Esta these está conforme aos Estatutos. Rio de Janeiro 1.° de Novembro de 1847. Dr. João José de Carvalho. H/UCf. \ cryc Homens, que com a luz de seu saber abrilhan" | 1 ; La modecinc tourhe los primiers intcrêts de l'homme puisqu'ello s'occupé d'assurer leur santo ^iigc DiMormê ) [2j Vila brevis, ars longa, oceasio praecops, experientia fallax, judicium difíieile. Nec sol um se ipsum oporlet praeslare opportuna facientem, sed et aegrum et assidentos ei exleriora.— Ilippocrat Aphor. 1. [3] La modecine est fceiivre du lemps , et quelques jours ne penvont suffirc pour eludier, et conuaitre tout ce que les sieclcs passes ont si labori- eusomont enfanté—Golfin. Medicina temporis filia non innlo ao da virtude. Kôra este o objecto especial do meu Irabalho, quo maioria me não fonesceria mui vasta , e fcrlil para o desenvolvimento de minha asserção; e nem me acanho de aventurar aqui , que provaria a de- pendência em que está a legislação quanto a educação publica das regras prescriptas pela medicina ; que para confirmar este meu modo de pensar ahi eslão essas verdadeiras palavras do celcbpe Cabanis;—Se l'on considero les choses plus en grand sans doule 1'éducation publique pour forlifier les amos doit fortiíier les corps , pour reglor les habiludes moralcs elle doit regler les habiludes physiques, pour corriger les passions elle doit commcn- cer pour corriger les temperements (G) I ornando me ao assumplo direi, que não faltarão em todos os tempos adora lorcs das musas, que se servissem de seus cslro* para motejarem a medicina como cousa incerta , de conjec- turas, perigosa, c alé sanguinária! (7) mis não he por certo essa arma, como já com muita razão alguém o disse) que ha de ferir a medicina, que segura, o muito se acha ella para affrontar os tiros de huma critica dosautorisada , e incompolcnlo (8); Mas o medico cm seu praclicar laboiioso com quantos embaraços não tem de lutar; quantos preconceitos a destruir, quantos abu- sos a combater? E no fim quantas imputaçoos inmerecidas a sollrer, c mal reconhecidos a supportar?/ Quem não sabe por ahi que o medico leu» da se ver muitas veses obrigado a queslionar com mesinheiras , e comadres,, que pretendem emendar-lhe o tratamento em huma moléstia porque conhe- tia Constando uma vez ao Dr. Barthez que Mr. Delamurc declarava mui aber- lamenlc nao acreditar na medicina, esse grande medico respondeu: que duvida ha nisso? se Mr. De Lamure falia da sua medicina tom muita razão, (5) lie para admirar que Montaigne, esse sceplico exagerado, que em seos escriptos lanlo alcunhava a medicina de vaidosa, c sem proveilo, ao ver acercar-se d'ellc o termo fatal da vida prestasse cega fé , e crença ate aos impostores remédios de charlalâes Víd a hist. de sua vida. (6) Cabanis— Kapporls du phy^ique , et moral de fhomuie, Meus sa- na in corpore sano—disia um autor, de cujo nome me não lembro agora. (7) Plinio, Petrarcha, Boileau, Lesage , Bocage, Filiulo Eiysio, e mui- tos outros (8) Bem se está vendo, que não ha de ser lá de uma chronica do povo , ou de um motojo de prosador ou poeta , que se ha de traser do passado a condemnaçao para a sciencia de Hippocralis — These do Sr. Dr. i. J. Barbosa de Oliveira pag. 12 do seu prólogo.— ^0 ~ cnm , discm ellas, a virtude de tal beberagem sanla em sua phrnsé para aquellc mal? Que sem numero de moléstias se não tornão rebeldes, e zorobáo dos esforços do medico , que no admirar-se de tal aberração da naluresa , e incííicacia de seu methodo therapeutico vacilla no diagnostico , que hou- vera feito, e ao aspecto de symptomas tão estranhos, procura porem debaldc oncnlar-se sobre a perturbação, que o doente lhe apresenta, e que honteni nem de leve elle previa , mas quo hoje o assusla sobre modo , e o faz ar« recear-se da vida do enfermo ; porem nâo sabe elle (e nem o saberá , que muito cuidado haverá em oceultar \\\'o) quo hum conselho de curioso veio emendar sen tratamento que se acreditou errado, c que huma poção, ou outra qualquer panacéa de charlatão foi a causai de tal desarranjo; o mal do medico se mui adiantada for já a moléstia para que possa elle conseguir sa«a-la, porque então não faltará quem o aceuse de sem prestimo , e igno- rante, e a medicina de impostora. (9) Quantos indivíduos se não entregUo no mai tr gráo de segurança em mSos mercenárias de charlatães e impostures, que se annunciao possuido- res de segredos de infallivel virtude para esta ou aquella moléstia? Apro-" veita se hum desses miseráveis da credulidade do homem honrado , mas pouco perspicaz, faz com que se lhe compre a sua impostora droga a pe- so de oiro, aconselha-lhe o uso por muito tempo ; e he essa substancia as veses hum forte destruidor da economia animal porque sem considera- ção a naturesa da moléstia, idade, sexo. temperamento, estado dos órgãos ócc. o imprislor a- vende a todos, c em tod s as circunstancias, e as veze9 em moléstias diversas , que a sua ignorância, e ambição lhe'não pormitte destinguir ; e ao crédulo submettid» a impericia desse homem o que ac- contece? faz hum continuado emprego do seu encantado remédio, e so ao fim do muito tempo quando ja o progresso , e aggravametilo do mal lerri chegado a hum {?rào muito adiantado, he quo elle começa a desconfiar de haver sido illudido, he então quando as vezes a alteração dos órgãos hc tal que não ha mais remediar-lhes o mal, e a moleslia ja tem assumi- do o typo de incurável, que elle vai buscar no homem da sciencia huni refugio; hum antídoto coutra os terríveis eíTeitos de sua louca credulidade ; mas nesse caso he a medicina impotente , que não incerta , como alguém a julgara ; porque tão certo vae o medico quando cura huma moléstia , como quando reconhece nã alteração, e desarranjo profundo de hum or- Rão importante a incurabilidado de outra. Se porem ja a borda do túmulo' este homem que hoâ serve de assumplo he dahi arrancado pela mão sal- vadora do homem da sciencia, se seus olhos, que ja amortecidos, c sem brilho começavão de modir a lerrivelescuridade do sepulchro., que horri- do c silencioso o aguardava, ao voltarem se de novo para as scenas riso- nhas da vida se não sentirem homodccidos por huma lagrima de gratidád pari com o seu anjo salvador, se mal cuidoso de recompensar os disvclos àd medico considerar a sua salvação como obra do acaso, ou da natureza , se- não de algum milagre, e se furtando-se dosfarle a hum reconhecimento e- terno (valiosa paga aos olhos do verdadeiro medico (10) deixar que pese so- (9) Le mechant flòtrira Ia conduito, ta foi; Lo calomniateur te prètera des crimes; L'homme trompè croira ses discours legitimes; On 1'accusera seul sans penser que 1c ciei Fit a 1'hommc cn naissant Ia loi d'ctre morte!.— Petit — (10) Se se considera a anatomia, ou a medicina só como meio de se $mhar a vida confesso -que tal profissão h« ropuguante, ignóbil, mal ha- — 10 — brc sua cibeça ó feio crirhe da ingratidão, que haverá áhi de mais pungen- te do mais râlador para o coração do medico? Poupai-vos a taes ideas, dir- itic-hao, que tal uao acontecerá ; mas eu responderei : tem acontecido , o muitas veze*; ahi está a historia da medicina clinica, e nao só cila, a his- toria dos povos, da sociedade de outros tempos, e a vista , e a pratica da sociedade de hoje. Nao tratarei , por ser cousa mui sabida, dos graves in- convenientes , e mãos eficitos de que tantas vezes sao causa entre nós a impericia, e ignorância dessas mulheres, que tem por oflicio o partejar; sò Ivmbrareí, que muitas vezes tem o medico de ver com magoa no coração mallogrados seus trabalhos, e esforços pela imbecillidade d'cssas mulheres , i»ue com suas crenças extravagantes pralicâo os mais grosseiros erros, im- possíveis quase sempre de remediar. Ao terminar destas reflexões naõ posso deixar de faltar, porque vejo occahiao azada para isso, de um preconceito vulgar, mui enraizado entre nós do má, e damnosa conseqüência; quero tratar d'essc horror antecipado contra os hospilaes, dessa crença da classe pobre, que pela maior parte julga o hos- pital como derradeiro", e muito incerto recurso de seu padecer, porque para Ia nao entrão senão quando a ultima esperança de cura começa a rsvuecer-sc-lhes n'alma; ou quando a extrema miséria lhes nega o pão, que a moléstia lhes impede de mendigar; he então á necessidade, he a tuiite que com mao de ferro os arrasta á esse asylo hospitaleiro ; mas quando já muitas vezes o mal, que poderá ser destruído pela raiz se em comecü de sco soffiirnenlo buscassem ties infelizes o refugio d'essa gua- rid.i chrislan,' despresado cm seu germinar terrível, e abandonado ao seo desenvolvimento tem lavrado horrível estrago nos orgaos dos míseros, que só cuidavão de alcartear o mesquinho, e as vezes esmolado sustento, cujas qualidades grosseiras." e tantas vesas nocivas terão coadjuvado em muito u progiesso terrível de seus padecimeiUos; e que poderá ahi faser o ho- inem da nobre sciencia? elle que conhecedor da eslructura, uaturesa, e importância dos orgaos, que cornpõ:?m o corpo do homem, e da impor- lancii de suas relativas funeções, reconhece com o pczar n'alma, quo ór- gão mui csMMicial á vida esta profund íinente alterado, que essa alteração incompatiwl em o exercício funccional tem necessariamente do produzir um dcsurraiij >, uma perturbação destruidora da harmonia dos outros actos da vida, e quo d'essa confusão,- e desordem ha de vir a aniquilaçao para » existência do infeliz ! Quo poderá elle lazer de mais alem de buscar amenisar quanto lhe for possível os derradeiros dias do amargurado vi\or U'esse inforiuuado, c lamentar-se de quo a cegueira dos preconceitos, ca ignorância lanlas veses concorrao para abreviar os curtos dias d'essa exis- tência , que já lao acerba , o atribulada coube cm partilha ao homem cá neste mundo/ liem alto fatiarei eu, e direi, que os hospilaes longe de serem considerados com horror como se foráo casas de supplicio, e torturas, de- vem de ser olhados ao contrario como asylos seguros para a índigeneja que soffro, como iuslituição muito nobre; religiosa, e humana para oodo o pobre pode ir seguro de ser recebido, e agasalhado pela caridade chris- lan , onde seus soflVimeutos , e vida são cousas sagradas ao coração do medico, que só vò no indivíduo, que tem do tiatar hum homem, que solíre , e a quem procura miiigar as dores com o mesmo esforço , cui- vida, e mal recompensada -^ Discurso do Sr. Dr. Jonathas Abott 18ii- Le medocin (disait Hyppocratej ne doit etro ni envieux ni injusle envers I autres medecins, ui devoro de Ia soif de l*ór, -Vid.-rcvul. de Ia Medecn par Cabanis — — 11 — dado , c humanidade , como se em vez d'esse miséro coberto de andrà- jos , que implora compaixão, tivesse elle de ameraear-se das dores do rico orgulhoso, que descauça o corpo em leito dourado e repousa a ca- beça sobre travesseiros de setim, e vèludo <1U — Depois do que levo dito sobro tal assumpto , repito que as pessoas estranhas a sciencia nao devem com tanla levosa ajuisarem a cerca dos médicos, e da medicina ; que (como ja foi ponderado) nunca se pode fa- zer um juizo justo sobre cousa, que se não conhece, (12) üs médicos tem jus a maior mérito do que lhes é ordinariamente tributado pelas árduas lucubraçoes, e trabalhos a que se devotão , e em consideração a seu vi- ver tão continuamente sacrificado a seus semelhantes ja em particular, ja reunidos constituindo a sociedade. Admonere voluimus non mordere , pro* desse, non laedere, — Erasmi — [ti) Nem me considero muito exagerado quando assim considero o medico, o verdadeiro medico ; que se houver algum que se deslise deste pensar tao phylanlropico, esse nao o tenho eu por medico, mas sim por mercenário , que rebaixa a nobre profissão. Devemos alliviar as dores do infeliz pobre com o mesmo esmero com que procuramos mitigar as do rico, pois triste d.o miscro se vem a perceber, que é despresado em seu pade- cer ; que o curativo feito por mao fria , e indiffereutc lhe augmenlára o soffwmento, e não aproveitará.—Cest parce que le pauvre entre a 1'hos- pice au uom sacro, et saiut de Ia charité , qu il doit étre traité avec compassion, car te malheur á sa mageslê — E. Sue. les misteres de Pa- ris — Car aussi iindigcnt qui chérche Icyr aumòne, Comple ses jours comme un tresor. [Victor ílugo.) (12) On ne peut bien juger une cbose qu' autant qu' ou Ia connait. — Pujó— A CERTEZA EM MEDICINA. =sna»s«g) La philosophie dos causes prémières bouleversiit donc conlinuelle- ment Ia philosophie naturolle. Ia morale, et Ia medecino. Hippocr.itc sen^ lil , que los diversilés d'opinions dont il etait temoin n'étaieut pas con- ciliablos. II dut pre\oir, quo ces disputes seraient éternelles; et que si Ton ne voulail formor Ia medecioe que sur Ia solulion de cos questions ello seraíl toujours á faire Vid. Lordat. lições de Phisiolog 1837 pag 122 e 123. ('ò) Estes íicão incluídos no numero dos que trazem elementos acces- sorios e estranhos para enredar a questão. (\) Et quelques fois on prend 1'impotcnce par 1'inccrlitude de l'art. —Uaigc Deforme.— 4 — U — parles, que deviSo ser separadas para o examo; assim unirlío o que havia de substancial (5) c certo na sciencia ao que cila lem de conjectural, e hypolbclico, e ligarão o que era fado conhecido pela observação, confir- mado pela experiência, o que lei rigorosamente deduzida destes fados pelo verdadeiro melhodo induetivo, ao que tão somente era meio explicativo, opinião hypothelica ; faclos ilbados sem base para esteiar-sc; confundirão emfim noções experimenlacs bem adquiridas, marcadas do cunho de hurna certeza physica com observações incompletas, onde só havião probabilida- des á confirma-las. (6) Por ultimo vem os que amadores apaixonados dessa divisão da scieucia, que quer independenciar a cirurgia, da medicina interna, tem anteposto á certeza d^quella a falibilidade desta : mas á esles eu me antecipo desde já á responder; que não se pode considerar tal inde- pendência possível na theoria, e nem na pratica da medicina; e eu sem- pre considerarei a medicina operaloria como um meio seguro, que possuo a sciencia quando os outros recursos therapeuticos nao forem validos. Este conhecimento fino, c importantíssimo das occasiõos em que se faz necessário o soecorro do cirurgão, ou operador, não requer menos profundidade do noções da sciencia geral. Neste trabalho não tratarei eu da cirurgia como sciencia aparte, e sim como aquclla que partilha com a sciencia cm geral tudo quanlo de favorável tem. Sao os meios cirúrgicos os recursos pode- rosos , e quase sempre derradeiros da lherapeutica; c lá çslá a razão da segurança da cirurgia na facilidade de conhecer as indicações necessárias ú prehenchcr, na mais fácil observação das moléstias , na menor impor- tância dos órgãos, que não se furlão á vista do pratico; mas se quer-sc fallar do que só requer hum trabalho mecânico , não he isso o que cons- tituo a medicina operaloria essencialmente A falta de conhecimento do modo de obrar dos medicamentos, a di- vergência no modo de tratar as moléstias , os systemas , que suecessiva- mente lem reinado , e cabido para dar lugar à outros lão bom tem ser- vido de armas conlra a certeza da sciencia. Toca ei em todos estes pon- tos em lugar conveniente. Terminando aqui estas considerações sobre os modos porque tem sido ventilada a questão eu me approsso à examina Ia do modo que entendo necessário para achar um resultado verdadeiro. Serei conciso , c muito; porque todo o desenvolvimento, que o assumplo requer nem o posso ou dar, nem cabe cm hum trabalho desta natureza, em huma lhese de can- didato ao—Doutorado em Medicina. He o homem em todas as épocas de sua existência, em todos os gráos de seu desenvolvimento quer physico, quer moral , cm todos os estados de seu organismo o objecto único da medicina ; p.or elle só emprega ella todos os esforços, todos os seos trabalhos árduos, e aturados; infatigavcl tem passado por cima de tantos séculos a investigar , e recolher todos os meios de melhoramento, todos os ulcis possíveis para o fito de seos des- velos, para o filho querido de seu coração. Vive o homem no estado de saúde, isto he, existe huma harmonia em todos os actos de seo organismo, huma reciprocidade concorde em todas as suas fnncções, uma relação necessária, e natural entre os seos órgãos (ü) Vid a divisão geral da medicina feita por Lordat em suas lições de Physiologia. [6] Deste modo de encarar a questão já se esiá vendo, que naõ po- dia vir oppinião verdadeira sobre a certeza da medicina. — 15 — e os ngentcs exteriores, quo os esiimulSo couvenicntemcnle, e lhes dSo os maleriaes de sua reparação, no meio dos quaes vive elle de necessidade, mas cuja acçâo deve estender sua influencia à limites prescriptos: pois bem , o homem mesmo neste estado de saúde , que acabo de descrever lie objecto da medicina, porque he cila a encarregada de conservar essa saúde , a que prescreve esses limites aos agentes exteriores , a que busca manler esse grão preciso de consonância reciproca , e acções acordes, que constituem a vida physiologica. Essa parte da medicina se chama Hygiene. Mas houve dosarranjo no funecionar dos órgãos , ha desinteligência entre o mundo individual, soja pcrmitlida a phrase, e o mundo exterior, o homem sofire; he a medicina quem ha de reconhecer a causa d'esse dosarranjo no trabalho da economia , a sua natureza , os dados, os signaes, que o denunciao, a marcha, que seguem os phenomenos, o terminar da doença &. Este ramo complicadissimo da sciencia constitue a Palhologia, e ba- zca a arte do Diagnostico. Conhoco-se a origem, a causa da moléstia , sabe-se da sua natureza; vem ainda a medicina restabelecer a saudo transviada com seus meios mais ou menos poderosos. E quando se nao conhece a natureza, e sede d'cssa desordem palhologica, então vem a experiência em soecorro do in- feliz, que sofire com esses agentes, cujos efieitos nos são afiançados pelo testemunho dos séculos e de cujo emprego resulta a salvação da victima, que ja era volada ao traspasso derradeiro. Ésla terceira parle forma o dominio da Therapcutica. Assim tenho eu dividido a sciencia cm trez parles: Hygiene, arte do Diagnostico, e lherapeutica; examinarei agora cada huma destas parles se- paradamente ; e procurarei mostrar em geral o que ha de certo, e o que de provável, e duvidoso em cada uma d'ellas ; e só desta maneira espe- ro attingir o termo da questão , como m'o pcrmitlir o pequeno cabedal de minhas forças. ÍIYGIEINE. Tem ella a seu cargo conservar a saúde, e restabelece-la muitas vezes como meio lherapeutico; quaes deverão por tanto ser suas ba- zos? O conhecimento do organismo do homem, e de suas funeçoes em integridade, (a anatomia e a phyziologia): o conhecimento dos meios, que ser- vem de conservação a saúde, mas que podem altera Ia por suas qualida- des viciadas, e destruidoras, ou por suas quantidades exageradas, ou de- minuidas. Temos por tanto o estu Io do ar, das águas, dos alimentos &. Temos por baze da hygiene a physica, a chimíca inorgânica, e orgânica, vegetal, e animal , e a physiologia ; daqui ja se está vendo, que as indi- cações, que a hygiene tirar de suas bases , o que tiverem recebido a san- sãô da experiência muitas vezes, e por muitos repelida, e que forem tira- das da observação em suas indicações necessárias, (7) terão o caracter de huma cerleza absoluta; islo he cm quanto as duas primeiras sciencias, que formão a base da hygiene; as outras merecem um exame a parle. Nin- guém tem negado a existência do certeza absoluta nos phenomenos phy sicos; fora isso absurda, vislo que taes factos são submeltidos a todas as torturas da experiência, e sempre nes dão os mesmos resultados; mas se assim he O) Vid. Sennebicr—1'art d'observ.— — 16 — não se negará o mesmo gênero de certeza nas leis , que pelo racioclnrd forem rigorosamente deduzidas desses factos, bem que scjâo o resultado du huma operação mental, por tanto o que houver de lei physica no dirigir dos meios -da hygiene tcrà tão bem o cunho de huma certeza absoluta: an- tes de passar a chimica exemplificarei o caso para, tornar mais saliente o meo raciocínio De observações , c experiências sobre o calorico o seu modo de obrar nos corpos se lem lirado entro mil outros resultados o seguinte: que nos corpos brancos e polidos o poder de rcfraclar a luz, e o calorico he muito maior do que nos outros , c por tanto a *acção ab- sorvente he muito menor nos primeiros do que nos últimos ; desla lei tirou a hygiene huma applicação para o homem aconselhando-lhe de pro- ferir na quadra "dos grandes calores o uso das roupas brancas ao uso con- traiio. Assim como esta, muitas ouiras leis de igual cunho de veracidade fira o hygienisla dos conhecimentos physicos; assim a respeito das tempe- raturas dos banhos ; das evaporações dos pântanos , da construcçao úus cazas penitenciárias &c. Passemos a CHIMICA.—Da inorgânica o mesmo se pode dizer, que a respeito da physica ficou dito ; d'ella são tirad.is Iodas as leis da hygiene sobre a qualidade do ar, das águas, a natureza dus vestidos, o uso dos cos- méticos , conservação dos dentes , dos c.ibellos &c A chimica orgânica vou examina-la nà questão das leis physiologicaí. O estado do organismo do homem em seo trabalho complicado he a parte maior da base da hygiene; mas o que haverá de certo cm o estudo ria physiologia, o que de provável, hypolhotico, e mesmo falso ? Poderei eu responder á taes questões? vejamos. Audentes fortuna juvat. Esto trabalho complicado do organismo conslitue a vida, d'clla se co- nhecem seos agcnles, seos offeitos, os f.ictos cmfim, que a caracterisão; mas a sua essência, esse movei secreto, es o principio animador da nos>a existência náo o conhecemos ; o virá da ignorância des c quid a duvida, e a conjectura para a scienca? [8| Eu creio firmemente, quò nao, \út> corno tal Lcuna , se assim se pode chamar, he partilha do ledas as «ci- ências, que tem por base a natureza inorgânica, e organizada, e d'ahi ll.es nâo vem obstáculo á sua realidade, que não ha huma só, qr.e se po-sa ufanar de conhecer as causas primarias de quantos | henomenos as consti- tuem; e se náo que venha a physica exemplicar o que hei dito, como a sciencia, que mais alardea de solidez, e certeza; busquemos as bazes cer- tíssimas em que se firma ; quaes são ellas? A altraçno, e a repuisão, res- ponderá o physrco. E nós lhe perguntaremos: conheceis vós a natureza, a essência dessas forças, que daos como causas primarias dos pbenomcnos physicos? Podeis explicar nos o que ellas sojão em si? Não por certo, por- que tal cousâ he inaccessivol aos vossos meios de conhecimentos , e vos escapa ; mas podeis com muita certeza estudar , conhecer , c explicar a acçãa dessis causas no desenvolver dos phenomenos da natureza ; podeis, observador atilad >, senhor do campo cm que circunscreveis vossas obser- vações, proceder á vossas experiências, e se vos coinier lepitilras, porque vos he permittido collocar-vos de oo\o nas mesmas condições, quando o julgar-dos necessário. Quereis apreciar um phenomono da natureza geral vós o separaes de qualquer outro que possa influir sobre este, que por- lendeis só explicar ; e depois de o submelter des á vossa observação, e à (8) Aqui he que cabe examinar a questão, que sò indiquei no começo êo meu trabalho. — 17 — vossa experiência raciocinaes sobre elle , fazeis a comparação deste coni outros conhecidos , empregaos o rigoroso melhodo induetivo , e obtendes em resultado de vossos trabalhos leis certas, e invariáveis, que vos reve- lou a própria natureza estudada convenientemente. Mas là ficarão sempre oceultas as causas primarias de todos os faclos, que o physuo estudou, que isso he segredo, que a natureza não revelia; {9j mas lao bem não servio isso de entrave para constituir-se a Physica em huma sciencia do leis verdadeiras, e constantes, e de uma certeza rigo- rosa, e absoluta: assim como ao chimico náo servirá de tropeço o ignorar a causa da affinidade , c cotnsão dos corpos para praticar todas , e quantas operações se possão fazer o'ossa sciencia , operações aliás explicadas por essas forças de natureza incognila. E para que deste exemplo que trouxe das sciencias physica, e chimi- ca, que ferre muito para mostrar que nenhum mão cffeilo nos traz a ig- norância das causas primarias para o estudo dos faclos , e deducção de suas leis, se nao vá concluir, que eu considero a mesma facilidade quan- do se trata da physiologia ou me apresso cm mostrar de passagem no es- tudar esses faclos, c essas leis a dilíerença, que existe para o estudo das leis do organismo. Esta questão he toda diversa Muita differcnça por certo existe entre a matéria inorgânica, que forma o domínio da physica, e chimica, c a matéria organisada . que constituo os órgãos do homem , e que forma o objecto da physiologia ; e por conseguinte muito hão de ditlVrir as leis da natureza geral das leis da natureza individual, sem que todavia se possa dar a estas huma independência absoluta d'aquellas, que Iodos conhecem o quanto he o homem modificado pelos agentes externos, origem fecunda de seus soffrimentos, mas lãobem causas indispensáveis de sua conservação, c melhoramento. Elucidando este ponto eu me afasto hum pouco da questão, que faz objecto do meu trabalho ; mas como tenho de analysar o gênero de cer- teza das indicações hygicnicas pedidas a physiologia, eu nao acho cousa disparatiuo, (se nao he necessário,) o exame das leis pbysiologicas compa- radas as leis das sciencias dos seres inorgânicos. Os meios que o homem tem a seu alcance para estudar os phenome- nos, comparar os factos, notar-lhes as differenças , as analogias , as rela- ções mais ou menos sensíveis nao differcm nas duas espécies de sciencias: assim lemos os meios, que nos dà a observação immediata dos phenome- nos , os fornecidos pela experiência directa , e indirecla , e os que nos concede o raciocínio, estes meies, que se tem chamado artificiaes ("10) por que sao filhos de nossa mente , sao creações do nosso espirito afimí rio podermos destinguir, e coordenar os phenomenos, c chegarmos descar- te ao conhecimento de suas leis. Onde existe então a diíTerença? existe no modo , e no resultado da applicação destes meios ao estudo dos pheno- menos ; porque na physica. e chimica os phenomenos são simples, podem ser submoltidos a experiência separados, c livros da influencia dos outros « — Fazer huma experiência cm physica, e em chimica, (diz M. de Blainville) (11) he, na primeira sciencia, estudar hurü phenomeno único em todos os cor- pos, que se submelte a huma acçao determinada afim de conhecer a lei deste phenomeno; e na segunda, he estudar hum corpo debaixo do pontrf de vista da acçao dc.sse corpo sobre tal, ou tal outro, ou da acçSo deste T9] It is lhe secret of lhe aulhor of nature — Tuker — ["10] Vid. licoe> de Physiologia por M. Blainville. Tom. 1 pag. 36. [11J Obra citada pag, 45. l ° 5 — 18 — outro sobre o corpo , que se quer conhecer; a reunião d'essas experiên- cias dá o que se chama conhecimento do corpo , ou leis do phenomeno: por cxemfplo para «rmhecer a qualidade dos corpos o physico pode collo- car hum corpo, e, todos os mais suecessivamente quer no vazio mais com- pleto, quer cui fluidos de densidades diflereirtes, subtrahindo esse corpo, que se experimenta a' qualquer outra circunstancia, que possa1 modificar d resultado da experiência» Appliquémos agora1 a questão a physiologia^ on- de tudo se encadeia , onde os orgSos* reagem continuamente huns sobra outros complicando dcst'arle os* phenomenos , onde emfim se ha1 de cslar a notar a influencia , que de necessidade continuamente exercem sobre a economia os agerítí's de (Tira : aqui a diíficuldade he sem duvida muito grande, vrsto que para analysar hum phenomeno do corpo vivo nao o podemos separar dos outros, que concorrem com aquello para que o ani- mal viva; mas a vida continuando (porque de outro modo o phenomeno, que se pertende analysar cessaria de existir J deve necessariamente ser in- fluenciada pela atmosphera, luz, calor &, he mister, que o animal conti- nue a a1imeiitar-se, e a nutrir-se, que os movimentos de composição, o decomposição, que Consliluem a vida se continuem durante a experiência; o então não ha so o phenomeno, que se quer conhecer, porem mil ou- tros , que s*e vem unir a' estes , e que d'elle náo podem ser separados; Mas d'islo' tudo o que so poderá concluir? Creio, que o seguinte : que a scietícia physiólogica he muito mais dillicii no estudar de seus phenome- nos, no pesquisar do suas leis, mas não menos real d Agora eu tiro em coroliaiio àz suas palavras o seguinte: a conlinuação nos tra- balhos de aperfeiçoar esses conhecimentos physicos, chimicos, e anatômicos, irá juntando ao grande numero de phenomenos explicados, outros que ain- da hoje precizao de explicação. — 22 — íamente vitacs , moléstias do principio vital com a organisnçSo integra^ c ainda que esta lal nos pareça, podemos dizer que náo se conhece a mo- dificação, mas nunca assegurar, que ella não existe ; e eu tenho por mim ao homem celebre da Eschola de Monlpellier o grande gênio, que com trin- ta annos mal completos já n'essa Eschola regia huma cadeira, e redigia a celebre gazeta litleraria da Europa, Barlhcz emfim. O que diz elle u cerca do seu principio vital, como o considera, que importância lhe attribue? * O principio vital (diz elleJ deve ser concebido por idóas distinclas das que se tem dosattribulos d'alma, e do corpo; porque se elle he huma; modificação, ou emfim um quid proveniente do modo de arranjo mate- rial necessário para produzir certos efieilos, escapa ás nossas concepções; e se os phenomenos physiologicos- dependem dalma, este ser obra aqui por modo mui diverso d'aquelle, que segue no exercício das funeções intellec- tuaes ; d'onde rcsulla , que o conhecimento das propriedades sensíveis da matéria, nem (Palma nao nos são de utilidade alguma para descobrir as leis da causa da vida, > Logo nao era Barlhcz exclusivista, que se o fora não encontraria possibilidade no consistir o principio vital em modificação» material, ou em cousa, que dependesse muito do organismo. Não analyso a segunda parle de sua opinião porque nao mo cabe á mim faze-lo, nem he minha questão essa; só direi que a psycologia não deve ter lugar em explicações de faclos physiologicos. Antes de deixar este assumpto , quo para mui longe do meu me condusiria se eu o fosse seguindo do modo porque as idéas me vem suecedendo na mente, darei lugar aqui á mais esla reflexá-o: se eu der como explicadora da digestão huma faculdade di- gestiva do estômago, da nutrição uma faculdade assimiladora, fico tão igno- rante acerca de íaes trabalhos depois da explicação como o estava d'antes; porém se eu for pedir a chimica e á anatomia, que me expliquem o tra- b>lho assimilador (a funeção physiologica)-, o que me ensinarão estas scien- cias a tal respeito ? Uma me fará conhecer somente a textura intima do orgáo aonde se passa o phenomeno , o seu parenchim-a serpeado de inu- meros vasos de hum volume decrescente, ao infinito; c esses vasos cheios do liquido reparado^ e esse liquido (m'o ensinou a chimica organicaj con- tóm os elementos da composição do orgáo; ora o tecido ifcsse orgao atral.tr a si esses elementos que existem no sangue, apodera-se delles, com elles se combina &. &. Alé aqui se tem dado alguma explicação do fado, o mais satisfeito estou com cila do que com a primeira; mas nao está in- teiramente explicado o pheuoroeno , porque se não disse como se operou essa acção do tecido sobre o sangue, como se passou essa transmutação, ahi náo houve puramente huma combinação chimica ordinária; sem duvi- da, que o órgão ahi náo fez o papel de hum cadinho do laboratório; al- guma cousa falta a explicar, mas ha tãobem alguma cousa explicada. Trabalhemos por ver se se pode chegar à completa explicação do phe- nomeno, mas não nos contentemos de dizer: isso he devido â huma força assimiladora, a hum acto vital ; admitíamos, que ha muito de physieo, e chimico nos phenomenos da economia animal, que a sciencia phisiologic» não está muito adiantada, que elfa tem muito a esperar dos progresso» do estudo feito sobre o trabalho da inervação &c. Do modo porque analyset a opinião dos vitalistas jà se vê, que tão bem não sou materialista exclusivo nao quero achar no que se conhece hoje da matéria a explicação de tudo quanto se passa no homem; e por isso os seos systemas de explicar os actos dos órgãos no estado de saudc> c a natureza das moléstias não me são agradáveis, nem os aceito. — 23 — Nao sou materialista da seita de Donzclliui (18) e Boerhaave (*) que ex- plicavao a natureza das moléstias pela sua physiologia toda mecânica, que suppuuhão, ou antes querião fazer acreditar, que a ioflamaçáo, e as con- gestões sangüíneas erao devidas a entrada de globos sangüíneos de hum certo volume cm vasos, cuja capacidade era imprópria, por acanhada, para deixar, que esses glóbulos circulassem , c por tal obstáculo se demoravão nos vasos , e produziâo a inflamação. Chamavâo a isto hum erro de lu- gar , e explicaváo a circulação pela capillaridade. Mas com desprezar a doclrina d'estes physicos exagerados, não o sou eu tanto no sentido op- posto, que desconheça, que alguma, e muita cousa ha de physico no nor- mal , e palhologico dos trabalhos da economia aoimal, nem tão myopes, que não enxergue as leis das'vibrações dos corpos , por exemplo, expli- cando, ale' hum certo ponto a funeção auditoria, ou nas parles, que (cons- tituem* o olho hum typo dos instrumentos dioptricos. Não vejo /'como Sil- vius e Baumes apologistas fanáticos das theorias chimicas) fermentações de diversas naturezas nas diversas funeções do organismo; nem dou valor al- gum a suas explicações de moléstias pelo excesso de ácidos, o alkalis, daudo ora hum espessamento, e ora huma liquefação aos humores ; mas noto muita cousa de cbimico na formação dos cálculos vesicaes por exem- plo, na acçào de certos venenos , e em seus antídotos &c.' ; e mais ainda no trabalho da chymificação alè um certo ponto; em a natureza de certas secreçoes, de certas alterações do sangue &c. &c. Isto comprova o pensa- mento , que emilli acercado principio vital quando analysei a doutrina dos vitalistas. Mas vamos por diante com a miuha revisão succinla dos syslemas. Como poderei eu, sem ser arrastado por huma mania sistemáti- ca, acolher, e seguir a doclrina de Galeno, e Oribasio, dos humoristas em- fim, que dao aos líquidos o lugar de primazia no organismo, a sua phy- siologia, que só estuda a boa composição dos fluidos, c a regularidade de seu curso, a palhologia, que só vê alterações em a natureza dos líquidos, e falta de ordem cm seu circular, que da natureza das moléstias só en- sina alterações da bilis, dos suecos gástricos, da lympha, do sangue ; hu- mores Crus*, humores coctos &, &? Que quer dizer esta palhologia, que esluda produclos indopendeutes dos produotores , que analysa o sanguo alterado som lhe importar os órgãos , quo o elaborao? Mas eu tenho de dar o meu modo de pensar a tal respeito ja que to juei o este ponto: pois bem. Eu entendo, que ningnem negará, que o sangue possa alterar- se ; a chimica orgânica, e anatomia pathologica o tem demonstrado; atè a priori pelo conhecimento de seu modo de elaboração isso se podéra con- ceder. Mas o sangue se pode allerar, porque do meio ambiente donde lha vem o material necessário a sua confeiçào lhe veio principio nocivo, ou não lhe veio aquclle d« que elle havia mister ; pode alterar-se porque hu- ma substancia deletéria se introduzio em sua massa (nas intoxicações, nas mordeduras virulonlas &cj porque ha excesso, ou falta de certos princí- pios, que entrão em sua composição ; e até aqui temos o sangue alterado primitivamente, que não doente ; e só depois que elle se vae assim insi- nuar nos órgãos , estimula-los inconvenientemente , he que a moléstia so manifesta pela rcacçáo d'estes , pelo desarranjo funccional causado por estimulo estranho de* natureza nociva &. Porem o sangue se pode alterar porque os órgãos , que o elaborao [e assim do sangue, como dos mais' (18) Donzclliui. De usu mathemalum in arte medica. (*) Boerhaave—Methodus discendi Medicinam. — Ql — fluidos,] estão pervertidos, soffrem, não podem dar bons produetos de nnl trabalho imperfeito por desarranjo do instrumento , ou orgao. O estôma- go, que padece não comutla alimentos, haja a melhor natureza, e quali- dades n'eslcs para soffrerem este trabalho o chymo he u.áo , e por sua >ez este chymo mal elaborado não soffrerà do órgão chylificador, que lem necessidade de que o material de seu trabalho traga certas condições de natureza, qualidade &, necessárias ao prehenchimenlo d'esta segunda fune- ção, nao soflrcrá, digo, huma elaboração conveniente ; haverá hum chylo alterado , que assim nao poderá , submeltendo-se a acçao do orgáo san- guificador, ser reduzido a um sangue conveniente, mas sim alterado; e o que causou esla alteração do sangue? A anormalidade no estado do es- tômago, o seu padocimenlo ; e o que se ve daqui he que os líquidos se alleráo primitivamente , e produzem consccutivamontc a alteração nos ór- gãos, a desordem nas funcco.es ; e que os órgãos soffrendo primariamente dao líquidos pervertidos. Mas eu disse líquidos , c sangue alterado e nao doente, e he verdade para mim , e não só para mim, mas para homens do mais gigantesco saber, (muito a quem dos quaes talvez eu sempre exis- ta,) para esses digo, o sangue allera-sc, c produz a moléstia, mas essa mo- léstia he caracterisada pelo desarranjo funccional em virtude da alteração do orgao , o sangue pode ser causa geral do desarranjo geral , no trama orgânico , no trabalho vital &, (no escorbuto por exemplo) ; mas nao foi o sangue , que adoeceu ^ náo he no sangue, que existe a moléstia ; lá só existe a Causa ; emfim o sangue altera-se , mas não adoece ; dá o mate- rial do organismo, mas nao he orgao; a denominação de — caro culens — de Bordou, foi beíla sem duvida, mas muito exagerada. As opiniões todas dos solrdislas se reduzem a isto ; que todas as mo- léstias dependem do augmento , ou da diminuição na vitalidade dos ór- gãos ; o estado sthcnico , e asthenico do Brown náo he outra cousa senão, o estimulo, e contra-esti mulo de Bassori ; e isso valo o mesmo, que a ir- ritação , e abirritação de M. Broussais. O que ha de diverso n'estos syste- mas he o modo de encarar os casos que denunciâo esse augmento, e essa «lominuição da vitalidade. Brown, por exemplo, dizia, que em com molés- tias só írez se encontrâo devidas ao excesso de força ; Broussais ao eori- irario ensinava, que em numero igual de moléstias, fraqueza, ou doiuinui- çáo de forças só cm trez se havia de encontrar. Que havemos de conje- cturar de tal opposição? Eu por mim seguiria o conselho do celebre Ras- pai! fse me houvesse feito cargo de analysar os syslemas especialmente, se fora isto meu verdadeiro ftto,^ o qual diz:t Ne vous hàtoz jamais de pren* dre parti, avant d'avoir bieu pose Ia question ; mais tachoz de bieu po- scr Ia queslion, et vous decouvrirez alors que les dcux parlis diametralcment opposés parlaicnt d'un príncipe égalemont erroné.(19) Os systemas são de reconhecida utilidade em medicina ; elles são, como diz M. Caizergues, outros tantos raios de luz,' que vem atlumiar suc- cessivamenle as differentes faces de hum objecto, afim de melhor apercebermo-nos das menores circunstancias, modificações &: mas todos elles. alem dos faclos observados, e confirmados pela experiência, e justo raciocínio, tem de mais theorias filhas de hypothezcs , que a observação náo justifica , c menos a experiência confirma ; rnas que o gênio exaltado de seus auclores erra Com generalisar faclos, sem que os particulares, donde aquelles sc-devem deduzir estejao já bem conhecidos, c analizados ; com relacionar, e até' (19) Raspai! — Chymie organique pag. 2V3 vol. 2»— — 25 — ligar de baixo de huma mesma ordem, e classificação phenomenos, que nao tem huns com outros ponto algum de contado; com forçar as analo- gias &. Todos os syslernas tem por tanto seus bons , e mãos (20) ; por conseguinte do seguimenlo cego d'este ou d'aquelle systema exclusivamen- te não só provirá grande mal para a sciencia, e suas indicações therapeuticas, mas até hum alraso para a certeza do diagnostico; e por isso vou eu consi- derar em analyse o o systema de Broussais, e mostrar, que não sou ex- clusivista, que seguiroi d'osse homem celebre o quo elle ensiuou de ver- dadeiro , e certo : nao tenho amor excessivo por systemas, porque conhe- ço, que seus auclorcs exaltados querem muitas vezes submelter a nature- za aos cálculos de seos gabinetes ; chegao muitas vezes à recosar-se de acreditar o que seus olhos eslao vendo porque laes observações vem con- trariar as idéias, que professao sobre lal phenomeno, que tem elles ex- plicado de huma forma, e de hum modo, e essa hade ser a verdadeira explicação , hade ser a certa ; e quando a natureza os vem desmentir em seus ennunciados, elles a desprezao como cousa de pouca importância , porque os resultados rigorosos, que da natureza se deduzem não estão em harmonia com as leis estabelecidas pelo pertinaz systematico; — d'estes disse M Charrin com bastante sal: lis ont ( les syslemaliques ) de faversion pour lous les travaux, qui ne sonl pas elastiques, et qui se brisent, plu- tòt, que de flochir sous les élTorls de subtils, et vaias raisonnements. (21^ Quero por tauto seguir o conselho do Sr. Caizcrgues: — Nous devoos ctu- dier les systemes em modocins ecleliques: car chacum d'eux repóse sur uu certain nombre do faits vrais, et qui ont ôté observes dans le príncipe sans aucuo esprit de secte. 22] Ninguém poderá sem ingratidão exagerada desconhecer a utilidade, e grande bem, que Broussais, esse sublime genío, trouxe a sciencia medica. Ahi está o seu livro djs Phlegmasias Chrouicas, as suas lições do Physiolo- gia ; obras que podem ser olhadas como padrões de gloria para seu au- ctor, onde de p.ircciia com o raciocínio mais exacto brilha a luz do seu saber immeuso ; mas esse mesmo grande homem deixou so arrastar pelo impul- so de sua imaginação ardente : e havendo cwm tanta razão censurado os enthusiüslas dos systemas exclusivos (215) cahio no mesmo erro quando quiz que o seu único systema fosse o reformador da medicina de tantos séculos. Estabelecoo Broussais, como já dissemos, a Irritação, e Abirrilação. Em huma ha excesso de vitalid ule orgânica, cm a oulra falta ; mas elle nao dà a segunda senão cm casos extremamente raros. A sua irritação he sem- pO) O Dr. Giuseppc Frank so exprime d'esle modo no seo Prólogo à traducção do systema de Brown L'amor excessivo per a syslemi ha riltardilo inai sempre i progressi delia nostra professione. Credo peró de nulla az- zardaro, dicendo , cho egualmente li rittarderebbe Ia soverchia indolenza neiresaminare le seóperle che tutti di si vanno facendo nclla scieoza. (21 I Chacun sail (diz o Sr Gordy ' que lorsqu'une theorie en medecine a été adopté, son autour soit aveuglemont, soit opiniatreté, veut dés lors ployer lous les resultals lherapeutiques sous les lois de celle theorie.» Tu as beau faire, petile verole s'écriait Chirac jo faccoutumerai a Ia saignéü! [22] lntroduction aux leçons de Therapculiquc —Par M Caizergues. [23] lis font en sorte fies systemaliques.) de cacher leurs defauts aux? yenx des autres de pour de se voir reduits a renoncer a un travail que íeurs est cher, parcequ'ils lui out consacrés toute leur vie. (Broussais—Examen des doclrines medicaks.) 7- — 2G — pre idêntica cm natureza, he como elle o disse hum fado primordial em palhologia; como a acçáo orgânica he hum facto primordial em physiolo- gia; e dahi partio" elle para a divisão dos diversos aspectos, em que po- dia mostrar-se a irritação, as suas modificações principaes, as quaes todos, que o lem lido, ou a seos sectários conhecem. Se o productor do excessr» vital nos órgãos for o sangue, o aspecto da irritação será inflamatorio, se for o fluido nervoso a irritação será nervosa; islo he, devida à presença de maior porção de fluido nervoso, mas ficando a sua natureza sempre a mesma &c &c. Ora aqui foi elle muito exagerado, porque do dizer se, que a irritação he sempre idêntica, que não diflere senão por seus gr;'ios, por sua sòdc, conclue-se, que não ba a ver na irritação senão huma qualidade, diflercnles gradaçôes e diversas sedes porque diversos órgãos podem ser irritados; e cm corollario se tira ainda, que as moléstias virulcntas, etnfim a existência das aííecçocs de natureza especial he huma fábula em medi- cina; mas isto he o que não tem nada de verdadeiro; porque ninguém dirá, » não querer ir contra tudo que he observação, raciocínio, e experiência, que a syphilis, por exemplo , he em sua natureza huma irritação como a descreve Broussais; será huma irritação, concedo, mas huma irritação de natureza mui diversa da intlamatorra, por exemplo, c de qualquer das ou- tras do Sr. Broussais; que todas ellas dependem do só augmento da acçao orgânica, trasendo hum obstáculo á livre funeção do orgáo, onde ella se manifesta, e islo exclue a idéa de perversão d'cssa acçao orgânica, c da modificação ern a natureza dos líquidos ; e por tal nao admille a exis- tência dos vírus; mas se a experiência clinica de todos os dias prova o contrario; se nós vemos, que da applicaçao de um irritante sobre nossos órgãos, do natureza conhecida, e do qual so se pode augmentar esse po- der de irritar , mas não sua natureza , ha de resultar huma irritação lao- bem conhecida, que poderá manifestar-se difforente em gráos, mas não cm natureza; se nós vemos, que da introducção de hum simples espinho na pelle virá orna erysipella, ou hum phlegmao e que se o espinho nao for tira- do terá de ser expellido pela suppuraçáo. com que se podo contar , e » indivíduo se rcstabeltecerá com presteza ; mas so esse espinho for impre- gnado do virus syphilitico, da saliva de hum animal venenoso, ou enrai- vecido hão de vir phenomenos de huma ordem, c natureza toda particu- lar, e diversa, e que para aplaca los, o dcstruil os far-se ha mister de hum rmprego therapoutico mui diverso , porque os antephtogistieos serão insuf- ficiontes para debelar o mal; se vemos , e sabemos de tudo isto, o que devemos concluir? O seguinte.* que o Sr Broussais não teve razão quando quiz reduzir a natureza da syphilis, dos darlros, da bexiga (2\) da hydrophobia, das escrophuias, e de muitas outras moléstias a huma simples irritação or- dinária . a hum augmento de acçáo orgânica. Taobem se enganou o Sr. Broussais quando considerou as febres intermittentes como inflamações, em diversos gráos, do tubo degeslivo; porem mostrou o "Sr. Broussais grande talento, c graude saber , c muita razão quando destruio a thooria das fe- bres essenciacs, quando mostrou casos , em que a existência de phlegma- sias gaslro inteslinaos , produzindo irritações syrnpathicas , podião simular hum grande numero de moléstias , cujos symptornas só dopendião da [2Í-J Todos, que tem lido as obras deste auetor, sabem, que elle con- siderava a bexiga como huma gastro-enterite acompanhada sempre de hurn tpiphenomeno de erupção cutânea, que ello olhava como constante. O mes- mo auclor considerou a raiva como uma irritação do phaiingc. — 27 — existência dessas inflamações: e assim como estes mil outros úteis para a arte do diagnostico, e para a therapeulica. Quando tratar d'esla ultima ain- da terei de fallar desse celebre homem. Sempre que tenho fallado aqui em natureza de moléstia, c assim da- qui em diante, náo me rcQro senão a aquíllo, que os fados observados no organismo do homem nos mauifestáo. Quando digo, que se conhece de hu- ma moléstia a natureza inflamatoria , por exemplo , he o mesmo que so dissera, que se conhecem os phenomenos, que constituem o que se chama huma inflamação em hum orgáo, ou em muitos órgãos, não fallo da na- tureza intima, primaria, da essência da moléstia, porque isso vale o mes- mo que inquirir a natureza intima do principio da vida , da sua causa ; e a essa questão ja eu respondi , mostrando nao haver precisão de tal co- nhecimento ; e assim taobem agora digo , que não se faz tnisler conhecer da natureza da moléstia, senão os phenomenos, os factos, que a conslituem, pois como disso Yl Hostan — 11 faut savoir ign >rer ce qu'il ne nous est pas douné de counaitre (25 ; por tanto quando, por exemplo, provar, que a existência do hum pleuriz tem sido diagnosticada com certeza , que se ha ennunciado a natureza , e sede da moléstia , vale o mesmo que dizer , que he huma moléstia da pleura , que consiste cm hum excesso de sua vitalidade produzido por hum maior afluxo de sangue ; e essa vitalidade excessiva produz esses phenomenos anormaes na funeção desta membrana, phenomenos estes , que observados denunciarão a existência da moléstia ; esles phenomenos sao: a tosse , o escarro de sangue , a perturbação na respiração, a anciedade, a dor do lado do peito, o pulso apressado, a pelle mais quente do que de ordinário & O conhecimento pbysiologico, que eu tenho dos phenomenos uormaes da funeçao do órgão, me faz apreciar es* tes anormaes. Dada esta explicação sobre o que entendo por natureza de moléstia, eu volvo ao ponto da questão primitiva, dondo ja ando mui arredado. Ho a arte do diagnostico a parte mais diíficil da medicina ; mas he d'ella. (como o disse Hostau ,25! que a meMcina tira seus argumentos de maior victoria confra seos delractorcs. He o diagnostico quem consolida, quem basea a cerleza módica. Quando o medico reconhece por phenome- nos, que lem por si o testemunho dos sentidos bem applicados, c por de- ducçoes rigorosamente tiradas d'esscs phenomenos, que tal orgáo padeço; quando pelos mesmos dados descortina a natureza desse padecimento , o seu grào de adiantamento & , e depois quando elle denuncia a existência d'esse mal assim conhecido; essa existência tem o cunho de huma certe- za rigorosa, que não ha ahi sophisma algum, que possa destrui Ia. E como que ja ouço perguntar-se-me, se esse quadro que assim desenhei he verda- deiro, se tal acontece na pratica? Sim he verdadeiro, e muito ; resta pro- va-lo , e eu o provarei: em muitas affecções , que não em todas , porque para isso fora mister, que a sciencia houvesse chegado ao seu ultimo gráo de aperfeiçoamento, fora mister, que certos ramos seos não estivessem ain- da em tanto atraso ; sim muitas vezes nao pode diagnosticar o medico se- não com maior, ou menor gráo de probabilidade a sede de algumas des- sas moléstias do grande quadro das nevroses, mas porque lhe falta hum grande dado para basear seu raciocínio, porque lhe falta o auxilio da phy- siologia do systema nervoso, que ainda he hoje mui pouco sabida ; por- [25] Bostan. Medccine Clinique, pag. 41 tom. 1, [201 Obra cil. — 28 — que os resultados da observação, c experiência applicadas a esse ramo sflfV mui diíuceis , mas não impossíveis , ainda aqui o repilo ; c esla opinião , porque eu a emitto, náo pareça arrojada ; lenho para fortalecei ;i a nu* thoridadu de grandes homens. O Sr. Kicherand Ia diz iva sua Historia df* Cirurgia (depois de haver tratado de factos bom estudados, c conhecidos n.t sciencia « II en será quelque jour de meme par rapport a 1'inncrvation ; cl Ia plupart des phònomenes de Ia sensibilité nous scrout alors reveles. [27J Mas proseguirci. O conhecimento profundo do homem em seu organismo [anatomia | e do trabalho d'este fphysi.dogh he cousa muito necessária , por primeira , ao medico na arte do diagnostico ; conhecidos desfarte os phenomenos, que manifeslao o orgáo, e a funeção em sua integridade, aindi vem para o medico a necessidade de conhecer esses phenomenos insólitos, essas mu- danças nos órgãos, e funeções, c que denunriao o homem doente ; em hu- ma palavra a symptomatologia deve ser familiar ao pratico; mas com esla tem o medico só conhecido resultados anormaes, phenomenos não usados; e por lanto sabe elle por ora, que o indivíduo soffro; de que este sotíri- tnento existe terá o medico huma certeza physica, porque esses phenomenos insólitos são quasi todos do domínio da observação, reconhecem-se pelos senti- dos ; mas ursso mesmo ha-se mister dos conhecimentos da hygiene, que ensina as modificações do organismo devidas á idade, ao temper »m< nlo, á Jdiosyocrasia dos diflerentes indivíduos &; que não vao simples modificações dependentes de taes causas ser tomadas como phenomenos donunoianles de moléstias; assim, por exemplo, a respiração, que em geral cm sua norma- lidade he livre, igual, e insonora, pode com tudo apresentar-se muitas vezes freqüente, e ruidosa, sem que isso deva ser tomado por symptoma de aflecção nos indivíduos do tempcramonlo emminentemonte nervoso, nas mulheres, nas pessoas de pequena estatura &; c assim da rcsp-ira.aj como de outras funeções; a circulação &. Com isto quero so mostrar, que cs^as considerações devem ser olhadas como muito essenciaes na observação dos symptomas pelo medico quo tem de diagnosticar; e quando eu Irato do pratico quo diagnostica considero-o necessariamente instruído a cerca de taes preceitos, porque se algum d'olles for deslcmbrado, a apreciação dos symptomas será incx icta, e conduzirá a hum diagnostico errado; mas eulao a falta pertencerá ao medico, e não à sciencia. Mas não he na observação dos symptomas , que existe a grande diíTi- culdade do diagnostico, e sim na conversão d'esses symptomas emsignao; isto he na aprecraçáo de cada hum delles , no conhecimento do que ellos signíficâo, na semeioiogia emfim. Eu me explico melhor: huma velocidade anormal no rithmo das pancadas do coração, por exemplo, hum pulso inlermit- tente, hum sopro anormal ouvido na região prccordinl, huma cephalalgia &; cis- ahi phenomenos insólitos, symptomas observados sem muito custo pelo me- dico ; mas vamos a diíficuldade , traduzáo-se estos symptomas em suas si- gnificações próprias; haverá no indivíduo em questão huma alTetção do coração, porque a escutaçao do peito, e a tateaçao do pulso ;• qui parecem M"gnifical-a ; haverá antes hum simples estado de plelhora geral; significará isto huma phiegmasia qualquer, ou huma simples irritação nervosa? He difficil, confesso, à primeira visla dar a origem d'estes phenomenos; mas não he á primeira vista, que o medico deve diagnosticar; e quem nao sa- be, que ha moléstias, que nâo podem ser conhecidas seuáo em tempo adi- [27] Bicherand. Uist. de Ia Cirurgie. pag. 256. — 29 — anlado de seu desenvolvimento, quando então já o quadro, que as caracíe- risa se-acha desenhado suflicientemenle para que o medico possa estudal-o. Qual deverá pois ser em geral o modo do proceder do medico para vir ft hum diagnostico corlo, e positivo? Náo esqueça o medico os preceitos, que a sciencia lhe-ensina;—faça sempre a distincção dos phenomenos, que são locaes, isto ho, que pertencem a hum órgão doente, e à sua funeçao, daquellcs, que sao germes, e que dependem da perturbação geral da enerva • cão,e da circulação &, e que se-dâo em quasi todas as moléstias; tenha ainda era consideração os symptomas pertencentes a funeções outras, que nao as do orgao doente, que se-estúda ( symptomas sympathicos ); busque pelos meios, que tem a seu alcance destinguir essas sympathias da affec- çao principal; náo perca de vista os sinaes, que caracterisão certas moléstias, e aquelles, que sao communs a muitas &; dê sempre muita allonçao as circunstancias commemoralivas da vida do doente, sua idade, sexo, tem- peramento, idiosyncrasia, occupaçao , herança, moléstias anteriores, tra- tamento já em| regado&; exerça cuidadosamente a observação nos phenome- nos , que se lhe apresentarem sugdtos aos sentidos para bem os apreciar ; empregue com rigor o rociociuio no que lhe for oceulto à vista, mas que pode chegar á conhecer por dados, que lhe-são ministrados pela sciencia; obre desfarte, e elle chegará a hum diagnostico verdadeiro, e certo; e esta cer- leza só náo a terá elle nos casos em que ou por sua falta de habilidade, e pouca pratica, alguns d'esses preceitos, e circunstancias forem esquecidas; ou então quando alguns d'elles falharem, como jà odisse, por insulliciencia dos meios fornecidos pela sciencii em seos ramos atrasados, e incompletos. Esta certeza de que tenho fallado não he a da mathematica, onde se-en* fina à fazer cálculos por mecanismo om taboas de logarilhmos, ao lado das quaes basta collocar os dados do problema, e procurar lhe a solução, que será encontrada; mas tal certeza não se dá em sciencia medica, c uem delia tenho ou Iratado. Contentemo-nos pois com a certeza que nos vem do emprego dos senlidoà rio estudar os faclos (a certeza physica;, e com aquella, que se obtém rias induiçóes tiradas desses factos ja estudados c conhecidos para formular as leis, a certeza I gica, a do raciocínio, e que náo será menos real do que a primeira senão quando os dados , sobre os quaes o mcthodo de induc-. cão se basear , pecarem por inexactos, ou incompletos. E por huma vez seja dito; hurn fado em medicina bem estudado, bom conhecido, e bem confirmado lem por si o giraule da cerleza physica; a lei, que bem de duzida for desse fado, comparado com outro igualmente bem verificado haverá o cunho de huma cerleza lógica. Ora em quanlo hum phenomeno r.o organismo do homem não pode ser convenientemente estudado, e apre- ciado nao se lhe dará o valor de hum facto ; e todas as deducçóes, que d'esse phenomeno houverem de ser tiradas, hâo de ser hypolheticas ; e sé conelusóes forem liradas, estas só terão o valor de probabilidades na sci- encia, e o resultado final não poderá receber a sanccão de lei. E tal he a sciencia no seu estado aclual. Existem nella factos verdadeiros, deducçóes rigo- rosas, e certas, leis constantes; existem fados pouco conhecidos, ou me- lhor, phenomenos náo bem estudados (por imperfeição do estudo em alguns ra- mos da sciencia,) inducções hypothelicas . e resultados prováveis, mais ou menos, que não podem ainda constituir leis, ou (na phrasc de Barthez —do- gmas da sciencia—;(28) porque, como os phcuomenos d'onde se ha de dedu- (28J Eu basôo a questão sobre a sciencia no seu grào de adiantamen- to de hoje: do seu porvir nada posso trazer em meu auxilio, que não sej^ar hypolhelico. 30 - zir para instituição da lei ainda não s3o bom conhecidos, e verificacíos, d observação ha de falhar muitas vezes , e os resultados hão de variar ; e isto se oppõe a formação de huma lei , que para ser estabelecida exige , como o disse Gerdy, que apoz grande numero de observações se chegue sempre aos mesmos resultados. (29) Mas eu disse, que muitas vezes havia falta de habilitação no medico para conseguir hum diagnostico certo, e assim he ; c nem so vá julgar, que chamarei a isso impericia ; não, que não he para medico novato, o inexperiente cousa fácil, e sempre possível o conhecimento exaclissimo dos caracteres das tão difíerentes moléstias, que allligem a humanidade ; alguní d'esses sígnaes essencialmente diíTeronciacs muitas vozes lhe hao de escapar seja elle o mais abalisado theorico ; falta lhe ainda hum grande auxilio , e he a experiência de ver docnles, e de tratai os ; e essa experiência só a dá a pratica da medicina : não ha pratica sem lheoria , he verdade; mas não serve por muito só a theoria quando a pratica falta. Eu por mim sinto bem, que ainda alguma cousa me falta quando chego a cabeceira dos do- entes. Nao acabarei este artigo sem mais esta reflexão: De Lacnnrc pari cã o diagnostico das moléstias de peito tem se tomado cada vez mais preciso, e de maior exactidáo ; a percussão, e escutação são grandes meios de investigar taes affecçoes; e por isso eu acho muita som razão da par- te d'aquelles , que olhao o stetoscopio como instrumento de pouca , ou nenhuma utilidade, porque não crêem na revelação dos ruidos anormaes; mas esses meios eu os acho tão necessários , táo esscncíaes , que chego até a olhal-os como pertencentes aos primários na observação das mo- léstias dos orgâos thoracicos. He as vozes hum ruído, hum sopro anor- mal, revelado pela escutação , que vem coroar de cerleza o diagnostico especial. Exemplificarei afim de evedenciar o que disse : supponhamos > observar hum doente, quo se queixa de huma dor de hum dos lados do thorax , com difficuldade de respirar ; isto por ora são dous symptomas, que poderão significar huma affecção em algum dos orgâos da cuixa thoracica: mas essas affecçoes sâo diversas; logo nao servirão somente a dor , e a dispnéa para adiantar-nos no diagnostico espacial; mas se nolarm)s quo a expectoraçáo dá escarros mais, ou menos tintos de sangue, ao mesmo tempo, que a percussão der a perceber hum som baço no lado affeclado, temos mais probabilidade de que a moléstia soja antes do pulmão , quo da pleura ; com tudo ainda isto nao basta, visto que hum derramamento pleuretico pode dar a razão da surdez do som, e da dilhculdade uos mo- vimentos respiratórios & ; mas se escutando o peito do doente nós não ouvirmos o ruido da livre respiração visicular no lado enfermo, e em vez d'elle deslinguirmos hum eslertor crepitanle , por exemplo , podemos affirmar com certeza, que a affecção he do parenchuna pulmonar, porque se a ausência do ruido respiratório do lado doente fora devida a presen- ça de liquido, que comprimisse o pulmão, náo se ouvira o estertor crepi- tante, e sim cm vez d'clle a respiração bronchica, ou tubaria, e quando a porção de liquido fosse pouca para a compressão do pulmão ser com- pleta , e notar-se a respiração bronchica, cnláo a escutação em vez de eslertor crepitanle nos houvera revelado a egophouia ( chevrolemcnl: ) o diagnostico fora entáo completado por certos phenomenos gera os , que acompanhao mais particularmente as phlcgmasias dos órgãos parenchiuia- tosos ; a força, e freqüência do pulso, o calor da pelle &. Huma objecção ha, que sempre vem contra a certeza do diagnostico [29] Gerdy—Cours de Physiologie. Tom 1. — 31 — e he fundada ella na multidão immcnsa de moléstias difíerentes, devidas a sem numero de causas diversas apresentando modificações táobem nu- merosas &, e por este modo ha como huma impossibilidade para o medi- co practico de distinguir sempre esses caracteres de affecçoes huns dos ou- tros , dar-lhes o valor devido, conhecer-lhes a causa originaria de cada hum &, mas em vez de impossibilidade direi, que existe só muita difficulda- de ; mas o que he diíficil náo he impossível , e tanto o nao he no caso presente, que essa diíficuldade tem-na aplanado, c diminuído a única ob- servação bem empregada de muito tempo , que continua todos os dias a trabalhar por faser mais suave o escabroso da sciencia practica.—A obser- vação (disse—o CabanisJ nos faz perceber as diíTerenças enlre as moléstias, ella nos faz ver, que essas diíTerenças seguem cerlas leis, como todos os phonomeoos da natureza ; que as mudanças produzidas pelas moléstias no estado dos corpos animados tem relações com certos factos anteriores, ou presentes.—Logo podemos nos determinar essas relações, ou encadeadamen- to do elToito com o que se chama sua causa ; porque nós podemos saber quando vemos hum facto que tal outro o precedeu. Foi tãobem a obser- vação de muitos séculos, que, para facilitar a comprehenção d'essa imracn- sidade de phenomenos de moléstias diversas, e ajudar a memória do pra- ctico, insliluio, formou o quadro das classificações das moléstias, as diversas nosolopjias, os systemas &c. Hum dos meios mais poderosos da confirmação para a certeza do diag- nostico he sèm duvida a anatomia pathologica ; esse he bem decisivo; ou mostra o erro quando houve engano no juízo do medico, ou avigora esse juízo com cvidoncial-o manifestando a verdade ; depreciem-na quanto qui- zerem os que forem systematicos, ou forem surdos a voz da razão, que eu sempre a olharei com o sábio Hostan como hum facho de cerleza nas observações médicas. Nem se cuide cousa de pouca importância o inves- tigar dos orgâos no cadáver; exige esse trabalho muita habilidade, muita perspicácia , e instrucção da parle do quem o practica. O cadáver he por cerlo; como muitas vozes se t m repetido, hum livro da natureza rico de inslrurção, e utilidade ; mas he necessário que se saiba lèl-o para se a- proveitar d'essa ulilidade, e sabedoria, que lá se encerra. Passemos a ou- tro assumplo. Ora o que se conclue do que hei ennunciado sobre o diagnostico vem a sor : que haverá muitos casos, em que o medico possa dar hum diagnos- tico de huma certeza inabalável , alguns porem em que será oste diagnos- tico táo somente mais ou monos provável ; e em alguns mesmo impossí- vel ; conforme circunstancias, que podem depender ou do medico, ou dá sciencia. THERAPEUTICA. Fora por certo cousa de huma inutilidade bem triste , e fastidiosa o haver-se afanado o medico em estudar o homem em seu estado de saú- de, e doença, se depois de conseguir a custo de tanto trabalho o descorti- nar a natureza, e origem da moléstia, nao lhe soubesse o remédio ; se havendo reconhecido a presença , e força do inimigo lhe faltassem armas para combatel-o, e se baldo lodo o seu esforço, e sacrifício, vira- se obrigado ou de abandonar o mísero enfermo, ou*de ser silencioso, e impotente espectador da scena afllictiva do infeliz a lutar cora as tortu- ras da dor; mas por bem da humanidade tal nao acontece. Os meios exis- — 32 — icrri, e em grande abundância ; (30) por .loda a parto a natureza os utlc* rece com mão liberal ao homem ; delia os recebe; elle para mitigar seos >o(Trimentos, assim como he ella, que lhe ministra alimentos para reparar juas perdas , água para saciar sua sedo , os materiaes de seus vestidos, n de suas habitações para se por a salvo dos ataques «Io tempo, e dos sinimaos bravios &. A faculdade instindiva do homem nos tempos primi- tivos de sua existência descubrio muitos desses meios ; (31) a razão aper- feiçoada pela civilisação, industria, e experiência dos séculos , que se hao suecedido continuou incansável nessas descobertas ; e hoje possue a sci- encia hum manancial fértil, e rico de meios de salvação para os males da espécie humana. Seria pois absurda a opinião, que hoje negasse a existên- cia de huma maioria medica, (32J e dos meios de prohencher as indica- ções da lherapeutica, tirados não só da Pharmacia, e Cirurgia, mas tachem da Hygiene. Mas para se conhecer esses agentes, cmprcgal-os convenientemente em tempo, e oceasiao opportuna he mister por sem duvida muita instrucçao da sciencia do homem e da sciencia dos objectos , que o rodeiao, e que sustenlão com elle relações intimas , e necessárias. Os meios de defensa , i! salvamento para a vida do homem podem tornar-ce armas mortíferas, e de extermínio , conforme a mão que as manejar. Anathema por tanto de desprezo, e abominação sobre os charlalães , e suas panaceas imposlorasi E deixarei este objeclo. que náo he intimamente o do meu c?crilo. A lherapeutica deve de ser examinada em sua cerleza dividida em duas partes distincta*.—Primeiro; em suas indicações, segundo; no resultado da applicaçao ao homem docnle dos meios prescriptos por essas indicações. São por certo cousas estas bem distinetas huma da outra. A applicaçao de hum medicamento , ou de hum meio lherapeulico qualquer pode sor filha de huma indicação certa, justa, e racional; e com tudo o resultado será mais ou menos provável, será incerto muitas vezes, ninguém o ga- rantirá (33). Examinemos o primeiro ponto da questão Nesta primeira parle inda ha tres questões á examinar Primeira Sem- pre que houver diagnostico certo , as indicações thorapeulicas , o trata- mento em summa ha de ser racional ? 3i) Segunda. Haverá tratamento racional, quando o diagnostico for duvidoso, inceito, e mesmo ignorado pelo medico? Terceira. A ignorância do modo do obrar dos medicamentos excluirá a idéia de huma lherapeutica racional? Naó promollo o desenvol- vimento d'estcs pontos como elles o merecem; tal promessa da minha boca fora amostra imperdoável de hum orgulho mal cabido, e sem justificação, Limillo me pois a transmittir ao papel algumas idéias á tal respeito, quo hei colhido de minha acanhada leitura, e de algumas licçoes dos meus Pro- fessores. Que o diagnostico das moléstias he necessário ao seu tralamea- [30] Le medecin manque bieu plus soüvent à Ia matière medic de, que Ia matiére medicalc au medecin—Boslan. Medecino Clinique—pag. 88 (31) Vid o artigo-Medicina—do Bepertorio da sciencia medica. Edic. de 1839. (32J Bien de gens frappés de 1'imperfcction de Ia matiére medicale ont osó en nier 1'utililé et méme l'exislence l—Boslan. Medoc. Cliniq. pag. 84 vol. 1. (33) A pezar d'esta distineção muitos analysaó a questão englobada- mente. como notei no começo do meu trabalho (3ij Aqui se toma racional por sinonymo de certo; racionalismo, ou certeza lógica, deduetiva &c, onde a razão dá a explicação dos fados. — 33 - to he huma d'aqucllas proposições, que se achão provadas por si mesmas; ha tal clareza de evidencia no seu ennunciado , que se não faz mister grande argumentação, e força de raciocínio para defendei a ; mas assim mesmo Campeões se tem alovantado para combatel-a sobre a arena da sci-