DISSERTAÇÃO <D-A.DEm.-A_ DE CXjIJXTICA.-MEDICA Noções sumularias sobre o (Aithritismo PROPOSIÇOES Tres sobre cada urpa das cadeiras THESE APRESENTADA A FACULDADE DE MEDICINA E DE PHARMACIA DO RIO DE JANEIRO 2E2x3o 20 de Oixin-Toro de 1806 POR João Rodrigues dlligeida Basto NATURAL DO ESTADO DA BAHIA FILHO LEGITIMO DE Antonio Ferreira d'Almeida Basto e D. Maria Carolina Nobre Basto AFIM DE OBTER 0 GRÃO DE Tloiitov em Sciencias Mc TYPOGRAPHIA E PAPELÃrTa DE -A-xitonio Tosé cta, Costa ITunes Rua da Quitanda, 51 e Rua de S. José, 64 RIO DE JANEIRO 1896 THESE DISSERTAÇÃO CA-IDEinA. IDE CXjiTIXTIOyK - BZEEDICA. Noções summaiias sobie o (Aithiitismo PROPOSIÇÕES Jres sobre cada urpa das cadeiras tasss APRESENTADA Á FACULDADE DE MEDICINA E DE PHARMACIA DO RIO DE JANEIRO Em 20 d.e 0-a.t-u.Ioro de 1896 POR João Rodrigues dAInjcida Basto NATURAL 00 ESTADO DA BAHIA FILHO LEGITIMO DE Antonio Ferreira d'Almeida Basto e D. Maria Carolina Nobre Basto AFIM DE OBTER 0 GRAO DE Doutor cm JSSciexxcsÃeis IMedico^Cirurgicas TYPOGRAPHIA E PAPELARIA DE J\.xxtoxiio 3"osé clsu Costa -bTvin.es Rua da Quitanda, 51 e Rua de S. José, 64 RIO DE JANEIRO 1896 Faculdade de Medicina e de Pharmacia do Rio de Janeiro DIREGTOR - Dr. Albino Rodrigues de Alvarenga. VICE-DIREGTOR - Dr. Francisco de Castro. SECRETARIO - Dr. Antonio de Mello Muniz Maia. LENTES CATHEDRATICOS Drs. : João Martins Teixeira Physica medica. Augusto Ferreira dos Santos .... Chimica inorgânica medica. João Joaquim Pizarro Botanica e zoologia medicas. Ernesto de Freitas Crissiama .... Anatomia discriptiva. Eduardo Chapot Prevost Histologia theorica e pratica. Arthur Fernandes Campos da Paz . Chimica organica e biologica. João Paulo de Carvalho Physiologia theorica e experimental. Antonio Maria Teixeira Matéria medica, Pharmacologia e arte de formular. Pedro Severiano de Magalhães . . . Pathologia cirúrgica. Henrique Ladisláo de Souza Lopes Chimica analytica e toxicologica. Augusto Brant Paes Leme Anatomia medico cirúrgica. Marcos Bezerra Cavalcanti Operações e apparelhos. Antonio Augusto de Azevedo Sodré . Pathologia medica. Cypriano de Souza Freitas ..... Anatomia e physiologia pathologicas. Albino Rodrigues de Alvarenga . . . Therapeutica. Luiz da Cunha Feijó Júnior Obstetrícia. Agostinho José de Souza Lima . . . Medicina legal. Benjamin Antonio da Rocha Faria . Hygiene e mesologia. Antonio Rodrigues Lima Pathologia geral. João da Costa Lima e Castro .... Clinica cirúrgica-2a cadeira. João Pizarro Gabizo Clinica dermatológica e syphiligraphica. Francisco de Castro Clinica propedêutica. Oscar Adolpho de Bulhões Ribeiro . Clinica cirúrgica-ia cadeira. Erico Marinho da Gama Coelho . . Clinica obstétrica e gynecologica. Hilário Soares de Govêa Clinica ophtalmologica. José Benicio de Abreu Clinica medica-2a cadeira. João Carlos Teixeira Brandão . . . Clinica psychiatrica e de moléstias nervosas. Cândido Barata Ribeiro Clinica pediátrica. Nuno de Andrade Clinica medica-Ia cadeira. LENTES SUBSTITUTOS Drs. : la secção Tiburcio Valeriano Pecegueiro do Amaral. 2a » Oscar Frederico de Souza. 3a » Genuíno Marques Mancebo e Luiz Antonio da Silva Santos. 4a » Philogonio Lopes Utinguassú e Luiz Ribeiro de Souza Fontes. 5a » Ernesto do Nascimento Silva. 6a j) Domingos de Góes e Vasconcellos e Francisco de Paula Valladares. 7a » Bernardo Alves Pereira. 8a » Augusto de Souza Brandão. 9a » Francisco Simões Corrêa. 10a » Joaquim Xavier Pereira da Cunha. 11a » Luiz da Costa Chaves Faria. 12a » Mareio Filaphiano Nery. N. B.-A Faculdade não approva nem repprova as opiniões emittidas nas theses que lhe são apresentadas . DISSERTAÇÃO Noções summarias sobre o arthritismo PREFACIO Escolhemos para ponto de these um assumpto excessivamente vasto, tornando-se difficil restringil-o o mais possível. Nossa pretenção não chega a tal ponto de fazer um trabalho original, seria muita audacia de nossa parte; pelo contrario é baseado na leitura das obras dos mestres. Esse estado constitucional, istò é, o arthritismo, que é frequentís- simo entre os povos, e vemos seu dominio ampliar-se cada dia; mesmo assim o seu conhecimento não corresponde de modo algum a fre- quência nem seu estudo oíferece para todos os pathologistas um assumpto de applicação verdadeira, e por essa razão poucas obras de pathologia se occupam com sua perfeita descripção. Presentemente seu estudo é bastante difficultoso, não só porque muitos symptomas são communs á outras perturbações do organismo, como também devido a symptomotologia bastante variavel podendo ser confundido com outros estados morbidos. Fóra de qualquer hypocrisia, esboçar uma monographia do arthritismo é uma tarefa difficil, principalmente para quem ainda no começo da lucta pela vida sem conhecimentos sufficientes, somente com o fim de cumprir um regulamento, ousa discutir um estado morbido qualquer com o fim de receber os loiros d'essa batalha de seis longos annos. Attrahido desde o começo de meu tirocínio académico por este monstro pathologico que dilacera nosso organismo, vendo em pes- soas de minha familia os estigmas caracteristicos e em algumas a terminação da vida por uma das manifestações do arthritismo, entendemos convergir os nossos estudos para essa perturbação organica digna de toda a attenção, consideração e grande interesse. 2 0 arthritismo é a moléstia do século e talvez a maior porção do globo se não é victimada é mais ou menos attingida por elle. Talvez sómente as pessoas que habitam nos campos, graça á sua hygiene natural escapam a esse mal, dando-se o contrario para os habitantes das grandes cidades nas quaes quasi todos se tornam arthriticos. Ha muito tempo Marchai previa este estado de coisas quando elle dizia graciosamente. «L'humanité tourne a 1'aigre ; la grand diathèse humaine c'est Facidisme.» Em vez de melhorar essa tendencia, pelo contrario, tende a se accentuar; consequência fatal de nossa vida fóra dos limites, de nossa surmenage intellectual e physica, do abuso do álcool e do tabaco d'uma alimentação viciosa não só em sua qualidade como quantidade, íinalmente d'uma falta de hygiene, base da vida sem a qual é difficilimo viver. Parece-nos que esse mal já se acha bastante enraizado para desapparecer tão depressa. Como quer que seja não se o poderá attenuar com essa ordem de coisas. A hygiene, qualquer que seja sua alta importância biologica, deve ter como primazia as propriedades prophylacticas e não paleativas. O tratamento hygienico deve sempre sobrepujar ao da phar- macia que ás vezes devido á incompetência d'aquelles que não sabem differenciar o tratamento raccional do empirismos, ou mesmo faltos de cuidado em logar de melhorar o paciente vêm pôr em evidencia outros estados morbidos que se achavam latente. Formulada como these geral, esta proposição talvez pareça excessiva. De qualquer modo que queiramos encarar, o descrédito muitas vezes justificado, dos medicamentos no tratamento das moléstias, não tem, quanto ao essencial senão ao modo irracional pelo qual se os emprega. Presentemente diz o Dr. Oscar Junnings ; «Je temps vaut a 1'argent, 1'argent prime tout et chaque heure est comptée, les mala- dies insistent pour être traités, cito tuto et jucunde. » 3 PRIMEIRA PARTE HISTORICO Da mesma maneira que toda opera possue sua ouvertura que dá ao espectador «la mise en train», da mesma maneira que um livro tem. seu prefacio que põe o leitor ao corrente da situação ; d'esta mesma maneira o estudo do arthritismo tem também seu prefacio, sua ouvertura, isto é, deve ser iniciado pelo seu historico. A noção geral relativa ao arthritismo apresenta um complexo de variações, segundo as pessoas attingidas. Antigamente só se conhecia dois estados morbidos constD tuindo o quadro nosologico do arthritismo que elles denominavam arthritis, que eram o rheumatismo e a gotta, quando conhece-se hoje que são manifestações d'esse vicio de nutrição localisando-se nas articulações. Vários pathologistas occuparam-se d'essa perturbação do orga- nismo que elles denominavam arthritis, como sejam: Chomel, Grizolle e Bazin e este ultimo se nãô foi o primeiro a proclamar a identidade d'esses estados morbidos, em todo caso n'essa epocha, por suas informações, por suas publicações e de seus discipulos contribuiu a espalhar entre os médicos suas theorias. Elle admittia duas classes distinctas entre as moléstias inhe- rentes ao organismo, uma constituida pelas diatheses caracterisadas pela formação de um unico producto morbido, podendo ter sua séde indifferentemente em todos os systemas orgânicos como sejam (a diathese tuberculosa, cancerosa etc.) ; a outra comprehendendo as moléstias constitucionaes (diatheses polygenicas de E. Gintrac) que se manifestavam por um conjuncto de productos morbidos e de affecções muito variadas desenvolvendo-se igualmente sobre todos os systemas orgânicos como sejam, a escrofola a syphilis, pertencendo o arthritismo n'essa epocha a esta ultima classe que Bazin definia : uma moléstia constitucional, não contagiosa, cara- cterisada pela tendencia a formação d'um producto morbido ( o tophus ) e por affecções variadas da pelle, do apparelho locomotor, e das visceras, as quaes affecções tendiam geralmente á resolução. 4 Esse pathologista tinha uma denominação especial para as differentes affecções da pelle que sobrevinham debaixo da influencia do arthritismo, em opposição ás herpetides, produzidas pelo herpe- tismo, ás scrofulides, produzidas pela scrofula, ás syphildes resultado da syphilis e essa denominação era arthritides: Para Gintrac, a palavra arthritides era dada ás manifestações cutaneas da gotta. Gomo já falíamos os antigos denominavam esse estado morbido, o arthritismo, sob o nome de arthritis devido á séde de predilecção pelas articulações e só reconheciam o rheumatismo e a gotta, que confundiam em uma descripção commum ; de tal sorte não esta- belecendo entre estas duas affecções uma separação bem nitida. Certos médicos, diz Coelius Aurelianus (Morb. chron. lib. V cap. II ) chamam a moléstia arthritica um genero e a podagra uma especie. Porém elles apressam-se em accrescentar que estes nomes expri mem unicamente uma differença de séde, não tendo importância na pratica. Alguns autores são levados a pensar que, na antiguidade, o rheumatismo articular era uma affecção pouco frequente, isto é, não desonvolvia-se com tanta intensidade como a gotta, e já Syde- nham tinha emittido uma opinião muito analoga. Entretanto a palavra rheumatismo já se encontrava algumas vezes nas obras gregas e latinas, ainda que não fosse no sentido em que nossos dias se attribue, empregando-se geralmente para designar toda especie de fluxão humoral. Foi Baillou que primeiramente descreveu, como distincta da arthritis, uma affecção que correspondendo evidentemente ao rheu- matismo articular agudo, tal qual nós á conhecemos hoje. Elle lhe deu, não se sabendo verdadeiramente porque, o nome de rheumatismo; desde então, a maior parte dos médicos deixaram de confundir esta affecção com a gotta, e a palavra arthritis cahiu gradualmente fóra de uso. 5 Depois d'isto esta expressão ressuscistou para alguns autores, especialmente Bazin, que definia uma moléstia constitucional, não contagiosa, caracterizada pela tendencia á formação de um producto morbido ( o tophus) e por affecções variadas da pelle do aparelho locomotor e das visceras, terminando-se geralmente pela resolução. Reconhecendo-se de alguma sorte, segundo esta definição, que este illustre pathologista approximou-se da doctrina da identidade, já sustentada por eminentes autoridades contemporâneas, entre as quaes citaremos Chomel Requin e Grizolle. Pidoux considerava o rheumatismo e a gotta, senão como duas moléstias idênticas, ao menos como duas affecções conge- neres, nascidas sob o mesmo terreno e que saccavam seus princi- paes caracteres de um fundo commum. Ora esse tronco commum d'onde partem simultaneamente o rheumatismo e a gotta, é o arthritismo, expressão que Piedoux fez quasi o synonimo de asthritis, na linguagem de M. Bazin. Os antigos não davam a palavra arthritismo a accepção tão ampla que hoje dá-se. Elles denominavam assim o rheumatismo e a gotta confun- didos em uma descripção commum : articulorum passio. Desde quando houve uma distincção clara entre estes dous estados morbidos, isto é, logo depois dos trabalhos de Baillou (Século XVII) que a palavra arthritis, que não tinha mais razão de ser cahiu fora de uso, desapparecendo da linguagem medica, resuscitando na primeira metade d'este século por Gintrac e Bazin, applicando-se um a gotta, o outro a um estado morbido constitu- cional, comprehendendo ás vezes o rheumatismo e a gotta consi- derados como duas variedades de uma mesma moléstia, ou então, servindo-se da comparação de Pidoux, « como dous ramos ema- nados de um mesmo tronco.» Depois, a denominação de arthritismo conservada na lingua- gem médica por Gazalis e Noel Guéneau de Mussy é presente- mente empregada por Bouchard com o fim de designar uma diathese que se caracterisa por nutrição retardada. 6 Casalis dizia antigamente que .a arthritis era uma diathese con gestiva, opinião adoptada por Seneca ; e H. Huchard, finalmente, assim caracterisando clinicamente a arthritis por sua tendehcia às poussées congestivas e artéria esclerose.- : i . ■£ Actualmente a palavra arthritismo serve para designar uma constituição mórbida que predispõe a um certo numero de moléstias, tendo , entre si estreitados laços de parentesco, ainda que differentes em suas modalidades particulares. . ? < ? Passaremos rapidamente em revista as opiniões as mais .acre- ditadas nos reservando o direito de adoptar a que nos parecer melhor fundada e de encadear em todos os casos os factos bem conhecidos e indiscutíveis das hypotheses e das probabilidades. Antes de entrarmos em considerações de summa importância e de paaior valor continuaremos o esboço historico d'esse estado com o fim de tomarmos uma estatistica em ordem. Como já dissemos a denominação de arthritis muitos patholo- gistaS e médicos consideravam e reuniram junctamente, a gotta e o rheumatismo, e a qualificação de arthritico que sê dava de facto, ao rheumatismatico ou ao gottoso, hoje não devem ser tomadas em sua accepção etymologica absoluta. As determinações articulares que tem ferido incontinente a atten- ção e que tiraram a designação primeira, não são as únicas que pertencem á moléstia constitucional em que o rheumatismo e a gotta representam os dois typos principaes. A gotta já era conhecida por Hyppocrates, foi claramente assi- gnalada a partir do fim do Império Romano não só por médicos eminentes taes que : Arétèo, Celso, Galeno e mais tarde Alexandre de Tralles, Actius e Paulo d'Egina, como também por poetas e historiadores, como Ovidio Seneca, etc. Os Árabes na idade média já a conheciam, e as obras dos médicos dos tempos modernos nos informam a respeito de sua frequência. Segundo os autores os mais recentes, a gotta observa-se de preferencia em certos paizes do globo, principalmente em Ingla- terra, em alguns departamentos da França e da Allemanha. 7 Quasi desconhecida nas regiões equatoriaes, se a encontra principalmente nos europeus que são attingidos pela herança. Mais commumente attingidos esses povos tilvez influenciados pela boa alimentação e os excessos da cerveja causas attribuidas geralmente á gotta. A primeira d'estas causas foi assignalada desde muito tempo; entretanto nota-se que certas pessoas muito sóbrias ficam gottosas, emquanto que outras que se dão a grandes excessos deixam de ser, de sorte que esta causa está longe de ter a importância que se lhe attribue. Na Inglaterra, em sua capital Londres, onde o uso da cerveja é exaggerado, tem sido assignalada, primeiramente por Sudamore è mais tarde por Watson e Budd como uma causa frequente da gotta. Garrod que tem observado o mesmo facto notou que os empregados das grandes fabricas de cerveja são frequentemente attingidos d'esta moléstia, para fóra de toda predisposição hereditária. Observando-se que não é pelo álcool que as cervejas inglezas tornam-se perigosas, desde quando ellas são as que contém menos álcool encerrando 5 p. 100 d'este producto, emquanto que a cer- veja forte contém 8 p. 100. De tal sorte, segundo esta observação, são também os fermentos que entram na confecção d'essa bebida que faz a producção da gotta devido ao uso excessivo, elevando em certas condições o quantum de acido urico no organismo. O vinho é igualmente accusado de produzir a gotta, segundo os autores inglezes, obrando como causa occasional desde quando já ha uma predisposição do organismo, isto é, a hereditariedade d'esta moléstia, e é commum em Inglaterra encontrar-se familias em que a maior parte dos membros são attingidos por essa moléstia. Autores litterarios como Luciano, Horacio, Ovidio e Seneca fazem allusão á gotta. Seneca, em uma satyra sobre as mulheres diz que desde quando ellas teem em parte vicios proprios dos homens expoem-se as moléstias que lhe são peculiares. 8 Um medico chamado Radulfe, em 1.270 empregou a palavra gotta no sentido de podagra. Depois d'elle, Guillaume Saliceti, Gordon e Guy de Ghaulice confundiram uma multidão de moléstias sob este nome. A palavra gotta sobreviveu, e Baillou em 1560 e 1616 tentou fixar esta palavra e de circumscrever a expressão rheumatismo, que, antes d'elle, tinha uma significação bastante variavel. Baillou fez do rheumatismo o synonimo de dôres das partes externas, a mobilidade era um dos seus caracteres. No século XVII e XVIII acreditavam que as concreções gottosas eram depositos d'um sal tartrico que se accumulava no sangue. Sydenham deixou uma descripção notável da gotta dando como origem uma matei ia peccante, que resultara d'uma cocção imperfeita. Sobre o rheumatismo agudo elle é pouco explicito mas dá uma boa nosographia do rheumatismo articular chronico. Baglive parece esquecer os trabalhos precedentes e chama indifíerentemente podagra ou rheumatismo todas as affecções arthriticas. Boerhaave e seu discipulo Van Swieten attribuiam a origem da gotta a perturbações gastricas. Cullen insiste sobre a inflammação e a influencia do frio, como pertencentes ao rheumatismo ; e a gotta sendo o resultado ao contrario d'um enfraquecimento do systema nervoso nos pletho- ricos se traduzindo por uma atonia das extremidades e pertur- bações gastricas. O rheumatismo é sobretudo tomado no sentido de moléstia muscular, e a gotta no de moléstia articular. Scheele descobriu em 1775 o acido urico, entrando, por isso em nova phase a historia da gotta. Ainda Scudamore attribuia esta moléstia a uma assimilação incompleta dos alimentos apoz perturbações gastricas e intestinaes, como também ás lesões vasculares consêcútivas ; 9 Todd, acredita em uma plethora local, a influencia do figado e do estomago produzindo uricemia. Parry é partidário da plethora pura. Garrod demonstrou a presença do acido urico no sangue dos gottosos pelo processso do fio, em 1848; e attribuiu o ataque de gotta á impermeabilidade do rim, o acido urico em excesso tendia a se depor ao redor das articulações. 0 professor Huchard é da mesma theoria do professor Garrod. Bence Jones, approximando-se da opinião de Beneke, conside- rava a gotta como uma aflécção devida á falta de oxydações. Copland fez allusão á um esgotamento do systema nervoso. Broussais considerava o rheumatismo e a gotta como manifesta- ções d'uma gastro-arthrite. Barthez, em 1803, fez d'estis duas afíecções uma moléstia con- genere das articulações. Em 1813 Chomel não fallava senão da inflammação dos sys- temas musculares e fibrosos, preferindo a expressão de rheumatismo articular á de fibroso, devido aos phenomenos que se passavam ao nivel da articulação, negando toda localisação visceral, ou das synovias. Entretanto no fim de sua vida, havia deixado suas idéas exclusivas influenciado pelos trabalhos de Bouillaud. A separação do rheumatismo articular agudo do ataque de gotta foi desembaraçando-se aos poucos, ainda que em suas fôrmas chronicas, o rheumatismo apresente deformações que se approximam e podem confundir-se mesmo com as da gotta e de certas affecções nervosas. Lobstein, em 1833, descreveu as alterações e as vegetações apresentadas pelas superfícies articulares. Bouillaud estabeleceu a relação de continuidade entre o rheuma- tismo articular agudo, os rheumatismos articulares chronicos e visceraes. Certos autores como Klebs e Hueter consideiqam esta manifes- tação resultando d'uma pirexia infectuosa. Pfefer e Hotop fazem intervir a embolia cardiaca primitiva, e Heymann explica-as por uma acção reflexa dos centros nervosos. 10 0 professor Bouchard, partidário d'uma theoria humoral, acceita essa derradeira acção, porém como produzindo a formação de certos productos tendo como causa uma desascimilação incom- pleta que, por sua parte, provocava o ataque de rheumatismo. Gintrac não trata do rheumatismo em nenhum capitulo de sua nosologia, fallando somente da gotta a qual elle chama arthritis. Baglivi ainda que não ignorasse a selecção já feita continuou a chamar indifferentemente podagra o rheumatismo toda affecção arthritica. Boerhaave, não fixou sua attenção d'uma maneira precisa sobre a distincção dos dois estados morbidos senão durante a convalescença d'um rheumatismo grave que o tinha retido alguns mezes ao leito. Percorreu então, com toda solicitude que excita os soffri- mentos pessoaes, os autores antigos e modernos para achar as informações relativas á sua própria moléstia; «sed non multum bonae frugis invenit proeterquam in solo Sydenham». Durand-Fardel indica ao rheumatismo os caracteres seguintes : Io. As dôres são independentes e isoladas de outro qualquer acto morbido ; 2o. Elias não têm séde senão no tecido fibroso ; 3o. São inconstantes e reincidem. E' o que Besnier chama a nevropathia rheumatismal constitucional. Senator, para melhor fazer comprehender a independencia d'estas duas fôrmas de rheumatismo, diz que o rheumatismo arti- cular chronico sobrevem ao rheumatismo agudo como uma bron- chite pode persistir em um sarampão. De tal sorte, por estas considerações, estes autores queriam que a arthritis attingisse sómente ás articulaçães, e sabe-se que outros orgãos também soffrem. Galeno escreveu á proposito das erupções cutaneas « Quaedam horum ex podagra et articulari morbo, qusedam ex sese oriuntur.» Estas formas agudas ou chronicas do arthritismo, isto é, mani- festações articulares, eram consideradas somente como constituintes 11 do quadro nosologico do arthritismo, como sejam, a gotta chronica c aguda, o rheumatismo articular agudo,sub-agudo e chronico com suas variedades, rheumatismo chronico simples, chronico fibroso, osseo e suas sub-variedades, osseo-multi-articular, osseo parcial, osseo das phalanges, nodosidades d'Heberden e provavelmente também nodosidades phalangianas de Bouchard. Comparando-se a longa lista das manifestações ditas ab-arti- culares do arthritismo e a relativamente curta de suas manifestações articulares que constituia o quadro nosologico do arthritismo, se verá que realmente essas gozam apenas de uma propriedade episódica na evolução da moléstia. Sim, a vivacidade das dôres que ellas se acompanham, a reacção intensa que ellas determinam no organismo, o apparato solemne e grave que lhe dá occasião, o cortejo dos accidentes visceraes agudos que vêm entrometter-se, os precedentes immedia- tamente acompanhando-os ou seguindo-os, tudo isto mostra que seu apparecimento coincide com os periodos os mais activos da existên- cia do principio morbido. Em uma outra ordem de factos, sua chronicidade que enve- nena a existência inteira e alonga singularmente o episodio lhe faz attribuir a justo titulo uma gravidade e uma attenção sustentada da parte dos partidários d'essa doutrina. Demonstrando que a significação d'estas palavras arthritis gotta e rheumatismo não tem jamais cessado de ser um assumpto de discussões, de incertezas e de enganos e de tal forma havendo uma dessidencia difficil entre os mestres. 0 arthritismo produz manifestações ab-articulares e talvez de maior gravidade que estas manifestações articulares. A asthma, a arterio-sclerose, a nephrite intersticial, certas affecções que se installam suavemente, lentamente, surdamente, sem a coincidência das localisações articulares, tem principalmente sua importância e matam o doente mais seguramente que a gotta e o rheumatismo com seu grande motim. 12 Para o lado da pelle encontramos o eczema, os erythmas de ordens diversas, a acne, o pityriasis, o psoriasis etc. No tecido cellular os tophus, as nodosidades sub-cutaneas rheumatismaes e gottosas, a transformação fibrosa d'esse tecido que forma a ganga, a argamassa, da maior parte dos orgãos da economia. Para o lado dos musculos encontramos o rheumatismo mus- cular vago ou localisado, a gotta, as caimbras, e as atrophias. Nos nervos, as nevralgias. No systema nervoso central as enxaquecas, as cephaléas, as vertigens, certas formas de choréa, a irritação espinhal, a gotta me- dullar, as formas delirantes cerebraes do rheumatismo eda gotta etc. No systema vascular, as lesões cardiacas, como sejam, as endocardites, pericardites e myocardites, as arterites, o atheroma arterial, as virizes e as phlebites. No apparelho respiratório as epistaxis, as coryzas especiaes, certas variedades de bronchites e congestões pulmonares ou de laryngites. No tubo digestivo as dyspepsias, a dilatação gastrica e suas formas agudas, sub-agudas e chronicas, o catarro intestinal as hemmorrhoidias que podiam também ser classificadas nas perturba- ções do apparelho vascular. No figado a litbiase biliar e a congestão. Na bexiga, as cystites. Nos orgãos dos sentidos, diversas lesões para os olhos e os ouvidos. Em uma palavra, todas as manifestações ab-articulares do arthritismo, vagas, sem se fixarem evidentemente em nenhuma parte, tornando infelizes e realmente doentes tantos pobres paci- entes que se chamam hypochondriacos nevropathas. Segundo Bouchard também estão comprehendidas no numero das manifestações arthriticas todas as entidades mórbidas que se acham na dyscrasia acida : o rachitismo, a osteomalacia a obesi- dade, o diabete, a gravelle, etc. Gomo bem dizia Tardieu não ha perturbação organica em que o estudo esteja cercado de mais obscuridades. 13 Com effeito a variedade de formas, a irregularidade da marcha, complicam singularmente a descripção, tornando-se extremamente difficil limitar entre affecções observadas como symptomaticas de outras moléstias aquellas que pertencem verdadeiramente ao arthritismo. Não é nos serviços de enfermarias, e sim na clinica particular que pódemos estudar este estado constitucional e suas consequências, debaixo de suas differentes fôrmas ; desde quando os doentes não se prestam a uma observação em ordem, e antes do tempo necessário exigem alta. Além das manifestações que já citamos para as outras partes do organismo, faltaremos das manifestações que se passam para o cerebro, como sejam, a epilepsia,, a hypochondria e a loucura, baseadas em observações escriptas nos diversos autores não só modernos como antigos. Não hesitamos em afíirmar a vertigem gottosa„ desde quando Van Swièten, realmente, refere o caso seguinte citado egualmente por Barthez e Trousseau. Trata-se de um homem que quando achava-se sentado nada sentia, e no momento, em que levantava-se era acommettido de uma vertigem violenta que o fazia cahir, permanecendo no espaço de dois annos n'este estado, não obstante os medicamentos que lhe eram admi- nistrados por médicos importantes. Desde quando lhe appareceu um accesso de gotta desappa- receram completamente essas vertigens. O professor Bouchard também exprime-se da maneira se- guinte : as vertigens premonitórias da gotta pódem apresentar gráos muito variaveis de intensidade. Não sei se poderemos comparar esse facto ao paludismo sem febre como è commum encontrar-se qualquer manifes- tação athermica ( arthritis larvata denominada por Stoll) diffi- cilima de diagnosticar-se devido á mascara que á encobre. Ainda poderemos apresentar uma outra observação do illustre mestre Trousseau. 14 Havia estreitadas relações entre esse pathologista e um major inglez que soffria já ha muito tempo de enxaquecas, vindo com uma tal periodicidade de duas quartas-feiras, um que elle sabia uma hora antes de apparecerem os accessos. Esses eram tão regulares em sua marcha e em sua duração, que, coisa mais notável ainda, elle podia dizer quando acabavam. Os accessos duravam realmente algumas horas, deixando o doente em um estado de perfeita saude. Tempos depois, uma manhã, elle queixou-se de dores em um dos pés; Apparecendo-lhe uma tumefacção com vermelhidão considerável demonstrava que se tratava de um accesso degotta aguda bem franca. Essas diversas manifestações do arthritismo, essas diversas pertur- bações funccionaes ou materiaes que o constituem, encontram-se nos ascendentes ou nos descendentes constituindo assim verdadeiras mo- léstias de familias e uma familia de moléstias, em que a affinidade é devida a uma alteração primitiva da nutrição que lhe é commum, porém, produzindo, segundo a especie, de preferencia sobre tal ou qual apparelho particular. A ignorância do laço que estreita as moléstias arthriticas, constituindo a unidade arthritica, ignorância resultante da idéa que se fazia dos estados constitucionaes que se denominavam diatheses, para nós, a unica causa que tem impedido de reconhecer a verdadeira natureza de certas moléstias. Não desejamos accusar todos os arthriticos como doentes, nem todas as moléstias como de natureza arthritica; longe de nós tal pensamento. Porém se todos não tem, seja em seu presente, seja em seu passado, uma ou algumas das affècções mais ou menos graves, mais ou menos sérias que entram no quadro do arthritismo, são pelo menos candidatos perpetuos a estas affecções; candidatos em que a ambição pela vida ou pelos seus prazeres os arrastam. A vida é muito agradavel para um certo numero de pessoas que seguem a norma de viver para comer, não dando impor- tância aos sõffrimentos consecutivos de seus organismos e julgam que o abuso da alimentação é a vida. 15 Pobres infelizes; A ignorância e a suspeita os encaminham para uma estrada o mais das vezes escabroza. Esses indivíduos não admittem uma nutrição normal, desconhe- cendo o papel da alimentação perante nosso organismo; devendo ser introduzida e destruída, sem se accumular no orga nismo, apresentan- do-se aos emunctorios em um grão mais completo de oxydação: Quando essa elaboração não é completa, portanto havendo uma diminuição insufficiente de productos da vida cellular, tendo como causa uma perversão original da nutrição, póde dar em resultado um certo numero de estados morbidos caracterisados pelo accumulo no organismo de um ou de alguns princípios im me- diatos, ou outros productos incompletamente elaborados. Havendo um desenvolvimento de ácidos orgânicos que tem por origem seja as matérias vindas da desascirnilação dos tecidos, sejam aos princípios immediatos orgânicos dos elementos. Sabemos que as matérias azotadas, as matérias organicas tornarias (gorduras, amido, etc.) pódem umas e outras formar ácidos decom- pondo-se ; dando logar á destruição da matéria azotada, á pro- ducção de quatro ordem de compostos: Io. Compostos azotados entre os quaes os ácidos urico, hypurico, oxalurico; das transformações ulteriores do acido urico e do oxalurico na economia póde se originar o acido oxalico, que não é azotado. 2o. Compostos assucarados que podem se transformar em ácidos, como o acido láctico e seus derivados. 3o. Corpos como a cholesterina e os ácidos graxos voláteis ; ácidos caprylico, valerico, butyrico, acético e oxalico. 4o. O enxofre, que põe em liberdade a matéria albuminoide. Mesmo que admittamos que cada indivíduo, segundo sua idade, seu sexo e suas origens hereditárias, goze de uma taxa nutritiva particular, que as mudanças nutritivas se effectuem com uma rapidez deter- minada, podendo a taxa nutritiva variar no mesmo indivíduo sem que haja alteração da saude, porém em limites bastante estreitados e d'uma maneira passageira. 16 Podemos ainda admittir que não obstante a elasticidade das variações individuaes, ha uma taxa média natural, concluindo-se que todo individuo que traz ao nascimento um modo nutritivo notavelmente differente d'aquelle que caracterisa os outros individuos sãos de sua idade, de seu sexo e de sua raça, ou uma taxa inferior á média, acha-se predisposto por suas qualidades innatas a certas moléstias da nutrição. Podemos conceber também que as condições desfavoráveis nas quaes póde effectuar-se a procreação e a gestação, sejam capazes de crear uma taxa nutritiva anormal desde a vida uterina. De qualquer modo, não ha duvida que certos individuos nascem com um typo nutritivo já desviado do typo médio de sua raça, provindo d'ahi este vicio de nutrição denominado arthritismo. Bouchard diz que ha nutrição retardada : Io. Quando após a ingestão d'uma quantidade determinada de alimentos o organismo gasta um tempo mais considerável que no estado normal para voltar ao seu estado primitivo. 2o. Quando a ração de entretinimento pode ser mais fraca que a normal. 3o. Quando, o peso do corpo augmenta com a ração normal. 4o. Quando, com a ração de entretinimento, a quantidade dos excreta é menor que a normal. 5o. Quando durante a abstinência, a quantidade dos excreta é menor que a normal. 6o. Quando vê-se apparecer nos excreta productos incomple- tamente elaborados: o acido oxalico, os outros ácidos orgânicos e os graxos voláteis. 7o. Quando accumula-se um ou alguns principios immediatos, a alimentação sendo fóra d'isso normal. 8o. Quando ha mais que no estado normal, um abaixamento da temperatura do corpo durante o repouso e abstinência ; parti- cularmente durante o somno. Estes caracteres embora se liguem, podem raramente observal-os juntamente. 17 " Basta que ?um só entre ; elies seja claramente estabelecido. Ora se os encontra isolados ou associados em um certo numero de moléstias que se acham frequentemente no mesmo indivíduo, em diversas idades, ou em uma mesma familia, em algumas,gera- ções ou em alguns, membros da mesma geração. _ ■ Essas moléstias são: a dyscrasia acida,.., a oxaluria, a lithiase biliar, a obesidade, o diabete e a gravelle Moléstias essas das quaes existem uma especie de parentesco, ainda que differenciando-se em sua séde, constituindo uma mesma familia de moléstias, devido a uma perturbação, uma diathese que se apodera chamar oligotrophica, indicando que a nutrição transforma menos matéria em um tempo dado : ou ocnotrophica para indicar a negligencia das mutações nutritivas, admittindo Bouchard que se adopte um neologismo proposto por Landouzy e a chamar brady- trophica, por causa da lentidão das mutações nutritivas. Porém o habito tem prevalecido até aqui de chamar a essa diathese o arthritismo, e as moléstias d'essa familia arthriticas, por causa da existência frequente nos indivíduos que apresentavam essas moléstias ou em seus paes (o rheumatismo e a gotta) confun- didas pelos antigos com o nome de arthritis. Achamos necessário ou não continuar a lhe denominar arthri- tismo, e sim uma diathese, isto é, uma predisposição mórbida caracte- risada por uma perturbação da nutrição, havendo uma deminuição na alcalinidade do sangue, e um augmento da acidez da urina, sendo o arthritismo uma diathese acida. Antes de entrarmos em certas considerações d'esse estado constitu- cional é necessário fazermos algumas notas a respeito das diatheses que fazem parte do segundo trecho d'esse nosso trabalho. SEGUNDA PARTE A palavra diathese, segundo os médicos das diversas epochas, tem difíerido tanto que sua conservação parece tornar-se mais prejudicial que util na terminologia médica. E' um estudo que tem sido alvo de questões muito discutidas. 18 N'esse capitulo faremos algumas considerações a seu respeito. Depois dos trabalhos de Verneuil e de Bouchard é que a con- cepção da diathese tem sido mais clara e raccional designando vicios geraes da economia. Os allemães sempre innovadores, eram contrários a essa opinião, não admittindo as moléstias geraes e sim moléstias locaes; perante a escola franceza a doutrina de Verneuil e de Bouchard tem sido sustentada, e estas moléstias que eram reconhecidas pelos allemães como locaes são apenas moléstias geraes localisadas. Theoria essa admittida pela eschola de Montpellier. Bouchard admitte a necessidade da chronicidade na diathese, logo a diathese, segundo opinião dos allemães,, não póde ser um estado local, isto é, uma moléstia para a realisação da qual uma provocação é necessária, e como demonstração notamos que depois de uma refeição copiosa póde apparecer um accesso de gotta, desde quando já haja um certo envenenamento do organismo ; segundo a significação que tiravam os antigos d'essa palavra (gotta) into- xicação lenta do acido urico dando-se gotta á gotta. Muitos médicos definem a diathese uma predisposição, idéa essa admittida por Galeno e Hippocrates. De tal sorte a diathese e a predisposição são as mesmas coisas, não havendo necessidade de duas palavras que exprimam a mesma idéa, e todas as suas manifestações são inteiramente mo- léstias distinctas, desapparecendo a idéa clinica da unidade do fundo pathologico commum, parecendo mais que a diathese não é um estado physiologico como a predisposição, e sim um estado morbido. Jaumes diz que a diathese é como uma segunda natureza, uma vida pathologica, comparada a uma planta cuja raiz penetra sempre que as hastes desenvolvem-se, havendo, um^ predis- posição que preside á formação da aifecção, e uma predisposição presidindo ao seu entretimento. E' uma vida nova observada por um sello intimo no qual achamos um conjuncto de qualidades constantes que acham-se no temperamento physiologico. 19 Em uma palavra, é um temperamento morbido. Entre os médicos que empregavam a palavra diathese, uns applicavam a significação de estado morbido e latente, outros desi- gnavam sob esta denominação uma predisposição geral a contra- hir um certo numero de moléstias, que se suppõe terumlaçocommum. Como defensor da primeira opinião temos Grasset, que con- funde a diathese e a moléstia, opinião que tem sido sobretudo representada pela escola de Montpellier. Elle define a diathese uma moléstia geral, uma affecção, isto é, na linguagem da escola, uma moléstia espontânea emanci- pada de sua causa provocadora, uma affecção chronica, isto é, em que os actos que se manifestam são lentos, ou se elles evoluem rapidamente são separados por intervallos; emfim em que as mani- festações são múltiplas e variadas (perturbações funccionaes, lesões anatómicas etc). Considerando esse distincto pathologista como moléstias dia- thesicas, a syphilis, a gotta, a escrófula, a tuberculose, o herpe- tismo, o cancro, o rheumatismo, o paludismo e o alcoolismo. Conhece-se actualmente, segundo a descoberta dos germens que certas moléstias d'esse grupo são de natureza bacteriana. Hippocrates considerava a diathese um estado do organismo outrosim em saúde como em moléstia. Van Helmont fazia o synonimo de symptoma. Brown denominava um estado do organismo visinho da moléstia que dispunha á sthenia ou á asthenia. Os partidários da diathese tomada no sentido de affecção, pertencem em grande maioria á escola de Montpellier: como sejam alguns de seus representantes Barthez, Dumas, Dupré, Lordot etc. Segundo Durand-Fardel e Lancereaux, moléstias constitucionaes ou diathese tem o mesmo valor. Bouchut define, uma constituição mórbida que domina o exercicio das funcções, produzindo, ao mesmo momento ou em intervallos separados, em nossos tecidos e em nossos orgãos, altera- ções semelhantes ou differentes, havendo uma natureza idêntica. 20 Gintrac diz : a predisposição pertence á ordem physiologica em quanto a diathese constitue um estado pathologico. Noel Guéneau de Mussy diz que as diatheses são condições pathologicas, estados morbidos constitucionaes, que se revelam por manifestações ás mais das vezes múltiplas successivas ou simultâneas. Anglada diz que é uma affecção mórbida, especifica, persis- tente, geral, sempre cbronica, mais ou menos latente, tendo symptomas especiaes em que a apparição, a desapparição, e a reapparição se ligam sempre á influencia de affecção persistente. Bazin define a diathese uma moléstia aguda ou chronica, pyretica ou apyretica, continua ou intermittente, as mais das vezes continua, contagiosa ou não, caracterisada pela formação d'um unico producto morbido que pode ter sua séde indistinctamente em todos os systemas orgânicos, exemplo : as diatheses tuberculosa, can- cerosa, etc. Castan considera a diathese como uma affecção mórbida, constitucional, por consequência chronica, persistente, podendo ficar mais ou menos latente, em que as manifestações produzem per- turbações sobre a sensibilidade, a motalidade ou a plasticidade, e se desenvolvendo todas sob a influencia d'uma mesma causa, incapazes de estabelecer a affecção primitiva. Para Séneca : a diathese é uma modificação do organismo, adquirida ou hereditária, algumas vezes latente, quasi sem- pre apreciável á signaes proprios, determinando ás vezes ou suc- cessivamente moléstias differentes por sua séde e sua expressão symptomatologica, porém resultando da mesma necessidade da vida vegetativa. Pariset e Villeneuve dizem que a diathese é este estado da economia em virtude do qual contrae-se certas moléstias de pre- ferença a outras. Piorry vê na diathese um estado geral da economia que precede uma moléstia determinada, que predispõe e influe também sobre sua marcha, sua duração e seu retrocesso. 21 \ Durand-Fardel diz que uma diathese ; não é outra coisa senão uma anomalia do organismo sob a influencia da qual se produzem actos pathologicos d'um caracter determinado. O professor Hallopeau considera a diathese uma modifica ção do typo physiologico, tendo por effèito diminuir a resis- tência do organismo em certas provocações, e ao mesmo tempo imprimir em suas reacções e em seus actos morbidos uma fórma especial. Depois de ter dado diversas definições e de vários autores cumpre-nos distinguir a difíerença entre a diathese e moléstia constitucional. Para certos autores as duas coisas são idênticas. A expressão de moléstia constitucional parece corresponder entretanto a uma idéa mais vasta, ella reune por definição todas as moléstias chronicas que invadem todo organismo debaixo de alguma influencia como a syphilis, que tem por origem o contagio de um vírus. A moléstia constitucional corresponde, n'esse caso, ás diathe, ses de Grasset. Antes que as diversas moléstias que comprehendem a diathese- demonstrem sua existência por manifestações caracteristicas, existe de alguma sorte phenomenos prodromicos que devem dar o alarma e que por si só attestam esta diathese. O professor Bouchard demonstrou que as diatheses appare- cem sob a influencia de perturbações chimicas permanentes; de tal sorte as moléstias diathesicas seriam, n'esse caso, moléstias constitucionaes apresentando os caracteres seguintes : Io. Desenvolver-se sob a influencia de perturbações per- manentes da nutrição; 2o. Ser independentes de qualquer contagio ou intoxicação; 3o. Apresentar entre si uma aífinidade confirmada pela here- ditariedade, e muitas vezes por uma successão bem clara no proprio paciente ; 22 4o. Dar logar as manifestações as mais variadas, atacando indis- tinctamente todos os apparelhos, todos os systemas da economia. A repetição frequente, a generalisação de certos actos ou pro- ductos morbidos para os autores antigos bastavam para legitimar o reconhecimento d'uma nova diathese ; é d'essa maneira que reconhecia-se uma diathese flatulenta ou verminosa. Baumes achava diathese para cada orgão, para cada tecido, para cada região. Pouco a pouco estas fôrmas se limitaram. Bazin reconhecia sete diatheses : a scrofula, a syphilis a arthritis, a lepra, o herpetismo, o scorbuto e o rachitismo, mais tarde exceptuando d'esse rol: a lepra o escorbuto e o rachitismo. Pidoux distingue tres diatheses : a arthritis, a escrófula e a syphilis que dão logar por degenerescencias as moléstias chronicas mixtas que são do dominio do herpetismo. A tuberculose e o câncer fazendo parte das moléstias chronicas finaes. Noel Guéneau de Mussy abandonava o herpetismo. O professor Hardy admitte as diatheses darthrosa e escrofulosa, rejeitando em compensação a arthritis. Maurice Raynaud, em seu artigo sobre as diatheses, admitte diatheses geraes comprehendendo : Io. as diatheses communs, ou não especificas, (rheumatismo gotta, darthros, scrofula ; 2o. As diatheses virulentas especificas (syphilis, tuberculose) ; 3o. As diatheses especificas, não virulentas (lymphadenoma, carcinoma, sarcoma epithelioma), tumores caracterisados por sua ten- dência a formar tecidos novos e a se generalisar. Este auctor estabelece uma segunda divisão : a das diatheses parciaes que comprehende moléstias apenas generalisando-se em um unico systema anatomico (aneurysmas múltiplos, varizes, nevromas, kystos sebaceos, lipomas, myxomas, etc). Jaumes, que reconhecia o caracter diathesico em toda mo- léstia geral e chronica, fez uma classificação em que foi também admittida por Grasset. 23 Elle admittia tres gráos de moléstias diathesicas. Io. As moléstias que são quasi sempre diathesicas ( gotta escrofulosos, syphilis, herpetismo, câncer, tuberculose : 2o. As moléstias que o são frequentemente (rheumatismo; 3o. As moléstias que não recebem esta qualidade senão em raras circumstancias, alcoolismo, paludismo, hydragyrismo, satur- nismo, etc. Anglada e Jaumnes, ao contrario, são partidários de nevroses diathesicas fazendo reviver a diathese nevrosica de Darbe-feuille. Outros autores, e talvez a maioria, não reconhecem como dia- theses senão a escrófula, o darthro, a arthritis e o câncer. O professor Grasset expande-se da seguinte maneira: a escró- fula parece ser uma fórma attenuada da tuberculose, o darthro o que ha demais vago, a arthritis só parece prevalecer; quanto ao câncer, é uma moléstia que tem todas as apparencias d*uma infec- ção parasitaria. Terminaremos dizendo: ou as diatheses não existem, ou o arthri- tismo é o typo das diatheses. TERCEIRA PARTE AS DOUTRINAS ARTHRITICAS Depois de ter feito algumas considerações consagradas ao his- tórico do arthritismo e uma outra as diatheses, resta-nos entrar em um ponto de maior valor, « as doutrinas arthriticas ». E desde quando não temos até agora definido esse estado constitucional incluiremos n'este capitulo. O que é o arthritismo ? E' um estado morbido no qual encon- tra-se varias affecções debaixo de qualquer influencia causal, elle é nosologicamente considerado como uma diathese que tem carac- teres especiaes; diathese esta que se caracterisa : Io. Manifestações bradytrophicas, isto é, nutrição curta atrazada. 2o. E' a forma do habito fluxionario processo congestivo com tendencia a artéria sclerose. 24 Ha os fluxos da pelle urticaria, eCzema, podendo também as, congestões serem internas dyspepsias rebeldes, congestões pul- monares etc. ' ; 3o. E' a funcção do 2*. grupo. ... . Já Bouchard, genio emprehendedor, diz que o arthritismo resulta essencialmente da retardação da nutrição, tendo como caracter fundamental a predominância dos ácidos no organismo, que dão em resultado uma dyscrasia acida. ... Baseados n'estes principios, isto é, sabemos que as qualidades d'este fundo diathesico são, ou por outra, suas manifestações depen- dem de um vicio nutritivo, e as combustões organicas intersticiaes não chegam ao seu maximo? ha muito acido no sangue: Se tem contestado essa theoria, isto é, da hyponutrição de Bouchard, porém o facto da predominância dos ácidos em certos estados morbidos não é discutivel. <! Quaes são estes ácidos orgânicos que accumulam-se no orga- nismo, provocam perturbações tão profundas e tão inveteradas ? D'uma maneira geral se pode dizer que todos aquelles que entram ou que se fórmam no organismo, havendo por este motivo uma diminuição da alcalinidade, desde quando estes ácidos não são queimados completamente, havendo uma hyper-acidez relativa dos tecidos e dos humores. Citaremos com Bouchard os ácidos, formico, acético, buty- rico, valerico etc que são eliminados pela pelle. Os ácidos butyrico acético e cholalico eliminando-se pelo intestino ; os ácidos uricos, hyppurico, oxalurico que se eliminam pelos rins. Gautrelet, dizia que em certos caso o sôro sanguineo perde completamento sua alcalinidade apresentando uma reacção acida livre. Concordamos que n'este caso o sangue soffra uma diminuição, algumas vezes considerável de sua alcalinidade, porém não per- dendo inteiramente; e já Bouchard, dizia entre os humores, é o sangue que nunca torna-se francamente acido, porque a vida„cessaria antes que sua alcalinidade tivesse desapparecido completamente. 25 Depois, também Cazalis Pae^ baseado na forma de habito con- gestivo, creou uma theoria para explicar a natureza do arthritismo que é fundada no seguinte principio : Esse medico prophetisava especialmente uma diathese congestiva. Seu filho Dr. H. Cazalis (d'Aix) expoz as idéas de seu Pae em uma bella monographia sobre a hygiene e o regimen dos arthriticos. Para elle, o traço principal, o signal do arthritismo, seria uma predisposição do tecido conjunctivo, em consequência de algum vicio sem duvida de alguma perda original, a uma irritabilidade especial, um logar de menor resistência ou um logar de elecção para as moléstias do arthritismo, sendo n'estes doentes as inflam- mações frequentes e as proliferações d'esse tecido. Essa theoria tem, é verdade, o valor de explicar a maior parte dos factos do arthritismo ; porém se ella observa uma predisposição mórbida do tecido conjunctivo, tem a desvantagem de não nos ensinar coisa alguma a respeito de sua causa productora. Reconhecemos que ás idéas d'esse sabio medico são acceitaveis, desde quando essa alteração do tecido conjunctivo é constante no arthritismo, que todas as suas manifestações quer mesmo nas affecções cutaneas tem sempre um processo de congestão, e pó- dem-se apresentar na procedência do processo fluxionario. Já Huchard dizia que as moléstias da hypertensão arterial e a arterio-sclerose derivavam-se clara mente da arthritis, esse tronco commum da arvore pathologica que dá em resultado um grande numero de perturbações para o organismo. E' também o arthritismo que assenta sua séde sobre a glandula hepathica; resultando d'ahi não só a cirrhose d'este orgão, como também de todos os outros da economia. Assim guiando-nos pelas doutrinas de Bouchard e Cazales pode- mos dar uma bôa definição. Arthritismo é um estado diathesico no qual se abrange tres gru- pos de manifestações anatomo-clinicas. Manifestações bradytrophicas, fluxionarias e as do grupo das cirrhoses. 26 As manifestações clinicas, nas quaes se interpõe a cirrhose, são em muitos casos signaes de cura. Assim, no caso da tuberculose pulmonar, o meio de cura é a transformação fibrosa d'este neoplasma infectuoso na cirrhose. No arthritismo ha tendencia á cura da tuberculose pela cal- cificação que representa a peça ulterior do processo pathologico. Pertence o rheumatismo chronico á primeira cathegoria das manifestações arthriticas, é um vicio nutritivo, por isso o sujeito que o tem possue ou vae possuir arterio-sclerose. Differe muito do rheumatismo agudo. O rheumatismo chronico unico se transforma em agudo. O chronico é salva-guarda contra o agudo, que é uma inffe- cção de um micro-organismo. Não obstante todas as infecções podem trazer os symptomas do rheumatismo agudo, mas este é o pseudo-rheumatismo. O agudo não passa de tres semanas e se confina ordinaria- mente em uma ou duas articulações. O chronico traz a fibro-sclerose arterial, e o agudo as lesões oro-valvulares. O articular agudo traz febre e suores, o chronico não. O chronico faz parte do arthritismo e nada tem com o agudo. No arthritismo havendo alterações das túnicas arteriaes resulta a formação de ectazias e de aneurismas. Estes começam por uma endo-arterite da porção da túnica arterial mais baixamente collocada na classsificação hystologica, é na túnica de Laug-Hauds que é a folha profunda da túnica interna, fórma um tecido chondroide e sendo um corpo estranho irrita a visinhança e se infiltra de maior quantidade de leucocytos pela migração, porquanto é nos globulos vermelhos que se dá a dia- pedese e não nos brancos como pensam os autores francezes. Ha compressão da túnica média, com uma atrophia conse- cutiva ; forma-se um bojo, e os saes do plasma da camada 27 adherente depositam-se no fundo da ulcera, e d'ahi a pedra nas arte- rias dependentes do deposito destes saes. (Dr. Francisco de Castro.) Alguns autores admittiam que a manifestação a mais aguda e de alguma sorte originaria do arthritismo, era o rheumatismo. A theoria a mais antiga; ( a theoria hyppocratica ) á qual se ligam os nomes de Van Swièten, Sydenham, Boerhave, quer que o rheumatismo seja o resultado de uma dyscrasia. Antigamente eram confundidos a gotta e o rheumatismo, e o acido urico era considerado como os produzindo. Baillou distinguiu as duas moléstias e, segundo os trabalhos de Garrod, Bartels e mais recentes de Gharcot, Gigot-Stuart, a gotta e o rheumatismo são duas moléstias bem distinctas, bem observadas e como Durand-Fardel dizia: A gotta é a moléstia do rico-o rheumatismo é a moléstia do pobre Com effeito, o que o produz não é azoto em excesso, é, ao contrario, a falta de azoto, é a miséria physiologica, seja constitu- cional, seja hereditária, é uma moléstia de perda, quer essa perda seja produzida pela syphilis, a escrófula, a gotta, o diabetes, pela fadiga ou pelo frio-humido. Outros e entre os mais illustres citaremos Gorrigan, Boiullaud, Foode Fuller incriminaram o acido láctico. Rauch e Richardson injectaram soluções d'este acido nas veias de alguns cães, sem entretanto obterem resultados. Forster, em 1871 e Kultz, em 1875 observaram os signaes do rheumatismo nos diabéticos tratados pelo acido láctico. Entretanto durante os accessos do rheumatismo agudo, parece haver realmente acidez especial das secreções, mas julgamos que essa acidez não é a causa, e sim com razão o effeito da moléstia; resulta sobretudo desdobramentos chimicos das matérias gordas ( Robin ). Em uma terceira theoria o rheumatismo seria uma febre, mas não seria verdade em todos os casos, senão para o rheumatismo agudo. 28 Essa theoria foi defendida sobretudo por Cullen, Pinei, Gasc, Broussais e Bouillaud. N'esses derradeiros tempos, os allemães, sempre innovadores, quizeram fazer do rheumatismo uma moléstia resultante de embo- lias, isto é, que primitivamente havia lesão cardiaca e embolia consecutiva. Depois a escola microbiana criou o rheumatismo como moléstia infectuosa, mostrando Hucter o microbio penetrar atravez os poros da pelle, crear colonias endocardiacas articu- lares etc. E' em um trabalho posthumo do medico francez Baillou, morto em 1616, que a distincção entre o rheumatismo e a gotta foi claramente indicada pela primeira vez, que o termo rheuma- tismo é empregado com o sentido que tem hoje. Elle dizia, resumindo, que a gotta se fixava sobre uma só articulação, em quanto que o rheumatismo invadia todas. Anteriormente, a moléstia que nós chamavamos rheumatismo, era designada com a gotta pelo nome de arthritis. Poucos médicos affirmariam hoje a identidade do rheumatismo e da gotta, porém a historia mostra que estas duas moléstias foram por muito tempo confundidas. E' d'ahi que vem a noção tão bem estabelecida no espirito dos pathologistas, que esses estados têm entre si uma estreita connexidade. E' por esta razão que se tem comparado as lesões visceraes do rheumatismo ás metastases gottosas, que se considera a diathese arthritica constituida por um estado dos tecidos sobre o qual póde-se enxertar uma ou outra moléstia, quando os comprometti- dos são expostos as causas que as determinam. Ha uma longa confusão que se tem feito entre o rheuma- tismo e a gotta. Os escriptores írancezes consideram a gotta como uma molés- tia própria das articulações, emquanto que o rheumatismo tem sua 29 séde nos tecidos de visinhança ; sendo suas localisações articulares mais apparentes que reaes. Opinião adoptada por Barthez. Ainda outras theorias tem sido propostas para explicar os acci- dentes do rheumatismo. Alguns admittem a endocardite como o factor primordial. Para outros, o ponto de partida é o systema nervoso central sobre o qual estrondeia secundariamente pela acção do frio sobre os nervos cutâneos. Outros acreditam que são os effeitos directos d'um veneno chimico ou de um virus nos centros nervosos. A theoria a mais geralmente acceitada (ao menos na Ingla- terra) é aquella que attribue a moléstia á frequência no orga- nismo dum excesso de acido láctico, semelhante á gotta pela presença do acido urico. Mais recentemente se tem dicto que o rheumatismo é uma mo- léstia infectuosa, porém n'esses casos deve sómente figurar o agudo. A theoria para explicar o rheumatismo pelo acido láctico é a seguinte: Explicam alguns autores que o rheumatismo é produzido pela presença no sangue de um veneno chimico, tendo como resultado algumas perversões dos processos nutritivos, doutrina essa que foi recebida com grande credito pelos Inglezes. Eis aqui a doutrina. O acido láctico produz metamorphose dos tecidos, forma-se nos musculos em actividade. Suppõe-se que, por oxydações, elle se transforma em acido carbonico e em agua que é em parte eliminado d'essa maneira pela pelle. Quando esta se resfria em uma grande extensão, a excreção sudoral suspende-se e a eliminação do acido láctico restringe-se. Elle se accumula no organismo sobretudo quando a exposição ao frio è seguida d'um exercicio muscular energico. 30 Graças a este excesso de acido láctico o suór e a urina são muito acidas no rheumatismo articular agudo ; n'estes casos a transpiração profusa é um esforço do organismo para se desembaraçar do veneno. Se nós desejamos apreciar essa doutrina com um justo valor, lembraremo-nos que o acido láctico é um acido poderoso que nas condições physiologicas o sangue não o encerra ; quantidades con- sideráveis o fariam acido o que não acontece durante a vida. Gombinando-se esse acido ao sodio, forma-se o lactato de sodio que é eliminado pelas urinas e suores. Favre affirma ter descoberto esta substancia no suór, confirmou sua observação por meio de uma analyse por combustão do sal de zinco obtido por elle. Outros não têm tido bom exito na mesma pesquiza. Salamon declara expressamente que o suór não encerra nunca acido láctico. Garrod e Besnier admittem que a acidez excessiva não é cons- tante nos suores do rheumatismatico, quando são excretados sobre uma superfície própria. O professor Bouchard professa a theoria chimica e considera o rheumatismo como uma moléstia devida a retardamento da nutrição. Gharcot notou acidez do derramamento pericardico do liquido das articulações nos casos de rheumatismo articular agudo. Tudo isto não prova que o sangue dos rheumatismaticos en- cerre um excesso de acido láctico ? Salvo seo processo necessário para denuncial-o e revelal-o é complicado. Que sua terminação repousa unicamente sobre a fórma dos crystaes de lactato de zinco, que por consequência é extremamente facil conhecer sua presença. Acreditamos que o rheumatismo agudo tenha um factor externo o micro-organismo infectuoso, sabemos também que existe um factor interno, indispensável, necessário^ a receptividade. 31 Perguntamos em que consiste esse estado ? Pensamos que este estado da economia consiste em um desvio do seu typo normal em uma modificação estatico-dynamica e phy- sico-chimico de seus elementos, produzida por perturbação nutri- tiva, comprehendendo-se que no estudo de sua etiologia temos de considerar as causas que determinam essa perturbação da nutrição. Deixemos de parte o rheumatismo. Além da predominância dos ácidos no arthritismo, convém ajuntar uma segunda consequência que é a predominância n'esse estado constitucional dos toxicos alimentares ou leucomainas. Ao lado d'estes productos de excreção, não completamente oxydados, é necessário collocarmos substancias ainda menos conhe- cidas em que a existência tem sido perfeitamente observada, substan- cias azotadas, eminentemente toxicas denominadas leucomainas. Algumas d'estas leucomainas tem sido retiradas da urina humana, sendo observado por Bouchard que ellas augmentavam naturalmente em certas moléstias infectuosas. Gautier retirou da carne fresca do boi um producto analogo á creatina, a xantho creatinina que é toxica e produz nos animaes abatimento, somnolencia, uma extrema fadiga, diarrhéa etc. Estes alcaloides, observa de Parville, tomam certa mente nascimento durante a vida, ao mesmo titulo que o acido carbó- nico e que a uréa que nós fabricamos como productos últimos de nossas combustões interiores. Se tem observado que estas toxinas animaes eram productos de fermentos anserobios, isto é, que sua fabricação pelas cel- lulas-fermentos, não sómente viviam sem oxygenio livre como também eram destruidas por elle. Já Pasteur tinha emittido esta idéa que a cellula, quanto ao essencial de nossos tecidos, quando ella não se acha na presença de uma quantidade sufficiente de oxygenio, provoca verdadeiras 32 fermentações á especie das cellulas de levedo, concluindo-se, ao ponto de vista especial do arthritismo, é que, se o vicio de nutrição que o caracterisa não permitte a oxydação completa dos productos de desassimilação (dyscrasia acida), favorecerá pela mesma razão a producção das leucomainas, não havendo duvida a este respeito, desde quando sabe-se que o arthritico fabrica maior numero de ptomainas, como também a eliminação é má. Em muitos d'esses doentes, segundo a opinião de Cazalis, existe uma perturbação também na eliminação das perdas orgâni- cas das toxinas, devido a uma inflammação do filtro renal, algu- mas vezes do filtro cutâneo, e também por insufficiencia do emunctorio intestinal, d'este modo a producção excessiva de perdas orgmicas, de toxinas podendo dár logar a moléstias arthriticas por um vicio de eliminação d'estes productos, e, segundo a opinião abilizada de Huchard dá como causa frequente da arterio-sclerose estas toxinas, taes como as ptomainas que não sendo eliminadas pelo filtro renal, tornando d'esta sorte este orgão impermeável, colligin- do-se como causa caracteristica do arthritismo a predominância dos ácidos orgânicos, e esta eliminação insufficiente das toxinas alimentares. Depois d'isto, negar-se o arthritismo é admittir-se que todas as moléstias são de natureza microbiana; quando sabemos segundo as doutrinas de Bouchard, que existem certos toxicos, que como já falíamos foram estudados por Gautier, são capazes de perturbar as funcções dos orgãos, dando em resultado certos estados morbidos. Já o Dr. Renault diflerenciava o typo arthritico na infancia e na idade adulta. Na infancia, as apparencias são ao pintar. Nessa idade a pessoa é vigorosa e era bem constituída, corada, transpirava facilmente, dotada de um appetite excessivo difficil de contentar-se. 33 Na idade adulta, a maior parte dos arthriticos tinha um fácies, um habitus exterior que permittiam de os reconhecer á distancia. A cal vicie precoce começando dos 20 a 25 annos, face córada sobretudo depois das refeições, em que a nutrição passa o normal relativamente á idade transpiração abundante e facil perturbações vaso-motores frequentes, podia-se afhrmar um tributário d'este estado morbido. Dizem os professores Charcot, Bouchard e Brissaud que muitas vezes a criança arthritica exhala um odôr acre, que seus suores são ácidos do mesmo modo suas evacuações, e em suas urinas appa- recem frequentemente depositos uraticos, acido oxalico, em seu tubo digestivo como em suas secreções ha predominância dos ácidos e seus ossos são pobres de substancias mineraes. Tudo isto demonstrando um embaraço para o lado da activi- dade das oxydações e ao bom complemento da nutrição, seja de- vido a uma falta de oxygenio, ficando abaixo do normal, ou seja as perturbações dos diversos emunctorios. O professor Bouchard, como já tive occasião de dizer, consi- dera como manifestações do arthritismo também as entidades mórbidas comprehendidas na dyscrasia acida, considerando n'este grupo a osteomalacia que é caracterisada não por uma falta de calcificação, porém pela destruição do tecido osseo normal, seria igualmente, em uma grande parte sob a influencia do acido láctico. O osso osteomalacico tem frequentemente uma reacção acida e contém anormalmente acido láctico. Ora os ácidos lácticos, como os ácidos carbonico, oxalico, acético e formico quando se accumulam no tecido osseo ao ponto de produzir a reacção acida d'este tecido criam uma circumstancia sufficiente para que o phosphato de cal da ossificação se redissolva e se elimine, portanto estas moléstias têm por causa o accumulo dos ácidos no tecido osseo, porém succede também que outras substancias possam subtrair-se ás oxydações, por exemplo as matérias albuminoides, os assucares e as gorduras. As gorduras não são só mente trazidas de fóra pela alimentação; ellas se formam também na economia. 34 Tal é, em particular, o caso da cholesterina gordura (não no sentido chimico da palavra) não saponificavel, em que a producção depende da exaggeração dos alimentos engordurados ou d'uma perturbação funccional do systema nervoso. A cholesterina que forma um dos principaes elementos da bile, não pode ficar em dissolução, senão em um meio alcalino, podendo a acidez da bile ou simplesmente a diminuição de sua alcalinidade, provocar a precipitação da cholesterina, a lithiase biliar. São as gorduras neutras que se accumulam nos tecidos, desenvolve-se a obesidade ou polysarcia, tendo por causa uma falta de combustões, uma insufficiencia das oxydações, produzindo uma perturbação da nutrição. Examinando-se as urinas d'esses individuos encontra-se quasi sempre oxalato de cal, como também o fétido de haleina, devido aos ácidos gordurosos voláteis. Quando a perturbação nutritiva estende-se mais especialmente sobre a elaboração do assucar, temos o diabetes. Emfim a gravelle, a gotta, dependem directamente da diathese acida, a primeira por formação em excesso ou precipitação de bi-urato de soda. Certas moléstias da pelle são consideradas também como der- mopathias arthriticas, e é facil de comprehender-se, considerando-se as condições favoráveis que a dyscrasia acida cria em sua evolução, e como demonstração o eczema, o acne são particularmente fre- quentes nos arthriticos. Todos estes accidentes do arthritismo se manifestam seguindo uma cadeia ininterrompida desde a infancia até o ultimo extremo da vida. Com a velhice, chegam as alterações organicas graves, triste apanagio do ultimo periodo do arthritismo. Todas estas lesões resultam da degenerescencia das visceras, ou então da arterio-sclerose, resultando da elevação da tensão arte- rial que é de regra nos arthriticos. 35 Huchard dizia que a gotta estava para as artérias como o rheumatismo para o coração, produzindo esse estado morbido a hypertensão por vaso dilatação activa, o contrario dando-se na intoxicação saturnina e do tabaco que determina uma hypertensão por vaso constricção. Continuando a exposição das doutrinas arthriticas não passará desapercebido em todos os capitulos e paginas de minha these, o nome de creador do arthritismo, o professor Bazin, que definia a arthritis uma moléstia constitucional, não contagiosa, caracterisada pela tendencia á formação d'um producto morbido e por aflècções variadas da pelle, do apparelho locomotor e das visceras, affècção que se terminava geralmente pela resolução. Bazin distinguia na arthritis, prodromos e quatro periodos dis- tinctos; para Pidoux existem também na evolução d'esse estado cons- titucional esses prodromos e quatro periodos distinctos. Os prodromos eram comprehendidos pelas diflerentes perturba- ções para o lado da pelle, o augmento da transpiração, predomi- nando em certos regiões, como sejam : a cabeça, as axillas, os pés, as mãos e os orgãos sexuaes, a quéda prematura dos cabellos. Ainda se notava uma tendencia á obesidade não obstante a moderação do appetite, ajuntando-se ainda a cephaléa, as epistaxis, as perturbações para a vista e para os ouvidos etc. Depois do apparecimento dos prodromos, seguia-se o primeiro periodo que era caracterisado pelos ligeiros ataques de rheuma- tismo, algumas erupções fugazes da pelle em concomitância com certas affecções, notando Bazin as lesões das mucosas, coryzas, ophtalmias, anginas, etc. Depois d'esse primeiro periodo vinha um segundo, caracteri- zado pela juncção d'essa perturbação da saude já vista, um pru- rido que se localisava nos orgãos genitaes, as mais das vezes complicado de perdas seminaes, que, para Bazin era um symptoma de grande valor para o diagnostico, alternando-se estas diversas 36 lesões das mucosas, dos orifícios naturaes e das visceras, ou coinci- dindo com erupções da pelle muito mais tenazes e rebeldes, localizando-se mais do que no primeiro periodo. Depois vinha um terceiro periodo. N'esse periodo as affecções das articulações se fixavam e se generalisavam e de tal sorte produziam lezões extremamente graves, podendo essas lesões faltarem em parte e com esta ausência os accidentes para o lado da pelle augmentarem, acarretando a appa- rição de desordens consideráveis para o lado das visceras. Emfim o quarto e ultimo periodo onde encontrava-se pertur- bações chronicas para o lado do coração, tendo por causa este estado de moléstias, as apoplexias cerebraes, a asthma, podendo-se ajuntar a angina do peito e as degenerescencias atheromatosas dos vasos. Por essas circumstancias, admittia Bazin cinco formas de arthritis: l.° benigna. 2.° commum. 3.° maligna. 4.° fixa primitiva. 5.° herpetica. A segunda forma, isto é, a commum, segundo a significação da palavra, é a que com mais facilidade se encontra, e, em sua marcha, as affecções que se apresentam são menos rapidas e mais graves que na forma precedente ; na terceira forma em que as affecções têm uma gravidade insólita, as lezões organicas visceraes observam-se prematuramente ; a quarta forma é constituida pela localisação do rheumatismo ou da gotta em uma ou mais articulações, limitan- do-se a essa unica manifestação. Na quinta forma todas as manifestações se mostravam na pelle, nas mucosas não encontrando-se lesões para as articulações. Continuando a exposição das doutrinas arthriticas, passaremos agora á theoria de Pidoux. Para elle a gotta e o rheumatismo são dois ramos d'uma mesma especie pathologica. 37 E' assim que o autor faz uma comparação, a do soldado que tem uma vida trabalhosa, e em que a alimentação é desconveniente, que é sempre exposto as intemperies, com a do general ao qual sua posição permitte uma certa delicadeza em seu modo de viver, tornando-se o primeiro sujeito ao rheumatismo e o segundo á gotta. Elle admitte que o arthritismo faça parte das moléstias chro- nicas, e que só existe tres moléstias chronicas capitaes : a escrófula, a arthritis e a syphilis, chamando essas moléstias iniciaes ou primitivas, e que as outras moléstias chronicas pódem sahir por substituição regressiva ou degenerada d'essas moléstias, seja directa- mente ou por alteração. Na outra extremidade da escala das moléstias chronicas, elle classifica as moléstias finaes, chamadas organicas, desde quando ellas alteram a organisação em sua base. Entre as moléstias chronicas capitaes e as moléstias chronicas ultimas, elle põe a série muito numerosa e muito variada das moléstias chronicas mixtas. A proposito do rheumatismo articular agudo, o eminente me- dico sustenta que essa moléstia, que parece de tal sorte differir do ataque de gotta em sua forma classica, não apresenta pela analyse tão grandes differenças, quando se observa que muitas vezes ella abate pouco seus doentes, proporcionalmente a seus symptomas ; quanto ella respeita as membranas mucosas da bocca do tubo di- gestivo, o que não se dá em nenhuma pyrexia continua, aguda ; além d'isso ella se acompanha fuma enorme dilatação da grande curvatura do estomago, facto esse que é encontrado mui frequentemente nos gottosos. Para elle, um arthritíco dá muitas vezes nascimento a descen- dentes attingidos de nevropathias : A hypochondria nos homens, a hysteria nas mulheres. Esta hysteria arthritica é bastarda, ella apresenta uma fusão dos phenomenos diathesicos e da hysteria verdadeira (febre, congestões espasmos, hemorrhagias etc). No intervallo dos ataque, esses doentes gozam raramente da saúde completa como os outros hystericos. 38 Bazin criticou bastante essa theoria. As moléstias ultimas de Pidoux não representariam senão as manifestações visceraes ou terminaes de suas moléstias constitucio- naes ; quando separar as moléstias constitucionaes em moléstias espe- ciaes, é confundir por sua opinião, a moléstia com seus symptomas ou a affecção ; Noel Guéneau de Mussy não adoptou completamente nem a doutrina de Bazin nem a de Pidoux. Considera a herpetis, como uma forma derivada ou degene- rada do arthritismo. Para elle, muitas dermatoses, attribuidas muitas vezes a herpetis não são senão manifestações tributarias do arthritismo que seriam modificadas por algumas transmissões successivas. Elle chamava moléstias barométricas, a gotta e o rheumatismo, por causa de sua sensibilidade, com as variações do tempo. Para elle, o arthritismo comprehende, a gotta, a hypochon- dria, as nevralgias, a migraine, a gastralgia a hysteria, as gra- velles biliares e uricas, as moléstias cutaneas, certas neoplasias degenerescencias, dyscrasias, como a glycosuria a albuminúria, muitas affecções cardiacas as dos vasos como a hemorrhagia cerebral etc. Nos gottosos, diz elle, succede que o ataque de rheumatismo antes de se generalisar e de affectar o modo errante e a mobili- dade communs, n'estas moléstias, começa muitas vezes pelas pe- quenas articulações ; a tumeíacção é enorme, as dores violentas com exacerbações nocturnas muito accentuadas, como na gotta ; e com as localisações tão accusadas a febre pode ser muito mode- rada quasi nulla, ou somente apparecer durante a noite. Gigot-Suart demonstrou que a introducção do acido urico, productor da gotta, na alimentação dos homens e dos cães produzia nos primeiros enxaquecas, erupções e outras manifestações arthriti- cas, nos segundos phenomenos nervosos e erupções cutaneas. Firmando-se sobre estes factos e devido á presença do acido urico em certos darthros, ( como seja, nas serosidades dos eczemas, nas escamas de psoriasis), ainda quando a experiencia do fio não dava 39 nenhum resultado com o sôro do sangue, elle julga que a uricemia é uma das manifestações da herpetis dando os symptomas prodro- micos attribuidos ao arthritismo. Elle define a diatliese uricemica : « moléstia constitucional chi- mica, hereditária ou adquirida, não contagiosa, continua ou inter- mittente, caracterisada por manifestações variadas, que se produzem simultaneamente ou alternativamente sobre a pelle e diversos syste- mas orgânicos, as quaes têm por causa directa a presença em excesso dos principios excrementicios no sangue, notavelmente d'aquelles que se acham em pequena quantidade e no estado normal e que não são excretados pela pelle, como os uratos os oxalatos, a xantina a creatina etc. Depois d'essas considerações vè-se a grande relação entre as manifestações arthriticas e herpeticas. Até hoje julgamos que não se fez o quadro completo da herpetis, e nos limitamos a estudar algumas questões particulares. As manifestações d'essa diathese se encontram na arthritis de Bazin, no estado nervoso de Sandres, no nervosismo de Bouchut. Talvez o herpetismo seja uma nova designação, ao contrario da arthritis dos autores antigos. A diversidade de interpretações que levanta a questão da ar- thritis, a falta de unidade na formação dos systemas, têm contri- buido muito para augmentar o numero dos adversários da doutrina. Talvez haja muita razão na concepção do professor Bouchard achar, no arthritismo, uma retardação de nutrição dando em resul- tado certas perturbações, para uns ligadas ao herpetismo, para outros ao arthritismo e muitos criaram a palavra diathese e generalisaram a essas manifestações. Esse eminente pathologista reconhece utilidade em uma ana- lyse mais completa dos dejectos do organismo para determinar a natureza das moléstias arthriticas. Appoiando-se d'um lado sobre os productos ácidos achados nas fezes e nas urinas dos individuos soffrendo momentaneamente más condições hygienicas e, de outra parte, sobre alguns casos de acidez 40 incompleta dos humores e sobre a existência em quantidade exaggerada de certos productos normaes no organismo. Bouchard demonstrou que este resultado é devido quer a uma assimilação incompleta, ou a uma desassimilação difficil. Este desvio do trabalho chimico póde depender do tempe- ramento de certos individuos, reproduzindo-se em seus descendentes. A este estado corresponde o conjuncto das perturbações arthri- ticas, que se desenvolvem sob a influencia dos phenomenos da nu- trição retardante e que Landouzy chama a bradytrophia. O sabio professor apoia-se em numerosas estatísticas para estabelecer a connexão d'estas aflecções arthriticas. Alguns pathologistas admittem, no arthritismo, uma perturbação da nutrição cellular^ que consiste em uma actividade funccional exaggerada do organismo, em um excesso d'assimilação e de desas- similação dos tecidos, e Dyce Dukworthdiz que o primum movens d'esta perturbação nutritiva, tem sua origem no bulbo e que a gotta é uma tropho-nevrose. Diz esse professor, que observa-se relações importantes da mesma natureza na associação de uma das manifestações arthritica, a gotta com as outras nevroses. Assim a hemicranea é algumas vezes uma manifestação muito clara da gotta, em ambos os sexos, e pode ser uma forma de nevrose implantada em um individuo cujo pai seja gottoso, ou póde alternar com symp tomas arthriticos no mesmo individuo. Estudando a doutrina das metastases em suas relações com a gotta, conhece-se que os humoristas procuraram dar explicações d'esse facto clinico, segundo sua theoria. E' necessário admittir que, quando uma inflammação muda de logar, este facto se produz sob uma influencia nervosa, que se sup- põe de natureza reflexa, existindo verdadeiramente no orgão um estado de predisposição de receptividade mórbida. 0 mesmo grupo de tecidos pode ser attingido successivamente. Assim a gotta ou o rheumatismo passa de articulação em articulação ou como a phlebite gottosa de veia em veia, algumas vezes de uma maneira systematica. 41 Entre os outros symptomas nervosos d'esta manifestação do arthritismo, devemos examinar certas perversões sensitivas, como o adormecimento dos dedos e dos artelhos, sensações de calôr na palma da mão, nas coxas, nas plantas dos pés (paresthesia), cóce- gas e titilação na garganta. Assim é que Paget fez observar «a gotta affecta os elementos nutritivos muito mais que os elementos motores do systema ner- voso, e fez observar também que a dôr da gotta aguda é em ap- parencia fóra de toda proporção com o grão de inflammação da parte attingida. Graves assignalou o estridôr dos dentes nos gottosos, Donkin referiu casos que se acompanhavam de somnambolismo. A insomnia gottosa foi assignalada por Gullen, a nevralgia gottosa não acha-se mais em duvida. Reconhecemos que quanto mais as occupações são sedentárias, mais os trabalhos intellectuaes são prolongados, mais a lucta pela vida é rigorosa, mais veremos augmentar a tendencia á depressão nervosa, e as manifestações do arthritismo, quando a estas causas prece- dentes vem se ajuntar o habito de bem viver como succede com os legisladores, homens de estado, especuladores etc. As influencias alimentares têm também sua importância. A privação de luz solar, a suppressão de diversos fluxos, seja uterino, hemorrhoidario ou outros, tem também grande valor. Não é necessário jamais esquecer que nenhum clima é para o arthritico util, desde quando seu genero de vida de doente, não só ao ponto de vista do exercicio como do regimen não correspondo a estas diversas circumstancias. As bebidas alcoólicas tem também grande influencia sobre o arthritismo, principalmente na gotta, em todo caso para aquelles que achem que não, devem ao menos procurar um bom vinho dependendo tudo da qualidade, o que actualmente entre nós, devida ao egoismo, proprio dos organismos inferiores, é bastante diflicil. Se fazemos estas considerações, porque achamos impossivel e mesmo imprudente querer modificar-se a vida de um homem de uma certa idade, nem podemos admittir que d'um bebedor de 42 vinho e de um comedor de carne, possamos fazer um bebedor d'agua e um vegetariano. Sim, devemos corrigir as crianças que muito se prestam, desde quando ellas não vivem até á idade de sete annos senão da vida vegetativa. Seus orgãos de relação são fracos e incompletamente desen- volvidos, suas faculdades mentaes acham-se ainda no estado de delineação. Quando chega um certo momento, isto é, em que os dentes já foram substituidos ; os orgãos da locomoção acham-se fortificados e os genitaes já tomaram um desenvolvimento, que é como o pre- ludio de seu estado futuro, em que o physico, o moral se modi- ficam, nascem os sentimentos affectivos e a intelligencia aviva-se, desde quando não se corrige n'esta epocha o individuo entrega-se aos bellos prazeres e com elles uma ruptura de equilibrio se produz ; eis o momento que vão apparecendo varias perturbações para o orga- nismo. dando em consequência as diversas manifestações d'este estado morbido que segundo Bouchard é um retardamento de nutrição, e Lécorché atribue, ao contrario, a exaggeração da actividade cellular. PROPOSIÇÕES PROPOSIÇÕES PRIMEIRA SECÇÃO Chimica inorgânica I O iodureto de potássio cristalliza em cubos brancos e opacos; tem um sabor salgado e acre; é muito solúvel n'agua e menos no álcool. II Elle é um importante reactivo e serve para se preparar o iodureto mercurico. III Em medicina emprega-se frequentemente nos casos de syphilis e em certas manifestações arthriticas. Physica medica I No estado gazózo, os corpos não têm nem forma nem volume proprio. II O ar é o typo dos gazes. III Elles são pesados como os líquidos e como todos os outros corpos. Chi mica organi ca I 0 vinho ó quasi sempre o producto da fermentação do sueco das uvas. 46 II Este sueco contém assucar, matérias albuminosas, princípios corantes, tannino, pectina e mucilagens etc. III E' contra indicado nas manifestações arthriticas. SEGUNDA SECCÃO ò Chimica analytica e toxicologica I A analyse da urina, póde, em determinados casos, servir só por si a affirmação de certas manifestações arthriticas. II A chimica applicada a analyse das urinas é um dos ali- cerces que podemos affirmar a existência de certas manifestações arthriticas. III Na manifestação gottosa ha predominância do acido urico nas urinas. Botanica e Zoologia medicas I A respiração é uma funcção própria dos vegetaes e dos animaes. II Quando essa funcção não se exerce, o vegetal morre. III O alvéolo pulmonar constitue no animal essencialmente a superfície respiratória. Pharmacologia e matéria medica I Os evacuantes são agentes que provocam a excreção de matérias solidas ou liquidas do organismo por um dos emunctorios. 47 II Sua acção sobre os orgãos deve ser a dos excitantes. III Elles diminuem a quantidade do fluido circulante e das toxinas, d'onde seu emprego nos casos de plethora e certas mani- festações arthriticas. TERCEIRA SECÇÃO Anatomia descriptiva I Os lymphaticos existem nos musculos. II Elles acompanham os vasos sanguineos volumosos destinados a estes orgãos. III Elles podem seguir entre os principaes feixes musculares Histologia theorica e pratica I O tecido conjunctivo que cerca o musculo constitue o peri- mysium externo. II Elle é formado por tecido conjunctivo concentrado. III O tecido conjunctivo que o constitue é menos rico em fibras elasticas, e a grande vascularização d'este perimysium explica a tumefacção do tecido conjunctivo peri-vascular. Anatomia medico-cirurgica I Apparelho é o conjuncto de orgãos servindo para o desem- penho de uma determinada funcção no organismo. 48 II A harmonia no trabalho dos diversos orgãos é o regulador funccional do apparelho respectivo. III O numero, perfeição e complicação dos apparelhos, variam com a posição que occupa o individuo na escala biologica. QUARTA SECÇÃO Physiologia I O sangue não contém sómente solidos e liquidos, elle contém também gazes. II Sob o ponto de vista da respiração o sangue é uma verdadeira solução gazoza. III Uma certa quantidade de oxygenio tem por vehiculo o globulo vermelho, e uma menor proporção dissolve-se no liquido; elle faz parte das combustões. Anatomia e physiologia pathologica I O Staphylococcus pyogenus aureus é um dos factores da conjunctive purulenta. II Sua cultura na gelose é espessa e de uma côr mais ou menos amarella dourada; na gelatina a cultura se desenvolve no comprimento da picada; no caldo é pouco cultivado. III Segundo Lebert fabrica uma toxina por elle denominada phlogosina. , y 49 Pathologia geral I A hereditariedade, diz Ribot, é a lei biologica em virtude da qual todos os seres doptados de vida tendem a se repetir em seus descendentes. II Ella é a consequência da geração, que nos animaes supe- riores é sexuada. III E' uma das causas do arthritismo. QUINTA SECÇÃO Medicina legal I A identidade é as mais das vezes de summa importância para auxiliar a justiça na pesquiza dos criminosos. II Ella funda-se nos caracteres physionomicos e physiologicos do individuo victima do crime e do criminoso. III A cor dos cabellos, do iris, as unhas, os defeitos physicos etc., servem de grande elemento para a determinação da identidade. Hygiene I O leite é um alimento completo; sendo o alimento exclusivo da primeira infancia comprehende-se quão nocivas são as suas falsificações. II As falsificações constantes da cremagem e addiccionamento d'agua serão reconhecidas pelo lacto-densimetro de Quevenne, a balança de Westphal ou mais efficazmente pela dosagem da caseina, gordura, saes, etc. 50 III Como um diurético é empregado no arthritismo. SEXTA SECCAO 6 I OPERAÇÕES E APPARELHOS I A perineoraphia é a operação que consiste na sotura do perineo quando rupturado. II A ruptura do perineo é facil de se dar durante o parto, razão pela qual o parteiro deve prevenil-a e estar ao mesmo tempo preca- vido para praticar a perineoraphia no caso que a ruptura se dê. III Os principaes processos de pratica d'esta operação são os de Heurtelouh, de Deiffenbacli e de Roux; o processo de Roux é o mais expedito e ordinariamente é sufficiente. Pathologia externa I Os symptomas cardeaes da inflamação, rubor, calor, tumor e dor manifestam-se nas inflammações conjunctivaes. II A formação do pus se dá em consequência da lucta que se trava entre o globulo branco do sangue e o microbio, lucta em que o microbio é vencedor as mais das vezes. III A natureza do exsudato varia de accordo com a inflammação, Clinica cirúrgica Ia CADEIRA I O prognostico dos aneurysmas varia conforme a sua séde. 51 II Diversos têm sido os meios aconselhados para curar aquelles cuja séde permitte fazel-o. N'estes casos a compressão somente e a compressão durante certo tempo seguido as ligaduras, dão os melhores resultados. III Os aneurysmas podem Ser de natureza arthritica. Clinica cirúrgica II CADEIRA I Não têm razão os que condemnam a osteomalacia e o rachitismo do adulto. II A osteomalacia consiste em um amolecimento do tecido osseo; Reindfleisch considera como uma lesão de nutrição do osso, ter- minando pela rebsorpção dos saes calcareos. III Bouchard põe no numero das manifestações arthriticas. SÉTIMA SECCAO b Pathologia interna I A hyper-acidez organica pode ser devida seja aos ácidos orgânicos, seja ao acido chlorhydrico. II A hyper-acidez organica não é sinão uma falsa hyper-acidez que corresponde ao contrario a uma verdadeira hypo-acidez physio - lógica, isto é, chlorhydrica. III E' um symptoma do arthritismo. 52 Therapeutica I O ether sulfurico se obtem fazendo agir o acido sulfurico sobre o álcool. II E' um liquido incolor, extremamente fluido, muito volátil, d'um odor forte. III Quando elle é ingerido em pequena dose dá logar a uma sensação de calor no estomago. Clinica propedêutica Foi Praxagoras quem primeiro fez ver que o pulso experimenta mudanças susceptiveis de fazer apreciar as moléstias. II O pulso é, em certos casos, um poderoso auxiliar do medico para estabelecer o diagnostico e ás vezes também o prognostico. III E' assim que, por exemplo, o pulso duro e fugitivo de Gorrighan faz pensar em uma insufliciencia aortica. PRIMEIRA CADEIRA DE CLINICA MEDICA I Foi Ménière, em 8 de Junho de 1861, o iniciador da Vertigo ab aure haesa. II • As vertigens, declarando o doente sentir um agudo silvo no ouvido e também como que um movimento de translação do seu corpo, o exame do ouvido accusando uma otite labyrinthica idio- pathica, uma otite media scleromatosa com ankilose dos pequenos ossos e propagada ao vestibulo e ao labyrintho, um catarrho no ouvido, chegarão a levar o medico a firmar o diagnostico de vertigens Ménière. 53 III Muitas vezes uma pressão qualquer exercida sobre o tympano e propagada ao labyrintho pela cadeia dos pequenos ossos, basta para determinar a vertigem de Ménière. I As pericarditis podem ser primitivas ou secundarias, parciaes ou totaes, agudas ou chronicas, seccas ou com derramamento. SEGUNDA CADEIRA DE CLINICA MEDICA II As primitivas são raras e são produzidas pelo frio ou pelos traumatismos. III As secundarias têm causas diversas, entre outras o rheuma- tismo chronico, o mal de Bright, que ás vezes tem por causa o arthritismo. OITAVA SECÇÃO Obstetrícia I A eclampsia é uma moléstia convulsiva própria das mulheres prenhes ou em estado puerperal. II A albuminúria não é indifferente a esta moléstia. III O tratamento na forma reflexa consiste em terminar rapida- mente o parto, na congestiva em sangrias locaes, e na toxico- hemica., a mais grave, todos os sedativos podem ser empregados, mas sem resultado. Clinica obstétrica e gynecologica I A versão podalica consiste em fazer, qualquer que seja a po- sição que occupar o feto no estreito superior, com que os seus membros inferiores venham se collocar n'este estreito, substituindo qualquer outra parte que se ache em relação com elle. 54 II Foi Ambroise Paré que em 1500 descreveu o modo de praticar a versão e a extracção podalica. III Toda vez que, em consequência de uma má apresentação fetal, o parto não se puder dar naturalmente, e que não se puder praticar a versão cephalica por manobras externas ou combinadas, é indicada a versão podalica. NONA SECÇÃO Clinica pediátrica I 0 rachitismo é uma moléstia da infancia. II Garacterisada pelo vicio de nutrição ossea; de que resultam deformações. III A doutrina etiologica da pseudo syphilis é muito contestada; a mais acceita é a de Bouchard. DECIMA SECÇÃO Clinica ophtalmologica I A blepharite ciliar pode apresentar-se sob duas formas. II Numerosas causas locaes podem produzil-as, como sejam: retrahi- mento das vias lacrymaes, erupção de pustulas variolicas, quei maduras que destroem os bulbos dos cilios, etc. III 0 arthritismo é a principal causa d'esta affecção. 55 DECIMA PRIMEIRA SECCÃO ô Clinica syphiligraphica e dermatológica I A urticaria pode ser de natureza idiopathica ou de natureza symptomatica. II A urticaria idiopathica é ordinariamente devida á acção sobre a pelle de substancias irritantes. III A urticaria symptomatica é quasi sempre de ordem reflexa. Clinica psychiatrica e das moléstias nervosas I A paralysia do plexus brachial se apresenta sob duas formas differentes ; total ou parcial. II Ha frequentemente no começo, dores surdas e lacinantes com irradiações para as espaduas e dedos. III Pócle encontrar-se nos arthriticos. Hippocratis Aphorismi I Pus vero optimum est album, sequale et laeve, et quam minimum graveolens; huic autem maximé contrarium, pessimum. ( Sect. i. Aph. 41 ) II At lividus vomitus, si graviter olet, celeriorem mortem denunciat. ( Sect. ii. Aph. 41) III In febribus, ex somnis pavores aut convulsiones, malum. ( Sect. iv Aph. 67 ) IV Qui sanguinem spumosum, exs puunt, his ex pulmone tal is rejectio fit. ( Sect. v. Aph. 13 ) V Hydropicis ulcera in corpore orta non facile sanantur. ( Sect. vi. Aph. 81 ) VI In morbis acutis extremarum partium frigus, malum. ( Sect. vn Aph. 1 ) VISTO. - Secretaria da Faculdade de Medicina e de Pharmacia do Rio de Janeiro, 20 de Outubro de 1896. ab 0 Secretario,