y y' /? 3 i a ■ 7 TEL05 QUAES SE PÓnE RECONHECER O CANCRO DO UTERO, E O DIAGNOSTICO DIFtfERENCIAL ENTRE AS ULCERAÇOES;, E O CANCRO DO MESMO OUGÂCf, APRESENTADA, E SUSTENTADA NO DIA l6 DE NOVEMBRO DE 1843 PERANTE JüRY DA FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA NO COXCURS0 PARA O LOGAR DE SUBSTITUTO DA SECÇÃO CIRÚRGICA POR Antônio José Ozoriò í)oütnr em Medicina , Bibliolhecario da Escola de Medicina e Membro Efetivo da Sociedade Emufaçào Lilteraria desta ' Cidade. Curandi rationem veram nemo umquom poterit melhodo, aut ipsemet inremre, o ia ub alio doctri, anlcquam naiúram uffeciio- ms cognoverit. fiaglivi ia comentar; de arliculis. ©AHEÍA fiíA TYPOGRAPHIA DE EPIFANIO JOSÉ' PEDROZA Rua do PHQ.de.lô n. 37.—18l3. wiujit „u íiuuujujujib Os SRS. DOUTORES, F. deP. A. e Almeida M. M. Reboucas . \. F. de Magalhães E F. França . J. Abbott . M. L Aranha Dantas F. M. Costeira J J rPMeurastre. J. A. d'4. Chave*. >. P Cabral . . J. F. de Almeida . Director da Faculdnde,Presidcn* te do Jury, eProlessor de Phi- siologia. Professor de Botânica. Professor de Physica. Chimica. Anatomia. Pathologia externa Partos. Operações. Professor de Clinica Cirúrgica. Professor de Clinica Medica. Professor de Medicina Legal. Professor Professor Professor Professor Professor de de de de de SIPPLENTES. E. J. Pedroza....., J. de S Velho...... M. A dos Santos . , A J dc^Queiróos..... J. V. de F. Arrbosas. Loni efluito percorrendo» com a vista o vasto quadro rJOMdogico*das lesões, que o podem aííectar, viremos no conhecimento de que não he possí- vel haver na economia animal um órgão mais sujeito a adoecer, qual s.-j, a madre. A rasao desla susceplibüidade, ou facilidade em contrahir esatdos patli ilógicos he fundada sem duvida na importância do papel, que pile la ienivel enfermidade, desde os tempos os mais remotos , tem oecupado os authores, que apesar de rec< r- rerem ao luminoso facho d^Anatom-a Patlmlogica, e de t, rem comoveu- pelo dividido eseparado com demasiado cscrupu'0 cs tecidos dooiffáo af- Icclado cm lodasas prnses ou períodos da lesão, ainda hoje di-cordíío «obro n naturesa das alleraçoes pathologic !S prnnrhs do rancro propriamente dito , ou sobre os estados mórbidos que elle comprehvm'e Assim uns c„u- sulerao , e com rasao, o scirrho, o oc-ncro ulcerado como estad-s mórbidos do caecro; outros considerão cada um destes estros emo <.fferfô,s ro cellulosos, 1 que existem mormente no seo collo. Esta enfermidade pôde desenvolver-se em todas as idades, partindo da épo* ca da puberdade Todavia ella se observa com mais freqüência na época cri- tica da vida da mulher, quer antes, quer depois da cessação dos catainenios. Conforme as indagações estilísticas, resultado da pratica particular de Mr. Colombal c muitos outros práticos, se vè que a ordem de freqüência desta terrível enfermidade, relativa aos annos, he a seguinte; 1 de 40 a 45 anuos; 2_de'30 a Io. de 4o a 50, de 20 a 30, de 15 a 20, de 50 a 60, 3 emíim de «0 a "0 Esta c pecie de quadro estatístico mostra, que as affecções cancerosas do utero -ao tanto mais fiequentes, quanto este orgao se acha em um período de ac:ivid.o.e maior, ou quando começa a cahir na inércia physiologica da idade critica Esta moléstia começa de ordinário pelo collo do utero , e o seo lábio pos- terior heaflectado mais vezes do que o anterior. Q>iasi sempre, diz Mr. Begin, ella começa pela iuduraçaoe oscirrho; porém algumas vezes também, assim como nos I bios, na língua, e em todos os outros órgãos, forrados pela mem- brana mucosa, a parte affectada seamollece, e ulcera se primeiramente. Em alguns casos raros começa pelo corpo doorgáo, e neste caso he por sua su- perfície interna que principiao seos estragos. Os pathologistas tem dividido sua marcha em três períodos, segundo o grão de duvida , de probabilidade, ou de certeza, que a natureza e intensidade dos signaes fornecem. Sejao quaes forem as causas e a origem da degenerescencia cancerosa do utero, os primeiros symptomas do mal escapão geralmente à sagacidade do medico , que quasi sempre he consultado, quando as desordens e os estragos tem progredido de tal sorte que jà nao he possível sustar o seo curso com os soecorros propriamente médicos , e nem mesmo cirúrgicos, (1) Mr Cruveilhier tem provado por um grande numero d'observacõcâ e ind g.içoes que o tecido 6bro-celluloso he o elemento orgânico princi- palmente afíectado no cancro, e que esta degenerescencia parece ter uma predilecção particular para os orgâos, cm cuja composição entra grande quantidade deste tecido; como sâo o utero. as mamas,* os testículos, c todas as glândulas, De mais os desarranjos que as mulheres cxperimentão no principio sao as veses tão pouco sendveis , que nao lhes merecem a menor atlençao , O menor apprcço ; e algumas veses acontece também, que o mal pó le che- gar à um gráo de incremento considerável, sem que a sua existência tenha sido denunciada por algum fenômeno precursor. Com effeito existem mur Ihcres moças , que pela sua physionomia parecem gosar de todos os attribur tos d'uma vigorosa saúde , em quem o cancro tem lançado profundas rair ses , e cujo utero acha-se redusido á uma massa molle , podre c fétida : o que he comprovado por muitos factos de authores modernos , taes como Kecamier, Lisfranc, Téallier, coutros. Mr. Téallier, na sua obra sobre o cancro do utero, falia d'uma mulher de mais de \Q annos de idade, que o consultou sobre um corrimento vaginal , o qual era de tal sorte fétido, que por espaço de muitas horas infieciouou o ar, que circulava no seo quarto. Tocando-a, o dedo mergulhou-se em uma mass3 pulrilaginosa, que oecupa- \a o lugar do collo, e penetrou profundamente no corpo do utero através d'uma espécie de papa cancerosa sem excitar a menor dòr. Esta infeliz, vo- tada à uma morte certa, c pouco distante, ignorava a gravidade de sua posi- ção; e avança o mesmo aulhor que. se elle se limitasse ao aspeclo exterior , que nada de funesto e aterrador apresentava, pois que a doente, além de bem parecida, e disposta não açcusava o menor soffrimcuto, de certo nao pode- ria formar uma idéa do seo estado El Ia fazia remontar á um auno pouco mais ou menos o corrimento sanioso purulento, que experimentava; porém confessou também que de a muitos annos era sujeita a corrimeutos de san* gue irregulares, á perdas d'agua pelo utero, e a desarranjos nas fuucçoes di- gestivas. Attribuindo estes aceideoles á idade critica, nao lhes tinha dado a menor attençao, até que no íim de alguns meses tinha chegado ao ultimo gráo decachexia cancerosa Mr. Lisfranc refere uma observação quasi semelhante em seos cursos de Clinica Cirúrgica- «Eu fui chamado, diz este professor, paia ver a mulh.r dum arlista lyrico, esta dama, ainda moça, era fresca, e brilha;,te, e podia passar por úma das mais bellas mulheres de Pariz. Mr, o professor Morem, que jà a tinha examinado, desejava ler o meo voto Eu a toquei; o utero, re- dusido à uma matei ia pulrilaginosa nao ouVrecia senão um lodaçal fétido , em que se enterrava o dedo ; nao havia mais recursos; passados alguns me- zes a doente linha suecumbido.» Os symptomas particulares ao primeiro período soo geralmente muito obs* çuros, nao offerecem nada de especial, c podem pertencerá qualquer outra enfermidade do utero. O erro em que podem fazer cahir o pratico, di/ Mr. Téallier, he lauto mais fácil, quarto ellcs não sao constantes, e a enfermida- de pode existir, marchar, e chegar a um grão adiantado, sem que por algum indicio se deva suspeital-a. Estes svmplomas sao os da mclrite chronica, diz Mr. Sanson, e nada apresentao de particular, que possa fazer conhecer qual á sua terminação, se he por meio de resolução, ou se passará £ a degeueração carcinomatosa Em geral irregularidades no fluxo mcnstrnal são os primeiros sympotmas, que se apresentao nas mulheres ainda regradas Umas vezes são demoras mais ou menos prolongadas, ou vollas freqüentes das regras, outras vezes um cor- rimento sanguipéo por espaço de muitos mezes, e mesmo annos. as vezes ap- parecém terríveis hcmorrhagias. Quando a mulher tem passado a idade cri- tjca, e por conseguinte jà não he visitada pelos catamenios. apparece um corrimento sangüíneo, ora d'uma maneira irregular, o que he mais freqüen- te; e he quasi sempre em conseqüência d'uma impressão moral viva, d'uma contrariçdade, diz Mr. Nauche. que isto se observa. Florqs brancas alternão com o fluxo sangüíneo, ou misturando-se com elle, lhe dão uma côr pallidaj — S — on snliem rlcbalv» da forma d'um monco espesso, que vem. da cavidade uteriiM, e se acha misturado com algumas estrias sangüíneas. Os primeiro» symptomas, diz Mr. Téallier, in.o sao acompanhados de dòr , salvo se esta tie despertada pela marcha, pela posição em pe prolongada, ou pelo uso de «ma carrocem. As mais das veses também a mulher cxperiment i um sen- timento de pressão ou de peso no ânus. e no hypou-astrio acompanhado nin alüuus casos da seesaç.o dum corpo , que roía :: a bacia , todas as veses que estando deitada sobre um dos lados , ella se volta para o outro ; rrpn- Xos nas virilhas , ems re^oes lombares , uma espécie de tene^rno vesical, c uma sensação dolorosa durante a expulsão da urina, e dcfccaçâo : est"S últimos fenom n > loruoo-se ainda mais iucommodos pela necessidade fre- queiite. ou desejos contínuos de ir á banca. Algumas mulheres experimen- tao nas parles gct.itaes e principalmente na vulva um pruiido voluptuoso, qoe lhes fa/ appetecer o commercio dos homens, ou seentregao â manobras jlliciias. Este svmploma observa se ás veses em uma época bastante adian- tada da enfermidade. As mais das ve*esoaelo conjugai dotermiua dores mais ou menos vivas, as quaes em alguns casos sao muito pouco notáveis, e são nullas. Mr 'téallier diz, que lhe parece ter observado na sua pratica, que quando esta dòr era muito aguda, se prolongava, e fazia temei o com- mercio conjug il denotava antes inflammaçoes, ou simples ulceraçoes do collo uteriuo , do que uma affoiçao cancerosa O mesmo pensa à respeito de algumas gotas de cangue, que as veses c»capao-se depois do acto venerco, e que tem sua origem tanto n'uma , como rfoutra lesão ; o que tira á este svmploma o car-,ct< r de especialidade Neste primeiro período da enfermi- dade apparecem dòies vivas e passageiras em diversas regiões do corpo, e mor mente nos seios , que adquirem maior volume, e dureza ; as mulheres evpeiimenlao uma indisposição inexplicável, que as faz mudar de posição à i-aiJa iuslante ; alternativas de tensão, e mollcza das paredes abdon.>inaes , urna t:ivencivel repugnância para o> alimentos, uma profunda melancolia, accessos d'íi_v>! 'ria. appeíiies extragavantes, em fim uma perturbação singu- lar de todas as funeçoes, cuja explicação nao se pode dar, em quanto exis- tem duvidas àceiea da existência do mal. Oumdo^e manifestao estes fenomeuus , e se prolongai) além do termo d s irritações passageiras, he da maior importância explorar os órgãos stxuae» à íim de conhecer-se a naturesa do mal; o que deve ler lugar o mais cedo possível, para se nao expor a doente á um perigo irremediável, e corr.pn metter-se a honra dV.rte. o reputação do medico. Neste primeiro período, segundo M M. R"giu, Sanson, Colombat, e outros autho-es. o toque faz reconhecer, que a boca de tenca tem angmcnlado de volume, he dura, quente, mais ou menos dolorosa, designai, cheia de sali- ências ou elevações; algumas vezes amolíecida em diversos ponlos ; o lábio posterior he mais salieatee volumoso , do que o anterior ; o orifício he de- serda!, irregular, e mOo aberto em uns casos e muito dilatado em outros ; o ii do, retirado da vagina, apresenta a sua extremidade coberta de mucosi- d >des sangninolentas, semelhantes às que sao segregadas no acto da cú- pula. Examinados por meio do especulo, as parles percorridas pelo dedo Jr.ostiào-sc tensas, lascnles, as veses como vespoujosas, e d'uma cor verme- lha carregada, ou trigueira, além d'entumecidas. Se a enfermidade tem a sua sede no corpo do utero, esta víscera he mui- to mars elevada do que no estado ordinário : seo collo he menos volumo- so, e muitas veses quasi que tem desapparecido de lodo ; o corpo he, pclo> contrario, mais desenvolvido, mais pesado, mais movei ; apresenta-se de baixo ^\o dedo como o segmento d'uina esphera, e forma uma saliência cou- siüi-ravcl no recto; he doloroso em algumas de suas partes, c a dôr estende- — 9 - foao abdômen. Introdnsindo um dedo indicador no ânus, e o outro rid collo do utero, estando este órgão fixado pela mao d'ura ajudante , que" a terá applicado sobre a região hypogastrica, se reconhece a sede principal volume he augmen- tado, quer em totalidade, quer em seo collo somente, ou no corpo do orgao ; este volume pôde ser elevado à dimensões enormes: que pela sua grande experiência tem podido estabelecer os seguintes caracteres differenciaes. t 1». O engorgitamento simples he menos duro, e offerece ao toque uma superfície igual, entretanto que o scirrho offerece desigualdades c relevos. > « 2.° No scirrho a membrana mucosa do collo he d'um branco escuro, o que nao existe nos engorgitamenlos simples » « 3o. O scirrho desenvolve-se com mais lentidão; assim quando o en- gorgitamento data dum á dous meses, se principalmente snecede a um aborto, à um parto ordinário, á uma rápida suppressão dos menslruos, julgamos, diz o illuslre professor, que nao he de naturesa scirrhosa. » t 4o. Ém üm p engorgitamento simples exige em geral um tratamento simples d'um mez à seis semanas, entretanto que com uma medicação melhor appropriada a scirrho he d'uma cura mais longa. » Mr. Colombat acerescenta aos caracteres, assignalados pelo hábil Ci- rurgião da Piedade ao engorgitamento scirrhoso , que o engorgitamento he em geral meuos sensível , menos quente , e mais circumscrito que a fuduraçao simples; que sua formação não he acompanhada de sympto- mas tao pronunciados, e nao determina cm seo principio accidenles lao terríveis, c fenômenos geraes tão apparentcs; emflm que debaixo da in- fluencia das sangrias, da dieta, do repouso, dos anliphlogisticos , c dos lundentes, o engorgitamento simples do utero diminue ordinariamente muito depressa, o que não tem. lugar na degenerescencia scirrlrosa mes- mo em seo principio; que todas as veses que a induraçâo-do collo nao apresentar d'uma maneira notável os signaes característicos do scirrho , dever-se ha crer na ausência desta alteração, e conduzir-se como se se tivesse verificado positivamente um engorgitamento duro simples. Mr. téallier, aualysando os diversos caracteres , considerados como distinetivos e peculiares ao scirrho , segundo a opinião de Mr, Lisfranc, diz, que a superfície do scirrho he também igual, c as elevações podem depender d'hypertrophias parciaes, devidas às sub-inflammaçocs dos te- ci ics; 'juc tem-se \i>to simples engorgitamenlos do utero durarem mui- tos aonos, sem que adquirao por este faclo o caracter scirrhoso, e nem mesmo o tenhao; assim como he muito diflicil reconhecer a data cerfa do principio da enfermidade, por que muitas veses precede às causas, que parecem tel-a produsido, e sua origem remonta à um tempo mui- to remoto; e não se pôde pois negar seo caracter scirrhoso, por isso que se a considera recente e de causa fortuita; e que quer a enfermidade seja scirrhosa ou nao os meios therapeulicos são sempre os mesmos; e que emGm o emprasaraento não satisfaz nem à doente e nem ao pratico. Segundo este mesmo auetor as induraçóes não scirrliosas sao mais freqüen- tes comparativamente, do^que os engorgitamenlos scirrhosos, o que elle ex- plica dizendo que a experiência lhe tem mostrado, que o cancro do utero começa de ordinário pela ulceração. cujos progressos se estendem sucessi* vãmente aos tecidos profundos do órgão. As induraçóes do corpo, e do collo do utero são susceptíveis de resolução, ou de ficarem estacionarias por espaço de tempo indeterminado, e se fazem progressos he em volume e densidade, sem passarem ao estado de amolleci- mento, por onde acabão as induraçóes scirrhosas. Algumas veses terminào se pela ulceração, porem à maneira dos tumores fleumonosos, por uma secre- ~ 13 - r.fio e r-illecçlo de piis.j-cnj?. evacuação he seguida d'uma cicatrizarão dura- doura da cavidade, que o continha. A inflainmacâo chronica do utero pôde ser confundida com o cancro deste orgao ; seos symptomas são muitas veses análogos ; pôde ser circumsuritá ein alguns pontos ou occupar todo o orgao, tomando o seo peso e volume mais consideráveis. Ella distingue-se do scirrho pelas variações freqüentes , que apresenta o engorgitamento, quer apoz d'uma nova excitaçáo, e d'um a:;, vavo do mal, quer na época das regras, ou debaixo da influencia do tra- tamento. ( Téallier ) Na metrite chronica, diz Mr. Boyer, a doente experimenta dòr na região hvpogasliica, nos lombos, nas viriihns e parte superior das coxas/c um peso iàcominodo no ânus; tem uma leucorrhéade còr variada, as veses muito féti- da ; a região hypogastrica he dolorosa á pressão , o volume do utero aug- mentado. d- ma —. MM. téallier, liegin . Dugés , Nauche, M.me Doavin , e muitos ou- Iros authores, que tem tratado das moléstias cancerosas do utero, dizem nr.s suas obras, que as ulceraçoes são na maior parte dos casos priroi- li.as, e não consecutivas ao engorgitamento scirrhoso , e muitos d'entr«j 4'ilis tem confundido os caracteres da uleera cancerosa propriamente dita com os da uleera carciuomatosa. Ainda que seja diflicil, diz Mr. gauson , estabelecer uma linha de demarcação entre estas duas enfer- midades, todavia sao duas enfermidades diflerenles , das quaes uma {» Scirrho) começa por um est-ado de endurecimento dos tecidos, apreserv- ta caracteres anatômicos, que lhe sao particulares, se amollcce, se ol- cera, e toma o nome de cancro ; c a outra (o carcinoma ou uleera roe- dora) começa sempre por um amollecimenlo do órgão, promptamente seguido de sua ulceração, e nao se acompanha necessariamente de scir- rho; a primeira suecede quasi sempre à metrite chronica, raras veses ho acompanhada, mormente uos princípios de corrimento sangüíneo ao me- nor toque, produz freqüentemente picadas dolorosas, e em fim nos pri- meiros tempos pôde ceder sem operação cirúrgica, entretanto que a se- gunda desenvolve-se de ordinário d'um modo surdo , e sem causa ap- prenavt! , he acompanhada de corrimento de sangue ao menor contado, as doentes experimentão uma sensação de roedura, que nao podem de- finir, ora dolorosa, ora agradável, emfim não pôde ceder sem opera- ção desde o princípio. He da maior importância distinguir a uleera carcinomatosa do cancro ul».ciado, dous estados pathologicos, tanto mais fácil de confundir-se, quanta apresentao ambos uma ulceração de base dura; a primeira, quu 1) — em gerai he mais larga do que profunda, repousa sobre uma base en- durenda. que r?o esta em relação com sua extensão, e he sempre mais delgada do que a do scirrho ulcerado. ' Para se estabelecer um bom diagnostico deve-se ter em vista não sô os caracteres, que são próprios destas ulceras , como também sna ori- gem, marcha, profundidade, e espessura da induraçao , sobre, que re- pousão. A uleera carcinomatosa não he acompanhada de inchnção considera- rei, nem dirvluracãe profunda; sua superfície apresenta uma camada cinzenta como inorgânica, que se despega e se renova incessantemente; se^rega um fluido muito viscoso , que se concreta facilmente; porém a medida que vae progredindo e atacando as partes visinhas, o fluido tor^ iia-j>e mais abundante, mais fétido, e menos viscoso, suas bordas s;\o duras, elevadas, vermelhas, o dolorosas; sangra ao menor toque. Tacs sao os caracteres, que MM. Uegin e Colombat, assignão ás ul- reras phagedonicaS ou carciuomafosas , c que differem sem duvida dos da uleera verdadeiramente cancerosa, assim como o temos exposto aci- ma, descrevendo a marcha da enfermidade, que faz o objecto deste tos- co trabalho, e sobre as quaes tornaremos, quando fallarmus das ulce-" rações do utero, e seo diagnostico diflérencial. DIAGNOSTICO DIFFERENCIAL ENTRE AS ULCERAÇOES, E O CANCRO DO UTERO. A importância e utilidade do estudo das ulceraçoes do utero não forão desconhecidas aos práticos dos primeiros tempos, pois que Paulo d'Egi- na , Aetío , Areteo , e Rodrigo de Castro , conforme Mr. Blatin , tem lon- gamente tratado destas lesões, principalmente Areteo, em cuja obra se encontra uma bella dcscripçáo das ulceras superflciaes, e profundas,, das phagedenicas , e cauecrosas. Os outros tem inculcado o especulo co- mo o melhor meio de verificar a existência destas enfermidades, e do levar sobre as partes affectadas os tópicos medicamentosos capazes do çúral-as. Os práticos, que lhes suecederão, despresaodo o uso deste instrumento explorador, limitarão-se a tocar as enfermas como o melhor meio de reconhecer a existência das ulceras. Deste modo de proceder resultou grande atraso para a seiencia, pois que eráo tão somente co- nhecidas as ulceraçoes profundas, qualquer que fosse sua naturesa, e quando acertavão com o seo numero por apresentarem bordas elevadas e salientes , dcseonheciào a maior parle dos caracteres physicos , que servem a distinguir estas lesões tão numerosas e variadas. A Cirurgia es- teve pois por espaço de muito tempo impossibilitada de prestar todos os soecorros precisos aos males da hurnauidade, até que um grande pra- tico, aqncm muito deve a seiencia do diagnostico destas enfermidades, Mr. Recamier, restabelecendo o emprego deste precioso instrumento ci- rúrgico, denominado especulo, tornou mais perfeito, c mais claro o es- tudo das ulceraçoes superflciaes e profundas do collo uterino, ficando desfarte cheia a grande lacuna , que existia até então na arte do soo diagnostico. Appareoerão depois MM. Ricord e Cullericr, que applicando com perseverança este instrumento cm Iodas as mulheres, que se apre- sentavão no hospital dos vónercos de Pariz, contribuirão era grande parte a esclarecer o diagnostico das enfermidades reputadas snphili- ticas. 4*. 16 - Muilo> aullinres tem considerado as ulceraçoes simples do utero , como erigem freqüente c ordinária de cancro, o que he um erro na opinião de MM. Téallier , Blatin , Nivet, Colineau , Jacquim , que ulinnao ter trata- do de infinidade de mulheres , que apresentavao estas lesões , já na sua pratica particular , já em grandes hospitnes, e em grande numero de casos lendo havido falta de aceio , e até mesmo um desleixo completo da parte das enfermas , nao tiverâo occasiúo de observar os caracteres das ulceras cancerosas ; e demais que as suas observações lhes tem feito conhecer, que as mulheres, cujas ulceraçoes parecem entretidas pelo coito , ou o virus venereo , ou mesmo devidas â uma inílammação chronica do utero, não sao mais expostas do que as outras ao cancro deste órgão, embora scen- treguem à uma vida depravada , á uma perfeita prostituição ; emfim que ;is verdadeiras ulceras Cancerosas não começão de ordinário por uma ul- ceração superficial, quasi sempre succedem ao scirrho do collo ou do corpo do utero. M. M. Duparcque , Duptiytrcn , Dugés e M.mc Boivin , dizem que , ape- sar das erosões ou ulceraçoes simples do utero nao apresentarem prog- nostico grave , e muitas veses sararem com o tempo , com tudo o pratico deve prestar muita attençao àsua marcha, porque podem offerecor fe- nômenos aterradores , quer em conseqüência de máo tratamento , quer pelo simples facto de persistirem até uma época adiantada da vida das mulheres. Sem entrarmos no exame desta questão , que pôde ser decidida antes pela pratica do que pela íheoria ; apesar de que esta pôde favorecer a «ipiniao dos partidistas de Mr. Duparcque , passaremos a apresentar a clas- sificação peta/rnente adoplada das ulceraçoes uterinas , descrevendo os ca- T-acteres , que lhes sao próprios , afim do podermos chegar à distingui- las do canc;o uterino. f Notando a diversidade de causas produetoras das ulceraçoes uterinn , c por conseguinte as modificações, que nos meies therapeutice s tem d< vido ex[u limeutar , MM. Uuparcquc, c Klalin , as tem dividido em ulceras simples, dartrosas ou herpeticas, vcuereas ou syphiiiticas , escrofulosas, cancerosas , e esc-.rbuticas. 1. Ulceraçoes simples — Estas tem sido divididas em superíiciaes c pro- fundas; no primeiro caso ha somente destruição do epithelio, e entretan- to que no segundo , alem do epithelio , ha também destruição d'uma por- ção maior ou menor do tecido prrprio do órgão. As primei as constitu- em as simples crocões , e as outras são denomir adas ulccrus benignas. í. Erosões simples , ou ulceração granulada de certos authores—Estas ulceraçoes sim sempre superíiciaes, diz Mr. Duparcque, e parecem ter destruído somcnle o epithelio, ou a camada mucosa , que cobre o collo otetino: pôde etender-sc à toda «i ruperficie dum lábio da boca de louca. Todavia hc menos extensa e um pouco mais profunda, em todos os casos a parte ailectada não offerece err^orgilamento notável. e este he.pouco profundo, e devido á imflammaeao , que acompanha a ulce- ração: suas bordas são pouco salientes, e como cortadas em facetas, e ,d'um Nermelho, que seester.de em aréola cccrescente d'uma meia li- nha ou rnais; sua superficie he coberta d'uma camada amarelleuta, ou delicadamente granulada, e neste caso he d'um vermelho mais ou me- nos carregado; delia transsuda um liquido puriforme , filarnenloso , al- gumas veies sanguinolento. Esta ulceração pôde ser reconhecida pelo toque com muita diíficuldade. Passando*o dedo sobre sua 6uperficie , Lolu-se uma superficie molle e pouco regular em lugar da de oonsis- lenoin e polida,'que se nola no collo no estado de saúde: excita-se unia viva dôr pelo altrito sobre o ponto alterado. Estes signaes, ajudados do especulo , conduzom na maior parte dos casos ao conhecimento do mal. • Mr. Blatin admitle seis formas , ou variedades de ulceraçoes super- ficiacs, que são: l. a erosão, ou exulceração granulada, que descreve- mos ha pouco; 2. excoriaçoes, que ditTerem da precedente pela ausên- cia de granulações; 3. exulceraçocs vegetantes , cuja superficie he co- berta de botões carnosos muito salientes, d'uma cor vermelha mais ou menos intensa; 4. exulceraçocs lineares, que sao estreitas como seo no- me indica; j. exulceraçocs fungosas , que sao complicadas de inchação c eugorgitamenlo, mais extensas que as precedentes, cobertas de botões moíles, e curtos, sangrando com facilidade, e de cor roxa; 6. exulcera- çocs aphtosas, que começao por vésicnlas salientes, sem còr , que, rom- pendo-se, apresentao uma superfície rugosa, pálida, c cheia de pequenos pontos brancos ou cinzentos. As ulceraçoes superficiacs são quasi sempre o resultado de irritações ou inflaram içoes. • Um sentimento de calor abrasaute , de prurido incommodo no fundo t dores agudas, despertadas pelo dedo, a effusao d'uma pequena porção de san- gue depois do coito , ligeiras desigualdades reconhecidas pelo toque , o corrimento d' uma mucosidade mais ou menos' espessa, Glamentosa, ou pu* riforme, misturada de e»trias sanguinolentas são signaes, que fazem suspei- tar a existência d'uma ulceração simples superficial do utero. Ulceras benignas, ou ulceraçoes profundas simples. — Estas differem das precedentes por serem acompanhadas de fenômenos muito mais agudos, de um sentimento do corrosão, e apresentarem ao dedo, quando as toca, uma chanfradnra mais ou menos profunda em um ponto da circumferencia do do orifício nterino. Neste caso o corrimento he menor, e ás veses nao exis- te. { 1 ) Quando se trata de distinguir as ulceraçoes uterinas debaixo da relação de sua ctiologia, enconlruo-sc as mesmas (Dificuldades, que se oppoem mui- tas veses à distiueçaodo scirrho, c das induraçóes simpks no seo principio: com e;Teito no principio as ulceraçoes apresentão-se debaixo do mesmo aspecto, ha somente uma simples erosão da membrana raucosa , he depois d' uma duração mais ou menos longa , que do ordinário ellas se revestem de seos caracteres próprios e distinetivos. ( 2 ) A' cima dissemos, que muitos authores, fundados na sua grande pratica, aífirrnaváo, q' as ulceraçoes simples , por mais antigas , e mal tratadas q' fos- sem, não se tornavâo cancerosas, e que o caracter de cancerosa era primiti-» vo às ulceraçoes. Toda a dilíiculdade em estabolecer o diagnostico differeneial entre as ulceraçoes simples, que sempre ficâo simples na opinião d' alguns, seja qual for o tratamento applicado, e o desleixo era que são conservadas, provém de limitarmosnos no vivo ao exame da superficie do órgão, que es- tá longe de fornecer o mesmo gráo (futilidade , que aquelle que se estendo à profundidade , á textura dos tecidos. Com effeito a Anatomia pathologica ministra os meios de distinguir com toda a evidencia as alterações do tecido pertencentes às ulceraçoes cancerosas, das q' resultão de inflammações chro* (1) Duparcque, Moléstias do utero , artigo — Ulceraçoes. (2) Téallier, cancro do utero. — 13 — nicas. O olho e o taclo não podem certamente ser comparados com o escal- pelo que , peneirando profundamente na textura dos tecidos, descortina, por assim diser , as alterações as mais insignificantes, que elles tem soflrido. A dòr nas ulceraçoes simples, diz Mr. Téallier, tem paiecido geralmente mais aguda, e mais fácil de ser despertada, do que na ulceração cancerosa , à qual pertence mais particularmente o prurido incommodo, e às veses agradável, que excita ao coito. Este acto he doloroso em ambos os casos, e seguido de corrimento sangüíneo, mormente nos de ulceras simples. A ulce- ração simples lie susceptível de cura espontânea, o que não suecede às ulce- ras cancerosas , que continuão a fazer estragos, embora se lhes appliquem os meios curativos convenientes. Demais o modo de desenvolvimento das ul- ceraçoes simples, sua marcha benigna, e a promplidão com que cicalrisão- se não sao próprias da uleera cancerosa que, não obstante algumas veses ser pouco dolorosa , e pouco incommoda para as doentes, conforme a obser- vação dos práticos, com tudo não tem a menor tendência para a cura es- poutanca, antes pelo contrario apresenta grande disposição á estender-se tanto em largura como cm profundidade , suas bordas sao duras , elevadas, coitadas verticalmente (í), ou reviradas; sua superfície he desigual, e coberta d' uma camada cinzenta, que se despega, e reproduz-se com muita facilida- de. Em uma época mais adiantada da enfermidade cancerosa apparccem dores lauciuantes, que não permittem confundir a ulceração simples com a cancerosa, que se distingue de qualquer outra por este caracter pathogno- monico. Uma vez cicatrisada, a ulceração simples fica curada para sempre, o que não acontece á cancerosa, que torna a apparecer com a mesma perse- verança com que he combatida , e acaba por triumphar dos esforços da the- rapeutica, c por condusir sua victima ao túmulo. Esta obstinação da enfer- midade em reproduzir-se, he o signal característico de sua naturesa. he a prova incontestável da diathese , de que depende. / 2 ) O conhecimento da marcha da enfermidade , e a sua observação são o u- nico meio de distinguir o eiiforgitamento , que acompanha tão freqüente- mente a ulceração da membrana mucosa do collo uterino , que he devido â. uma irritação ou inflammaçào, do que he verdadeiramente scirrhoso. Se el- le he simples, se não depende d'uma diathese cancerosa , a cura traz a sua resolução ; entretanto que, no caso contrario, a ulceração sara, e o engorgi- tamento persiste , e ou mais tarde ou mais cedo manifestão-se novas ul- ceraçoes em sua superficie, as quaes fazem violentos e rápidos progressos, c apparece o amollecimento em seo centro, que termina por uma larga aber- tura, em cuja circumferencia notão-se amplas aufractuosidades. As observações numerosas, feitas por vários Cirurgiões hábeis em grandes hospitacs, tem provado a necessidade de reccorrer-se ao especulo, todas as veses que se quizer formar um bom diagnostico das enfermidades do utero. Mr. Dupuytren dizia em suas lições oraes, que a ulceração do collo uterino pôde ser desconhecida, se o pratico se limitar á exploração com o dedo, o poder-se-hia crer na existência d' um cancro profundo do órgão, se o mal não fosse descoberto por meio do especulo. Seudo introdusidas na parte su- perior do instrumento a boca de tenca , e o collo , nota-se uma ulceração superficial em um ou outro lábio , ou na face externa do collo, ulceração avermelhada, que julgarse-hia feito por um saca-bocado, limitada á mem- brana mucosa. (I) Duparcque , obra eitada. (2) Téallier, obra citada. i9 - As ulceraçoes simples correrão de ordinário ou por pequenos pon* fos vermelhos análogos :';s picadas de puigas, ou por espécie de man- chas cstrelladas , ou por pequenas vesiculas miliares discretas, ou con- fluonles, ou por pequenos botões cristallinos, ou finalmente por pústulas phlyctenoidcs mais ou menos volumosas, c similhanles ás aphtas da bo- ca; estas erupções nem sempre se ulcerao; porém, quando isto acon- tece, as ulceraçoes apresentao os caracteres acima mencionados. ULCERAS HERPETICAS OU DARTROSAS. Tem-se dito, (1) que o collo uterino pôde ser a sede de ulceraçoes herpeticas de diflérentes espécies, devidas de ordinário à desappariçãü dum herpes cutâneo, é desapparecendo também quando esle torna ou- tra vez para o tegumento externo; que uma vez estabelecidas , e che- gadas á um certo grào de desenvolvimento, não podem mais distinguir- se das ulceraçoes simples; que umas veses fornecem um corrimento abundante, e outras vezes, são quasi seccas. Mr. Blatin considera como ;herpetica toda ulceração do utero, que se desenvolve em uma mulher, que jà tem solfrido de erupção cutânea herpctica, ou quando a uleera lie rebelde aos mei is ordinários e aconselha o uso das preparações de enxofre como a pedra de toque da naturesa do mal , fundando-se em um exemplo. « Temos observado, diz elle, uma meretriz de Versailles, que linha no grande lábio esquerdo uma exulceracão do tamanho d'uma moeda de cinco centimos , e que tinha resistido , durante mais d'um anuo, aos tratamentos mercuriaes, e sudorificos, aos tópicos mercuriaes e adstringentes, á cautcrisaeao com o nitrato de prata, o nitrato ácido de •mercúrio, e o ferro vermelho, e usando de banhos sulfurosos, e de ce- roto enxofrado, a cicatris içao leve lugar em menos d'uma semana. » Parece-nos, que a etiologia, a marcha, o modo de desenvolvimento, e os caracteres desta espécie de ulceras, que, como se sabe, são super- ficiaes, dum fundo vermelho pálido, de superfície sinuosa e desigual, de hordas notáveis, e de cor vermelha bem pronunciada, e rodeiadas da erupção que as caracterisa, sao circumstancias, que contribuem pode- rosamente à distinguir estas ulceraçoes das cancerosas , ou do cancro ulcerado. ULCERAS ESCROFULOSAS, OU TUBERCULOSAS. Os pathologistas modernos, o mesmo os antigos, tratão em suas obras de certos tumores, de fôrma espheroidal, cnkistados ou nao, do volume d'um grão de aréa ao d'uma ervilha, podendo adquirir progressivamen- te o dum ovo de gallinha , formados por uma matéria opaca, de côi* omarcllenta , de consistência quasi cartüagínosa, que pelo decurso do tem- po se amollecem do centro para a circumferencia, e se transformâo era uma matéria caseiforme ao principio, e depois homogênea e como puri- forme, as quaes, rompendo-se, produsem ulceraçoes, caracterisadas pof uma superfície irregular, de còr vermelha livida* de bordas duras, ele- vadas e desgrudadas, fornecendo um pus soroso de cheiro desagradável^ porém differenle do das ulceras cancerosas. Esta espécie de ulceras uterioas he muito rara, apparcce em mulhe* {!) Duparcque, Blatin, NiYet, Nauche, obras citadas. 5\ —. 20 — res de temperamento lymphatico , c tem uma marcha muilo lenta. De ordinário suspeita-se a existcucia dos tuberculos, depois que elles se tem transformado em ulceras, porque antes d'esta época a menslruaçao, e as de mais fuucçocs do organismo, nao parecem experimentar modificação sensível. A indolência destas ulceras, o abcesso, que as precedo , os líquidos que fornecem, a fôrma da abertura no seo principio, a facilidade com que a uleera se alimpa , e mormente a promptidao de sua cicatrisaráo, as distinguem dos cancros uterinos. ULCERAS ESCORBUTICAS. Esta espécie de ulceras he muito rara, conforme afJfirmao todos os authores, sempre manifísta-se em mulheres escorbuticas, tem uma super- fície livida, coberta de botões fUngosos e flaccidos , sangra ao menor toque, e tem pouca tendência à cicatrisaçáo. Mr. Desvouves falia d'uma mulher, que foi admittida no hospital dos venereos, e soffria de syphilis constitucional. Examinando-lhe o collo uterino, achou uma ulceração de naturesa veuerea, a qual cicatrisou pouco tempo depois d'um tratamen- to local e geral conveniente, ficando pústulas ulceradas nas pernas e na face. No fim de três meses appareceo o escorbuto, todas as ulceras tomarão a sua forma, e examinando o collo uterino , achou uma larga ulceração do tamanho d'uma moeda de trinta soldos , inteiramente se- melhante ás feridas externas; a parle estava inchada, de cor livida, e flaccida , a ulceração sangrava ao menor toque, e deitava um sangue negro. Parece-nos de tal sorte evidente a linha de demarcação estabelecida entre as ulceras escorbuticas, e as cancerosas , que julgamos supérfluo todo o tempo, que se queira gastar cm discrimiual-as. ULCERAS SYPHIL1T1CAS. MM. Blalin , c Nivet na sua obra sobre as moléstias das mulheres, admittem quatro variedades de ulceraçoes desta naturesa. 1. Exukeraçües granuladas, que diflerem das erosões granuladas sim- ples em serem contagiosas. 2. Exulceraçocs vegelanlei, que também diflerem das simples pela mes« ina rasào. 3. Exulceracões papulosas que são muito raras. 4. Cancros do collo, que são mais freqüentes do que se pensa. Estas ulceras tenv fôrma arredondada bordas duras, dentadas, e corta- das, verticalmente segundo a espessura dos tecidos, fundo cinzento ou es- verdinhado, fornecem um fluido sero-mueoso puriforme, esverdinhado , sanguinolento, e de tal sorte irritante, que determina um prurido incom- modo, muitas veses doloroso, e uma espécie d'erylhcma nas partes com q' poe-se em contacto, e d'um cheiro particular: são acompanhadas de dores terebrantes, abrasanles, roedoras ou lancinantes (1 ), que lanção as doen- tes em tal estado d'anxiedade , que mudão a cada momento de posição para alliviarem ; estendem-se mais em largura do que em profundidade ; repou* (1) Duparcque, obra citada* gfto em uma base engorgih:: .1, pbrèm este engorgitamento he ordinariamen- te pouco profundo, o proporcionado á extençao da uleera. Tem parecido .t Mr. Duparcque q' o toqi? nestas ulceraçoes he mais sensível e doloroso, do que nas cancerosas, o qüe depende, na sua opinião, de que nas primeiras o engorgitamento he essencialmente inílaramatorio com todas as suas conse- qüências d'exaltaçáo da sensibilidade, entre tanto que, no segundo, o engor- gitamento d'um caracter frio só desperta a sensibilidade accidcnlalmcnlc. A causa , a fôrma destas ulceraçoes, que são muitas veses caracterisadas por outros symptomas primitivos ou consecutivos d'infecção venerea, taes como uma blcnorrhagia, pústulas, vegetações, cancros na vuiva, etc , c os signaes commcmoralivos permiltem distinguil-as de qualquer outra especi» d' ulceração. ULCERAS CANCEROSAS. Debaixo desta denominação tem-se confundido duas espécies d'u!cera- ções, que apresentao diflerenças notáveis, que influem no seo prognostico, e.tratamento, taes são a uleera carcinomatosa, eo cancro ulcerado. Estas enfermidades não seguem sempre a mesma marcha, e não apresentao cons- tantemente os mesmos caracteres ; umas veses comoção por uma ulceração simples, ( 1 ) que mais tarde complica-se d'engorgitamento scirrhoso, ou- ttas veses o scirrho precede a ulceração, e he o que acontece mais freqüen- temente: a primeira destas affccçócs tem sido denominada uleera cancerosa primitiva, a segunda consecutiva. ULCERAS CANCEROSAS PRIMITIVAS, OU ULCERA CARCINOMATOSA. Alguns práticos tem observado* (2) que as ulceras simples, dartrosas, sy- philiticas, e escroíuiosas, alargao-se, roendo as partos visinhas. cobrem-so do botões carnosos de mà naturesa, seo fundo se endurece, e fornecem lí- quidos de cheiro análogo ao do cancro ulcerado ; se sua marcha não he impedida por um tratamento muito enérgico, invadem a totalidade do utero, e tornào-sc tão perigosas como o mesmo cancro. Verdadeiro noli me tangere da pelle, differindo apenas por sua sede , a uleera cxirinumalosa, que occüpa o collo uterino, apresen!a-se debaixo da fôrma d' unia ulceração larga de superficie desigual, tortuosa, sulcada , de bordas duras, cosLidas desigualmente, e transsudandouma matéria stíro sani- o*,a de tal sorte felida, que o dedo explorador, e os objectos ficão impregna- dos por muito tempo ; ora he coberta de botões carnosos, molles, desigua- es, avermelhados, roxos ou pardaccnlos, ora de uma falsa membrana, ou de uma matéria inorgânica, que se despega, e renova-se incessantemente, dan- do ao seo fundo o aspecto cinzento. Esta ulceração he acompanhada de dores pouco intensas, d'uma sensação de prurido agradável, que excita ao acto venereo, apóz do qual apparecem dores agudas e lancinantes, e uma hemorrhagia mais ou menos abundante: repousa sobre uma camada muito delgada de tecido scirrhoso ; a medida, porém, que a enfermidade vai-se tornando mais antiga, ou seos progressos vão sendo cada vez ma- is rápidos, a camada scirrhosa adquire mais profundidade, as partes visi- (1) Colombat, moléstias das mulheres; Blalin e Nivet, idern. [?) Dugès, Nauche, e M™. Boivin, moléstias das mulheres. — 2a — nuas do ufero, e este mesmo orgío são inteiramente invadidos, o nèstr rnào he impossível distiuguil-a do cancro ulcerado, cujo prognostico fatal par- tilha. Antes de chegar á este ultimo período póde-se distinguira uleera carci- nomatosa do cancro ulcerado. Com effeito na uleera carcinomatosa he sem- pre pela ulceração, que começa a enfermidade, e he unicamente nos casos, em que tem persistido por espaço de tempo maior ou menor, que as par» tes subjacentes tornão-êc scirrhosas ; nos cancros ulcerados a ujeeração lie secundaria . sempre suecede à engorgitamentos scirrhosos das partes subjacentes ; no primeiro caso a ulceração tem marchado do exterior do tecido para o interior, entretanto que no segundo he o inverso que se obser- va ; a.3 ulceraçoes da uleera carcinomatosa são mais superficiaes, e tem maior disposição a exlcnder-se em largura, do que em profundidade ; no cancio ulcerado, a ulceração he em geral profunda, sua abertura he estrei- ta , e destroe as partes visinhas em todos os sentidos; na primeira a cama- da endurecida ou scirrhosa he pouco profunda, parece ligada à existência da ulceração, c pôde ser destruída pela cauterisaçâo ; entretanto que no cancro ulcerado, assim como já dissemos em outra parte, he muito exten- sa, e profunda, c não cede jamais ao mesmo tratamento. ( 1 ) ULCERA CANCEROSA CONSECUTIVA , OU SCIRRHO ULCERADO , CAN- CRO CONFIRMADO. Depois que o scirrho tem percorrido seos diversos períodos , e chegado ao estado de amollecimcnto, abre-se, e dà lugar à uma ulceração que, fcendo estreita e profunda à principio, adquire maior largura, à medida que a desorganisaçao augmenta, e apresenta uma superfície larga, pro- funda e irregular; seo fundo he coberto de vegetações flaccidas, lividas ou denegridas; suas bordas sao endurecidas, tortuosas, (2) dilaceradas, ou reviradas para fora; fornece um corrimento de matérias sorosas, san- ítuinolenlas, saniosas, pardacentas, negras ou esverdinhadas, misturadas de coalhos de sangue negro , mais ou menos volumosos e pútridos, e ás veses de porções de matérias encephaloides , de carnes fuugosas o decompostas, exhalando um cheiro muito desagradável no principio, o intolerável, c característico depois. Basta ter sentido uma vez este cheiro suigencris, diz Mr. Duparcque, para prevenir, por este único signal a naturesa da enfermidade, ainda*quando não se tenha examinado a enferma. Estes caracteres locaes, juntos aos signaes geraes e sympathicos pro- dusidos pelo progresso da enfermidade, são sem duvida mais que suffici- entes para distinguir o cancro ulcerado de qualquer outra alteração do (1) He sem rasão , diz Mr. Dnparcque, q' os práticos e os authores con- fundem debaixo do nome do cancros uterinos, as ulceras cancerosas, com os cancros ulcerados : deve-se referir às primeiras os casos em que se lemt obiido uma cura tão prompta , como fácil somente pelo emprego do modificadores locaes , e sem destruição das partes doentes. Concebe-se a resolução prompta d'um engorgitamento pela destruição ou modifica- rão da causa local, que tem provocado seo desenvolvimento; porém não se concebe a desapariçâo tão rápida d'uma ulceraçfio nos cancros scir- rhosos, ou cerebriformes ulcerados. (2) Blatin, e Nivçt, obra citada. ~ 23 — utero. Quando a'uleera oecupa a boca de tenca, o especulo e o toque permittem facilmente distinguil-a das inflammaçóes simples do utero: quando, porém, tem sua sede na cavidade do corpo do órgão , a côr e o cheiro do corrimento, as metrorhagias, e as dròcs lancinantes, que a acompanhão, não deixão, na maior parte dos casos, a menor duvida sobre a naturesa da enfermidade. Reconhecem-se as ulceraçoes simples e dartrosas por sua pouca pro- fundidade, por sua côr vermelha pronunciada, ou intensa, pela consis- tência dos botões carnosos, que cobrem sua superfície, e pela falta de induraçâo em seos limites. As ulceraçoes profundas simples não tem fundo scirrhoso como as cancerosas, são cobertas de boioes carnosos consistentes, e fornecem um liquido de cheiro muito differente. As ulceras escroíuiosas sao profundas, desenvolvem-se no meio de te- cido sao, ou levemente engorgitado; suas paredes não são endurecidas; fornecem um pus soroso , que , em neuhuma época t tem o cheiro ca- racterístico do corrimento canceroso. As ulceraçoes syphiliticas caucrosas podem ser confundidas em certos casos com a uleera carcinomatosa, e o seo diagnostico differeneial pôde ser somente estabelecido, quando existe ou tem existido qualquer outro symptoraa syphititico, ou quando a enfermidade tem apparecido depois do coito com uma pessoa inficionada. Tratando das ulceras carcinomatosas temos apresentado todos os signaes differenciaes, que existem entre ellas e o cancro ulcerado. Quaudo a pri- meira, em virtude d'uma causa qualquer, tem lavrado profundamente, toma todos «s caracteres do segundo, e torna-se o diaguostico differeneial impossível d'estabelecer. Aqui terminamos, disendo, que o toque e o especulo, ajudados do co- nhecimento da etiologia, symplomalologia, e marcha da enfermidade, e em muitos casos os meios therapeuticos empregados, são circunstancias in- dispensáveis para formar-se um diagnostico positivo das lesões do ute- ro, e principalmente do cancro e das diversas espécies de ulceraçoes, que o podem affcctar. " "^ i— 2i.w; ip' i ■ O curto praso de vinte dias, que nos foi concedido para apresenta- ção desta Thése, as nossas fracas luzes, a nossa débil saúde e a im- portância do objecto, nos parecem motivos assáz sufficientes paro gran- gearem a indulgência do leitor, e mormente dos nossos Juises pelas in* numeras incorrecções, que recheáo este escripto, e pelo laeonismo, que adaptamos. Uahia : Typographiç de E. J* Mroza. Rua do Pão-cte-ió. —- 1$Í3,