Esta these está conforme aos Estatutos. Rio de Janeiro 1.° de Novembro de 1847. i Dr. João José de Carvalho. i Cs2^,c*-S. ^ryd/; ^^^^^i^^/.r^ ^/&^c/jfi>>~. ^^&&? tsCt, 'rt4J> 'tfttt&írwS eié-c?^ d&-£í:'nAtx> #bde \ ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE \ ILIPIMTI1M DOS GREUOS. THESE APRESENTADA Á FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO , E SUSTENTADA EM 9 DE DEZEMBRO DE 1847 POR MAÊW7M $mÊ HA %1%WA 9 NATURAL DO RIO DE JANEIRO, FILHO LEGITIMO DO DOUTOR JOAQUIM JOSÉ DA SILVA, DOUTOR EM MEDICINA PELA MESMA FACULDADE. 1M(D IDE mniSaiM) 9 NA TYPOGRAPHIA DO ARCHIVO MEDICO BRASILEIRO, RÜA DOS ARCOS N. 1S47. A' MEMÓRIA DO MEÜ SÁBIO MESTRE, E PRESADISSIMO AMIGO O SENHOR JOSÉ AUGUSTO GESAR DE MENEZES PAI. O quanto lhe devo, e a profunda dòr da sua perda, jamais se apagará do meu coração. A' ILLUSTRISSIMA SENHORA Em Vós, Senhora, tive por muito tempo uma segunda, e carinhosa Mãi. Vossas virtudes e a amisade que me tendes, mui bem conhecidas são por mim. Tornar-mc-ia réo da mais torpe ingratidão, se vos não oíFerecesse este primeiro fructo dos meus estudos em testemunho do muito que vos devo, e de quanto vos prezo. A'S ILLUSTRISS1MAS SENHORAS D. Iiiiiza Augusta de Menezes. D. Anua Isabel de Menezes. D. Maria Barbara de Menezes. Signal de respeito, profunda estima, e reconhecimento. AO MEU CARO AMIGO O MttustrisffiMta Senttor Caria» Augusta Vesar tte JMeâte&es. Penhor de muita amisade. A MEU PADRINHO E CARÍSSIMO AMIGO O ILL.MO SENHOR JOSÉ PEREIRA DA SILVA MANUEL- Testemunho de amisade, consideração, e reconhecimento. J A FACULDADE DE MEDICINA m uo n vauim. Devido testemunho de estima, veneração, e reconhecimento a uma das mais sabias, e úteis corporações scientificas do Brasil, de quem me prezo de ter sido discipulo. AO ILLUSTRISSIMO E EXCELLENTISSIMO SENHOR NICOLAO PEREIRA DE CAMPOS VERGUEIRO. Antes de estima-lo como meu amigo, eu já prezava nelle o virtuoso e sábio cidadão, que muitos, e relevantes serviços tem feito ao Brasil. Veja elle na offerta, que lhe faço, do meu primeiro trabalho, uma demonstração sincera desumma estima, alta consideração, o amisade. A' ILLUSTR1SSIMA E EXCELLENTISSIMA SENHORA 1. MAMIA AVMXXCA YÜSMVSXILU. Pequeno, mas sincero signal do apreço, em que lenho as suas \irludes, e da estima e ív^ieil que lhe tributo. AS ILLUSTRISSIMAS E EXCELLENTISSIMAS SENHORAS MB, Wrancisea Varoliua Vergueira. MB, Anua Eliza Vergueira. MB. JfMaria tio Varmo Vergueira Mtonami. MB, Angélica Vergueira de B7ara. MB. Varal ina Vergueira MjVqou, MB, Antonia Vergueiro (te Queiroz. Pequeno penhor de profunda estima, consideração, e respeito. AO MEU AMIGO E COLLEGA O Senhor Doutor David Gomes Jardim. Pequeno signal do apreço, em que tenho as suas excellentes qualidades e a sua amisade. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE h ELEPMTIISIS DOS GREGOS. HISTORIA. Pelos graves estragos, que produz, e talvez pela obstinada resistência, que por longo tempo oppõe aos recursos da therapeutica, nem-um dos numerosos males, que destroem a frágil humanidade desalentou tanto aos médicos antigos, como o que é o sugeito desta dissertação. Hic affectus (diz Turner) apud auctores Leontiasis et Saty- riasis appellatur, et ob magnitudinem morbi a plerisque medicis plane incurabilis mérito agnoscitur. Nem-um tem inspirado tanto horror aos homens; nem-um pro- duz tão hediondos estragos; nem-um deturpa tão profundamente a fôrma bella, e ele- gante que aprouve ao Creador conceder á espécie humana. Elephas morbus tristi quoque nomine dirus, Non solum turpans infandis ora papillis, Sed cita praecipitans funesto fata veneno. (Sercnus Samonicus de medic. n.° 11 pag. 41 Coü. Steph.) Est lepra; species elephantiasisque vocata, Quae cunctis morbis major sic esse videtur, Ut major cunctis elephas animalibus extat. (Macer.) Freqüentemente cobre esta moléstia a face e todo o corpo do infeliz, que a soffre, de manchas alvas, e torna brancos os pellos eos cabellos; disso procedeu chamarem-na os mais antigos povos moléstia branca, e os Gregos leucea ; progride ella, e as man- chas de brancas tornam-se rubras, ou escuras; elevam-se, nellas se espessa a pelle, e torna-se rija, como a do elephante; neste gráo os Gregos a denominam elephantia- 1 _ 2 — sis: os médicos modernos lepra tuberculosa. As elevações ou tuberculos elephantia- cos occupam a testa, as sombrancelhas, os pomulos, as azas do nariz, as orelhas, o mento, e desfiguram o morphetico; dão-lhe a apparencia, ora de um Satyro, ora de um leão cheio de cólera; por isso muitos auctores antigos chamam a moléstia de que tratamos Satyriasis e Leontiasis; alguns porem só attentando na alteração da forma a denominaram morphéa. Não se limitam os estragos da elephantiasis ao que acabá- mos de expor; ulceras enormes, profundas, fétidas, ichorosas substituem os tubercu- los ; os ossos dos dedos cariam, e os dedos cahem; quedas de membros inteiros tem sido observadas; a sensibilidade, essa admirável fonte dos nossos prazeres, essa facul- dade tão necessária ao homem, que o adverte da presença dos objectos, que elle tem interesse em conhecer, vai sendo destruída; o tacto quasi sempre perde-se; o olfacto não raras vezes é abolido; o gosto muitas vezes é nullo; e freqüentemente a vista, dom do Céo tão precioso, deixa de existir. Areteu, com mão de mestre, nos pinta o terrível e miserando estado dos infelizes avexados por este cruellissimo flagello. Quod si (diz elle terminando a sua descripção da morphéa) plus augescat malum, tumores malarum, menti, digitorum, genuumque ulcerosi fiunt, ulcera fedida, et insanabilia sunt: alia enim super alia exsurgunt, super alia alia nitescunt, siquidem membra diu hominem morte preveniunt, quod de corpore excidunt nasus, digiti, pedes, genitalia, atque totae manus. Neque enim haec labes prius perimit, a turpi vita, saevisque cruciatibus liberans, quam membratim dilaceratus homo sit; ast longaeva est, quemadmodum est elephas animal. Sin autem membrorum recens dolor sit, longe acerbius affligit. Aliter atque aliter paratorum ciborum appetentia est, non obtusa, sed gustatus qualitatis expers est, nullaque edendi ac potandi delectatio: omnia vero ob doloris cruciatum oderunt; alimento privatur corpus: rabiosa inest cupiditas: spontanea; sunt lassitudines; singulorum membrorum species hominem gravitate inusitata premit, quantumlibet exigua mem- bra sint; quin etiam corpus omnia gravatim fert, non balneis delectatur, non illuvie, non cibo, non jejunio, non motu, non quiete; ab omnibus enim morbus alienus est, somnus tenui, vigilia pejor mala sua cogitans, spirandi vehemens difiicultas: suffo- cationes fiunt, ac si laqueo strangulentur. Hoc igitui* pacto nonnulli vitam perdide- runt inexcitabili enim somno in mortem dormientes. (Synopsis Univers. Medicin. Practic. &c. Auth. Jo. Allen. T. m. pag. 21.) Tal é a moléstia que suecessiva e progressivamente tem percorrido todas as partes do orbe terráqueo. Donde porém partiu ella? Como ha passado de uma região a outra? Quaes os paizes que agora assola? Invoquemos os soecorros da historia, e delia ajudados tentemos resolver estas im- portantes questões. — 3 — A historia indica a África e a Azia como pátria da elephantiasis; e nos demonstra mui evidentemente que a transmissão desta moléstia ás outras partes do mundo foi o fructo das intimas, e amplas communicações, que em differentes épocas estas com aquellas entretiveram. Não só tradições, mas os livros de Moysés nos mostram a elephantiasis no Egypto desde a mais remota antigüidade. Segundo Moysés os Judeos estavam affectados deste mal, quando desta região fugiram para a Arábia. Os livros sanctos nos desenham (diz o sábio Alibert) o quadro verdadeiro desta fu- nesta moléstia (a lepra). Elles pintam com fidelidade mui notável as devastações, que a lepra produzia em meio do povo de Israel. Nelles se encontram entre os sig- naes pathognomonicos, que a distinguem, esse estado de estupor e de insensibilidade, que se senhorea successivamente de todo o órgão dermoide; odescoramento e a queda dos cabellos, que se não observam nas outras enfermidades. (1) Prosper Alpino, que escreveu 3,000 annos depois da emigração de Moysés a sua interessante obra De Medicina Egyptiorum, ainda nos faz ver nas férteis plagas fecun- dadas pelo Nilo a pátria da elephantiasis. Nem de outra sorte a este respeito se pen- sava no tempo de Lucrecio,.que no poema De Rerum Natura assim se exprime: Est elephas morbus, qui propter ilumina Nili Gignitur Egypto in media, neque praeterea usquam. Era este também o parecer de Plinio, Hist. nat. lib. 26.° c. 5.°, e de Marcellus Empiricus—De Medic. cap. 19. Provável pois parece que os Judeos adquiriram esta moléstia durante os 134 annos, que soffreram a escravidão Egypcia. O libertador dos Hebreosdá a descripção da leu- cea, e enumera todos os accidentes, que se costumam a manifestar, antes que se declare a lepra confirmada. A observância restricta e rigorosa das leis tendentes a obstar a propagação deste mal impostas por Moysés ao povo do Senhor não impediu que este continuasse a ser por elle ílagellado transmittindo-o aos seus visinhos segun- do a sentença de alguns auctores. O norte da Syria era também devastado pela lepra, como prova a historia de Naaman; nem as costas da Syria deviam estar livres dos insultos da elephantiasis, pois que os Tyrios seus habitantes eram oriundos do Egypto; e ousados navegantes commerciavam com todas as nações marítimas do mundo então conhecido. Ao nordes- te desta região reinava a morphéa segundo Herodoto e Ctesias, que escreveram mais de 1,000 annos depois de Moysés. (1) O descoramenta e queda dos cabellos observam-sc em muitas moléstias syphiliticas. — 4 - Os habitantes da índia ou Hindostão de tempo immemoravel experimentam os horrores da elephantiasis. No seu excellente tratado das moléstias syphiliticas Swediaur, depois de haver ci- tado com elogio uma obra impressa em Calcutá, intitulada Aseatick Resarches, assim se exprime: «Entre um numero de observações e de descubertas utilisimas achamos nós no 2.° volume desta obra, que a moléstia venerea é conhecida no Hindostão desde tempo immemorial debaixo do nome de fogo persa (Persian-fire); que o uso do mer- cúrio c igualmente ahi conhecido; que alguns índios empregando o cinabrio contra esta moléstia a tornam muitas vezes mui pertinaz; que este mal inveterado torna-se então incurável pelo mercúrio, e que elle se termina freqüentemente em um e outro caso por uma enfermidade perigosa, na qual todo o corpo se ulcera, e as extremidades cahem em putrefacção. Os Árabes chamam esta ultima moléstia Judham, e os índios Korah. Esta enfer- midade parece ser a mesma que a Leontiasis dos Gregos, e o que Paulo de jEgina chamou ulcera universal; enfermidade terrível, e mui freqüentemente funesta em seus effeitos, contra a qual nem os Gregos, nem os Árabes conheciam remédio algum efficaz. A mesma obra (continua elle) nos ensina que os Bramanes do Thibet conhe- ciam um methodo seguro e efficaz de curar esta moléstia; que a encaram geralmente como effeito do vírus venereo degenerado, ou como conseqüência da moléstia venerea inveterada, ainda que :ião neguem que seja muitas vezes por outras causas produzida. Se lançarmos agora as vistas sobre a Grécia, e as colônias gregas da Azia menor, veremos que bem cedo a elephantiasis se lhes deu a conhecer. Nem é isto para admi- rar; por quanto confina a Syria com a Azia menor, e com esta, bem como com a África, os Phenicios muito commerciavam. Nas obras de Hippocrates traduzidas por Haller lè-se no 2.° livro das predicções cap. 29: oriuntur albae vitiligines ex maxime lethalibus rnorbis, qualis est et morbus elephantiasis appellatus; o que demonstra que Hippocrates conhecia a elephantiasis. A Aristóteles parece que não foi ella ignota ; pois que em uma das suas obras o pro- fundo philosopho de Stagira falia de uma moléstia, que dava ao rosto a feição de um Satyro. Ninguém porem hoje duvida que devastava a elephantiasis toda a Azia menor desde o Archipelago até o reino do Ponto, quando o grande Pompeo voltou a Roma com o seu exercito carregado dos despojos d'Azia. Então sentiu Roma os cruéis effei- tos de tão medonho mal. Plinio o attesta em muitos lugares, e da descripção, que da moléstia dá, fácil se entende que falia da morphéa. Mui dilatado não foi porem em Roma o seu reinado; pois que aífirmam o mesmo Plinio e Celso que era a elephantia- sis quasi desconhecida na Itália no tempo de Augusto. Mas no segundo século tempo, em que as legiões percorriam todo o império romano desde as raias do reino dos Parthos as das Gallias e da Hespanha, diffundida estava a morphéa em todo elle. — 5 — Separam-se os dois impérios romanos; tornam-se logo extranhos um ao outro; e rapidamente diminue esse flagello na Europa. Já escravisados pelas hordas barbaras do Norte os povos do Occidente tão intimas, e tão amplas relações não tinham com os do Oriente, como dantes, já o clima da Europa afugentava desta região o execrando mal, que afíligia seus filhos, quando as ingentes expedições denominadas cruzadas, renovando e multiplicando as relações do Oriente com o Occidente, de novo o trouxeram para ella. Voltam da Palestina as primei- ras cruzadas no começo do duodecimo século, e de então, e principalmente nos dois séculos seguintes, a elephantiasis com ingente furor assola toda a Europa. Então os historiadores no-la pintam raivosa destruindo a humanidade; então os médicos nos desenham o fiel e hediondo quadro da mais terrivel das moléstias. Duram seus estra- gos até o décimo quinto século; desta época em diante vai progressivamente desappa- recendo. Já no tempo de Antônio Beneveni (no começo do décimo sexto século) era ella tão rara na Itália, que este auctor fallando de uma elephantiasis, que em Florencia ob- servara em um estrangeiro, assim se expressa: «morbus pene nunquam visusàmedi- cis dignoscitur. »Nem João de Vigo, nemFrascator, que viveu depois, tiveram occasião de observa-la como confessam em suas obras. Temos razões para acreditar que a freqüência notável dos tuberculos pulmonares na Europa succedeu á diminuição e desapparecimento da elephantiasis. Depois de havermos visto a morphéa no seu paiz natal, e delle partir para diffe- rentes regiões, lancemos rápido olhar para os paizes, em que presentemente faz appa- recer suas medonhas devastações. Posto já se achasse mui diminuída a elephantiasis na Europa no xv século, e a sua raridade fosse dahi em diante cada vez crescendo mais, ainda hoje se a vè no nor- te da Hollanda, e no meio-dia da Europa. Na Noruega, em uma população de 20,000 habitantes, 1,200 são elephantiacos. (1) Foderé e Valentin a dizem freqüente em Vitrolles. No Sudoeste da Azia, onde em todos os tempos existiu, continua ainda a existir • todos os viajantes modernos Chardin, Tavernier a tem visto ahi. Reina desde tempo immemoriavel nas índias Orientaes. Peyrard a observou nas Maldivas; Niemburr em Bombay; Bontius nas margens do Ganges; Hempher na ilha de Ceilão. Não é o Egypto a única região da África, que alimenta a elephantiasis. Christovão Colombo quando arribou na Ilha da Buena-Vista notou nas circumvisinhanças muitas outras ilhas, para onde os leprosos concorriam a fim de se untarem com o sangue das tartarugas. (1; Lond. Mal. Gaz. 7 de Junho de 1844. 2 — 6 — A morphéa é mui freqüente em Marrocos, sobre tudo na cidade, segundo o que diz Ha-st. Existe também em Madeira, e em toda a costa Occidental d'AIVica. Reina no Congo e na Ethiopia desde tempo immemoriavel. (1) Como antigamente á Europa, para a America da África vieram as sementes do ter- rível flagello, que presentemente a assola ; mas seu saudável e bello solo recusa ali- mentar o monstro africano. Assim, á medida que se vão diminuindo as communica- çoes da África com a America, vè-se com grande rapidez írdesapparecendo desta este horrível mal. Ao menos é o que acontece agora com o Brasil, onde, depois da repressão do tra- fico de escravos, os elephantiacos tem grandemente diminuído, posto que não sejam raros. A phthisica pulmonar porem se tem tornado mui freqüente. A diminuição crescente da elephantiasis no Brasil, depois que se impediu o ingresso dos Africanos com a repressão do trafico, evidentemente mostra que era d'África, como acima dicemos, que nos vinham os germens deste mal. O que ainda afíirma mais esta verdade é o facto de jamais um Indígena soffrer a morphéa, se não tem cruzado a sua raça principalmente com os negros. As observações dos médicos de outras regiões da America também põem fora de duvida que nella nunca existiu a elephantiasis antes do ingresso dos negros. Assim Ton e Hillary asseguram que a lepra tuberculosa era desconhecida em Barbadas, antes que os negros a ella fossem transportados. Peysonel diz haver sabido dos negros de Guadelupe que todos elles trouxeram suas manchas roxas de Guiné. Laguarrique medico desta ilha attribue aos negros a origem e propagação das boubas e elephantia- sis. O mal roxo e o pian foram importados para Caicna pelos Africanos segundo Ba- jon. V introducção dos negros em Port-au-Prince foi a época da apparição da mor- phéa neste lugar segundo Ulloa. O sábio e mui distineto pratico Schilling assim se exprime: — «Endemicum Americae morbum fuisse non puto; nam licet hodie ipsi Aborigines eo passim laborent, sunt tamen integrae gentes ab eo prorsus immunes, atque in illis etiam tribubus, quas jam attingit, eos tantum infectos esse deprehendi- mus, qui cum Ethiopibus corpora sua miscent, aliarumve rerum commercio jun- guntur.» Destas concordes observações de tantos práticos se deve necessariamente concluir, primo, que a elephantiasis não ê endêmica na America ; secundo, que os negros coin- sigo trouxeram a ella a causa deste mal. 1) Dkc. das Scien. Med., tomo 27, pag. 482. SYMPTOMATOLOGIA. Duo sunt praecipui medicina cardines, Ratio et Observa tio; Ohservatio tamen est filum adquod dirigi debent omnia medicorum ratiocinia. Baglivi. Antes de por signaes não equívocos se manifestar a elephantiasis, mui freqüente- mente dores osteocopas, que se tornam mais intensas á noite, atormentam o desgra- çado, que tem de ser morphetico; molesta-o também um languor e prostração de forças mui pronunciados. A pelle depois é affectada, e se mostra a elephantiasis, a que muitas vezes os incommodos referidos acompanham. Não invade porem esta mo- léstia determinando sempre os mesmos symptomas; mas vários. Nós vamos traçar a sua historia tomando por typo uma das mais freqüentes ma- neiras, porque ella começa, e seguindo-a depois em sua marcha, e terminação; feito isto, exporemos as restantes fôrmas, por que em principio se patenteia, sem nos occu- parmos mais de sua marcha e terminação, que em geral é a mesma. A fôrma, que vamos expor constitue, cremos nós, a alphos ou leucea dos Gregos. Manchas brancas, lusidias, como a casca de cebola branca, mais ou menos extensas, de figura variável, ou sensíveis, ou dolorosas, ou baldas de sensibilidade, apparecem em differentes partes da pelle; nessas partes não se effeitua a transpiração cutânea. As orelhas, os supercilios, as azas do nariz, os pomulos, o mento, o dorso das mãos e pés, a pelle, que cobre a articulação do braço com o antebraço, e a das articulações dos dedos das mãos e pés, são as primeiras partes, em que ellas se manifestam. Ora seu apparecimento é precedido, ou acompanhado de febre, ora não, o que é muito mais freqüente. Permanecem estas manchas por espaço de tempo indetermi- nado, quasi sempre mui longo; depois tornam-se ás vezes de sensíveis insensíveis, de dolorosas indolentes, ou vice-versa ; outras vezes conservam-se sempre sensíveis ou insensíveis, &c. ; nellas encanecem os pellos, e depois cahem. Progredindo a moléstia as manchas elevam-se; mudam de còr, tomam uma còr mais escura, que a da pelle sã ; a còr rubra ás vezes, a de cobre, outras vezes a de bronze; em alguns casos a còr negra (lepra negra) (1); fazem-se duras como as glan- (1) Na Sr.a D. Anna Joaquina Muniz, moradora na rua do Senhor dos Passos, succederam a ephelidestuberculos negros. Nos pese mãos desta Senhora havia completa paralysia do senti- mento. — 8 — dulas infartadas, e constituem o que os auctores chamam tuberculos elephantiacos; nellas então ás vezes se vem veiasinhas dilatadas, e rubras. À medida que isto acon- tece, novas manchas com os caracteres, que primitivamente tinham as que se torna- ram tuberculosas, vão apparecendo no resto da pelle, e seguindo a mesma marcha, que as primeiras. Os tuberculos constituídos pelas manchas elevadas, e endurecidas, de que falíamos, como ellas foram, podem ser sensíveis, ou insensíveis; tornarem-se de sensíveis, insensíveis, ou vice-versa; nelles também senão faz a transpiração. Quasi sempre então as unhas espessam-se muito, allongam-se, e curvam-se, como as dos phthisicos, e muitas vezes cahem. Mui freqüentemente paralysam-se, e atro- phiam-se certos músculos; destes os, que principalmente soffrem a paralysia e a atro. phia, são os extensores dos dedos. Então os dedos se curvam, e não podem ser esten- didos. Indo o mal sempre por diante, os tuberculos ulceram-se; os dedos apresen- tam feridas com aspecto de escoriações, ou queimaduras, que não são senão o começo das ulccrações, que nelles tem lugar. Por este tempo já freqüentemente as manchas, que haviam succedido ás, que se tornaram tuberculosas, tem dado lugar a novos tu- berculos, e no resto da pelle, que por ventura se achava sã, novas manchas tem appa- recido; de modo que mui freqüentemente se vem em um mesmo indivíduo manchas, tuberculos, e ulceras. Successiva e progressivamente vão-se ulcerando os tuberculos, até que todo o corpo fica ulcerado (ulcera universalis de Paulo de ./Egina). As ulce- ras elcphantiacas tem o aspecto das chamadas atônicas pelos auctores; ellas lançam de si um ichor fétido sero-sanguinolento; vão sempre crescendo, e augmentando de profundidade; são cubertas de crostas espessas e escuras, principalmente nas articu- lações, nos ante-braços, (onde de ordinário ellas se manifestam seguindo a direcção do cubítus), e nos dedos das mãos. Alem destas ulceras os morphetícos quasi sempre tem principalmente nas plantas dos pés ulceras mui similhantes ás boubaticas: estas ordinariamente existem desde o começo da moléstia ; são circulares ; tem os bordos rallosos; e são insensíveis; estendem-se; alargam-se conservando a fôrma circular. Havendo chegado a elephantiasis aestegráo os ossos senecrosam,e cahem os dedos das mãos e pés, porque as articulações destes, que a moléstia affecta desde o principio, são por fim destruídas. Até aqui temos considerado a moléstia no invólucro cutâneo, e exposto as lesões, que determina na pelle, e nas partes a ella subjacentes; cumpre agora examinar as influencias, que ella exerce sobre os outros órgãos da economia. No começo da moléstia não é mui freqüente que se observem grandes perturba- ções nasfuncções das vísceras; com tudo ás vezes uma gastro-hepato-splenitis precede a apparição das manchas, e acompanha a elephantiasis. Quando grande numero de manchas se tornam tuberculosas, sempre se inflammam algumas, ou todas as muco- sas. Então a inílammação da mucosa nasal torna a voz do enfermo fanhosa, e o priva — 9 — muitas vezes da sensação dos cheiros; a da mucosa tracheal a torna rouquenha; a da bocca faz tumidos os lábios; a das conjunctivas determina uma alteração nestas, que torna os olhos como sarcomatosos; propaga-se depois á córnea, ao globo do olho, e determina a cegueira. Nestas mucosas, bem como também na mucosa gastrointesti- nal se desenvolvem muitas vezes tuberculos análogos aos da pelle. Neste gráo da mo- léstia soffre sempre a mucosa gastro-intestinal, o fígado, o baço; os incommodos pro- duzidos pelas inflammações chronicas destes órgãos flagellam ao desgraçado lázaro. Tuberculos frequentissimamente se formam no mesenterio, e ainda mais freqüente- mente no pulmão. As inílammações chronicas do endocardio também não são raras. Quando numerosos tuberculos cutâneos se ulceram, ulceram-se também os das mu- cosas, ou se por ventura nellas tuberculos se não tem desenvolvido, ulceram-se ellas em diversos pontos. Á ulceração da mucosa nasal segue a carie dos ossos do nariz, donde a ozema; a da buccal accarreta ás vezes a carie dos ossos palatinos; a da traca- arteria a das cartilagens subjacentes; e dá lugar â voz sepulcral, de que faliam os auctores, e em fim a aphonia. A diarrhéa colliquativa, a que quasi sempre os mor- phetícos succumbem, é um effeito de ulcerações, que occupam o tubo intestinal nos últimos períodos da moléstia. As vezes os doentes morrem reduzidos ao marasmo em conseqüência das abundantes exsudações das ulceras; quasi sempre porem são elles levados á sepultura pelas graves e profundas lesões visceraes, que a moléstia deter- mina. Tal é a marcha, e terminação da morphéa; em começo porém ella offerece di- versidades, que é conveniente expender. Muitas vezes as manchas brancas co-existem com dores nos ossos, e nos músculos extensores dos dedos; estes se curvam depois, e não podem ser tirados da flexão, em que se acham; succedem os turberculos ás man- chas, e dahi por diante segue a moléstia a sua marcha ordinária. OBSERVAÇÃO i. Na Senhora * assim começou a morphéa. Ha casos em que as manchas brancas são succedidas logo de ulceras, e cahem os dedos, sem que se tenham desenvolvido os tuberculos. OBSERVAÇÃO II. Um escravo de nossa casa, de nome Cesario, de idade de 17 annos, pouco mais ou menos, tinha a face e os braços cubertos de largas manchas alvas, e lusidias, insen- síveis; na planta do pé direito havia uma ulcera de bordos callosos, e acinzentados, insensível; ulceras se formaram nas articulações dos dedos deste pé, e a queda de três delles foi a conseqüência disto. 3 — 10 — Este negro era filho de uma escrava do Sr. Tenente Coronel José Joaquim dos Santos, a qual morreu de escrophulas e tuberculos pulmonares. Hoje cstemorphetico só tem na face algumas pequenas manchas, que já vão perdendo a còr alva, e toman- do a da pelle. As ulceras do pé cicatrizaram. Com o uso interno prolongado de cozimento de japecanga, e cevada, com os banhos de pita, e os de ipè, as manchas foram-se tor- nando menores, e as ulceras cicatrizaram; depois de novo se reproduziu uma destas. A applicação da pomada mercurial a ella, o uso das pílulas de Plumer, e a continua- ção do uso da japecanga, e cevada trouxeram a cicatrização desta ulcera. Mui freqüentemente na face, braços, antebraços,e dedos apparecem manchas roxas, ou rubras, ou còr de cobre, lusidías, nellas muitas vezes se vem veiasinhas dilatadas, e rubras: como as manchas alvas, ellas podem ser sensíveis ou insensíveis; passado certo tempo, elevam-se, e tornam-se tuberculosas. Precede ás vezes o apparecimento da mor- phéa^ depois a acompanha uma gastro-hepato-splenitis chronica; manchas ou azues, ou rubras, apparecem, e desapparecem por muitas vezes; nas mulheres nubeis isto co- existe ordinariamente com a diminuição, ou falta da menstruação, e a época, em que esta costumava a se effeituar, é também a da apparição das manchas. Estas manchas depois não desapparecem mais, e tornam-se tuberculosas. OBSERVAÇÃO III. D. Maria, mulher do fallecido Antônio Maria de Moura, perdeu um irmão lázaro. Soffria esta infeliz uma gastro-hepato-splenitis chronica; sempre que se fazia mal ou se não effeituava a menstruação, seu corpo se cubria de manchas azues. Estas manchas appareceram e desappareceram muitas vezes, depois se fixaram e se tornaram tuberculosas. Submetteu-se a vários tratamentos de differentes médicos, e suecumbiu em fim, como seu irmão, á elephantiasis. Esta observação nos traz á lembrança o que diz Bosquillon, quando descreve a ele- phantiasis. (Elem. de med. prat. de Cullen, trad. par Bosquillon, vol. 3.°, pag. 381). Os começos desta enfermidade, de que Areteu dá uma boa descripção, são difficeis de conhecer; nem-um signal indica sua proximidade; ella parece residir primeiramen- te nas vísceras do baixo ventre, e não se mostrar ao exterior se não quando o fígado e o baço são affectados ha longo tempo. Então a còr da face torna-se de um roxo ti- rando ao negro, &c. Algumas vezes as dores nos músculos, e nos ossos só existem ; não ha manchas, nem alteração alguma na pelle; passado certo tempo, apparecem os tuberculos, sem que sejam precedidos de manchas, como ordinariamente acontece. — 11 — OBSERVAÇÃO IV. O Sr. Gabriel Pereira da Cruz é um exemplo do que acima expuzemos. Depois de por longo tempo ter soffrido as dores, de que acima falíamos, apparece- ram-lhe tuberculos no rosto, e um muito largo em uma das mãos ; curvaram-se-lhe depois os dedos desta mão. Curou-se dos tuberculos com o uso abundante e prolonga- do do cozimento de japecanga e cevada, e com as pílulas de Plumer ; resta-lhe porém a flexão dos dedos, resultado da paralysia dos músculos extensores destes. Algumas vezes é a insensibilidade em algumas partes da pelle, e fraqueza de mús- culos o único indicio da morphéa ; a pelle não apresenta nem-uma outra alteração ; depois apparecem as manchas elephantiacas. OBSERVAÇÃO V. ."* N'um dos filhos do Sr. Ernesto Ferreira França assim começou a moléstia, o qujej^ ^^*r deu lugar a que em França certos médicos, que o examinaram, julgassem que elíe^ •%■ soffria uma myelitis. Hoje neste enfermo ha manchas elephantiacas já um pouçxv^^-— vadas, e ulceras nos pés do aspecto das boubaticas; sua faceétumida; nas palmas das mãos se vem salientes os tendões, que por baixo da pelle dellas passam; os dedos das mãos acham-se em meia flexão, e ellas como atrophiadas. Ha paralysia de mo- vimento, e sentimento em começo. Ás vezes ioubas e tuberculos elephantiacos apparecem conjunctamente. OBSERVAÇÃO VI. Josué, escravo dofallecido Veríssimo Mendes Vianna, morreu em mui pouco tempo de elephantiasis. Appareceram-lhe boubas, e tuberculos elephantiacos em todo o cor- po, que deram lugar a uma febre violenta. A marcha desta moléstia foi rápida, e a terminação a morte. Outras vezes uma inflammação dos lábios, que produz excoriações cubertas de uma matéria pustulosa, e que resolve, ese renova muitas vezes, epor fim não desapparece mais, é o começo da elephantiasis; depois se desenvolvem os tuberculos, e manchas. OBSERVAÇÃO VII. Na Sr.* D. Amalia a morphéa começou por uma erupção pustulosa nos lábios, a qual desappareceu, e appareceu por muitas vezes; ultimamente não desappareceu — 12 — mais, e seu rosto se cubriu de manchas elephantiacas elevadas. Esta Sr.a foi tratada por muitos práticos desta corte, mas a moléstia resistiu ao tratamento de todos elle»; cedeu em fim ao uso do cozimento do imberi, que lhe foi prescripto por meu Pai. Vamos referir agora a seguinte observação de um morphetico, em que parece que a moléstia invadiu toda a pelle. OBSERVAÇÃO VIII. O Sr. Fernando Volmer, morador em S. Christovão, de idade de 30 a 40 annos, apresenta umrubor vivíssimo em toda a pelle, elevações tuberculosas nos supercilios, e dedos. Suas mãos são destituídas de sensibilidade, e quando pendentes se intumes- cem, incham-se-lhe as veias; e o Sr. Volmer diz que então sente correr um humor, que, para as mãos e pés lhe ojesce. Resta-nos expor agora as lesões anatômicas observadas nos indivíduos, que succum- bem á elephantiasis. Não tendo a respeito destas observações próprias, servir-nos- hemos do que observaram homens illustrados, e conscienciosos, taes como Alibert, Larrey, &c. Larrey achou no cadáver de um militar, que tinha succumbido á lepra, o fígado consideravelmente augmentado de volume; a còr desta víscera estava mui alterada, e ennegrecida; ella era de dureza extrema; a vesicula hiliar estava cheia de bile mui espessa. O haço estava scirrhoso; havia um ingurgitamento considerável das glândulas mesentericas. Percebiam-se aqui e ali tuberculos mui duros, e que tinham a consistência de uma matéria gipsosa. O tecido cellular, consideravelmente adelga- çado, estava semeado de granulações gessosas, e de uma còr esbranquiçada. A pelle não tinha mais a elasticidade, que lhe era própria: estava dura, e coriacea como o pergaminho. A autópsia cadaverica do elephantiaco Arnout, de que Alibert falia no seu tratado das moléstias de pelle, demonstrou a este observador as alterações seguintes: a lín- gua, e todo o corpo mucoso estavam semeados de tuberculos duros ; o baço, e o fí- gado não tinham sua còr ordinária; o tecido destas vísceras estava frouxo, e amolle- cido. Os pulmões estavam em uma espécie de liquidação purulenta ; os vasos arte- riaes estavam cheios de um sangue viscoso, e denegrido, haviam fortes adherencias entre os músculos, e os tendões. Os ossos estavam esponjosos, e amollecidos. Adverte Alibert que este gênero de alteração se observa freqüentemente nos leprosos. Em seus ossos não se acha vestígio algum de periosteo; suas lâminas internas se separam fa- cilmente umas das outras; sua cavidade não contém mais substancia medullar; elks não formam com os tendões, e os músculos, se não uma massa compacta lardacea. — 13 — Em outro morphetico, cuja historia se acha na referida obra de Alibert, e que ti- nha morrido (diz este observador) depois de ter percorrido todos os períodos da ele- phantiasis, se encontraram as lesões seguintes. O habito do corpo baço, amarellado; rugas na fronte, e acima das commissuras dos lábios; olhos desprovidos de cilios, e de sobrancelhas; palpebras alteradas por uma matéria puriforme com algumas crostas irregulares de uni amarello esverdinhado. As glândulas da pelle estavam ingurgitadas. Os braços, particularmente o braço esquerdo, despojados da epiderma deixavam o tecido mucoso descuberto, e semeado de largas placas gangrenosas; as unhas estavam seccas, e destacadas; a mesma disposição nas extremidades inferiores, que estavam em parte infiltradas, em parte inflammadas. Os ossos do craneo esta- vam friaveis. Enducto fuliginoso das gengivas e da língua ; fígado no estado natural sem a menor lesão; a vesicula distendida por uma grande quantidade de fluido ama- rellado contendo alem disso alguns cálculos biliares ; o mesenterio semeado de tuber- culos como petrificados; os intestinos, o estômago, o esophago, o pharynge, o la- rynge cubertos de um enducto mucoso de uma còr azulada; o baço mais volumoso t mais consistente do que costuma; as membranas da bexiga prodigiosamente es- pessas ; apenas na cavidade desta víscera se poderia conter um ovo de gallinha. A pleura adherente ao pulmão ; o coração mais volumoso um quarto do que no esta- do ordinário; nos ventriculos porções polyposas, que offereciam o aspecto, e a con- sistência da fibrina. Não havia derramamento nos ventriculos do cérebro, somente em sua parte posterior um pouco de serosidade accumulada entre aaracnoide e apia- mater; cérebro mui são. Alibert diz que Larrey, Raymond de Ia Borde, Bajon, Vidal, Valentin, Schilling, phenomenos de degradações análogas tem observado. M. Raisin, que fez a autópsia de um elephantiaco, cuja observação se acha no tra- tado das moléstias cutâneas de Rayer, achou as seguintes lesões: a pelle da faceoffere- cia quasi só o cunho da elephantiasis. A maior parte dos tuberculos tinham sido cau- terizados, ou se tinham abatido ou ulcerado. A porção esquerda do mento até o lábio inferior, cuberta de um pequeno numero de pellos negros e alongados, é amarella, embaciada, livida. Existe na parte externa deste lábio, e nos pontos, em que a pelle se continua com a membrana mucosa, esfria* pequenas. A epiderma amollecida se destaca mui facilmente, mas não debaixo da fôrma de membrana como no estado são, e depois da maceração, porém debaixo da de papas. A pelle do mento offerece alguns mamillos achatados pouco pronunciados, e irre- gularmente circumscriptos privados de epiderma, ou cubertos de ligeiras escamas, abaixo das quaes a pelle offerece uma ligeira còr rosea. Em muitos pontos a superfí- cie do derma desta região é a sede de um amollecimento mui notável. Incisada per- 4 — 14 — pendicularmente á sua espessura, a pelle parece hypertrophiada, e nas partes lateraes do mento ella tem duas linhas ao menos de espessura; raspando, e pela maceração se determinou a queda da parte amollecida do derma. Estes amollecimentos parciaes in- teressam muitos pontos da região do mento, e se estendem a profundidades desiguaes no derma. Este amollecimento e as ulcerações são sobre tudo pronunciados no bordo inferior e nas azas do nariz. A còr bronzeada da pelle do rosto não era devida a uma matéria pigmentar deposi- tada na superfície do corpo popular, porque um golpe feito na pelle segundo sua es- pessura mostrava que a còr do derma estava alterada em conseqüência das mudanças, que tinha experimentado em sua estructura. A pelle da ponta do nariz mais ligeiramente amollecida que a da região precedente é a sede de ulcerações desi- gualmente profundas; a superfície desta região é euberta de uma camada esbranquiçada produeto da secreção augmentada dos folliculos cebaceos. Tirada esta camada, vè-se muitos pontos pequenos salientes còr de madre-perola, e que não são outra coisa senão as extremidades dos pequenos prolongamentos epidérmicos, que mergulham na cavida- de dos folliculos, e formam pequenos tubos que se podem extrahir por ligeiras tracções. A pelle da fronte, a das faces apresentavam algumas pequenas crostas, que tinham suecedido á ulceração, á suppuração, ouácauterização dos tuberculos primitivos. Viam- se em alguns pontos dos membros alterações análogas. Na arachnoide existia um pouco mais de serosidade do que no estado ordinário; o cérebro não oíferecia alteração alguma. As fossas nasaes reunidas pela destruição quasi completa do seu septo apresen- tavam as alterações seguintes: a membrana mucosa inteiramente destruída em alguns pontos deixava ver descubertos os ossos do nariz; ella era forrada por uma camada mucoso-purulenta assàs espessa, e em alguns pontos estava amollecida e esbranquiça- da; n'outros esta membrana se destacava facilmente em pedaços irregulares, e pouco extensos. Duas ulcerações superficiaes, covaes de linha emeia de extensão existiam no bordo esquerdo da lingua. A face anterior do véo palatino estava ligeiramente esbranquiçada do lado esquer- do; seus bordos eram a sede de ulcerações análogas ás que existiam na epiglotte. A parede posterior do pharynge oíferecia em toda a sua extensão, mas particular- mente em sua parte superior, uma còr branca suja bem distineta da còr rosea e nor- mal deste órgão. Na face livre da membrana mucosa desta região existiam pequenos mamillos irregulares tanto mais aproximados, quanto mais acima eram observados, que seencontravam também aqui e alli no esophago,e faziam acima do nivel da membrana mucosa uma saliência de cerca de linha e meia. Estes mamillos eram devidos a um ^spessamento desigual da membrana mucosa. Cortando-a perpendicularmente em uma certa extensão via-se perfeitamente esta disposição; havia certamente uma mui — 15 — grande analogia entre esta hypertrophia com induração da membrana mucosa e as alterações que apresentava a pelle. A membrana mucosa do larynge estava forrada na face interna por uma camada purulenta, pseudo-membranosa assás espessa, que se destacava facilmente passando de leve o dorso de um escalpello por sua superfície ; abaixo desta camada via-se a membrana mucosa de còr branca mais escura do que no estado normal; estava adelgaçada em quasi toda a sua extensão, e apresentava uma ulceraçãó de Uma linha de largura e duas de comprimento, que deixava descuberto o músculo crico-arythenoídeu do lado direito. Na face posterior da epiglote existiam mui pequenas ulcerações ; as bordas e o ápice desta fibro-cartilagem ulceradas em toda a sua extensão tinham um aspecto acinzentado mui notável; na parte em que a epiglotte se continua com o larynge via-se uma pequena quantidade de matéria negra. A traca-arteria não estava sensivelmente alterada; alguns dos pequenos bronchios communicavam com cavernas tuberculosas de que adiante se fará menção. O tecido celular sub-cutaneo da parte anterior do lado direito do pescoço estava infiltrado de pús. Muitos gânglios visinhos estavam augmen- tados de volume; tinham uma còr cinzenta amarellada, e estavam mais molles, que no estado natural; a glândula thyroide estava menos corada que no estado são. O pulmão direito muito mais enfermo, que o esquerdo, era em seu lobo superior a sede de um grande numero de pequenos tuberculos esbranquiçados, granulosos, do volume do volu- me de um grande grão de milho diffundidos em toda a extensão deste lobo. Estes tu- berculos eram mais numerosos no seu ápice que apresentava diante uma caverna capaz de conter um ovo de pomba. O tecido pulmonar entre os tuberculos e pequenas ca- vernas era roxo escuro e estava muito endurecido. O lobo inferior não apresentava se não esta ultima alteração, e não era sede de nem-um tuberculo. No pulmão es- querdo existiam também grande numero de tuberculos e algumas pequenas cavernas. Entre este órgão e a pleura costal do mesmo lado havia adherencias cellulosas mui numerosas, mas pouco fortes, á direita iguaes adherencias mais antigas e mais raras existiam também entre a pleura e o pulmão. A cavidade pleuritica deste lado con- tinha cerca de um litro de um liquido sero-sanguinolento. O coração molle e peque- no não apresentava nem-uma alteração de estructura. A membrana mucosa do estô- mago, um pouco espessa junto a extremidade pylorica deste orgão,estava pelo contrario mui adelgaçada junto de sua grande curvadura; em algumas partes estava quasi in- teiramente destruído. Arborizações vasculares assás pronunciadas existiam em quasi toda a cavidade desta víscera. Notava-se também uma injecção vascular muito pro- nunciada em quasi toda a extensão do canal intestinal, elle apresentava álèm disto três ulcerações redondas, que tinham destruido a membrana mucosa em toda a sua espes- sura; uma dellas estava situada distante do duodeno algumas pollegadas; a segunda na parte inferior do ileon, e a terceira na parte media do intestino grosso. A válvula — 16 — de Bauhin apresentava também em sua face cecal uma pequena ulceração alongada menos profunda, que as precedentes. A membrana mucosa do intestino grosso estava na parte inferior em alguns pontos sensivelmente amollecida. O fígado estava no estado natural; a vesicula biliar estava mui volumosa e cheia de bile. Os rins nada offereciam. Os gânglios mesentericos não estavam alterados, e não continham tuberculos; o baço estava volumoso e tinha uma còr azulada; a bexiga sã; openis, eos testículos tinham uma dimensão ordinária; a consistência dos últimos era quasi a mesma que a dos gânglios da região inguinal; sua còr era amarella escura. Os gânglios inguinaes estavam mui volumosos sobre tudo os do lado esquerdo; tinham a consistência do fígado graxo. É de sentir que o auctor desta excellente, e interessantíssima observação não exa- minasse os grossos troncos arteriaes e venosos, em que Cazenave tem encontrado lesões; os músculos e os ossos em que Alibert diz haver mui freqüentemente altera- ções. Tendo Mr. Raísin tido o cuidado de dizer que alguns órgãos, em que se tem freqüentemente encontrado lesões (o fígado, o mesenterio, a bexiga, &c.) estavam sãos, se deixou de fallar dos músculos, dos ossos, dos grossos troncos arteriaes, e ve- nosos, sem duvida foi porque não se lembrou de examina-los. Vejamos o que da necrospia diz Cazenave tratando da elephantiasis: em resumo é o seguinte. As alterações pathologicas são variáveis relativas á antigüidade da moléstia, e á intensidade com que os órgãos tem sido invadidos. O invólucro tegumentario acha-se semeado de tuberculos de diversas dimensões; uns parecem ter-se desenvolvido no tecido dermoide mesmo, outros são a conseqüência da inflammação de alguns pon- tos do tecido cellular subjacente, inflammação, que freqüentemente se renova muitas vezes no mesmo ponto, e deixa uma induração tuberculosa, cujo aspecto é esbranqui- çado, e o tecido resistente debaixo do escalpello. A pelle, que cobre estas indurações, é ordinariamente adelgaçada, enrugada. Algumas vezes a còr é diminuída ; os tuber- culos se tem desfeito; não ha mais hypertrophia sensível. O systema mucoso offerece lesões mais ou menos profundas; apresenta em quasi todas as partes uma còr bronzeada. A mucosa da lingua é muitas vezes espessada, fendida; a que forra o véo do paladar tem offerecido na maior parte dos individuos, de que Biet fez autópsia, tuberculos ulcerados. Em muitos individuos, cuja voz estava profundamente alterada, a membrana mucosa do pharynge oíferecia tuberculos nos ventriculos lateraes, ou nas dobras, que forram as cordas vocaes: em um elephantiaco de Guadelupe acharam-se as cartilagens arythenoides cariadas, e destruídas em grande parte. A membrana mucosa gastro-intestinal quasi sempre se encontra amollecida, muitas vezes adelgaçada em diversos pontos do estômago, espessa- da pelo contrario em diversas partes dos intestinos. No maior numero de casos, são ulcerações no ileon, na válvula ileo-cecal, e no colon, que accarretam a morte dos — 17 — lázaros. Estas ulcerações tem lugar ora em tuberculos desenvolvidos na mucosa, ora nos folliculos de Peyer. Em muitos elephantiacos se tem achado tuberculos pulmonares mais ou menos desenvolvidos; uns ulcerados; outros crus. M. Biet teve occasião de observa-los em um colono da Guyana, e em um indivíduo, que tinha muitas vezes viajado a índia. Tuberculos análogos aos pulmonares tem sido observados por Lar- rey que também encontrou algumas alterações no fígado. As veias cavas e pulmona- res, a membrana interna da aorta tem sido achadas coradas de escuro por Cazenave, e Schelden. O sangue era fluido, viscoso, còr de borra de vinho. Os ossos tem sido achados algumas vezes esponjosos, amollecidos, eprivados de subi- tancia medullar. SEDE. Havemos visto que ordinariamente dores osteocopas, e ás vezes uma gastro-hepato- splenitis-chronica precediam a morphéa, a quem de ordinário acompanhavam. Nestes casos claro se mostra que o estômago, fígado, e baço, e operiosteo interno ou externo são os órgãos primitivamente lesados, e que as lesões da pelle, que depois sobrevèm, são o effeito da propagação destas moléstias ao invólucro cutâneo. Muitas vezes porem a pelle é primitivamente affectada, e é delia, que se propaga a moléstia aos outros ór- gãos. Estudemos pois a enfermidade na pelle, onde é mais fácil apreciar os seus ca- racteres. Ahi ella se manifesta, primo pela mudança da còr das partes da pelle affec- tadas; secundo, pela elevação, entumecimento e dureza destas partes; tertio, pela exaltação da sensibilidade, ou pela diminuição, ou abolição desta nellas; examinemos estas alterações e procuremos saber que tecidos lesados as determinam. Mudança de còr das partes da pelle affectadas. 1.° A pelle é rubra nestas partes. Tratando dos symptomas fizemos ver que ás vezes existiam dilatadas e rubras algumas ▼eiasinhas 1). O rubor das veias deve ser para o medico um signal de phlebitis, mo- léstia de difíicil diagnostico. A inflammação dos capillares venosos deve torna-los ru- bros ; e a pelle será então rubra nas partes affectadas. 2.° A pelle é branca. Se a causa da moléstia de preferencia irritar os lymphaticoi em certo gráo, estes serão sub-inflammados; daqui resultará o affluxo de lympha e a congestão destes vasos; elles comprimirão os vasos sangüíneos, e a còr da pelle será como a da lympha. 3.° A pelle nas partes enfermas é negra. Concebe-se bem, que, se forem os vasos (1) Rubor de veias foi também observado por meu pai nas escarlatinas graves. Elle o julga um signal de phlebitis; signal, de que nem-um auctor ainda fez menção. 5 — 18 — tenosos ossub-inflammados, haverá o aflluxo de sangue venoso, cuja còr é negra ; e comprimidos os capillares arteriaes e lymphaticos pelos capillares venosos congestos, a còr da pelle será negra. 4.° A còr da pelle é parda, de cobre, de bronze, &c. Isto dependerá da sub-inflam- mação de vasos lymphaticos e venosos conju neta mente, da inflammação de vasos ve- nosos e sub-inflammação dos lymphaticos, &c, &c. A ausência de transpiração que existe nas manchas é claro que depende da compressão, que exercem os capillares in- flammados ou sub-inflammados sobre os exhalantes. Elevação, endurecimento das partes da pelle lesadas. Esta póde-se manifestar como vimos no começo da moléstia, ou ser consecutiva a ella. Dos vasos lymphaticos sub-inflammados propaga-se, se o tecido cellular se acha predisposto, a sub-inflamma- ção a elle, de que, segundo muitos auctores, tiram sua origem os lymphaticos. A sub-inflammação deste tecido dá lugar à elevação, e ao endurecimento que se observa. Exaltação ou abolição da sensibilidade nas partes da pelle affectadas. Assim como os capillares lymphaticos e venosos da pelle são irritados, assim também os dos nevrilemos dos nervos muitas vezes o são primitiva ou consecutiva mente. Esta irrita- ção, se é em certo gráo, pelo nervo é transmittida ao cérebro, e dá lugar à exaltação da sensibilidade; se porém o grão é tal, que produza uma forte congestão, o nervo é comprimido, e as sensações não podem ter lugar, ou se fazem com pouca energia, do que resulta a dormencia e a insensibilidade. A compressão prolongada destes nervos oceasiona a sua atrophia e o seu desappa- recimento; então, ainda que o doente se cure, persiste a insensibilidade. Applicando o que dicemos a respeito dos nervos, que transmittem as impressões ao cérebro, aos nervos encarregados de fazer mover os músculos, concebe-se bem a causa da paraly- sia, e da atrophia de certos músculos, que na morphéa tantas vezes se manifesta. Se é certo que a elephantiasis é o resultado de uma inflammação chronica princi- palmente dos lymphaticos e veias, as ulceras elephantiacas devem apresentar os ca- racteres das ulceras, em que predomina a irritação dos lymphaticos. Deixemos fallar a este respeito o sábio reformador da medicina: «.... se os lympha- ticos são antes irritados, ella (ulcera) é tuberculosa, gomosa, mucosa, callosa, tal como se mostram as ulceras venereas e escrophulosas superficiaes, as que suecedem ás cros- tas dos infantes, as da elephantiasis. » Vejamos a moléstia propagando-se do exterior para o interior, e nos firmaremos ainda mais na opinião, de que é ella uma phlebo-lymphatitis. (1) Broussais, trat. das pbleg. chro. 4 ed. pag. 39. Veja-se a respeito dos caracteres das ulceras elephantiacas Alibert, trat. das mol. da pelle, e o que dicemos tratando dos symp- lomas. — 19 — « L'irritation tend a se propager par similitude de tissu et de systheme organique; c'est ce que constitue les diathesis ; cependant elle passe quelquefois dans des tissus tout differens de ceux, ou elle a pris naissance, et plus souvent dans les maladies aigues que dans les chroniques. » Quaes deveriam ser as vísceras, a que de preferencia se propagasse a inflammação, de que tratamos? Sem duvida as, em que predominam os capillares lymphaticos e venosos. Quaes as moléstias, que determinar devia esta inflammação nas vísceras supra-indicadas? As, que determinam as inflammaçoes chronicas e prolongadas dos lymphaticos e veias. O figado órgão providissimo de capillares venosos, o estômago e intestinos, em que tanto abundam os lymphaticos, os pulmões, em que tão numerosos elles são, pri- meiro que os outros órgãos gritam ao medico quesoffrem; são estes também os órgãos, que a autópsia mostra de preferencia lesados, como deixamos patente tratando desse objecto. Os tuberculos mesentericos, os tuberculos pulmonares, ambos productos da inflammação lymphatica e venosa, são moléstias, que quasi nunca deixam de existir. A inflammação das veias se diffunde muitas vezes aos grossos troncos, e chega até o endocardio. É o que poe fora de duvida as alterações achadas por Cazenave nas veias cavas e pulmonares e na aorta,e uma observação d'Alibert que referimos quando tratámos das lesões anatômicas. Se é mui freqüente ver a elephantiasis determinar os tuberculos mesentericos e pulmonares, não menos freqüente é existirem nos phthisicos pequenas manchas com todos os caracteres das manchas por que começa a alphos. Estas manchas occupam quasi sempre o mento e o contorno dos lábios. Este facto que sendo tão freqüente nos admiramos que não tenha sido observado pelos auctores, que se deram ao estudo da phthisica, bem demonstra quealymphatitis,queécausa do desenvolvimento dos tuber- culos pulmonares, propagadaá pelle nella determina manchas elephantiacas ou análo- gas a estas. OBSERVAÇÃO IX. N'uma irmã do Sr. Juiz Municipal Siqueira uma verdadeira metastase se operou. Ha algum tempo todos os signaes de uma phthisica tuberculosa se haviam manifestado; e progredia a moléstia quando ella foi accommettida da elephantiasis dos Gregos, do que resultou o desapparecimento de todos os signaes da phthisica. Duas de suas irmãs morreram phthisicas. Nós temos visto que segundo a proposição de pathologia, que acima citámos, a propagação da phlebo-lymphatitis, que constitue a elephantiasis, devia ter lugar em tecidos similhantes ou em vasos lymphaticos e venosos. Ser-nos-ha necessário dizer que se a lymphatitisque produz a phthisica tuberculosa se propagar á pelle, como neste caso, devem ser os lymphaticos delia os affectados? — 20 — Isto posto, era de prever um facto que muitas observações provam, e que também ainda não foi notado por observador algum,eé, quedos descendentes de elephantiacos ou phthisicos uns morrem phthisicos,outros de tuberculos mesentericos, outros de mor- phéa. Citaremos d'entre as numerosas observações, que poderíamos apresentar para pro- var este facto, as seguintes: OBSERVAÇÃO X. A Sra. D. Amalia de que já falíamos, tratando dos symptomas, era filha de uma senhora que morreu phthisica; seu irmão como ella foi accommettidode elephantiasis ainda infante; seu desenvolvimento se não eífeituou de sorte que na idade, em que morreu desta moléstia (mais de 20 annos), parecia um menino.O indivíduo da obser- vação terceira era filho de uma phthisica escrophulosa. Os membros da família do Bunilha em S. Paulo morriam lázaros, agora morrem phthisicos. OBSERVAÇÃO XI- D. Roza Maria do Espirito Santo é elephantiaca, sua neta é phthisica. OBSERVAÇÃO XII. Jacintho José Carneiro morreu elephantiaco e phthisico; seu filho João foi accom- mettido da morphéa. OBSERVAÇÃO XIII. Martinho Antônio Dias, portuguez de uma boa e forte constituição, e de nem-uma sorte predisposto à phthisica, morreu desta, bem como sua mulher. Sua filha Anna morreu elephantiaca com tuberculos pulmonares, e um filho de 10 a 11 annos irmão desta morreu lázaro com tuberculos mesentericos. OBSERVAÇÃO XIV. Os filhos de um escravo do Sr. Vergueiro, que foi elephantiaco, tem morrido de tu- berculos pulmonares. OBSERVAÇÃO XV. Isidoro Martins Soriano tinha uma mão affectada de elephantiasis, e por isso alei- jada: perdeu um filho phthisico, outro elephantiaco. Resta-lhe uma filha demente. (1) íi) Seria esta demência da espécie daquellas, que os antigos curavam com o helleboro, bem como Areteu a elephantiasis? — 21 — OBSERVAÇÃO XVI. Da família dos Tompsons muitos individuos tem morrido phthisicos, um está ele- phantiaco; melhorou desta moléstia; mas sobreveiu-lhe tosse, tornou-se muito magro, e appareceu-lhe uma fistula no ânus. OBSERVAÇÃO XVII- D. Delíina Maria Mendes, sobrinha de Francisco Xavier, filha de Severino Mendes da Costa, soffre a phthisica tracheal, seutio morreu mor phetico; seu pai, mãi, e irmãos todos phthisicos. OBSERVAÇÃO XVin. Da Marqueza de Inhambupe dous filhos morreram phthisicos, e um elephantiaco. OBSERVAÇÃO XIX. D. Anna Luiza de Macedo Coimbra está phthisica. Com esta moléstia morreu sua mãi, e delia o seu filho Dr. Coimbra, neto da fallecida. Das suas filhas, irmãs doDr. Coimbra, D. Anna de 15 annos está morphetica, e D. Emilia de 11 annos tem uma carie no osso iliaco com muitas fistulas. Não provam estes factos que a causa, (que nós veremos ser a syphilis) que produz a inflammação dos lymphaticos da pelle, e determina a elephantiasis, quando obra sobre os lymphaticos pulmonares determina a phthisica? (1) A elephantiasis ás vezes é precedida de febre intermittente. Quando a inflammação dos tuberculos elephantiacos se torna aguda, e quando elles se ulceram,apparece febre intermittente ou remittente. O mesmo se observa também na phthisica. Quando os tuberculos caminham para a resolução quasi sempre o doente soffre muitos insultos de lymphangitis ou antes de elephantiasis dos Árabes. Por não tornar muito extenso o nosso trabalho contentar-nos-hemos com referir as duas observações seguintes para comprovar o que dicemos sobre as febres intermit- tentes. (2) (1) Nós cremos que a morphéa desappareceu na Europa para ser substituída pela phthisica pulmonar bem como vai acontecendo agora no Brasil. (2) A respeito dos insultos de lymphangitis na resolução dos tuberculos ainda leremos de fal- ia r era outra parte. 6 __ 22 __ OBSERVAÇÃO XX. O cirurgião Marcos Francisco Vieira teve boubas. Ha mais de um anno padece de elephantiasis que appareceu sendo precedida de febre intermittente. OBSERVAÇÃO XXI. Uma doente que é o objecto de uma observação, por nós defendida no exame de clinica, colhida debaixo dasvistas do Sr. Dr.Valladão, tinha nos pomulos, nasorelhas, e supercilios,manchas rubras,elevadas, um pouco endurecidas, onde se observavam veias- inhas rubras e dilatadas. Na parte interna dos ante-braços haviam manchas còr de cobre, largas, mas não elevadas; quer nestas, quer nas da face a sensibilidade era exaltada. Esta doente melhorou um pouco com os banhos das folhas de ricino; so- bre-vieram-lhe entre tanto bexigas; a moléstia aggravou-se em principio ; mas na secca destas, algumas manchas se abateram, outras desappareceram. Poucos dias depois as manchas elevaram-se; tornaram-se mais rubras; as que tinham desappa- recido reappareceram; frios e febre todas as tardes se manifestavam: uma gastro- hepato-splenitis co-existia com estes incommodos; logo depois se manifestou uma endocarditis. Estas inflammaçoes obrigaram a empregar-se o tratamento antiphlogistico enérgico, com que a doente um pouco melhorou. Os frios tinham lugar todas as tardes, a elles seguia uma febre um pouco violenta, que durava todo o dia, e diminuía algum tanto de tarde. Estas affecções ainda duravam quando deixámos de ver a enferma, mas somos informados pelo Sr. Dr. Valladão que ella continua a melhorar. Vemos nestes factos a confirmação da theoria de meu Pai que faz depender a febre intermittente da inflammação aguda do systema absorvente. (Veja-se a exposição desta theoria feita pelo Sr. Dr. Valle no Archivo Medico Brasileiro, t. 2.°, n.° 1.). Na ultima observação que referimos a ausência da apyrexia completa se explica bem pelo grande numero de vasos lymphaticos e venosos inflammados. CAUSAS. Na parte histórica deste trabalho, provado deixámos que da África e da Azia foram levados os germens da elephantiasis para a Europa, e que da África com os negros para a America veio a causa das boubas e da morphéa. Vimos também nessa parte que do coito com os Africanos e das intimas relações com elles resultava a elephantiasis. Estes factos sós bastariam para nos guiar como pela mão na pesquiza da causa desta — 23 — moléstia, e levar-nos a descubrir que era ella o virus syphilitico genuino, aquelle, que produz as boubas, e que não tem cessado de se reproduzir na África. Nós porem, não contentes só com as claras luzes, que da historia tirámos, e acima enumerámos, vamos fazer ver na observação dos factos, que imos expender, a confir- mação do que a historia obriga a deduzir. OBSERVAÇÃO XXII. D. Mathildes, filha de D. Angélica e de Silvestre de Souza Pereira, foi amamenta- da por uma ama affectada de boubas, pelo que ella as soffreu também, e dellas apre- senta ainda os signaes: ella e seu filho de nome Guilherme ficaram elephantiacos. OBSERVAÇÃO XXIII. João, Renguella, escravo do fallecido padre Rosa, teve uma bouba na planta do pé, e depois a morphéa. OBSERVAÇÃO XXIV. Domingos, Moçambique, escravo de Joaquim Leonel da Silva Castro, morador em Pilões, teve boubas em sua terra, e está morphetico. OBSERVAÇÃO XXV. Marcello, escravo do fallecido Joaquim Faro, foi em Angola affectado de boubas, hoje está elephantiaco. OBSERVAÇÃO XXVI. João Pereira de Oliveira Figueiredo, de Itaguahy, por contagio adquiriu boubas, agora soffre a elephantiasis dos Gregos em gráo já elevado. OBSERVAÇÃO XXVII. Antônio Moreira Ribeiro, ganhou em 1831 boubas, ha annos que a elephantiasis o vexa. OBSERVAÇÃO XXVIII. Antônio Brum da Silveira teve boubas, hoje é elephantiaco. Os individuos das observações 20a e 6a tiveram boubas. — 24 — Os limites desta these não nos permittem enumerar mais factos; a experiência po- rem de quem quizer tomar o trabalho de confirmar com as suas observações o que dicemos supprirá a falta delles. Os factos referidos, os da historia põem em evidencia que a elephantiasis é uma molés- tia syphilitica; juntemos porém a elles certas verdades que tratando dos symptomas e sede desta moléstia referimos. A morphéa tem sua sede nos lymphaticos e veias; o virus syphilitico ataca, como todos sabem, de preferencia os lymphaticos. Na morphéa os ossos são affectados; a syphilis (ninguém o ignora) invade os ossos. Na morphéa muitas vezes se manifestam dores osteocopas, e então ellas augmentam á noite ; a syphilis phenomenos idênticos produz. Á vista do exposto, só poderá não ver a causa da elephantiasis na syphilis quem quizer fechar os olhos á verdade. Combatendo o principio verdadeiro que sustentamos, Cazenave e Schelden as seguintes razões expendem. Não são raros os casos, em que se tem desenvolvido a elephantiasis, sem que o enfermo tenha tido o menor symptoma de infecção syphilitica. Sem duvida a elephantiasis, como as outras moléstias syphiliticas, póde-se desen- volver sem que o enfermo tenha tido o menor symptoma de infecção syphilitica, co- mo se desenvolvem as blennorrhagias syphiliticas, os cancros venereos, e até as molés- tias produzidas pela syphilis terciaria; mas isto certamente não prova, que ella não seja causada pelo virus syphilitico. E inexacta com tudo a proposição enunciada pelos auctores citados ; por quanto é rarissimo encontrar um lázaro, que não tenha tido antes de apparecer a morphéa muitas moléstias syphiliticas; e principalmente boubas; e quando isto não seda, (jiiasi sempre se chega a conhecer que ou nasceram de pais elephantiacos, ou bouben- tos, ou syphiliticos, ou foram alimentados por amas boubentas, ou affectadas de qual- quer outra moléstia syphilitica. A inexactidão das proposições, que refutamos, sem duvida depende das rarissimas occasiões que tem tido estes observadores de verem a elephantiasis em razão de sua raridade na Europa. Se isto não fora, estamos certos que elles diriam com João de Vigo e Jorge Vella que a syphilis e o malum mortuum a morphéa) não differem nem no que respeita áscausas, nem no que respeita ao tra- tamento ; com Pedro Maynard e João Maynard que a syphilis e a lepra são enfermi- dades parentes, e que fazem parte de uma mesma familia, proposição que Baillou reduziu a aphorismo; em fim elles notariam, como tem notado observadores exactos e attentos no Hindostão [vid. Swediaurtrat. das m. syph. tom. 2.°pag. 313), que a en- fermidade syphilitica ou o gallico confirmado dos Europeos acaba muitas vezes pela elephantiasis principalmente se é maltratado. Dizem mais estes auctores que os tuberculos syphiliticos são pouco volumosos, du- — 25 — ros, còr de cobre; os elephantiacos são pequenos tumores mais largos, que os syphiliticos, molles, fáceis de amassar: que as ulceras syphiliticas tem as bordas du- ras, callosas, talhadas perpendicularmente; e quasi sempre são exactamente circulares; as elephantiacas são ulceras unidas, superficiaes, (são mui profundas quando antigas) que repousam sobre um tumor molle, como fungoso: em fim que as manchas syphi- liticas são sempre desluzidas, e nunca roxas; não apresentam nem exaltação, nem di- minuição de sensibilidade. Bem que de ordinário o virus syphilitico ataque os vasos lymphaticos de preferen- cia aos outros tecidos, é hoje verdade innegavel, que elle pôde affectar todos os teci- dos. E claro que da diversidade de tecidos affectados nasce a diversidade das moléstias. Assim a inflammação não tem idênticos caracteres quando existe no tecido lymphatico, e quando nos capillares sangüíneos ; diverge quando affecta dous tecidos ou trez: daqui se infere que a syphilis deve produzir moléstias de mui diversos caracteres; e é o que acontece : por isso foi ella comparada a Proteo por alguns auctores. Isto posto, é absurdo dizer-se que tal moléstia não é syphilitica, porque não tem certos caracteres, que tinha uma moléstia venerea, que se havia observado: é absur- do dizer-se que as manchas elephantiacas não são syphiliticas; porque nellas a sen- sibilidade é exaltada, ou abolida; porque a exaltação da sensibilidade, e a insensibili- dade são effeitos de affecções dos nervos, aos quaes pelo que acima fica dito a syphilis pôde atacar: daqui procede também que não se deve affirmar, que uma ulcera não é syphilitica, porque não tem os caracteres de certas ulceras venereas, donde provem o embaraço, em que se acham os práticos algumas vezes na determinação da natureza de certas ulceras; e pois nem-um peso tem tudo o que dizem os auctores referidos acerca das ulceras syphiliticas, e elephantiacas, dos tuberculos, e das manchas; com tudo advertiremos que a elephantiasis, como já deixámos entrever, é produzida quasi sempre pelo virus syphilitico genuino inveterado, algumas vezes porém pela syphilis ge- nuína recente; que as ulceras elephantiacas tem os caracteres das ulceras produzidas pela syphilis inveterada (1); e que nos elephantiacos algumas vezes ha ulceras com os caracteres das ulceras produzidas pela syphilis recente; que os tuberculos elephan- tiacos são às vezes duros, e còr de cobre; que nas manchas elephantiacas não raras vezes deixa de existir a exaltação ou abolição da sensibilidade, e nem-uma alteração ha desta; em fim lembraremos o que um sábio e optimo observador, que muito estudou as moléstias venereas, diz no seu tratado das moléstias syphiliticas [Swediaur, obra ci- (1) As ulceras que resultam desta lepra (a que Alibert chama tuberculosa) tem o aspecto de um roxo sujo, tem as bordas elevadas, desiguaes, duras, e lividas. Fournier, Dic. de Sc. Med. art. elephantiasis tom. 11 pag. 406. 7 — 26 — tada, tom. 2.°pag. 314). «Eu nunca vi esta moléstia (a elephantiasis dos Gregos) tal qual se mostra nos climas quentes, e mesmo na Europa: mas vi muitos casos de sy- philis inveterada e pertinaz acompanhados desymptomas, que mais ou menos se apro- ximavam aos desta terrível moléstia; taes como a inflammação e o rubor deforme das palpebras, a queda dos cabellos, os panaricios com suppuração e perda das unhas nos pés e nas mãos: havia nas extremidades inferiores um tumor monstruoso cuberto de crostas dartrosas, e acompanhado de dòr e pruridos violentos, que resistiam a todas as preparações mercuriaes. » Existindo a syphilis no Hindostão desde tempo immemorial, sendo ella tão bem co- nhecida na Pérsia, na Arábia, e na África (V., é claro que deviam ser infectados delia os Europeos, quando com estas partes tiveram as amplas communicações de que falíamos na historia. Mas a syphilis então era genuína, e produziu a morphéa na Europa como agora a syphilis genuína trazida pelos negros da África com as boubas a produz na America (2). Mas a syphilis genuína, imprópria da Europa,devia degenerar nella já talvez pela influencia do clima, já pela sua diffusão em grande numero de individuos: degenerada, seus efléitos não podem ser idênticos aos da syphilis genuína; mas só similhantes: Facies non omnibus una Nec diversa tamen, qualem decet esse sororum. (Ovid.) Esta similhança dos effeitos do virus syphilitico genuino com os do dege- nerado é patente, manifesta, incontestável como fizemos acima ver. De tudo o que deixamos dito fica demonstrado que a syphilis genuína é a causa occasional da mor- phéa. Bem pudéramos pois furtar-nos ao ingrato trabalho de refutar os auctores, que a fazem depender de outras causas; mas como esta refutação nos dará occasião de fal- lar das causas predisponentes, vamos faze-la, e em poucas palavras mostrar que as causas, a que os auctores referidos attribuem a morphéa, não são causas occasionaes desta moléstia. Disporemos estas causas segundo a ordem dos materiaes de Hygiene. Gesta. Tem-se attribuido a elephantiasis a grandes fadigas. (1) Swediaur trat. das mol. syph. tom. l.° introduc. pag. LXX. e seguintes. (2) Os habitantes do interior da África receberam vero-similhantementc o germen do mes- mo virus (o syphilitico) da Pérsia ou Hindostão pelas caravanas; ou antes será este virus gerado uo seu paiz mesmo por uma causa geral que nos será desconhecida? Parece com tudo mui provável que o yaws dos habitantes da África poderia bem tirar sua origem da mesma fonte, e talvez esta moléstia foi a origem da syphilis na Europa, como creram muitos mé- dicos, entre outros Sydenham. Swediaur, obra citada, tom. l.° introduc. pag. LXXI. — 27 — Em todos os paizes ha homens, que por necessidade se sujeitam a trabalhos mui fatigadores, entre tanto a morphéa não existe em muitas das regiões do globo; com tudo ninguém duvidará que as grandes fadigas, porque fazem circular com impeluo- sidade o sangue, e produzem uma acção forçada dos secretores cutâneos, devem tornar os vasos sangüíneos, e estes secretores mais irritaveis: e mesmo produzir inflamma- çoes cutâneas; mas as inflammaçoes produzidas por tal causa devem existir, e com effeito existem em todos os paizes; e são mui diversas da elephantiasis. Esta causa não é pois se não predisponente desta moléstia. Ingesta. Tem sido enumerados entre as causas da elephantiasis os alimentos mui estimulantes, os corruptos, os peixes, os oleosos. E verdade" que os alimentos mui estimulantes pelo seu contacto com as vias digestivas determinam inflammaçoes nestas, ou na pelle, e outros órgãos, que com ellas tem relação ; é verdade que for- necendo mui grande quantidade de matéria nutritiva enriquecem o sangue de muita fibrina, eo tornam irritante: que também obram indirectamente accendendo as paixões, e determinando muitos actos perturbadores; é verdade que com elles pene- tram nos fluidos matérias irritantes; é verdade em fim que os alimentos oleosos for- necem grande quantidade de carbono e hydrogeneo; mas em todos os paizes ha quem faça uso de taes alimentos ou por gosto, ou por necessidade ; e em todos os paizes não existe a morphéa. O que dicemos pois a respeito das causas incluídas no artigo Gesta, applica-se inteiramente ás de que agora tratamos. Percepta. As paixões tem sido dadas como causas determinantes da morphéa. Certamente ellas determinam perturbações em muitos órgãos, e na pelle: podem fazer sahir o sangue de seus vasos: Broussais viu a cólera determinar erysipelas phlegmo- nosas, e mesmo gangrenosas, Estes effeitos porem são produzidos por ellas em toda a parte; porque em toda a parte os homens são susceptíveis de paixões vio- lentas; mas a elephantiasis não existe senão em certos lugares, logo ainda é applica- vel a estas causas o que dicemos a respeito das arranjadas no artigo Gesta- Applicata. A falta de aceio é por alguns auctores attribuida a elephantiasis. Ella pôde determinar muitas moléstias cutâneas; mas em todos os paizes a indigencia e outras causas fazem que muitos homens deixem de ser aceiados: e com tudo n.ão existe a elephantiasis em todos estes paizes, logo a falta de aceio não pôde ser se não causa predisponente da morphéa. Circumfusa. Os climas quentes e humidos, as variações atmosphericas freqüentes foram accusados de produzir a elephantiasis. Estas causas produzem também muitas inflammaçoes, mas de certo não determinam a morphéa. Em paizes quentes e humi- dos em que agora existe, ella não existia antes da importação dos negros da África, como vimos na historia acontecer na America. Alem disto vimos a elephantiasis rei- nar como epidemicamente segundo a expressão de Rayer na Europa na idade media, — 28 — e na época das cruzadas: e*ninguem dirá que o clima da Europa é quente e hu- mido. As variações atmosphericas são de todos os paizes, e em certos da America mui fre- qüentes; mas nós vimos que na America não existia a elephantiasis antes da impor- tação dos Africanos, logo é claro que ellas não produzem a morphéa. Se pois, como acabamos de ver, as causas ordinárias, communs das phlegmasias, aquellas, que segundo a expressão do sábio Broussais produzem a inflammação typo, modelo, franca, a mais fácil de conhecer e tratar, não produzem como vimos a ele- phantiasis; demonstrado fica que é esta moléstia produzida por uma daquellas causas, que segundo a expressão do mesmo sábio imprimem a este phenomeno (a inflamma- ção) uma modificação particular ou especial, que desarranja a sua marcha de sorte que elle se não comporta mais com a mesma regularidade,edelle não é o medico mais senhor, como nos casos ordinários. Á vista dos symptomasda marcha, duração, ózc, da moléstia de que tratamos, impossível é deixar de conhecer que a inflammação, que a constitue, justamente pertence á categoria das inflammaçoes especificas. A respeito do virus que a produz já falíamos superabundantemente. Fallaremos das predisposições. A idade infantil, em que predomina o tempera- mento lymphatico, parece ser a mais predisposta. No lazareto de Funchal o maior numero dos individuos affectados da lepra não tinha chegado á idade da puberdade. (Rayer tra. das mol. da pelle pag. 310 edic. de Bruxellas.) O temperamento sangüíneo também parece predispor. As mulheres são menos affectadas do que os homens segundo se lè no tratado acima citado; talvez a menstruação explique este phenomeno. Póde-se porém dizer fundado na observação quotidiana, que a elephantiasis não poupa sexo, nem idade, nem temperamento algum. Agora que para nós é manifesto que a morphéa é produzida pelo virus syphilitico ordinariamente inveterado, fácil nos será resolver a priori estas questões: a elephan- tiasis é contagiosa? É hereditária? Com effeito é sabido que as moléstias syphiliticas produzidas pela syphilis inveterada não são contagiosas (1); logo a morphéa quasi nunca deve ser contagiosa. Hoje concordam os auctores em da-la como não conta- giosa fundados em muitas observações e experiências. Com tudo a analogia nos faz julgar que nos raros casos, em que ella é effeito de virus syphilitico recente, é conta- giosa. Foi talvez esta circumstancia, que fez com que muitos auctores antigos fide- ^1) Hunter conclut que lespremiers effects de Ia maladie (syphilis) doivent avoir etés locaux, et il appuie son opinion sur un fait devenu inconlestable aujourd'hui, c'est que quand elle est deveuu constitutionelle, elle ne se communique plus. (Samuel Cooper. Dicc. de Chirurg.) — 29 — dignos taes como Areteu, Galeno, e Schilling, e entre os modernos Roberto Thomaz de Salisbury a digam mui contagiosa. Não é menos incontestável hoje que as moléstias syphiliticas são hereditárias; mas não necessariamente; logo o mesmo deve acontecer com a elephantiasis (1). Muitos factos provam que assim é, e nisto também estão concordes os auctores. TRATAMENTO. Qui morbi causam agnovit, isfacile poterit, qua conferunt, afferre. Hippocrates. Hunter pensava que o virus syphilitico determinava uma irritação especial, e pro- duzia uma inflammação particular, que determinava a formação de uma matéria própria a esta inflammação, e especifica, isto é, virosa. Sendo isto assim, seguir-se-ia que, dada uma inflammação syphilitica, a matéria própria, que Hunter admitte, poderia, sendo reabsorvida, determinar novas moléstias syphiliticas, e entreter a existente. Daqui se deduziriam duas indicações; l.a alterar, debellar a inflammação existente, e impedir assim que se regenerasse o virus syphili- tico; 2.a buscar expellir do organismo o virus, que tivesse sido reabsorvido. O tratamento antiphlogistico directo alterando e debellando a inflammação sy- philitica preencheria a primeira indicação; a natureza poderia se encarregar da se- gunda ; e pelos secretores expellir da economia o virus nella existente. Assim se ex- plicariam as curas, hoje incontestáveis, pelo tratamento antiphlogistico directo somente. O tratamento pelo mercúrio, pelos drásticos, e outros excitantes de diversos secre- tores, não só preencheria a primeira indicação obrando como revulsivo, como também a segunda ajudando a natureza a pelos secretores expellir o virus; e explicadas fica- riam as curas de moléstias syphiliticas pelos sialagogos, pelos sudorificos, drásticos, &c. Deixando porém a opinião de Hunter, posto que provável, indaguemos o que a experiência mostra acerca do tratamento, que aproveita nas moléstias syphiliticas. Como dicemos estas moléstias muitas vezes se curam com o tratamento antiphlogistico directo, com o mercúrio, com os sudorificos, com os drásticos, &c. Ora, como prová- mos na parte precedente, a causa da morphéa é a syphilis: o tratamento pois, que (1) Veja-se o que dicemos tratando da sede a respeito dos descendentes de elephantiacos ou de phthisicos, pag. 20. 8 — 30 — cura as moléstias syphiliticas, deve curar a morphéa; mas como a morphéa é produ- zida pelo virus syphilitico genuino ordinariamente inveterado, como as outras mo- léstias syphiliticas produzidas por tal virus, ella deve ser de ordinário de mui diíficil cura. e mesmo algumas vezes resistir a todos os meios, e não ceder. Justamente isto acontece, e fácil nos é convencermo-nos destas verdades atttentando para os meios, com que se tem ás vezes curado a elephantiasis, para o tempo em que a cura se conclue, e para o, que dizem certos auctores a respeito do prognostico desta moléstia. <( Quid unquam quispiam, exclama Areteu, in arte medica inveniet, quod hujusce mali dignum remedium contineat?» Depois continua «luec (medicamenta) si novo et orienti morbo adhibueris, sanationis spes effulget. Sin ad summum suai generationis ascendit, et in visceribus stabilis sedeat, quando et in faciem invadit, tunc de aegri salute spes omninó abjicienda est. » Aconselha que se sangre copiosa, e repetidamente o doente, e que se o ponha no uso do leite. Recommenda depois o uso do helleboro em dias alternados, no outono, e na primavera: « atque idem (continua elle) inproximum annum repetatur. » Crescendo a moléstia, quer que sedem vários medicamentos; louva porém muito a carne de vibora. Entre os alimentos, que aconselha que o doente faça uso, vem os peixes de alto mar, e os crustáceos 1). Eis o parecer de Etinuller ísynop. Univ. Med. Pratica?) acerca da lepra: lepra in- veterata incurabilis est. Sobre o tratamento diz elle: « tanquam lues venerea curanda est. Viperina maxime conducunt. » Galeno se gloria de ter curado a elephantiasis com o helleboro negro, e o uso da vibora, e copiosas emissões sanguineas. Archigenes depois de sangrar largamente o enfermo prescreve pílulas de colo- quintidas; depois o helleboro negro, com a escamonéa, recommenda que se inter- rompa de quando em quando o uso dos purgantes, e se ponha o doente no uso do leite de burra {%). Grandes encomios faz á carne da vibora. Paulo louva a sangria ; os purgantes; a theriaga; a dieta vegetal; (Lorry, de mor- bis cutaneis.) Turner diz: ad hunc affectum curandum veteres et recentiores quoque commen- dant remediaviperina, itemexantimonio, mercúrio, et sulphurepraiparata, guajacum, radices oxylapath. polypod. epithem, &c. Oribazo, Symphor, Champier, Camerarius, Tricelts, Heberden, tem preconizado o uso da vibora. O uso interno do mercúrio foi recommendado por Durand, e pelo inglez Mayle. (Vide diec. de sei. med. artigo eleph.) 1) Os antigos aconselham os peixes e os crustáceos aos phthisicos. ■■>;, Também aconselhado pelos antigos aos phthisicos. — 31 — Um xarope composto de sassafrás, guaiaco, e raiz da China, administrado pelo Dr. Rayfer curou um leproso no espaço de dous mezes. Larrey em três mezes pouco mais, ou menos curou um elephantiaco, em que a moléstia tinha já chegado a um gráo elevado; primeiramente dando-lhe brandos la- xantes, depois a decocção de raiz de bardana e paciência : de manhã dava-se-lhe vi- nho quinado; á tarde a decocção de salsaparrilha. Administraram-se-lhe em fim alguns sudorificos mais activos, como o enxofre dourado de antimonio. Fizeram-se applicações emollientes e narcóticas ás ulceras; restabeleceu-se a sensibilidade por meio do cauterio. A quina, o ópio, e os emeticos não tem sido favoráveis (diz Four- nier no artigo elephant. do dicc. de sei. med. fallando do tratamento da elephan- tiasis). E provável pois que a cura deste morphetico fosse operada pelos sudorificos, como a precedente. Valentin refere que se tem curado elephantiacos com a carnepicada de um ou dous lagartos verdes. Fournier diz que se deve collocar um tal remédio entre os mais absurdos, que a ignorância tem proposto. Nós não cremos que uin homem tal como Valentin dicesse que taes curas se tinham effeituado, se as não tivesse observado. No artigo Lezard do dicc. de sei. med. se vè que tem sido verificado por muitos práticos de Cadiz, de Malaca, do Piemonte, de Tourin, de Saviagliano, de Nápoles, de Milão, do México, de Guatimala, &c., que os lagartos (talvez cameliões e lagarti- xas) são poderosíssimos sudorificos; que com elles se tem curado muitas moléstias ve- nereas inveteradas, e pertinazes. A experiência, -que Jourdan nesse artigo diz ter feito em si mesmo, não é bastante para destruir o que accordes verificaram tantos médicos, que de certo nem-um interesse tinham em enganar. Baldine e Fontana obtiveram da carne dos lagartos muito carbonato de ammonia pela distillação. Baldine attribuiu todos os seus effeitos á presença deste sal sem (diz Jourdan) suspeitar que elle podia ser o produeto da acção do fogo ; mas de poder a formação do carbonato de ammonia ser effeito da acção do fogo, não se segue que estes animaes o não contenham já formado, e que disso não proceda a grandíssima quantidade, que se obteve. Do que temos dito, vè-se que o desprezo, com que em França e Inglaterra se tratou a descuberta, de que falíamos, e as experiências innu- meras, que a confirmavam, é immerecido. Não será desprezando tudo o que não tem o cunho nacional, mas pelo contrario aproveitando os materiaes fornecidos pelas diversas partes do globo, que se chegará com presteza e perfeição a construir o bello, grandioso, e útil edifício das sciencias. Deixando porém esta digressão, que nos ia levando para longe do nosso objecto, tornemos a elle. Para provar o, que nos propúnhamos, ser-nos-ia fácil accumular mais citações, mas tememos tornarmo-nos fastidiosos, e mui prolixos; com tudo, — 32 — porque é necessário, como mui judiciosamenle observa Alibert, conhecer os proces- sos curativos, que o acaso forneceu, porque assim é que a maior parte dos remédios tem sido descubertos, e se tem chegado a aperfeiçoar o tratamento de quasi todas as moléstias, vamos expor os casos de cura casuaes,de que temos conhecimento. Sainte Croix refere que na índia um desgraçado morphetico desejando pòr um termo aos seus soffrimentos, recorreu para isso aos ramos de uma espécie de tithy- malo (tithymalus de Tournefort da familia das Euphorbiaceas, drástico) (1), cujo sueco leitoso é tido no paiz por um veneno violentíssimo. Em lugar da morte, este veneno deu a cura da lepra após uma commoção violenta (2). Casal refere que uma morphetica experimentava um ardente desejo de comer a manteiga do leite de vacca; tudo que tinha vendia para compra-la, e delia nutrir- se ; este regimen a curou da lepra. Narraremos em fim alguns casos de cura effeituados não por acaso, mas pelo uso de meios, que os individuos, de que nelles se trata, sabiam, eram curativos da morphéa. Um morphetico, escravo do Sr. Vergueiro, de que já falíamos nesta these, temendo ser remettido ao hospital dos Lázaros, fugiu da fazenda de seu senhor, e foi habitar em um matto visinho delia : passado tempo voltou são. Diz elle que repetidas vezes se fizera sangrar por uma sua commadre, que para isso ia ter com elle, e que se pur- gara muitas vezes com aboborinha do matto. Banhava-se todos os dias em água fria, e alimentava-se de caças. Foi assim que conseguiu restabelecer-se. Este facto nos foi referido pela Exm.a Sr.a D. Maria Angélica Vergueiro. Na ilha de França ouviu um leproso dizer que a ilha deserta e arenosa de Diogo Garcia abundava em tartarugas do mar; crendo que os caldos feitos com a carne destes anirnaes lhe grangeariam a sua cura, a esta ilha se transportou. No fim de alguns mezes com effeito ficou são. Tomava todos os dias um banho de areia, que provocava um suor abundante. Este facto nos traz á lembrança que o Sr. João Gularte, pessoa de todos reconhe- cida mui proba, e fide-digna, referiu a meu Pai, que quando esteve na ilha de Dio- go Garcia viu muitos lázaros, que de differentes lugares para ella tinham vindo, e ahi se tratavam de sua moléstia untando—se com o sangue das tartarugas, bebendo o caldo da carne destes anirnaes, e nutrindo-se com ella. D'entre muitos casos de cura por estes meios effeituada, narra elle o de uma mulher antes de para a ilha ir publi- ca. Esta moça mui bella tinha ficado morphetica, e já a elephantiasis tinha chegado a um gráo elevado, quando ella para a ilha foi persuadida de que com o tratamento 1) Vide o artigo tithymale do dicc. de sei. med. 2) Dicc. de sei. med. artigo lepre. — 33 — referido se curaria desta moléstia. Com effeito restabeleceu-se completamente; e sen- do mui bella, como dicemos, o Governador da ilha a tomou para reger a sua casa. Lemos em uma interessantíssima obra, já muitas vezes citada nesta these (1), o seguinte facto, que textualmente extractamos, vista a maneira elegante, por que é referido: «Cum Mediolanum sub finem anni 1534 rediissem,inops etomnium egens, quo me fortuna compulerat; neque enim solum in collegium receptus non eram, sed etiam ab illis oppugnabar, gravique omnium (fato quodam) invidia laborabam. Non amici, non res, non aífines: sed ab omnibus desertus illum Sinopensem Dioge- nem imitari, imo potius referre, videbar; forte fortuna obtigit, quod Cavenagus ad curam Principis accersitus, dimisisset eos fratres, qui Canonici vocantur (sunt autem in eo genere Monachorum, nam et Monachi a quibusdam appellantur nobilissimi) atque illi medicum qusererent: Franciscusque Gudius tum templi collegio praeposi- tus, quadam antiqua familiaritate mihi notus esset, suadente etiam Cavenago ipso, me pro collegii illius Medico eligeret. Ipse autem loci antistesGudius, tum jambien- nio tolo, et atra bile, et Graecorum lepra detinebatur: nec ullis auxiliis, quamquam a clarissimis viris curatus, levari, nedum sanari potuerat, adeoque eum morbum mo- leste ferebat, ut dicore soleret malle se mori, quam tam graviter affligi, hortabatur- que me, ut etiam periculosa tentarem remedia, quandoquidem secura nihil profecis- sent. Verum felicior fui ego, quam illi expediret, namque ptisanae assíduo usu, et car- nium testudinum, levissimís alioqui medicamentis satis interdicta consuetudine, eum sex mensium spatio ita ab utraque affectione curavi, ut nunquam postea nec atra bilis ex mcrrore animi, nec scabies ex mora sex annorum, quibus in Diomede3 insula captivus supervixit, redierint.» Parece que no Egypto o povo se curava da lepra banhando-se no sangue dos ani- rnaes (2); mas os Reis se curavam delia banhando-se em sangue humano. Plinio (3) e Marcellus Empiricus (4) asseveram que a morphéa era inteiramente própria ao Egypto; elles dizem que não somente se encontrava no povo, mas também atacava (1) Synops. univ. med. prat. auct. Jo Allen. (2) Os Judeos trazendo talvez de lá esta pratica a converteram em ceremonia religiosa; por- que julgavam a lepra um effeito da cólera celeste. O sacerdote judaico tomava o sangue da victima que tinha immolado; e o punha na orelha direita do leproso, que elle queria purificar; d'ahi no pollegar da mão direita, e no grosso artelho do pé direito; derramava depois óleo sobre estas partes, e acabava por derrama-lo na cabeça. Elem. de Med. Prac. de Cullen, trad. par Bosquillon, tom. 3.° pag. 375. (3) Hist. nat. lib. xxvi, c. 5.) (4) Demedic, c. 19.) 9 — 34 — muitas vezes os Reis, o que a tornava duplicadamente funesta à nação; porque os princepes para se livrarem delia costumavam banhar-se no sangue humano. Temos até aqui designado muitos remédios que o empirismo ha descuberto e aconselhado contra a morphéa; e temos assim visto que todas elles são os que a expe- riência mostra que aproveitam nas moléstias syphiliticas inveteradas. E tempo de pas- sar a estabelecer um tratamento racional. Pois que é um virus que produz a elephantiasis, é indicado expelli-lo do organismo. Pois que são irritativas as moléstias produzidas por elle, ellas devem ser combati- das com tratamento antiphlogistico directo, e indirecto. Para preencher estas indi- cações possue o medico os diversos medicamentos excitantes dos secretores, os emol- lientes, as emissões sangüíneas locaes, e geraes, &c., &c. Quando a elephantiasis é produzida por syphilis recente as preparações mercuriaes aproveitam; quando porém ella é causada por syphilis inveterada estas preparações a aggravam. Os sudorificos são indicados, quer n'um, quer n'outro caso. Meu Pai experimentou muitos sudorificos indígenas, e com elles obteve curar muitos morphe- tícos. Observando que a japecanga (herreria) aproveitava nas moléstias syphiliticas ainda mesmo inveteradas, elle a empregou contra a morphéa. Com a decocção desta planta foi por elle curado o menino Guilherme, filho da morphetica da observação. 22.a Este menino já tinha tuberculos por todo o rosto, membros, e até no tronco. Além do uso interno do cozimento de japecanga, elle fez o dos banhos da decocção das folhas da pita (Agave Americana). O sugeito da observação 4.a, foi também por meu Pai curado com o cozimento da japecanga e mais as pilulas de Plumer, e banhos de trapoeraba e mamono. Também usou da japecanga com proveito o sugeito da obser- vação 2.a Nós teremos ainda de referir observações de curas, em que se empregou entre outros medicamentos com proveito a japecanga; advertiremos porém que não serão os únicos curados os individuos aqui referidos; pois não só por não nos tornarmos prolixos não enumeraremos muitos outros, como também, não tencionando meu Pai escrever sobre a elephantiasis, não teve cuidado de colher todos os casos de cura por elle operados, e por isso não referimos alguns mui importantes. Sabia meu Pai que o povo empregava com proveito o imbiri (amomum) contra as boubas, e isto fez que elle julgasse que este vegetal devia curar também a morphéa. Com effeito com a decocção desta planta curou elle a enferma da observação 7.a, e a da observação seguinte. — 35 — OBSERVAÇÃO XXIX. D. Vicencia Roza da Soledade, moradora na rua da Conceição, tinha já o rosto cu- berto de tuberculos, e já nos pés haviam ulceras; existiam nas plantas destes algumas boubas. Meu Pai prescreveu-lhe um cozimento de imbiri, com cujo uso prolongado a cura completa se eífeituou. O ipè (tecoma) é empregado pelo povo contra as sarnas: meu Pai o empregou contra a elephantiasis, e obteve por meio delle a cura desta moléstia. OBSERVAÇÃO XXX. Luiz, pardo, escravo de João Bonifácio, natural da Costa d'África, tinha já morphéa em gráo elevado, já os dedos se tinham ulcerado; tuberculos insensíveis se achavam disseminados por todo o corpo. O cozimento de ipé administrado interna e externa- mente o curou completamente da moléstia que soffria. A eflicacia do giquiri ou giquirioba (1) (solanum) nas moléstias inveteradas da pelle, nos dartros, &c., também foi descuberta por meu Pai. Delia elle tem tirado proveito na morphéa. Como já vimos os auctores gabam muitoa carne da vibora, e Valentin viu curarem- se lázaros com a carne de lagartos verdes: meu Pai sciente disto experimentou a car- ne de cobra e a de lagartixas, e convenceu-se de que não era falso o que da vibora e lagartos verdes se dizia. OBSERVAÇÃO XXXI. D. Carolina de Campos e Silva, moradora na rua da Prainha n.° 48, 2.° andar, já tinha manchas tuberculosas no rosto, e em differentes partes do corpo. Esta moléstia tinha resistido a vários tratamentos. Meu Pai prescreveu-lhe o uso da água de cobra, e da carne deste animal guisada. Esta senhora partiu para fora da cidade para poder facilmente obter cobras, e voltou sã depois de usar dellas do modo indicado. Póde-se usar, pois que são indicados, dos sudorificos empiricamente aconselhados pelos auctores, taes como a salsaparrilha, a raiz da China, o xarope de Cuisinier. Os sudorificos convém não só porque obram revulsivamente, e eliminando o virus syphilitico; mas também porque com elles se poderá restabelecer a transpiração sup- (1) Veja-se a respeito desta planta a excellente these sobre dartros apresentada, em Í834, á Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro pelo Sr. Dr. Francisco José de Araújo e Oliveira. — 36 — primida nas manchas; pois que, como se sabe, sempre que uma secreção é suppri- mida, deve-se procurar restabelece-la. Os diureticos podem aproveitar. Do arsênico tem alguns auctores tirado proveito, mas este medicamento é perigosissimo ; e só depois de mui preparado o doente, é que se poderá ainda assim com receio emprega-lo (1). Nunca porem meu Pai teve neces- sidade de emprega-lo, se não uma vez em dose mui pequena, e delle nem-um bom resultado teve. A excitabilidade exagerada da mucosa gastro-intestinal nos lázaros, a facilidade, com que por isso ella se inflamma, deve fazer que o pratico prudente se abstenha de empregar medicamentos, como este, mui irritantes. Os drásticos, como vimos, tem curado muitas vezes ; mas evidentemente são mui perigosos; por isso Areteu, Archigenes, e outros antigos, que os empregavam, ti- nham o cuidado de preparar com copiosas emissões sangüíneas, e o uso de refrige- rantes o doente, para esta medicação. Nós vimos o escravo do Sr. Vergueiro curar-se com o tratamento análogo ao aconselhado por Areteu e Archigenes. A aboborinha do matto, e outros drásticos podem ser empregados com proveito, havidas as precauções por estes auctores tomadas. No jornal Treze de Maio, do Pará, de 11 de Agosto deste anno, se lè que um drástico do Pará, chamado assacú (HuraBrasiliensis), tem sido proveitoso na morphéa. Abi se dá um methodo de administrar este medicamento. A quem comparar este methodo com o que propõe Areteu, será fácil ver que, se se tirar o nome de assacú, e a elle se substituir o de helleboro, é o mesmo tratamento de Areteu, excluídas insig- nificantes differenças. O assacú para nós é evidente que não é, como parece se querer inculcar, um especifico da morphéa; aproveita tanto quanto pôde aproveitar o helle- boro, as coloquintidas empregadas por Archigenes, e os outros drásticos. O tratamento antiphlogistico directo, como é de prever, aproveita algumas vezes, e mormente quando a moléstia tem o caracter agudo. Meu Pai, tendo para si que por serem brandos, aperientes, e depurantes, otrifolio miúdo, e a serralha, aproveitariam nestes casos, os empregou: e delles tem tirado proveito, bem como dos banhos de trapoeraba e mamono, por elle empregados por julga-los emollientes. Tratemos agora dos tópicos. Dos auctores, uns aconselham os tópicos irritantes (Areteu, Galeno, Paul, eoutros^; outros preferem os emollientes (Archigenes, Raymond, &c.); daqui se vè que uns e outros tem aproveitado em certos casos, e tem deixado de aproveitar em outros. (1) A Ia suile (diz Rayer fallando do emprego das preparações arsenicaes) de ces tentatives, quelquefois on a vu Ia fièvre s'allumer et les malades deperir et succomber. — 37 — Quaes porem os casos em que aproveitam os tópicos excitantes? Quaes os casos em que são nocivos e são profícuos os emollientes? Ninguém ainda os determinou. Quando as manchas são inscnsiveis, quando a moléstia consistir n'uma sub-in- flammação, ou uma inflammação chronica, são indicados os tópicos excitantes. Elles tornam as manchas de insensíveis, sensíveis; elevam a sub-inflammação, ou a inflam- mação chronica ao estado agudo, em que a resolução se faz com muito maior facili- dade. Quando as manchas são alvas, elles as tornam rubras, e as fazem desapparecer. Quando os tuberculos são còr de bronze, de cobre, &c., insensíveis, e quando as ul- ceras são privadas de sensibilidade, os tópicos irritantes são mui proveitosos. Meu Pai descubriu um medicamento mui efficaz nestes casos: é elle a gigoga. Elle a administra interna e externamente em cozimento. Sob a influencia deste agente, as ulceras (que quando as ha é que elle ordinariamente o emprega) cicatrizam mui prestes; a sensibilidade, de que ellas tantas vezes são baldas, apparece; e muitas vezes se exalta. Meu Pai, apesar disto, continua a emprega-la até obter a cicatrização das ulceras. Ao uso desta planta deve a Sra. Raposo, em grande parte, o seu resta- belecimento. Não menos importante é a descuberta por meu Pai feita da efficacia da pita. Foi por notar que era ella bastante irritante que elle começou a emprega-la em fricções e em banhos na morphéa; e um êxito feliz foi muitas vezes effeito deste uso. No indivíduo da observação 22.a o emprego da pita foi mui proveitoso. O timbó, preciosíssimo agente therapeutico, também é uma das importantíssimas descubertas de meu Pai. Elle o tem applicado em certas inflammaçoes chronicas do fígado, nos casos de tuberculos mesentericos, nos de tuberculos pulmonares, em certas moléstias do coração, no hydro-pericardio, e nos derramamentos pleuriticos; e a seu exemplo muitos práticos desta corte já o empregam. Experimentou-o também na morphéa, e com bom resultado. Na menina da observação seguinte, o bom effeito do timbó foi manifesto e rápido. OBSERVAÇÃO XXXII. Uma filha do Sr. Bernardo José Alves soffria uma enorme hepatitis ha muito tem- po, e tinha a face, orelhas, e o corpo povoados de tuberculos elephantiacos. Uma ca- taplasma feita em cozimento de timbó, o uso interno de japecanga e trapoeraba, a unção dos tuberculos com um unguento feito com o sueco do jiquiri, foram-lhe pres- criptos por meu Pai. Dentro de um mez completamente se restabeleceu. A cataplasma feita com o cozimento forte do timbó (piscidea?) produz na parte, em que é por alguns dias applicada, uma excoriação, da qual exsuda uma grande quan- tidade de serosidade; se se prolonga por muitos mezes a sua applicação, produz fen- 10 — 38 — das superficiaes nas palmas das mãos, e plantas dos pés, com queda da epiderma des- tas partes, e depois de todo o corpo; ás vezes pústulas cubertas de crostas similhantes ás das boubas chamadas seccas. Em todos estes casos apparecem ou erysipelas, ou insultos de febres intermittentes, o que é de muito proveito na morphéa. O citrato de cal appliçado aos tuberculos é também um dos meios de que meu Pai se serve para excita-los. É claro que nos casos, que indicámos, os linimentos alcali- nos, os banhos de substancias irritantes, os sulphurosos, &c., aconselhados pelos auctores podem aproveitar. Quando porém a morphéa apresenta um caracter agudo, ou inflammatorio bem manifesto, quando ha exaltação da sensibilidade, quando as manchas são rubras, os banhos emollientes, as sangrias locaes e geraes, reunidas ao uso interno do cozimento de serralha, e trifolio miúdo, são mui proveitosos, e bastam muitas vezes para effei- tuar uma cura completa. Se porém isto não acontece, a reunião dos sudorificos a estes meios de ordinário a conseguem. ORSERVAÇÃO XXXIII. O Sr. Moreira tinha a face cuberta de manchas tuberculosas, rubras, e dolorosas; iguais manchas havia, mas em menor numero, no corpo. Foi curado com o uso in- terno do cozimento de trifolio miúdo, e serralha, e os banhos de trapoeraba e ma- mono. OBSERVAÇÃO XXXIV. Ignacio Teixeira, habitante da Ilha Grande, foi visto, reconhecido lázaro, etratado por todos os médicos desse lugar (segundo elle referiu), infructuosamente. Ha muitos annos estava enfermo, e não ousava por pejo apparecer em publico. O seu rosto e todo o corpo estavam deturpados por manchas elevadas, duras, còr de cardo, e dolo- rosas. Meu Pai prescreveu-lhe o uso do cozimento de serralha, e trifolio miúdo to- mado abundantemente, e a dieta vegetal. Com estes meios, as manchas foram-se aba- tendo, e tornando menos escuras, uma transpiração abundante se manifestou. Entre tanto chegou o inverno, e tudo tornou ao antigo estado. Então meu Pai sus- pendeu o uso do cozimento do trifolio e serralha, e substituiu-lhe o do cozimento de japecanga, e cevada ; os banhos mornos de trapoeraba e mamono foram continuados. As manchas abateram-se, mas pouco ; na vinda do verão porem appareceram suores excessivos, e a cura completa se eífeituou. Nestes casos pois convém os banhos emollientes, as bebidas emollientes, que os auc- tores aconselham indeterminadamente. — 39 — O regimen dos morpheticos deve ser o seguinte: Elles devem abster-se de excitantes, de carnes mui azotadas. Usarão de carnes bran- cas, do leite, dos vegetaes, de peixes de carnes brancas, da carne de lagartixa, da dos crustáceos, &c., &c. As complicações, que sobrevierem, as gastro-enterites, tão freqüentes, devem ser apropriadamente tratadas. E excusado dizer que se deve preparar o doente, quando é preciso pò-lo em uso de medicamentos excitantes, principalmente se elles tem o estômago irritado, como é mui freqüente. Vejamos agora como a moléstia marcha para a cura. Logo que o doente caminha para o restabelecimento da sua saúde, as manchas, se eram elevadas, abatem-se; nellas apparece a transpiração; se eram de còr diversa do resto da pelle, vão tomando a còr normal desta; se eram insensiveis, tornam-se em geral sensíveis; as ulceras elephan- tiacas cicatrizam prestes; e também se eram insensiveis, recobram a sensibilidade: e ficam muitas vezes mui dolorosas. A medida que a resolução da morphéa vai-se operando, insultos de elephantiasis dos Árabes ou angio-leucitis apparecem: durante a febre que acompanha estes insula- tos as manchas ou tuberculos se elevam,e se tornam rubros; quando porem ella cessa, os tuberculos ficam ainda mais abatidos, do que estavam antes da manifestação da angio-leucitis. Outras vezes é a febre intermittente que apparece; e durante os acces- sos acontece o mesmo, que acontecia durante a febre da angio-leucitis; e nas apyre- xias o mesmo, que tinha lugar, quando desapparecia a febre produzida pela angio- leucitis. O endurecimento do tecido cellular é muitas vezes conseqüência das erysipelas (1); mas cura-se bem com os banhos do cozimento de páo-pereira ou canudo amargoso,em- pregado por meu Pai, primeiro que todos, nas febres intermittentes; mas dado, como introduzido na matéria medica brasileira pelo Sr. Muniz, por quem lhe quiz roubar o mérito desta descuberta. É aqui o lugar de advertir que os elephantiacos dos Árabes não soffrem a elephan- tiasis dos Gregos, nem a phthisica pulmonar; e pois que isto assim é,eaelephantiasis dos Árabes traz a cura da dos Gregos, um antagonismo parece existir entre estae a dos Árabes; bem como entre a elephantiasis dos Árabes, e a phthisica. Quando, como em alguns casos acontece, a cura da morphéa se effeitua sem que tenham lugar as erysi- pelas ou as febres intermittentes, meu Pai observou que a phthisica se manifestava, e elle evita isto estabelecendo exutorios. (1) Hoje ha meios de curar os endurecimentos produzidos pela elephantiasis dos Árabes — 40 — Referiremos para exemplo da marcha da moléstia para a cura do modo que indi- cámos, a observação já celebre da filha do Sr. Raposo. Meu Pai havia pedido ao Sr. Vasconcellos, então ministro do Império, que lhe facilitasse todas as semanas conducção para o Hospital dos Lázaros, e licença para tra- tar grátis os infelizes morphetícos nelle recolhidos. O Sr. Vasconcellos prometteu-lhe isso, mas ou por esquecimento, ou por causas, que ignoramos, não cumpriu a sua pro- messa. Meu Pai offendido deste proceder, e desejando mostrar ao Sr. Vasconcellos, que nada se perdia em que elle se encarregasse do tratamento dos Lázaros do Hospi- tal, indagou dos seus amigos, qual era o lázaro mais antigo, e em que a moléstia ti- vesse chegado ao maior auge, confiado em que o curaria. Inculcaram-lhe a filha do Sr. Raposo lázara ha 14 annos. O estado da enferma era tal, que já o Sr. Dr. Freire havia preparado a familia para ver expirar pessoa, que lhe era tão cara. Meu Pai então se foi offerecer para trata-la. Eis o de que elle se recorda a respeito do estado desta Sra., e do tratamento com que elle a curou: tinha a doente toda a pelle deturpada, cheia de tuberculos, de que uma grande parte estavam ulcerados, e cubertos de cros- tas. Havia longo tempo, que passava terrivelmente as noites por lhe ser necessário respirar pela bocca por causa da ozena. As pernas, que se achavam muito tumidas, continham ulceras profundíssimas e de grandeza de quasi um palmo, insensiveis até aos escarroticos,e ao fogo, sangrando com muita facilidade,'e lançando de si um ichor sanguinolento e nimiamente fétido. Ella exhalava um hálito fétido. Havia diarrhéa colliquativa, e febre de consumpção. As sobrancelhas estavam desprovidas de pellos. Alguns dos dedos das mãos insensiveis se achavamem flexão, e as unhas desorganizadas cabiam com facilidade. Não era possível em seu corpo descubrirem-se veias, porque a moléstia tinha invadido toda a pelle. Prescreveu-se-lhe banhos geraes de cozimento de gigoga, dois por dia: cozimento de gigoga para beber; gigoga contusa sobre as ulceras; citrato calcareo sobre os tuberculos da face. Apenas se fez esta applicação a doente começou a gritar com dores nas ulceras, que ella até então contundia sem sentir. Dentro de oito dias pouco mais ou menos, a doente sentiu grande satisfacção, por terem-se cicatrizado as ulceras do nariz, e ella respirando por elle dormir tranquilla- mente. As ulceras do corpo foram também gradativa mente caminhando para a cicatriza- ção, que se eífeituou dentro de pouco tempo. Os tuberculos da face foram por vezes assaltados de inflammação erysipelatosa pela excitação produzida com a applicação do citrato calcareo. Combatia-se esta inflammação com os banhos do cozimento de mal- vas e leite continuando o resto do tratamento.' Depois de cicatrizadas todas as ulceras novamente se abriram; e assim no decurso do tratamento soffreu a doente três ou quatro recahidas. Seguiram-se á cicatrização — 41 - das ulceras freqüentíssimos ataques de angio-leucitis aguda, e em < ncia de um delles apresentou a doente ambas as coxas volumosissimas, duras, • o.üo lenho, e frias, e isto em 24 horas. Cedeu também mui promptamente este endurecimento do tecido cellular aos banhos de páo-pereira, que temporariamente foram sul^iituidos aos da gigoga. Dissipado este phenomeno continuou-se no mesmo tratamento haven- do-se suspendido o emprego do páo-pereira. Mas, como as erysipelas atacavam a doente fortemente todos os dias, a ponto de a prostrarem, recorreu-se ás pilulas de lagartixas, com que ellas se tornaram mais raras, e por fim desappareceram. Ulti- mamente insistiu-se no uso da gigoga, e a doente restabeleceu-se. Chegou a abrir os dedos, recobrou a sensibilidade. Os tuberculos abateram-se, edesappareceram, mas os pellos se não regeneraram. A doente conserva hoje a linda pelle que tinha até a idade em que foi assaltada desta hedionda enfermidade. Não foi se não no fim de três annos de constância da parte da doente que se con- seguiu esta cura. Este facto é um dos triumphos maisbellosda Medicina; é interessantíssimo a mui- tos respeitos; nós porem nos limitaremos a notar que é elle uma claríssima demons- tração da falsidade do prognostico da elephantiasis de Areteu, e todos os antigos e modernos, sempre funesto quando a moléstia era inveterada. E porém certo que co- mo mostra esta observação, a cura é diíficil, e isto ainda quando a moléstia é inci- piente; mas se o medico é pertinaz, e o doente constante, a cura quasi sempre se effeituará. O que muito desanima os doentes é verem que depois de à custa de muito tempo e trabalho conseguirem melhorarem ou ficarem sãos recahem. Em geral nun- ca se consegue a cura estável da morphéa inveterada sem que muitas recahidas te- nham lugar. Damos aqui fim ao nosso trabalho, mas antes de depormosa penna cumpriremos um dever para nós bem agradável, e é o de cordialmente agradecermos aos sapientissimos Lentes da Escola de Medicina a instrucção, que nos deram com tanta bondade e paciência, e dar-mos um publico testemunho de nossa gratidão ao IIIm.° Sr. Dr. Valladão pela bondade com que se dignou sempre tratar-nos, e a benignidade, com que acceitou a presidência desta these. 11 HIPPOGRATIS APHORISMI. ------»«SH&< I. Omnia secundum rationem facienti, et non secundum rationem evenientibus, non transeundum ad aliud, manente eo, quod visum ab initio. Sect. 2.a Aph. LII. II. Multum, et de repente aut evacuare, aut replere, aut calefacere, aut aliter quo- cumque modo corpus movere, periculosum est. Nam etiam omne multum naturae est inimicum. Quod vero paulatim fit, tutum est: tum alias, tum si quis ex altero ad al- terum transeat. Sect. 2.a Aph. LI. III. Si quidem, qualia purgari opportet, purgentur, confert, et facile ferunt: contraria vero difficulter. Sect 4-a Aph. III. IV. Purgandum aestate quidem, magis superiores ventres: hyeme vero, inferiores. Sect. 4-a Aph. IV. V. Purgationi immodica) convulsio, aut singultus superveniens, malum. Sect. 5.a Aph. IV. VI. Convulsio ex helleboro, lethale. Sect. 5.a Aph. I. TYPOGRAPHIA DO ARCHIVO MEDICO BRASILEIRO, RÜA DOS ARCOS N. 46. Esta these está conforme aos Estatutos. Rio de Janeiro 11 de Dezembro de 1847. Dr. Manuel de Vnlladão Pimenteí. _