FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO THE SB DO Élf, Jfosé lítiles Èlarreto de ÉÉeaeiei, «4» «4> e> Typ. Gutenberg, de Santos & Chaves, rua do Hospício n. 206. PRIMEIRA CADEIRA DE CLINICA CIRÚRGICA TRATAMENTO DA RETENÇÃO DE URINA PROPOSIÇÕES Cadeira de pharmacologia e arte de formular Do opio chimico-pharmacologicamente considerado. Cadeira de clinica ophthalmologica Importância do tratamento antiseptico na cirurgia ocular. Cadeira de pathologia medica Hypohemia íntcrtropical. THESE APRESENTADA Á FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO E.VI 29 DE SETEMBRO DE .883 E perante ella sustentada em 19 de Dezembro por 4>. ,/yV/ ,. «n , , 4*$» II elles àfarreto cte Jilsaeses 4> 4—— 4* . —4» --- -tsi— NATURAL DO RIO DE JANEIRO Doutor em Medicina pela mesma Faculdade, Bacharel em letras pelo Imperial Collegio de Pedro II, etc. RIO DE JANEIRO Typ. Militae, de Santos & C., rua do Hospício n. 306. 1883 Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro DIRECTOR—Conselheiro Ur. Vicente Cândido Figueira de Saboia. V1CE-DIRECT0R—Conselheiro Dr. Antonio Corrêa de Souza Costa. SECRETARIO—Dr. Carlos Ferreira de Souza Fernandes. Drs.: LENTES CATHEDRATICOS João Martins Teixeira Physica medica. Conselheiro Manoel Maria de Moraes e Valle . . . Chimica medica e mineralogia. João Joaquim Pizarro. . Botanica medica e zoologia. José Pereira Guimarães Anatomia deseriptiva. Conselheiro Barão de Maceió Histologia theorica e pratica. Domingos José Freire Júnior Chimica organica c biologica. João Baptista Kossuth Vinelli Pliysiologia theorica e experimental. João José da Silva , . Fathologia geral. Cypriano de Souza Freitas . . . Anatomia c physiologia pathologicas. João Daroasceno Peçanha da Silva 1’athologia medica. Pedro AÍFonso dc Carvalho Franco . Pathologia cirúrgica. Conselheiro Albino Rodrigues de Alvarenga , . . Matéria medica e tlu rapeutica, especial- mente brasileira. Luiz da Cunha Feijó Júnior . . Obstetrícia. Cláudio Velho da Motta Maia Anatomia topographica, medicina ope- ratória experimental, apparelhos e pe- quena cirurgia. Conselheiro A. C. dc Souza Costa . Hygiene e hiatoria da medicina. Conselheiro Ezequiel Corrêa dos Santos , . . - . Pharmacologià e arte de formular. Agostinho José ds Souza Lima Medicina legal e toxicologia. Conselheiro João Vicoute Torres Homem. . . . Domingos de Illmeida Martins Costa Conselheiro Vicente Cândido Figueira de Saboia. João da Costa Lima c Castro Clinica medica de adultos Clinica cirúrgica de adultos. Hilário Soares do Gouvêa . . , . Clinica ophthalmologica. Erico Marinho da Gama Coelho Clinica obstétrica e gynecologica. Cândido Barata Ribeiro Clinica medica e cirúrgica de crianças. João Pizarro Gabizo Clinica de moléstias cutaneas e syphili- ticas. João Carlos Teixeira Brandão Clinica psychiatrica. LENTES SUBSTITUTOS SEEVINDO DE ADJUNTOS Augusto Ferreira dos Santos Chimica medica e mineralogiea. Antonio Caetano de Almeida . . Anatomia topographica, medicina ope- ratória experimental, apparelhos e pe- quena cirurgia. Oscar Adolpho de Bulhões Ribeiro Anatomia deseriptiva. Nuno Ferreira de Andrade Ilygicne c historia da medicina. José Benicio de Abreu Matéria medica e therapeutica, especial- mente brasileira. ADJUNTOS José Maria Teixeira Physica medica. Francisco Ribeiro de Mendonça Botanica medica e zoologica. Histologia theorica e pratica. Arthur Fe mandes Campos da Paz Chimica orgauiea e biologica. Pliysiologia theorica e experimental. Luiz Ribeiro de .Souza Fontes Anatomia e pliysiologia pathologicas. 1'harmacologia e arte de forinulart Henrique Ladislau de Souza Lopes Medicina legal e toxicologica. Francisco de Castro Eduardo Augusto de Menezes Bernardo Alves Pereira Carlos Rodrigues de Vasconcellos Clinica medica de adultos. Ernesto de Freitaa Orissiuma Francisco de Paula Valladares Pedro Severiano de Magalhães Domingos de Góes e Vasconcellos Clinica cirúrgica de adultos. Pedro Paulo de Carvalho . Clinica obstétrica e gynecologica. Josê Joaquim Pereira de Souza Clinica medica e cirúrgica de crianças. Luiz da Costa Chaves de Faria Clinica de moléstias cutaneas e syphiti- ticas. Carlos Amazonio Ferreira Penna Clinica ophthalmologica. Clinica psychiatrica. N. B.— A Faculdade não approva nem reprova as opiniões emittidas nas theses que lhe são apresentadas.  SiUBOSA MEMÓRIA BE MEU MIIITO PRESABO PAI O COMMENDADOR Pedro Antonio Telles Barroto de Menezes A MEMOMIA DE BED SEMPRE LEMBRADO IRMÃO Dr. LUIZ TELLBS BilEIf0 Dl M1I1Z1S A m gilrldi o Ba. Sr. Mg As Ifeplla A MEUS TIOS E TIAS .A. HVCETTS A MISTÍS ASSISOS A’ ILIMADA FACULDADE DE MEDICINA DA CORTE PREFACIO Da veniam scriptis, quorum non gloria, sed officium fuit. Ovidio. Ao escrever nossa dissertação não tivemos a menor pretenção de esclarecer questões obscuras de clinica cirúrgica, nem de precisar indicações que fossem ignoradas, apenas procuramos estudar um accidente frequente e que tamanhas afflicções causa ao paciente que victima. Sendo múltiplas e variadas as suas causas, e seu conhecimento de toda a importância, procuramos dar-lhes maior desenvolvi- mento, por dependerem delias as indicações therapeuticas. Entre- tanto para o doente a retenção domina a scena mórbida, e seu allivio immediato impõe-se muitas vezes ao cirurgião, forcando-o a agir com promptidão e energia. Em casos taes, nem sempre se pode obedecer, na occasião, á indicação causal, e só ulterior- mente, conjurado o perigo imminente, se procura obter a cura definitiva. Dividimos, pois, o nosso trabalho em duas partes, considerando na primeira a retenção em sua modalidade etiologica e clinica, e na segunda inferimos as indicações therapeuticas que a physiono- mia do accidente impõe. ( Por esse modo parece-nos obedecer melhor ás leis do methodo e á clareza da exposição, já que nos faltam as habilitações para commettimentos de maior alcance. J. Telles. piiitfllfit. fKiM iih! IRETEISTÇJLo IDE URINA DEFINIÇÃO - CLASSIFICAÇÃO No estado physiologico a urina gottejando dos ureteres vai-se accumulando na bexiga, onde permanece até que a necessidade de expellil-a se manifeste, e a sua emissão, que pode, entretanto, ser ainda por algum tempo demorada pela vontade, tem logar en- trando em acção o musculo vesical. Esta accumulação é normal, é a retenção physiologica. Quando, porém, o musculo vesical, persistente ou transitoria- mente e por qualquer causa, perde a propriedade de contrahir-se, ou quando um obstáculo material impede a emissão franca da urina em qualquer ponto do canal a percorrer, dá-se a retenção pathologica ou retenção propriamente dita, cujo estudo vai con- stituir o assumpto de nossa dissertação. Comquanto a urina possa accumular-se em qualquer ponto de seu trajecto desde os rins até o exterior, comtudo consideraremos sómente a retenção vesical por ser a mais importante e frequente, e por isso definimos : é a accumulação da urina na bexiga com impossibilidade de evacual-a completamente. Do que dissemos, infere-se, que a retenção é um symptoma de lesões variadas e múltiplas, cujo estudo é de necessidade inde- clinável a quem tem de estabelecer uma therapeutica racional e profícua. Da definição que exaramos deduz-se que a retenção é com- pleta ou incomplela, e em ambas a bexiga conserva sempre um 4 certo estado de repleção, o que, no objecto que vamos discutir constitue um symptoma capital e pathognomonico. Entretanto para Civiale só ha retenção quando um obstáculo material impede a passagem da urina, reservando a palavra esta- gnação para os casos em que a bexiga, perdendo o poder de con- trahir-se, deixa a urina accumular-se em seu interior. Esta dis- tincção, apezar de ter algum valor, não deixa de trazer confusão, porquanto em ultima analyse ha sempre retenção. Ha mesmo casos em que o individuo expelle amiudadas vezes alguma urina, sem deixar de existir a retenção, e é a causa mesma do phenomeno que toma o nome de regorgitação ; este facto tem logar quando a bexiga, em virtude de certos estados morbidos, distendida por uma retenção prolongada, é comprimida pelos musculos do ventre, do perineo e pelos intestinos, forçando o esphincter interno, que até então resistira, a ceder, permittindo a passagem de uma porção do liquido. O conhecimento desta mani- festação da retenção é do maior alcance pratico, e o professor Thompson o corrobora quando diz que, na grande maioria dos casos, a micção involuntária denota uma retenção e não uma in- continência. Ainda querem alguns que os termos dysuria, stranguria e ischuria exprimam sempre gráos diversos de retenção ; não o admittimos para o primeiro em que, embora haja difliculdade, a urina é de todo expellida do seu reservatório : apenas na stran- guria e ischuria dão-se as duas fôrmas de retenção que já expen- demos, incompleta e completa. A retenção completa observa-se quer em estado agudo quer em chronico, a incompleta só tem logar em estado chronico em- bora ás vezes complicada de acuidade passageira. As duas fôrmas differem nos symptomas, marcha, prognostico e tratamento, mas apresentam comtudo pontos de communhão : a retenção aguda e completa pode ser precedida da incompleta e vice-versa. 5 CAUSAS Como já dissemos, a retenção de urina é um symptoma de diversas lesões, e o estudo destas e de seu valor etiologico é de toda a importância, por ser nelle que colheremos elementos segu- ros para um tratamento efficaz. Entretanto, ás vezes a retenção toma um cunho tal de gravidade, que somos forçados a attender só a ella, e a empregar meios energicos e promptos para debellal-a impedindo o apparecimento de phenomenos consecutivos gravis- simos que podem ser funestos ao doente. As causas das retenções de urina são numerosas, e tarefa sobre- modo difficil seria tratar de todas. Para não exceder os limites de uma these e com o fim unico que temos em mira de facilitar a comprehensão do assumpto sobre que dissertamos, omittiremos minuciosidades que nos parecem perfeitamente dispensáveis em trabalhos desta natureza. As retenções são muito mais frequentes no homem do que na mulher, razão pela qual referir-nos-hemos principalmente áquellas, tratando depois perfunctoriamente das segundas. A frequência das retenções acompanha o crescer da idade no homem. Suas causas são dynamicas e mecanicas: as primeiras, que actuam diminuindo ou abolindo o poder contractil da bexiga, comprehendem as paralysias, a paresia ou atonia e a anesthesia vesicaes, e são em numero muito mais limitado do que as meca- nicas constituidas por obstáculos materiaes á passagem da urina. Subdividiremos estas em duas classes : ia, por obstáculos que não fazem corpo com as paredes do canal, 2a por obstáculos que fazem corpo com as paredes do canal ; em uma e outra classe a retenção é sempre produzida por embaraço que existe no canal de percurso do liquido urinário, e distingue-se essencialmente do primeiro genero etiologico que reside propriamente no re- servatório. 6 Causas dynamicas Quer ligadas á alterações apreciáveis de suas paredes, quer sem a menor lesão apparente, as causas dynamicas da retenção de urina affectam a contractilidade da bexiga e constituem a para- lysia vesical que, na opinião de alguns auctores e entre elles o illustrado lente de anatomia descriptiva desta faculdade, pode ser essencial ou symptomatica. Aparalysia essencial será então devida a circumstancias que, demorando a urina na bexiga, possam trazer a distenção forçada de suas fibras musculares, como acontece quando, por qualquer motivo, um individuo, não satisfazendo a necessidade de urinar, luta com a dor que se manifesta, a ponto de ser-lhe impossivel expellir a menor quantidade de liquido, quando finalmente pro- curar fazel-o. O abuso dos prazeres sensuaes, o onanismo, os excessos da mesa predisporiam a um phenomeno idêntico. Apezar de ser esta paralysia defendida por muitos homens eminentes da sciencia, outros não menos notáveis, como Thomp- San, Felix Guyon, não a admittem. Dizem estes que é verdade achar-se muitas vezes a bexiga mais ou menos compromettida em seu poder expulsor, sem que entretanto haja lesão alguma para os centros nervosos, e a isso dão o nome de at mia ou inércia secun- daria, mas que, mesmo n’estes casos, houve uma moléstia anterior de que depende o facto e que torna sempre a paralysia sym- ptomatica. K paralysia symptomatica é devida a causas assestadas sobre a própria bexiga, ou fóra d’ella, e, algumas vezes mesmo, pode depender de uma influencia geral. Entre as que residem propriamente na bexiga, temos os vicios de conformação, algumas moléstias, as deslocações e hér- nias, e enfim a anesthesia vesical. Um obstáculo impedindo a emissão franca da urina exige um esforço maior da bexiga para livrar-se de seu conteúdo, e por issp, depois de um certo tempo, ha hypertrophia de sua camada mus- cular. Como consequência d’este estado hypertrophico, e por causa da disposição fasciculada das fibras, feixes musculares po- dem deixar entre si intervallos de numero e tamanho variaveis, por onde a mucosa, sob a pressão da urina, faça hérnia e venha constituir bolsas ás vezes de volume considerável: é a isto que se deu o nome de bexiga de celliilas. O professor Thompson cita casos em que estes reservatórios anormaes tomaram um volume tal que sobrepujava o da própria bexiga. A urina accumula-se no interior d’essas cavidades e a sua retenção pode passar desapercebida e ser causa de decepçÕes para o clinico que, muita vezes, vem só a reconhecer esse vicio prati- cando a autopsia. Accresce que, sendo estas bolsas constituidas unicamente pela mucosa, sobre a qual apenas passam algumas fibras musculares e areolares, facilmente ulceram-se e rompem-se, levando rapidamente o individuo a uma terminação fatal. Nestes reservatórios tem já se depositado formações calculosas que podem escapar á exploração da bexiga pela sonda. Vejamos agora as moléstias propriamente das paredes vesicaes que podem occasionar retenção de urina. Os auctores opinão ainda diversamente sobre a possibilidade de dar-se uma retenção de urina devida á inflammação da bexiga, ou cystite. Niemeyer e Jaccoud, dizem que a cystite aguda pode acarretar uma retenção mesmo completa, mas devida á contracção spasmodica do collo e não á paralysia das fibras mus- culares do corpo da bexiga, o que entretanto, para Follin, pode-se dar, principalmente quando a inflammação tem invadido toda a espessura das paredes vesicaes. O Sr. Dr. Pereira Guimarães acha duvidoso que a inflamma- ção possa produzir retenção, baseando a sua opinião na proprie- dade que tem os orgãos òcos da economia em contrahirem-se com mais energia quando inflammados do que no estado são. Quanto á retenção que ás vezes apparece com uma cystite chronica, de- pende ordinariamente de uma outra causa que convém descobrir. O tumores da bexiga, aliás raros, só embaraçam a micção quando assestados na parte inferior, e o fazem então ora mecani- camente, ora pelas dôres que produzem, como nos cancros que, além dfisso, pelas hemorrhagias que determinam podem trazer retenção pela obliteração do canal por um coagulo sanguíneo. 7 8 O cystocele inguinal, a mais frequente de todas as hérnias da bexiga, apezar de occasionar um certo estado de paresia do orgão, ordinariamente não produz retenção, porque o doente pode urinar levantando e comprimindo o tumor, como no facto de Ruysch ; entretanto ha casos em que a retenção de urina tem logar, quando o cystocele tem contrahido adherencias com o tecido cellular cir- cumvizinho, ou quando dá-se a obliteração do orifício que com- munica a parteTherniada com a que permaneceu no interior da cavidadejabdominal. Um outro estado morbido que pode trazer uma retenção é a anesthesia da bexiga. Apezar de não estar abolida a contractili- dade do musculo vesical, de não ser por conseguinte uma para- lysia muscular, acompanha muitas vezes estados morbidos ca- pazes de produzil-a ; o doente não sente a necessidade de urinar, e por isso não a transmitte aos centros nervosos, sendo necessário para esvasiar o reservatório que intervenha a memória, e então a bexiga contrahindo-se expelle o seu conteúdo, o que prova que não ha paralysia da túnica muscular. O Sr. Philippeaux dá como signal distinctivo entre a paralysia e a anesthesia, a ausência de dôr n’esta, com a applicação da electricidade, signal considerado pathognomonico. Entre as causas que se assestam fóra da bexiga, temos diversas affecçoes do cerebro, da medulla e seus envoltorios, como as me- ningites, as encephalites traumaticas, rheumatismo cerebral, dif- ferentes tumores assestados no cerebro, etc., que podem produ- zir retenção de urina mais ou menos promptamente. Ainda o anno passado vimos na enfermaria de clinica do Conselheiro Saboia, um caso de retenção de urina por paralysia da bexiga, de- vida á fractura de vertebras, e Teste anno, temos assistido na cli- nica do Conselheiro Torres Homem a diversos casos de retenção devidos á myelites. Nota-se entretanto que muitas lesÒes da me- dulla trazem antes incontinência do que retenção; Donders, Val- leix e outros explicam, dizendo que Taquelles casos a paralysia é completa, emquanto "que Testes é incompleta, resultando um spasmo relativo do collo, e o professor Vulpian acredita que a pa- ralysia da bexiga se apresentará, quando a lesão estiver acima da duodecima vertebra dorsal, emquanto que a do esphincter é de- vida a lesões assestadas na parte inferior da medulla, ou na cauda de cavallo. Entre as causas dependentes de uma influencia geral, abran- geremos a febre typhoide, a hysteria, o sarampão, a primeira den- tição, alguns medicamentos, como o opio, etc. O estudo destas causas é mais do dominio da pathologia medica, e por isso apenas nos limitamos a mencional-as. Faltaram-nos talvez muitas causas de retenção de urina por perturbações na contractilidade da camada muscular da bexiga, mas julgamos que as que indicamos são as mais importantes, e muito sufficientes para o fim que temos em vista. 9 Causas mecanicas. Comprehendemos rfesta classe as retenções devidas á presença de um obstáculo material impedindo a livre sahida da urina pelo canal por onde tem de ser expellida. Como atrás ficou dito, subdi- vidimos estas causas em dous grupos : no i°, o obstáculo, quer esteja fóra, quer no interior do canal, não faz corpo com elle ; e no 2o, está adherente ao canal e faz corpo com elle. Primeiro grupo. — Reunimos n’este grupo os obstáculos que por si só produzem retenção, sem que seja preciso intervir a in- flammação das paredes urethraes, o que é frequente, porquanto, n’este caso, são coadjuvados por uma das causas do segundo grupo. Muitas vezes o phimosis, quer congénito, quer accidental, oc- casiona uma retenção de urina. Quando o phimosis congénito é completo, ou mesmo quando a pequenhez da abertura prepucial impede a passagem da urina, esta vai ahi se accumulando, e, a cada micção, vê-se ir augmentando um tumor molle formado pelo prepucio distendido, e exigindo a intervenção cirúrgica. Se a prin- cipio o phimosis não traz embaraço mecânico á micção, pode fazel-o mais tarde, phenomeno que Laugier explica por adheren- cias formadas entre a glande e o prepucio, cuja mucosa, impossibi- litada de acompanhar o desenvolvimento da pelle, obriga-a á re- flectir-se e formar um canal que, tornando-se mucoso, estreita-se consideravelmente, quando irritado, e produz a retenção. O phi- mosis infiammatorio, ordinariamente consecutivo á presença de cancros abaixo do prepucio, adquire muitas vezes grandes pro- porções, e pode produzir consequências idênticas. Quando o prepucio, collocado para traz da glande, não pode mais ser levado á sua posição normal, ha o paraphimosis, que, se produzir uma constricção muito pronunciada, causará a retenção e até mesmo a gangrena. Actuam, em definitiva, do mesmo modo os corpos estranhos e os laços applicados em torno do penis, e já tivemos occasião de ver um facto d’estes, em uma criança que atára um fio de linha no sulco da glande, e que foi de diíficil descoberta e extracção, por causa da grande inflammação que se produzio. Ha ainda casos de retenção produzida por tumores formados nas bolsas, exostoses, tumores hemorrhoidarios muito desenvol- vidos, fracturas do pubis, etc., quando, pela sua presença, impe- dem a dilatação completa do canal urethral. Quasi todas estas causas, pois, actuam por compressão. Pertencem ainda a este grupo os obstáculos que, embora as- sestados no canal, não lhe são adherentes. São elles constituidos por corpos estranhos vindos do exterior ou do interior da bexiga. Entre os primeiros, muito variados, notam-se caroços de feijão, pedrinhas, pedaços de sonda, canetas, etc., sendo muitos intro- duzidos propositalmente para excitarem a sensibilidade, já embo- tada, da mucosa, nos individuos dados ao vicio da masturbação. Estes corpos podem ficar na urethra ou ir até á bexiga, mas é muitissimo raro que elles por si só produzam retenção, sendo ella ordinariamente consequência da inflammação que provocam. Os obstáculos vindos da bexiga são constituidos por coágulos sanguíneos, cálculos, mucosidades espessas, etc., e que também estão sujeitos á observação que acabamos de fazer. Se houver uma hemorrhagia na bexiga, ordinariamente os coá- gulos penetram na urethra e são expell.dos, e é raro que um d’elles oblitere hermeticamente o collo. A retenção é ainda menos vezes produzida por um calculo que, pelo proprio peso, fica no as- soalho da bexiga; quando engastados na porção profunda da ure- thra, ou na porção peniana, podem trazer uma retenção, e isto mesmo quasi sempre são acompanhados quer do elemento inflam- matorio quer do spasmodico. Segundo grupo. —E1 n’este grupo que se encontram as causas mais frequentes e importantes de retenção urinaria, e contra as quaes o clinico é mais commumente chamado para prestar os seus soccorros. Pertencem a elle as obliterações do canal, congé- nitas ou adquiridas, as moléstias da próstata e as valvulas. O canal da urethra pode estar obliterado em qualquer ponto, e essa deformidade congénita, mais frequentemente assestada no meato, pode causar a retenção mesmo na vida intra-uterina, e, tornando-se uma causa de dystocia, obrigar a intervenção directa do parteiro; o professor Depaul cita casos d’esse genero que tam- bém foram observados em recemnascidos por Ghopart, Aran, Rousse e outros. Nélaton, Cloquet, etc., observaram o canal obli- terado em diversos pontos, e o primeiro cita factos em que a obliteração occupava uma grande extensão do canal. Demarquay refere um caso de retenção por atresia do canal urethral. As obliterações accidentaes são constituídas pelos estreita- mentos da urethra, muito frequentes, e cuja classificação é ainda hoje objecto de controvérsia entre práticos distinctos: uns divi- dem-os em estreitamentos spasmodicos, inflammatorios e orgâ- nicos, como Alibert, Hunter, Giviale, o professor Pereira Gui- marães e muitos outros, ao passo que Mercier, Caudmont, Thompson, o Conselheiro Saboia, etc., não admittem senão os estreitamentos orgânicos, ou verdadeiros. De acordo com estes, adoptamos unicamente os estreita- mentos orgânicos, sem comtudo deixar de tratar das retenções de urina devidas áquelles, tomando a palavra estreitamento no sen- tido de diminuição passageira do calibre urethral, e para evitar confusões empregaremos antes os termos spasmo, injlanimação da urethra, que explicam perfeitamente o nosso modo de pensar. E1 opinião inconcussa que o spasmo pode muitas vezes apre- sentar-se concomitantemente com outra lesão da urethra, impe- dindo a emissão franca da urina ; mas muitos acreditam que o spasmo por si só pode frequentemente trazer embaraço á micção, emquanto que outros, como Thompson, F. Guyon, Brodie, etc., consideram este caso como muito raro. Apezar da raridade do phenomeno não se pode negar a sua existência. Brodie, Guthrie e outros reconhecem a necessidade da intervenção do apparelho muscular da vida de relação no apparecimento do spasmo, em- quanto que outros attribuem a influencia principal aos musculos da vida organica que rodeam o canal. Ha também ainda divergência quanto á séde do spasmo, que- rendo uns que elle se possa dar em toda a extensão da urethra, em quanto que outros dão-lhe como séde exclusiva a região mem- branosa. Suas causas são numerosas, e umas resultam de uma lesão local, e são as mais frequentes, ao passo que outras residem fóra do canal da urethra. Entre as primeiras temos principalmente um estreitamento orgânico, uma ulceração ou excoriação da urethra, a passagem de uma urina alterada, a pequena irritação produzida pela intro- ducção de uma sonda, a cauterisação do canal, etc., e muitas ou- tras que seria longo e desnecessário enumerar. Entre as segundas, independentes do systema genito-uninario, sobresahem; uma irritação no anus, como a presença de tumores dolorosos, uma operação na região anal, a existência de vermes, o prurigo, a toenia, etc.; de facto a união intima que existe entre os orgãos urinários e os outros diversos orgãos, nos explica per- feitamente o spasmo occasionado por moléstias ou mesmo alte- rações funccionaes de apparelhos que não o genito-urinario. Ainda podemos incluir aqui a classe dos individuos impressioná- veis que, em presença de outras pessoas, são victimas do spasmo que lhes impede mesmo a micção. Cita-se o caso do celebre J. J. Rousseau que, desconfiando sof- frer de cálculos vesicaes, era victima de frequentes ataques de retenção de urina; desenganado por Frei Cosme sobre a exis- tência de tal moléstia, nunca mais soffreu de retenção, e a auto- psia, praticada mais tarde, não revelou lesão alguma para o canal. As causas que produzem o spasmo da urethra podem produzir o do collo, e o catheterismo bem empregado indica approximada- mente a séde. A inflammação ou mesmo a congestão das paredes da urethra ainda constituem uma causa de retenção de urina, não obstante contestarem alguns essa consequência attribuindo-a ao elemento spasmodico ; entretanto, acreditamos que a inflammação por si só pode trazer embaraço á micção, como de ordinário soe acontecer por occasião de uma blennorrhagia exacerbada por exercicios for- çados, excessos venereos ou abuso de bebidas alcoólicas. A presença de um corpo extranho na urethra ou mesmo fóra d’ella comprimindo-a, occasiona para o ponto um trabalho con- gestivo ou mesmo inflammatorio que vem auxilial-o na pertur- bação do livre curso da urina. O professor Thompson julga que a condição pathologica necessária para dar-se uma retenção de causa inflammatoria é uma prostatite ; acreditamos que assim seja mais frequentemente, entretanto suspeitamos que ella também possa sobrevir em consequência da inflammação da urethra independente da prós- tata, estando de acordo com o professor F. Guyon. A retenção de urina de causa congestiva ou inflammatoria de origem pura- mente urethral é ordinariamente transitória, cede quasi sempre a um tratamento medico, emquanto que, se for devida a uma prostatite, reveste outra gravidade e exige uma intervenção mais energica. Passemos agora ao estudo de uma das causas mais frequentes de retenção, e que deve attrahir mais a attenção do facultativo, isto é, dos estreitamentos orgânicos da urethra que podem ser con- sequência, quer de uma inflammação, quer de um traumatismo : estreitamento inflammatorio e estreitamento traumático ou cica- tricial. Entre as causas productoras do primeiro destaca-se principalmente a blennorrhagia, e do segundo os diversos trauma- tismos, como as quedas sobre o perineo, as feridas do canal, a absurda manobra de endireitar o gancho (rompre la corde) uma falsa manobra na copula, etc. A blennorrhagia, quando apresenta-se com grande intensidade, pode perturbar a emissão da urina, entretanto não é isso que constitue o estreitamento orgânico inflammatorio, que é conse- quência da blennorrhagia chronica ou de numerosas blennor- rhagias, e é constituido pela transformação fibrosa da lympha plastica, producto da inflammaçao. Esse tecido, ora produz adherencias entre a mucosa e os tecidos submucosos, ora invade mesmo a substancia do corpo esponjoso occasionando-lhe uma lesão que o vae tornar duro e muito resistente. As vezes a mucosa é adherente ao nivel do estreitamento, em outras porém apresenta-se livre. No estreita- mento traumático ha formação de tecido cicatricial muito re- tráctil, e que diminue cada vez mais o calibre da urethra. A formação do tecido fibroso de um lado, e a do tecido reparador de outro, trazem grande diminuição na extensibilidade da urethra que progressivamente vae estreitando-se. O estreitamento traumático é ordinariamente unico; peniano, quando succede ao endireitamento do gancho, ou a uma falsa manobra na copula ; perineal ou perineo-bulbar, consecutivo a um traumatismo directo do perineo, ou ainda na porção membra- nosa devido a fracturas do pubis. O de origem inflammatoria pode assestar-se em differentes pontos da urethra, porém sua séde mais frequente é a parte posterior ou bulbosa da porção esponjosa, isto é, ao nivel da curva subpubiana, julgando mesmo o professor Thompson que atraz d’essa região talvez nunca exista estreitamento, a não ser de causa traumatica. O numero destes estreitamentos é variavel ; assim, Hunter refere um caso em que achou seis, Lallemand sete e Leroy d’Etiolles diz ter encontrado onze; entretanto muitos auctores de clinica numerosa dizem nunca ter encontrado um numero tão elevado. Embora excepcionaes ha também casos de estreita- mentos consideráveis occupando toda a urethra, desde o meato até á porção membranosa. Podem tomar diversas fôrmas, e o seu calibre é em geral proporcional á duração da moléstia e á extensão da inflammação que se propagou aos tecidos vizinhos, sendo comtudo extrema- mente raro que a urethra esteja completamente obturada, e quando isso se dá, ordinariamente o estreitamento é traumático; não obstante, a abertura ou orifício é ás vezes de tal modo insigni- ficante, que facilmente se oblitera por uma ligeira tumefacção, muco, um calculo, etc. Para que se dê pois a retenção não é preciso que o estreita- mento seja completo, sendo de grande valor as perturbações que provoca para a bexiga, o spasmo e a congestão, que é a condição mais frequente e a que ordinariamente se refere a pathogenia de uma retenção completa, n’um indivíduo victima de um estreita- mento orgânico da urethra. A séde do orifício também varia, podendo ser central ou mais ou menos afastado para a circum- ferencia. A retenção pode ser completa ou incompleta, e a primeira será passageira ou persistente; a passageira é antes uma demora na sahida do jacto de urina do que verdadeiramente uma retenção, e o doente quasi sempre não lhe liga importância e por isso não se queixa ao pratico. Entretanto, emquanto ella dura o indi- víduo passa por verdadeiros soffrimentos e não consegue expellir uma só gotta de urina apezar de esforços inauditos. Esta pequena retenção é devida ao elemento congestivo, inflammatorio ou spasmodico auxiliando a acção do estreitamento, e desde que a congestão ou a inflammação perdure por um tempo mais longo, dá-se a retenção completa persistente com todo o seu cortejo symptomatico ruidoso. Na fórma incompleta, a bexiga pode estar completamente cheia e o indivíduo urinar em virtude de regorgitação, ou então esvasiar-se em parte, ficando entretanto muitas grammas de liquido que se modifica e acarreta lesÔes da mucosa com que está em contacto ; e é do maior valor esta distincção, porque no pri- meiro caso o doente julgará soffrer de incontinência e é capaz mesmo de induzir em erro o clinico inexperiente, e no segundo, poderá passar desapercebida por faltarem signaes que a in- diquem. Estudemos agora as retenções de causa prostatica, que para F. Guyon são os mais frequentes e cuja proporção de tres sobre quatro está talvez abaixo do normal. Desde que uma causa qualquer augmente em certo gráo o volume da próstata pode dar-se uma retenção de urina, e Testas condições se acham tumores de diversas especies, cancerosos, tuberculosos, abces- sos, etc. A inflammação da próstata é susceptivel de dar logar a symptomas de retenção, mas raramente se apresenta isolada, idiopathica, dependendo ordinariamente de uma outra lesão e principalmente de uma blennorrhagia, caso este em que qualquer desvio do cuidado necessário, uma injecção irritante, um exercicio a cavallo, a ingestão de bebidas alcoólicas, de cantharidas, etc., torna-se a causa occasional da retenção. Os diuréticos, a copa- hyba, a therebentina, os drásticos, etc., tem sido considerados como causa de prostatite, mas julgamos que apenas actuam como circumstancias occasionaes ou coadjuvantes. A dor no fim da micção é um symptoma que acompanha a inflammação da próstata, considerada por Thompson e outros, como dissemos, a condição pathogenica necessária de um estrei- tamento inflammatorio, Nem Sempre determina retenção, com- plicação que se dá na metade dos casos ou mesmo em menor proporção ; entretanto ha sempre difficuldade na micção que é retardada, podendo de todo ser impedida pela menor infracção das regras hygienicas ou por um desvio de reg‘men. A prostatite pode resolver-se, passar ao estado chronico, ou suppurar, e os abcessos da glandula, bem como os que se for- marem no tecido connectivo entre ella e o recto, podem também occasionar uma retenção de urina. D1entre todos os estados morbidos da próstata que podem trazer esta complicação, destaca-se a hypertrophia. Alguns auctores acreditam que não é ella mais do que a per- sistência do augmento do orgão devido a uma inflammação que não se resolveo ou suppurou, emquanto que outros as consideram affecçÕes completamente distinctas, baseando a sua opinião em ser a hypertrophia constituída pela hyperplasia dos elementos normaes, e não apparecer antes dos 5o annos, ao passo que o augmento inflammatorio é devido ao derrame de productos morbidos, lympha-plastica, pus, etc., na espessura do orgão, e costuma apresentar-se na adolescência ou na idade média da vida. A hypertrophia pode invadir toda a próstata ou sómente parte d’ella, o que é menos frequente, e alguns acreditam que o desenvolvimento é mais rápido na porção mediana do que nos lobos lateraes. A obstrucção do canal da urethra é a conse- quência mais commum d’essa aífecção, comtudo em casos exce- pcionaes pode haver incontinência. A porção prostatica da urethra é modificada em sua extensão e fórma, torna-se mais alongada e desviada, chegando Thompson a medir sete centímetros, isto é, mais do dobro do termo medio ; além d’isso, ha diminuição do diâmetro lateral ou transverso, de modo que o canal se estreita em fórma de fenda. Quando existe um augmento de volume da porção mediana, ou lobo medio, a parede posterior da urethra se dirige para cima e para diante, de modo a formar uma curva mais ou menos angular conforme o gráo de desenvolvimento da parte. Se a hypertrophia é unilateral a urethra é desviada para o lado opposto á lesão, e se é total, o desvio faz-se para ambos os lados, havendo então duas entradas para a bexiga. Convém ainda dizer que, algumas vezes, a próstata torna-se muito saliente para o lado do recto, sem entretanto impedir a sahida da urina, é a hypertrophia excêntrica de Thompson, em quanto que em outras, um pequeno augmento da sua porção central, hypertrophia central, pode produzir esse re- sultado. Reina ainda grande obscuridade sobre as condições etiologicas da moléstia de que nos occupamos; seu começo passa muitas vezes desapercebido, e acontece ser o seu primeiro symptoma uma retenção completa, ordinariamente occasionada por um estado congestivo ou inflammatorio do orgão. Nos casos mais communs ha demora na emissão da urina, diminuição na força de projecção do jacto, e micções mais fre- quentes principalmente durante a noite. Estes symptomas mais se exacerbam com a congestão ou a in- flammação que, invadindo a bexiga, fazem apparecer o elemento dor, antes e depois da micção, e augmentar a sua frequência diurna sem diminuir a nocturna. Em consequência dos esforços que a bexiga emprega para expellir a urina, as suas camadas musculares vão se hypertro- phiando, e as suas paredes vão se dilatando proporcionalmente á quantidade de liquido ahi deixado, pela incapacidade progressiva de contrahir-se completamente; sobrevem uma atonia mais ou menos manifesta, e a urina enchendo o reservatório fórça o collo que se dilata, deixando passar o excesso. O individuo urina então em virtude de regurgitação. A retenção incompleta reveste-se muitas vezes de grande gra- vidade, e acarreta a morte em consequência de profunda adyna- mia ou de phenomenos uremicos. A’s vezes encontra-se ao nivel do collo da bexiga um relevo arredondado ou valvular, cuja presença impede mais ou menos o livre curso do liquido urinário : são as valvulas ou barreiras ure- thro-vesicaes que, até Guthrie, eram consideradas como modi- ficações hypertrophicas da próstata. Sobre a sua natureza tem sido emittidas diversas opiniões, que Thompson resume nas quatro proposições seguintes : Ia, Ordinariamente é devida á excrescencia da porção mediana da próstata; 2a, Pode haver um obstáculo orgânico no collo da bexiga, sem augmento da parte mediana da próstata ; 3a, N’este caso, o obstáculo é ordinariamente devido a uma hypertrophia das fibras musculares situadas no collo da bexiga, produzida por uma irritação já antiga do orgão, e occasionada geralmente por um estreitamento da urethra, uma inflammaçao, ou um calculo da da bexiga, e finalmente pode apparecer fóra d’esses estados; 4a, Muito menos vezes consiste em uma dobra da mucosa e dos tecidos submucosos repellidos para cima pelos lobos lateraes da próstata, emquanto que a parte mediana acha-se pouco ou nada aífectada. Estas conclusões, que transcrevemos textualmente, provam que a mais frequente é a valvula prostatica, cujo estudo se prende naturalmente ao da hypertrophia da próstata, que acabamos de fazer, e por isso só consignaremos aqui a valvula muscular ou urethro-vesical. O obstáculo prostatico, constituído pela porção mediana ou lobo medio da próstata, só se apresenta depois dos 5o annos, emquanto que a valvula muscular se observa nos adul- tos, e pode se reconhecer a sua existência com o catheter explo- rador de Mercier. Quando ha uma barreira ao nivel do collo da bexiga, o jacto de urina é a principio pequeno, entortilhado, sahindo depois com força por causa dos violentos esforços que, entretanto, não conseguem esvasiar completamente o reservatório, o que se verifica pela introducção de uma sonda. Os indivíduos, ora são atacados de retenção de pouca duração, ora urinam facilmente. RETENÇÃO DE URINA NA MULHER As disposições anatómicas dos orgãos urinários na mulher, explicam perfeitamente o facto de ser ella muito menos vezes victima de retenção do que o homem ; n’ella o canal da urethra, além de ter apenas uma extensão de tres centímetros, é quasi vertical, summamente dilatavel, e não tem porção esponjosa nem próstata que, como sabemos, representa um importante logar como causa de retenção no homem. Não nos sendo possível entrar em grandes considerações sobre as causas de retenção de urina na mulher, por ser objecto quasi estranho ao nosso ponto, nos limitaremos a enunciar as principaes e mais frequentes. Está ella também sujeita á paralysia da bexiga, devida a uma lesão cerebral ou medullar e seus envoltorios, á retenção devida a outros estados pathologicos, como a peritonite, a febre typhoide, o sarampão, a hysteria, etc., e Brodie cita um caso de uma hys- terica da qual se extrahia, pelo catheterismo, cerca de 40 onças de urina. Ha igualmente causas que actuam mecanicamente, quer si- tuadas fóra do canal, comprimindo-o, quer em seu interior, dimi- nuindo ou obliterando a sua luz. Assim temos, entre as primeiras, as distençÕes do utero e da vagina, como a prenhez em período adiantado, os polypos, a hydrometria, a physometria, etc., a dis- tenção da vagina pelos pessarios, pelo producto da concepção, sangue menstrual nas mulheres imperfuradas, etc. Pelas connexões anatómicas que tem com a bexiga, o utero pode ainda, quando desviado de sua posição normal, modificar também a sua direcção ou a curvatura da urethra, e impedir a livre sahida da urina, como acontece nas deslocações do orgão gestador, a anteversão, a anteflexão, a retroversão, a retro- flexão, etc. Entre os obstáculos existentes no canal, temos os corpos es- tranhos quer vindos do interior, como os cálculos, quer do exte- rior, introduzidos por imprudência ou com fins libidinosos. A mulher, estando também sujeita a urethrites, pode excepcional- mente ser victima de estreitamentos que determinem retenção. A obliteração do meato pela membrana hymen, ou outra mem- brana anormal, trará impossibilidade á micção. A luz do canal ainda é susceptivel de ser mais ou menos diminuída por polypos, pela inflammação da mucosa, ou por um estado spasmodico do collo. Do exposto infere-se que, embora possíveis as retenções na mulher, faltam absolutamente ou são bastante raras as causas que mais frequentemente as provocam no homem, isto é, as lesões prostaticas e os estreitamentos da urethra. SYMPTOMAS, MARCHA, DURAÇÃO E TERMINAÇÃO Vimos quanto são múltiplas e variadas as causas de retenção de urina ; obvio se torna que, cada manifestação do phenomeno, deve revestir-se de symptomas especiaes á causa particular que o produziu, e sobre os quaes não nos cumpre fallar detalhada- mente. Estudaremos unicamente os symptomas communs e geraes indispensáveis á boa comprehensão do assumpto sobre que dissertamos. Com a impossibilidade completa ou incompleta de esvasiar a bexiga, variam os caracteres clinicos que vamos exharar. E’ raro que a retenção completa se declare repentinamente, e, com excepçao de certos casos, reconhece por causa ordinaria uma moléstia que, desde algum tempo, se manifesta por perturbações do apparelho urinário. A bexiga fórma no hypogastro um tumor arredondado que vai pouco a pouco se elevando acima do pubis, podendo attingir a região umbilical e até mesmo excedela,- entretanto Civiale e Phillips assignalam factos em que, a bexiga não distendendo-se, falta esse symptoma, sendo a retenção reve- lada pelo catheterismo que retira o conteúdo do reservatório. Pela apalpação reconhece-se que o tumor é mais ou menos molle e mais largo na parte inferior do que na superior, e a per- cussão dá som obscuro, humorico, circumscripto em cima por uma linha de convexidade superior; havendo porém alguma porção intestinal interposta entre a parte superior da parede anterior da bexiga destendida, e a parede abdominal, ou quando a bexiga se tem dirigido para a excavação do sacro, o som pode ser tympanico. A pressão demonstra que o tumor é indolente, po- dendo despertar ou augmentar a vontade de urinar, e fará sahir mesmo alguma urina sendo exercida com mais força. O tocar rectal no homem, e o vaginal na mulher, revelia a saliência do tumor, e, combinado com o apalpar abdominal, permitte apreciar a deslocação do liquido e mesmo determinar approxidamente a sua quantidade. A’ impossibilidade de urinar sobrevem as angustias physicas e moraes, determinadas pelos esforços inauditos e inúteis que em- prega o doente. A’ um esforço succede logo outro, voluntário ou não, e sendo insuíficientes as contracções da bexiga, o indivíduo contrahe energicamente os musculos abdominaes que fazem relevo sob os tegumentos, d’onde, ás vezes, evacuações de maté- rias fecaes. As dôres são vivas, as necessidades de urinar repetidas e im. periosas, o doente afflictissimo geme, lastima-se, ensaia todas as posições, a face torna-se rubra, os olhos injectados, copiosos suores frios banham-lhe a fronte e as extremidades, podendo então sobrevir o delirio, quer devido ao abalo nervoso, ao excesso da dor, quer, em muitas circumstancias, á intoxicação urinosa. Ha perturbações funccionaes diversas, principalmente da diges- tão, o paciente tem nauseas e lança pelo vomito matérias como clara de ovo, biliosas, etc., e a febre se mostra com força. Estes casos são d’aquelles que explicam a exclamação de Heister « é preciso urinar ou morrer. » Entretanto, tem-se observado individuos que supportam de um modo surprehendente uma distensão mesmo exagerada da be- xiga, não sentem a menor dor, entregam-se aos seus trabalhos, e podem até induzir o pratico a um erro de diagnostico: são porém factos excepcionaes, e ordinariamente elles expellem alguma quantidade de urina. Se não fôr soccorrido, o doente pode morrer no meio das con- vulsões e da febre, ou produzir-se uma ruptura do apparelho urinário, ou ainda passar a retenção ao estado chronico e tornar-se incompleta. A ruptura da bexiga trará uma infiltração urinaria das mais rapidas e uma peritonite superaguda; entretanto essa terminação é rara, e, para effectuar-se, exige alteração prévia da bexiga, pro- duzida por uma moléstia anterior, pois tem-se visto casos em que a bexiga não se rompeu apezar de conter até tres litros de urina. Residindo na urethra o obstáculo á micção, é possivel dar-se a ruptura do canal, observando-se então abcessos, infiltrações uri- nosas, fistulas, etc. Muitas vezes o doente, exhausto, aniquilado, sente somno- lencia, o pulso torna-se pequeno, a pelle cobre-se de um suor frio, a lingua de um enducto espesso e esbranquiçado, a bexiga deixa de contrahir-se, e a urina sahe em virtude da regurgitação ; torna-se mais ou menos incompleta. Desde porém que o cirurgião intervem, se a retenção é devida a umg causa passãgeira, a cura immediata geralmente se dá, mas existindo uma condição mórbida permanente, o enfermo está sujeito a uma recahida emquanto não fòr affastada essa con- dição. A duração varia conforme as circumstancias, mas é sempre menos longa do que a da retenção incompleta, e nos casos mais graves a morte pode sobrevir em 24 ou 48 horas. A retenção incompleta pode succeder á uma completa, mas ordinariamente se estabelece pouco a pouco, e o que a caracterisa principalmente é a impossibilidade de esvasiar completamente a bexiga, e por isso mesmo passa muitas vezes desapercebida. Um dos symptomas mais constantes de uma retenção incom- pleta é a frequência das micções, principalmente á noite, havendo, em alguns doentes, uma verdadeira polyuria nocturna ; esta es- pecie de retenção produz muitas vezes alterações mórbidas da bexiga, e a cystite, com todo o seu cortejo symptomatico, é mes- mo uma consequência commum desta perturbação funccional. E1 n’estas retenções que se nota a hypertrophia da túnica muscular da bexiga, devida aos esforços que o doente emprega para expellir a urina, quando soffre de um obstáculo urethral, dando occasião ao apparecimento das chamadas bexigas de columnas, e ás bolsas ou hérnias tunicarias. Tem-se encontrado os ureteres dilata- dos contendo urina accumulada em seu interior, bem como nos bacinetes e até nos rins, e comprehende-se bem a gravidade de taes casos. A percussão, a apalpação, e mesmo o tocar rectal, pouco nos mostram sobre o estado da bexiga mal cheia, e é ainda o ultimo, combinado com a apalpação abdominal, que nos permitte apre- ciar, com mais clareza, o gráo de repleção do reservatório. O doente está sujeito a uma retenção completa provocada por um desvio de regimen, ou por augmento da lesão existente. A cura pode dar-se desde que affastemos as causas productoras do mal, entretanto a retenção incompleta pode persistir durante muito tempo, e Baillarger cita um caso em que durou seis mezes. murosnco No estudo do diagnostico, de summa importância para o fim que temos em vista, duas questões devem prender a attençao : reconhecer a retenção, destinguindo-a de outras moléstias que com ella se possam confundir, e determinar a causa que a pro- duziu. De facto, não basta diagnosticar uma retenção de urina ; o grande numero de condições que podem acarretal-a, imprimem ao tratamento modificações taes, que o pratico de modo nenhum deve desconhecel-as para proceder com segurança. E é conven- cido d’esta verdade que dividiremos este capitulo, em duas partes: diagnostico da retenção e diagnostico etiologico. Diagnostico da retenção.— No estudo da symptomatologia temos as bases necessárias para firmar o diagnostico. Ve- mos que na retenção completa é em geral facil, pois que a im- possibilidade absoluta de urinar leva o proprio doente a indicar a moléstia, antes mesmo de apresentar-se ao cirurgião que deve, entretanto, proceder sempre ao exame para evitar qualquer con- fusão ; n’este caso, não é mais o diagnostico proprio que princi- palmente teremos de estabelecer, mas sim o etiologico que nos será fornecido pelos commemorativos e pelo exame methodico e attencioso da urethra e da bexiga. O mesmo não se dá com a retenção incompleta que, muitas vezes, vem revestida de um cortejo symptomatico, capaz de desviar a attenção do medico; assim, algumas vezes, apezar de haver um tumor no hypogastro, pode elle ser attribuido a outra qualquer causa, porque o doente continua a urinar, outras, não se nota tumor algum, ha apenas pequena quantidade de urina retida na bexiga, e é justamente em taes casos que ficaremos convencidos pelo catheterismo evacuador praticado pouco depois da micção. Depois de termos ouvido com attençao os commemorativos, devemos proceder ao exame directo, que traz a convicção de que se trata realmente de uma retenção de urina, exame este que comprehende a inspecção, a apalpação, a percussão e finalmente o catheterismo. Pela inspecção da região hypogastrica, muitas vezes podere- mos ver a saliência formada pela bexiga distendida, ordinaria- mente occupando a parte média do ventre, mas ás vezes desviada para um dos lados, do que convém estar prevenido para evitar-se algum erro. A presença d’essa saliência induzirá a acreditar-se em uma retenção, mas a sua ausência de modo nenhum deve affastar essa idéa, porque pode haver uma retenção incompleta, ou a bexiga estar cheia mesmo e entretanto ficar mais ou menos occulta na excavação pelviana. A apalpação fornece elementos valiosos para o diagnostico em certos casos de retenção, e, para proceder-se a este exame, quasi todos aconselham collocar o indivíduo em decúbito dorsal, com as pernas em flexão sobre as coxas, e estas sobre a bacia; entretanto o professor F. Guyon julga preferível deixar as pernas em exten- são, e, para impedir a contracção dos musculos rectos abdo- minaes, faz o doente respirar, aproveitando o momento da expiração para proceder á exploração. Parece-nos preferível o pri- meiro processo, não só porque em muitos casos o doente encon- tra mais alivio forçando a flexão do corpo, como também é essa posição a mais conveniente para proceder-se ao tocar rectal. Pela apalpação, como já vimos na symptomatologia, reconhe- cemos que o tumor é mais ou menos molle, mais largo na parte inferior do que na superior, e pode-se mesmo, como diz Guyon, contornar em parte o apice da bexiga, quando mal cheia, compri- mindo paulatinamente a parede abdominal com o bordo cubital, no limite superior da resistência encontrada. Não deveremos só proceder á apalpação da região mediana do ventre, em razão do facto que assignalámos da bexiga desviar-se para um dos lados, e tornar-se causa de erro, quer porque não havendo saliência na parte média negue-se a distenção do orgão, quer porque existindo ella de um lado possa ser tomada por outro estado pathologico. A apalpaçao profunda ou o tocar rectal no homem, e o vagi- nal na mulher, é certamente um dos modos de exploração dos mais valiosos, e o decúbito dorsal é ainda a posição preferivel, principalmente quando tivermos de proceder simultaneamente á apalpação hypogastrica. Na idade média da vida o dedo mal per- cebe o soalho da bexiga, que entretanto fica proporcionalmente mais distincta quanto maior for a sua repleção. Nos casos de retenção incompleta é de grande valor o tocar rectal, que, combinado com a apalpação abdominal, muita luz nos traz para a questão do diagnostico. De facto, em muitos casos de retenção parcial, quando a bexiga se distende lentamente, diri- ge-se para a excavação do sacrum, fornecendo assim por essa ex- ploração a percepção de um tumor, que desapparecerá com o ca- theterismo evacuador. A percussão é, em certas condições, de utilidade: assim, quando a bexiga se acha distendida e dirigida para a parede an- terior do abdómen, obteremos um som obscuro, circumscripto em cima por uma linha curva de concavidade inferior. Entretanto não devemos de modo algum affastar a idéa de uma retenção, quando a percussão mostrar sonoridade, porque pode a bexiga conter pouca urina ou ter-se desviado para a parte posterior. O catheterismo é a pedra de toque, a ultima palavra do dia- gnostico de uma retenção; todas as vezes que, introduzindo-se uma sonda na bexiga de um individuo que não pode urinar, ou que acaba de o fazer, e por ella sahir urina, ipso factu está dia- gnosticada uma retenção completa ou incompleta. Se é elle que nos tira a ultima duvida quanto ao diagnostico, é muitas vezes o principio do tratamento. Não nos compete traçar aqui as numerosas leis que o re- gem, e a discripção dos diversos instrumentos empregados para tal fim. Attendendo-se, pois, aos commemorativos, e aos diversos ele- mentos que nos fornece o exame directo methodicamente prati- cado, facilmente poderemos distinguir uma retenção de qualquer outra condição que com ella se possa confundir. Essa confusão é ordinariamente devida ou á existência de um tumor abdominal, continuando entretanto o doente a urinar, ou á frequência exagerada da micção, muitas vezes sem existência d’esse tumor, induzindo a acreditar-se em uma incontinência de urina. Assim cita-se o facto de Richet de um individuo em que se lhe havia diagnosticado um kysto, unicamente pela existência de um tumor no ventre, sem que elle deixasse de uri- nar, e que levou mezes com uma retenção, vindo o catheterismo, praticado por este sabio, confirmar o diagnostico que havia esta- belecido. Ha ainda o facto já citado do Dr. Baillarger em que uma mulher foi considerada gravida durante seis mezes, vindo elle por fim a reconhecer a existência da retenção. E’, pois, necessário estar-se prevenido da possibilidade d’esses enganos, e dispensar-se toda a attenção ao exame e conside- rações expostas, dando importância mesmo a factos que á pri- meira vista pareçam insignificantes; e desde que haja qualquer duvida, praticar o cathererismo que, quasi sempre, lhe trará toda a luz para estabelecer com precisão o diagnostico differencial. Diagnostico etiologico. — Apezar de ser este estudo de indiscutível importância para o tratamento, tornar-se-hia uma tarefa difficil, talvez mesmo impossível, determinar com precisão o diagnostico das innumeras causas de retenção de urina. Estudemos, pois, o que ha de mais frequente : Quando tivermos sob nossos cuidados o tratamento de um doente victima de uma retenção de urina, antes de procedermos ao exame directo, que nos fornecerá elementos bem positivos para o diagnostico, devemos interrogar o individuo, indagando dos commemorativos, epocha de duração da moléstia, seu modo brusco ou lento de manifestação, quaes as desordens no appa- relho urinário que a precederam, etc. Estes dados anamnesticos, do maior alcance, esboçam em nosso espirito a causa da moléstia, e nos prendem a attenção sobre factos á primeira vista sem valor. A idade do individuo auxilia iguàlmente o diagnostico, e é um elemento que não deixa de ter importância; assim é que as lesões da próstata sao ordinariamente mais frequentes na idade avan- çada, como o estreitamento é mais commum na idade média. Se o indivíduo é victima de uma retenção de causa dynamica, além de não accusar perturbação alguma anterior nas funcçÕes urinarias, offerece quasi sempre outros symptomas que guiarão perfeitamente o pratico. Assim, nas lesões cerebro-espinhaes, ha quasi sempre modificações na motilidade ou na sensibilidade para outras partes do corpo, na febre typhoide e sarampão, o estado do doente o indica claramente, etc. Quando ha retenção simultânea a uma blennorrhagia aguda, devemos logo suppor que é devida ao elemento congestivo, in- flammatorio ou spasmodico. A hypothese de estreitamento avulta se o indivíduo confessa ter soffrido de uma ou muitas blennor- rhagias de longa duração, ou se foi victima de um traumatismo na urethra, e se diz ter notado perturbações progressivas e mais manifestas para a micção. N’um caso de retenção em um indivíduo de idade avançada, sem antecedente morbido da urethra, que urinava com certa dif- ficuldade, com jacto fraco e quebrado, com frequentes micções, principalmente á noite, etc., quasi sempre é a consequência de uma hypertrophia da próstata. D’aqui infere-se que os primeiros elementos semeiologicos de uma retenção originam-se no conhecimento perfeito e na boa apreciação dos symptomas dos diversos estados morbidos que a podem produzir, cujo desenvolvimento completo e circumstan- ciado, não nos cabe fazer em um trabalho como o que nos occupa. O estudo de todos estes signaes é de toda importância para o dia- gnostico, e muitas vezes são elles sufficientes; mas devem sempre ser completados pelo exame directo, que comprehende a inspec- ção, a apalpação, a percussão e o catheterismo. Na maioria dos casos, a inspecção apenas inclina o espirito do cirurgião a presumir a existência d’esta ou d’aquella causa, se bem que possa em certas condições indicar por si só a causa de uma retenção. A inspecção do meato mostrará logo a atresia, con- génita ou adquirida, e seu gráo de rubor e congestão, a hypothese de uma blennorrhagia, bem como a existência de algum corri- mento, cuja origem devemos indagar. Examinando o penis reconhe- ceremos um phimosis, um paraphimosis, um laço circular compri- mindo o canal e impedindo a sua dilatação pelo liquido urinário, etc. Não convém omittir o exame da região escrotal e principal- mente da perineal, o qual nos pode revelar se ha infiltração de urina, abcessos, fistulas, cicatrizes, etc., que serão de valioso au- xilio para o diagnostico causal. Mesmo o aspecto geral do indi- víduo nos auxiliará, como nos casos de sarampão, lesões cephalo- medullares, ordinariamente acompanhadas de paralysias e de outros symptomas. Não sendo possível á simples vista mais do que apreciar as modificações externas, procurou-se fabricar instrumentos que permittissem a visão profunda, e appareceram os endoscopos de Desormeaux e de Nietze e Leiter que, de utilidade em alguns casos, não corresponderam, entretanto, á expectativa e ao desejo que d’elles se esperava na pratica. A apalpação pode ser superficial ou profunda, e de facto o tocar rectal não é mais do que um meio de apalpação profunda, o que também é, em ultima analyse, o catheterismo. Quando exercida na região hypogastrica, a apalpação pode nos indicar approximadamente a causa da retenção, e assim vere- mos se é devida ao utero desenvolvido, a um cystocele, a um tumor perivesical, etc. O engurgitamento dos ganglios inguinaes nos fará julgar da possibilidade de existência de um cancro da próstata ou do fundo da bexiga, o endurecimento dos epididymos nos dará muitas vezes a prova de uma blennorrhagia mais ou menos antiga, ou ainda um argumento em favor de uma tuber- culose genito-urinaria presumida. Esta exploração praticada nas regiões peniana e perineal é ainda mais fecunda em resultados; por ella se reconhecerão tu- mores e abcessos urinosos, e quando o canal urethral simula um cordão rijo, ou quando apresenta diversos pontos duros, signal de estreitamento, mais commumente traumático. Os corpos estranhos da urethra podem também ser percebidos por este exame, umas vezes pela saliência que se encontra, outras pela exacerbação da dor viva localisada no ponto em que se acham engasgados, facto frequente nos fragmentos de cálculos depois da lithotricia. A apalpação externa ou superficial não pode attingir a parte profunda da urethra, e torna-se preciso recorrer ao tocar rectal, combinado com a introducção de um instrumento no canal, o que facilita seu reconhecimento e exame. E1 ainda por meio do tocar rectal que reconheceremos o estado do soalho da bexiga e principalmente da próstata. Gombinando-o com a apalpação abdominal reconhece-se a existência de tumores que possam existir, e nas crianças é relati- vamente facil perceber-se a presença de um calculo, principal- mente, como diz F. Guyon, exercendo-se com o dedo explorador uma manobra analoga ao ballottement fetal. Ora só, ora combinado com o catheterismo, ora ainda com a apalpação hypogastrica, poderemos reconhecer o estado da prós- tata quanto á consistência, volume, etc., e é justamente em relação ás moléstias d’este orgão, que o tocar rectal reveste seu maior valor. Entretanto o augmento da glandula para o recto não indica com clareza o seu estado em relação á urethra, porque pode estar muito augmentada para um lado e não fazer proeminência para o outro. E1 possivel ainda perceber-se fluctuação indicando um abcesso, uma depressibilidade limitada mostrando uma lacuna, ou ainda, sendo doloroso, encontrar a próstata tumefacta, dura, muito sensivel, revelando uma prostatite, etc. O tocar vaginal é na mulher o correspondente do tocar rectal ; por elle não só apreciaremos o estado do utero, da vagina, como também da urethra e da bexiga, sendo igualmente de indiscutivel utilidade, quando combinado com a apalpação abdominal. F. Guyon cita um caso de uma mulher, em que o seu diagnos- tico de calculo vesical foi confirmado, encontrando a parede vaginal perfurada pela pedra, que se podia ver até a olho nú, A percussão de pouco nos serve no diagnostico das causas de retenção. E’ sómente depois de ter pesado bem os commemorativos, fornecidos pelo interrogatório do doente, que deveremos proceder ao catheterismo explorador, que virá confirmar o nosso juizo diagnostico. Se o catheter encontra algum obstáculo, procura- remos ver se elle é externo ou se se trata de um estreitamento, de um spasmo, de um augmento de volume da próstata, de valvulas, etc. Na pratica, quando se encontra um obstáculo na urethra ante- rior, ordinariamente é um estreitamento. Para reconhecel-o, toma-se uma vela flexível de extremidade olivar, correspondente aos numeros iõ a 20 da escala de Gharrière, porquanto, se passar náo haverá estreitamento, emquanto que se fòr mais fina poderá ultrapassar um ponto estreitado sem denuncial-o. E1 de vantagem indagar da séde, calibre e extensão do estrei- tamento. Em geral a séde é indicada pela profundidade a que chegou o instrumento, e Guyon aconselha procurar pela apalpação a saliência formada pela sua extremidade olivar; esta noção é de valor, porque com probabilidade nos indicará a origem da ure- throsthenia; ordinariamente um estreitamento blennorrhagico occupa o fim da porção esponjosa, quando é consequência de um cancro localisa-se no meato ou na fossa navicular, e quando provém de um choque, uma pancada, na região perineo-bulbar, etc. O calibre é approximadamente revelado pelo diâmetro da oliva que o attravessar com algum attrito, pelas velas de Ducamp, ou pelas de cera. O catheter olivar ainda nos mostrará a extensão do seguinte modo : encontrada a resistência, marca-se o ponto ao nivel do meato, faz-se penetrar o instrumento até que tenha transposto a coarctação, e ao retiral-o, torna-se a marcar o ponto em que encon- trou a extremidade posterior do estreitamento, cuja extensão será igual ao espaço comprehendido entre os dous pontos mar- cados, descontado o comprimento da oliva. O spasmo se apresenta mais commumente na porção mem- branosa, e é reconhecido pela séde do obstáculo, seu brusco apparecimento, bem como pela sua duração ephemera, permit- tindo, depois de certo tempo, a passagem de um instrumento calibroso, o que, até então, não se conseguia com os mais finos; resiste muitas vezes aos flexíveis e cede aos metallicos. O explo- rador dá a sensação de um annel apertado, mas passa sem attrito. A distancia a que chegou o catheter nos indicará se o obstá- culo existe na região prostatica, e eliminará de ordinário a confusão com um estreitamento, raro n’este logar. A combinação da exploração interna com o tocar rectal é de poderoso auxilio para o diagnostico, e assim poderemos apreciar, mais ou menos claramente, o espaço comprehendido entre o explorador e o dedo introduzido no recto. Em casos de abcessos prostaticos são elles muitas vezes perfu- rados pelo instrumento, e o seu diagnostico será estabelecido pela sahida do pus. O alongamento da região prostatica, na hypertrophia do orgão, se revelará pela extensão que o catheter terá de percorrer antes de chegar á bexiga, e as modificações na fórma do canal serão avaliadas pela extremidade externa do explorador, que se desviará para o lado em que houver maior deformação : para baixo se fôr a porção mediana, para a direita ou para a esquerda se fôr para um lado ou outro. Para o reconhecimento das valvulas o melhor instrumento é sem duvida o de Mercier, cuja vantagem é de encontrar a valvula pela face dorsal e não com o bico, o que permitte fazer-se uma certa pressão sem perfural-a. Quando a valvula é pequena o explorador, ultrapassando-a, se desprende de repente e penetra na bexiga dando um pequeno salto, e fornecendo a sensação de uma resistência vencida ; se é grande, o cirurgião terá que abaixar a extremidade externa do catheter para fazel-o penetrar. A difficuldade em distinguir-se as duas especies de valvulas já foi assignalada pelo proprio Mercier; entretanto a idade do individuo, seus antecedentes, o estado da próstata, muito nos esclarecerão, pois sabemos que a muscular se apresenta em um individuo moço, que confessa ter soffrido de urethrites rebeldes, etc., emquanto que a urethro-prostatica existe num velho, cuja próstata, augmentada de volume, faz ordinariamente saliência para o recto. Pelos commemorativos e pelos diversos modos de exploração, chegaremos a reconhecer a existência e séde de um corpo estra’ nho, e, se houver necessidade, recorreremos ao catheterismo. As sondas metallicas darão um choque rude, e, se passarem, nos fornecerão a sensação de attrito pronunciado ; as velas de cera são também de utilidade n'esses casos, mas entretanto o catheter olivar é sufficiente, porque, se o não tivermos sentido na sua introducção, ao retirarmol-o, perceberemos a sua existência. Guyon diz que o attrito é caracteristico, é o chamado ruido de couro novo. Com certeza muito teríamos ainda que dizer sobre o diagnos- tico das diversas e innumeras causas de retenção de urina, porém não nos alongaremos mais, já para não exagerar os limites d’este trabalho, como porque precisamos entrar no ponto mais impor- tante do assumpto, isto é, no tratamento da retenção. PROGNOSTICO Varia consideravelmente não só quanto á fórma da retenção, como também quanto á causa que a produzio. Uma retenção completa, revestida de certas condições, exi- gindo a intervenção prompta do cirurgião, é sem duvida grave, e o doente está votado a uma morte certa se se der uma ruptura, aliás rara, da bexiga. A retenção incompleta pode durar muito tempo, e o indivíduo voltar a uma saude completa, como no caso já citado do Dr. Bail- larger, entretanto elle não está indemne de todo o perigo, por- quanto pode a retenção tornar-se completa, ou acarretar desordens mais ou menos profundas para os outros orgãos da economia. Ha mesmo casos d’estas retenções, em que ográo de depauperamento, de verdadeira cachexia urinosa, collocam o doente sob um prognos- tico muito serio, e por outro lado ha factos, em que a introducção da sonda uma ou mais vezes, é sufficiente para cural-os. Quando a causa productora do mal puder ser removida mais ou menos facilmente, infere-se que elle é menos grave do que no caso contrario. Influem ainda muito no juizo prognostico os accidentes que sobrevierem, como infiltrações de urina, fistulas, caminhos falsos, etc., e a maior ou menor gravidade das operações a que se tem de recorrer. Uma retenção devida ao elemento inflammatorio ou congestivo, é certamente mais favoravel do que quando produzida por uma hypertrophia da próstata. Em resumo, a retenção é sempre um symptoma de gravidade, prognostico que pode ser attenuado por muitas condições espe- ciaes ao individuo e á moléstia, bem como, pelas mesmas razoes, pode ser aggravado a ponto de tornar-se fatal. asm fui TRATAMENTO DA RETENÇÃO DE URINA E’ obvio que não temos a pretenção de especificar todos os meios empregados contra a retenção de urina, e ainda menos contra todas as causas que podem produzil-a ; seria uma tarefa difficil e talvez mesmo inexequivel, razão pela qual nos limita- remos a expor o que ha de mais importante e usual na pratica. Em grande numero de casos, a intervenção cirúrgica é indispen- sável e muitas vezes a unica racional, em outros, entretanto, con- vém empregar meios médicos,quer como coadjuvantes d’aquella, quer mesmo isoladamente. Nem é possivel traçar uma linha divisória entre estes dous meios de tratamento, e d’elles conjuncta- mente fallaremos no correr da exposição. Gomo já temos repetido, todo o tratamento deve ser baseado nas causas, porque affastadas estas cessarão as suas consequências ; comtudo muitas vezes teremos de recorrer a operações que, se não atacam verdadeiramente a causa, tem um fim palliativo e permittem depois com mais facilidade actuar sobre ella. São estes os casos urgentes em que a intervenção prompta e energica torna-se obrigada. Passemos pois a indicar o tratamento, de acordo comas principaes causas expostas. Quando a retenção é devida a uma causa dynamica, e o canal da urethra achar-se desempedido, é claro que deveremos proceder ao catheterismo evacuador, sendo o tratamento causal, muito variado, antes do dominio medico. Na atonia da bexiga aconselharemos ao doente que urine logo que sinta necessidade, e, tornando-se preciso, retiraremos a urina com uma sonda de gomma tres ou quatro vezes por dia, collocando assim a tumca muscular na melhor condição para recuperar a sua perfeita contractilidade. O galvanismo, duchas e injecçÕes frias, tonicos, strychnina, centeio espigado, etc., são nestas circumstan- cias de valor e só cedem em efficacia ao emprego da electricidade, já usada por Michon e mais tarde por Petrequin, por meio de um excitador no recto e o outro na bexiga contendo urina, ou no hypogastro. Thompson emprega hoje a faradisação, collocando um dos polos nas vertebras lombares e o outro communicando com um fio metallico introduzido na bexiga, previamente esva- siada, dentro de uma sonda de gomma elastica, sendo a corrente fraca, e durando a sessão 8 á io minutos no máximo. Se a atonia ou paresia da bexiga é consequência de uma outra moléstia, claro está que deveremos affastal-a, sem o que não con- seguiríamos debellar o estado paretico do orgão. E’ certamente quando a retenção depende de uma causa mecanica que a intervenção cirúrgica torna-se mais commumente necessária, e reveste toda a sua importância. Nos casos de phimosis deveremos praticar a circumcisão, e recorreremos á reducção ou ao debridamento se conhecermos a existência de um paraphimosis. Se a retenção é devida a um corpo qualquer comprimindo a urethra e impedindo a sua dilatação, convém retiral-o se fôr possível, ou então usar de sondas molles que possam acompanhar os desvios do canal por elles occasionados. Apezar de não ser muito facil que um corpo estranho na urethra produza por si só uma retenção completa, convém ex- trahil-o, ainda que seja para permittir a pratica do catheterismo. Para isso é de toda a importância o conhecimento de sua posição: se occupa o collo da bexiga, a parte profunda da urethra, ou a sua parte anterior. No primeiro caso temos os coágulos sanguineos e os cálculos ; é raro que a retenção devida a um coagulo persista por muito tempo, é ordinariamente passageira e muitas vezes cede sem intervenção cirúrgica. Deve-se collocar o indivíduo em decúbito dorsal, elevar-lhe um pouco a bacia, porque n’esta posição o coagulo, obedecendo á lei da gravidade, deixa o orifício vesical e cahe no fundo da bexiga ; a estes meios ajuntaremos o repouso no leito e o uso de bebidas diluentes. Se ainda assim nada conseguir-se, pode-se introduzir uma sonda e procurar deslocar o corpo estranho, ou então praticar-se uma injecção que muitas vezes ainda é insufficiente, porquanto o coagulo levantado pela agua, que elle deixa passar, torna a cahir fechando de novo o orifício, e n’estes casos ainda poderemos lançar mão da aspiração feita com uma seringa adaptada á extre- midade da sonda, processo que Leroy praticou i5o vezes em seis horas, retirando de cada vez a sonda. Civiale procurou mesmo triturar os coágulos com o lithoclasta. Ha ainda toda a vantagem em dar a mesma posição se a obstrucção é devida a um calculo, o que raramente se observa ; se isto não bastar convém deslocal-o com uma sonda, praticando-se depois a lithotricia. Quando o calculo se assesta na parte profunda da urethra, não se deve procurar retiral-o e sim intentar a sua introducção na bexiga, para proceder-se depois ao seu esmagamento, e para esse fim usa-se de uma vela grossa de cera, que impelle o corpo para a cavidade vesical; se houver difficuldade, substituil-a-hemos por outra fina também de cera, que se procura passar além do obstá- culo e é deixada em permanência durante tres ou quatro dias, após os quaes muitas vezes o calculo cahe por si mesmo na bexiga, por causa da posição em decúbito dada ao doente, ou então deixa-se impellir com mais facilidade. Se porem apezar de todas estas tentativas não se chegar a bom resultado, e a retenção fôr completa, é forçoso recorrer a outros processos, opinando uns pela pinça de Hunter, outros pelo litho- tridor urethral e outros ainda pelas incisões urethraes, operações todas mais ou menos perigosas e muitas vezes de consequências graves, e que devem ser postas em pratica em casos extremos. A’s vezes acor.tece que o calculo se engasga na região peniana da urethra, e então convém extrahil-o quer com a pinça de Hunter, quer com o lithotridor de Dubowiski e de Leroy, quer ainda pela casa. O professor F. Guyon diz ter colhido bons resultados pren- dendo o corpo entre a colher de uma cureta collocada atraz, e uma vela de cera adiante, constituindo assim uma especie de litho- tridor, cujo ramo femea é representado pela cureta e o macho pela vela; accrescenta que, d’este modo, fica o corpo impedido de pro- duzir excoriações na urethra, sobre cuja parede superior deve ser extrahido. Quando um calculo, por sua pequenez, chega á fossa navi- cular e ahi se engasga, introduz-se uma sonda canaliculada entre elle e a parede inferior da urethra, e, praticando movimentos de bascula, faz-se-o caminhar ao longo da parede superior; se com esta manobra não pudermos extrahil-o, usaremos de uma pinça ou debridaremos ligeiramente o meato. Em todos os casos é preciso usar de toda a delicadeza e armar-se de grande paciência. E’ de maior gravidade e exige intervenção mais prompta o calculo que vem se engasgar atraz ou mesmo no orifício de um estreitamento, pois pode sobrevir uma retenção completa, de gra- ves consequências para o individuo. N’estes casos, procucaremos passar uma sonda entre o calculo e as paredes do canal, e deixal-a em demora para, dilatando o canal, permittir a sahida do corpo estranho e da urina ; se isto porem não fòr sufficiente, se a micção não se restabelece francamente, combatter-se-ha o estreitamento pelo meio que se preferir e que o caso indicar. Se a urethra estiver obliterada por um corpo estranho vindo do exterior, adoptaremos mais ou menos as mesmas regras, sendo ordinariamente elles extrahidos com a pinça de Hunter ou a mesma modificada por Leroy. A intervenção e o instrumento a preferir dependem, entretanto, muito da especie do corpo e das circumstancias occasionaes. Se elle tiver chegado á bexiga prati- caremos o esmagamento, quando possivel, ou procuraremos retiral-o inteiro com um dos diversos instrumentos fabricados para esse fim, como os de Leroy, de Robert e Collin, de Ma- thieu, etc. O professor Thompson diz que praticou mesmo a operação da talha para extrahir um volumoso fragmento de cera, cuja consistência contra-indicava a lithotricia. A obliteração do meato produz ainda uma retenção, e neste caso deveremos recorrer ao bistouri e dilatal-o; o professor Depaul, n’um caso deste genero, constituindo uma causa de dystocia fetal devida á enorme distensão da bexiga, praticou a puncçao do orgão entre o umbigo e o pubis. Supponhamos que a retenção é devida a um traumatismo da urethra, quer externo, quer interno; n’este ultimo caso, commum- mente produzido por um catheterismo mal dirigido, é ella deter- minada pelo elemento congestivo ou infiammatorio, cujo trata- mento vamos em breve expor. Nos casos porem de um traumatismo externo devemos pri- meiramente indagar da sua séde. Os da porção peniana da urethra são mais frequentes, mas a lesão é ordinariamente pouco pronun- ciada, comtudo pode alcançar os corpos cavernosos, o que a torna mais grave; a primeira indicação a preencher é introduzir uma sonda para impedir que a urina passe pela ferida, e tratar pelos meios médicos de diminuir a inflammação que apparecer. Quando ha infiltração de urina, é preciso logo fazer incisões, e procurar impedir o mais possivel a formação, aliás rapida e frequente, do estreitamento cicatricial. As lesões traumaticas da urethra na sua porção perineo-bulbar são mais serias e exigem quasi sempre uma intervenção energica urgente. Nos casos menos graves, a par do tratamento medico, procuraremos introduzir uma sonda curva cuja extremidade per- correrá a parede superior do canal, menos vezes lesada; alguns dão preferencia á uma sonda flexivel, que nos parece menos acceitavel, porquanto a sua extremidade pode insinuar-se facilmente na solução de continuidade e occasionar um falso caminho, diver- gindo ainda as opiniões sobre a conveniência de deixal-a ou não em permanência. Nos casos porem em que o catheterismo não fòr possivel, recorremos á puncção vesical, principalmente hoje que dispomos do trocater aspirador de Dieulafoy, exceptuando sempre os casos em que houver infiltração urinosa, que obrigará á praticarem-se largas incisões ; entretanto, talvez seja mesmo preferivel prati- car-se logo a urethrotomia externa sem conductor, introduzindo-se então uma sonda na urethra que, conforme Guyon, não será difficil de achar-se Testas condições. Vejamos quaes os meios aconselhados nos casos de retenção de urina de causa injlammatoria, congestiva ou spasmodica. Sendo ellas ordinariamente passageiras cedem a algumas applicações medicas, e o professor Guyon prefere-as ao catheterismo ; assim prescreve as bebidas diluentes, os clysteres emollientes, os mor- phinados, as injecçÕes hypodermicas de morphina, as cataplasmas, os banhos e principalmente o opio, e accrescenta que, mesmo nos casos em que se tenha de introduzir uma sonda evacuadora, não convém despresar os recursos médicos. Havendo porem uma prostatite franca, diz elle que deve-se logo usar do catheter como meio palliativo, procurando-se ao mesmo tempo combatter a inflammação. O professor Thompson, julgando que a retenção de causa inflammatoria é quasi senão sempre devida á uma prostatite, opina que não se deve confiar muito nos meios médicos, attendendo a que a sua morosidade de acção, colloca o indivíduo na imminencia de uma atonia vesical por superdistensão das paredes da bexiga, e aconselha, sem mesmo receiar as excoriaçoes que se possam dar, que se recorra logo ao emprego de uma sonda de gomma, corres- pondente ao n. 14 da escala franceza, á qual se dá uma curvatura necessária para poder passar sobre uma próstata augmentada de volume, podendo-se ainda empregar uma sonda olivar ou uma cotovellada. Entretanto, diz elle, se o obstáculo não fòr vencido pelo catheter introduzido com brandura e delicadeza, deve-se prescrever um banho quente, cuja temperatura não seja inferior a 38°,8 ou 40o, e que tem por effeito diminuir a congestão local, enchendo os vasos da pelle e determinando transpiração abundante ; se ainda não fòr sufficiente deve-se retirar o doente do banho, agasalhal-o bem e prescrever-lhe ao mesmo tempo 25 a 3o gottas de tinctura sedativa de opio, e 3o a 40 em clysteres, sendo esta medicação de inexce- divel valor para Skey, em taes casos. Accrescenta que, se tratar-se de um individuo moço e vigoroso, podem-se applicar ao perineo ventosas, que elle julga de utilidade e preferivel ás sanguesugas. Ordinariamente quando este tratamento por si só não é sufficiente para que seja expellida a urina, permitte que a sonda possa ser introduzida mais facilmente. Examinando attentamente as opiniões de tão illustrados prá- ticos, á primeira vista discordes, vemos que isso depende da séde e origem que elles assignalam a essas causas de retenção, por- quanto já vimos que também Guyon aconselha logo ocatheterismo, nos casos de prostatite franca, unica séde e causa, para Thompson, d’estes estados inflammatorios. Nós porem, que não nos inclinamos para o exclusivismo de Thompson, concordamos com o illustre cirurgião francez, e de acordo com elle procederemos, excepto se houver razoes para desconfiar-se da integridade das paredes vesicaes, o que nos obrigará a recorrer logo ao catheterismo, com receio da possibi- idade de dar-se algum accidente mais serio e desagradavel, pelo estado de distensão exagerada do orgão. Não deixaremos também de seguir o conselho de nosso illustrado mestre o Conselheiro Saboia, de demora: por algum tempo a sonda de encontro ao obstáculo que a impede de passar, processo que em muitos casos dá bom resultado. Reconhecendo-se a existência de fluctuação, deve-se abrir o abcesso pelo recto, tendo-se todo o cuidado em não ferir uma das artérias hemorrhoidarlas, que tornam-se n’esses casos excessi- vamente túrgidas e apresentam batimentos comparáveis aos da radial. Para isso imitaremos Guyon que aconselha collocar o in- dicador esquerdo, que serve de conductor, em um ponto onde não sinta pulsações, e, levando ao longo d’elle um bistouri commum, com a lamina envolvida em fio e cuja ponta é protegida por uma bola de cera, forceja-se sobre elle que, atravessando a cera, perfura a parede do abcesso. Em alguns casos, quando a collecção puru- lenta faz saliência para a urethra, a simples introducção do catheter a rompe, escoando-se o pus pelo canal. Uma das causas mais communs de retenção de urina é certa- mente o estreitamento orgânico da urethra. Sem fallar das de- moras de micção, verdadeiras retenções passageiras podendo duiar dez minutos, um quarto de hora, e até mesmo uma hora, e que causam bastante susto ao indivíduo, mas sobre as quaes ordina- riamente o cirurgião não é consultado, os estreitamentos da urethra dão logar a retenções completas e incompletas. Quasi sempre as retenções completas são occasionadas por um desvio de regimen, ou outra qualquer causa, incluindo mesmo o proprio catheterismo, que pode trazer um estado congestivo, inílammatorio ou spasmodico no canal estreitado. Alem causa, nos estreitamentos cicatriciaes de origem traumatica, uma obliteração completa, aliás rara, no ponto coarctado causará a retenção absoluta. O professor F. Guyon, attendendo á frequência d’aquellas retenções, e conhecedor de sua pathogenia, acerca-se do leito do doente com toda a calma e confiança no tratamento medico que institue, e que acha ser as mais das vezes sufficiente. O opio, os banhos, as cataplasmas, os clysteres simples, laudanisados ou mesmo purgativos, se houver necessidade, são meios, para elle, superiores ao chloral, ao chloroformio e mesmo ás sanguesugas, que não deixam comtudo de ser bem indicadas em certos casos. Accrescenta, entretanto, que na pratica ter-se-ha muitas vezes de recorrer aos meios cirúrgicos para esvasiar a bexiga. O professor Thompson, depois de ter reconhecido a séde e o estado do estreitamento, procura logo atravessal-o com uma sonda, o que não sendo mesmo possível, pode provocar a sahida de alguma urina, depois de se ter feito uma ligeira pressão continua sobre o limite anterior da coarctação. Se o ensaio fôr infructifero, colloca o doente em um banho quente e ahi procura de novo passar a sonda, prescreve doses elevadas de opio, e applica ven- tosas se o indivíduo é moço e vigoroso. Como quasi todos os cirurgiões inglezes, deposita ellç uma grande confiança na anes- thesia chloroformica, sob cuja acção o indivíduo muitas vezes urina expontaneamente, e, quando não, fica impedido de exercer esforços de resistência que sóe provocar a presença do catheter. A1 vista de um caso de retenção completa de urina devida a um estreitamento orgânico da urethra, não nos limitaríamos a esperar pelos eífeitos demorados das prescripções medicas, que consideramos auxiliares do catheterismo ; tomaríamos um ins- trumento flexível e procuraríamos brandamente fazel-o transpor a parte estreitada. Não sendo possível a sua introducção, o demo- raríamos por algum tempo de encontro á coarctação, isto é, praticaríamos o que Guyon chama catheterismo apoiado, que muitas vezes é seguido de bom exito. Poder-se-hia ainda recorrer ao catheterismo em feixe, ás velas entortilhadas, etc., mas o que convém é não deixar escoar-se muito tempo, á vista dos perigos a que está exposto o doente, e torna-se forçoso utilisar outros meios mais energicos. Devemos entretanto estar prevenidos que ha casos em que o cirurgião, cançado de lutar, já pensa em empregar esses meios, quando consegue com prazer vencer o obstáculo com uma vela capillar, como aconteceu ao nosso illustrado mestre o Conselheiro Saboia, n’um facto referido em sua Clinica cirúrgica. Attendendo a isso é que cirurgiões distinctos affirmam que, á força de paciência e perseverança, consegue-se sempre passar uma vela; mas, durante quanto tempo deveremos lutar? Phillips gastou 18 horas de tentativas repartidas por seis dias, praso que pode ser funesto ao doente e que nem sempre preserva-o de uma outra operação, como aconteceu ao mesmo pratico e ao illustre Nélaton, e que é reconhecido por Vidal, Maisonneuve, Ricord e muitos outros. Julgamos pois que não é prudente ir alem de certos limites, cujo máximo não se pode bem estabelecer, porquanto é depen- dente de muitas circumstancias individuaes. Alguns dizem que, emquanto não houver o apparecimento de symptomas geraes graves, pouco importa indagar do gráo de distensão da bexiga por causa de sua grande tolerância e da rari- dade de sua ruptura; mas se mesmo fosse acceitavel uma tal opinião, não se deve esquecer que não é só este accidente que deveremos receiar e prevenir, e sim também as rupturas urethraes, as infiltrações de urina e principalmente os effeitos sobre os ureteres e os rins, cuja gravidade já fizemos transparecer. Considerando todos esses perigos, convém recorrer a uma operação que alivie o doente de seus soffrimentos e que mais ou menos previna essas consequências, sem jamais esquecer de attender ao tempo que dura a retenção, ao estado geral do indi- víduo, ao pulso, á idade, á sua receptividade para medicamentos, ao estado de integridade dos rins, ás dores abdominaes, ao delirio, ás tentativas anteriores de catheterismo, etc., condições estas todas de grande valor e que decidem ou não o pratico a actuar mais promptamente. D’aqui conclue-se que, depois de termos procurado ultra- passar o estreitamento, ainda que seja com uma pequena vela filiforme, condição que permittirá abraçar um dos diversos processos de seu tratamento, e que escoando-se o tempo de espera, e tendo em consideração os accidentes mais ou menos graves que podem sobrevir, formos obrigados a abrir uma pas- sagem á urina, devemos recorrer a um dos meios para isso acon- selhados e em cuja apreciação vamos entrar. A’ nossa disposição temos: diversos processos de dilatação forçada, as cauterisaçÕes, as incisões na urethra e a puncção da bexiga. Dilatação forçada No seu Tratado pratico das moléstias das vias urinarias o professor Thompson diz, fallando do cathete- rismo forçado «quanto mais depressa se banir da lista das operações cirúrgicas um processo tão barbar o, tanto melhor para a arte da cirurgia. Muitos outros auctores modernos abundam nas mesmas idéas e apresentam razões tão cabaes e persuasivas que, no caso de que tratamos, não recorreremos a elle, e apezar de o terem feito alguns práticos distinctos, apezar dos esforços de Mayor de Lau- sane com as suas seis sondas de estanho, o catheterismo forçado de Desault e Boyer tem cahido em desuso, visto os accidentes que podem sobrevir para a urethra com o emprego de taes meios, que não primam pela delicadeza e brandura. O mesmo diremos das injecçÕes forçadas de Amussat, e dos diversos modos de punc- ção do estreitamento praticados por Wyterhoven, Rizolli e outros. E’ força confessar que alguns desses processos serviram com- tudo de ponto de partida para o fabrico de diversos instrumentos, ainda hoje muito empregados na cura dos estreitamentos orgâ- nicos, como seja o divulsor de Léon Lefort. E mesmo entre nós alguns práticos, aliás de reconhecida capacidade scientifica, como o Conselheiro Pertence, são apolo- gistas do catheterismo forçado, em contraposição á opinião do illustrado Sr. Dr. Pereira Guimarães, que o admitte apenas em casos rarissimos. A catjterisaçÃo é o methodo mais antigo de tratamento dos estreitamentos da urethra e foi empregado por homens eminentes da sciencia ; consiste em levar substancias causticas ao interior ou á parede anterior da coarctação, caso este que poderia ser utili- sado quando se tivesse de debellar uma retenção completa de urina de uma tal origem. Hoje, porém, acha-se completamente abandonado por causa dos inconvenientes que provoca, entre elles as cicatrizes retrácteis muito mais rebeldes aos meios de cura. Ha, entretanto, actualmente, um outro processo de cauterisa- ção praticada com o galvano-caustico-chimico, a que se deu o nome de electrolyse, e que, imaginado por Crussel, na Rússia, preconisado por Ciniselli, de Cremona, e outros, tem tido alguns partidários entre nós. Apezar das vantagens apregoadas por seus propugnadores, a electrolyse não é acceita pela generalidade dos nossos cirurgiões, e o Conselheiro Saboia empregou-a sem resultado. Actualmente discute-se esta questão na Academia Im- perial de Medicina, onde o Dr. Fort, um dos seus mais enthu- siastas apologistas, declarou que em perto de 3oo casos por elle operados apenas sete se reproduziram. Depende, pois, ainda de estudos mais acurados e de observa- ções mais minuciosas, e por emquanto não estamos longe de concordar com o Sr. Dr. Pereira Guimarães, que diz que tal meio não merece confiança. D’entre todos os processos relativos ao methodo das insisões na urethra, os únicos que nos poderiam servir para o caso que figuramos são a urethrotomia externa sem conductor, chamada de Sedillot, e a operação da casa, na accepção em que deve ser hoje tomada. A1 primeira vista parece que n’um caso de retenção completa de urina, em que foi impossivel fazer passar o instrumento o mais delgado, haveria vantagem em praticar-se a urethrotomia sem con- ductor, porquanto não só dar-se-hia livre sahida ao liquido uri- nário, satisfazendo a indicação urgente, como também porque combatter-se-hia ao mesmo tempo a causa de sua retenção ; en- tretanto esta operação é cheia de perigos e difficuldades, e muitas vezes é mesmo impossivel seguir o canal, podendo-se ser desviado de sua direcção, acontecendo não introduzir a sonda na bexiga. O professor Thompson cita um caso em que um cirurgião, jul- gando ter levado a sonda á cavidade vesical, reconheceu depois da morte do individuo, que teve logar algumas horas depois da operação, que o instrumento tendo perfurado a urethra se achava entre a bexiga e a symphyse pubiana. Nós só a empregaríamos depois de ter ensaiado inutilmente todos os meios para atravessar o estreitamento, isto é, quando reconhecessemos a sua completa impermeabilidade. Demais as obliterações completas da urethra são raras, e por isso ha Sempre a esperança de, mais tarde ou mais cedo, conseguir-se introduzir um sonda na bexiga. Quanto á operação da casa, isto é, uma incisão praticada de fóra para dentro sobre o canal da urethra e atraz do estreita- mento, tem ella sido desde muito tempo praticada para obviar aos accidentes de uma retenção completa de urina, e é em ultima analyse uma verdadeira puncção da urethra pelo perineo. Esta operação está hoje abandonada,- e de facto, se é possível não é facil achar a urethra atraz da coarctação, fazem-se ás vezes di- versas incisões sem cahir no canal, e esta larga brecha feita quasi ao accaso deve ser considerada um recurso extremo, apenas indi- cado quando meios de maior segurança tiveram falhado ou forem inacceitaveis. Sedillot considerava-a a operação mais difficil da cirurgia, e não podemos deixar de dar-lhe alguma razão, quando consideramos o estado de endurecimento em que se podem en- contrar os tecidos, as mudanças de relações causadas pqr cica- trizes, e onde o menor desvio do bistouri pode trazer uma he- morrhagia mais ou menos grave, que aliás poderá ser combattida introduzindo-se, quando possível, uma sonda na bexiga, e prati- cando-se o tamponamento de todas as feridas do perineo. Quando, porém, a retenção vier acompanhada de infiltração de urina, entáo, concordando com F. Guyon, torna-se preciso incisar e não sondar. Puncção da bexiga.— Todos os methodos operatorios que temos examinado, excepto a operação da casa que em alguns casos pode também servir para preencher esse fim, ao mesmo tempo que satisfazem a indicação de urgência, esvasiando a bexiga, combattem também a causa de sua repleção. Mas, se, em principio, se deve sempre preferir a via urethral, na pratica, como acabamos de ver, nem sempre isto é possivel, e assim recorrem-se a meios mais simples e mais ao alcance de todos, constituidos pelos diversos processos de puncção da bexiga Ella faz ganhar tempo, diz Philipps, muda as condicoes do doente que, não soffrendo mais, pode mais calmamente supportar manobras que consigam vencer o obstáculo até então infran- queavel. Por diversos logares tem sido praticada esta puncção: pelo perineo, pelo recto, acima do pubis, e atravez a symphise pubiana. A puncção perineal está abandonada ; com eíTeito é muito mais grave do que as outras, expÕe-se a ferir os vasos e nervos do perineo e outros orgãos importantes, como mesmo nem sempre se chega á bexiga, o que já tem acontecido; alem disso a posição da canula, que ahi se tiver de deixar em permanência, traz muitos incommodos e embaraços ao doente. A puncção pelo recto, de data muito mais recente do que a puncção perineal, é ainda hoje empregada por cirurgiões distin- ctos, asseverando Thompson que « é o expediente mais simples e menos perigoso na maior parte das circumstancias em que é necessário praticar uma abertura na bexiga », e sempre a emprega se o caso o exige, excepto quando, pelo exame rectal, não se encontrar fluctuação, o que indica ou extrema retracção da bexiga ou um augmento considerável da próstata. Em 40 casos observados por Cock houve apenas sete ou oito mortes, nenhuma das quaes, para aquelle cirurgião, pode ser attribuida a algum dos accidentes a que está sujeita essa operação. Entretanto, ella pode dar logar a abcessos, á infiltração de urina, 48 á perfuração da próstata, alem dos inconvenientes e incommodos que traz a permanência da canula, que muitas vezes provoca fortes tenesmos, e exp5e á uma fistula vesico-rectal, accidente que Hamilton e Hunter procuraram evitar, aconselhando não deixal-a em demora, mas punccionando-se tantas vezes quantas fossem necessárias. Achamos que os inconvenientes apontados, e a existência de meios menos desvantajosos, são razões sufficientes para que não pratiquemos tal operação senão no caso de estar a bexiga retrahida e adherente atraz do pubis, sem deixar de fazer pro- eminência para o lado do recto. A puncção hypogastrica é ainda hoje preferida por alguns práticos, e em geral leva vantagem aos methodos expostos. Entretanto, está também sujeita a accidentes mais ou menos graves, como : a inflammação das paredes do ventre, muitas com formação de abcessos, a infiltração de urina, a perfuração da prós- tata quando praticada com o trocater curvo, e alem d’isso pode trazer fistulas e adherencias da bexiga á parede abdominal, exi- gindo, para ser praticada, que a bexiga esteja elevada no hypo- gastro, o que nem sempre se dá. Os auctores ainda divergem sobre a gravidade de tal operação, e Pouliot e Mondière apresentaram estatisticas bastante lison- geiras ; contudo nós só a empregariamos nos casos rarissimos em que, baldados todos os esforços, fossemos obrigados a deixar uma canula em demora. Nada diremos a respeito da puncção atravez a symphise, nem da subpubiana, pois são operações pouco empregadas ou mesmo absolutamente desusadas, e passíveis de muitos dos accidentes enumerados. O professor Thompson praticou a primeira em um velho, e não conseguio penetrar na bexiga por ter-se embotado a ponta do trocater ao atravessar o osso, o que elle reconheceu experimentando depois no cadaver. Quanto á segunda, imaginada por Voillemier, apezar de algumas vantagens preconisadas por seu auctor, como a de não se poder ferir o peritoneo, exige uma mão exercitada para pratical-a, pode ferir a próstata quando muito augmentada de volume, e lesar o plexo de Santorini. Ultimamente tem-se começado a empregar n’estes casos a puncção superpubiana com um trocater capillar e a aspiraçáo, quer com o apparelho de Potain, quer com o de Dieulafoy. A sua innocuidade foi posta em evidencia pelo Dr. Wattelet, e Dieulafoy reunio 20 observações de retenção de urina tratadas por este processo. Esta puncção apresenta todas as vantagens das outras, sem incorrer nos mesmos inconvenientes. Não produz dôr, apressa a resolução do estado inflammatorio e congestivo, o que permitte muitas vezes a sabida expontânea da urina ou a introducção de uma sonda evacuadora, o manual operatorio é facílimo, e a pe- quena solução de continuidade da bexiga praticada pela agulha capillar é completamente inoffensiva, razão pela qual, se houver necessidade, poderemos repetil-a muitas vezes em 24 horas e em dias seguidos. Em um caso do professor Guyon, consignado na importante these do Dr. Wattelet, a puncção capillar foi praticada 23 vezes em oito dias em um indivíduo victima de uma retenção completa, causada por uma hypertrophia da próstata e estreitamentos múl- tiplos, restabelecendo-se depois a micção; tendo fallecido o doente, alguns dias depois, por cachexia urinosa, reconheceu-se a perfeita integridade das- partes por onde a -agulha tinha atravessado. O Dr. Bergonier, de Rambouillet (citado por Guyon), em um doente de hypertrophia da próstata com retenção completa, pra- ticou, em 21 dias, 28 puncçoes capillares sem o menor accidente, e reapparecendo depois a micção expontaneamente. E a operação é tanto mais bem indicada quanto auctorisa sempre a esperança de conseguir-se depois passar uma sonda, o que até então era impossível. Entretanto a puncção capillar é apenas um meio palliativo c que o cirurgião nem sempre poderá empregar por um tempo in- determinado ; na grande maioria dos casos após ella, ainda que muitas vezes repetida, conseguir-se-ha passar uma vela mesmo filiforme, e permittir tratar o estreitamento pelo meio que se pre- ferir, mas, no caso contrario, aliás muito raro, resta-nos o unico reciirso de praticar a urethrotomia externa sem conductor, ou a operação da casa, cortando-se então o estreitamento de traz para diante. Recapitulando diremos que, n’um caso de retenção completa de urina devida a um estreitamento orgânico da urethra, o nosso modo de proceder seria o seguinte : a par do tratamento medico já indicado, procuraríamos passar um catheter evacuador, mesmo muito delgado ; se não o conseguíssemos, faríamos o catheterismo apoiado de Guyon, também aconselhado pelo Conselheiro Saboia, empregaríamos mesmo o catheterismo em feixe, as velas entor- tilhadas de Leroy d’Etiolles, e se, apezar de todas as tentativas feitas, e envidados todos os esforços, não conseguissemos vencer a coarctação urethral, recorreríamos á puncção capillar e á aspiração com o apparelho de Dieulafoy. Quando o estreitamento orgânico produz uma retenção in- completa de urina, isto é, quando, apezar do doente urinar, não consegue esvasiar a bexiga, o tratamento a instituir se refere á própria coarctação, combatendo-se ao mesmo tempo as más con- sequências que tenha provocado, e que ordinariamente cedem depois de afastada a sua causa. Não nos sendo possível tratar aqui de todos os numerosos e variados processos que têm sido empregados para curar um estreitamento orgânico da urethra, traçaremos apenas rapidamente o modo de proceder nos casos mais communs. Reconhecida a existência do estreitamento e indagada a sua séde e calibre, o pratico escolherá um dos meios cirúrgicos á sua disposição e que podem todos se referir a tres methodos princi- paes : a dila'a ã ■, a c iute-'uação e a iacisã . A dilatação i o tntamento fuodameml .* ) que deve ser, de um modo geral, preferido, recorrendo-se a outro quando impro- fícuo ou contraindicado. Pode ser vital ou permanente, progressiva, brusca ou forçada, e instantanea ou divulsão, sendo as mais em- pregadas a progressiva e a divulsão. Todas as vezes que o estreitamento for pouco antigo, pouco irritável, facilmente dilatavel, e que não haja alguma affecção para os outros orgãos urinários, estando o indivíduo em condições favoráveis, recorreremos á dilatação progressiva com as velas fle- xiveis, que menos accidentes costumam provocar. Desde que se tenha introduzido uma vela de calibre médio, ha vantagem em continuar-se o tratamento com os catheteres de Beniqué, não abandonando-se o doente antes de ir até o numero 42, sendo mesmo conveniente depois introduzir, com intervallos de dias, uma sonda numero 18 ou 20 da escala franceza. Se o estreitamento não tiver as condições indicadas, isto é, se o canal é irritável, se ha complicação para o lado da bexiga ou dos rins, se a introducção da vela provocar accidentes mais ou menos sérios, se, finalmente, o estreitamento for muito retráctil e as condições individuaes não forem lisongeiras, convém abandonar a dilatação e recorrer a outro meio mais rápido e energico. A divulsão, praticada com o instrumento de Léon Lefort, apre- senta vantagens e pode ser empregada em certas circumstancias. Accresce que n’este processo, como bem recommenda o seu auctor, não se deve introduzir o catheter mais volumoso quando o estrei- tamento for muito resistente, e deve-se, como diz o conselheiro Saboia, ir mergulhando-o pouco a pouco na urethra. E’ um meio rápido e pouco doloroso, mas, como em toda a dilatação, e mais do que a urethrotomia interna, exige que se entretenha o calibre da urethra com a passagem de sondas. Entretanto parece-nos que poderá ser empregada nos estreitamentos pouco extensos e isem- ptos de complicações. Dos processos de cauterisação, o unico que hoje é empregado é a electrolyse, praticada com o galvano-caustico-chimico. Como já tivemos occasião de dizer, apezar dos magníficos resultados apregoados por seus propugnadores, a maioria dos cirurgiões o repelle de sua pratica, por parecer expor muito ás recahidas, dependendo ainda de estudos mais acurados e de observações mais numerosas a sua acceitação ou completa rejeição. A incisão comprehende a urethrotomia externa, com ou sem conductor, e a urethrotomia interna. São raríssimos os casos em que seremos obrigados a praticar a urethrotomia externa com conductor, e cirurgiões illustres, de clinica numerosa, poucas vezes tem recorrido a ella ,* sentimos, entretanto, não concordar com o Sn Dr. Pereira Guimarães que a nao admitte, e abraçamos a opinião do Conselheiro Saboia e de Thompson que a praticam nos estreitamentos antigos e rebeldes, complicados de numerosas fistulas com endurecimento conside- rável e extenso dos tecidos circumvisinhos, ou quando se dá re- tenção de urina por dilaceração da urethra com infiltração urinosa. Quanto á urethrotomia externa sem conductor é uma ope- ração perigosa, de difficil execução e muito raramente indicada, aconselhada e praticada para combater um estreitamento, nos ca- sos em que, depois de intentados todos os recursos, não se conse- gue ultrapassar a coarctação com um instrumento o mais delgado. Exceptuados os casos que figurámos, pouco frequentes e excepcionaes, é pois á urethrotomia interna que, de preferencia e quasi sempre, se emprega na maioria dos casos de estreitamento orgânico da urethra. De todos os instrumentos para esse fim fabricados, o que nos parece preferivel é o urethrotomo de Maisonneuve, e por isso julgamos que não será descabido aqui traçar rapidamente o modo de proceder com esse instrumento. Introduzida na bexiga a velinha conductora, segundo as regras do catheterismo com as sondas flexiveis, atarracha-se o parafuso do catheter na rosca do cylindro metallico da extremidade da vela, tendo-se a precaução de fixal-a solidamente para não ficar na bexiga; introduz-se cautelosamente o catheter, que vai impellindo a velinha até a cavidade vesical onde enrosca-se sobre si mesma. Distende-se o penis sobre o catheter e, depois de bem fixal-o, introduz-se com delicadeza o urethrotomo até o ponto estreitado, que é seccionado; retira-se a lamina com o mesmo cuidado e na mesma direcção em que foi introduzida, e livrando então a urethra de todo o apparelho instrumental, passa-se uma sonda de gomma elastica que fica em permanência, durante o tempo que o operador julgar conveniente. Geralmente a operação corre sem difficuldades ; entretanto ás vezes a vela é agarrada pelo estreitamento e não poderá ser levada á bexiga, e n’esse caso deve-se ahi deixal-a por espaço de uma, duas, tres e mais horas até que ella comsiga passar; o mesmo pode dar-se em relação ao catheter, e o cirurgião, sem se impacientar, esperará o tempo que julgar necessário, podendo recorrer ao chloroformio nos casos de muita difficuldade. Como vimos, logo depois de praticada a operação, costuma-se passar na urethra uma sonda de gomma elastica, que oDr. Pereira Guimarães, Maisonneuve, Thompson e muitos outros aconselham, deixar ficar em permanência durante 24 a 48 horas ; o Conselheiro Saboia apenas a demora alguns minutos, para apreciar o diâmetro que a urethra adquirio, e o Dr. Antonio Maria Barbosa, cirurgião em Lisboa, afastando-se de todos, nem a emprega. Os primeiros sustentam que a principal vantagem da sonda é prevenir o con- tacto da urina com a ferida recente, e assim collocar o doente ao abrigo da intoxicação urinosa ; os últimos, porém, affirmam que a presença demorada da sonda provoca ordinariamente um traba- lho inflammatorio consecutivo á irritação do canal. Parece-nos prudente conservara sonda pelo menos por espaço de 24 horas, mantendo-a aberta ou arrolhada, havendo Teste caso o cuidado de esvasiar a bexiga diversas vezes. Retirada a sonda, torna-se conveniente introduzir sondas de diâmetro progressivo e gradual, havendo mesmo depois vantagens no emprego dos cathe- teres de Beniqué até o numero 42 ou 45. A urethrotomia interna é hoje o processo mais empregado e as suas indicações são numerosas. Nos indivíduos em que a sim- ples introducção de uma sonda é sufficiente para produzir calefrio seguido de febre, o que o colloca em condições desfavoráveis, e nos estreitamentos que produzem retenção de urina, desde que se consiga introduzir uma vela conductora, a operação é indicada, e quando ha fistulas é ella ainda preferível á dilatação, que exige mais tempo, durante o qual a urina continua a passar pelo trajecto fistuloso, difficultando a sua cicatrização. Depois da rapida descripção que acabamos de fazer, é preciso dizer que, principalmente Testa questão, como em muitas outras, não se pode estabelecer de antemão uma regra invariável, e só a pratica do cirurgião poderá presidir a escolha d'este ou processo de tratamento dos estreitamentos, que tanto variam, quer por circumstancias inherentes ao indivíduo, quer por condi- ções meramente occasionaes e fortuitas. Nos casos, muito raros, em que a retenção é devida á presença de uma valvula ou barreira do collo da bexiga, a primeira indi- cação é introduzir uma sonda curva, preferindo-se ordinariamente as de Mercier, e isto é, na maioria dos factos, possivel e suffi- ciente ; entretanto, se não o conseguirmos, e a retenção sendo completa exigir o esvasiamento urgente da bexiga, acreditamos perfeitamente bem indicada a puneção capillar e a aspiração de Dieulafoy. Se tivermos, porem, de dirigir especialmente a nossa attenção para a própria causa, é forçoso confessar que, apezar de todos os esforços para se debellar uma tal affecção, os processos operatorios aconselhados não obtiveram ainda inteira saneção da pratica. Assim, a cauterisação acha-se abandonada, e a compressão e a dilatação falham muitas vezes. Foram então fabricados diversos intrumentos para a incisão da valvula, como os de Guthrie, Ci- viale, Mercier e outros, que não impedem o apparecimento de accidentes desagradaveis e mesmo graves, como o ferimento do verumontanum, dos canaes ejaculadorés, sendo porem o prin- cipal a hemorrhagia mais ou menos intensa que pode sobrevir. Mercier, que diz ter operado pelo menos 3oo vezes, affirma que este ultimo perigo é menos receiavel com a excisão do que com a incisão, porque aquella esmaga os tecidos, comprovando a sua asserção com i5 casos em que o successo foi quasi completo ; dá a preferencia á excisão nas valvulas prostaticas, emquanto que nas musculares acha mais conveniente a incisão. Parece-nos pois que só deveremos recorrer a este tratamento, nos casos muito raros em que não pudermos melhorar o estado do individuo, recomendando-lhe o cumprimento das regras hy- gienicas, e esvasiando-lhe a bexiga todas as vezes que fòr neces- sário. Para terminar a nossa dissertação, resta-nos tratar unicamente da retenção de urina por causa prostatica, uma vez que omittimos outras causas que sobre serem de nenhuma frequência, não tem importância clinica, e cujo estudo excederia os limites d’este pe- queno trabalho. Quando vimos os meios a empregar nas retenções de causa inflammatoria e congestiva, dissemos o que convinha fazer nos estados puramente inflammatorios da próstata; assim, é reunindo o tratamento medico ao catheterismo que combatemos uma pros- tatite, abrindo pelo recto ou simplemente com a sonda urethral, quando possivei, o abcesso que se tiver formado n’aquella glandula. Falta-nos expor os resursos therapeuticos que são indicados nas retenções devidas á hypertrophia do orgão. Como em outras causas, a hypertrophia da próstata pode dar logar a uma retenção completa ou incompleta de urina e d’ellas trataremos separadamente; mas como não se tem podido até hoje debellar a causa da retenção, apszar dos meios aconselhados e que passaremos rapidamente em revista, quando tratarmos da retenção incompleta diremos o que convém então fazer. Nao é só devida ao augmento hypertrophico e grande desen- volvimento do orgão que sobrevem uma retenção completa, e or- dinariamente ella é devida á complicação do elemento congestivo ou inflammatorio, occasionada por um desvio de regimen ou in- fracção de regras hygienicas. A primeira indicação é pois afastar quanto possivei esta complicação, recorrendo-se a prescripções medicas, banhos, opio, etc., como meios preparadores ou coadju- vantes do catheterismo que, na grande maioria dos casos, é o primeiro senão o unico recurso a empregar. E1 raríssimo que não se chegue ao fim desejado quando praticado convenientemente, e outras circumstancias o não impedem. Os auctores divergem quanto á especie da sonda que deve ser empreguia, usando uns invariavelmente dos instrumentos metal- licos, e outros dos flexíveis; Thompson, Guyon, e com elles a generalidade dos clínicos modernos não empregam as sondas rijas a nao ser em casos excepcionaes, quando não conseguem o seu intento com os outros instrumentos. A fórma do obstáculo que temos de ultrapassar nos indica claramente que convém recorrer aos instrumentos curvos, havendo entretanto casos em que a evacuação da urina pode também ser feita com os rectos. São os instrumentos de gomma-elastica curvos ou cotovel- lados, de diâmetro correspondente ao dos ns. 16 ou 17 da escala de Charrière, que ordinariamente são preferidos e que preenchem quasi sempre as necessidades clinicas. O professor Thompson aconselha que é conveniente tel-os por muito tempo sobre um mandarim de grande curvatura, com o qual não devem ser intro- duzidos, mas cuja principal vantagem consiste na tendencia que conserva de augmentar a curvatura em consequencia*do calor da urethra, e não perdel-a, como acontece quando não houve esta previa preparação : antes de sua introducção convém não esque- cerde curvar para traz fortemente o pavilhão afim de facilitar a sua passagem. O mesmo auctor acha também de alguma vantagem a sonda ingleza ordinaria de gomrna, pela propriedade que tem de tomar rapidamente a fórma que se deseja quando mergulhada em agua quente, conservando a configuração dada sendo introduzida n’agua fria; mas, accrescenta que a sua manobra conveniente exige uma certa destreza. Tem-se ainda empregado outros instrumentos e que tem for- necido em certas occasioes alguns resultados, como as sondas de caoutchouc vulcanisado, as cotovelladas e bicotovelladas de Mer- cier, as de gomrna com mandarim que Guyon prefere nos casos difificeis ás sondas metallicas, que em casos excepcionaes são tam- bém de utilidade. Desde que o instrumento evacuador tem sido levado com toda a delicadeza á bexiga, não se deve de modo algum esvasial-a ra- pida e completamente, porquanto a mudança repentina e brusca das condições em que se achava pode trazer consequências deplo- ráveis, alem dfisso quando houver grande distensão de suas pa- redes é de rigor sempre, para retirar a urina, collocar o individuo em decúbito para evit ir-lhe uma syncope que pode ser mortal. O esvasiamente rápido do orgão pode acarretar-lhe uma congestão, produzir uma transsudação sanguínea que, se não tem em si grande valor, é muitas vezes causa de uma cystite. Na hypertrophia da próstata a primeira evacuação não é senão a precursora de outras, assim convém saber se ha vantagem em deixar a sonda em permanência. Os auctores divergem, opinando uns pela afirmativa e outros pela negativa; julgamos que não só a sonda em demora como o catheterismo repetido tem suas indicações, e não se deve absolu- tamente ser partidário exclusivo de um ou de outro meio. Em these, pratica-se o catheterismo repetido quando não tiver havido dificuldade na primeira introducção do instrumento evacuador, e no caso contrario ha indicação para deixar-se a sonda, principal- mente se tiver sido de gomma. Ha individuos que tem a próstata muito vascularisada e friável e, havendo o risco de se praticar um falso caminho, n’este caso ha toda a vantagem em deixar a sonda em permanência. A’s vezes é preferivel substituir a sonda de gomma por uma outra de caou- tchouc vulcanisado que, alem da propriedade de não se encrustar de saes calcareos, pela sua flexibilidade permitte ao doente alguns exercicios moderados. Nem sempre, porem, é possivel in- troduzil-a sem mandarim, e alem d’isso acontece ser expellida pela urina, inconveniente que Holt procurou obviar imaginando um par de azas em sua extremidade vesical, o que aliás pode ser uma fonte de irritação. Para conseguir o mesmo fim o Dr. Curtis, de Bolton, serve-se do collodio para tornar mais resistente o cabo do instrumento. Se apezar dos meios indicados não conseguirmos chegar á bexiga, de que meios deveremos lançar mão para a indicação ur- gente de retirar a urina ? O facto é raro, mas não exclue a sua possibilidade, razão porque corre-nos o dever de estar prevenidos na eventualidade que figuramos. Foi empregada a perfuração do obstáculo, e Lafaye executou-a na pessoa de Astruc que viveu ainda io annos, e mais tarde foi também praticada por Lenoir, Home, Brodie e Liston. Esta operação não ultrapassa hoje o dominio da historia e ninguém mais a pratica; em condições analogas acha-se também a operação da casa aconselhada por alguns auctores antigos. Em circumstancias taes a unica operação indicada é a puncção da bexiga. Thompson prefere a puncção pelo recto desde que o volume da próstata o permitte, praticando a puncção superpubiana no caso contrario, ou quando for obrigado a deixar a canula em per- manência. Actualmente que possuímos o apparelho aspirador de Dieu- lafoy, é ainda a elle que recorreremos tendo praticado a puncção hypogastrica com um trocater capillar. Já indicamos as suas van- tagens e citamos factos de práticos francezes cujos resultados depõem em seu favor. Em 22 casos apresentados por Pouliot de puncções superpu- bianas com um trocater commum praticadas por aífecçoes da próstata ou do collo, houve nove mortes das quaes oito devidas á própria puncção, emquanto que em uma estatística de Dieulafoy de 12 casos de retenção de causa prostatica, em que foi praticada a puncção capillar, não succumbio um só doente, nem mesmo houve o menor accidente, apezar de ter sido repetida em alguns até 11 e 14 vezes. Comtudo, se depois de muitos dias d’este tratamento não con- seguimos introduzir uma sonda, e não podendo o doente estar mais sob as vistas do pratico, é imprescindível praticar-se como ultimo recurso a puncção hypogastrica, deixando a sonda em demora, operação esta que apezar de seus perigos tem fornecido alguns casos favoráveis, e torna-se aqui necessária. Continuando o plano até agora seguido no tratamento da re- tenção incompleta, isto é, do tratamento causal, devemos per- correr rapidamente os meios empregados para combater a aífecção de que nos occupamos. Apezar de grandes esforços, e de investi- gações as mais bem dirigidas, pode-se dizer, de um modo geral, que não se conhece ainda hoje um meio de debellar a hypertrophia da próstata. Tem sido, entretanto, aconselhados recursos médicos e cirúrgicos; o tratamento medico é por emquanto incerto senão inefficaz, comtudo citaremos alguns medicamentos empregados para tal fim. Um dos mais antigos é a cicuta, pela propriedade que lhe attribuiam, desde Plinio, de «fazer fundir todos os tumores,» John Hunter empregou-a, e pela sua descripção parece ter sido em casos de prostatite, e Coulson também prescreveu-a, muitas vezes associada ao iodureto de potássio; mas apezar d’isso, o me- dicamento ainda não está sanccionado pela pratica e carece de observações. O mercúrio foi também indicado, e o chlorhydrato de ammo- niaco gozou, desde Fischer, de reputação na Allemanha, e Vanaye refere dous casos de successo. Stafford affirma ter colhido magníficos resultados com o iodo applicado interna e externamente, mas parece antes terem sido casos de prostatite quer simples quer complicando o estado hyper- trophico, e numerosos ensaios praticados depois não confirmaram as suas asserções. Tem-se recorrido ainda a diversas aguas mineraes, principal- mente as de Kreuznach, de cujo emprego diz Thompson não ter colhido resultados. Não ha muitos annos que se tem procurado reduzir o volume da próstata, por meio de correntes electricas ; Tripier, Demarquay e Caudmont, dizem tel-as empregado com successo, mas para isso são precisas numerosas sessões; no caso de Tripier, que o professor Thompson diz ser antes um augmento inflammatorio do orgão consecutivo a uma blennorrhagiá, foram praticadas 70 sessões repartidas por seis mezes e meio de tratamento. Não ha pois ainda um meio seguro, e os indicados actuam geralmente contra as complicações sem attingir a moléstia. Por outro lado o tratamento cirúrgico não tem sido também mais profícuo em resultados. Foram inventados diversos instrumentos para comprimir o orgão e dilatar o collo ; Leroy, a principio, empregou os metallicos rectos que introduzidos exerciam a compressão e dilatavam o collo fazendo-se uma pressão na sua extremidade externa, porém, reconhecendo a difficuldade de sua introducção, fez fabricar outros curvos, que tornava rectos depois por meio de um mechanismo situado no cabo. Ainda foram usadas sondas bicotovelladas, son- das de gomma curvas tornadas rectas, depois de sua introducção, por meio de um mandarim, e muitos outros instrumentos que não ha necessidade de enumerar. Thompson empregaria a com- pressão simplesmente com um tubo de caoutchouc dilatado pela agua, porquanto todos os outros meios podem occasionar uma irritação que não é sufficientemente compensada pelo pouco bene- ficio que produzem. Intentou-se ainda praticar incisões no obstáculo que fazia saliência para o lado do collo, e outras operações como a excisão, o esmagamento, a ligadura, sendo para esse fim fabricados diver- sos instrumentos como : os incisores de Guthrie, Civiale, Mer- cier, o excisor e o porta-ligadura de Leroy d’E’tiolles, o lithotridor de Jacobson e muitos outros. Estas operações são todas mais ou menos perigosas e de resultados incertos, e por esta razão não as aconselhamos, e nos limitaremos unicamente a palliar os incon- venientes que resultam da stagnação da urina na bexiga. Vejamos pois qual deve ser o modo de proceder nos casos de retenção incompleta de urina, quando causada pela affecção que estudamos. A primeira indicação a preencher é a evacuação da urina con- tida no reservatório, pelo menos uma ou duas vezes por dia, tornando-se, entretanto, necessário em certos casos que isto se faça mais vezes em 24 horas ; e como em tal emergencia nem sempre o cirurgião poderá pessoalmente praticar o catheterismo, é preciso ensinar 0 doente a sondar-se, o que ordinariamente conse- guirá com destreza, guiando-se por suas próprias sensações e pelos conselhos de seu assistente. E’ mais commummente á sonda de gomma que daremos a preferencia, sem deixar de reconhecer as vantagens que em certos casos fornecem as de caoutchouc vulcanisado, bem como as coto- velladas, ou em angulo, muito empregadas pelos cirurgiões francezes. Sempre que o caso requer, é de necessidade deixar, a princi- pio, a sonda em demora, e o catheterismo deve ser empregado emquanto a micção é acompanhada de esforços laboriosos. Um preceito que nunca convém esquecer é não esvasiar rapida e completamente a bexiga fortemente distendida, afim de prevenir as consequências graves que podem sobrevir, como a cystite su- per-aguda, muitas vezes mortal. Ha casos de retenção chronica incompleta com distensão das paredes vesicaes, que revestem summa gravidade e cuja termina ção fatal é mesmo muitas vezes apressada pela intervenção cirúrgica que, entretanto, torna-se necessária, porque se não a exercermos, o doente certamente succumbirá, emquanto que restam-lhe com a operação algumas probabilidades de cura, com o se tem observado. A atonia é uma consequência que costuma apparecer desd e que a bexiga não pode esvasiar-se durante um certo tempo, e as fibras musculares ordinariamente recuperam as suas propriedades depois de algumas sessões de catheterismo, que se forem insuffi- cientes indicam a necessidade de recorrer-se aos meios já estabe- lecidos quando d’ella falíamos. Outra complicarão, que frequentemente se mostra, é a cystite que muitas vezes cede unicamente ao emprego habitual da sonda; não se obtendo este resultado e o deposito que a acompanha não sendo sanguinolento, é vantajoso praticar-se uma lavagem com agua na temperatura de 37 a 38 gráos; sendo ainda usadas outras injecções emollientes e calmantes como a agua de papoulas, de malvas, etc., feitas uma, duas e mais vezes conforme as circum- stancias. Não tem também sido abandonadas e infructiferas as injecções adstringentes e acidas em soluções extremamente fracas, de acetato de chumbo, nitrato de prata, acido borico, etc. Thompson diz que colhe-se resultados com os banhos na tem- peratura de 38 a 40 gráos ou mesmo mais, nos quaes o doente não deve demorar-se alem de seis a oito minutos. Quanto ao emprego de medicamentos internamente, ha ainda divergências sobre o mérito de cada um d’elles, tendo sido entre- tranto empregados muitos com maior ou menor successo, como : a infusão de bucho, a copahyba, a cubeba, a terebenthina, a essencia de sandalo, as stygmas de milho, aguas mineraes, diversos saes, etc. Nos casos de irritabilidade de bexiga recorreremos aos seda- tivos e narcóticos, como suppositorios no recto de manteiga de cacáo com 10 a 20 centigrammas de extracto de opio, ou tres a seis centigrammas de morphina, a belladona, o meimendro, a camphora, etc, A alimentação deve ser nutriente, mas de facil digestão, e convém aftastar o mais possível o uso dos estimulantes e alcooli- cos ; o exercício moderado, e sobretudo a pé é de grande valor, os resfriamentos, principalmente dos pés, serão evitados, e emfim serão observadas muitas outras regras hygienicas que o pratico indicará. Procuramos mostrar tanto quanto nos foi possível a linha de conducta nos mais importantes casos de retenção de urina, em que for exigida a nossa intervenção, e Analisando aqui o nosso acanhado trabalho, diremos com o illustre pratico inglez, o pro- fessor Thompson, a quem tantas vezes nos referimos, que : « E’ preciso não esquecer que cada caso particular é por si mesmo um problema para cuja solução não se pode traçar ante- cipadamente uma regra fixa e invariável, tendo muitas vezes o clinico de contar só com o seu bom senso e os recursos que possue ; esta verdade, reconhecida por todos, é applieada a todos os ramos da cirurgia, mas convém sempre lembral-a quando tiver- mos de tratar as diversas complicações que podem sobrevir nas moléstias das vias urinarias. » CADEIRA DE PHARMACOLOGIA E ARTE DE FORMULAR Do opio chimico-pharmacologicamente considerado. I O opio é o sueco concreto do Papaver somniferum, planta da da familia das papaveraceas. Das especies de opio que se apresentam no mercado, as prin- cipaes são: o de Smyrna, o de Constantinopla e o do Egypto. II III Seu valor depende da quantidade de morphina que contem. IV E’ extremamente complexa a sua composição. V Para alguns pharmacologistas, nem todos os principios do opio são verdadeiros alcaloides. VI Os principaes alcaloides são : a morphina, a codeina, a nar cotina e a narceina. VII A reducção do acido iodico em contacto com a morphina é um bom meio de reconhecel-a. VIII Combinada com os ácidos fórma saes definidos dos quaes os mais empregados são : o sulfato e o chlorhydrato. IX A solubilidade da codeina no ether, a não reducçao do acido iodico, e a ausência de coloração azul ao contacto das soluções dos per-saes de ferro, são meios de distinguil-a da morphina. X A narceina contrahe com o iodo uma combinação de cor azul, que é destruida pela addição de agua fervendo ou de uma solução alcalina. XI A narcotina é solúvel nos oleos fixos e em alguns voláteis, e o acido iodico e os per-saes de ferro não tem acção sobre ella. XII A producçao de um deposito roseo, pela addiçao de uma so- lução de sulfo-cyanureto de potássio, distingue a narcotina dos outros alcaloides. XIII O opio presta-se a numerosas preparações pharmaceuticas, das quaes as mais usadas são : o extracto gommoso, o Laudano de Sydenham, o xarope diacodio, e o xarope de opio. CADEIRA DE CLINICA OPHTHALMOLOGICA Importância do tratamento antiseptico na cirurgia ocular. I O tratamento antiseptico basea-se na doutrina dos germens. II Data de pouco tempo o seu emprego em cirurgia ocular. Em ophthalmologia é de grande importância, pois, em geral, p5e o globo ocular ao abrigo da infecção. III Os resultados colhidos entre nós confirmam o que dissemos. IV V As estatísticas estrangeiras consignam igualmente suas van- tagens. VI Da escolha do germicida a empregar muito depende o seu resultado. VII Devem ser banidos todos os antisepticos em doses irritantes VIII De todas as substancias empregadas, a que mais vantagens tem oíferecido é o iodoformio. IX O acido borico, o acido phenico em fraca proporção, o acido salycilico e a resorcina, são também utilisados. X Mesmo fóra da intervenção cirúrgica os antisepticos são usados em ophthalmologia. XI Assim é que o hypopion keratitis cede quasi sempre ao emprego do iodoformio. XII Gomo meio prophylatico, e sempre que houver infecção manifesta, o seu emprego é indicado. CADEIRA DE PATHOIMA MEDICA Hypohemia intertropical. I A hypoemia intertropical é uma anemia própria dos climas quentes. II Sua causa determinante é o anchylostomo duodenal. III Encontra-se este nematoide em aguas empoçadas dos paizes intertropicaes. IV E’ no intestino delgado que elles fazem sua principal séde de acção. V Actuam depauperando o sangue e impedindo a sua recon- stituição. VI A perversão do gosto é um symptoma frequente n’esta mo- léstia. VII Sua marcha é chronica e progressiva. VIII O prognostico é, em geral, favoravel. IX Torna-se mais grave quando em estado adiantado ou com- plicada de tuberculose pulmonar, lesão organica do coração, etc. X Seu tratamento é prophylatico ou hygienico, e curativo. XI Deve ser tratada pelos vermicidas e tonicos. XII O leite de jaracatiá e o de gamelleira satisfazem quasi sempre a orimeira indicação. XIII Preenchem a segunda os ferruginosos e os tonicos amargos. I Quibus disparatas sunt urinse, iis vehemens est in corpore turbatio. (Sect. VII, Aph. XXXIII.) II Urinas difficultatem venas sectio solvit. Secandas autem sunt inferiores. (Sect. IV, Aph. XXVI.) III Renum et vesicse vitia in senibus cegre curantur. (Sect. IV, Aph. VI.) IV Si sanguis aut pus, cum urina redditur, renum aut vesicas exulceratio significantur. (Sect. IV, Aph. LXXV.) V Urina copiose de nocte redditur paucum alvi dejectionem signiíicat. (Sect. IV, Aph. LXXXIII.) VI Ad extremos morbos, extrema remedia exquisitè óptima. (Sect. I, Aph. VI.) Esta these está conforme os Estatutos. — Rio de Janeiro, 25 de Setembro de 1883. (br. Caetano de Almeida. (Br. (Benieio de Abreu. (Br. Oscar (Bulhões.