo confirma Duchesne (1). Anteriormente C. Bernard (2) affirma e assegura, por experiencias repetidas e precisas, que os gazes deleterios, e sobretudo a matéria organica em decom- posição, introduzida na economia por meio da inhalação pulmonar, actuão com mais energia do que ingeridos no tubo digestivo, onde são alterados e a sua acção de todo annullada, ou em grande parte attenuada. Portanto, podemos certificar com aquelles respeitáveis experimentadores, que a absorpção dos miasmas, por qualquer via, principalmente pela superfície pul- monar, é mais nociva do que quando a agua dos mesmos pantanos é ingerida no estomago. A’ vista dos factos não podemos seguir Figuier, quando contesta a infecção por melo da inhalação pulmonar. De tudo isto podemos concluir: que as emanações levantadas dos pantanos, e introduzidas na economia, principalmente pelas vias aerias, produzem uma en- toxicação, cuja forma varia segundo a natureza d’aquelle agente ; e que a agua dos pantanos bebida deve actuar do mesmo modo, posto que seja menos nociva do que a inhalação pulmonar dos miasmas paludosos, por causa da alteração, que a matéria deve soffrer no apparelho digestivo, não podendo de modo algum considerar-se a agua dos pantanos tão innocente como a suppunha Spallanzani. Emanações saudaveis. Aproveitaremos o encejo ou a opportunidade da matéria, para declarar, que felizmente ha momentos em que as nossas queixas contra a existência dos pân- tanos se aquietão um momento, á vista d’uma variedade d’aguas estagnadas, que parecem escapar-se á lei geral da sua nocividade: Nesses depositos d’aguas nem todos os chimicos têm encontrado a atmosphera viciada. Gattoni encontrou a atmosphera d’alguns pantanos tão pura como a das altas montanhas, onde não havia aguas estagnadas. (1) Ann. de Hyg. Publ., Paris 1860. (2) Leçons sur les prop. phy&iol. et les altér. des liquiâ, org., tom. l.°, Paris 1859. 17 Estas aguas, como se vê, longe de constituírem pantanos nocivos á saude, são antes uma fonte d’ar puro, uma origem d’oxygenio nascente. M. Levy (1) baseando-se nos resultados que posteriorraente havião sido ob- tidos por Saussure e Boussingault, e que já sabemos, attribue íaes deducções á imperfeição dos processos analyticos a que Gattoni procedeu. Porém Morren (2) estudando com cuidado a atmosphera dos pantanos, en- controu : que a matéria verde que cobre muitas aguas tranquillas, é formada por um numero infinito d’animaculos microscopicos; que os animaculos mortos, debaixo da influencia da luz solar, decompõem o acido carbonico do ar, absor- vendo o carbono, e que o oxygenio, no estado nascente, tornando-se livre, é dissolvido na agua, e dahi vai perder-se na atmosphera. Liebig repetindo as observações de Morren chegou tambera ás seguintes con- clusões : que as aguas estagnadas, cobertas de vegetaes ou animaes verdes ou vermelhos, adquirem um gráu de oxydação, que pode elevar-se a 61 por 100 do ar, que se encontra dissolvido na agua, evolvendo-se depois em grande parte para a atmosphera. Estes dados identificão-se com os de Morren, que havia notado n’uma agua limpida o maxirno 34 por 100 de oxygeneo do ar dissolvido; e nas aguas ver- des 25 por 100 de manhã, 48 ao meio dia, e 61 á tarde. Como se acaba de ver, as observações não estão d’harmonia entre as nocivas emanações produzidas pelos pantanos em geral, que primeiro expozemos, e os pantânos especiaes de que nos temos occupado ultimamente, chamados vulgar- mente pantanos de Morren e de Liebig, cujas emanações são uma receita d’ar puro. Vejamos se podemos chegar a um accordo entre estes resultados tão contra- dictorios. Não ha duvida, que as aguas estagnadas, quando cobertas de vegetaes, ou animaes verdes ou vermelhos, adquirem um gráu de oxygenação variavel, e que este phenomeno é devido á decomposição do acido carbonico pelos vegetaes e animaes em presença da luz, como mostrarão Morren e Liebig; que aquelle gaz no estado nascente, oxyda rapidamente os elementos da matéria organica, formando com ella corpos estáveis, tornando os pantanos em circumstancias de não poderem evolver nem gazes deleterios, nem productos fétidos. A’ vista d’uma dependencia tão especial, os pantanos desta cathegoria, longe de serem nocivos á saude, devem considerar-se como beneficos e saudaveis. Infelizmente pantanos d’esta ordem, em que Liebig encontrou uma atmosphera tão pura como a das altas montanhas, são muito raros. Oxalá, que em logar de sua escassez elles fossem tão abundantes e geraes, como menos advertidamente (1) Traité d'hyg. publ., Paris 1857. (2) Ann. de chim. et phys., tom. l.°, 3.a serie. 18 assevera Tardieu (1), que, levando a todos os pantanos as observações de Mor- ren, pareceu desconhecer, que o phenomeno vai contra as leis da affenidade mo- lecular, pela qual o pantano onde houver excesso de oxygeneo nascente, não ]3ode evolver gazes sépticos, como a observação confirma. Finalmente observações e experiencias repetidas têm confirmado, que as aguas estagnadas, embora contenhão matéria organica, deixão de ser nocivas, uma vez que se cubrão de lentilhas, confervas e outros vegetaes. Esta vegetação obsta era parte á desenvolução das emanações paludicas, porque impedindo a acção di- recta dos raios solares sobre a agua, estes não podem atravessar as suas diversas camadas para ir actuar sobre o fundo, assim protegido. A multiplicidade e ex- pansão das folhas verdes, entretendo por sua transpiração uma grande evapo- ração aquosa, vai auxiliar o oxygenio nascente, purifica o ar, e decompõe algu- mas emanações mephiticas, que possão ter logar, formando com ellas corpos estáveis. Foi sem duvida aproveitando esta idéa, que forão povoados de gyraçóes os pantanos, que cercão o observatorio de Washington, afim de neutralisarem a insalubridade d’essas aguas pantanosas. Diffusáo dos miasmas pantanosos. Os pantanos sâo um inimigo capital das povoa- ções, tanto mais terrível, quanto mais de perto as acommettem. O Sr. Dr. Macedo Pjkio. São tão variaveis as condições que podem influir na diffusão dos efíluvios pantanosos, e tantas as circumstancias differentes, que concorrem para o seu derramamento, que nos impossibilitão o podermos determinar com rigor os limi- tes da sua espliera d’acção. M. Levy diz: que as emanações paludicas irradião para todos os pontos, quando a sua atmosphera não é ondulada com agitação; e que a sua acção nos climas temperados se estende a 500 metros no sentido vertical, e a 300 no sen- tido horisontal. O Dl'. Sigaud (1) conta, que a esphera da intensidade chacção dos efíluvios pantanosos tem mais amplos limites do que os determinados por M. Levy. Aquelle escriptor, conservando o mesmo raio d’altura, estira a linha a 550 me- (1) Dict. d’hy. publ., tomo 11, Paris 1854. (2) Du climat et des maladies du Brésil, Paris 1844. 19 tros no sentido da sua extensão; porém se fizermos entrar no calculo a força dos ventos, então pode alargar-se o campo dacção dos miasmas a mais de 20 legoas no sentido horisontal. Neste caso os miasmas mais voão, do que andão. A acção pathogenica dos pantanos depende em grande parte da latitude e elevação do solo, como se vai ver. No hemispherio Norte, o dominio geograpliico das febres paludicas estende-se do Equador a um limite boreal, que, ao menos no antigo continente, correspon- deria á curva isotherma de 5.° centigrados; emquanto que no Oceano Atlântico poderia ser representada por uma linha recta, partindo do Canada até encontrar a costa da Noruega a 59.° de latitude. Em compensação essas febres são pouco frequentes em toda a porção da America do Sul, situada fora dos tropicos, mesmo nos pontos onde existem aguas estagnadas e pantanosas, e as temperaturas annuaes excedem as que se observão na parte meridional da Europa. As estatísticas do exercito Inglez mostrão, que as febres paludosas attingem a sua maxima gravidade na costa Occidental da África, na Jamaica, nas Antilhas, em Ceilão, etc.; e que a índia Ingleza é mais poupada do que a região tropical da África e da America. Portanto a frequência das moléstias paludosas, e a sua gravidade augmentão a partir dos tropicos para o Equador; este augmento segue as linhas isother- micas, e não as parallelas, donde se conclue, que a influencia da latitude sobre os pantanos se resume na do calorico. Os limites em, altura das febres paludosas acima do nivel do mar, não pode rigorosamenter marcar-se; mas pode affirmar-se, que ellas diminuem de frequência com a altura, e que o seu typo se afasta successivamente da continuidade, á medida que se sobe acima do nivel do mar. A elevação do logar é pois um outro elemento, que não podemos deixar de- sapercebido, pois que nos paizes do Norte e sobre as planuras de montanhas elevadas, são desconhecidas as febres intermittentes, embora lá haja aguas esta- gnadas e matéria organica. Nos climas temperados, pelo que diz respeito ao desenvolvimento das febres intermittentes, o estio corresponde ás regiões do Equador, e o inverno ás re- giões do Norte. Segue-se que a acção das febres paludosas está na razão inversa da elevação do solo, e da latitude do logar; e na razão directa da sua tem- peratura. É isto o que nos mostra a historia das epidemias e endemias das regiões pan- tanosas, e o que confirmão as observações do reportorio de Fournier, das quaes conclue ; que a cidade de Sezza, 300 metros acima do nivel do mar, não é in- fectada pelos pantanos pontinos, que morão proximo dahi. M. Levy repara, que a cholera morbus indiana é a unica moléstia de origem paludica, que, com respeito á elevação e latitude do logar, não está subordinada 20 d lei da propagação paludica, porque ainda não poderão comprovar-se os limites da sua marcha. A elevação de temperatura concorre sobremaneira para activar a fermentação das substancias organicas, e favorecer a evaporação da agua, vehiculo das ema- nações paludosas. E verdade que augmentando o calor, essa atraosphera é rare- feita, e a sua acção nociva é menor emquanto o sol dardeja, porque os raios da luz d’um sol claro resvalando por de entre a túnica nevoenta, que cobre as amplas bacias paludosas, actuão, atravez das diversas camadas da agua, até ao fundo lodoso e cimentado de arcabouços e restos de matéria organica, que se doura e abre aos beijos vivificadores da incidência perpendicular dos raios caloríficos, para se desdobrar numa respiração de vapores miasmaticos e ílagelladores que se irradião a uma distancie, que varia segundo a elevação de temperatura, a dila- tação e movimentos da atmosphera. Estes efíiuvios por tanto tempo mysteriosos, doidejando na atmosphera, que os agita, aproveitão-se da escuridão das trevas, e do abaixamento da columna thermometrica durante a noite, para depois de voltear na atraosphera, uma vez concentrados, se precipitarem era cumulo sobre e em volta d’esse abysmo de lodo, que os havia criado, visto que o seu peso especifico é maior do que o do ar. Com o arrefecimento da noite, esses vapores utilisando-se da escuridão das trevas, precipitão-se sobre as bacias pantanosas, onde os miasmas adejão e pairão debaixo da forma d’um nevoeiro espesso, pro- duzindo eífeitos tão terríveis, como mostraremos mais abaixo. As emanações paludosas accumulão-se por conseguinte, nas mais baixas camadas da atmosphera, em virtude do seu maior peso especifico; e segundo a elevação da temperatura, a dilatação e os movimentos da atmosphera, assinadas emanações se elevão a maior ou menor altura, e se irradião a maior ou menor distancia. Daqui surge a razão, porque os miasmas se concentrão com o arrefecimento da atmosphera, e a causa porque é mais perigoso assistir ou passar junto dos pantanos de noite e de manhã antes do sol nado, e nos dias de nevoeiro; por onde se confirma, que a gravidade da entoxicação está na razão da absorpção dos miasmas. Os effeifos d’essa absorpção podem manifestar-se, ou depois d’uma longa ex- posição nos logares pantanosos, ou em virtude d’uma rapida passagem perto d’elles: porque a absorpção pode ser rapida, eos symptomas promptos, ou haver uma incubação sem tempo determinado. Um exemplo bem frisante da energia e terrível acção pathogenica das ema- nações paludosas, quando muito concentradas, é o seguinte: John Pringle conta, que 15 dias depois da chegada das tropas á Nova Ze- lândia, muitos dos homens que estavão estacionados mais perto dos pantanos forão simultaneamente atacados de quebramento, inquietação, sensações, calor ar- dente, sede violenta, nauseas, enjoos, vomitos, fortes dores de cabeça, nas costas, e nos ossos, etc.; que alguns destes homens érão atacados por súbitas e violentas 21 affecções de cabeça, corrião e erão como loucos, terminando os accessos por uma transpiração, etc.; que os homens, que passavão pelos prados e paníanos durante a manhã, em que ura espesso nevoeiro deitava um cheiro repugnante, erão atacados subitamente; alguns com as violentas dores de cabeça, fugião como doidos ficando estes desgraçados, depois de curados da febre, sujeitos pelo menos a recahidas das febres intermittentes, etc. Portranto, á maneira d’uma atmosphera húmida e fria, os bosques, as serras, e tudo quanto cerca ura pantano, retendo-lhe seus effluvios, concentra seus miasmas, difficulta a sua diffusão, e torna menos intensa, e mais terrivel a sua acção. Quando os pantanos são abertos, e que os ventos podem varrer a atmosphera que os cobre, aproxima-se o caso de serem actuados por um calor intenso, por- que esses effluvios podem ser jlevados a grande distancia, constituindo correntes miasmaticas mais ou menos nocivas, segundo a extensão dos pantanos, e as cir- cumstancias, que favorecem o desenvolvimento de suas emanações. Deste modo se explica a razão, porque algumas povoações soffrem febres paludo- sas, emquanto outras mais próximas dos pantanos são raras vezes visitadas por ellas. As febres de infecção paludosa que em 1826 assolarão a Hollanda, invadirão repentinamente a Inglaterra, logo que os ventos soprarão d’aquella nação. M. Lefebre assegura, que os pantanos de Brounage lanção seus effluvios até Rochefort, e M. Levy cita factos de terem sido infectados nas índias occiden- taes, por miasmas trazidos pelo vento da terra, os tripulantes dos navios surtos a 3 k. da costa. O major Prior no seu relatorio ácerca das febres, que atacárão o exercito dos Estados-Unidos em Galliopolis, exprime-se do seguinte modo : Perto do acam- pamento existe uma grande lagoa, que pelos calores de Agosto se tornou n’um pantano, porque a agua evaporada deixou em seu logar um lodo lamacento, cora uma mistura viscosa e espessa de matérias vegetaes em putrefacção, que emit- tião ura fétido quasi insupportavel. O vento soprando em contrario, deu-nos a principio bom estar; depois que soprou contra nós, vindo da parte d’essa lagoa, em 5 dias metade da guarnição estava doente, e em 10 dias metade dos doentes estavão mortos. Do que precede deduz-se a seguinte conclusão : que não podemos em hygiene produzir uma formula para esmerilar a extensão, a que alcanção os miasmas paludosos; porque a sua marcha está subordinada á influencia de muitas cau- sas, que podem actuar promíscua ou individualmente. Neste caso podemos ad- mittir com o nosso mestre, o Sr. Dr. Macedo Pinto (1) ; que a intensidade das emanações d’um pantano está na razão inversa da distancia d’elle, e varia se- gundo as condições das mesmas emanações, e o gráu de susceptibilidade do indivíduo para ellas. (1) Medicina Administrativa e Legislativa, Coimbra 1862, 22 Effeitos dos effluvios pantanosos sobre os vegetaes. Não é só sobre o homem que os terríveis eífeitos dos miasmas paludosos se fazem sentir. Os brutos, como os proprios vegetaes, soffrem a seu modo as consequências tremendas dos seus malefícios: e, argumentando daqui, melhor avaliaremos a sua influencia sobre o homem, Tardieu, M. Levy e a maior parte dos hygienistas reputão constante a acção nociva, que os pantanos exercem sobre a vegetação próxima. Ha pantanos ricos d’uma vegetação soberba, sumptuosa, e variegada, querendo, por assim dizer» inculcar-nos uma riqueza superenal aos custosos prados e vergeis do cultivador incansável; mas esta prosperidade e vigoroso desenvolvimento, somente é notado nas plantas próprias dos pantanos, ao passo que as margens pantanosas são po- voadas por uma vegetação languida e froxa, as arvores enguiçadas e sem desen- volvimento; os fructos serodios, sem sabor nem aroma; os cereaes são de inferior qualidade; as plantas pratences, e forraginosas são muito pobres de principios nutritivos, pouco substanciaes e azotados. A ésta regra geral respondem algumas excepções, como é de razão crer e julgar. Effeitos dos pantanos sobre os animaes. Para julgar da salubridade d’ura logar, aconselhava Vitruvio (1), que se ins- peccionassem as visceras dos carneiro. E na verdade ainda hoje difficilmente se encontra um animal lanígero, apas- sentado por largo tempo em logares pantanosos e sezonaticos, que tenha as visceras em bom estado, principalmente o fígado e o baço. Os animaes que vivem em sitios pantanosos, são mais doentios, e sugeitos a enzootias particulares, como a haceira, o ferrujão, a hydrohemia, marilha, mal do fígado, etc.; moléstias que reinão enzootica ou epizoticamente nos logares baixos, húmidos, e pantanosos (2). Mostra a experiencia, que os effeltos paludosos se manifeatão na razão inversa da estatura dos animaes, porque respirão as camadas [inferiores da atmosphera, onde mais concentrados permanecem os effluvios pantanosos. (1) Vitruvius, liber 10.Io. (2) O Sr. Dr. Macedo Pinto, Cnrso de Zooiatrica domestica, 1 vol. Coimbra 1854. 23 O carneiro está neste caso; anda com as narinas junto do chão, come os ve- getaes orvalhados de vapor aquoso da atmosphera pantanosa, saturada de seus effluvios terriveis, e além disto uma camada de ar viciado por essas emanações paludicas, adhere á lã ou ao pello que os cobre, e actua sobre a pelle por mais largo espaço de tempo. A’ visto destas circumstancias e resultados, já se vê que Vitruvio tinha razão no seu recado. O Sr. Dr. Pitta Simões (1) assevera, que em Jorumenha (Portugal) onde são endemicas as febres intermittentes, e outras moléstias paludosas, não é pos- sível apurar um só recruta para o exercito, e que até nos gatos e ovelhas são frequentes as intermittentes terçãs, o que é attribuido pelos povos ao máo ar, que durante a madrugada se levanta da celebre lagoa chamada o —•pego podre que é alimentado pelas aguas do Guadiana. Não é só nos animaes de pequena estatura, que se traduzem os máos effeitos dos pantanos, porque se attendermos bem aos animaes domésticos, que vivem junto dos pantanos, nota-se uma constituição fraca, temperamento lymphatico, magresa, carnes molles e insipidas, movimentos tardios, vida curta, chegando até as próprias raças a degenerar. Eífeitos das emanações pantanosas sobre o homem. Os pantanos são o mais terrível de quantos fla- gellos têm em todos os tempos devastado a cspecie tmmana. O Sr. Dr. Macedo Pixto. Tendo acotado, como por incidente, o pernicioso eífeito dos pantanos sobre os vegetaes e animaes, razão é fallarmos da sua má influencia sobre o homem; pois que é elle o objecto especial do nosso estudo. Para isto seguiremos a historia pela ordem genealógica das idades e dos factos. Desde Hippocrates até hoje, em todos os tempos e logares se tem invariavel- mente observado, que debaixo da influencia dos effluvios pantanosos, a saude dos homens se deteriora, e febres frequentemente mortíferas se desenvolvem em larga escala; e que as abjurgatorias contra os pantanos conta muitos séculos e será eterna. É fora de duvida também, que a natureza dos effeitos pantanosos produzidos por esses effluvios, varia segundo as regiões do globo, segundo circumstancias (1) O Sr, Dr. Macedo Pinto Ilygiene publica. próprias dos pantanos, que lhes dão origem, e segundo a susceptibilidade mór- bida dos individuos em que actuão. Já vimos, quando tratamos da geographia dos pantanos, que as febres inter- mlttentes, resultado bem manifesto dos effluvios paludosos, não são geraes em todas as regiões do globo, ou que pelo menos, nem em todas as regiões se ma- nifestão com a mesma intensidade, nem aífectão os mesmos caracteres. É esta a opinião geralmente recebida na sciencia; o que se attribue á variavel acção dos agentes physicos sobre a matéria organica em decomposição, e á natureza dessa matéria, etc. A seguinte figura mostra á evidencia os terríveis effeitos de que são capazes os pantanos, não só nos climas quentes, como também nos temperados. Com o corpo escondido no lodo (1) essa formidável hydra de nova especie. os pantanos, por uma cabeça vomitão as febres intermittentes na Europa, por outra as febres remittentes na África, por outra a febre amarella nas Antilhas, por outra a terrível peste no Egypto, e emfim dos lodaçáes do Ganges alção quinta cabeça por onde lanção a cholera morbus. Isto é a sancção dos factos, a que facilmente se chega por uma illação scien- tifica, partindo do conhecido para o hypothetico. E sabido, que nas operações chiraicas os compostos que se formão, varião debaixo de muitas circumstancias, !como são : a natureza e proporção dos ma- teriaes sugeitos á acção da sua affinidade reciproca, a temperatura, o gráo de humidade do ar, a electricidade, etc. Applicando estas considerações ao que se passa nas emanações pantanosas, desenvolvidas debaixo de condições mais ou menos capazes de fazer variar sua composição, não podemos ter duvida em chegar á seguinte conolusão : que nas diíferentes regiões da terra as emanações dos pantanos produzem sobre o homem effeitos diversos, resultado provável de duas causas : acção variavel, segundo o clima, dos agentes physicos sobre a matéria organica em decomposição; e natureza da matéria organica existente nos pantanos; que não pode ser idêntica nas di- versas regiões, porque as especies vegetaes e animaes não se achão igualmente distribuídas sobre a terra. Esta opinião é recebida por todos os homens da sciencia, não só para os pantanos das diversas regiões da terra e para os pantanos ainda na mesma re- gião, mas até a sua diversidade d’acção se nota n’um mesmo pantano debaixo de condições diversas. Por exemplo, o Dr. Anclon conta, que a lagoa de Lindre (2) sendo esgotada de 3 em 3 annos pelos povos, com o fim de pescar o peixe, produz doenças (1) O Sr. Dr. Macedo Pinto, Hyg. Puhl., pag. 319. (2) No departamento de Meuvthe (França). 25 que varião com o estado da lagoa: quando secca produz febres intermit entes; meia febre typhoide; cheia aífecções carbunculosas. Por conseguinte a dessemelhança de elementos conteúdos, actuados por agentes tão diversos, não podem deixar de produzir eífeitos variados, e moléstias diver- sas, como vimos que tem logar a peste no Egypto, a febre amarella nas Antilhas, a cholera morbus nas índias, a hepatite, a cólica secca, o escorbuto, as remittentes dos paizes intertropicaes, as interraittentes nas regiões temperadas, etc., etc. Não obstante a parte histórica e a narração dos factos, que nos autorizão a chegar a uma tal conclusão, já tivemos occasião de notar, no logar competente, que nada ha ainda bem determinado ácerca da natureza e composição das emana- ções e da agua dos pantanos, o que escurece e difficulta o estudo da sua acção sobre o homem. O que se sabe até á evidencia, é, que não ha constituição por mais robusta, que se acclimatise ás emanações paludosas sem softrer alguma das moléstias pantanosas, ou ao menos sem que uma intoxicação lenta venha a converter aquella constituição em cachexia paludosa, como diz Catteloup; nem ha regimen preventivo o mais adequado, que possa obstar ao poder occulto da terrivel e nociva emanação dos miasmas paludosos. Para nos compenetrarmos bem d’esta verdade, basta comparar o movimento da população, o numero das moléstias, e a duração da vida nas localidades pantanosas, com o que se passa nas povoações, que gosão todas as regalias de salubridade. Em geral os traços mais salientes da organisação dos indivíduos, que nascem, crescem c vivem n’uma atmosphera pantanosa, tanto nos climas quentes como nos temperados, são : Estatura mediana, constituição froxa, temperamento lyrn- phatico, pelle d’um amarello escuro terroso, mucosas descoradas, carnes molles, ventre volumoso, hypcrhcmias visceraes com especialidade do figado e do baço, chegando ás vezes este orgão a occupar o hypocondrio esquerdo, alojando-se até na fossa illiaca correspondente, predomínio de fluidos brancos, tendencia para hydropisias, e froxidão nas funcções animaes e organicas. É no estio e princípios de outono, que os pantanos produzem nos climas tem perados os seus maiores estragos; e de Novembro a Março nas regiões tro picaes. Se abrirmos a estatística de França, nota-se: que nos departamentos mais pantanosos o máximo de obitos causados por moléstias de origem paludosa tem logar em Setembro para as crianças, e em Outubro para os adultos, vindo a maior mortandade a coincidir com o maior deseccamento dos pantanos, variando estas épocas conforme o outono é secco e ardente, ou fresco e húmido. É também um facto geralmente observado, que os annos quentes e chuvosos tornão mais doentias as localidades, visto estas condições concorrerem poderosa- mente para a formação dos pantanos e para a diífusão dos seus miasmas. 26 Além das diversas moléstias, que temos mencionado, produzidas pelo elemento miasmatico, nota-se a sua nociva influencia na despopulação habitual das povoa- ções, situadas entre ou nas circanias pantanosas, no depauperamento da constituição, e até na degeneração da especie d’esses indivíduos. Becquerel (1) conta, que as cidades de Brindes, Aquiléa, e Acerra desappa- recerão do solo Italiano, e que em alguns departamentos pantanosos de França, a mortalidade sobe ao dobro, e a duração média da vida desce Vs a Ve, relati- varaente á dos departamentos onde não ha pantanos. O estrago na constituição e desenvolvimento d’aquelles indivíduos é de tal ordem, que a inspecção para o serviço militar não tem podido apurar metade dos moços de vinte annos; e o que é mais assustador, dos nascidos em certos annos, nem um só se encontra com a robustez e saude que exige aquelle serviço. Finalmente nos logares pantanosos, como Solonha, Brenna e Bressa, o numero de obitos excede o dos nascimentos, sendo a emigração quem conserva a po- pulação. M. Mêlier, n’ura relatorio sobre pantanos, diz : que era alguns dos municípios d’aquelle paiz a mortalidade se eleva a 1 sobre 13, o dobro da mortalidade geral. Em Portugal temos infelizmente dados estatísticos d’esta ordem (2) e já tive- mos occasião de sentir (3), que na Yilla de Jerumenha, onde reinão endemica- mente as febres paludosas, não se apura muitos annos um mancebo de 20 annos com robustez capaz do serviço militar. Tal é o estrago da constituição d’aquelles povos, produzido pela acção lenta e continuada dos effluvios pantanosos. Portanto a experiencia confirma com factos de todos os tempos, que nos climas temperados e quentes, a influencia paludica se manifesta por inter- mittentes de todos os typos, endemicas em todas as povoações vizinhas dos ter- renos pantanosos, e distanciadas dentro da esphera da acção miasmatica, tanto na propagação ordinaria, como no caso das correntes atmosphericas, quando so- prão dos logares paludosos. Nas estações mais quentes do anno são frequentes outras moléstias de origem paludica, como remittentes, typho, dysenterias, gastricas de caracter remittente» e ás vezes ataxico, adynamico ou pútrido, começando e terminando por tomar a qualidade intermittente. As obstrucções do baço e figado são ordinariamente con- comitantes com as febres intermittentes, ás vezes incuráveis, e cachexias, que terminão muitas vezes pela morte. Além de todas estas moléstias temos a hepatite frequente nos climas quentes, e não rara nos temperados durante a estação calorosa. (2) Relatorio da cultura do arroz em Portugal, Lisboa 1860. (3) Freire, these, pag. 23. (1) Byg. publ. et part. Paris 1857. 27 Etiologia. A etiologia das moléstias c realmente a parte mais intricada e difíicll da pa- thologia. A doutrina dos elementos etiologicos, donde se deduz naturalmente a dos elementos pathologicos, e que permitte remontar á natureza essencial das molés- tias, parece-nos o meio mais seguro, para chegar á verdade, sobre a sua patho- logia e therapeutica. É verdade que o methodo etiologico, applicado ao estudo da pathologia, não é sempre facil, nem mesmo praticável: mas quando por elle se pode chegar ao conhecimento essencial da natureza e do tratamento das moléstias, deve merecer a nossa preferencia sobre qualquer outro. Por causas morbifícas comprehende-se tudo, que produz as moléstias, ou que concorre para o seu desenvolvimento. A Etiologia, para nós, tem por fim o estudo e conhecimento dessas causas morbifícas. Elias existem por toda a parte; em nós e em tudo que nos cerca, até nas cousas mais indispensáveis á vida. Para simplificar o estudo das numerosas e variadas causas das moléstias, os autores, agrupando-as pela analogia de seu modo de obrar, formão d’ellas 3 ordens. Determinantes, Predisponentes, e Occasionaes. O modo d’acção das causas determinantes é o mais evidente e menos tado, visto produzirem só e sempre uma mesma moléstia, salvo circumstancias especiaes. As causas Determinantes são subdivididas em 2 grupos Determinantes com- muns, e Especificas, conforme produzem uma moléstia, que pode ser produzida por outros agentes, ou só determinada por ellas. As Especificas têm o caracter particular de engendrar moléstias, que ellas só podem produzir, e de serem no seu modo d’acção inaccessiveis ás explicações da physica e da chimica. As causas Especificas ainda admittem uma subdivisão, em Especificas Ordiná- rias, e Contagiosas, cuja divisão está d’accordo com o seu modo de obrar. Especificas Ordinárias são aquellas cujos effeitos se limitão aos individuos su- jeitos á sua acção; e Especificas Contagiosas, dizem-se todas as que depois de obrarem sobre um individuo, este transmitte a outros causas analogas, produ- zindo effeitos semelhantes aos que nelle se desenvolverão. Nas causas Especificas Ordinárias entrão : exalações miasmaticas, certas ema- nações metalicas, venenos e peçonhas 28 Portanto, é nas causas Especificas Ordinárias, que devemos introduzir o miasma paludoso, como causa das aífecções pantanosas. Postos estes princípios, que nos parecem necessários e sufficientes para intel- ligencia da nossa these, entraremos na matéria sugeita. Todos os autores, que têm escripto sobre a pathologia dos paizes intertro- picaes, como das regiões temperadas, hão tido em grande conta, a incontestável influencia dos miasmas pantanosos na producção das moléstias. O facto constante e geralmente observado de serem as pessoas que babitão ou trabalhão junto dos pantanos, atacadas principalmente em certas épocas do anno, e o pouco que soífrem essas moléstias os individuos que babitão onde não ba pantanos, nem condições analogas, autorisão-nos a investigar a mortalidade e duração media da vida de cada povoação, antes e depois do apparecimento ou extincção dos pantanos, e a comparar estes dados estatísticos com os d’outras povoações, que reunem as devidas condições de salubridade, para deduzirmos com precisão e clareza sobre a nociva influencia das emanações paludosas. Um dos pontos da pathologia, principalmente dos paizes quentes, que exercem uma grande influencia sobre a opinião, que se pode fazer das analogias e natu- reza, que apresentão entre si os diversos generos de moléstias infectuosas, é a complicação, ou antes a combinação de febres paludosas com todas as outras especies endemicas, e até com as epidemicas e esporádicas. São pois estas aífecções devidas a uma entoxicação paludosa, que, como já notamos, (1) pode ter logar pelo uso das aguas pantanosas, pela absorpção dos gazes, que fazem parte da atmosphera de mistura com o vapor aquoso, e pelos effiuvios miasmaticos, que os acompanha. Portanto a existência d’um grande numero de superfícies pantanosas, actuadas por um calor intenso, debaixo d’um estado de exageração bygrometrica da at- mospbera, variações bruscas de temperatura e os pbenomenos eléctricos constituem um cortejo de elementos bastante poderoso, para resolver o grande problema das endemo-epidemias, nos povos intertropicaes e das regiões temperadas. Da acção d’estes diversos agentes origina-se um elemento morbifico, que do- mina a etiologia; quero referir-me ao miasma paludoso; e da sua acção sobre o organismo, resulta uma entidade mórbida, a entoxicação paludosa, em todas as suas differentes manifestações patbologicas. Posto que os miasmas escapem aos nossos sentidos e meios de investigação, o estudo e conhecimento dos factos até hoje conhecidos d’harmonia com o ra- ciocínio, levão-nos a admittir a sua existencla. A chimica tem feito esforços para descobrir no ar dos pantanos o elemento material da infecção. (1) Freire, these, pag. 15 29 Os chimicos têm encontrado (1) na atmosphera paludosa uma matéria orgâ- nica com caracteres particulares, a que têm attribuido o principio das moléstias pantanosas: mas sua asserção não tem podido ser demonstrada. A existência do miasma paludoso, admittida pela maior parte dos autores antigos e modernos, como causa das affecções pantanosas, tem sido contestada por alguns práticos, que pretendem explicar o desenvolvimento de taes moléstias pelas variações hy- gro-thermometricas da atmosphera; mas já tivemos occasião de dizer, que a sua existência é hoje uma verdade categórica, se não sufficientemente demonstrada pelos meios aualyticos, os symptomas, as lesões anatómicas e as deducções ló- gicas de seus effeitos, são tão rigorosamente admissiveis, como no caso dos agentes chimicos. Se tivermos em vista, que nas regiões tropicaes, como nas regiões temperadas, o typo do foco da febre é o pantano clássico, como o descrevemos, e que as febres de accesso reinão habitualmente por toda parte, onde se encontrão reu- nidas as condições da decomposição da matéria organica; que essas febres se manifcstão nos climas temperados, principalmente no fim do estio e principios do outono, em que as aguas abaixando, deixão a descoberto o lodo, formado principalmente por um colchão de matéria oi’ganica esphacelada; se attendermog, que essas febres vão desapparecendo, por toda a parte onde se chegão a des- seccar e a extinguir os pantanos, e que reapparecem momentaneamente na maior parte dos logares onde se formão charcos accidentaes; se nos lembrarmos, que taes febres muito frequentes e graves nos logares mais proximos das aguas es- tagnadas, se tornão progressivamente mais raras e mais benignas, á medida que se afastão mais dos focos miasmaticos; e se tivermos em linha de conta a in- fluencia dos ventos sobre as povoações, quando soprão das bacias paludosas; não podemos deixar de admittir a existência d’esses miasmas e a sua acção especifica no desenvolvimento das febres d’accesso. Por todas estas e outras muitas considerações, que omittimos, não podemos deixar de collocar os effluvios paludosos entre as causas especificas (2). O miasma pode reputar-se a forma philosophica e sacramental d’uma categoria bem dis- tincta de causas especificas, cujas especies são muito numerosas (3). Além disto ainda a especificidade da causa das affecções paludosas tem a seu favor a esj)e- cificidade do remedio, que se lhes oppõe, porque náo queremos remedio especifico senão contra moléstias, que reconhecem uma só e mesma causa, corno diz M. Chomel (4), e no que Dutroulau (5) concorda, depois de o contestar, quando (1) Freire, these, pag. 13 e seguintes. (2) Freire, these, pag. 26. (3) Requin, these de concurso, Paris 1851 (4) Path. geral, Paris 1856. (5) Opera marque, pag. 84 e 181. 30 diz : La spécificité du mal n implique pas la spécificité du remede; elle est dans la nature même des choses, et le remede nest souvent que dans Vesprít du rnédecin. La fievre paludéenne a pourtant son spéciftqne, etc. La spécificité déune maladie est toute dans sa cause; un remede spécifique sup- pose toujours une cause spécifque, etc. N’outro logar, diz ainda o autor das moléstias dos paizes quentes: temos visto curar dysenterias complicadas de febres pelo sulfato de quinina, donde se con- clue, que a dysenteria era devida á mesma causa infectuosa, que a febre. Ha febres paludosas cujo elemento pernicioso se compõe dos mesmos symptomas da dysenteria, e algumas vezes da febre amarella, ou pelo menos da febre billosa, por exemplo, mas que se não desdobra para dar logar separadamente a cada uma d’ellas. Ha também dysenterias, hepatites, colites, e outras moléstias, que se complicão de febre paludosa, mas ahi não ha senão uma associação de 2 elementos etiologicos e pathologicos distinctos, influenciando-se reciprocamente, predominando muitas vezes um sobre o outro, podendo separar-se pelo tratamento ou espontaneamente, e continuar seu curso em separado, ou desapparecer algu- mas vezes também ao mesmo tempo e pelo mesmo tratamento, quando uma absorve a outra quasi inteiramente por sua gravidade. Já tivemos occasião de dizer, que nos climas temperados é bem conhecido o effeito do miasma paludoso, todavia nas regiões tropicaes é que o elemento pan- tanoso se desenvolve em maior escala, e que seus effeitos são mais terríveis. Posto que as pirexias representadas por febres intermittentes e reraittentes, simples e perniciosas, sejão reputadas o effeito mais constante ou o typo da infecção produzida pelo miasma paludoso, as hemorrhagias, as hydropisias, o escorbuto, as congestões, a dysenteria, etc., também muitas vezes se desenvolvem sob a influencia dos mesmos princípios, assim como diversas outras moléstias, que impropriamente têm recebido o nome de febres larvadas. Ouçamos o Ex.m 0 Sr. Dr. Torres Homem (1), que é mestre e autoridade com- petente : „ As affecções paludosas constituem quasi um património exclusivo dos paizes equatoriaes : ahi são ellas tão frequentes, tão variadas era suas manifes- tações, tão insidiosas em sua marcha, tão graves, terminão ás vezes fatalmente com tão extraordinária rapidez, que os médicos que exercera a sua profissão n’estas regiões vivem sempre estudando e observando taes moléstias, verdadeiros protêos que tomão as formas as mais extravagantes, e ás vezes conseguem illu- dir o mais experimentado dos práticos. u As febres intermittentes simples, as perniciosas, com todas as suas nume- rosas variedades, as remittentes biliosas, a dysenteria, a febre amarella, são os resultados sobre o homem da accão dos miasmas que procedem dos pantanos. „ Temos pois, que as affecções paludosas são verdadeiros protêos, como acaba (1) Thcse de concurso do Acclimaíarnento, pag. 10, Rio de Janeiro 1865. 31 de dizer aquelle illusíre professor, tal é a extrema variedade de suas formas. A febre amarella no México e nas Antilhas; a peste na Turquia, na Syria e no Egypto; a cholera morbus nas povoações indianas das margens do Ganges; e as febres intermittentes e remittentes reinão constantemente nas localidades pan- tanosas dos climas quentes e temperados, e raras se desenvolvem nos trios. Nas localidades mais paludosas o typho, e com mais frequência a affecção typhoide, quasi se podem considerar endemicas, pois raros são os estios e ou- tonos, em que não apparecem casos d’estas moléstias nos logares paludosos dos climas temperados, sem esquecer-mos as febres gastricas, diarrheas, e outras moléstias já por mais d’uma vez apontadas, que são verdadeiras endemias de infecção paludica, e que como taes devem ser tratadas. A cholera morbus tem uma etiologia muito obscura, mas o conceito geral é que os lodaçáes do Ganges, são o berço onde se engendra. M. Levy diz, que a cholera morbus indiana é a unica das moléstias de origem palustre a que se não tem podido marcar limites. A febre biliosa ligada sobre tudo ao clima tropical, em razão do seu caracter remittente, tem sido considerada o eifeito d’uma entoxlcação palustre. Dutrou- lau (1) é um dos que assim o julga, mas elle mesmo reconhece a insufficiência do seu julgar, porque a remittencia não é um caracter constante da moléstia, e a quinina tão util nas pyrexias d’origem palustre é constantemente prejudicial na febre biliosa (2); comtudo, no 2.° relatorio sobre a quarentena mostra o con- selho geral de saude Ingleza, que as febres com caracter bilioso podem desen- volver-se pela influencia dos miasmas pantanosos. A febre amarella no pensar da maior parte dos autores modernos, principal- mente pelos americanos, é o produeto de 2 factores indispensáveis, que são : grandes elevação de temperatura, e a presença d’um foco paludoso, principalmente de origem vegetal, e nas bordas do mar, lagos e grandes rios, a cuja filiação se liga a cólica secca. Os focos originaes d’estas duas moléstias, ainda não poderão descobrir-se longe das bordas do mar, nem no hemispherio austral. Para Gilbert a febre amarella não é outra cousa senão o máximo das febres remittentes biliosas, e grande numero de práticos tem demonstrado, que ella se desenvolve onde ha focos de infecção. Johnson observou que de 28 soldados que se exposerão ás emanações d’um mesmo pantano, soffrerão de intermittentes 16, de dysenteria 4, de cholera 4, -e 4 de febre amarella. O Sr. Marchai diz; vejo nos mesmos paizes alternativamente febres intermit- tentes e febre amarella; nas epidemias de febre amarella, febres intermittentes a principio, febres intermittentes no fim, e ainda intermittentes em todas as épocas: (1) Archives générales de méd. octobre et novembre, 1858. (2) Grisolle, Pathol. interne, tom. I, Paris 1862. 32 n’alguns individuos, vejo mesmo a febre amarella passar da remittencia á conti- nuidade e reciprocamente; por toda a parte onde ella 'se manifesta encontro immundicias, aguas pútridas e Iodos; e vejo finalmente a quina e os saes de quinina empírica ou racionalmente empregados darem em resultado muitas curas, confundindo-se na mesma origem das febres intermittentes. A febre amarella, comquanto não seja uma moléstia única e essencialmente pa- ludosa, reconhece todavia como principal causa do seu desenvolvimento as emana- ções provenientes da decomposição das matérias vegetaes; é ainda assim que se exprime o Ex.mo Sr. Dr. Torres Homem (1). Finalmente o que podemos dizer com mais consciência, é, que a causa intima do typho da America não nós é ainda perfeitamente conhecida. Por conseguinte, dessemelhança de elementos conteúdos nos pantanos, actuados por agentes variados, não podem deixar de produzir effeitos variados e moléstias difíerentes, como vimos ser a peste do Egypto, a febre amarella das Antilhas, a cholera morbus da índia, a hepatite, a cólica secca, o escorbuto, as remitten- tes de todos os paizes tropicaes, etc., e as intermittentes de todos os typos nas regiões temperadas, etc. Quanto ao modo d’acção e á natureza do miasma paludoso é que não podemos expressar-nos do mesmo modo, que fizemos ácercada sua existência; mas a força deste argumento não pode ter o alcance que se afigura no primeiro momento, porque a natureza de certos virus ainda não foi revelada pela chimica, e apezar d’isso até hoje ninguém contestou a sua existência. N’este caso está o virus vaccinico, e outros Não é por certo intenção nossa entrar no modo de obrar do elemento mias- matico sobre a economia; no emtanto notaremos de passagem, que sobre este ponto não estão os autores na melhor harmonia. Uns como Andral querem, que o elemento miasmatico tem por fim a dimi- nuição dos globulos do sangue, o que coincide com o singular som de sopro, que o coração e as artérias deixão ouvir em todos os casos de anemia, e com a prostra- ção extrema do systema muscular; para outros existe uma diminuição da fi\>,brina. Nos paizes onde reinão as febres intermittentes, diz o Sr. Rochoux: o sangue experimenta uma alteração, que exjfiica a pallidez de seus habitantes, emquanto que os outros líquidos soffrem igualmente uma mudança em sua composição intima, empobrecendo-se o sangue de febrina e matéria corante. Querem outros, que a acção mórbida do elemento intermittente, depois de ter produzido estragos physicos sobre o systema nervoso, obrando á maneira d’uma impressão moral, ou da fulminação do raio, vá actuar sobre o systema lympha- tico e sanguíneo, causando essa serie de desordens pathologicas das sorosas, das glandulas, das paredes do coração, etc., como se revela tantas vezes na autopsia dos individuos, que têm succumbido ás febres intermittentes chronicas. (1) These já citada, pag. 10. 33 Não ha duvida, que a absorpção lenta e prolongada do miasma paludoso pro- duz muitas vezes alterações profundas do sangue, e da nutrição, o que se tra- duz exteriormente pela cor pallida e terrosa, que archetypa os individuos ata- cados pelos miasmas paludosos, determinando d’este modo uma moléstia chronica, a que se tem dado o nome de cachexia paludosa. Este estado morbifico, se bem que seja frequentemente a consequência de ac- cessos febris, mais ou menos repetidos, é todavia multas vezes a expressão ge- nuína de uma entidade mórbida sui generis, sendo a primeira manifestação da intoxicação miasmatica, sem conhecer por causa a febre intermittente. Não queremos com isto dizer, que no primeiro caso os accessos febris não sejão communs; somente procuramos notar, que se elles têm logar, são de ordi- nário posteriormente ao desenvolvimento da cachexia paludosa. Tivemos já occasião de observar casos d’esta ordem dentro e fora dos hospi- taes da Universidade de Coimbra, manifestados em Monte Mór o Velho (Por- tugal) nos annos de 1863 a 1864 e que agora parecem repetir-se, como diz uma folha de Coimbra, que nos veio á mão (1). Esta Yilla, onde as febres in- terraittentes de todos os typos são endemicas, recostada nas margens do Mon- dego, além de ser bafejada pelo hálito pernicioso de extensos pantanos de toda a ordem e natureza, é cortada por valias, depositos de matérias corruptas, que, alternativamente molhadas e enchutas, segundo as oscilações das marés, sendo metralhadas pelos calores d’um estio ardente, de accordo com outras circurastan- cias que se dérão eventualmente, tornárão-se fétidas e pestllenciaes, a ponto de chegar a despertar cuidado ao governo, pelo grande numero de victimas que causava quotidianamente a cachexia paludosa. Esta aftécção ou se desenvolve desde o principio, d’um modo mais ou menos lento pela acção chronica da absorpção dos effluvios pantanosos, que imprimem na constituição dos habitantes d’aquellas localidades, modificações profundas e graduaes, ou succede no caso mais frequente a repetidos ataques de febres inter- mittentes, como já notámos. Finalmente, quer a cachexia paludosa se desenvolva depois de accessos febris, ou constitua a primeira manifestação miasmatica, não podemos deixar de a con- siderar uma cachexia especifica, devida á acção lenta e persistente do miasma pantanoso. Esta moléstia é endemica nas localidades baixas, húmidas, e pantanosas ou alagadiças, em certas e determinadas circumstancias, e onde muitos outros effei- tos do miasma pantanoso se fazem igualmente sentir, com uma frequência não menos notável, existindo entre todos estes efíeitos, e as febres intermittentes, in- timas relações de affinidade. Daremos uma idéa geral sobre os principaes symptomas da cachexia paludosa, (1) Conimbrícense de 4 de Agosto de 1866. 34 para melhor avaliarmos o que tivermos a dizer acerca d’uma outra moléstia, que com esta tem corrido em confusão; quero fallar da oppilação; posto que vamos d’algura modo transpor os limites do plano geral da nossa these. Os principaes symptomas, que caracterisão a cachexia paludosa, são pela maior parte dependentes do estado anémico, e da atonia nervosa em que se achão os doentes. Assim, o descoramento da j>elle e das mucosas, as perturbações do centro cir- culatório, a tendencia ás infiltrações, e aos derrames, as perturbações secretorias e digestivas, e os engorgitamentos miasmaticos, mais ou menos notáveis das vís- ceras abdominaes, principalmente do baço, constituem o que ha de symptoma- tologia mais notável n’esta affecção. Será em todos os climas o baço o orgão mais engorgitado ? Vejamos; O Sr. Sigaud (1) diz; que as alterações do figado e do baço são uma con- sequência absoluta das febres intermittentes, sendo as alterações do figado mais communs no Rio de Janeiro, e as do baço mais raras. O Sr. Dv. Mello Franco (2) confirma a noticia que nos dá o autor das Mo- léstias dos Europêos nos paizes quentes, e nota qual seja a sua causa, do modo seguinte ; Importa tanto ao pratico tomar o pulso, como palpai o baixo ventre; attri- buindo as congestões do figado, a hepatite, as febres intermittentes, o hydrocello, e a erysipella á humidade produzida pela posição topographica, e á natureza pantanosa das localidades. Estará a cidade do Rio de Janeiro n’estas condições? A cidade do Rio de Janeiro, situada debaixo da latitude Je 22.° 54” encerra todas as condições para ser uma das mais húmidas entre as tropicaes, como diz o Ex.mo Sr. Conselheiro Dr. Jobim (3). Fundada n’ura plano quasi ao nivel do mar, e em parte roubado ás suas mar- gens, com pouca inclinação para escoar as chuvas, que tão abundantemente ca- hem sobre ella, é banhada ao Norte e ao Levante pelo Atlântico, que a cerca n’um raio semi-circular até ao fundo do Sacco de S. Diogo. Nesta curva abre-se a mais bella bahia do mundo, n’uma anseada ampla de mais de 5 legoas, espe- lhada de mil reflexos, que se engolfa pela terra, como ura ameno seio, formando uma praia circular sobrepujada de ribas, arvores e casarias, onde pelo menos 19 rios vêm tributar-se, depois de deixarem atrás de si uma vasta esteira de pantanos, alagados pelas aguas salgadas durante o affluxo das marés, cujas ema- nações são vindas á cidade pelos ventos da barra, já saturados de humidade. Os miasmas no seio do seu vehiculo removem-se ao sopro d’essa aragem, e (1) Obra citada, (2) Ensaio sobre as febres do Rio de Janeiro. (3) Sigaud, obra citada. 35 fluctuão doidejando na atmosphera que se agita, para pairarem e revoluntear sobre a cidade, que pelo lado do Sul é resguardada por altas e empinadas mon- tanhas, ricas d’uma vegetação vaidosa e luxurienta, a cuja sombra escutaremos o cantor da Primavera (1) u Quando penetramos maravilhados n’uma floresta virgem do novo mundo, não curamos de arrumar em classes, generos ou fami- lias, as flores que nos cercão, nos embriagão com os seus hálitos, nos enfeitição com suas cores, nos maravilhão com seus feitios, nos enlevão o animo com sua harmoniosa disposição na palzagem, com o seu parentesco tão claro com o céo e o solo, que por entre a cerração das ramarias os espreitão. Chamemos a tudo em commum flores e delicias, e não fartamos olhos de anamorar. „ Emquanto estes montes assombreados pela magnificência da vegetação rescen- dem aromas, surde o Pão de Assucar, etc., que se píncara em rochedo descar- nado, como ablindado com sua couraça de camadas stratificadas (2), formando um contraste singular com a exuberante vegetação dos bosques densos e cerra- dos das colinas vizinhas, que pisa um solo sobre modo humoso, abundante d’agua á pesquisa mais superficial, exhalando de continuado vapores aquosos, que se accumulão e amontoão aos vapores aquosos e miasmaticos vindos da barra, para depois pesarem sobre a cidade. Além das diversas series de montanhas e penedias, que agigantando-se pare- cem dar-se as mãos e acordilhelrar-se para acintar em grande parte a cidade, ha outros muitos montes, que se atalaião no centro da cidade, como são: o morro do Castello, Santo Antonio, S. Bento, e Conceição, que obstão á lavagem e purificação da Cidade por uma corrente livre e continuada dos ventos reinantes. Ura distincto medico d’esta Corte (3), a quem somos devedor da sua estima, contou-nos da existência de idéas suggerldas era relação a estes obstáculos. N’este sentido figura uru grande golpe no morro do Castello, da Floresta d'Ajuda á praia de Santa Luzia, ficando d’este modo a rua dos Ourives, aberta em frente da barra, um formidável corpo de ventilação, para uma grande parte da cidade. Obras de tanto vulto não se ultimão n’um só dia, porque além da força de vontade são necessários grossos capitaes; a hygiene cumpre o seu dever sug- gerindo fins tão salutares; as Gamaras ou os Governos levarão a eífeito a obra quando o recurso dos cofres permittir os meios. As grandes reformas e melho- ramentos debaixo de diversos pontos de vista, principalmente hygiènicos, por que tem passado a Corte ha 20 annos, mostrâo satisfactoriamente, que não se descura d’ella. Minerva não podia sahir perfeita e armada, dos pés até á cabeça, do cerebro de Júpiter, pelo primeiro golpe da machadinha de Vulcano, se não por um sonho dos poetas. (1) 0 Sr. A. F. Castilho, D. Jayme, Conversação preambular. (2) 0 Sr. Agassiz, Conversações scientiflcas, pag. 4, Rio de Janeiro, Maio de 1866. (3) O Sr. Dr. J, P. de Miranda. 36 A humidade fornecida por essas soberbas florestas, de companhia com o vapor aquoso trazido pelos ventos soprados do mar, forma o sereno, e as differenças de temperatura entre o dia e a noite, que se não é causa determinante, como quer E. Darwin (1) é pelo menos uma circumstancia, que torna mais energica a acção das .emanações pantanosas, explicando ao mesmo tempo, o porque a constituição atmospherica é ordinariamente quente e húmida de verão, e fria e húmida de inverno, o que concorre além disso para modificar a impressão do calor ardente nos dias de verão, tornando por este modo tolerável na Corte a temperatura commum de 85° de Fahrenheit, que é insupportavel na província de Matto-Grosso, que fica muito ao Sul. Os autores fallão d’outras causas, como vastos pantanos na Cidade Nova, Campo de Santa Anua, Prainha, etc., que ultimamente têm sido melhorados ou des- truídos. No emtanto ainda existem muitos focos, que prendem o elemento intermittente á Corte e sua circania: o que indica apesar do muito que se tem feito, e ainda hoje faz, o muito que resta ainda por fazer, sem querermos fallar em certas obras, que sendo gigantescas e fabulosamente dispendiosas, se prendem á topo- graphia da localidade. Já são bem diversas as condições em que se acha a Praia-Grande, ou a ci- dade de Nitherohy, apesar de se achar lançada em frente da Corte, a pouco mais de 30 minutos de caminho. Nitherohy é menos infectada pelos efflu- vios pantanosos e menos húmida, porque levantando-se n’um terreno arenoso, emquanto a cidade do Pio de Janeiro jaz encravada n’um solo priraitivamente lirnoso, é facilmente soprada pelos ventos, que seguem do Este e Sul por ser desembaraçada de montanhas, e de extensa e sumptuosa vegetação, perennemente florida e perfumada, sem deixar por isso de responder ao formosissimo panorama das scenas da America. Aqui, como nas outras partes a que tenho chegado, pode repetir-se, com o Sr. Andrade .Ferreira (2) : Não é necessário ser poeta nem pintor para interpretar, com o coração e com a phantasia este quadro da natureza; para isto, basta sentir. Pelo que hemos dito, pode já concluir-se; que os pantanos são um manancial perenne para a etiologia, por serem uma causa poderosa e infallivel das febres paludosas de todos os typos, e por seus princípios deleterios que tendem cons- tante para arruinar a saude e destruir a vida. Com isto não queremos de modo algum fazer do miasma paludoso a vara de condão e o mytho etiologico, de cujos effeitos está unicamente dependente a pa- thogenia dos climas quentes e temperados; porque, este modo de contar, equi- valia á supressão de todas as individualidades mórbidas, para as substituir pelo (1) Zoonomia or the laws of organic life, Loivlon. (2) Santa Catharina de Ribamar, Lisboa 1866. 37 genero palustre, como quer o Dr. Sigaud (1) quando considera todas as moléstias dos climas intertropicaes entretidas pelo elemento intermittente, e Dutroulau (2) no seu modo de dizer Pas de climat insalubre sans elle, pas de climat sa- lubre là ou elle existe. Fizemos de proposito este reparo, para evitar um escolho que nos era facil, e em que tem havido muitos naufrágios; seja por falta d’um roteiro esclarecido, seja por pouco reparo; por isso tocaremos aqui a seguinte questão. Oppilação e cachexia paludosa. A cachexia paludosa e a oppilação serão moléstias, filhas gemeas da mesma entidade mórbida, como as considerão muitos médicos, ou surgem d’origem diversa ? Ha partidos que se chocão. Procuraremos a resultante, epilogando os argu- mentos, que podemos colher. A oppilação é uma moléstia pouco ou nada descripta pelos autores europêos, tal é a sua raridade franca naquella parte do mundo. Onde ella é mais conhecida e frequente, e onde mais d’ella se tem curado ultimamente é sem duvida no Império do Brasil. Muitos médicos ainda hoje, apezar da sua illustração e saber, não fazem dif- ferença alguma, entre a oppilação e a cachexia paludosa, em visto da extrema analogia, que as parece amalgamar, pela semelhança d’alguns symptomas, e sua frequência nos logares baixos, húmidos e pantanosos. Basta citar um dos médicos, que mais estudou o clima e as moléstias do Brasil, o Dr. Sigaud (3) para darmos força ao nosso escrupulo. L’élément intermittent existe dans toutes les maladies, etc.; cest par lui que s engendre cette rnaladie appelée oppilation, etc. Uanemie intestinal ou hypoemie intertropicale est donc le résultat de Vaction toxique de Vélément intermittent. A doutrina paludosa também exposta por M. Boudin (4), recente-se d’um erro, quando considera um só principio de infecção, um só agente especifico, o miasma palustre, como causa de moléstias muito distinctas. Porém a correlação de concomitância não prova, que o miasma paludoso seja a causa d’estas duas affecções; quando muito, mostra somente, que ha certos (1) Du climat et des maladies du Brésil, Paris 1844. (2) Maladie des Européens dans les pays chauds, Paris 1861. (3) Obra citada. (4) Traité de géogr. et statist. medicale et des maladies endémiques, Paris 1857, t. 2°. 38 logares que offerecem condições próprias ao desenvolvimento da oppilação e da cachexia paludosa. Dizer que toda a etiologia dos climas intertropicaes se resume no miasma pa- ludoso, e toda a pathologia nas affecções pantanosas, é uma idéa errante nos vastos dominios da verdade. A época do período palustre expirou antes de receber o toque sacramental da confirmação, ou a perfiliação pelos sacerdotes da sciencia, por que como diz o meo contemporâneo da Universidade, e gracioso escriptor, o Sr. Vieira de Cas- tro (1) o medico é mais do que um funccionario; é mais do que um apostolo; é o sacerdote de uma religião santa; representa Deus! E quando a humanidade entra nos seus templos o seu primeiro dever é descobrir-se, porque está na pre- sença de quem o cura ! 0 medico resuscita muitas vezes os Lazaros que a espada dos valentes tinha deixado por mortos; e na luta do seu amor com o gladio do anjo, tamhem elle vence como Jacoh ! A pretenciosa doutrina hypothetica de substituir todas as individualidades mórbidas pelo genero paludoso, escambou nos vastos tremedáes d’Algeria, onde Felix Jacquot (2) a honrou, pegando á primeira argola do seu caixão. O Sr. Armand no seu escripto á cerca da etiologia das febres na Algeria colloca-se no extremo opposto, quando contesta a existência do miasma palu- doso; querendo soletrar nas variações hygro-thermometricas da atmosphera a unica causa das affecções pantanosas (3). Não cremos o Sr. Armand mais feliz no posto da sua contestação, do que os seus antagonistas levantados na margem d’além. É certo que as condições topographicas e climatéricas, que dão logar ao de- senvolvimento do miasma paludoso, determinão constantemente certas modifica- ções hygro-thermometricas e climatéricas, que influem no organismo, podendo occasionar moléstias gravissimas, sem filiação com o miasma paludoso. Por exemplo, as condições hygrometricas da atmosphera pantanosa, sendo pouco essenciaes á febre intermittente, como acontece nas estações frias e chu- vosas, em que os pantanos submergidos lançâo a sua humidade quasi inerte na producção d’essas febres, nota-se que a sua influencia é grande na pathogenia da oppilação, a ponto de se tornar reinante n’essas localidades. A este respeito diz o Ex.mo Sr. Dr. Torres Homem (4) como por incidente, na sua these com que se dignou mimosear-nos « As influencias atmosphericas e tel- luricas, auxiliadas pela insufficiencia e má qualidade da alimentação, são causas da oppilação, também denominada hypoemia intertropical, moléstia que consiste em (1) Discursos Parlamentares, pag. 158, Lisboa 1866. (2) Estudos sobre as endemo-epidemias nos paizes quentes. (3) Freire, these, pag. 29. (4) These de concurso do Acclimatamento, pag. 26, Rio de Janeiro 1865, 39 uma aglobulia do sangue, e é distincta da anemia propriamente dita e da cachexia palustre. „ Nos excellentes artigos, devidos á mimosa penna de um dos novos ornamen- tos da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, o Ex.mo Sr. Dr. Souza Costa (1), deparámos com a primeira sentença pronunciada no tribunal da imprensa, que julga magistralmente essa diversidade de opiniões. Denotaremos alguns trechos ou idéas para comprovarmos a nossa asserção. “ A oppilação é caracterisada por um estado hydroemico do sangue, e inde- pendente do miasma paludoso. “ Sendo a oppilação devida a uma discrasia do sangue, é no Brasil caracterisada por. descoramento da pelle e das mucosas, como na chlorose: appetite depravado e mais ou menos extravagante: a sua marcha não é como as intermittentes pre - cedida ou acompanhada d’accessos febris, nem tão pouco de engorgitarnentos do figado e do baço; produz derrames sorosos em diversos orgãos, sopro quasi constante das carótidas, fadiga facil, palpitações do coração, syncopes frequentes, lipothymia, etc. “ Deste modo a oppilação abrange um grande numero de moléstias; como a chlorose, anemia, as cachexias propriamente ditas, etc., sem dar idéa da sua in- dividualidade mórbida. “ Esta moléstia, sendo própria dos paizes quentes, reina endemicamente na pro- vinda do Rio de Janeiro, ainda mesmo nos logares elevados acima do mar, onde não ha pantanos, nem causas idênticas. “ Basta uma atrnosphera quente e húmida, variações repentinas de atmosphera, noites frias cobrindo dias ardentes, para determinarem graves perturbações nas funcções de secreção, e a eppilação como já contámos. “ Ahi mesmo onde as febres intermittentes não são conhecidas, salvo vindas dc fora, a oppilação flagella e faz muitas victimas, emquanto que as endemias das febres intermittentes são limitadas a certas localidades mais ou menos pantanosas ou ás suas vizinhanças. „ As febres intermittentes entrão e esvoação no salão alfombrado dos monarchas como no cortiço do indigente e na senzala do escravo; e a oppilação respeitando as fachadas rendilhadas, os brocados, e as deliciosas iguarias do abastado e opulento cortesão, voeja e aninha-se entre os andrajos da miséria, e a tenue lan- guidez da manutencia. É por isso mais frequente a oppilação alojar-se de preferencia nas senzalas anti-hygienicas das grandes fazendas, do que, ainda mesmo, nas possilgas ou cortiços, que existem nas cidades para abrigo das ultimas classes da sociedade, onde de ordinário ao lado da immundicie existe algum conforto. O (1) Da oppilação considerada, etc. Gazeta Med. do Rio de Janeiro, 1862. 40 Quanto ao seu desenvolvimento pode ser lento ou rápido, como nota o illustre articulista. Eu tive já occasião de observar um caso d’esta ordem n’um pardinho escravo que succumbio no Cosme-Yelho n.° 44, aos progressos d’uma anazarca e diarrhea com 38 dias de doença. Em conclusão; a oppilação e a cachexia paludosa longe de se irmanarem de- baixo da mesma origem mórbida, são pelo contrario muito diversas, como se vê pelo elemento etiologico, modo de desenvolvimento, symptomas, marcha, dura- ção, e tratamento, etc. Therapeuticã. Posto que as divergências pathogenicas tragão com sigo a mesma perplexidade therapeutica, ainda assim o tratamento constitue a parte complementar da pa- thologia geral ácerca da unidade da natureza de todas as formas e typos da febre paludosa. A complexidade de elementos symptomaticos reclama o emprego de diversos agentes therapeuticos, por isso que a influencia das causas secundarias sobre a variedade da forma e da gravidade, que pode apresentar a moléstia, a ponto de dominar sobre a causa paludosa, requerem um tratamento auxiliar, para combater os accidentes, que lhes são consecutivos (1); porque, destruídos esses obstáculos ou complicações, melhor depois prevalecerá o tratamento especifico, contra a febre paludica, por isso mesmo que o conhecimento preciso das causas, é incontesta- velmente quem constitue em medicina a unica base racional d’uma therapeutica esclarecida, como confirma a experiencia tradicional de todos os dias, e o rei- térâo as theorias pathologicas das febres paludosas, até á ultima sancção dos factos. O elemento paludoso tendo o throno do seu dominio nos vastos tremedáes regiões d’entre os tropicos, é de razão que se fizesse acercar por effeitos assoladores mais terríveis e cruciantes, do que nas outras partes do mundo. Mas a natureza, que vela até pelas cousas julgadas mais insignificantes, não podia deixar desrevolutoar esse gigante devastador, sem nos dar armas para (1) Freire, these, pag. 38. 41 neutralisar e vencer um poder tão cruciante e assolador, como um poeta decan- tou em seu feliz pensamento (1). Foi onde mais fustigava a doença d’esses terríveis tremedáes, que a natureza semeou o remedio especifico contra ella a QUINA. Arvores de grande porte, haste lenhosa, folhas e ramos oppostos, flores dis- postas em paniculas thyrsiformes, cálice adherente, limbo com 5 dentes, corolla monopetala, campanulada, 5 estames, etc.; eis os principaes caracteres botânicos das arvores, que fornecem a quina, e que a natureza fez pullular com profunda liberalidade nas ricas florestas do novo mundo; e para que o remedio fosse ao alcance do homem e dos animaes, como o estão os effluvios pantanosos, lançou a natureza o principio especifico na parte cortical, que reveste o alburno d’essas graciosas arvores, pertencentes á familia das Rubiaceas, tribu das Cinchoneas, cinchona officinalis de Linnêo. A quina é oriunda d’America do Sul. Com suas ramagens mitiga ao homem, e aos brutos os ardores do sol tropical, que o queimão; e com sua casca debella as febres que o matão. Os habitantes do Perú já usavão a quina antes da chegada dos Europêos á America; e foi na volta das caravelas e navios de Colombo, Cortez e Pizarro, que aquella substancia medicinal e as suas virtudes se fizerão admirar no velho mundo, debaixo do nome de casca da condessa, porque com ella se havia curada a condessa de Cinchon, mulher do vice-rei; pó dos jesuítas, que a fizerão conhe- cida na Italia; e vulgarmente, casca Peruviana, em veneração á sua origem; mas só a datar do tempo em que Luiz XIY comprou o segredo d’esse remedio a Talbot, é que a quina entrou scientificamente no dominio da matéria medica. No commercio correm pelo menos 5 diversas especies de quinas, posto que W eddell affirme, que a mesma arvore pode fornecer a quina rubra amar ella e cinzenta (2). No emtanto a quina amarella ou calyssaia é a mais util no tratamento das febres paludicas, pela sua maior riqueza em principio, anti-febril a quinina. Porém hoje, graças aos trabalhos de Pelletier e Caventon, em logar de grandes quantidades de pós de quina, em que pela maior parte figurava matéria inútil, se não prejudicial, está generalisado o uso do seu principio activo, a quinina debaixo da forma de sal, sendo entre todos o sulfato quem melhor responde ás indicações do tratamento especial, e o mais universalmente usado; porque á com- modidade relativa do preço, reune um maior poder especifico nas febres pa- ludosas. Para sua defeza, A todos deu armas, que convinha, A sabia natureza. Marylia de Dirceo, Lyra 24. (2) Tondon, Botan. Méd., pag. 126. 42 M. Briquet quer, que a quina não obre só como ante periodico nas febres paludosas, mas sim seja qual fôr o typo da febre, ainda que não dependa da mesma causa especifica. Partindo deste principio argumenta contra a acção espe- cifica da quina nas febres pantanosas, por encontrar na mesma substancia medi- camentosa poder contra outras affecções diversas das febres paludosas. Não podemos acceitar o argumento do illustre escriptor, visto não existir no codigo dos conhecimentos therapeuticos clausula alguma, que inobilite um me- dicamento do seu poder especifico, pelo unico facto de ser util n’outros padeci- mentos. E de mais, por que um medicamento é especifico, não quer dizer, que elie seja unico e infallivel; pode falhar mesmo na sua acção especifica, como aproveitar contra outras moléstias. No emtanto é necessário ter sempre em vista, que não é contra a periocidade ordinaria, mas sim contra a periocidade palu- dosa, que resaltão as propriedades especificas da quina, e seus derivados. MM. Trousseau e Pidoux, não querem vêr na quina só uma acção ante-pe- riodica. Os autores do Traité de thérapeutique além d’outras querem distinguir na quina duas propriedades preciosas; sendo a mais heróica a que se exerce contra as moléstias produzidas por infecção miasmatica, independente da forma ou do typo ; eis o poder especifico da quina: e uma outra que tem o poder de sustar o typo intermittente nas moléstias, seja qual fôr a causa determinante. No primeiro caso comprehendem-se os padecimentos provenientes da exposição das emanações paludosas, destruindo a causa da periocidade, e a mesma perio- cidade, quando ésta é subordinada á mesma causa; no segundo caso a sua acção falha muitas vezes, nem é para admirar, visto que pela diversidade da causa que lhes deu origem, occupão um outro logar na distribuição nosologica, o que não acontece no primeiro caso; porque a pathologia da febre paludica apezar de se traduzir por manifestações mórbidas tão numerosas e tão diversas de forma e gravidade, typo e duração; apezar de constituir um grupo bem determinado de moléstias com aspecto variado, todas dimanão da mesma causa especifica. Portanto, a confusão procede de se considerar a periocidade ordinaria, como se fora a periocidade paludosa, e por isso se desconhecem as propriedades espe- cificas da quina e dos seus derivados. É verdade que no campo contrario também se objecta: que a virtude espe- cifica da quina, tão reconhecida nas manifestações pathologicas, que traduzem as diversas formas de febres paludosas, é menos segura, se não impotente, contra a cachexia paludosa, que é a sua expressão mais profunda, e mais adiantada; mas este argumento ainda não pode desthronar o poder especifico da quina contra as febres pantanosas. Na cachexia paludosa não ha simplesmente as febres paludosas, de ordinário existem já alterações profundas do sangue-e da nutrição (1); por conseguinte (1) Freire, these, pag. 45. 43 em face de lesões de tal ordem, é necessário recorrer a meios pharmacologicos correlativos. Por este caminhar de gradadas objecções mal iria ao mercúrio, e a outros indivíduos da pharmacologia, que não obstante curar os accidentes syphiliticos, deixa preexistir a syphilis constitucional, sem ter desmerecido no conceito dos mestres da sciencia, um quilate no toque do seu valor especifico. Em vão se têm tentado a substituição da quina e seus derivados, reconheci- dos como remedios específicos nas febres jxaludosas, por outros medicamentos considerados como seus equivalentes. A rivalidade deste conceito, prestado em abono da quina, e dos saes de qui- nina, é um preito prestante que lhe concede a matéria medica, a therapeutica, e a historia da medicina; porque não se aponta um d’esses equivalentes, que tenha substituido a quina e os saes de quinina na cura das febres paludosas, apezar dos prémios tantas vezes offerecidos pela Academia das sciencias de Pariz (1). E porque será ? Porque não é só uma acção medicamentosa ordinaria, que constitue a propriedade curativa da quina e seus derivados nas febres paludosas, mas sim uma propriedade de primeix-a nobreza cux-ativa; uma propriedade espe- cifica. Nos tratados de pharmacologia e therapeutica figura um corpo anorganico como energico veneno e poderoso medicamento. Quero referir-me ao acido ar- senioso, ou arsénico. Primeiro usado por Dioscorides, foi o acido arsenioso tido como predilecto medicamento até Galeno, cuja reputação foi conservada por Avicenas e outros médicos arabes, no tempo em que as turbas do norte mandárão na europa; e assim chegou até nossos dias, tendo atravessado diversas vicissitudes de enthu- siasmos e abandono. As propriedades antifebris do acido arsenioso, conhecidas a contar do século passado, collocadas depois da quina, merecem pouca confiança nas febres re- centes simples ou graves de nossos climas, apezar dos successos obtidos por muitos médicos na Argélia, como diz o autor do Traité des rnaladies des européens dans les pays chauds (2). Boudin foi o mais acérrimo propagador do tratamento arsenical nas febres paludosas, e o seu systema professado por um erudito medico professional em Lisboa, o Sr. Dr. Lima Leitão, de quem restão suas observações clinicas, como menciona o S. Dr. Beirão (3), depois de dizer: o uso muito protraindo do acido arsenioso, ainda em doses mínimas, pode produzir o envenenamento por uma es- (1) L’Abeille Médicale, Paris 1862. (2) Dutroulau, pag. 187, Paris 1861. (3) Matéria Medica, tom. l.°, pag. 344, Lisboa 18G2, 44 pede d’acção accumulada; e é por isso que deve haver a maior circunspecção na sua administração, e por isso igualmente é que quasi tem sido impossivel genera- lisar e tornar familiar o seu uso na pratica de quasi todas as nacções. Nas estatísticas dos hospitaes Inglezes nota-se: que 240 doentes de febres in- termittentes tratados pelo acido arsenioso, 45 reagirão e cederão ao uso do sulfato de quinina. O Dr. Munaret fallando a respeito do uso do acido arsenioso nas febres pa- ludosas, diz : ne pas un spécifique, mais le remede, etc. (1). Não obstante os povos da Alta Styria (Áustria) usarem do arsénico como um excedente estomatico, para condimentar ou temperar as suas comidas, e tendo em vista outras propriedades medicamentosas de que gosa, nem have-mos de fazer-lhe a sua apothéose como Fowler, Harles, e Boudin; nem tão pouco lhe have-mos de querer tão mal como Stoerck. N’este caso repetiremos com Mura- ret: ne pas un spécifique, mais un remede. Não entraremos na utilidade de qual dos methodos será mais conveniente na administração da quina. Será o Italiano ensinado pelos jesuítas do Lima', o Inglez ou o de Sydenham; o Francez de Bretonneau ou de Trousseau; ou não será nenhum delles rigorosamente, como estão prescriptos ? Deixaremos essa missão ao arbítrio illustrado dos médicos; porque não quere- mos regras absolutas, para podermos traçar uma norma geral na applicação d’um medicamento, que deve estar subordinado a muitas e variadas circurastancias, umas relativas aos indivíduos, outras ás doenças, aos climas, etc. O que dizemos a respeito da quina, deve entender-se do sulfato de quinina ou dos outros saes desta base; assim como ácerca da conveniência ou desvanta- gem de applicar estas substancias só ou associadas a outros medicamentos, seja como adjuvantes, correctivos ou excipientes. (1) VAheille Médicale, Paris 1853. 45 Considerações hygienicas acerca dos pantanos. Atacar de frente o mais terrível de quantos fla- gellos tem em todos os tempos devastado a especie humana, é a mais nohre missão d’um governo illus- trado e moral. O Sr. Dr. Macedo Pinto. Depois das idéas geraes, que havemos exposto sobre a formação, existência e divisão dos pantanos; da flora e fauna que os povoão; da sua distribuição sobre o globo; da composição, diífusão e effeitos das suas emanações sobre os vegetaes, animaes e principalmente sobre o homem; concluiremos o nosso pequeno proemio, prescrevendo alguns preceitos hjgienicos mais arrazoados, concernentes á destruição ou melhoramento dos focos das emanações pantanosas. Tardieu (1) diz : que os meios de combater a má influencia dos pantanos, pertence mais ao governo do que á medicina. Esta sentença é confirmada pelo nosso digno mestre o Sr. Dr. Macedo Pinto (2) na epigraphe que escolhemos para thema d’este assumpto. Na verdade, o illustre hjgienista tem razão no seu recado; porque medidas d’ura alcance d’esta ordem dizem respeito á hjgiene publica, e ordinariamente a empreza é grandiosa e exige um complexo de operações e trabalhos d’arte dispendiosos, segundo a extensão, e outras circumstancias relativas aos pantanos, no que se consomem grossas sommas, e para o que se requer o emprego de grandes capitaes. Por todas estas considerações cremos, ser á competência dos governos, que deve adjudicar-se a obra. A’ medicina só pertence indicar os meios, e lembrar os preceitos hjgienicos mais adequados a tornar os individuos menos aptos á acção dos effluvios pan- tanosos, e combater as moléstias, que elles produzem. O conhecimento dos meios, que devem utilisar-se com aquelle fim, pertence mais ao foro da engenharia hydraulica, florestal, e agraria, do que ao hygie- nista; no emtanto não podemos ser completamente estranhos a esta ordem de conhecimentos, e nesta intuição deixaremos aqui algumas indicações, que julga- mos indispensáveis, e que podem estar ao alcance do proprietário rural ou do fazendeiro. (1) Diction. d’hyg. puhl. et de salubrité, Paris 1854. (2) Medicina Legislativa e Administrativa, Coimbra 1862, 46 As observações, que temos a fazer, podem compendiar-se do seguinte modo; 1. Prevenir ou obstar á formação de novos pantanos ; 2. Extinguir os pantanos já existentes; 3. Melhorar os pantanos effectivos. Para realisar esta serie de trabalhos temos muitos e diversos processos, mas é necessário fazer d’elles uma escolha judiciosa e apropriada ás circumstancias lo- caes dos pantanos, etc. É do conhecimento necessário d’estas condições, que surgem os meios mais apropriados ao nosso fim. Obstar á formação de novos pantanos. Os meios de que temos a lançar mão, para prevenir a formação de novos pantanos são: a prohibição obsoluta de se fazerem excavações, desaterros ou rebaixamentos do terreno onde possão accumular-se as aguas, e obstar á reunião das aguas affluentes, e principalmente á mistura das aguas doces com as salgadas. Extincçãò dos pantanos já existentes. Todos os nossos esforços devem convergir para antepor a completa extincçãò dos pantanos existentes a qualquer outro melhoramento. Os diversos processos para o conseguir, podem reduzir-se ao escoramento, aterro e esgoto. Vejamos. Para dar curso ás aguas estagnadas ou enchugar os terrenos ala- gadiços, cumpre, primeiro que tudo, estudar a sua procedência, a natureza e configuração do terreno, e as causas que presidem á sua estagnação. As machinas hydraulicas, as valias ou rigueiras abertas ou cobertas, segundo o ultimo aperfeiçoamento recebido em Inglaterra e na Escossia; os furos arte- zianos, e os poços absorventes: o aterro das bacias abatidas, dos fossos, desa- terros ou excavações; a canalisação, dragagem dos rios, e o melhoramento das barras e portos de mar, etc., podem bastar para conseguir a extincçãò pelo me- nos da maioria dos pantanos existentes. Para os terrenos encharcados ou lamacentos o emprego da drainage, gaivação ou das manilhas, etc., bastará não só para enchugar o terreno, mas até para o converter em ricos e ferteis prados artificiaes, á imitação do que se fez nos an- tigos e lethaes pantanos dos departamentos de Bray, e Auge na Normandia, hoje cobertos de prados viçosos, lucrativos e saudaveis. 47 Se a drainage deve ser disposta segundo o absolutismo theorico jdo escossez M. Smitb, ou do engenheiro inglez Josiah Parkes, é lei que não pode de modo algum estabelecer-se, porque o systema deve subordinar-se ao [conhecimento da natureza das differentes camadas do solo, e não aos caprichos do gabinete. Quando os terrenos forem extremamente humosos é necessário corrigir, ou neutralisar-Ihe o excesso de matéria organica, pelos correctivos apropriados se- gundo ensina o reportorio scientifico da Agrologia. Melhoramento dos pantanos effectivos. Nos casos em que não poder utilisar-se nenhum dos meios apontados superior- mente, é sempre de conveniência diminuir a superfície á custa da profundidade dos pantanos, aproveitando todas as circumstancias concernentes á transformação dos pantanos nocivos, nos salutares pantanos de Morren, ou pelo menos limitar o mais possivel a diffusão dos miasmas, e attenuar a sua nocividade. Os meios mais proveitosos são uns relativos aos pantanos, outros á diffusão dos seus miasmas. Os que dizem respeito aós pantanos podem reduzir-se; a cortar a pique as paredes que abórdão os pantanos, e construil-as de matéria resistente ao poder destruidor da agua; limitar a superfície dos pantanos e cobrir as suas aguas de vegetaes por meio de viveiros de plantas aquaticas, como lentilhas e confervas, etc., cuja utilidade já conhecemos; prohibir quaesquer descargas de matéria organica, de terrenos humosos ou immundicies, etc., para sobre as aguas estagnadas ou com pouco movimento. Taes são em resumo os meios, que julgamos mais no caso de praticar-se sobre os pantanos, sem fallar-mos ncs meios desinfectantes lançados sobre as aguas, e que podem variar. A segunda ordem de meios tem por fim entravar o andamento dos cffluvios pantanosos, para que se não acirrem seus terríveis eífeitos. Para isto é conve- niente abrigar as provoações das emanações paludosas, por meio de arvoredos convenientemente interpostos entre os pantanos, e as provoações, em harmonia com as condições do clima, com os preceitos de silvicultura, e da hygiene. Esta recommendaçâo tem por fim conter e conservar dentro d’uma área mais res- tricta e absoluta as emanações lethaes, segundo os princípios ensinados pela sciencia. 48 Operários. É facil de presumir quaes devem ser as melindrosas condições a que ficão ex- postos os indivíduos empregados nos trabalhos dos pantanos. Além das causas determinantes, a que estes indivíduos se expõem, vive com elles uma causa predisponente terrível. Estes homens em logar de seguirem al- gumas precauções hygienicas, antes as contra-indicão. D’um lado impera a pobresa própria á sua triste condição, usando d’uma ali- mentação grosseira, mal cosinhada, e insufficiente; faltas de roupas para mudar, consolão-se com a providencia de Deus, que depois da chuva e do suor que molha, dá o sol que enchuga; d’outro lado a incúria guiada por uma apathia que a tudo preside, entrega-lhes a vida indefesa a todas as influencias deleterias; depois sobrevem as febres que lhes ceifa a vida, e como a inércia tudo attribue á fatalidade, é unicamente a insalubridade do clima que se acusa nõ tribunal dos seos preconceitos. Nos climas ardentes a influencia dos pantanos é, como já dissemos n’outro logar, tão terrível e frequentemente mortal, que muitos hygienistas aconselhão renunciar ao emprego do homem, sendo melhor e mais prudente abandonar a idéa de melhorar seus pantanos. Nos climas em que a temperatura não é tão ardente, e as emanações menos terríveis, como no Norte da África, ainda a sua gravidade é tão assustadora, que é necessário em certas estações renunciar a taes obras e trabalhos, o que também é muito frequente nas regiões suavisadas da Europa. Nos climas temperados apezar da sua doçura e amenidade, é bem triste a re- senha que nos aponta um tão grande numero de desgraçados, que vão procurar no trabalho dos lodaçáes paludosos, o minguado salario a troco das doenças, das lagrimas e da morte. A estatística dos operários empregados nos trabalhos feitos nos pantanos de Solonha comprova bem o pestilencial e terrível efíeito d’essas emanações sobre os operários, os fiscaes, e até na pessoa dos proprios directores. Febres inter- mittentes simples, e perniciosas, com frequentes recidivas, cachexias paludosas profundarnente rebeldes, obstrucções de figado e principalmente de baço, erão os principaes effeitos d’esses pantanos; de modo que os indivíduos escapados á morte, ficavão com a constituição deteriorada. Compenetrados da importância do assumpto, não podemos deixar de acon- selhar a maior precaução com os indivíduos empregados n’esta ordem de tra- balhos. 49 Escolher trabalhadores dos mais robustos e das povoações mais próximas dos pantanos, porque esses Indivíduos já estão por assim dizer acclimatados ou affeitos á lenta e continuada acção dos miasmas pantanosos; procurar a estação em que a influencia dos effluvios é mais dormente; determinar o trabalho só debaixo da luz do sol, porque á noite accumulão-se as trevas sobre a tranquillidade das aguas paludosas, e os miasmas amontoão-se á sua superfície, como é facil de prever, porque os miasmas ou as partículas dcleterias tidas em suspensão nos vapores d’agua, sobem em consequência da rarefracção successiva das camadas atmosphericas aquecidas pelo calorico. Com o resfriamento da terra durante a noite condensão-se as camadas aanosphericas e com ellas as partículas miasmaticas. N’estas circurastancias, as exhalações activas das aguas estagnadas, quando o sol ardente aquece mais fortemcnte a terra e a agua, faz com que a aproximação c vizinhança dos logares paludosos tenha menos inconvenientes, por isso que os vapores aquosos espalhados no ar rarefeito pelo calor, não podem depositar-se sobre parte alguma, e por conseguinte não podem produzir a infecção, pelo me- nos quando isso tenha logar, é com uma benignidade extrema. O inverso tem logar durante a noite e as horas das trevas, podendo dizer-se que os miasmas são traiçoeiros, por isso que acommettem mais fortemente durante a escuridão, do que a sol claro. Ordenar aos operários a sobriedade, administrar-lhes mais vinho do que neu- tra ordem de trabalhos, e mesmo usar de café, não dar começo ao trabalho sem ter almoçado, ou sem pelo menos terem tomado café ou aguardente; a vestidura que seja agasalhada, e quando alguns cahirem doentes, removel-os para fora do alcance da influencia dos miasmas pantanosos. Eis a base das considerações hygienicas mais convenientes a seguir. Pelo que diz respeito á alimentação, deve ser substancial e bem condimentada com substancias aromaticas; vinho ou café pelo menos 3 vezes por dia. Nas horas de repouso, devem dormir a cobertos do orvalho da noite, sobre cama conveniente, e a uma certa altura do terreno, que os livre da humidade do solo; a pousada seja fora do alcance dos miasmas pantanosos e ao obrigo do vento que sopra desses focos perniciosos. Os simples conselhos, que acabamos de suggerir debaixo da conveniência de melhorar as condições dos pantanos e dos operários, que n’clles trabalhão ou hajão de trabalhar, são d’um grande alcance, sempre que devão inaugurar-se trabalhos sobre a extineção ou melhoramento de logares pantanosos. 51 SOBRE Todos os ramos de que se compõe o Curso Medico. PHYSICA. O movimento cias geleiras não é devido só a causas physicas. CHIMICA MINERAL. O apparellio de J. Marsh é o mais preciso na indagação do arsénico. CHIMICA ORGANICA. A quina Calyssaia é de todas as quinas a mais rica era quinina. BOTANICA. A cravagem de centeio é produzida por um cogumelo. ZOOLOGIA. Os Batracios passão por diversas metamorphoses, antes do estado adulto. MINERALOGIA. As galerias de esgoto, segundo as de Claustlial em Hartz, devem preferir-se a todos os meios mechanicos usados na exploração das minas. ANATOMIA DESCRIPTIVA. A placenta é formada por vasos pertencentes á mãe, e ao feto. PHYSIOLOGIA. O Curare, de que os Gentios usão para hervar as flexas, perde a sua acção venenosa sendo ingerido no estomago. 52 ANATOMIA TOPOGRAPHICA. A fontanella anterior apresenta 4 ângulos agudos e 4 obtusos. ANATOMIA GERAL. O tecido osseo passa por diversos estados na sua evolução. ANATOMIA PATHOLOGICA. As lesões anatómicas causadas pelo carbúnculo, são analogas ás da pustula maligna. PATHOLOGIA GERAL. O sopro uterino só tem ura valor pratico secundário, no diagnostico da gravidez. PATHOLOGIA INTERNA. Os indivíduos expostos aos miasmas pantanosos podem desde logo ser ataca- dos por ura accesso de febre intermittente de caracter pernicioso. PATHOLOGIA EXTERNA. A cauterisação pelo deuto-chlorureto de Antimonio, e as incisões constitue o melhor meio de combater a pustula maligna. MEDICINA OPERATÓRIA. Para abrir os bubõcs preferimos a incisão ao cáustico de Yienna. CLINICA EXTERNA. Entre a pustula maligna e o carbúnculo maligno se ha pontos de diíferença também os ha de contacto. CLINICA INTERNA. A quinina e os saes de quinina podem reputar-se a panacea universal contra as febres paludosas. PARTOS. Os sons cardíacos constituem o único signal de certeza absoluta ou pathogno- inonico da existência d’uma gravidez. 53 MOLÉSTIAS DAS MULHERES PARIDAS. As dores de rins são frequentes na mulher gravida. MOLÉSTIAS DOS RECEM-NASCIDOS. Quando uma infante nasce infectado d’um virus contagioso pode transmittir á ama que o nutre o virus de que elle está infectado. THERAPEUTICA. A quina e seus derivados constituem o medicamento especifico das febres pa- ludosas. MATÉRIA MEDICA, As diversas especies de quina verdadeira, que nos offerece a matéria medica, podem reduzir-se a tres. MEDICINA LEGAL, A idade em que a mulher perde a faculdade de conceber não pode determi nar-se. lIYGIENE. A distribuição de café ou aguardente ao exercito de operações, todos os dias ao toque da alvorada, é conveniente e necessária. PHARMACIA. Os conheci mentos de Pharmacia theorica e pratica devem reputar-se a bús- sola do medico pratico. APPARELHOS. O apparelho contentivo das sondas na mulher, segundo Bouisson, é preferível ao de Desant. HISTORIA MEDICA. A quina só entrou sclentificaraente no donimio da matéria medica no rei- nado de Luiz XIV. 55 Hippocratis Aphorismi. I. Aquas quíe cito calefit, et cito refrigeratur, levíssima est. Sect. 5.a, Aph. 21. 11. Übi fames, non oporte laborare Sect. 2.% Aph. 16. 111. Quum in vigore fuerit morbus, tunc tenuissimo victu necesse est. Sect. l.a, Aph. 8. IV. Quibus tabes laborantibus, capilli de capite defluunt, hi alvi fluxu superveniente moriuntur. Sect. 5.a, Aph. 12. Y. Quibus sanguinem spumosum exspuunt, his ex Pulmonsse talis regetio íit. Sect. 5.a, Aph. 13. YL A Pleuritide Pulmonia malum. Sect. 7.% Aph. 11. Esta these está conforme os Estatutos. Rio de Janeiro, 10 de Setembro de 1866. Dl. Thomaz de Lima. Dr. José Maria de Noronha Feital. Dr. Matheus Alves de Andrade. Typ. dc L. Winter, R. do Hospicio.3B. Pags. Dedicação m Duas palavras de prevenção yit Idéa geral da obra 1 Pantanos 3 Formação dos pantanos 4 Divisão dos pantanos . 5 Flora e Fauna dos pantanos 6 Flora dos pantanos 6 Fauna dos pantanos 7 Geographia dos pantanos 8 Emanações dos pantanos e sua composição 13 Emanações saudaveis 16 Diffusão dos miasmas pantanosos 18 Effeitos dos efíiuvios pantanosos sobre os vegetaes 22 Effeitos dos pantanos sobre os animaes 22 Effeitos das emanações pantanosas sobre o homem 23 Etiologia 27 Oppilação e cachexia paludosa 37 Therapeutica 40 Considerações hygienicas ácerca dos pantanos 45 Obstar á formação de novos pantanos 46 Extincção dos pantanos já existentes 46 Melhoramento dos pantanos effectivos 47 Operários 48 Proposições sobre todos os ramos de que se compõe o curso medico . . 51 Hyppocratis Aphorismi 55 Errata. Pgs. Pinhas Erros Emendas 9 32 desearregaça desarregaça 12 30 geographia, geographia 15 24 força forças 28 39 these, pag. 15 thcse, pag. 16 29 37 (2) Freire, these, pag. 26 (2) Freire, tiicsc, pag, 28 30 38 accão acção 32 11 nós nos 36 33 constante constantemente 39 25 cppilação oppilaçào 42 40 (i) Freire, these, pag. 45 (1) Freire, these, pag. 33 43 36 S. Dr. Beirão Sr. Dr. Beirão. 44 11 have-mos havemos .— 13 have-mos havemos 46 18 escoramento, escoamento, — 24 aperfeiçoamento aperfeiçoamento 48 33 constituição constituição 55 I. Aquas Aqua — IV. Tabes Tabc — V. Quibus sanguinem spurnosura exspuunt, his Q,ui sanguinem spnmosum exspimnt, his ex PulmoníB talis regetio fit. ex Palmone talis regetio fit.