FACULDADE DE BDICI1IA DO PIO DE JANEIRO 330 \ 1)11. Wli IIOIIIÍIB SILVA JIVInll pio de Janeiro Typographia Universal cie E. «Sc H. Laemmert, 71, RUA DOS INVÁLIDOS, 71 1877 THE8E DISSERTAÇÃO MfcfiKA. Da topoirrapMa e climatologia da cidade do Rio de Janeiro; paes os melhoramentos lateriaes pe se dotem aconselliar para tornar mais salobre a mesma cidade. PROPOSIÇÕES Atmosphera. m&$M) <£»»«& Corpos extranDos do larynge. zm$M) Sub-azotato de Msmutlio considerado pliarmacologica e tlierapenticamente. THESE APRESENTADA À I IIILIlUlI. 1)1 HlItlliA no mo n Mimo EM 29 DE SETEMBRO DE 1876 e sustentada NO DIA 24 DE MARÇO DE 1877 por Jíntuno Jlixltiques Sifoa Shtniot DOUTOR EM MEDICINA PELA MESMA FACULDADE Natural de Minas Geraes RIO DE J.4KEIRO TYPOGRAPHIA UNIVERSAL DE E. & H. LAEMMERT 71 Rua dos Inválidos 71 1877 MLMIi M llili II# W H JHIIIO MHECTOR Conselheiro Dr. Visconde de Santa Izabel. VICE-niRECTOK Conselheiro Dr. Barão de Theresopolis. SECRETARIO Dr. Carlos Ferreira de Souza Fernandes. LENTES CATUEDRATICOS Doutorem PKIMEIRO AXXO F. J. do Canto e Mello Castro Mascarenhas. (1* cadeira). Physica em geral,e particularmente em suas appiicações á Medicina. Manoel Maria de Moraes e Valle (Presid.) (2a » ). Chimica e Mineralogia. Luiz Pientzenauer (3a » ). Anatomia descriptiva. SEGVKUO ASIXO Joaquim Monteiro Caminhoá (Ia cadeira). Botanica e Zoologia. Domingos José Freire Júnior .... (2a » ;. Chimica organica. Francisco Pinheiro Guimarães .... (3a » ). Physiologia. Luiz Pientzenauer (4a » ). Anatomia descriptiva. TERCEIRO t\XO Francisco Pinheiro Guimarães .... (Ia cadeira). Physiologia. Conselheiro Antonio Teixeira da Rocha. . (2a » j. Anatomia geral e pathologica. Francisco de Menezes Dias da Cruz. . . (3a » ). Pathologia geral. Vicente Cândido Figueira de Saboia . (4a » ). Clinica externa.) QCARTO AXMI Antonio Ferreira França (Ia eadeira). Pathologia externa. João Damasceno Peçanha da Silva (Exam.) (2a » ). Pathologia interna. Luiz da Cunha Feijó Júnior (3a » ). Partos, moléstias de mulhere speja- das, paridas, e de recem-nascidos. Vicente Cândido Figueira de Saboia ... (4a » ). Clinica externa. QUINTO ANNO João Damasceno Peçanha da Silva . . . (Ia cadeira). Pathologia interna. Francisco Praxedes de Andrade Pertence. (2a » ). Anatomia topographica, medicina operatória e apparelhos. Albino Rodrigues de Alvarenga .... (3a » ). Matéria medica e therapeutica. João Vicente Torres Homem (4a » ). Clinica interna. SEXTO 4NNO Antonio Corrêa de Souza Costa .... (Ia cadeira). Hygiene e historia da Medicina. Conselheiro Barão de Theresopolis . . . (2a » ). Medicina legal. Ezequiel Corrêa dos Santos (3a » ). Pharmacia. João Vicente Torres-Homem. .... (4a » ). Clinica interna. UENTES SUBSTITUTOS Agostinho José de Souza Lima . Benjamin Franklin Ramiz Galvão. João Joaquim Pizarro João Martins Teixeira Augusto Ferreira dos Santos (Exam.) Secção de Sciencias Accessorias. Cláudio Velho da Motta Maia. José Pereira Guimarães . . . Pedro Affonso de Carvalho Franco. Antonio Caetano de Almeida (Exam.) >Secçãode Sciencias Cirúrgicas. José Joaquim da Silva . . . João José da Silva . . João Baptista Kossuth Vinelli. Secção de Sciencias Medicas. S.B. A Faculdade não approva nem reprova as opiniOes emittidas nasTheses que lhe são apresentadas. HIPPOCRATIS APHORISMI I Vita brevis, ars longa, occasio prseceps, experimentum fallax, judicium difficile. Opportet autem non modo se ipsum prestare, ea quse opportet facientem ; sed etiam et segrum et assidentes, et exteriora. (Sect. I, Aph. 1) II Duobus in lateribus, et in pectoribus, et in aliis partibus, si multum differant, considerandum est. (Sect. VI, Aph. 5) m In morbis acutis extremarum partium frigus, malum. (Sect.1 VII, Aph. 1) IV Duobus doloribus simul abortis non in eodem loco, vehe- mentior obscurant alterum (Sect. II, Aph. 46) V Ad extremos morbos, extrema exquisitè remedia óptima. (Sect. I, Aph. 6) VI Febrem convultioni supervenire melius est, quam convul- tionem febri. (Sect. II, Aph. 26). Esta these está conforme os estatutos.—Rio de Janeiro, 7 de Outubro de 1876. Dr. José Pereira Guimarães. Dr. Souza Lima. Dr. Ferreira dos Santos. H1ST0RIC0 Os grandes acontecimentos que assignalárão os fins do século xv attrahirão a attenção da humanidade. Ella seguia com o olliar a mão de Colombo, que mostrava- lhe o Novo-Mundo, e, profundamente commovida, vio nessas terras mysteriosas, que das aguas do Occidente surgião como uma creação, abrirem-se novos horizontes á activi- dade de sua intelligencia, e um campo vasto e incalculável onde perduraria a luta de seus destinos. Então, na phase mais gloriosa de sua existência, Portugal não acompanhou esse importante movimento. Começava a lançar as bases de seu poderio na índia, onde o aguardavão destinos opulentos em gloria e em gran- deza, quando lhe vierão entregar a parte quiçá mais pre- ciosa da herança de Colombo as insensatas mãos do acaso. Em 1500 Pedro Alvares Cabral è enviado ao Oriente, á testa de uma esquadra ; querendo evitar as calmarias que reinão na costa d’Africa, descalie muito para Oeste, tanto que descobre o Brazil ; e o rei de Portugal, que alguns annos antes repellira o grande genovez, desdenhando-lhe os serviços, constituia-se senhor de porção immensa de um território que a perseverança do genio doára á humanidade. 2 E assim a fortuna enriquecia os favoritos de então, des- cuidosa de occultar a cegueira da mão que os elevava. Para explorar as novas possessões parte em 1502 Américo Vespucio ás ordens do governo portuguez, e logo depois Gonçalo Coelho e Christovão Jacques ; só em 1530 chega Martim Aftonso de Souza ao logar onde mais tarde se le- vantará a rainha do Atlântico. Essa posição merece-lhe apenas um olhar, e o donatario vai por ahi além fundar sua capitania, esquecido daquella a quem deu o nome de bahia do Rio de Janeiro. Eloquente exemplo da falta de discernimento que as- signalou-se desde principio em nossa colonisaçâo, não com- prehendêrão as vantagens desse emporio commercial de importância immensa ; de posição estratégica tão admiravel, ninguém se captivou dos encantos dessa Guanabara tão gentil, que apparecia com todo o magestoso esplendor de sua inculta formosura. Nada disso, porém, escapa â sagacidade de Villegaignon ; elle penetra com um olhar o grande pensamento do futuro, e nesses logares sonha uma França Antartica; o aventureiro franeez vinha adiantar talvez de um século a fundação de nossa grande capital. Estabelecendo-se em ponto tão importante do littoral bra- zileiro, os francezes chamão para ahi a attençâo do governo portuguez, que vê resolvido tão facil problema de colonisa- ção, e a rapidez de seus progressos acaba por inspirar-lhe sérios cuidados. Mem de Sá recebe ordem de expulsa-los, mas não consegue faze-lo definitivamente ; Estacio de Sá, seu sobrinho, depois de bate-los, vê-se forçado a tomar posições na bahia para obstar as tentativas que renovão com insistência. Nas praias do Pão de Assucar dá principio á fundação de sua colonia, porém logo em começo encontra grandes obstá- culos. Ameaça-o em ultimo e supremo esforço alliança for- midável de francezes e tamoyos. Mem de Sá acode em auxilio do sobrinho, e a liga é esma- gada com as derrotas de Urucumeri e Para-napucui. Livre de embaraço, a colonia portugueza começou então a cami- nhar na estrada do progresso ; a lógica dos acontecimentos vinha revelar aos portuguezes vantagens que Villegaignon eomprehendéra por intuição, e que só a força das circumstan- cias lhes fizera aceitar sem reconhecer nem de longe seu alcance. Passou-se a cidade do Pão de Assucar para a Misericórdia ; cresceu tanto em importância que a tornárão logo cabeça de capitania e cidade episcopal. Fa-laD. José I capital do Brazil e séde dos vice-reis ; a vinda da familia real, finalmente, eleva-a ao apogêo de sua importância, sob o regimen colonial. Desde 1822 é a capital do Império. POSIÇÃO GrEOGrRAPHICA Aos 22° 53’5F’ latitude sul e 43° 7’6” longitude O. de Gfreenwich, 45°, 27’15” longitude O. de Pariz, fica situada a cidade de S. Sebastião do Rio de Janeiro. Na parte sul do continente americano, ao entrar da mais esplendida bahia do universo, é cabeça natural do Império pela posição que lhe occupa em meio do littoral. De tal posto domina os mares austraes, sendo-lhe quasi 4 obrigada escala para navegação ; por isso cresce-lhe cada vez mais a importância pelo movimento extraordinário do porto, pejado sempre de vasos de todas nacionalidades. ASPECTO GERAL DO SOLO — CONSTITUIÇÃO GEOLOGICA ftlontanliag Pela bahia, em torno, circula notável cordilheira, que fecha area considerável, tendo de Nordeste a Sudoeste dezoito léguas em linha direita, dez escassas de Sueste a Noroeste, constituindo sua maior grossura. Em direcção de Sueste, ella rasga-se sobre si mesma, abrindo um vão apertado entre dous rochedos; o do Pico e do Pão de Assucar ; a barra formada deste espaço é larga apenas de um tiro de canhão. Partindo do Pico, a cordilheira vai caminho de Leste beirando a bahia, e é constituida então por diversos systemas de montanhas pouco elevadas; porém após curto trajecto continua-se para Norte nas grandes serras do Morro Quei- mado, dos Órgãos e da Estrella. Elias circumscrevem um grande raassiço de terras altas, cujos bordos pittorescos e sinuosos emoldurão graciosamente a bahia em um horizonte cheio de doçura e serenidade. Nelle ficão os altos platós de Theresopolis e Petropolis, sitios de clima delicioso, onde se abrigão os habitantes das classes ricas da cidade, fugindo aos calores estivaes. O imponente massiço do Tinguá segue em continuação para N. O., fechando por esse lado o recinto circumscripto pelo notável systema de montanhas que bordeja a bahia. 5 De outra parte o singular rochedo do Pão de Assucar começa a cordilheira para o Oriente, levantado á entrada da bahia. Seu massiço corre de E. a O. e vai parar na lagôa de Rodrigo de Freitas. O grande massiço do Corcovado corre-lhe em frente e paralello, separado apenas pelo valle do Botafogo; vem depois a serra da Tijuca, que se lhe junta por garganta ele- vada de muitos pés acima do nivel do mar, e pouco distante da cidade. AoS. O. do Corcovado apparecem diversos outros picos, entre os quaes são notáveis a Gavea, de vertice achatado, e o rochedo dos Dous Irmãos. Estão caprichosamente disseminados na planície estes cerros ; e quem surgindo barra a dentro attenta nelles vê seus grandes perfis esculpidos no horizonte e succedendo-se uns aos outros em largos planos lizamente destacados. Produzio a natureza o maior esforço de seu genio plástico, nas formas grandiosas e profundamente accentuadas dessas montanhas, e os grupos de figuras phantasticas, ahi colloca- das por mãos munificentes, imprimem á nossa magnifica bahia caracter solemne, cheio de augusta magestade. A cidade assenta ao sopé do Corcovado, voltada para Sueste, em frente á barra. Duas ordens de collinas, correndo parallelamente na direcção L. O., ladeião um valle pelo qual ella se estende. Essas collinas são: o morro do Castello, dos mais elevados entre os que assim demorão entre o mar e a montanha; o de Santo Antonio, de Santa Thereza, do Senado, de Paula Mattos e o de Santos Rodrigues; de outra parte o de S. Bento, da Conceição, do Sacramento, da Providencia, do Nhéco e de S. Diogo ao longo da Praia Formoza. 6 São outeiros dependentes das altas montanhas que mais se avizinhão á cidade e os têm por seus primeiros contra- fortes. Porção plnnu Descansava a cidade primitivamente sobre terrenos baixos e pantanosos, e ainda hoje em alguns pontos fica-lhe o solo abaixo do nivel do mar. 0 logar dos alicerces foi pela maior parte, na cidade velha, conquistado ás aguas pela perseverança dos primeiros habitadores. Calçamentos necessários successivos elevarão-lhe o nivel gradativamente até que attingisse as actuaes condições, já bastante satisfactorias; porém estes trabalhos se têm empre- hendido até agora sem unidade nem obediência a plano determinado. Reflectindo no que ha um século éramos, não acompa- nharemos um pessimismo, pouco escrupuloso em seus juizos, que vai produzindo conclusões por demais absolutas, con- demnadas em sua extensão por ànalyses aliás bem superfi- ciaes. Poucas cidades, affirmamo-lo convencido no curto tempo de vida que havemos, podem affirmar o assignalado pro- gresso que apresenta esta capital, até data bem recente, orphã de todo o desvelo da parte de seu governo. Com as palavras que transcrevemos do chronista Balthazar da Silva Lisb oa, fixando o ponto de partida, póde-se marcar o dila- tado estádio percorrido em intervallo mui breve na vida dos povos. 7 « Quando Estacio de Sá com seu tio Mem de Sá lançárão os fundamentos desta cidade, onde se persuadirão ser mais proporcionado, encontrárão uma varzea paludosa cercada de altos morros, que lhe offereeião fortificações, como erão os de Santo Antonio, Conceição, Livramento e S. Bento. . . « Penetrava o mar o pantanal, e tanto que no logar onde hoje está a freguezia de Nossa Senhora da Candelaria es- teve antigamente ali encalhada uma náo daquelle nome, de cujas madeiras foi organizada aquella igreja. Formava uma ilha o morro de S. Bento, e a rua dos Pescadores alagada servia de habitação aos pescadores em choças cobertas de palha de sapé, expostas as ruas a frequentes inundações, porquanto o mar cobria os terrenos da Gram- bôa até á Prainha. Da valia para o Campo só se achavão lagoas e charcos, na famosa Pavuna, onde se ião lavar os negros novos, no logar em que hoje foi formado o bairro das Pedreiras. A Lagoa da Sentinella era tão grande que se criavão jacarés ; o largo da Lampadosa foi começado a entulhar-se no vice-reinado do Marquez do Lavradio, e delle se formalizou uma rua á esquerda daquella capella. Foi também tremendo brejal, habitação de crocodilos, a rua que depois se denominou o Proposito ou Bobadella, e se- melhantemente a rua que é hoje das mais bellas da cidade, denominada do Lavradio, em honra do vice-rei de quem tomou o titulo, que a fez desaguar e aterrar. « Além daquelles lagos, havia o grande boqueirão, onde se ajunta vão as aguas doces das enchitrradas, de mistura com as das enchentes das marés, que, apodrecidas pela sua estagnação, empesta vão a cidade de vapores mephiticos, com gravissimos prejuizos dos habitantes delia, suas victimas, que com pasmo e gloria do vice-rei Luiz de Vasconcellos ali formou o Passeio Publico. > 8 Por muito importante temos tal citação, motivo por que não nos furtámos ao desejo de a reproduzir no todo, apezar da longura delia. Composição «1o sòlo Compõe-se a massa total do sólo nos arredores do Rio de Janeiro de gneiss stratificados, repousando immediata- mente sobre sua superfície a terra vegetal; esta é a opinião do Sr. Emm. Liais. Quanto á estructura, composição e gráo de resistência ás impressões atmosphericas, apresentão estes gneiss differen- ças marcadas nas diversas camadas que o compoem. Na estructura ora é porphyroide de crystaes volumosos? ora granitoide, manifestando-se massiços algumas vezes, outras schistosos com leitos mais ou menos micaceos. Como caracteristico do periodo actual do Brazil, o Sr. Liais em sua obra sobre os climas do Brazil chama a atten- çãopara o plienomeno da decomposição das rochas metamor- pliicas, que se transformão depois em argilla. A resistência differente de seus diversos stratos, a de- composição atmosplierica representa grande papel na phy- sionomia geral do sólo. As rochas cliegão a um certo ponto de decomposição, e seus stratos argilosos, sob a acção de chuvas continuadas, impregnão-se de agua fortemente ; as camadas mais decom- postas e transformadas tendem a deslizar umas sobre as outras, pois não podem vencer com tenacidade própria o peso das camadas superiores; nos flancos das collinas pro- duzem-se então grandes despedaçamentos ; enormes massas de terra são arrastadas assim ao fundo dos valles, e as aguas que se despenhão pela falha acabão de reduzi-las á lama, que depois dispersão. Em larga escala se dão estes phenomenos quando aos annos seccos succedem outros mais chuvosos. Assim é, diz o Sr. Liais, que em Março de 1859 virão-se desmorona- mentos consideráveis no morro do Castello e nas collinas argilosas de Nitherohy, operados pela quéda de quatorze centímetros de agua no espaço de duas horas. Porém, na rocha que não é homogenea, em que a acção erosiva do tempo não pôde exercer- se igualmente por toda a massa dos gneiss, a decomposição provoca também esbo- roamento de grandes porções de terreno ; mas as camadas que oppuzerão maior resistência íicão incólumes, elevando-se muitas vezes em pyramides colossaes, porque desapparecê- rão seus bordos extremos, aluidos, sob o martello do tempo. O illustre director de nosso observatorio apresenta estes factos, tão dignos de nota, como explicativos do aspecto caprichoso e pittorescamente extravagante das bellas mon- tanhas que nos rodeião. A volubilidade do terreno nestas condições não pôde deixar de influir grandemente sobre o clima desta cidade, porque a constância de cousas taes deve, pensamos, ser aceita como elemento primitivo da formação dos grandes pantanos que a circumdão. Toda a porção plana entre o mar e as grandes cordilheiras; do Rio de Janeiro é formado por depositos terciários, de uma argila arenosa por vezes branca, cuja proveniência ácima indicámos, resultando da mistura de kaolin e arêa apresenta-se também ás vezes tinta de amarello ou vermelho por hydrato ou peroxido de ferro. Estes depositos de alluvião estendidos em largas planicies se formárão talvez acima do nivel dos mares actuaes, em uma especie de lago (Liais). H Y DROGrR APHIA É coberta de esplendida vegetação a cinta colossal de serranias que circurada o Rio de Janeiro ; ella recolhe as grandes massas de agua que caliem nos dilatados limites de seu circuito, fazendo-as depois convergir para a baliia. Descem em numero infinito de torrentes em rios, alguns bastante consideráveis, e alastrão-se pela planície; camadas de detritos resultando da decomposição da rocha, terra vege- tal, matérias organicas de toda especie, são continuamente subtrahidas ás encostas e depostas no leito da baliia. E um trabalho incessante, que gradualmente aperta-lhe os do- mínios, engrossando a quantidade de terrenos de alluvião que constitue toda a parte do solo entre a terra e o mar. Concorre também o mar de outro lado para a formação desses terrenos, recalcando umas sobre outras as copiosas massas de sedimento que lhe caliem no seio. Nos pontos em que é energica a reacção opposta pelas marés a movimento tão activamente organizador, resulta solidez e cohesão nos terrenos que gradualmente vão sur- gindo. Mas é muito desigual esta força em differentes pontos da bahia, em razão da enorme área que ella occupa e da estreiteza da foz pela qual se communica com o mar. Nos logares em que a oseillação do mar é insensível, os de- tritos disseminão-se por largas superfícies animadas da força que trazem, não contrariada no meio em que penetrão ; as camadas se superpõem umas ás outras elevando-se, sem comtudo excederem do nivel que um mar immovel lhes traçou; uma vez nessa altura, os novos contingentes que vão chegando abrem caminho por. entre essa massa incon- sistente e vão se depôr mais adiante. Verificamos, precisando melhor os factos, que existem na bahia do Rio de Janeiro pontos favorecendo a formação de pantanos, outros oppondo-se a ella; è a força mais ou menos pronunciada das marés que estabelece tal distincção. Como elementos principaes, concorrem as seguintes causas: a decomposição das rochas, o material fornecido por sua transformação, a argilla, tão pastosa quando húmida, as chuvas abundantes de nosso clima cahindo sobre terrenos assim preparados, que só esperão o vehiculo que os ha de dissolver para precipita-los. A cidade assenta em grande parte nas praias em que mais batido é o mar, ficando longe do maior numero destes pan- tanos, que só podem exercer sua acção á distancia. A cordilheira serve de linha de divisão, separando as aguas que descem para a bahia das que correm para os valles adjacentes. Das serras da Tijuca e do Corcovado, das encostas que ficão entre este e a Gávea, brotão diversos mananciaes muitos dos quaes utilisados para abastecimento da cidade e seus arredores. Da Tijuca descem os rios Maracanã, S. João e Rio Com- prido, os ribeiros Soberbo, Carangueijo, Morcego, e outros de menor importância. Do Corcovado os- rios Carioca, Sylvestre, Lagoinha, as nove fontes das Paineiras, e alguns mais insignificantes. Finalmente das encostas entre a Gávea e o Corcovado correm os rios Cabeça e o Macaco de suas ramificações, os das Larangeiras, Bica da Rainlia e Silva Manoel. Além destes, alguns outros ha muito aproveitáveis, tendo-se já pensado em deriva-los para acudir ás necessidades da população; são os confluentes da Cascata Grande, alguns corregos pertencentes a particulares, entre elles os de pro- priedade do Sr. Marquez de S. Vicente, etc. Estes rios, porém, já são insufficientes para occorrer ás despezas da cidade; cumpre buscar novos mananciaes para esse fim. Da serra do Tinguá, em raio de 10 léguas além do peri" metro que tração a Tijuca e o Corcovado, correm os rios do Ouro, Santo Antonio e S. Pedro. A commissão, encarregada pelo governo de estudos rela- tivos ao abastecimento de aguas da capital, apresentou-os como os mais idoneos, pela excellencia de suas aguas e pouca distancia que levão desta Corte. Correm encachoeirados em leito de roclias primitivas, e apresentão todos os requisitos exigidos em agua potável de excellente condição. Fornecem elles por dia 100,000 metros cúbicos de agua, 200 pés acima do nivel do mar durante as maiores seccas ; intenta-se aproveitar daquelle algarismo o de G0,000, unin- do-os a 15,000 de contribuição dos mananciaes já apro- veitados, o coefficiente numérico da distribuição diaria seria de 250 litros para população de 300:000 almas. A enseada recebe ainda muitos rios ; alguns são navegá- veis até certa distancia ; á sua foz encontrão* se os pantanos cuja natureza e formação atrás ficão descriptas. Mais notáveis pelo comprimento do curso e volume das aguas, apparecem o Merity rebentando da serra do Bangu, o Sarapuhy, o Iguassú que nasce na serra do Tinguá com navegação por 4 léguas e meia acima da foz, o Morabahy, o Inhomirim, o Suruhy, Magé, o Macacd, de triste celebri- dade, e alguns outros de menos nota. TOPOGRAPHIA DA CIDADE Deixámos descripta a physionomia dos terrenos em que assenta a cidade; cumpre dar também idéa do construído, e fa-lo-liemos syntheticamente. Cidade velha, cidade nova e arrabaldes é a divisão natural do Rio de Janeiro. A cidade velha medeia entre o campo da Acclama- ção e o littoral, por onde estende-se com mais largura; as ruas obedecem ahi a duas principaes direcções, umas correm do interior para o mar, levando rumo de N. E. a S. E.; as outras cortão-nas em angulorecto, seguindo odeN. O.—S. O., e não L. O. como se tem dito ; é a tendencia mais geral, sendo que muitas não cabem em tal classificação. São estreitas na maior parte as ruas deste bairro. O coração da cidade, o centro da sua vida e movimento alii ficão em uma zona que se estende de um lado e de outro da rua do Ouvidor, nella se encontrão brilhantes armazéns de fazendas, objectos de luxo e moda, onde a população vai cada dia abastecer-se de objectos de uso jornaleiro. Muda-se, porém, esse aspecto junto do littoral, ao passo que se entra nos limites em que ficão situados os grandes depositos do commercio de exportação. Nesses pontos, entre a praça do Mercado e a Gambôa, os mais accessiveis aos navios, se accumulou a principio o grosso da população; são animados apenas durante as horas aproveitadas do dia. As ruas apresentão-se ahi sempre cobertas de lama negra e fétida, tendo nesses logares aspecto verdadeiramente re* pugnante. Formão-nas edifícios de todas as idades, coir strucções modernas e antigas acotovelão-se em um amal- gama indescriptivel. Encolhidas na figura poeirenta e miserável, humilhadas pelo aspecto de suas vizinhas, estas só ficão de pé para documento vivo da barbaria dos con- structores, de todo alheios aos progressos da arte no mundo civilisado. Velhas carcassas que vergão sob o peso das idades, ne- nhuma tradição despertão, nem offerecem attractivo algum á curiosidade dos antiquários; o horrível estctliico liombrea com o absurdo hygienico. Esse bairro da cidade causa a impressão de rugas de- crépitas em uma fronte joven. A architectura obsoleta que a ergueu, atravessando o oceano, mudou de cóo sem soffrer modificação alguma : é como an- noso retalho de cidade antiga que se enxertasse aqui. Ao passo, porém, que se foge desses logares, vai-se ope- rando sensível transição. Na Cidade Nova já as construc- ções melhorão um pouco, e parece que o ar e a luz ti verão alguma parte no pensamento de quem as edificou. A Cidade Nova occupa a área que medeia entre o campo da Acclamação até ao largo de Mata-Porcos, jaz en- cerrada no valle comprehendido entre os morros do Senado, Santa Thereza, Paula Mattos, Santos Rodrigues de um lado e o do Pinto, Nliéco e Providencia do outro. Existem ahi vastas extensões de terrenos baixos e ala- gadiços; respira-se, porém, com mais liberdade, eas ruas são perfeitamente varridas pela viração; esta parte da cidade ainda mais do que a outra resente-se da falta de zêlo da administração municipal e da incúria de seus habitantes. Ruas e praças são nnuto mal mantidas ; os cortiços abundão com lamentável profusão, descobrindo-se ahi a cada passo depositos de immundicias, aguas estagnadas, fôcos pestilen- ciaes de toda a especie. Arrabalde» Nossos arrabaldes são magníficos; tem cada um sua physio nomia particular e individualidade própria,, difficilmente se poderá encontrar uma capital tão ricamente dotada sob este ponto de vista; a natureza que formou-os parece lutar comsigo mesma na multiplicidade das fôrmas, sem esgotar sua opulência, e o espirito que assiste á luta não sabe onde consagrar o culto de sua admiração. O Botafogo com uma encantadora enseada, margeada de casas elegantes, notáveis pela diversidade dos typos, algumas mesmo pela sumptuosidade da fabrica, é o bairro aristocrático, preferido das classes ricas da sociedade fluminense. Mais adiante segue o do Jardim Botânico e Gávea, o grande massiço do Corcovado, que ahi se eleva a prumo; enormes granitos de fôrmas singulares e caprichosas, espalhados na pla- nície, imprimem nesses logares uma feição de grandiosa magestade, que sorprende a attenção mais descuidada. Mais vizinho á cidade está o bairro das Larangeiras, mysteriosamente escondido entre as paredes de um valle, com seus palacetes silenciosos e solitários no meio da fo- lhagem verde-negra de que os cercão esplendidos jardins. O de Santa Thereza, tão rico de bellos panoramas e dotado de clima bastante pr oci.rado por sua grande saiu bridade. De outra parte da cidade estende-se o grande airabalde de S. Christovão; o do Caju, de aspecto tào calmo e melancólico, a aurora e o crepúsculo sâo gravados abi de suave poesia ; diante desse mar calmo e tranquillo, espe- lhando um céo de colorido esplendido, desse horizonte largo e solemne, emoldurado pelo dorso azul das serranias, um Napolitano parára de sorpreza, esquecendo um momento sua patria, o paiz onde floresce o myrto e a larangeira. Corre-nos a penna de vontade contando as maravilhas de nossa grande capital; nellas está a prophecia de nossos destinos, e não ha quem, as contemplando, duvide da gran- deza que nos reservão os designios da Providencia. Impede-nos, todavia, o positivo do trabalho continuar, tratando-o por essa fórma que cabe melhor em assumpto puramente litterario. Estes logares, tão privilegiados da natureza, só possuem entretanto as qualidades que delia receberão ; nada se tem emprehendido em seu beneficio. Alguns dos arrabaldes da cidade do Rio de Janeiro sâo de si bastante saudaveis ; outros, comquanto perfeitamente ventilados e possuindo elementos capazes de os elevar á cathegoria dos primeiros, não o são porque o braço do liomem nunca interveio para melhora-los. Entre os primeiros contão-se o de Santa Thereza, Tijuca, Andarahy, o das Larangeiras na parte mais alta; quanto aos outros na maior parte apresentão-se em condições hygienicas verdadeiramente lastimosas. As mãos que distribuem as verbas de nosso orçamento têm-se mostrado, até pouco, avarentas para o aperfeiçoamento liygienico desta capital ; entretanto trabalho bem pequeno e mui parca despeza darião execução a emprezas de immenso resultado. O arrabalde do Caju, apezar da insalubridade de suas praias, não goza da estima que merece, por causa dos grandes cemi- térios que ahi se encontrão. O de S. Christovão é ainda um vasto brejal de lama negra e infecta, que marés e chuvas dissolvem alternada- mente sob a acção constante dos raios do sol; por cumulo de males, este bairro pouco disputado pelos ricos é aquelle que nas vizinhanças da cidade offerece morada mais economica, terrenos de mais baixo preço á classe operaria desfavorecida da fortuna, que ao mesmo tempo é a mais inerte para reagir contra causas mórbidas que actuão com a maxima energia. Não é tudo ; a municipalidade não removeu ainda o mata- douro, que concorre com forte contingente de mephitismo annual para ainda mais infeccionar este bairro desgra- çado. As planicies do Botafogo e Jardim Botânico estão inçadas de pequenos pantanos, facilimos de extinguir, que todos os dias fazem sentir seus perniciosos effeitos. As praias da Saude, Gamboa Sacco do Alferes, e Formosa servião de deposito ás immundicias de toda especie ; ainda hoje tem apparencia bem feia. As ultimas epidemias cha- marão a attenção para esses pontos, e hoje felizmente pos- suimos serviços bastante regulares da limpeza delias. Fôra facil encher um volume com semelhantes detalhes, que não se coadunão com o modo geral todo theorico por que devemos tratar nosso assumpto. Quando se tratar seria- mente de melhorar as condições de nossa capital, o senso mais vulgar saberá indicar todos seus pontos vulneráveis, todas as necessidades a que cumpre acudir. Têm-se planejado grandes cousas para remedio de nossos males ; os projectos mais felizes obtêm as honras da dis- cussão ; tudo fica no mesmo estado. O aterro do canal do Mangue, a proscripçào dos cortiços e o que dissemos da praia do Caju e dos brejos de S. Cliristovão, jâ são logares communs nas estereis discussões que sempre se abrem, sol) o fogo nutrido das epidemias annuaes por que passamos. Lemos com tristeza as memórias escriptas ultimamente por médicos estrangeiros sobre nossa capital. Esses livros correm a Europa formando opinião, e alguns delles laureados ; seus autores encontrárão aqui assumpto largo, onde pudessem dar corpo aos preconceitos scientifi- cos; a cor sombria e severa com que escreverão de nos- sas misérias era consentâneo com idéas que acerca de nossos climas estão em voga no seu paiz. Exagerárão muito, porém infelizmente o que nesses livros parece mais exagerado não é o menos verdadeiro. Cumpre romper com um passado de incúria, até aqui traduzido pelo desprezo de todas as medidas tendentes a assegurar-nos o bem-estar physico. A boa hygiene fórma os grandes povos, e será o sanea- mento de nossa capital o primeiro passo para a prosperi- dade deste vasto Império. TEMPERATURA SufRcient emente determinada está a media thermometrica do Rio de Janeiro. De 1786 a 1814 estudou-a Sanclies Dorta; foi então mar- cada a temperatura desta cidade ao algarismo de 22o,80’ que confirmou algum tempo depois o Dr. Freire Allemão, apresentando resultado approximado após uma serie de observações empreliendidas de 1836 a 1838. Bernardino Antonio Gomes affirma nunca ter excedido de 80° esta temperatura. Os estudos que refere o Dr. Sigaud, feitos em períodos curtos e destacados, são de menor interesse. E o illustre Humboldt quem fixa em 23,5 esse algarismo média pouco alterada subsequentemente pelas notas do observatorio que abração o dilatado perido de 17 annos. A média annual deduzida destas notas é de 23,6 Máximo nos 17 annos 27,6 Minimo 18,5 Médio minimo . . 21,5 » máximo 24,5 » mensal minimo 21,1 » » máximo 24,5 Estes estudos prestão base bastante segura para qualquer juizo sobre nossa temperatura ; tem garantia de largos annos e a contra-prova de observadores illustres. O Sr. Bourel-Ronciére todavia, em seu memorável trabalho inserto em 1872 nos Archivos de Medicina Naval sob o titulo de Estação naval do Brazil e Rio da Prata, suspeita o valor dos documentos fornecidos pelo Castello ; o obser- vatório, diz elle, está situado a 63 metros de altitude, exposto ás brisas do alto-mar, occupa o antigo convento dos jesuítas, cujos muros apresentão espessura maior de um metro com aberturas estreitas, onde, em uma palavra, parece tudo haver sido calculado pqra manter grande frescura interior. Também quem attender unicamente aos resultados thermometricos desta localidade caliirá em erro, porque estão longe de ex- primira temperatura da cidade e do porto; esta temperatura é sempre de 4o a 5o, pelo menos, mais elevada. Ha nissto grande exageração, filha dos prejuízos. A divisão mathematica dos climas que os define pelo traçado das parallclas não attende á multidão de cousas que de constante actuão, modificando-os profundamente. Lógica errónea inspira-se nesse facto para acclamar idên- ticos climas da mesma latitude ; o senso vulgar apoiado nella envolve no mesmo pensamento o Brazil e a Costa d’Africa sob a projecção das mesmas linhas. Buscando nossas plagas, o estrangeiro, dominado por essas idéas, veste todas as armas que llie aconselha a previdência para preservar-se da insolação e demais effeitos de tempera- tura que de antemão afíirma-se a seu espirito como intole- rável. Preconceito sem apoio na realidade dos factos, entretanto omnipotente sobre os espiritos de alem-mar, é elle quem soffrêa as ondas da emigração, obstando a entrada desta seiva poderosa, unico alimento vivificador de nosso pro- gresso. O Sr. Ilonciére escreve sob seu influxo ; suas palavras acompanhão-se de frouxas demonstrações, traliindo-llie a base errónea do critério ; não correspondem os algarismos ás suas opiniões, manifesta-as cruamente, condemnando aquellespor motivos pouco ponderados. Fôrão de algum valoras objecções que suggere o illustre medico sobre a posição do observatorio, se não se encontrassem aqui outros estudos thermometricos que não os feitos na- quelle ponto; mas Sanehes Dortaobservou 28 annos ; o Sr. Freire Allemão 3, Sigaud, Bernardino Antonio Gomes obti- verão sempre algarismo superior ao das estatisticas do Castello; operarião todos em idênticas circumstancias ? Humboldt accorda nesse algarismo em approximação inferior de 0,1; estaria no mesmo caso ? Entretanto sem estudo prévio declara o Sr. Roncière que estas estatisticas representão muito baixa a temperatura da cidade, affírmando que só o accrescimo de 4 e 5 grãos dará idéa do algarismo real: a media sóbe assim a 27,6 e 28,4, numeros da maior elevação até hoje observada na superfície da terra; é assim que, forçado pelo preconcebo, o espirito ad- mitte muitas vezes o absurdo de accordo com seus princípios, recusando a evidencia, ainda que expressa por algarismos, a forma mais singela de suas manifestações. A temperatura do Rio de Janeiro é inferior á da latitude em que está situada a cidade; nós o pensamos, divergindo da opinião do Sr. Liais ; causas geraes e individuaes de diversas ordens concorrem para modera-la. Entre as causas geraes mencionaremos em primeiro logar as correntes oceanicas, supremo moderador dos climas. A rotação da terra torna-se menos sensivel em seus effeitos á medida que se approxima do polo; no máximo de intensi- dade sob o equador ella produz o accumulo de enormes mas- sas de agua nos golplios do México e de Guiné ; as aguas aquecidas neste golplio sob a incidência dos raios equinoxiaes caminhando para o sul vão refleetir-se sobre a extremidade da America Meridional, no sentido de uma diagonal, trazidas para ali pela configuração espherica da terra e o decrescimento gradual da força centrífuga. O Rio de Janeiro escapa a esta grande influencia tliermo- genica, que se exerce toda sobre a costa Occidental da África, extremos do Brazil, Estados do Prata, etc., mitigando consideravelmente o inverno destas regiões. As correntes polares, subindo, seguem caminho opposto, banhando em cheio o littoral onde está situado o Rio de Janeiro; acontece mesmo que a posição desta cidade é ahi a mais favoravel; a costa soff. e uma inflexão a partir deste ponto até Cabo-Frio, ficando voltada para Sueste a foz da 22 baliia, aberta ás correntes polares que sóbem, protegidas contra as eqnatoriacs qne descem. O iilustre Mauryjá havia observado grandes analogias entre as costas da America do Sul e o littoral europêo no Oceano Atlântico, bem como entre os littoraes da America do Norte e a costa Africana no mesmo oceano; ali temperaturas moderadas, aqui temperaturas extremas; demais é facto posi- tivo na scieneia que o verão e inverno são mais moderados neste hemisplierio do que no outro. As condições individuaes do Rio de Janeiro, porém, mo- derão mais decisivamente a influencia tlrermica de sua lati- tude ; a configuração do solo que llie presta aspecto tão bello e grandioso 6 a mais favoravel possivel. As serranias que formão o throno de granito á rainha do Atlântico são ao mesmo tempo o mais util privilegio que lhe concedeu a infinita sabedoria. Apresentão-nas invariavelmente como obstáculo á venti- lação da cidade ; é um obstáculo, diz o Sr. Ronciére, inter- ceptando a passagem das salubres brisas do alto-mar. Para outros é a causa permanente irremediável da grande humi- dade para esta localidade, asserções de todo o ponto infun- dadas em completo desaccordo com as leis de meteorologia. Em nossa opinião, são as proposições contrarias únicas verdadeiras ; As serranias que circumdão o Rio de Janeiro são poderoso elemento de ventilação para a cidade; mani - festão energica influencia sobre seu clima, tornando-a menos húmida e mais salubre. A proposito dos phenomenos que a presença de monta- nhas determinão sobre a circulação do ar, mencionaremos algumas das conclusões do Sr. Fournet, habil observador citado por Kaentz no Curso de Meteorologia : 1. As asperezas do solo determinão diariamente um fluxo e refluxo atmosplierlco que se traliem por brisas ou ventos ascendentes e descendentes, conhecidos ha tempo immemorial em certas localidades sob os nomes de thalwind ponvias, vesine, sol ore, etc 2. Comparando o phenomeno das marés em torno das montanhas ao das brisas da terra e do mar que se produzem reciprocamente ao longo das costas, vê-se que na mesma época em que os ventos diurnos do mar impellem os navios para os portos, a onda aerea eleva-se também de seu lado em torno das montanhas, e que o inverso tem logar durante a noite. Appliquem-se estes princípios; a acção dos raios solares e capacidade calorifica diversa trazem durante o dia des- equilíbrio entre a temperatura da terra e do mar; é por este motivo que estabelecem-se correntes atmosphericas horizon- taes, dirigindo-se da baliia para a planície mais fortemente aque- cida; entretanto a temperatura das montanhas eleva-se con- sideravelmente muito mais que a da planície ; porque são de granito; porque suas rampas talhadas a pique estavão desde o nascer do sol expostas á acção directa de seus raios, quando estes tombavão de soslaio sobre esta, continuando ainda a re- cebe-los em todo o decurso do dia ; em taes condições formão-se correntes ascendentes de grande intensidade da planície para as montanhas; e o ar neste admiravel systema de circulação deve caminhar continuamente da baliia para a planície e da planicie para a grimpa das serranias. Facilmente pode se verificar a existência destas correntes no largo dos Leões junto ao Corcovado, que exerce sua acção refrigerante sobre todo o bairro de Botafogo, no valle das Larangeiras, da Tijuca, etc. . 24 Durante a noite succede o inverso ; a rarefacção do ar nas regiões elevadas facilita muito o irradiamento ; ao esconder do sol o resfriamento é rápido, e correntes de ar puro descem á planície e da planície voltão para o mar. Os vapores húmidos, prenhes ou não de miasmas dele- terios, são assim transportados durante o dia, em correntes ascendentes para o alto das montanhas ahi condensadas, e depois dispersos nas camadas superiores da atmosphera. Deste modo qualquer dos pontos da baliia recebe uni- camente a influencia dos pantanos da localidade ; ora, é de observação clara que no Rio de Janeiro o miasma tem di- minuído de efíieacia, na medida da extincção dos focos exha- ladores; fundado, pois, nestes princípios, é crença nossa que tornar-se-ha elemento insignificante em nosso quadro noso- logico de um futuro bem proximo, caso se emprehendão trabalhos nesse sentido. São verdadeiros mytlios esses ventos a quem o Sr. Ron- ciére, reproduzindo nesse ponto os escriptores nacionaes, accusa trazer effluvios pestilenciaes do fundo da bahia, dos pantanos adjacentes á serra dos Órgãos, etc., vindo envenenar os marinheiros dentro dos navios surtos no porto. Se não é aceitavel a theoria que apresentamos, se os pan- tanos que circulão a bahia exercessem influencia activa sobre a cidade, como o querem os Srs. Ronciére e Jobim, citados por Sigaud e outros, parece que fora mais facil viver na costa do Gfabon ou no delta do Ganges do que nestas paragens ; não devem as grandes causas trazer grandes effeitos ? As temperaturas mais elevadas de nossos climas tornão-se supportaveis, graças a este movimento da atmosphera; a insolação que tanto preoccupa o Sr. Ronciére é cousa des- conhecida entre nós; durante os calores estivaes, operários estrangeiros trabalhão em pedreiras mesmo sob os raios do 25 sol meridiano; verdade seja que nunca se observárão aqui maximas de 38,0 e mais, como em Roma, Pariz, e muitas outras cidades da Europa. O illustre medico da marinha franceza devia lembrar-se que nosso clima não é de tempe- raturas extremas ; é tão pouco razoavel aquelle que espera encontrar aqui 0o como 38° ou 40°; pensando assim, facil- mente obteria a chave dos phenomenos que observou, acei- taria todos estes algarismos que lhe parecem incríveis, pela maneira por que os encara. O calor atmosplierico chega ao máximo em Fevereiro ; em Abril começa a descer, torna-se mais pronunciado esse movimento em Maio, chegando em Junho e Julho a seu minimo; conserva-se quasi o mesmo até o fim de Se- tembro, tornando a subir mais ou menos rápido dahi por diante. Entretanto isto varia; ora é mais quente o mez de Janeiro, ora o de Fevereiro ; na estação fresca são os mezes de Junho, Julho e Agosto os de mais baixa temperatura; os dous pri- meiros mais commummente, porém as excepções são frequen- tes, a pontos de encontrar-se em Setembro a média mais baixa. As horas de maior calor .durante o dia ficão entre 1 e 5 da tarde ; as médias dão como a mais quente 1 para depois do meio dia. Ás 7 da manhã a temperatura está no seu minimo. Hora maior quente média 24°4 « « fresca « 22,6 Durante a estação quente tornão-se algumas vezes muito pronunciadas as oscillações thermometricas; durante o dia a temperatura varia de 10 gráos e mais no espaço de algumas horas, chegando mesmo a descer muito ; é esse o motivo por que a média desta estação diífere tão pouco da estação fresca . não se póde á vista disto duvidar da exactidão dos algarismos por esse facto como o faz o Sr. Ronciére. Estas variações bruscas são a face desfavorável do nosso clima ; Sigaud, Barão de Lavradio e outros observão sua coincidência com as grandes epidemias. H Y GrROMETRI A Diz o illustrado Sr. Barão do Lavrado : « Estudando as observações relativamente ao estado hy- grometrico desta cidade, reconhece-se que tem soffrido diminui- ção sensível de 1860 em diante ; porquanto, regulando até esse tempo a média annual entre 92° e 93° mais ou menos, a ma- xima mensal entre 95° e 94°, e a minima entre 94° e 91°, desceu de 1860 a 1865 ao ponto de oscillar a média annual entre 81°,418 (minimo) em 1864, e 87°857 (máximo) em 1865; a mensal maxima entre 92°,077 em Abril de 1860 (máximo) e 85°,003 (minimo) em Dezembro de 1865; e a mensal minima entre 84°,578 em Julho de 1861, e 80°,099 em Setembro de 1864, para subir de novo em 1866 e 1867, elevando-se nestes dous annos a média annual a 88° e uma fracção, a maxima mensal a 90° e pouco mais, e a minima a 85° idem. » O Sr. Ronciére não menciona estas circumstancias de tamanho interesse; não parece que a humidade desappa- rece á proporção que a cidade dilata seus domínios ? Esta humidade era, pois, toda local, devida ao terreno arido, cujo nivel já é bastante levantado. E, todavia, notável que o observador francez nada observe a respeito das estatísticas do Castello quanto aos dados liygrometricos, seria entretanto o momento de notar que este outeiro está mergulhado em atmosphera marítima vizi- nha do ponto de saturação, recebendo as brisas em sua posição que affronta a barra ; porém assim não acontece, os algarismos o satisfazem e não os critica. Rio de Janeiro, diz logo, on le sait, est un des pays lse plus humides du globe, et cette humidité y est constante, elle varie peu chaque année et dans les differentes saisons; la fraction hygrometrique que de son athmosphére s’y maintient a peu prés constamment double de celle de Paris. Quanto áprimeira aílirmação foi outr’ora verdadeira,quando o Dr. Jobim, citado por Sigaud, escrevia o mesmo; as pala- vras transcriptas do illustre presidente da Junta de Hygiene accusão o facto em época já remota; hoje não é verdade isto. O Sr. Roncière, porém, querendo dar alta idéa da fracção hygrometrica no Rio de Janeiro, diz que ella ahi se conserva quasi sempre no dobro da de Pariz ; mas, se a temperatura do Rio de Janeiro é o dobro da de Pariz, o ponto de saturação deve ser aqui duas vezes mais alto, porque elle é tanto mais elevado quanto mais o é a temperatura; as palavras do Sr. Roncière affirmão a seguinte proporção : a fracção hygro- metrica do Rio de Janeiro está para o seu ponto de saturação como a de Pariz está para o seu ; por outras palavras, a hu- midade é igual nas duas cidades. O Sr. Dr. Jobim apresenta também como causa da hu- midade permanente os ventos do mar saturados de vapor aquoso, que a cidade recebe com mais abundancia que os de terra, pela dupla causa da rotação do globo, etc. A cidade está com effeito no littoral, porém os ventos regu- lares do alto mar são perturbados com a vizinhança das costas, principalmente quando o terreno é muito accidentado como aqui acontece ; sua acção ordinariamente torna-se quasi nulla, as correntes locaes os substituem ; estas só desapparecem quando elles adquirem intensidade excepcional. 28 PRESSÃO BAROMÉTRICA A experiencia não tem demonstrado influencia alguma pronunciada sobre a saúde exercida de accôrdo com as os- cillaçòes barométricas ; vê-se, pois, que não ha razão de dar-se a este elemento elimatologico importância que elle só adquire em circumstancias excepcionaes. E evidente, diz Fleury, que o homem supporta variações de pressão comprehendidas entre limites bastante extensos sem que 11 íe seja modificado de maneira apreciável o estado statico ou dynamico. Assim que declara o mesmo autor vemos que nas regiões beira-mar a pressão média sendo de 960n"n, cada centímetro quadrado do corpo humano supporta um peso de 1,033 grammas, emquanto que em Antisana a pressão não sendo maior que 470mm 4,101 metros acima do nivel do mar, o peso não é superior a 639 gráos. Em condições tão oppostas nenhum phenomeno particular se produz. A sensação subjectiva do calor está no Rio de Janeiro na razão directa da pressão atmospherica ; é assim que muitas vezes a temperatura de 28° é mais supportavel que a de 32° ou 33°, quando o barometro representa numeros ele- vados . A média annual éde. . . . 757mm022. » » maxima 760mm869. » » minima 755mm623. A pressão atmospherica é mais forte na estacão fresca que na quente, e a d fferença nas médias é de 3mm583 ; fraca a principio, em Janeiro ella sóbe constantemente até Julho , começa depois a decrescer desde Agosto, e chega ao minimo em Dezembro. VENTOS Os ventos soprão na cidade com regularidade constante, e são o grande elemento de sua salubridade. Do meio da noite ao do dia domina o terral, depois vem a brisa do alto mar que sopra deliciosa e fresca até ao pôr do sol; esta é de ordinário mais fresca que a outra. O- terral sopra na di- recção de N. N. O e N. E. relativamente á cidade, e a vi- ração do mar oscilla entre S. S. E. e E. S. E. Quanto aos outros ventos, são pouco constantes e pouco duradouros, podendo-se considerar ventos de transição ; o N. O. que apparece com alguma frequência de Agosto a Setembro é muitas vezes precursor de grandes tempestades. As observações compiladas pelo Sr. Barão de Lavradio apre- sentão como dominante por ordem de frequência o sudeste e o sudoeste ; quanto aos ventos de nordeste e noroeste, regulão um pelo outro, sendo muito menos frequentes que os de sul. CHUVAS 0 clima do Rio de Janeiro não tem a regularidade dos climas do Norte do Brazil mais vizinhos ao Equador. Não lhe quadra tão bem a divisão das estações em secca e chuvosa. Geralmente grandes chuvas acompanhão de ordinário a estação dos calores, ou melhora monção do Norte. As grandes chuvas começão em Novembro, acompanhadas raramente de trovoadas, e augmentão de frequência até Fevereiro, diminu- indo depois progressivamente de Fevereiro até Maio. Este mez e os seguintes, até fim de Setembro, são em geral privados de chuvas torrenciaes. Durante o inverno acontece cahirem chuvas finas, mas por tal fórma duradouras que muitas vezes occasionão desmoro- namentos nas collinas argillosas. Levando sómente em conta as médias mensaes, não encon- tra-se ordinariamente differença notável entre as duas estações relativamente aos dias de chuva; mas, examinando cada estação isoladamente, mudão os resultados. Dos dados colligidos durante 17 annos de observação deduz-se uma média annuai de 98,1 dias durante os quaes choveu. Maximum, 123 dias em 1867. Minimum, 57 » em 1854 ; e são para Estação do inverno . . . 945 » » verão . . . 806 dias de cliuva As médias mensaes dão o mez de Dezembro como mais chu- voso, depois o de Janeiro. Os mezes de Junho e Julho dão médias menos elevadas. / Aquem de um século as chuvas têm diminuído no Rio de Janeiro; Sanches Dorta dá para os annosde 1782a 1787 quantidade annual média de 1,“4745. Das observações actuaes de 1851 a 1869 resulta: Média geral animal l,m096 » máximo l,m552 1862 » minimo 0,U1957 1864 Média 0,m708 Máximo 1 ,ml 93 Minimo 0,ra471 Para o verão Para o inverno Médio 0,n’3 9 8 Máximo 0,m840 Minimo 0,m252 O mez em que cahe maior volume de agua é o de Dezem- bro; no mez de Junho dá-se o inverso ; a média encontrada é para o primeiro 0,m,148, para o segundo 0,m,43. As chuvas têm, pois, diminuido no Rio de Janeiro durante os últimos annos ; querem muitos seja isso devido á extensão de derruba- das feitas ultimamente em larga escala ; suggere, porém, o Sr. Roncière que a diminuição de frequência e intensidade dos pampeiros do Rio da Prata produzio taes consequências. A primeira opinião é muito acreditada aqui, porém nós não partilhamo-la; estas anomalias não se têm observado sómente aqui, em todas as partes do mundo accusão-nas mais ou menos pronunciadas ; é facto caracteristico do periodo que atraves- samos ; no hemisplierio opposto tem acontecido justamente o contrario, ahi são inundações terriveis, como as que ulti- mamente se manifestarão em França e Portugal, trazendo damnos e prejuízos incalculáveis ; as causas, pois, quepertur- bárão nosso clima são causas cósmicas, cuja natureza por fôrma alguma se deve localisar; o Sr. Roncière, porém, não faz mais que recuar a questão ; porque, perguntar-lhe-hiamos, diminuirão também esses pampeiros a quem attribue tão de- cisiva influencia sobre a quantidade de chuva que annual- mente cahe no Rio de Janeiro ? ESTAÇÕES 0 illustre medico filia factos coexistentes que apenas con- firmarião nosso pensamento se provassem alguma cousa. Estação fresca. — Comprehende outomno e inverno ; é a estação mais saudavel do anno., excepto nos mezes de Março e Abril, que marcão-lhe a época mais fatal, a época de tran- sição do outomno para o inverno. A temperatura média nesta estação é de 25,057, da estação quente 25,474, as chuvas são cinco vezes menos frequentes que na outra estação, a humidade nao é muito menos sensivel. Esta estação póde ser considerada secca, não porque nella haja poucos dias de chuva, mas porque estes são em menor quantidade do que na outra. As variações diurnas da temperatura são bastante pronunciadas nesta estação, não excedem porém de 7o no máximo. A monção do sul sopra durante a estação fresca, oscillando os ventos entre S. E. e S. O., que são ventos constantes. Soprão também com frequência a S. O e N. O. nas épocas de máo tempo ; esta é a estação mais agradavel no Rio de Janeiro. Estação quente. — Começa em Novembro, terminando com o mez de Abril ; ernquanto dura o tempo secco, não ha grandes alterações no estado sanitario ; começa este a pertur- bar-se com a quéda das primeiras chuvas ; nessa occasião apparecem os primeiros casos de febre amarella, que conti- nuão apezar das mudanças de tempo e cliegão a penetrar no coração do inverno, como no presente anno de 1876. A média thermometrica desta estação avalia-se segundo os dados do Observatório entre 25 e 27 . Média geral do anno 25,474 » maxima 26,411 » minima 24,543 No verão o thermometro chega com facilidade a 30° e 32°, algumas vezes a 34° e mesmo a 36°; estas maximas são, porém, muito instáveis, só se conservão durante periodos muito curtos. O minimo não vai abaixo de 20°. Durante o dia a viração sopra constante, tornando nosso verão o mais supportavel talvez da latitude em que nos achamos ; é muito menos abra- zador do que o de muitas das grandes capitaes da Europa, algumas das quaes contão maximas nunca observadas na capital do Brazil. A monção do norte reina durante a estação, os ventos de N.N.E—E.N.E são quasi constantes, notando-se também com. a frequência costumada o SE. A média dos dias de chuva é para esta estação de 56,1 dos volumes de agua : Média annual 0'“644 « maxima lm193 « minima 0n'471 TEMPESTADES. Eleetricidade utiiiosplierica. Os phenomenos electro-atmosphericos são muito cominuns aqui e as trovoadas são algumas vezes de grande violência. Durante o verão, depois de um dia de calor insupportavel ellas sobrevêm de oeste ou nordeste o mais das vezes e precipitão-se sobre a cidade ao cahir da tarde. Os dias, e as horas que precedem a trovoada, antes que a chuva tenha refrescado a atmosphera purificando-a, são quentes, tanto pelo calor húmido da estação, como pela quan- tidade de electricidade de que está o ar sobrecarregado. De 1851 a 1867 conta-se uma média annual de 25,64 dias nos quaes se ouvia o som do trovão. Durante a estação quente, estação das tempestades, tro- vejou annualmente termo médio 21,44 dias. O mez de Janeiro é o mais sobrecarregado desta estação, e do anuo inteiro, sob o ponto de vista das perturbações electro-atmosphericas. A média annual da estação fresca é de 4,10 dias. Os mezes de Agosto e Maio são os que offerecem médias mais fracas durante o anno e a estação. ESTADO DO CÉO. 0 estado do céo varia com as duas estações, ha uma média annual de 70,7 dias sem nuvens. Máximo animal. 80 Minimo 3 w/j. • 4o 1 Média para o inverno 42,1 Média para o verão 68,6 Máximo 53 Minimo 9 São com effeito os mezes de Junho, Julho e Agosto, algumas vezes Abril, que apresentão dias mais puros e céo mais claro, este numero nestes mesmos mezes varia de 1, de 2 a 18 ; no verão varia de 1 a 14. No anno encontra-se uma média geral de 87,9 dias em que o céo é encoberto. Máximo; 154 dias. Minimo 54 » Verão 45,4 » Inverno 42,5 » Os dous últimos algarismos são muito semelhantes. O mez de Setembro é aquelle que mais dias encobertos apresenta. O numero de dias em que o céo é nebuloso iguala-se nas duas estações; conta-se uma média de 111,6 dias no anno em que o céo, sem de tolo estar encoberto, é percorrido pelas nuvens. Considerações geraes sobre o clima do Rio de Janeiro. Melhoramentos (pie se devem aconselhar para a salubri- dade desta capital. A cidade do Rio de Janeiro possue grandes elementos de salubridade; ella tem soffrido cruéis e mortiferas epidemias; investigando, porém, a natureza das causas que as produzirão, encontrão-se, não no clima e condições topograpliicas da ci- dade, porém na historia simples de sua creação. Descende de uma metropole que não tinha os hábitos nem o genio dos povos colonisadores ; sómente o engodo de uma fortuna facil e rapida attrahiapara alii o excesso das civilisa- ções do velho mundo; suas praias vião cada dia desembarcar novo contingente de homens; nenhum vinha colonisar; tra- zendo a leve bagagem dos aventureiros, corrião em busca de riquezas fabulosas, e trabalhavão por alcança-las depressa, affagando sempre os sonhos de grandezas que lhes sorrião na mãi-patria. Conta vão demorar-se pouco; escolhião para residir não lo- gares abrigados contra os agentes morbificos, onde fossem mais favoráveis as condições de salubridade necessárias á vida; porém junto ao porto, em terrenos baixos, mas commodos para a carga de navios e aptos para o jogo activo do commercio. Dominados pelo mesmo pensamento construião edifícios sem forma architectonica, nem attenção ás mais imperiosas exigências da vida; pouco lhes importava o ar e a luz que não vinhão procurar ahi; suas eonstruccões aperta vão-se em estreito espaço, distribuidas a esmo, sem ordem nem alinhamento, nem orientação para os ventos dominantes, sobrepondo andares sobre andares quando era franco o espaço em todos os senti- dos. Eis a historia da fundação da cidade; não escripta por chronistas, mas qual íicou estampada na phisionomia decré- pita dos edifícios da cidade velha. Moralmente a cidade era como um vasto acampamento que ia levantar-se aos primeiros clarões da alvorada; ninguém se preoccupava de seu futuro ; o povo do presente esquecia o povo que lhe devia succeder, e, desprezando hábitos hygie- nicos intuitivos de primeira necessidade, accumulavão o pin- gue legado de males que assignalou tão tristemente as pri- meiras épocas de nossos annaes. Sepultavão nas igrejas, cavavão cloacas nos quintaes, fechando uma á medida que se tornavão imprestáveis, para logo abrirem outras; fazião os despejos nas praias, nas pró- prias ruas durante chuvas torrenciaes; praças sempre cobertas de residuos orgânicos e animaes em putrefacção; calçamento detestável que abria-se de todas as partes em poças de lama organica, emanando hálito choco e nauseoso, emfim, um ma- tadouro no coração do povoado; o aspecto das cousas era tal que a penna furta-se a descreve-lo ; nem os euphemismos o poderião pintar, nem diminuirião a ingratidão de tarefa tão repugnante, leião-se as impressões de Ida Pfeifer ao passar pela capital do Brazil; cada dia prestava novo contingente ; os germens de destruição capitalisavão-se em progressão muti- plicada. Calcule-se o aspecto degradante desta cidade em taes circumstancias ; habitada por um povo indifferente âs regras da hvgiene, que nunca se lembraria de observa-las em um logar onde o interesse o não prendia, na fé de uma estada curtae pouco duradoura. Comtudo este estado de cousas não trouxe effeitos imme- diatos ; as chuvas torrenciaes daquelles tempos soffreavão talvez a energia das influencias deleterias ; mas apenas escas- seárão ellas principiando no clima revolução salutar que torna-lo-hia mais secco, flagellos terríveis, de natureza des- conhecida, surgirão de todas as partes, vários ao infinito no caracter de suas manifestações; o cholera, a febre amarella, a febre typhoide, as febres de Macacú, a escarlatina, a dysen- teria, o croup, as oplitalmias, etc., vierão umas após outras figurar no grande t.heatro que lhes apparelhavão ha tanto tempo. Mais uma circumstancia : era em taes condições que uma raça oriunda das zonas temperadas ia adaptar-se ás exigên- cias de um clima tropical na virgem America ; era nestes termos que ousavão propor o problema mais difiicil de liy- giene social, o da immigração, A raça dos habitadores do sólo fôra estúpida e cruelmente aniquilada ; em breve foi urgente importar um outro povo, cuja constituição podesse affrontar a inclemência do clima que paralysava a actividade desses filhos da Europa Meridional, e lhes vedava o trabalho. A África mandou as hordas embrutecidas de seus desertos ; que ia ser este novo elemento ? Homens que passavão do estado livre da vida selvagem para a civilisação que ia impôr-lhes o jugo ferre- nho da mais dura escravidão : todos sabem a historia destes desgraçados e póde-se avaliar que força de organismo humano poderia arrostar as tristes condições de tão pesada existência. A cidade estava, pois, viciada desde o pensamento que a creou. Resumindo, vê-se que nenhuma lei da sabedoria humana presidio á sua fundação; dous povos, como dissemos, um da Península Ibérica, outro dos areaes da África, emigrárão para ahi; um passava da vida selvagem para a vida civilisada, outro aclimava-se em regiões onde só a própria experiencia havia indicar os hábitos, os costumes, e as necessidades de sua nova existência; demais, nenhum delles lançou mão de meios que moderassem a perigosa rapidez de semelhante transição ; pois de elementos tão contrários vio-se ao cabo de alguns annos surgir como pérola do lodo do oceano uma cidade grande de futuro e rica de esperanças. Esta revolução fez-se nas melhores condições ; manifestá- rão-se em diversas épocas algumas epidemias, exageração anómala na mortalidade, que é a consequência forçada dos factos que enumerámos ; mas, assumirão ellas alguma vez a feição terrivel que as caracterisa em casos idênticos? Não, por certo; não ha exemplo de crise organizadora tão consi- derável, em que tão pequeno numero de victimas fosse immc- lado ás eternas e immutaveis leis da natureza. Quem reflectir sobre taes acontecimentos, ou ha de con- cordar com a nossa opinião, pensando que estas epidemias pouco consideráveis, relativamente á causa productiva, at- testão a excellencia do clima, onde princípios tão diversos se harmonizárão rapidamente em circumstancias bem pouco favoráveis, ou acreditará que no conflicto de tantos elementos é impossível discriminar a parte que cabe ao mesmo clima como agente morbido de nossa historia pathologica. Os melhoramentos que pede a cidade resumem-se, pois, neste principio: auxiliar o movimento que está organizando a cidade moderna sobre as ruínas da cidade antiga ; dentro de alguns annos estará realizada a transformação, do mesmo modo que de uma civilisação decadente, surgio a nossa ci- vilisação tão brilhante e vigorosa; O homem não póde viver sob os tropicos, cm cidade onde os hábitos e costumes são proprios dos povos de zonas frias ou temperadas. Estes melhoramentos não consistem no arrasamento de montanhas, idéa gerada sob a influencia de um principio falso, como demonstrámos em nosso artigo sobre a tempe- ratura, que só do mar soprão os ventos que arejão a cidade: o arrazamento do Castello é uma inutilidade ; em nada al- terára a condição dos logares que deve beneficiar. Elles estão no dominio da hygiene trivial, porque nem a topographia nem o clima desta cidade possuem causa al- guma particular de insalubridade; separa-los-hemos em duas classes : melhoramentos que dizem respeito á cidade e ao cidadão. Entre os primeiros está a alteração completa no systema de edificar, geralmente adoptado ; devemo-nos afastar comple- tamente do pesado typo portuguez, onde não se attende ao are- jamento nem á ventilação; nossa arcliitectura deve fundar-se nas bases do modelo arabe, onde a circulação do ar é cons- tante, modificado porém em attenção á humidade do clima ; o espirito publico começa a reconhece-lo na construcção dos chalets, que rnais ou menos satisfaz a estas necessidades. A cidade velha deve ser radicalmente alterada em uma zona comprehendida entre a praça do Mercado, ruas Direita, de S. Pedro, de S. Joaquim, de S. Lourenço, Morro daSailde de um lado e o mar do outro. A execução do plano de prolongamento da estrada de ferro D. Pedro II até ao mar, a creação de grandes deposiíos de armazenagem nesse ponto, seria de immensa vantagem para o saneamento destas localidades ; o mesmo aconteceria se continuassem a abertura do canal do Mangue na mesma direcção ; os benefícios serião incalculáveis. Extincção dos pantanos, principalmente do Mangue, que é tão facil e lucrativa mesmo sob o ponto de vista economico. Redacção de um codigo de posturas, sob o modelo dos que regem as grandes cidades da Europa, onde seja limitado o exercício de certos direitos em attenção a saúde publica, como seja o estabelecimento de industrias nocivas, e muitos outros ; é lamentável que tão pouca cousa se tenha feito nesse sentido em cidade adiantada como o éa nossa ; emfiuq enunciamos o principio que deve dirigir estes melhoramentos; quanto aos detalhes resumem-se na applicação pratica das regras fundamentaes da hygiene ; temos uma junta, cujo presidente cumpre nobremente o seu dever; para sermos completos bastava reproduzir as medidas que S. Ex. repete em todas as suas publicações com zelo incansável, digno de melhor sorte ; o pouco que se tem feito é devido a seus es- forços, infelizmente attendidos só em tempo de epidemia. Nós formularemos um unico preceito relativamente ao indivíduo na cidade do Rio de Janeiro : modificação com- pleta nos hábitos de sua vida social. Acreditamos que em nenhuma capital do mundo civilisado estes hábitos são tão pouco communicativos ; dahi grave prejuízo para seus habitantes, sob o ponto de vista physico, intellectual e político. E isto caraeter comnium a todas as colonias de origem por- tugueza, que ultimamente se tem modificado nesta cidade, mas por maneira muito lenta. O illustre Barão de Petropolis attribue a frequência da thisica pulmonar á vida reclusa e sedentária das mulheres ; este parecer funda-se 11a observa- ção attenta dos factos; nós acreditamos que é devida ámesma causa a obesidade que aqui se observa na idade madura em ambos os sexos. O lymphatismo com todo o seu cortejo de males reconhece a mesma origem, concorrendo também para produzi-lo 0 pouco favor de que goza 0 regimen ani- mal junto ás senhoras. E isto desalinhado esboço das idéas que 0 autor tinha em mente apresentar empreliendendo tão ardua tarefa ; fortuna adversa embaraçou-o 11a execução de seu plano, por isso pede muita benevolencia para um trabalho que nunca viria á luz se não instasse o cumprimento de um dever. PROPOSIÇOES SECÇÃO DE SCIENCIAS ACCESSORIAS Da atmosphera. I A ruptura de equilibrio no estado da atmosphera produz o vento. II A causa unica que determina esta ruptura de equilibrio é a desigualdade de temperatura em regiões contiguas. III Todas as vezes que duas regiões vizinhas são desigual- mente aquecidas, produz-se nas camadas superiores uma corrente atmospherica que vai da região quente para a fria, e na superfície do sólo uma corrente contraria. IV A quantidade de vapor d'agua que póde conter a atmos- phera está na razão directa de sua temperatura. V Nas costas a quantidade de vapor d’agua 6 a maior pos- sivel em latitudes iguaes, e diminue á proporção que se penetra nos continentes. ' VI O orvalho é um effeito do abaixamento de temperatura das camadas de ar em contacto com o sólo. VII Todas as circumstancias que íacilitão a irradiação do ca- lorico são favoráveis á precipitação do orvalho; por esse motivo essa precipitação é maior sobre os corpos mãos con- ductores. VIII A quantidade de vapor d’agua contida na atmosphera di- minue do equador para os pólos. IX A seccura ou a humidade da atmosphera representa grande papel na genese das moléstias. X Quando duas massas de ar saturadas, mas de tempera- tura differente, se encontrão, lia precipitação de vapor aquoso. XI O vapor dagua precipita-se sob fôrmas ditferentes, mas sempre sob a acção das mesmas causas. XII A desigual refraeção da luz em camadas de ar alternati- vamente frias e quentes 6 devido o phenomeno da scintil- lação das estrellas. SECÇÃO DE SCIENCIAS MEDICAS Sub-nitrato de bismutho considerado pharmacologica e therapeuticamente I Da confusão do sub-nitrato com o nitrato de bismutho provém attribuirem-se áquelle propriedades causticas, como o faz Pereira no seu tratado de therapeutica. II Como* substancia toxica, o sub-nitrato de bismutho apos- sa-se do hydrogeneo sulfurado. III A coloração das fezes é devida áquella propriedade. IV Como pó secco, o bismutlio apodera-se dos líquidos sendo um antiacido e absorvente. V É muito util na pyrosis e em certas diarrhéas. VI Tem sido muito empregado nas affecçoes rebeldes dos orgãos genito-ourinarios. YI Os Isymptomas varião conforme a susceptibilidade do individuo. VII Os elementos mais importantes para o diagnostico são os eommemorativos, a tosse convulsiva inicial, a intermittencia dos accessos de suffocaçâo,, e ruidos anormaes no orgão affectado. , VIII A dor aguda não é constante. IX A expulsão dá-se por esforços da natureza na metade dos casos. X Corpos estranhos podem permanecer indefinidamente sem produzir a morte. XI • i Depois de extraindo o corpo extranho o prognostico póde ainda ser grave. XII Os sternutatorios e vomitivos são meios não poucas vezes perigosos e inúteis. SECÇÃO DE SCIENCIAS CIRÚRG ICAS. Corpos extranhos do larynge. I Os corpos extranhos do larynge podem provir do interior, ou ser desenvolvidos in situ. II A natureza dos corpos extranhos do larynge é por demais variavel. III Pelo contacto da humidade os corpos extranhos vindos do exterior podem sofírer modificações que facilitem ou difficul- tem a cura. IV Nelaton, affirmando que corpos de mais de dons centíme- tros não podião transpor a glotte, não tomou em considera- ção a maior dimensão dessa abertura. V As lesões determinadas pelos corpos extranhos são: in- flammação e espessamento da mucosa, a suppuração e a gangrena com plienomenos sympatliicos para os pulmões. VII Por causa de seu modo de agir deve ser empregado em altas dóses. VIII O bismutho é de grande efficacia nas dyspepsias acom- panhadas de hálito pútrido. IX Os ácidos sao os incompativeis do sub-nitrato de bismutho. X Absorvendo os ácidos, o sub-nitrato de bismutho produz acção sedativa nas afíecções dolorosas do estomago. XI O bismutho é empregado externamente como desinfectante sobre as feridas. XII Associa-se com bom resultado este agente á magnesia e aos narcóticos, como a morphina e o opio. XIII K de uso commumno cliolera asiatico. XIV E empregado com vantagem externamente nas ophtalmias palpebraes e conjunctivite granulosa. HIPPOCRATIS APHORISMI I Vita brevis, ars longa, occasio prseceps, experimentum fallax, judicium difíicile. Opportet autem non modo se ipsum prestare, a? qua3 opportet facientem ; sed etiam et segrum et assidentes, et exteriora. (Sect. I, Aph. 1) II Duobus in lateribus, et in peetoribus, et in aliis partibus, si multum diferant, considerandum est. (Sect. VI, Aph. 5( III In morbis acutis extremarum partium frigus, malum. (Sect. VII, Aph. 1) IV Duobus doloribus simul abortis non in eodem loco, vehe- mentior obscurant alterum (Sect. II, Aph. 46) y Ad extremos morbos, extrema exquisitè remedia óptima. (Sect. I, Aph. 6) VI Febrem convultioni supervenire melius est, quam convul- tionem febri. (Sect. II, Aph. 26. Esta these está conforme os estatutos.—Rio de Janeiro, 7 de Outubro de 1876. Dr. José Pereira Guimaraes. Dr. Souza Lima. Dr. Ferreira dos Santos.