HÍUfí *cry&/{ '4íu*7Ír*iS\ ''mü)mne fcxxáva be ^Ibrcu, Huma lagrima de dôr e de saudade ! s&^&zs A MINHA ADORADA Mil 3. Sva. D. Jclisberta Cuúa be abreu. Senhora. Que pincel poderia esboçar o vosso mérito! Com que tinlas pintar o que vos devo! Privado de meu cbaro Pai em tenra idade , em vosso coração sempre encontrei, não a simples ternura d'huma Mãi, sentimento commum a toda aquella que á voz da natureza não lie surda sentimento bem nobre na verdade, mas quemfnn só á Mãi degenerada sóe faltar; huui disvclio porém sempre constante cm fazer-me fugir dos negros vícios, fazendo cm meu peito germinar principios de virtude ; em fazer cultivar o meu espirito, cm tornar-me mais digno dos homens ! Oue tarefa espinhosa ! Que oneroso encargo sobre os débeis hombros de huma Mãi! Sobranceira entretanto a todo o peso d'esla tarefa difficil, com coragem não fácil d'imitar-se , com paciência soffrendo privações, que só cm meu proveito reverlião, consummastes alfim o sacrifício. Con summastc-o sim, Mãi exemplar: eis-me chegado ao termo desejado de minha vida escolar; eis-me senhor dhuma honrosa posição na sociedade. Possa eu, seguindo á risca os principios do honra e probidade que soubestes plantarem meu espirito, jamais tornar-me indigno de vós! Se de tanto vos sou pois devedor; se vida, educação, tudo vos devo, dizei-ine, Senhora,—a quem compete o lugar mais distineto nesta These, neste frueto primeiro de minhas lucubrações? A vós sem duvida. Recebei por tanto, eu vos supplico, esta offerla mesquinha, que vos faço, cm prova de meu profundo respeito e gratidão. \ MEUS QUERIDOS IRMÃOS, CUNHADO, E SOBRINHAS. « Sc acaso vos he grala a off renda minha (iiato a entrego, recebei-a, hc vossa. A MEU VERDADEIRO AMIGO (D 311.mo iSr. losi Jkmra (íoimbra. Senhor. Forçado a viver por sete annos longe de minha chara Mãi, cm vós achei hum amigo sincero, hum conselheiro, que bem soube dirigir meus mal seguros passos no caminho da honra. Hum desinteresse qual o vosso, tanto empenho, Senhor, em soecorrer-mc com vossos conselhos salutares, jamais esquecerei; eu vos prometto eterna gratidão guardar no peito; c já que nada tenho a offerlar-vos além de hum coração agradecido , consenti que vos dedique minha Thcse, mesquinha producção de fraco engenho. A MEU DIGNÍSSIMO MESTRE O ILL.mo E REV."1" SR. Çaírí Jranctsco bas (Üljagas Jílartins 2Unla e Sovt^a, In freta dum üuvii current, dum monlibus umbra; Lustrabunt convcxa, polus dum sidera pascet, Semper honos, nomenque tuum, laudesque manebunt; Qute me cumque vocant terrae..................,. Viuo. AOS ILL.M0S SRS. DRS. albino JHomra im (tfosta Cimo, 3ofto (Bomes iroa Heis, Gento 3osi ÍÍJC 0OUJO. Collcgas! Juntos eucctámos nossa carreira escolar; juntos percorremos seis longos annos na mais perfeita harmonia; juntos vos trouxe eu sempre cm meu peito e lembrança; juntos chegá- mos ao tão almejado termo de nossos trabalhos; juntos consenti pois que estampe vossos nome» nesta pagina de minha These, que vos dedico em prova do muito que vos preso. A FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO. Exigua prova do mais profundo respeito e gratidão. EM PARTICULAR AO SEU PRECLARO MEMBRO © 311.mo 0r. Dr. Ivancisco Svúvc 3UUmoo, Ofiicial da Ordem da Rosa, Cavalleíro da de Christo, e de Francisco I.° de !Napoies; Medico da Imperial Câmara, Professor de Botânica na Escola de Medicina do Rio de Janeiro ; Membro Titular da Academia Imperial de Medicina, Correspondente do Instituto Histórico e Geographico Brasi- leiro e da Sociedade Auxiliadora da Industria Nacional; Membro Correspondente do Instituto Histórico da França, da Real Academia das Sciencias de Nápoles, do Real Instituto d'lncoraggia- mento, e da Academia Pontaniana.. Homenagem ao talento e á modéstia. F. F. A. AO LEITOR. He assaz oneroso na verdade o espinhoso encargo d'escrever huma These sobre qualquer objecto que de preferencia escolhamos dentre os innumeros ramos constituintes da frondosa arvore d'Hippocrates, quando acabando apenas de libar a taça da sciencia, sem o tempo necessário parabém digerir as idéas que nos livros bebemos, ou que por nossos Preceptores nos forão transmittidas, inda nos não he dado o possuir a necessária aptidão para bem desempenhar tarefa de tão subida magnitude. Como porém* esquivar-nos d'esta ultima provação ao desempenho que de nós exige a lei? Deveremos por ventura, conscio da mesquinhez de nossas forças, arripiar carreira após tantos sacrifícios consummados? Por ventura convirá? Com nossa dignidade escolar será mesmo compatível desistir da começada nmpreza após difficuldades tantas superadas? Resposta negativa darão todos a estas perguntas supérfluas. Pois bem: se proseguir devemos na carreira, de parte ponhamos os receios, e qual piloto néscio, mas ousado, lancemos nosso fraco batei por esse mar immenso ^em- baraços, que coberto d'escolhos formidáveis, ameaçando sorver-nos a cada instante, por toda a parte nos mostra o naufrágio e a morte: busquemos bem dirigi-lo, lancemos mão ao leme, pois a despeito de nossa impericia, e dos muitos escolhos que nos cereão, inda de nós não fugirão esperanças de porto e salvamento. Mas que! Não serão illusorios por ventura os raios desperança que vigorão e animão nosso peito? Não; que o zephyro que até aqui soprava mansamente, por certo não será substiluido por furacão horrendo, que desviando-nos do porto desejado, nos impilla e faca perecer contra os penedos que nos cereão. Coragem pois; confiemos em nossa boa estrella, contemos com a benevolência do leitor, e digamos duas palavras sobre os atlri- butos diíFerenciaes dos corpos organisados e dos mineraes. i II AO LEITOR. O objecto he bem vasto na verdade, e questões envolve de difficul- dade extrema, ante as quaes inutilmente se quebrarão as forças dos mais celebres philosophos antigos, e cuja dilucidacão ainda hoje he incompleta a despeito dos esforços dos modernos. Nenhuma pro- porção existe pois entre elle e a mesquinhez de nossa esphera; mas qu'imporla? Nem assim desistiremos de trata-lo, pois que muito se coaduna com nosso gosto decidido pela cultura das sciencias natu- raes, d'essa parte tão bella dos conhecimentos humanos, que (oh! triste e vergonhosa realidade!) he bem pouco cultivada em nosso paiz natal, n'este solo venturoso, que de suas mais bellas producções ornou a natureza, e cujas riquezas inexhauriveis enchem d'admiração e pasmo o aurisedento estrangeiro, que em troco de nosso ouro precioso, aqui nos vem trazer aquillo mesmo que facilmente obte- ríamos n'este terreno fecundo, se conhecêssemos melhor as sciencias naturaes e as artes. Maldição sobre esse indiíferentismo vergo- nhoso cm que vivemos! Acabe por huma vez essa apathia infernal que nos não deixa tirar vantagem das producções de nosso clima! Honra áquelles que laborão para ampliar o conhecimento das pro- ducções indígenas, diminuindo d'est'arle a dependência em que vivemos do estrangeiro aváro, que em geral tudo nos manda corrupto ou falsificado! Dividiremos o nosso trabalho em sete artigos distinctos, em os quaes buscaremos successivamente fazer ver as diíFerenças existentes entre os mineraes e os corpos organisados, em relação á sua origem, fôrma, estructura, mudanças durante a existência, composição chi- mica, forças motrizes, e terminação d'existencia. Não imitaremos a mór parte dos naturalistas, dando-nos ao trabalho d'escrever hum artigo especial á cerca do volume comparativo dos corpos da Natu- reza; porquanto sendo este resultante do crescimento, parece-nos mais acertado deduzir as diíferenças que a tal respeito se apresentão entre os mineraes e os seres organisados, do estudo e consideração das leis que presidem ao mesmo crescimento. A discriminação em quanto ao volume será pois hum corollario do estudo diíFerencial do crescimento. ■—B«> l^l (>^ S>HS«S!«S8S»&$Í^ ®S^U&& DOS CORPOS ORGÂNICOS E INORGÂNICOS. ORIGEM. Organised substances possess the power of produ- cing beings similar to themselves, or the faculty of generation. This is a remarkable and exclusive prerogative of organised bodies, unless vre admit, with some physiologists, that matter in certain form and under particular circumstances, has the property of organising itself into some of the lower forms of animal or vegetable life....... Segundo opinão os philosophos Epicuristas, os átomos, de cuja aggregação resultão os corpos, existem ab aterno; não devem sua formação a huma causa primaria; em seu entender todos os objectos que povôão o universo, desde a mais insignificante producção mineral até o mais perfeito organismo, até a imagem de Deos — o homem — nada mais são que o resultado de hum concurso fortuito dos mesmos átomos — AtomiJ&r a seipsis existunt, et ex for- tuita cetrum concursione mundus ortus esl. Tal he a profana doutrina dos Epicu- ristas acerca da origem do mundo. Com quanto assaz convicto estejamos de que mais compete ao philosopho que ao naturalista a refutação d'esta doutrina, que aliás resistir não pôde á mais fraca impugnação, não deixaremos todavia de declarar que, abstrahindo mesmo de nossos principios de moralidade e religião, cujo antagonismo com idéias taes he manifesto, nossa razão não pôde admittir átomos improductos, e ainda menos conceber que a bella e harmo- niosa disposição do universo, que enche de pasmo e admiração o espirito do DISCRIMINAÇÃO GERAL conlemplador attento, seja o parto de hum simples acaso. Esses philosophos desconhecem pois a existência de huma causa primaria, d'onde dimanão todas as leis que regem os movimentos da matéria, que em seu entender he essen- cialmente activa, e capaz de formar per si, e independente de qualquer causa estranha, todas as producções da natureza : d'est'artc negão elles que a maté- ria seja inlrinsecamente inerte, como geralmente se admitte, c suslentão que a gravidade, as altracções atomisticas, a espontaneidade d'acção, a vida e a sensibilidade mesmo são forças essencialmente inherentes á natureza das par- ticulas materiaes, especialmente dos fluidos imponderáveis, em os quaes dizem haver mobilidade, sensibilidade, e espontaneidade d'acção em gráo subido. Os movimentos continuados, que se eíTeituão na natureza physico-chimica, as mudanças d'cstado por que passão freqüentemente os corpos, sua passagem de huma combinação á outra; o continuado movimento de composição e de- composição em que existem os corpos organisados; e mais que tudo os movi- mentos espontâneos, cuja existência tentarão alguns naturalistas demonstrar por exames microscópicos nas partículas de todos os corpos, até mesmo nos corpusculos elementares dos mineraes, onde, segundo Brown, se observão movimentos espontâneos análogos aos que são admiltidos por BuíTon, Needham, Wrisberg, e O. F. Muller nas moléculas organisadas, e sobreludo no esperma e pollen, constituem as razões capitães em que fundão sua asserção absurda. No que toca aos movimentos observados em todos os corpos da natureza, he de primeira intuição (a menos que se dê ignorância dos principios mais geraes de Physica e Chimica) , que não podem servir de base a huma argumentação vigente contra a inércia da matéria, por isso que ainda mesmo os mais subtis, o calorico e a electricidade, que elles suppoem activos por excellencia, tendem necessariamente a equilibrar-se, chegando assim ao repouso, d'onde não podem sahir espontaneamente, mas só por influencia de hum agente estranho: os corpos , que, largados no espaço , precipitão-se para o centro da terra , não o fazem por sua actividade própria , mas sim porque são a isto impellidos pela acção poderosa da attracção : a mesma terra girando em roda do sol nos dá constantemente huma prova solemne de sua inércia, &c. , &c. Em quanto aos movimentos espontâneos, que Brown diz ter observado nos corpusculos elementares dos mineraes, e que Buffon admitte nas moléculas orgânicas, responderemos que sua existência he completamente falsa, e des- mentida pelas importantes observações de C. Aug. Sigm. Schulze e outros, que nos são credores de plena confiança. Illusões microscópicas talvez, mo- vimentos oscillatorios, ou outros, que não provão a existência d'espontaneidadc alguma nas ditas moléculas, levarão aquellcs naturalistas a enunciar inconsi- deradamente esta asserção menos exacta, ou antes completamente absurda. DOS CORPOS ORGÂNICOS E INORGÂNICOS. O Nós acreditamos que da matéria inerte por natureza não pôde dimanar 'o principio de todas as formações; nós opinamos que da hypothese que concede espontaneidade d'acção c forças intrínsecas aos átomos ou principios matenaes se devem deduzir muitissimos absurdos; nós julgamos em summa, que se com effeito os átomos fossem essencialmente aclivos e tudo fizessem per si, ao acaso e sem ordem executar-se-ia tudo, mesmo no mais perfeito organismo, a menos que se nos conceda que cada huma partícula de matéria he dolada de intelligencia bastante para reunir-se ás outras da maneira mais appropriada ás condições da vida; ora ainda assim não saberíamos dar a razão por que cm alguns pontos do globo se não formarão certas producções, que para alli levadas pelo homem, continuão a viver excellentemente; por conseqüência não podemos por fôrma alguma admittir a hypothese da actividade essencial da matéria. Mas vós negais toda a espontaneidade d'acção á matéria, replicão os Atomis- las, corno explicareis pois suas affinidades, suas combinações, que produzem essa immensidade decompostos, que nos offerece o grande theatro do uni- verso ? Responderemos com \ irey : « Cette activité lui fut dévolue, avec poids et mesure, par un premier moteur, pour développer lei ordre de combinaison jusquà certaine limite. » Na verdade, se a matéria fosse essencialmente activa, quem poria barreiras a seus actos? Ella obraria sem regra e sem limites; tudo mar- charia necessariamente sem leis fixas; ora he isto precisamente o que se não observa no Universo, onde reina a mais perfeita harmonia e boa ordem; con- sequentemente as partículas materiaes não possuem forças essencialmente inherentes á sua natureza, e somos forçado a admittir a existência de huma causa primaria d'onde dimanão todas as leis que regem a gravidade, as attrac- ções, a espontaneidade d'acção, a vida, a sensibilidade, &c. Baseados no principio da espontaneidade d'acção da matéria, esses philoso- phos julgão cabalmente explicar por leis idênticas a formação dos mineraes e dos seres organisados; acreditão que a vida nada mais he que o resultado da complicação das mesmas causas que regem a natureza universal; sustentão que ella não passa de hum complexo de phenomenos puramente physico-chi- micos; em seu pensar, o calorico, a luz, a electricidade, &c., possuem por natureza e essência vital, e são per si sós capazes de produzir a organisa- ção. Nenhuma duvida ha de que influencia extrema exercem sobre os corpos organisados, os agentes, que os circumdão, e sem cujo concurso não poderia mesmo subsistir a harmonia de suas partes; tomemos para exemplo hum phe- nomeno vital qualquer; estudemos a acção da electricidade sobre a germinação, ou sobre o crescimento de todas as partes de hum vegetal, e teremos oceasião de admirar a prodigiosa influencia d'este fluido imponderável sobre os pheno- 2 6 DISCRIMINAÇÃO GERAL menos da vida. As numerosas experiências de Nollct, Jalabert, Davy e Becque- rel nenhuma duvida deixão a tal respeito. Nollet fez germinar com rapidez extrema sementes de mostarda, submettendo-as â acção da electricidade; no emtanto que aquellas que não receberão o poderoso impulso d'este fluido im- ponderável , no mesmo espaço de tempo, nenhum signal derão de desenvolvi- mento, comquanto postas em circumstancias análogas (*). Não menos influente he o calorico sobre os phenomenos da vegetação; huma semente collocada em hum logar, cuja temperatura se conserve abaixo de 0o, longe de desenvolver-se, ficará estacionaria; se porém houver hum calor brando e moderado, seu des- envolvimento será rápido : este calor deve entretanto não ultrapassar certos limites; huma temperatura de 25° a 30° do thermometro centigrado, sobretudo quando acompanhada de alguma humidade , favorece consideravelmente a evolução das differentes partes do embrião. Em quanto ao reino animal, he bem notória a influencia que sobre elle exercem os fluidos imponderáveis. Os corpos organisados são idioeleclricos, isto he, capazes de manifestar phenomenos electricos pela acção de suas po- tências vitaes. Beraudi, fazendo a punetura do nervo crural de hum coelho por meio de duas agulhas de aço isoladas em seus extremos livres por huma chapa de gomma-lacca, observou que no fim de quinze minutos havião ellas ganho o poder de altrahir substancias leves, como fragmentos de papel; d'onde inferiu, que ha no systema nervoso desenvolvimento d'electricidade sob influen- cia da vitalidade. Segundo as observações de Bulard, agulhas cravadas na massa de hum cordão nervoso ganhão propriedades magnéticas. Existem mesmo muitos factos, que põem fora de duvida o desenvolvimento de electricidade no corpo humano : passa por certo, que huma mulher de Verona soía atemorisar suas criadas, lançando de si faíscas brilhantes acompa- nhadas de pequenos estalos, todas as vezes que seu corpo era friccionado, ou simplesmente tocado com hum panno de linho. Girou refere ler observado ao despir-se faíscas electricas na superfície de seu corpo, em os dias frios, sobretudo quando longamente se demorava junto ao fogo : elle affirma igual- mente soffrer commoções electricas interiores, sempre que sua vontade, exci- tada pelo sentimento, era contrariada pela razão. Muitos outros factos d'esla natureza nos são narrados pelos auctores; nós ainda não tivemos occasião de observa-los; isto porém não obsta a que os tenhamos por exactos, por isso ijue nada tem de incomprehensiveis ou contrários ás leis da organisação : de- mais, as fortes commoções ou choques que produzem a tremelga e outros (*) Uichard, Botaniquc. DOS CORPOS ORGÂNICOS E INORGÂNICOS. peixes electricos, cujo estimulo communicado pelos nervos, he, segundo as observações de Valsh, idêntico ao da electricidade, nos não permiltem duvidar da existência d'este fluido na organisação animal. A' vista do que acabamos de expor, nenhuma duvida ha de que os fluidos imponderáveis grande influencia exercem sobre os phenomenos da vida; como porém inferir d'ahi que os corpos viventes lem apenas estes agentes por causa efficiente de huma organisação tão maravilhosa ? Como attribuir a estes fluidos unicamente a essência da vida dos animaes e plantas? Como conceber emfim, que a electricidade, a luz, o galvanismo, &c. , sejão per si sós capazes de produzir a intelligencia, que he o mais brilhante attributo da espécie humana, e o admirável instincto de conservação, reproducção, attaque e defeza que o verdadeiro philosopho não pôde deixar de admirarem todos os animaes, ainda mesmo nos menos importantes da grande escala zoológica ? Nenhuma duvida ha, repeti-lo-hemos, de que estes agentes tem huma acção poderosa de excita- ção sobre o embrião ou germen; subtrahido hum ovo á sua influencia, vê-lo- hemos abortar, com quanto suas differentes partes, tendo já recebido a acção vivificadôra da fecundação, se achem nas melhores condições de organisação. Quidinde? Poderemos mesmo assim, sem calcar aos pés todos os preceitos de huma boa lógica, concluir que as differentes partes de hum animal, o olho tão sabiamente disposto para receber a impressão dos raios luminosos, o ouvido tão perfeitamente organisado para receber as ondulações sonoras, o coração , o cérebro, o estômago, e todas as mais peças d'essa obra maravilhosa , em que com tanto esplendor se ostenta o poder do Architecto Supremo, nada mais sejão do que o resultado d'acção do calorico, hum phenomeno physico-chi- mico, ou o producto da polaridade desenvolvida nas duas electricidades, vitrea e resinosa? Não. Alguma cousa mais existe, que nos he desconhecida, e que rege a disposição sublime do organismo, as maravilhas do desenvolvimento, o jogo dos instinctos, e sobretudo a intelligencia. Nós desconhecemos sua essência, he bem verdade; mas qu'importa? Seus resultados em nada se asscmelhão aos que produzem os fluidos imponderáveis: estes nada mais são do que excitantes do organismo; incapazes de fazer despertar a vida nos corpos privados de organisação, não podem ser considerados como causas essenciaes da mesma vida. Isto posto, digamos que diffcrença existe entre a origem dos mineraes e dos seres organisados. Os seres brutos obedecem ás leis mecânicas e chimicas do movimento e attracção: as combinações metallicas, as crislallisações dos saes, tomando formas geométricas tão regulares, a reunião d'espathos em cristáes brilhantes, a formação de stalactites pela concreção dos liquidosexhalados das pedras, a formação de vapores, e muitos outros phenomenos da mesma natu- 8 DISCRIMINAÇÃO GERAL reza que nos apresentão os mineraes cm cada angulo do Universo, podem cabalmente ser explicados pelas leis geraes da matéria; a attracção, as afíini- dados, o calorico, o galvanismo, &c. , constituem a cauza eííiciente de sua existência. Essa immensidade de compostos, essa infinidade de sáes que no globo observamos, formão-se todos em virtude de leis puramente physico- chimicas: elles podem á vontade ser decompostos, e novamente formados pelas mãos do naturalista. Eslará por ventura no mesmo caso a formação dos seres organisados? Não. (*) A formação d'esse numero prodigioso de creaturas provém do aclo da geração, fonte mysleriosa de amor, que remonla originaria- menle ao primeiro móvel do Universo , e única capaz de produzir a organisação e a vida. — A vida — esse principio animador da matéria, partilha commum de tudo quanto respira, mas não propriedade pessoal de algum dos seres organisados, que d'ella apenas são usofructores, he huma transmissão da primiliva scintilla de amor, que de Deos baixou sobre a terra; he o principio que organisa os animaes e plantas no seio materno, e que por seus descendentes se perpetua; não compete por essência â matéria, pois que d'ella a separa a morte. Bepro- ducção espontânea não existe; a vida só pôde nascer da própria vida (**). Esse {*) 11 est certain que Ia plupart des substances végélales ne sont composées que d'hydiogi'ue, de carbone, et oxigene, et cependant uous u'en pouvons former aucuue de toutes pièces. TiiENAnn. ['*) No entender de alguns naturalistas se deve admittir a possibilidade da formação de alguns seres organisados por hum mecanismo análogo ao que preside á formação dos mineraes. — Corruptio unius, generatio alteriu».—Taes crão as expressões de Aristóteles, e seus contempo- râneos, vendo apparecer nos corpos em putrefacção vermes e outros seres organisados, cuja formação attribuião unicamente ao calor e putrefacção. Esta crença facilmente se generalizou, porque se não empregou todo o zelo e escrúpulo necessário na dilucidacão de questão de tão subida importância, na resolução de problema de tanta entidade : ora as experiências sobre d producção destes animaes exigem muito cuidado, perseverança, e o uso de foiles lentes, além de que se effcctuão pela maior parte em mysleriosa sombra, c escapão ás vislas pers- picazes dos naturalistas; não admira por tanto que os antigos levados por apparencias, c mais propensos a crer que a examinar, abraçassem firmemente, e com ardor sustentassem a dou- trina de Aristóteles. Na actualidade a maioria dos physiologistas admitte que os vermes , os zoophilos, o bolor, e todas as outras substancias organisadas, que se julgavão formadas per si, não são por forma alguma resultantes de huma geração espontânea : se consultarmos as observações de Redi, Swammerdam e Spallanzani, fácil será convencer-nos de que o desen- volvimento de animaes nas carnes em pulrefacção deriva de óvulos abi depostos por moscas e outros inseclos. Se lançarmos carne de hum animal recem-morlo cm dons vasos, e fecharmos hum delles hermeticamente, deixando aberlo o segundo , notaremos o seguinte: logo que a putrefacção tiver começado, diversos insectos serão aUraliidos pelo cheiro, e deporão sou» DOS CORPOS ORGÂNICOS E INORGÂNICOS. » principio, obscuro e fraco nas plantas, e nos animaes menos perfeitos, mais desenvolvido se mostra á medida que os seres sobem na escala da organisação: nos animaes mais perfeitos mesmo elle se não apresenta igualmente desen- volvido em todas as epochas da sua existência. —Le príncipe vivifiant se manifeste surtout lorsque, prcparant d'autres cxistences, il elabore les germes de nouveaux clres. Alors il anime toutes les créatures d"un esprit de vie qui cherche à s'exhaler au dehors.—Taes são as palavras do celebre Virey. E quem ousará contestar a exaclidão d'esta asserção geral? Observemos a natureza, estudemos o que em nós mesmos se passa, e fácil será convencer-nos de que a epocha em que os seres organisados preparão novas existências, e tratão de reproduzir-se, he com effeito aquella em que seu organismo goza de todo o vigor, e mais se ovos sobre a carne do vaso aberto, o qual em poucos dias achar-se-ha cheio de vermes , no cmlanlo que o outro, cuja carne foi preservada do contacto dos inseclos, não apresentará um só verme. Esta experiência eslá ao alcance de todos, e pôde qualquer convencer-se por observação própria, de que se não desenvolve anima) algum nas substancias que não contém óvulos, embora esteja a putrefacção assaz adiantada. Emquanlo á formação dos vermes inles- tinaes, e dos animaes infusorios, cm que, para provar a existência de gerações espontâneas, fundão-se alguns naturalistas, entre os quaes muito se distinguem Frey e Lamarck pelo ardor com que sustentâo suas idéias, e pelo brilhantismo com que dão conta de seus experimentos, longe estamos de acreditar que se não effectue por huma verdadeira reproducção. Ehrenberg e oulros demonstrarão a existência de órgãos sexuacs na maioria dos vermes intestinaes; ora se he verdade que estes animaes se formão espontaneamente , com que fim lhes dêo a natureza órgãos reproduetores ? Acaso serão os órgãos sexuacs destes animaes objeclos de puro ornato? Não : Deus et natura niliil faciunt frustra. No que toca aos infusorios, julgamos que devem elles ser considerados como provenientes de óvulos antecedentemente depositados nos liquidos. Em conclusão : estamos convencido de que a verdadeira reproducção he o meio único de formação dos seres organisados, e isto por duas razões capitães: primo, porque o numero das substancias que se julgava provenientes de gerações espontâneas tem consideravelmente dimi- nuído com os progressos da historia natural, e aperfeiçoamento de nossos meios d investi- gação; sendo por tanto bem provável que venhão mais para o diante a riscar-se do numero das producções espontâneas todas as substancias, que ora se julgão formadas per se; secundo, porque repugna com o bom senso o admittir que não he necessário ter a vida para poder communica-la, ou ser organisado para transmittir a orgnnisação; porque em summa não con- cebemos como a matéria morta que se putrefaz e decompõe, possa produzir a vida e a organisação de que não he possuidora. Demais, quando mesmo concedêssemos a espontaneidade de formação dos animaes infusorios, dos vermes intestinaes, de alguns inseclos, do bolor e outras agamas amorphas, não seria por isto menos exacto que todos os seres mais complexos tem huma verda- deira geração , e consequentemente em nada decaliiria a, discriminação geral que estabelecemos entre as duas grandes divisões dos corpos da natureza; julgando portanto mais acertado furtar- nos ao trabalho dinsistir na refutação d'essas idéias errôneas, diremos com Lactance— Vereor ne Imjusmodi portento, et ridícula refutare, non minus ineptutn esse videatur. i 10 DISCRIMINAÇÃO GERAL desenvolve. Esta verdade que he extensiva aos seres organisados em geral, he sobretudo intuitiva quando em particular consideramos a espécie humana, cujos indivíduos passão huma vida quasi vegelativa antes da época da puber- dade, no emtanto que ao despontar d'esta suas funcções se aperfeiçoão, sua intelligencia se atila; elles cliegão emfim a seu completo desenvolvimento dentro em alguns annos; n'este estado se conservão por algum tempo; mas eis que chega a velhice, e seu organismo cansado, privado novamente da faculdade de reproduzir-se, começa a decahir, definha e morre. O reino vegelal igual- mente se mostra mais brilhante ao chegar o tempo da reproducção. Como he bello e variado o espectaculo que offerecem então aos olhos do observador os bosques matisados das brilhantes cores d'essa infinidade de fulgentes pétalas, que tão sabiamente dispostas pelo dedo da natureza em roda' dos importantes órgãos, cujo trabalho vai começar, servem de protectora égide contra as vio- lências exteriores que tendem a profanar o sacrario da geração!!! Quantas producções apparecem então a renovar a face do mundo! Que numero incal- culável de sementes e germens he então formado cm virtude da geração! Tudo pois respira amor na natureza viva; esta tendência impetuosa he partilha de todos os seres organisados; todos elles tendem a reproduzir-se. Em que con- siste porém a geração? Qual sua essência? Quaes as leis que presidem á for- mação do novo indivíduo ? Taes são as questões a que convém responder para terminarmos a discriminação da origem das duas grandes classes dos corpos da natureza: nossa resposta não será por certo capaz de resolver problemas taes, pois que são insoluveis na actualidade; ella porém será sufficientemente satisfactoria para mostrar que se não deve confundir a formação dos mineraes com a dos seres organisados. A' cerca da natureza intima e essencial da geração, forçoso he que confessemos nossa ignorância. Muitissimos hão sido, he verdade, os esforços feitos pelos naturalistas com o intuito de penetrar este mysterio; até agora porém se não ha passado de conjecturas mais ou menos engenhosas. As forças do espirito humano se quebrão ante o véo impenetrável que a natureza lançou sobre este phenomeno. Verdade he que a maioria dos observadores se tem limitado a buscar a resolução do problema na espécie humana, e em alguns outros ani- maes somente, mas he evidente que a geração das plantas e polypos, dos animaes oviparos e viviparos, de tudo emfim quanto vive, pertence essencialmente ao mesmo principio, porque a natureza he sempre conforme e harmônica em suas obras, e não emprega causas differentes para produzir hum mesmo phenomeno: he pois urgente recorrer a algum principio geral, que huma vez estudado e reconhecido em qualquer dos seres organisados, nos dê em todos os outros a explicação cabal do mysterio da geração. DOS CORPOS ORGÂNICOS E INORGÂNICOS. H Quando consultamos o sem numero de hypotheses que desde Hippocrates até nós tem sido emittidas sobre este objecto por Aristóteles, Democrito, Empédocles, Anaxagoras, Pythagoras, Wolf, Harvey, Stahl, Leeusdenhoeck, Hartsoeker, Prevost, Dumas, BuíTon , Néedham, Mauperluis , Valisniéri, Charles Bonnet, Baer, Carus, Rathké, e muitissimos outros, cujos nomes respeitáveis encherião paginas inteiras, se nos propozessemos a enumeral-os, pasmamos cm presença de tanta diversidade de idéias engenhosas, mas somos forçado a reconhecer que nenhuma theoria satisfactoria se tem até hoje apre- sentado. A acção de que resulta a formação do novo indivíduo he inteiramente molecular, não está ao alcance de nossos meios de investigação, escapa aos nossos sentidos; apenas pois nos he dado apreciar seus resultados; podemos unicamente affirmar que á maneira de todas as outras acções orgânicas, exige, para bem ser executada integridade e vida dos órgãos respectivos, e que diversa de qualquer acção puramente physica ou chimica, deve ser denominada orgâ- nica e vital. Esta ultima asserção, cujo conhecimento basta felizmente para o caso em questão, he hoje geralmente admittida pelos physiologistas, e confir- mada pelas observações, e pelo estudo da geração. Demais, deveremos nós admittir a opinião de Hippocrates, que suppunha que a formação do novo indivíduo, na espécie humana, resulta de huma sorte de cristallisação por influencia do calor uterino? He por ventura possível conceber physica ou chi- micamente o que seja o avivamenlo impresso a hum germen pela funeção da geração? Não: bem conhecida nos he a opposição da vida com a natureza geral; muito influem, he verdade, as leis physico-chimicas sobre as funeções da organisação, são porém por tal sorte modificadas, que impossível se torna tudo explicar por ellas, deixando de admittir a existência de hum agente mais poderoso, de quem são apenas instrumentos as forças geraes, e sem o qual não existiria organismo: este agente, a quem denominamos—principio vital — he pois quem preside á formação dos seres viventes, como mui bem o disse o celebre Virey — La vie est 1'élément radical des corps organisês, comme 1'attraction est Câme da monde inorganique. FORMA. An organised body always possess a certain determinate ibrm , peculiar to the species to which it belongs. Mineral substances, on lhe contrary, never possess a fixed and invariable form , though in a state of crystallisation, they frequently present forms of great regularity......... Se lançarmos hum olhar sobre os differentes objectos que nos apresenta o immenso theatro do Universo; se observarmos a multiplicidade de fôrmas que 12 DISCRIMINAÇÃO GERAL na escala dos seres se apresenta, seremos naturalmente induzidos a investigar a catksa d'estc phenomeno, a estudar suas leis; a levantar emfim por este lado o véo invslerioso com que sôe a natureza encobrir á mesquinha intelligencia do homem a origem, a essência de seus actos. De ha muito merece o estudo da configuração dos corpos a altenção dos natu- ralistas; de ha muito laborão elles para determinar as relações existentes entre a fôrma e a natureza da matéria: sobre o estudo das fôrmas tem elles estatuído huma differença capital entre a matéria bruta e os corpos organisados. Fixemos nossas vistas sobre os seres viventes, e n'elles encontraremos entas e determinadas fôrmas, peculiares ás espécies a que pertencem : cada espécie tem seu typo próprio, c este he ás vezes por tal sorle característico, que nos he dado classificar hum animal ou huma planta só por sua configuração. Parece mesmo que a natureza, imprimindo sobre a physionornia de certos indivíduos hum caracter particular, em relação com sua organisação, teve por fim escla- recer o naturalista na indagação das relações existentes enlre todas as producções orgânicas ! Todos os seres organisados, vegetaes e animaes, são notáveis por suas fôrmas mais ou menos esphericas, ovaes ou cylindricas; são em grande numero ramificados e articulados; quasi sempre circumscriplos por linhas curvas, c por superfícies concavas e convexas; quasi nunca porém apresentão linhas reclas, superfícies planas, e desigualdades. As fôrmas, circular e binaria, taes são os dous typos geraes da configuração dos seres organisados; ou seus differentes órgãos são reunidos em roda de hum centro commum, como se nota nos ento- zoarios, ou sendo pares achão-se collocados aos lados de hum eixo central, como na mór parte dos animaes, e sobretudo no homem. No reino vegetal encontramos exemplos da fôrma circular no caule dos dicotyledoneos , em muitas flores e fruetos, e da fôrma binaria nas folhas, que são em geral divididas pela nervura mediana em duas ametades mais ou menos semelhantes. Estas duas formas geraes dos corpos organisados não são totalmente distinclas entre si; aqui, como em todas as suas producções, segue a natureza huma marcha regular e gradativa , passando insensivelmenle de huma a outra forma: eviden- temente a fôrma binaria que aos seres mais perfeitos compete, nada mais he do que huma modificação da fôrma circular; supponhamos prolongado hum dos raios da fôrma circular, e lè-la-hemos mudada em fôrma binaria. A dispo- sição mais ou menos arredondada dos seres organisados parece mesmo ser hum resultado necessário do seu crescimento, que, como adiante faremos vêr, se effeitua por intuscepção; a matéria ingesta ou absorvida, destinada a aug- mentar a massa dos órgãos, tende a distender igualmente em todos os sentidos o envoltório exterior, d'onde necessariamente resultar deve huma configuração mais ou menos arredondada. DOS CORPOS ORGÂNICOS E INORGÂNICOS. 13 Se volvermos agora os olhos â matéria bruta, veremos que os mineraes, longe de apresentar fôrmas arredondadas, as tem pela maior parte idênticas ás dos sólidos polyédricos geométricos; offerecem faces, ângulos, e arestas bem caracterisadas. São realmente hum objecto d'admiração e pasmo para os indi- viduos alheios ao estudo das sciencias naturaes esses cristaes que mais parecem o producto da industria humana, do que hum effeito das leis naturaes ! Estas fôrmas tão regulares que apresentão os mineraes, quando cristallisados, já haviaLinnêo suspeitado que depender podião da própria natureza de cada hum, quando em 1772 hum celebre naturalista francez, Rouié . de Lisle , buscou demonstra-lo, fazendo vêr que, reunindo o maior numero possível de cristaes de diversas substancias conhecidas, observara que as fôrmas erão constantes para cada huma , e que suas variedades se podião todas referir a hum numero diminuto de fôrmas simplices e primitivas. Haüy, Weiss, Mohs, Beudant, e Milscherlich confirmarão, segundo refere Richard, o principio de Romé de Lisle, e o reduzirão a leis de exactidão mathematica por seus importantes trabalhos. Comquanto muita confiança mereção estas authoridades,não podemos todavia ser surdo ás seguintes considerações de Adelon : «Très-souvent une substance » minérale, mênie lorsqu^lle cristallise, prend differentes formes: Ia chaux car- » bonatée, par exemple, cristallise ou en rhombes, ou en prismes hexaèdres » réguliers,ou en solides termines par douze triangles scalènes, ou en dodé- » caèdres dont les faces sont des penlagones, &c.» Se isto pois he exacto , como acreditamos, e se he verdade que as condições de tempo, espaço e repouso, de que deve gozar o liquido, d'onde se hão-de precipitar as moléculas do mineral, deixão muitas vezes de existir, parece que as fôrmas dos corpos in- orgânicos, mesmo em crislallisação, não são fixamente invariáveis para cada espécie. São pois em geral assaz distinctas as fôrmas dos mineraes , e dos seres viventes, poisque soas ullimas são mais ou menos arredondadas,e de ordinário invariáveis nos diversos indivíduos da mesma espécie; isto porém nos nãí) deve levar a aífirmar que nada existe de commum entre a configuração dos corpos organisados e as fôrmas cristallinas. Se observarmos a água em seu modo de cristallisação, veremos que se assemelha aos dous typos geraes da configuração orgânica , queremos dizer, â fôrma binaria e circular: as eslrellas de neve cujo observador primeiro foi Descartes, apresentão seis raios cristallinos dispostos em o mesmo plano, e partindo de hum ponto central (fôrma circular) : cada hum d'estes raios offerece duas ordens de pequenas agulhas, dispostas em sentido opposto, á semelhança da rama de huma penna (fôrma binaria). Não intentamos com taes considerações estabelecer identidade entre as leis que determinão a configuração dos seres organisados, e da água cristallisada; 4 \fl DISCRIMINAÇÃO GERAL nosso fim he mostrar quanto seria exagerado o admittir huma differença abso- luta entre as fôrmas dos mineraes e dos corpos viventes; nosso fim he lazer vèr que, se na maioria dos casos somos forçado a admittir tal distincção, não poucas vezes encontramos pontos de contacto e semelhança entre as duas grandes divisões dos corpos da natureza em relação ás suas fôrmas; nosso intento he finalmente mostrar a analogia do resultado das leis que presidem á determinação das fôrmas n'aquellas duas circumstancias. ESTRUCTIRA. La strueture est variée dans chaque partie d'un ètre organisé, tandis que dans les corps inorganiques chaque partie conserve les caracteres de Ia masse. Ricuabd. A palavra — estruetura —tomada no sentido etymologico, serve para designar o arranjo que tem entre si as differentes partes constituintes de hum corpo. O seu estudo nos fornece meios assaz seguros, para que possamos discriminar os mineraes dos seres organisados. O exame microscópico feito sobre a superfície dos corpos viventes no-los mostra formados de particulas materiaes de configuração mais ou menos ^lobular, oval ou achatada; estas existem abundantemente nos fluidos e sólidos dos animaes e plantas: assim o sangue, o fluido pancrealico, a saliva, o leite, a gordura, o tecido cellular, mucoso, seroso; a massa nervosa, muscular, tendinosa e glandular; os suecos vegetaes, especialmente os das plantas leitosas, em si contém maior ou menor abundância d'estes glóbulos; elles porém mais distinetos se mostrão à medida que os seres descem na escala da organisação; assim, se examinarmos por meio de lentes fortes a textura dos últimos indivíduos da escala zoológica, como os infusorios e polypos; se outro tanto fizermos a respeito dos vegetaes mais simplices, como as confervas, &c., vê-los-hemos quasi totalmente constituidos pelos ditos glóbulos; razão porque alguns phy- siologistas opinão que esses glóbulos, de cuja disposição resultão os differentes tecidos da organisação, devem ser considerados como as fôrmas elementares dos corpos organisados, como as ultimas moléculas dos corpos viventes, como o typo da simplicidade orgânica. Levando adiante nossas investigações, fazendo hum exame circumstanciado da estruetura intima d'estes seres, notamos que partes de densidade differente entrão em sua composição; que fluidos e sólidos se achão espalhados pelos diversos pontos de hum mesmo corpo; assim, hum animal ao tempo que contém ossos, cuja consistência he quasi pétrea, igual- mente apresenta a gordura, e o tecido cellular que cedem a qualquer pressão, DOS CORPOS ORGÂNICOS E INORGÂNICOS. 1D o sangue e a lympha que são inteiramente líquidos; e finalmente o acido carbônico e outros compostos que são totalmente gazosos. Outro tanto diremos a respeito das plantas; estas ao tempo que contém camadas lenhosas muito duras, contém igualmente o tecido areolar ou esponjoso, que he assaz flaccido, a seiva que he inteiramente fluida; e finalmente o gaz acido carbônico, cuja absorpção se faz pelas folhas tocadas pelos raios solares, e de cuja decomposição resulta o oxigeneo expirado. São pois os seres organisados conslituidos por partes sólidas e fluidas; e esta disposição he mesmo indispensável á sua existência. Com* efléito, como poderia subsistir o movimento nutritivo? como poder-se-hia effei- tuar a assimilação das matérias ingestas ou absorvidas, se não houvessem na orga- nisação liquidos que servindo de vehiculo levassem as moléculas nutrientes aos differentes pontos dos corpos vivos? Como far se-hia a eliminação das partículas inúteis? Que seria de hum vegetal, que collocado em fertilissimo terreno não contivesse liquidos capazes de levar comsigo, e fazer subir aos pontos elevados de seu organismo as partículas nutrientes que a benéfica terra lhe concede? Que seria em summa de hum animal que totalmente solido, em si não tivesse principios fluidos destinados a fazer chegar aos pontos recônditos de sua orga- nisação as partículas reparadôras de suas perdas incessantes? Na impossibi- lidade de executar esse continuado movimento de composição e decomposição, que constitue a funeção indispensável á conservação individual, deixaria por certo de existir, ou antes reduzido a não soffrer mudança alguma em sua composição intima, perderia o caracter da vida, assumindo as condições de hum mineral. O movimento nutritivo pois, que he inseparável da vida e da organisação, exige imperiosamente a presença de partes fluidas nos corpos vivos: em quanto á existência de partes sólidas, he claro, que são ellas de absoluta necessidade, poisque aliás não seria possível haver huma configu- ração determinada em corpo algum, ou antes suas differentes partículas obedecendo á força expansiva do calorico, que existe em seus espaços inter- moleculares, e que, ou faz equilíbrio (estado liquido), ou tem completamente vencido a força de cohesão, que tende a conservar as moléculas em huma relação determinada (estado gazoso), desunir-se-hião, formando outros tantos seres independentes: ora isto se não pode casar com a idéa de organisação, que suppõe certo nexo e dependência entre todas as partes de hum mesmo indivíduo; consequentemente a presença de partes mais ou menos sólidas nos corpos viventes he indispensável á sua existência. Dous outros caracteres devem ainda ser notados, por sua importância, na estruetura dos seres vivos; o primeiro consiste na disposição de suas partículas, que se achão mais ou menos encrusadas, e formão fibras de cujo arranjo e disposição resulta hum tecido areolar, esponjoso e permeável aos liquidos; o 16 DISCRIMINAÇÃO GERAL segundo e mais importante consiste na heterogeneidade de sua massa. Lance- mos hum olhar rápido sobre os differentes órgãos de htuna producção viva, vejamos essa immensa variedade nas fôrmas, nos caracteres ph\sicos e chimicos das diversas partes de hum animal ou de huma planta ; observemos a raiz, a corolla, o tronco , as folhas e mais partes de hum vegetal; examinemos os ossos, o coração, o cérebro, o utero e todos os outros órgãos de hum animal, e em cada hum d'elles encontraremos huma fôrma parlicular, huma côr diversa, huma consistência differente: ainda não he tudo; essas differentes parles não executão no harmonioso systema da organisação as mesmas acções; assim ao tempo que a raiz mergulhada na terra absorve as partículas que devem nutrir o vegetal, as folhas expandidas no meio da atmosphora absorvem o acido car- bônico, e os estamos lançando o pó fecundante sobre o órgão sexual feminino, despertão a vitalidade, e provocão o desenvolvimento dos óvulos depositados no interior do ovario; funcções estas por certo bem distinctas, que porém em ultima analvse tem por fim, as duas primeiras a conservação individual, c a terceira a reproducção da espécie. Em conclusão pois: as partes de que se com- põem os seres viventes diversificão muito entre si, e exercem acções diversas na economia do indivíduo; todas porém concorrem, cada qual por huma maneira especial, para a preservação do todo, ou para a conservação da espécie; cada corpo vivente he hum systema de órgãos, que guardão entre si certo nexo e dependência, e cada hum dos quaes he mais ou menos indispensável á exis- tência de todos os outros. Agora que nos são bem conhecidas as circumstancias geraes da estruetura dos seres viventes, agora que já fizemos ver os caracteres geraes da organisação, digamos em duas palavras que differenças existem a tal respeito entre as duas grandes divisões dos corpos da natureza. Ei-las : 1.° O exame microscópico feito sobre os mineraes nada nos moslra de análogo aos glóbulos que existem nos corpos organisados. 2.° Em vêr da heterogeneidade existente na massa dos corpos viventes, encontramos nos mineraes perfeita semelhança nos caracteres physicos e chi- micos de suas differentes partes; assim em huma porção de sulfato de mag- nesia ou qualquer outro sal encontramos em todas as partículas extrahidas d'este ou d'aqueli'outro ponto a mesma côr, o mesmo sabor, a mesma consis- tência , e as mesmas propriedades chimicas. 3.° Ewi vez de huma reunião de partes sólidas e fluidas, encontramos qualquer mineral completamente solido, inteiramente liquido, ou totalmente »azoso. Não se nos argumente com a presença da água de cristallisação existente no interior das substancias salinas; esta água, que tinha em suspensão as molé- culas do sal, e que por occasião da cristal]isação ficou retida nos espaços inter- DOS CORPOS ORGÂNICOS E INORGÂNICOS. 1' moleculares, não faz por maneira alguma parte constituinte do mesmo sal, e consequentemente não deve ser considerada como elemento de hum mesmo corpo existindo em estado diflerente. U.° Em vez de hum encrusamento de partículas, encontramos nos mineraes huma disposição por camadas. 5.° Finalmente, em lugar de hum systema d'orgãos, isto he, de partes d'estructura diflerente e acções diversas, mas concorrendo todas para hum fim commum, encontramos em todas as partes dos mineraes a mesma estruetura, e nenhuma dependência ou relações entre si; donde resulta que seu estado de disjuneção completa, ou de perfeita união em virtude da força cohesiva, he completamente indiflerente á continuação d'existencia das substancias mineraes. MUDANÇAS DURANTE A EXISTÊNCIA. Another distinetive property of organised bodies is, that their growth and increase proceed from within, while inorganic matcer increases by externai aceretion...... Tudo he mutável na natureza corporea; submettidos os seres á influencia de innumeras causas poderosas, que tendem de continuo a augmentar ou dimi- nuir o numero de suas moléculas constituintes, a modificar ou mudar mesmo completamente suas propriedades, claro he que não podem conservar-se du- rante toda sua existência em hum estado fixo e invariável. Suas mudanças porém sendo dependentes do modo de ser de cada hum e da natureza dos agentes que mais influencia exercem sobre elles, devem de certo variar consideravelmente nas duas grandes divisões dos corpos da natureza, no mundo orgânico e inor- gânico. Os seres organisados, desde que recebem o primeiro impulso da vida, come- ção a apresentar huma serie de desenvolvimentos suecessivos, que fazem aug- mentar em todos os sentidos as differentes partes que os constituem; elles crescem, e he esta a primeira época de sua existência, a época do desenvolvi- mento : hum segundo período existe, durante o qual parecem conservar-se estacionarios, em o qual sua grandeza não varia; he esta a época da maturidade em que os animaes c plantas achão-se em pleno desenvolvimento: existe final- mente huma terceira época, em que começão elles a definhar; suas funcções então se enfraquecem e não mais oflérecem aquelle vigor e energia que caracte- risavão o segundo período; elles decrescem pouco a pouco, e caminhão para a destruição. — Crescimento, maturidade e decrescimento — taes são pois as 5 18 DISCRIMINAÇÃO GERAL tres phases geraes por que passão os seres viventes , ellas são necessária conse- qüência da organisação, dependem essencialmente do movimento nutritivo, que he o thcrmometro regulador de todas as phases da vida, e constituem as idades. Passando agora a considerar o reino mineral sob o mesmo ponto de vista, reflectindo nas leis que presidem à formação dos indivíduos d'este reino, for- çado somos a reconhecer que as mudanças por que passa todo o animal ou planta, e que são necessariamente resultantes de seu modo de ser, apenas ex- trinsecamente competem aos mineraes, e que quando por circumstancias exte- riores e eventuaes soffre qualquer d'entre estes algumas mudanças, estas nada lem de fixo e determinado. A razão da nossa primeira proposição he obvia; he filha dos principios que estabelecemos quando tratámos de determinar as leis que presidem á formação dos mineraes : na verdade, se he exacto que se formão estes seres em virtude das leis geraes da matéria, se he certo que sua formação he hum phenomeno puramente physico-chimico, claro fica que sempre que as leis d^ltracção se acharem completamente satisfeitas, e os elementos constituintes dos corpos de lodo saturados de maneira que se não possa effcituar reacção alguma, ficaráõ elles perpetuamente no mesmo estado, se os suppozermos totalmente isolados > d*onde podemos inferir que he (ao menos lheoricamente) possivel que os seres inorgânicos nenhuma mudança soffrão duranlc sua existência. Estarão por ventura no mesmo caso os animaes e as plantas? Não: se a respeito d'estes for- mularmos a mesma hypothese, isto he, se depois de completamente formados, os suppozermos em isolação absoluta, fora da influencia dos agentes exteriores, devemos de necessidade admittir que se não conservarão elles, como os mine- raes, em estado estacionario, mas que nutrindo-se apenas á custa de sua pró- pria substancia começarão a definhar-se, soffreráõ hum verdadeiro decresci- mento , ou deixaráõ mesmo d'exislir em pouco tempo; d'onde se segue que he da essência dos seres organisados o soffrer mudanças durante a existência. Para que demonstremos a exactidão da nossa segunda asserção, basta que façamos as seguintes considerações. Todas as mudanças que soffrer podem os mineraes resultão dos corpos exteriores que os tocão, c que por circumstancias eventuaes são poslos em relação com sua superfície; assim sua massa cresce, seu volume se engrandece quando os corpos exteriores depõem sobre elles novas partículas; quando pelo contrario estes sepárão da superfície dos mineraes al- gumas de suas moléculas constituintes, sua massa diminue. He igualmente pela acção dos corpos exteriores que sua natureza chimica pôde ser modificada ; assim se huma porção de acido sulphurico se pozér em contacto com hum sal cujo acido seja mais fraco que aquelle, raudando-se completamente a natureza DOS CORPOS ORGÂNICOS E INORGÂNICOS. 1» do sal, appareccrá hum composto totalmente novo. Estarão por ventura em caso idêntico as mudanças dos seres viventes? Não : estas dependem do movi- mento nutritivo, que só n'estes seres existe, e não são por conseqüência intei- ramente subordinadas ás circumstancias exteriores. Sendo pois incontestável que as mudanças dos mineraes são dependentes dos corpos externos e filhas de circumstancias puramente eventuaes, não havendo n'estes mesmos corpos um principio determinante e regulador das ditas mudanças, nos não devemos admirar de que ellas nada apresentem de fixo e invariável, e que ellas se não facão em limites determinados. Temos até aqui considerado as mudanças em geral; lemos mostrado que os seres viventes em virtude de sua organisação percorrem neccssariamenle certos períodos, apresentão certas mudanças, que lhes competem intrinsecamente; que os mineraes, pelo contrario, huma vez formados, só mudão accidentalmente; que as mudanças dos seres organisados se fazem com certa ordem e regulari- dade , e em limites determinados, no emtanto que as dos seres brutos nada tem de fixo e invariável: continuando ainda com o mesmo objecto, vamos agora estudar em particular o crescimento, que he huma das mudanças mais impor- tantes que tem logar nos corpos de ambas as divisões estabelecidas. A palavra crescimento (incrementum, aceretió), tomada em sua accepção mais genérica, exprime o augmenlo da massa de hum corpo por agglomeração de novas moléculas constituintes. A maneira porque se faz esta agglomeração esta- tue huma differenca palpável entre os dous objectos de nossa comparação; nos seres brutos as novas moléculas applicão-se á superfície externa das antigas camadas; nos seres organisados ao contrario as partículas que devem servir para o crescimento do indivíduo, penetrão em seu interior; assim os vegetaes absorvem pelos differentes pontos de sua superfície, e sobretudo pelas extremi- dades de suas radiculas (espongiolas), as moléculas que devem augmentar o numero das existentes; igualmente assim os animaes ingerem pela abertura competente as matérias alimentares deslinadas não só a reparar suas perdas, mas lambem a augmentar sua massa geral. Ainda huma differenca mui notável existe, que não devemos omittir : o crescimento dos mineraes se faz sem que as novas moléculas, que se applicão á sua superfície, soffrão preparação algu- ma; o contrario tem logar nos seres organisados, em os quaes as partículas que devem servir para o crescimento passão por differentes processos elabora- lorios, c são postas em movimento pelos canaes ou cellulas que entrão na tex- tura d'estes seres, antes que sendo transformadas em substancia própria de cada órgão, augmentem a massa de dentro para fora. He pois bem diverso o modo de crescimento que se observa nos mineraes e nos seres organisados; nYsles se faz o crescimento por inluscepção, n'aquelles por juxta-posição : 20 DISCRIMINAÇÃO GERAL o primeiro segue as leis d'attracção, o segundo só pôde ter logar pelo cxercicio das propriedades vitaes; d'onde resulta que este tem huma duração limitada, no emtanto que aquelle não tem termo fixo, e se faz sem cessar, comtanto que os corpos se achem em circumstancias convinhaveis, e novas moléculas se venhão depor sobre sua superfície. Se passarmos agora a fazer hum estudo compaiativo do decrescimento, iguaes differenças teremos a notar entre os seres viventes e os mineraes; n'estes se faz elle no exterior e só por influencia dos corpos visinhos, que separão de sua superfície algumas de suas particulas constituintes, n'aquelles em virtude de hum movimento de decomposição phy- sico-chimico-vital, que se effeitua em todos os pontos do organismo. Além das mudanças de que acabamos de fallar, e que, comquanto assaz dif- ferentes nas duas divisões dos corpos da natureza pelo modo porque se effei- luão e por sua marcha, podem entretanto dar-se igualmente em ambas, huma existe, que competindo exclusivamente aos seres organisados, estabelece diffe- renca capital entre estes e os mineraes : consiste esta mudança na passagem dos corpos do estado de saúde em que ha exercicio fácil, livre, e mais ou me- nos regular das propriedades vitaes, e de todas as acções que lhes são subordi- nadas , para o estado pathologico, em que existe desordem e irregularidade na manifestação dos effeitos produzidos pelo organismo, ou obstáculo á execução de hum ou muitos efentre elles. Esta mudança só compele aos corpos que gosão da vida, e nenhum phenomeno análogo a este podemos nós encontrar nos mineraes. COMPOSIÇÃO CHfflCA. La composilion est compliquée, mobile, variable dans les uns, simple et fixe dans les autres. RlCHiBD. Dividem-se os corpos em simplices e compostos: os primeiros, a que também compete o epitheto de substancias elementares ou principios, são constituídos por átomos de huma só espécie; neste caso estão o mercúrio, o oxigenco, o phosphoro, &c., por isso que apresentão constantemente particulas de huma mesma natureza, quaesquer que sejão os processos empregados pelos Chimicos para decompô-los; no segundo estão todos aquelles que pela analyse nos forne- cem tantas espécies de átomos, quantos são os elementos que os compõem, comoos saes, os oxydos, &c. A maioria dos antigos philosophos e physicos encarava a água, o ar, a terra, e o fogo, como os quatro únicos elementos existentes na Natureza; hoje porém DOS CORPOS ORGÂNICOS E INORGÂNICOS. 21 que as sciencias naturaes cultivadas por espiritos esclarecidos hão quasi chegado ao zenith de sua perfeição, hoje que a Chimica põe á nossa disposição meios de analyse assaz seguros, não mais podemos duvidar da composição dos três primeiros, sendo unicamente o fogo o que continua a ser contado no rol dos corpos simplices, comquanto haja muilo quem s'incline a não considera-lo como huma substancia existente per se. No estado actual da sciencia são conhecidos 50 corpos simplices, não comprehendendo n'este numero os fluidos imponde- ráveis: de sua reunião ou combinação em numero e proporções variáveis nascem todos os compostos orgânicos e inorgânicos que no globo observamos; se porém examinarmos o numero d'elementos que de ordinário entrão na composição dos indivíduos de cada huma das duas grandes divisões dos corpos, se estudar- mos as leis que presidem á reunião dos mesmos elementos, se fizermos em summa a analyse comparativa da natureza chimica dos seres organisados e dos mineraes, indubitavelmente encontraremos muitos pontos de dissemelhança entre huns e outros a este respeito. A primeira differenca notável que se nos apresenta por occasião do estudo comparativo da composição chimica das duas grandes divisões dos corpos, he relativa ao numero d'elementos que ordinaria- mente os constituem. He ao immenso catalogo dos mineraes que pertence essa infinidade de corpos, que livres de toda e qualquer combinação são constituídos por átomos de huma só espécie : he entre elles que encontramos todos os corpos elementares conhecidos, e que á excepção de alguns poucos, e sobre tudo dous, o carbone e o azote, que constituem a base da matéria organisada, podem no reino mineral formar corpos per si só, independentemente de quaesquer outros principios: nos seres organisados encontramos apenas hum pequeno numero d'elementos conhecidos, a saber, ooxygeneo, hydrogeneo, carbone, azote, phosphoro, enxofre, &c. Hum outro ponto de dissemelhança se nos offerecê na maneira porque se reúnem os elementos componentes dos corpos organisados e brutos; nestes a composição he muito menos complexa, et ipso facto, mais intima e fixa do que nas substancias viventes, que jamais podem ser formadas de hum só principio; suas combinações são pela mór parle bina- nas, seus elementos se unem dous a dous, e suas affinidades são comple- tamente satisfeitas; d'onde nasce a pouca ou nenhuma tendência que tem estes corpos a mudar de composição. Os compostos existentes no reino mineral são pois todos binarios, duplo ou triplo-binarios; no primeiro caso eslão a ama, os oxydos, e chloruretos metallicos, os ácidos e outras substancias; no secundo estão os saes alcalinos e metallicos; oecupão finalmente o terceiro lu^ar as dissoluções aquosas das substancias salinas, ou estas mesmas substancias em estado de cristallisação contendo água. Esta tendência dos elementos dos corpos brutos a combinações binarias he por tal sorte poderosa, que se torna extrema- 6 ')■! DISCRIMINAÇÃO GERAL mente difficil a formação de compostos ternarios; tomemos por exemplo a água, que he hum fluido inorgânico composto de dous elementos, o oxygenco e hydrogeneo, e veremos que esta substancia dissolve bem poucos corpos sim- plices, assim ella se não combina com o enxofre, phosphoro, metaes, &c.; se porém estes elementos se acharem unidos a outros, fácil será sua combinação com a água; os ácidos sulfurico e phosphorico facilmente se combinão com este liquido. O que temos dito a respeito da água, he igualmente applicavel a outros compostos binarios; estes difficilmente se combinão ou inteiramente se não unem com substancias simplices : se tentarmos formar hum composto ternario pela combinação de hum corpo simples com huma substancia binaria, ou nenhum phenomeno chimico terá lugar, ou o corpo elementar por sua extrema afíinidade para hum dos principios do composto binario decompô-lo-ha, apode- rando-se de hum de seus elementos , e deixando o outro inteiramente livre. No mundo orgânico a composição chimica de cada indivíduo he mais complexa que a de qualquer mineral; a totalidade porém dos elementos que pela analyse descobrimos nos seres d'aquelle reino he assaz inferior á dos principios que entrão na formação dos mineraes. Trcs corpos elementares, a saber, o oxyge- neo , hydrogeneo e carbone , entrão principalmente na composição das plantas; na matéria animal além d'estes três principios existe mais o azote, d'onde deriva o principal caracter chimico que a distingue: o oxygeneo, o hydrogeneo, o carbone e o azote são pois os elementos essenciaes das substancias organisadas; alguns outros corpos, que podem ellas conter, existem em pequena quantidade, e seu numero total he dezanove, segundo Oliver, e portanto passa bem pouco de hum terço do numero dos principios descobertos até hoje, e cuja totalidade encontramos nós no reino inorgânico. Ainda huma circumstancia existe na natureza chimica dos seres organisados, que merece aqui ser mencionada; esta consiste na incompleta saturação de seus elementos : o oxygeneo, que he hum dos principios radicaes da matéria organisada, jamais existe em quantidade sufficiente para saturar inteiramente o hydrogeneo e o carbone, que com elle formão compostos ternarios; d'esta circumstancia resulta que toda a matéria organisada he combustível, e, segundo Tiedemann, absorve pela combustão ao ar todo o oxygeneo necessário para saturar seu hydrogeneo e carbone. Se he pois verdade que os elementos da matéria organisada se não achão comple- tamente saturados, se he verdade que suas affinidades não são de todo satisfeitas, se he finalmente verdade que os seres viventes se conservão em virtude de hum movimento interior que modifica incessantemente a natureza chimica da matéria que os constilue, he fora de duvida que nas combinações ternarias e outras mais complexas da matéria organisada, cujos elementos se achão sempre unidos fracamente, deve haver huma tendência constante á formação de produetos DOS CORPOS ORGÂNICOS E INORGÂNICOS. ±à binarios, onde as affinidades são melhor satisfeitas. D'esta tendência dos ele- mentos das substancias animaes e vegetaes a passar para combinações binanas procede a facilidade com que ellas se decompõem; o equilíbrio fraco e pouco estável de que gozão os elementos da matéria organisada não pôde por muito tempo persistir depois que cessão de obrar as forças vitaes que o mantinhão: submissos então os corpos á influencia plena e absoluta dos agentes physico- chimicos, não mais tendo em si o principio que reagia contra estes agentes, debaixo do domínio exclusivo das affinidades chimicas, sahem de suas combi- nações forçadas, e unindo-se dous a dous formão productos binarios perfei- tamente estáveis. Em conclusão pois; os seres organisados tem huma composição chimica peculiar, são formados essencialmente de três ou quatro elementos constante- mente os mesmos em todos os indivíduos; seus principios são incompletamente saturados, e sua reunião he influenciada pelo principio vital, poderoso modi- ficador das affinidades chimicas geraes; ora, nenhuma d'estas circumstancias se danos corpos inorgânicos, consequentemente muito differem estes d'aquelles em relação á natureza chimica. FORÇAS MOTRIZES. There is no example of purê mechanical or chemical action in the living body. Every thing bears the stamp and characters of life...... A palavra — força — he huma d'essas expressões vagas, que destituídas de significação fixa, por mil modos diversos interpretadas pelos homens, servem inór numero de vezes para encobrir sua ignorância, do que para designar hum objecto conhecido: poder-se-hia mesmo dizer que em cada sciencia, em cada arte, he ella destinada a representar idéas totalmente differentes. He d'este vocá- bulo que nos costumamos servir quando queremos exprimir a energia d'acção das partes componentes de hum corpo; como quando dizemos, a força d'im- pulsão do coração, a força emissiva da bexiga, &c. He também da palavra—força—que nos servimos para significar a penetra- ção e perspicácia de hum espirito — vis ingenii—: he este mesmo vocábulo que por huma bella metaphora transportado á moral serve para designar huma virtude cardeal; n'este sentido a força he a coragem de soffrer a adversidade, e de emprehender cousas difficeis e virtuosas— animi fortitudo. — Os natura- listas denominão força a todo o agente capaz de determinar huma mudança 2.U DISCRIMINAÇÃO GERAL qualquer na localidade, estado ou composição de hum corpo. Ainda por outro» modos differentes sôe interprelar-se este vocábulo; julgando porém mais acer- tado furtar-nos ao fastidioso trabalho d'enumerar todas as outras accepções que se lhe tem dado, declaramos que aqui o empregaremos no sentido cm que o tomão os naturalistas. O conhecimento de huma força não pôde de maneira alguma ser adquirido âpriori; apenas nos he dado julga-la pelos seus resultados: a idéa de força, que se nos apresenta sempre que huma mudança qualquer se cffeitua na maleria bruta ou organisada, he pois huma das mais indirectas que nossa alma formar pôde. A marcha do espirito humano he tal, que vendo hum corpo attrahir a outro, desloca-lo ou com elle combinar-se em virtude de condições interiores totalmente incógnitas, porém rcaes, que permiltem ao primeiro obrar sobre o segundo, e imprimir-lhe huma mudança de lugar, fôrma, estado ou composi- ção, propenso a tudo generalisar, cedendo á tendência instinetiva que o induz a referir lodo o phenomeno á sua causa, he naturalmente levado a suppôr os corpos animados de forças particulares, consideradas como causas efficientcs de todas as acções que estes produzem: assim foi que se originarão as idéas de forças d'attracção, gravitação, e affinidade, com que os Astrônomos, Physicos e Chimicos julgão explicar cabalmente Iodos os phenomenos que observão. Ainda não he tudo: os corpos, por isso só que mais ou menos resistem às mu- danças diversas de que acabamos de fallar, são considerados como dotados de huma força geral — a inércia — : esta força por algum modo negativa, e que melhor seria denominar-se propriedade, do que potência , por isso que esta segunda expressão parece designar hum ser metaphysico e vago residente nos corpos, do qual se não pôde claramente fazer idéa, entretanto que a pri- meira só exprime hum effeito constantemente observado nos mesmos corpos, he fundada em dois principios: o primeiro he , que cessando de obrar em hum momento dado todas as forças que operão sobre a matéria, esta conserva seu estado de repouso ou movimento; donde resulta que hum átomo não pôde imprimir movimento a si próprio, nem também alterar aquelle que lhe he communicado por qualquer agente: o segundo he que todas as forças são sujeitas aleis de infallivel estabilidade; d'este principio resulta que, se dous átomos podem imprimir movimento hum ao outro por suas acções mutuas, he este produzido segundo huma lei determinada, que nenhuma mudança soflreu desde que o mundo existe. No reino orgânico acontece igualmente que , obser- vando os physiologistas o poder que possuem os corpos viventes de fazer soffrer mudanças diversas ás substancias eulregues à acção de seus órgãos, os suppõem por isso mesmo animados de outras tantas forças correspondentes; assim admittem elles a força muscular, a força digestiva, absorvente, &c. Temos DOS CORPOS ORGÂNICOS E INORGÂNICOS. -» finalmente nos animaes, e particularmente no homem, as forças moraes, de ordem bem superior, e em virtude das quaes são seus actos dirigidos segundo as conveniências eventuaes, e com'o fim de dar ás acções para com seus seme- lhantes o caracter mais appropriado. Á vista d'essa immensidade de forças admittidas pelos naturalistas, que pensar devemos nós á cerca da natureza d'estas ? Suppôr-lhes-hemos por ventura huma existência material? Será por acaso mais racional salisfazer-nos, á maneira dos antigos com a admissão de pneumas, &c., cuja existência não sendo demons- travel se não pôde casar com o positivismo das idéas actuaes, e que certamente nada mais são do que entidades imaginárias? Devemos por ventura ter por enti- dades espirituaes os agentes motores da matéria, conformando-nos assim com as idéas de Thalès, que, para explicar os differentes phenomenos do universo, suppôz em cada corpo existente hum espirito animador, huma alma? Admitti- remos em summa a crença de alguns philosophos que suppunhão as forças qualidades essencialmente inherentes á matéria; que julgavão cada partícula invisivel, cada monada dotada de huma força activa? Não: a primeira hypo- these, além de insustentável, está em conlradicção manifesta com as idéas de seus partidistas, que com ardor sustentarão o principio da inércia da matéria: a segunda he completamente absurda; em sciencias baseadas em factos c obser- vações, em sciencias naturaes em que só se admitte o positivo, o que mais ou menos directamente impressiona nossos sentidos, seria calcar aos pés todos os preceitos o admittir a existência de seres de quem se não pôde formar idéa alguma. Em quanto á terceira hypothese, he tão difücil demonstra-la, como sê-lo-hia o provar que a amarellidão he huma qualidade inherente á matéria. Se pois as forças animadoras da matéria não tem existência material nem espiritual, que pensar devemos nós a seu respeito ? Essa immensidade de forças admittidas pelos naturalistas não he constituída por entidades reaes, existentes per si, como acreditarão os antigos philosophos; ellas nada mais são do que expressões abslractas que designão, ou huma hypothese imaginada para representar a causa desconhecida dos factos, como suecede com a força d'attracção que representa a causa incógnita dos phenomenos astronômicos; ou o modo de moção e acção dos corpos, que por abstracção se considerão muito distinctos das ditas forças; ou finalmente as mais altas generalisações a que chegamos pela analyse dos phenomenos da natureza. Isto posto, entremos em nosso objecto, e vejamos se nos corpos organisados alguma força existe, diflerente dos agentes motores da matéria inorgânica. Apesar dos sérios esforços feitos por alguns physiologistas á fim de explicar os differentes actos dos corpos organisados pelas leis geraes de physica e chi- mica, lhes não tem sido possível até á actualidade deixar de reconhecer que 7 26 DISCRIMINAÇÃO GERAL bem longe de estar sob a influencia absoluta e exclusiva dos agentes geraes da matéria, tem estes corpos em si hum principio — a vida— que existe em oppo- sição manifesta com estes mesmos agentes. Verdade he que em todos os seres organisados, mesmo no homem, se observão phenomenos semelhantes aos que se passão no mundo inorgânico; n'este caso está a refracção dos raios lumi- nosos quando a travessão as partes constituintes do olho, e muitos outros phe- nomenos que mais ou menos influenciados pelas leis physico-chimicas, sem1 que todavia estejão sob seu domínio absoluto, cabalmente justificão o epitheto de leis geraes que a estas se tem dado: se porém por hum lado he innegavel que nos corpos organisados se observão phenomenos do mesmo gênero dos que se effeituão nos mineraes, he por outra parte incontestável que actos ha na organisação que não só differem, mas vão mesmo em opposição decidida com os phenomenos physico-chimicos ordinários, e para cuja explicação não pode- mos prescindir da admissão de huma nova força — a força vital — que admittida por Hippocrates, ao menos pelo que diz respeito ao homem, o foi também por Aristóteles, Van-Helmont, Sthal, Barthez e Deséze, que a denominarão diversamente. A demonstração d'este nosso assérto facilmente se deduz do estudo e obser- vação das differentes funcções dos seres vivos. Não vemos nós no reino vegetal os fluidos destinados a nutrir o indivíduo subir contra seu próprio peso, indo por este modo em opposição contra as leis da gravitação ? Por ventura as com- binações existentes na matéria constituinte dos órgãos de hum animal ou de huma planta são as mesmas que resultarião da influencia exclusiva das affini- dades chimicas? Poderemos nós explicar physica ou chimicamente as funcções nutritivas das plantas, dos animaes, e particularmente do homem? Emquanto a este, será por acaso racional concordar com Pitcarn, Senac, Hecquet e outros, que apoiados pelas experiências de Réaumur, Redi, Magalotli e Spallanzani, só vêm no acto importante da chymificação hum phenomeno puramente mecâ- nico, huma trituração? ou mesmo com aquelles que suppondo ser a chymifi- cação huma acção chimica do mesmo gênero das que se produzem no reino inorgânico, a encarão como huma putrefacção, maceração, fermentação, &c. ? Não: a primeira hypothese não explica satisfactoriamente a mudança completa de natureza, que soffrem as matérias aliraentares por effeito da chymificação : emquanto á segunda, julgamo-la igualmente absurda, por isso que nenhumas relações chimicas existem entre os materiaes da chymificação e o seu produeto; os principios componentes d'aquelles são diversos dos do chymo, e a pro- ducção d'este não he illação necessária do conhecimento d'aquelles: consequen- temente seria calcar aos pés os principios da maissãa Physiologia o considerar esta funeção importante como hum acto puramente mecânico ou chimico DOS CORPOS ORGÂNICOS E INORGÂNICOS. -' Não vemos nós igualmente transigidas as leis ordinárias de calorisação pelos corpos organisados que tem huma temperatura própria, até certo ponto inde- pendente da do meio ambiente, que em si mesmos contém as fontes de seu calorico, cujas leis tão dissemelhantes das leis ordinárias lhe dão hum caracter totalmente novo? Ninguém o negará por certo; e melhor que Daniel Oliver nenhum outro exprimiu esta verdade — Caloric, when brought within the sphere cfvitality, loses something of its chemical character and relations. Its affinities are JLmodified; it combines] separates, accumalates, &.c. after different laws; and its ' effects in many respects are widely different from those which it produces in lifeless or inorganic matter. A' vista do que acabamos de expor, nos não podemos eximir a admittir nos corpos organisados huma nova espécie de força, em virtude da qual elles reagem contra as influencias physico-chimicas do mundo exterior por hum modo pecu- liar. O poder orgânico e chimico existem em perenne conflicto: as forças physicas e chimicas incessantemente laborão para de novo submetter ao império das leis geraes da matéria os seres viventes, essas massas isoladas que hão sido roubadas a seu domínio por huma potência estranha — a vida. —Essa potência, cuja duração he por natureza limitada, e que só faz liga com formas especiaes da matéria, isoladas de massa geral e constituídas em hum estado de composi- ção forçado e opposto ás leis geraes, cedo ou tarde deve ser superada, ficando então os corpos sob plena influencia d'estas até que o poder orgânico venha novamente animar seus differentes principios, fazendo-Os entrar na organisação de outros seres a quem servem de nutrição. Em resumo; a faculdade que possuem . os corpos organisados de conservar huma temperatura regular, e quasi invariá- vel a despeito das grandes mudanças porque passa o meio ambiente, o poder d'elaborar com huma immensa variedade de substancias heterogêneas os mes- mos productos homogêneos, a seiva, o chylo, o sangue; o poder que tem o organismo animal de formar á custa d'este ultimo fluido tecidos tão curiosos, tantos órgãos d'estructura diversa, &c., são, em nosso entender, razões pode- rosíssimas para que se considere o principio que rege o organismo, como muito dissemelhante das leis geraes da matéria. E se isto ainda não basta para total refutação dos principios d'esses philosophos, que só vendo matéria no universo, tudo querem explicar pelas leis mecânicas e chimicas, recordemo-nos da reaccão que offerecem os corpos organisados contra os agentes de destruição, e conven- cer-nos-hemos de que a irritabilidade de que gozão estes corpos, e por cuja influencia tal reacção se faz, nenhuma analogia tem com as leis geraes essen- cialmente incapazes de produzir tal phenomeno. Os effeitos irritantes de alguns agentes physicos resultão dos esforços da matéria viva para manter sua inte- gridade: o espasmo muscular produzido por huma picada igualmente serve 28 DISCRIMINAÇÃO GERAL para exemplificar os esforços da matéria organisada para resistir á injuria physica condensando-se: outro tanto succede a respeito dos agentes chimicos que da mesma sorte encontrão resistência á sua acção da parte da vitalidade. Existe ainda, além dos agentes physicos c chimicos que obrar podem pernicio- samente sobre a organisação em geral, huma terceira e mais importante classe de agentes nocivos, que obrão physiologicamente, e que são expulsos do orga- nismo por hum processo puramente vital; n'este caso estão alguns venenos, os orgânicos especialmente, e os agentes palhologicos: todos estes principios des- truidores enconlrão huma, opposição franca e decidida da parte das forças orgânicas que per si sós são muitas vezes capazes de supplantar a influencia daquelles. Esse poder que tem os corpos viventes, de resistir até certo ponto á acção dos agentes deletérios, essa faculdade que he hum caracter inseparável dos seres organisados, e que só a elles compete, jamais deverá riscar-se da memória de todo aquelle que consagrar seus dias ao árduo exercício da sciencia de Hippocrates. Na verdade, somente aquelles que forem totalmente estranhos á pratica medica, poderáõ contestar, sem que sobre suas cabeças caia o bem merecido anathema de péssimos observadores, a existência de alguns estados mórbidos, cuja marcha dirigida unicamente pelas forças do organismo conduz o indivíduo a hum restabelecimento prompto, no emtanlo que huma medicação inútil, a mais simples mesmo, poderia embaraçar seu curso e demorar sua terminação. Huma vez admittidos estes principios, admittir devemos a possibilidade de obter-se a debellação de algumas enfermidades pelo simples emprego das doses homoeopalhicas; dando porém a Cezar o que he de Cezar, e a Deos o que he de Deos, reconheceremos a força medicadora da natureza, ajudada pelos cui- dados hygienicos e dieteticos como a verdadeira causa eíficiente das victorias ganhas contra alguns poucos estados morbosos, que, se não forão combatidos pelas doses infinitesimaes, essencialmente impotentes, não forão ao menos embaraçados em sua marcha por hum tratamento inútil ou mesmo opposto ás conveniências de cada hum. Contemos pois com as forças do organismo, mas com termo e limites; essa medicina expectante que he ás vezes tão salutar, pôde tornar-se perigosa e assoladora em presença de affecções violentas, que, superando as forças da vida, tornão difficilou mesmo impossivel qualquer reacção salutar da parte do organismo, e indicão a prompta administração de medica- mentos enérgicos. DOS CORPOS ORGÂNICOS E INORGÂNICOS. 29 TERMIMÇlO DEXISTENCIA. Les corps organisés qui, seuls, naissent, se reprodnisent, se nourrissent, croissent, vieil- lissent, sont aussi les seuls qui meurent. A.DELON. A perda d'existencia he funesta condição de todos os corpos da natureza! Tudo acaba a seu tempo! Nada escapaá fouce destruidora dos annos!!! Esses edifícios soberbos que parecem querer competir em altura com a abobada celeste; essas arvores frondosas, que mergulhando suas grossas raizes a muitos pés de profundidade no seio da terra parecem poder zombar do furor das intem- péries; esses animaes enormes, a colossal baleia, o rigido leão; o próprio homem, essa machina engenhosa e delicada, cuja perfeição altamente proclama a grandeza do Omnipotente, e faz corar as faces ao athêo amaldiçoado; tudo cahe a seu tempo! tudo acaba! Essas cidades populosas que ora existem; esses monumentos destinados a perpetuar a memória dos feitos celebres; essas magníficas salas, esses tectos dourados, esses pórticos celebres, esses tor- reões altíssimos, que o orgulho dos homens faz erigir, tudo jazerá prostrado! nem vestigios restarão de sua grandeza! em seu lugar existirá talvez hum verde prado, onde em vez do tumulto das cidades reinará o silencio dos campos , apenas de quando em quando interrompido pelos mngidos das mansas vaqui- nhas, pelo balato do lanigero cordeirinho, pelo agradável susurro de hum próximo ribeiro, e pelo harmonioso canto dos pássaros! Tróia e Babylonia não existem! Herculanum e Pompeia já sepultas longamente jazerão sob cinzas e pedras do Vesuvio, e se agora de novo descobertas a face do mundo inda ornamentão, hum dia chegará em que d'ellas não reste hum só vestigiol Esses ricos palácios, onde passaes, oh homens sem moral, horas esquecidas no luxo e na devassidão, esgotando riquezas immensas na satisfação de desejes crimi- nosos, sem que vos recordeis de que a dous passos de vós talvez expire na miséria e na pobreza um semelhante vosso, hum dia serão lançados por terra, e em seu lugar virá talvez a existir hum espesso bosque, onde em vez do som de vossas gargalhadas se ouvirá então o rugir do lobo encarniçado, e em vez do som de vossas orchestras o fúnebre piar da lugubre coruja! O leão, que ha alguns annos bramindo nos bosques fazia trepidar a todos os seus habitantes, hoje cançado e velho apenas conduz seu pesado corpo, e ama- nhã talvez prostrado e morto sirva de alimentação ao nojento verme ! E tu mesmo, ó homem, tu que formado foste á imagem de teu Deos, tu, cujo orgu- lho desmedido, cuja razão desvairada tantas vezes te leva a deprimir a virtude 8 30 DISCRIMINAÇÃO GERAL e premiar o vicio, medita por hum pouco, concentra-te no mundo interior da consciência, arrepende-te, se he tempo, de teus crimes, lembra-te de que amanhã talvez não exislirás, e então teu espirito corrupto pelo vicio, despren- dendo-se d'essa vil porção de matéria que o guardou por algum tempo, irá apparecer perante o tribunal do Eterno, onde se achará face á face com as innumeras viclimas sacrificadas n'este mundo a teus caprichos!! Tudo acaba pois; a natureza porém formando duas classes de seres tão dis- tinctos por sua origem e modo de ser, os mineraes e os seres organisados, lhes não podia deixar d'imprimir leis de terminação assaz differentes. A morte he a terminação commum de todos os corpos organisados: tudo o que gosa da vida he sujeito a morrer; nenhum corpo vivente escapa á sua fouce destruidora : Nempe et fugacem persequitur virum : Nec parcit imbellis juventae Poplitibus timidoque tergo Ille licet ferro cautus se condat et acre Mors lamen inclusum protrahit inde caput. Tal he a lei geral á que são subordinados todos os seres organisados desde o pequenino musgo até o rigido carvalho, desde o verme despresivel até o homem, he em virtude d'esta lei imprescriptivel que milhares de indivíduos são rouba- dos ao mundo a cada instante : Nam nox nulla diem , neque noctem aurora sequita est, Quse non audicrit mixtos vagitibus segris Ploratus, mortis comitês et funeris atri. A morte, esse modo porque termina a existência de todos os corpos viventes, nada maisbe do que o repouso da matéria, que sahindo das combinações for- çadas em que a mantinhão as forças da vida, submette-se ao domínio das leis geraes para d'ahi a bem pouco talvez ir novamente fazer parte de outras orga- nisações a quem fornece materiaes nutritivos : assim pois no systema da natu- reza a morte he o sustentaculo e o fundamento da vida, por isso que sendo absolutamente necessária a nutrição para reparar as perdas incessantes, e não podendo ella effeituar-se senão á custa de substancias organisadas, impossível se tornaria a continuação da vida de huns sem a destruição da existência de outros. Hum animal destróe a outro, e também as plantas para sua alimenta- ção ; no emtanto que estas igualmente vegetão á custa dos restos mortaes dos animaes e de outras plantas : assim se estabelece hum circulo immenso de vida e morte, huma transmigração da matéria organisada, que passa suecessi- DOS CORPOS ORGÂNICOS E INORGÂNICOS. oL vãmente de huma a outra fôrma. Todos esses animaes, que denominamos ferozes e carnívoros, somente o são pela necessidade de nutrir-se para viver; n'este sentido também nós o somos, pois que damos a morte ao manso cordei- rinho , tiramos a existência ao boi em prêmio de seus serviços e utilidade, e destruimos mesmo os animaes mais pacíficos dos campos em satisfação de nossas necessidades: nossa depredação se não limita ao reino animal, ella igualmente se estende ás plantas. Que numero prodigioso de vegetaes destróe o laborioso agricultor sempre que trata de preparar os campos para suas plantações! Que espantoso numero de plantas nos fornece seus fructos e sementes, que aos mi- lhares destruimos para satisfazer ás nossas necessidades, e ás vezes mesmo sem a menor utilidade! Quantas vidas em summa sacrificamos nós a cada instante em prol de nossa conservação!! Necessário he pois que julguemos o mesmo a respeito de todos os animaes e plantas, e que façamos justiça ás intenções da natureza, que não pôde deixar de consentir na morte de huns para subsistência e conservação de outros : certamente não merece ser ella arguida d'injusta; pois que assim busca á vida e o prazer, servindo-se, he verdade, dos meios da destruição, mas forçadamente, por isso que são estes indispensáveis e os únicos capazes de os manter. Demais, quando refleclimos em que todos os corpos organisados gosão da faculdade de reproduzir-se, ainda mais convicto ficamos de que a morte, que os espíritos mesquinhos encarão como hum cas- tigo do Omnipotente, e que tanto temem as almas pusillanimes, he de neces- sidade extrema, por isso mesmo que sendo extraordinário o numero d'indivi- duos que quotidianamente vem ao mundo em virtude da reproducção, se isentos fossem elles de morrer, huma época chegaria em que o universo não mais os podesse conter todos. A morte he, no systema dos corpos organisados, tão essencialmente resul- tante do mecanismo e das leis que os regem, quanto o he d'attracção que sobre hum mineral exerce o globo terrestre, a queda d'elle, quando largado do alto de huma montanha, sobre os precipícios que a circumdão; elles pois devem todos morrer, por isso mesmo que se nutrem e se reproduzem. Consti- tuídos estes seres ao principio em estado de molleza tanto maior quanto menos distão da época de sua formação, vai sua densidade crescendo progressivamente, não por effeito d'evaporação dos principios liquidos, mas sim em virtude do accesso de particulas nutritivas sólidas, que introduzindo-se em os interstícios de cada órgão por acção da força d'assimilação, expellem os fluidos de seu in- terior e obstruem os tecidos, que d'est'arte se tornão mais rígidos. Por este processo chega a planta em pouco tempo ao estado herbaceo, e o animal ao estado gelatinoso; aqui porém não pára o augmento de sua densidade; os ór- gãos endurecem-se, e seccão cada vez mais á medida que se aproxima o termo 32 DISCRIMINAÇÃO GERAL de sua existência. Ora este augmento de rigidez, que em certos limites nenhuns inconvenientes offerece, deve necessariamente, quando levado a excesso, rou- bar a flexibilidade aos órgãos, embaraçar suas funcções e difficultar a circula- ção dos humores, que não mais poderáõ levar a todos os pontos do organismo a reparação e a vida : d'onde resulta que a morte se opera gradativamente, atacando primeiro os órgãos mais remotos do centro ; a circunferência morre pouco a pouco por camadas até ao seio da organisação. Nos animaes mais complicados a vida intellectual cessa primeiro d'exercer suas funcções; a vida sensitiva acaba gradativamente até que alfim a vida radical ou vegetativa, o principio organisador e reparador perde seu poder e extingue-se como a luz de huma alampada cujo óleo se acaba. Parece pois que a morte natural procede de hum excesso de nutrição, por isso que o continuado exercício d'esta funeção tornando demasiadamente denso o parenchymo dos differentes órgãos á custa das moléculas alimentares, n'elles determina hum endurecimento e rigidez fuuesta, que lhes tira a liberdade de bem exercer suas funcções, e produz em- fim a obstrucção geral, que he o termo natural de sua existência; d'onde resulta necessariamente que quanto mais rápidos forem a assimilação e o cres- cimento, tanto mais o serão a obstrucção e a morte. A segunda causa, que bastante contribue para a terminação natural da existência dos corpos organisados, he a funeção da reproducção, cujo exercício multiplicado diminue consideravelmente a energia das forças orgânicas. Não se conclua d'aqtii que julgamos ser a completa abstinência do exercício d'esta funeção huma condição favorável, ou antes indispensável á perduração da vida: não; bem longe estamos de assim o pensar: o excesso unicamente he, em nosso entender, assaz funesto, por isso que accelera muitíssimo aquelle que- bramento de forças, que só com muita morosidade seria produzido pelo exer- cício bem regulado d'esta funeção. A repetição multiplicada dos actos da gera- ção aproxima pois consideravelmente a terminação da vida; ainda porém quando bem moderado deve seu exercicio contribuir para a producção da morte, por isso que, como bem o disse hum naturalista francez : — On ne peut reproduire Ia vie sans en donner une portion de Ia sienne propre. La vie est un levain qui fer- mente et s'assoupit de lui-même, mais dont i'activité diminue par sa division.__Dos principios que acabamos de estabelecer resulta que a morte natural he, como acima dissemos, conseqüência necessária do mecanismo das funcções dos corpos viventes; este phenomeno porém, cuja apparição se vai paulatinamente preparando á medida que o movimento nutritivo augmentando a densidade e dureza dos differentes órgãos, embaraça o exercicio de suas funcções, e á pro- porção que a funeção da reproducção esgota as forças do organismo; este phe- nomeno, cuja apparição se effeitua em época geralmente constante para todos DOS CORPOS ORGÂNICOS E INORGÂNICOS. «™ os indivíduos da mesma espécie, sóe em cada huma declarar-se no fim de hum tempo diverso do que costumão durar as outras espécies : d'onde resulta que para cada espécie ha huma duração particular, ordinariamente a mesma para todos os indivíduos que lhe pertencem. A vista do que fica exposto he a todas as luzes manifesto que a denominação de matérias mortas applicada por muitos naturalistas aos corpos inorgânicos he completamente inexacta e destituída de fundamento: elles não gosão da vida, e portanto não podem perdè-la. Sua maneira de acabar he em extremo diversa do modo de terminação da existência dos seres organisados; a destruição d'aquel- les nada mais he do que hum phenomeno puramente physico ou chimico, que nada tem de fixo e determinado ; por isso que estando elles sob influencia absoluta das leis geraes da matéria sua destruição se faz logo que novas affini- dades exercidas por corpos exteriores chegão a superar a força cohesiva , que mantém as moléculas em união, ou as affinidades chimicas, que as conserva combinadas: ora, sendo verdade que esta destruição he totalmente dependente de circumstancias estranhas a cada indivíduo, e inteiramente filha d'influencias externas, variáveis a cada instante da existência, he de primeira intuição, que por nenhum modo podemos nós encontrar na duração d'existência destes cor- pos a mesma invariabilidade que geralmente observamos em todos os individuos de cada espécie dos seres organisados. Se juntarmos ao que fica dito, que os mineraes conservão até sua destruição completa todos os caracteres essenciaes, podendo apenas antes d'esta soffrer mudanças d*estado, massa, fôrma e volume, impossível será desconhecer que a terminação d'existencia dos mineraes, que he hum phenomeno puramente resultante das leis geraes da matéria, differe essencialmente da destruição dos seres viventes, á qual compete exclusivamente a denominação de morte, e cuja apparição, por natureza annexa ao modo de ser d'estes corpos, se effeitua em limites geralmente invariáveis. Não mais : aqui ficamos; bem certo que innumeras imperfeições se encon- trarão n'este quadro fiel de nossa inépcia, depomos desde já a rude penna, aguardando d'um talento mais subidq o pleno desenvolvimento que merece matéria tão importante, e pedindo ao benevolo leitor muita indulgência no jul- gar d'estas linhas mal traçadas, que bem mostrão o pouco que valemos. FIM. 9 I. Tempestatum anni mutationes potissimúm morbos pariunt et in ipsis anni tempestatibus magnae mutationes frigoris et caloris, aliaque pro ratione ad hunc modum. (Sect. 3.% Aph. 1.°) • II. Naturae hae quidem ad aestatem , aliae vero ad hiemem benè vel malè habere consuêvere. (Sect. 3.", Aph. 2.°) III. Morbi alii ad alias anni tempestates benè vel malè habere consuêvere et aetates quaedam ad anni tempestates et loca et victüs rationes. (Sect. 3.', Aph. 3.°) IV. Refrigerata excalefacere oportet, praeter ea quae sanguinem eflfun- dunt aut brevi eífundent. (Sect. 5.% Aph. 19.°) V. Frigida, veluti nix et glacies, pectori sunt adversa, tusses movent, sanguinis eruptiones et distillationes effíciunt. (Sect. 5.*, Aph. 25.°) VI. Àqua quae cito calescit et cito refrigeratur levissima. (Sect. 5.a, Aph. 25.°) Rio de Janeiro, 18*5. — Typognphia Universal de LAEMMERT, rua do Larradio , D.' 53. Esta Thcse esta conforme os Estatutos. —Rio de Janeiro, 18 de Setembro de 1845. Dr. Francisco Freire Allemão.