CONSIDERAÇÕES GERAES SOBRE AS HEMORRHOIDAS. DISSERTAÇÃO INAUGURAL SOBRE ÜS iniBttW)IBIBin(DIHDÜ •^taatsssspnsBmB PERANTE A FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO, em 13 de Dezembro de 1841, pov Jratu:t0C0 £Ut>cs Coutes, NATURAL DA CIDADE DE JANÜARIA DO ACARACD' (PROVÍNCIA DO CEARA'), DOUTOR EM MEDICINA PELA MESMA EACDLDADE. Les sciences forment une republique ou chacun doit être libre de chercher, d'examiner, d'avoir ses opinions et de dire ce qu'il pense. Velpeau. Rio fc 3annro, TYPOGRAPHIA IMPERIAL E CONSTITUCIONAL DE J. VILLENEUVE E COMP., RUA DO OUVIDOR N.° 65. 1841. FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO. OS SENHORES DOUTORES — lentes proprietários. M. de VALLADÃO PIMENTEL... Director. l.° Anno. F. de P. CÂNDIDO............. Physica Medica. F. F. ALLEMÃO, Examinador..... Botânica Medica , e prineipios elementares de Zoologia. 2.° Anno. J. V. TORRES HOMEM......... Chimica Medica , e princípios elementares de Mineralogia. j! M. N. GARCIA, Examinador.... Anatomia geral e descriptiva. 3.° Anno. D. R. dos GUIMARÃES PEIXOTO. Physiologia. J. M. N. GARCIA............... Anatomia geral e descriptiva. 4.° Anno. n*r.TT,^ n j S Pharmacia, Matéria medica, especialmente a brazileira, J. J. de CARVALHO , Examinador.. j Therapeutica. e arte de formular. J. J. da SILVA................. Pathologia interna. L. F. FERREIRA............... Pathologia externa. 5.° Anno. C. B. MONTEIRO, Examinador___ Operações, Anatomia topographica, e Apparelhos. í Partos, Moléstias das mulheres pejadas e paridas, e de F. J. XAVIER.................. j meninos recém-nascidos. 6." Anno. J. M. da C. JUBIM.............. Medicina legal. T. G. dos SANTOS............. Hygiene e historia de medicina. M. de V. PIMENTEL............ Clinica interna, e Anatomia pathologica respectiva. M. F. P. de CARVALHO, Presidente. Clinica externa, e Anatomia pathologica respectiva. LENTES SUBSTITUTOS. A F MARTINS°.............. } Secção de Sciencias accessorias. l. 12 P°»AAèüNHx:::::::::::} *-«* "•*«•■ ?:^FV",T«ri;.:::::} **»<*»,*. Secretario. — O Sr. Dr. LUIZ CARLOS da FONSECA. N. B. Em virtude de huma resolução sua, a Faculdade não approva, nem reprova as opi- niões emillidas nas Theses, as quaes devem ser consideradas como próprias de seus autores. A saudosa Memória de Meu Prezado Pai, O SR. FRANCISCO ALVES PONTES ♦ SINCERA EXPRESSÃO DA MAIS VIVA DOR E ETERNA SAUDADE. EM TESTEMUNHO DE RESPEITO, AMIZADE E ETERNO RECONHECIMENTO. AOS MAMES DE MEU TIO, TRIBUTO DE SAUDADE E RECORDAÇÃO ETERNA. A Meus Presados Irmãos, Irmãas e Parentes, 9I6NAL DE AMOR FRATERNAL, E AMIZADE. £. X fjontcs* 3U 3llm. Br. paltte Üenanáo fymxiqut* te &e}enàe, MBSQUINHO, MAS MERECIDO TRIBUTO, QUE LHE RENDE MINHA CORDIAL E SINCERA AMIZADE. AOS MEUS DIGNOS E VERDADEIROS AMIGOS, E MCI EM PARTICULAR AOS ILLüSTRISSIMOS SENHORES Todé J&uvz cie i/bzcutfo J&ima; e loao loàé L/ieiiaf LEMBRANÇA DE SINCERA, VERDADEIRA E ETERNA AMIZADE, £1 &* pontt*. PREFACIO. De todas as moléstias que affligem a espécie humana , não ha certa- mente huma a que esteja mais sugeita que ás hemorrhoidas , pois que constituo huma das affecções mais communs da Pathologia , e huma da- quellas que exerce maior influencia sobre a saúde : a prolongaçáo , irre- gularidade e suppressão desta moléstia , pode produzir as mais profundas alterações nas partes que sâo a sua sédc, e as maiores desordens nos ór- gãos importantes da vida. Assim ellatem sido sempre para os médicos hum importante objecto de meditação. A' vista do que acabamos de expor, pa- rece que não deveria haver duvida sobre esta affecçào , entretanto os Pa- thologistas não estão deaccordo sobre sua verdadeira natureza. Levado por todas estas considerações, a escolhemos para objecto de nossa These : nào por querermos ostentar conhecimentos na matéria , porém para cumprir o imperioso dever da lei , e mesmo para chamarmos a altenção dos prá- ticos sobre este ponto ainda obscuro da Pathologia. Certos da rectidào de nossos Juizes , confiados ainda mais na sua bondade, estamos persuadidos que desculparão nossas faltas , attendendo , não só ao pouco tempo que tivemos, ao sahirmos agora dos bancos da escola, á difficuldade da ma- téria , o que poucos ou nenhuns conhecimentos professionaes nos permit- te, como mesmo lcmbrando-se da máxima do sábio La Bruyère : « On ■ doit beaucoup exiger de celui qui se fait auteur par un objet de gain et « d'intérêt; mais celui qui va remplir un devoir , dont il nepeut sexemp « ter, est digne d'excuse dans les fautes qu il pourra commettre ». CONSIDERAÇÕES GERAES SOBRE A palavra hemorrhoidas (atpa sangue, pecú corro) (*) foi primeiramente empregada como synonymo de hemorrhagia; porém, depois veio-se a dis- tinguir desta, e só se emprega para exprimir hum corrimento sangüíneo , que se faz lentamente , e debaixo de fôrma de exsudaçáo, entretanto que hemorrhagia he o corrimento de sangue brusco e abundante , como o que resulta dehuma lesão traumática. Hoje a maior parte dos médicos estão de accordo em designar por hemorrhoidas hum fluxo sanguineo, tendo a sua sede na parte inferior do recto, e mais particularmente tumores que se formào nesta região. Hippocrates a linha empregado para designar o corrimento de sangue fornecido pelas veias do ânus ; porém , os autores que se lhe seguirão, até Galeno , não lhe derào a mesma interpretação ; assim Aristóteles , Mos- chillon , Ccelius Aurelianus, Turka , Avincene, Severim , Alberli, Marc Aurelius , Valetius , Paul d'Egine , Actius e Celso , descreverão hemor- rhoidas da boca, e de diflereutes órgãos taes como do utero, bexiga, etc: idque, diz Celso, etiam in ore vulvae faiminarum incidere consuevit. Po- rém Galeno, adoptando a maneira de encarar de Hippocrates, classificou geralmente debaixo do nome de hemorrhoidas os corrimentos de sangue pelas veias do intestino recto , as quaes, dizelle, são guarnecidas nas ex tremidades de cotyledons, como as do utero durante a prenhez. Parece que Galeno quer com isto exprimir as dilalações varicosas que constituem os tumores hemorrhoidaes. Differentés tem sido as definições que se tem dado de hemerrhoidas ; porém nós a definiremos com Boyer , nâo só o fluxo de sangue, fornecido pelos vazos que se distribuem no intestino recto, porém , também hum ou muitos tumores sangüíneos situados em redor do ânus, ou no interior do intestino, e cujo desenvolvimento precede ou acompanha o corrimento de sangue. Agora passaremos a dar a disposição anatômica do recto. (•) Diccionario de Medicina. m& 10 m DISPOSIÇÃO ANATÔMICA DO RECTO. O recto , assim chamado por causa de sua direcção direita e parallela. ao eixo vertical do corpo, comparada ás flexuosidades das outras partes do tubo digestivo termina a extremidade anal deste condueto , e fazendo im- mediatamente continuação com o S iliaco do colon , principia na parte inferior e lateral esquerda do corpo da quinta vertebra lombar , e termina no ânus. Elle dirige-se de cima para baixo , e da esquerda para a direita , desde a sua origem até á sua entrada na abertura da aponevrose superior do perineo ; corresponde, no primeiro trajecto que mede seos três quartos superiores, a face anterior do sacro, do qual quasi que segue a curvadura com a convexidade, para a parte posterior : deste ponto até á sua termi- nação , elle está collocado sobre a linha mediana por diante dococeix, des- crevendo huma ligeira curva com a convexidade para a parte anterior op- posta á primeira, de maneira que em sua totalidade figura perfeitamente hum S romano hum pouco troncado nas suas extremidades. Elle he co- berto pelo peritoneo em toda a sua porção pelviana, excepto em sua parte perineal. Esta apresenta hum engrossamento bulbozo, cuja capacidade pôde adquirir hum grande desenvolvimento nos velhos, e uos indivíduos habitualmente constipados. M. Marjolin diz que em certos casos elle en che toda a escavação da bacia. Os três quartos superiores deste intestino são quasi cylindricos , e muitas vezes fixos ao sacro em huma extensão va- riável, por huma prega do peritoneo chamada mexo recto. A extremida- de superior deste intestino continua com o S. do colon ; a inferior he ter- minada por hum orifício estreito, redondo , guarnecido de hum sphincter voluntário. As relações anteriores do recto varião nos dous sexos : no homem corresponde , de cima abaixo, á parte mais declive da bexiga , ás vesiculas seminaes, aos conduetos deferentes. á próstata, e á porção mem- branosa da uretra ; na mulher correspondo ao utero, e á parte superior e posterior tia vagina. Lateralmente . cm ambos os sexos , o reclo he cerca- do em sua porção perineal por tecidos cellular e adiposo mui abundantes. Por toda a sua parte perineal, o intestino dtigado , o epiploon , podem , em conseqüência de sua mobilidade, pôr-se de permeio entre as partes contíguas, e fazer portanto variar as relações. Em sua porção perineal. o recto atravessa a aponevrose superior, fascia pelvia , o músculo levanta- dor do ânus . o sphincter a aponevrose media , e passa por traz da apo- nevrose inferior. OrectoofFerece na sua organisaçáo do exterior ao interior: i.°, a tuniea sorosa , que não pertence á sua porção perineal , e que não reveste senão incompletamente a sua porção pelviana , disposição esta que importa conhecer para isolamento da extremidade inferior do recto , nas excisões de que ella precisar ; 2.% a membrana muscular, formada de fibras circulares e longitudinaes : estas diminuem sensivelmente á medida que se avisinhâo ao ânus, aquellas augmentão-se, approximão-se econs- ^ 11 m tiluem o sphincter do ânus de huma cor vermelha ; 3.°, huma camada de tecido cellular espessa , porém mais laxa neste lugar do que nas outras partes do tubo digestivo , círcumstancia esta que muito conlribue para a descollocação da membrana interna ; 4-°» a túnica mucosa , lisa superior- mente . o fie recendo inferiormente pregas longiludinaes, irradiadas , de- pressões ou lacunas nas quaes com facilidade se collocão pequenos corpos estranhos, depois de haverem percorrido sem accidentes todo o canal in- testinal , para dar origem ás fistulas estercoraes. Oflerece mais abundan- tes folliculos mucipares, e perto do lugar em que a mucosa continua com a pelle otíerece hum circulo de criptas que segregão hum humor , cujo cheiro he mui forte. Esta porção da mucosa do recto he rubra e vas- cular. Os nervos são fornecidos pelos gânglios e nervos sacros, os vasos lymphaticos são mui abundantes. As numerosas artérias , que ahi se vem distribuir, com o nome de artérias hepaticas , são : a superior , forneci- da pela mesenterica inferior; a media, pela hypogastrica ; a inferior, pela pudenda interna. Estas artérias, antes de penetrar na mucosa do re- cto, involvem-o á maneira de huma rede , pelas suas freqüentes anasto- moses e numerosas ramificações. Suas terminações communicão livremen- te com a origem das veias , como o provou Béclard , fazendo passar as in- jeccões com igual facilidade das primeiras para as segundas , e vice-versa. As veias do recto formão no seu nascimento entre a mucosa e musculosa hum plexo inexlrincavel que se chama hemorrhoidal. Elle circumscreve, sobretudo , a abertura anal em zona irregular , e muitas vezes em relevo. Muitas são as veias que concorrem para a sua formação , que vem a ser : i.°, ramos da iliaca interna ; 2.0, divisão da mesenterica inferior , ou pe- quena mesaraica. SEDE E NATUREZA DOS TUMORES HEMORRHOIDAES. A sede dos tumores hemorrhoidaes he a extremidade inferior do recto. Humas vezes occupão a margem do ânus abaixo do sphincter ex terno, outras se desenvolvem no interior do intestino acima do sphincter interno: dahi a divisão que os autores tem feito em tumores internos e externos. Segundo J. L. Petit, Rieherand, Bégin. Calvert, Vasalva, achão- se também algumas vezes estes tumores ao nivcl do sphincteres , entre as fibras do sphincter interno, na cavidade do recto, e mesmo perto do S. iliaco do colon. Quanto á verdadeira natureza dos tumores hemorrhoi- daes, quasi todos os médicos, tanto antigos como modernos , não estão de accordo. Assim huns pensão que são de natureza varicosa , outros que são de natureza ereclil. Nós achamos conveniente reproduzir algumas destas opiniões antes de emittirmos a que adoptamos. Hippocrates diz que as hemorrhoidas são huma inchação do orifício das veias do ânus , formando granulações, e deixando muitas vezes escapar sangue. Lieutaud diz que dependem da dilatação das veias do mesmo nome. Morgani pre- 9& 12 €3© tende igualmente que não são senão dilatacões das veias. Eis como elle se exprime: Hccmorrhoides nihilaliud autan esse quam varices véu ar um (*J. Cel- so, conformando se com a opinião de Hippocrates. diz que são huma in- chaçao do orifício das veias do ânus, formando granulaeões, e deixando de ordinário escapar sangue. Hildebrand, (**) Boerhaave/ Lassus, J. L. Pe- tit, Sthah Alberti, Dupuytren considerào como tumores varicosos Cul- len, apartando-se desta opinião, diz que os tumores hemorrhoidaes são producções erectis Eis como elle se exprime: « Tem se considerado os tu- mores hemorrhoidaes como varicosos, ou dilatacões das veias. He ver- dade que em alguns casos a abertura dos cadáveres tem feito ver dilatacões varicosas. Comtudo isto não se observa sempre, e eu presumo que este caso não he ordinário, porém que estes tumores sào formados por hum derramamento de sangue no tecido cellular do intestino perto de sua ex- tremidade. Estestumores, sobretudo quando são recentes, contém freqüen- temente sangue fluido: porém, quando tem existido por muito tempo, a substancia he mais firme. » Abernethy (***, olha as hemorrhoidas como tu- mores formados por sangue derramado, que se transforma algumas vezes em tecido novoerectil. Béclard, Delpech, olhão como tumores formados de reuniões de arteriolas e venulas no meio de huma têa fibrosa. De Larro- que, Récamier, Richter, como kistos sangüíneos do tecido cellular que de- pois se transformão em tecido erectil. Chaussier pensa que são o resultado da rotura de algum capillar situado na densidade, ou entre as membranas que constituem as paredes do intestino. Montegere,adoptando a opinião de Chaussier, pensa todavia que a formação dos tumores não tem lugar pela rotura de hum vaso, porém por huma dilatarão sem rotura, que forma-se hum kisto á custa das paredes do vaso. Nós adoptamos a opinião d'aquel les que dizem são de natureza varicosa. Suppômos que, se os autores que opinao ser de natureza erectil tivessem em vista o gráo da antigüida- de da moléstia, as mudanças de estructura que deve ter operado a in flammaçao nos tecidos ambientes, causa de tantas transformações patho- logicas; se observassem a moléstia desde sua origem e a seguissem era to- das as phases do seu desenvolvimento e transformações, a grande quan- tidade de sangue que muilos indivíduos dcitão, a posição das veias he- morrho.daes, tal nao diriao. Ora, parece nos que pouca' ou nenhuhia at- tençao tem elles dado a estas considerações, porque do contrario vcrião que a moléstia he constituída de seu principio por huma dilatacão ve- nosa, e que as mudanças anatômicas que se operão em conseqüência dos progressos da moléstia tem a maior analogia com aquellas que produzem as mesmas causas nos tumores varicosos das pernas, que não differem se não em razão da sede, da funcção das partes em qu* estão situados e d> disposição particular dos tecidos em cujo seio se desenvolvem. (*) De sedibus et causis morborum. (**) Opuscalo soure as hemorrhoidas. (•") Sorgical Works, tom. 2, pag. 234. ^13 m CAUSAS. A idade tem sido considerada como huma causa poderosa das he- morrhoidas. Hippocrates pensava que esta moléstia nâo se manifestava se- não depois da puberdade; entretanto muitos factos se apresentão de ter apparecido em meninos; comtudo não são senão excepções, e ellas só tornão-se freqüentes na idade adulta. O sexo parece também exercer huma influencia notável: assim a maior parte dos autores estão de accordo em di- zer que os homens Ihps são mais sujeitos que as mulheres ; entretanto existe huma exceoçáo a esta regra geral, e vem a ser que, no tempo da pre- nhez, e na idade critica he commum observar-se esta moléstia. Cullen diz que o contrario se observa; porém Recamier diz que he cousa rara ob- servar-se hemorrhoidas nas mulheres, salvo durante a prenhez ou a idade critica. Aristóteles diz: (*) Paucis mulieribus liamiorrhoides accident. Huma causa poderosa tem sido admittida em certos estados habiluaes da cu- saude e temperamento , e pretende-se que se desenvolvem mais parti- larmente nos indivíduos de hum temperamento bilioso, e entre as pes- soas hypocondriacas e melancólicas, pletoricas e sangüíneas, que naquellas que se achão em condições oppostas. A omissão de huma sangria, a que se tenha contrahido o habito, a suppressaode huma hemorrhagia habitual, a cur}â de huma ulcera antiga; o uso de comidas estimulantes, muito subs- tanciaes, especialmente tiradas do reino animal; o uso de pimentas, bebi- das fermentadas; o excessivo uso do vinho, sobretudo o do Porto, do chá, do café; a vida sedentária depois de huma vida activa,* a exposição ás latri- nas por muito tempo; o uso habitual de assentos muito frios ou quentes, banhos de assento n'agoa quente; a equitação; (segundo Lari ey ella obra em sentido contrarioj o abuso de purgantes drásticos, a eonstipação do ventre (he verdade que algumas vezes he o effeito) vestimentas apertadas , clisteres irritantes, o engorgitamento do fígado e dos diversos órgãos do abdômen, retensão de matérias fecaes, abuso dos prazeres venereos, sup- positorios instantes, corpos estranhos no recto; emfim, tudo que he ca- paz de produzir huma congestão para a parte inferior do recto, tem sido considerado como causas de hemorrhoidas, e muitas outras queomittimos para não nos tornarmos fastidiosos. SYMPTOMAS E MARCHA. Para melhor tratarmos deste artigo, julgamos conveniente dividi-lo em três parles; na primeira trataremos da fluxão ou congestão hemorrhoi- dal; na segunda, dos tumores hemorrhoidaes, tanto durante a congestão, como no seu intervallo, na terceira do fluxo. (*) Hist. Nat., liv. 3, cap. 10. 3 pluxaó hemorriioidal. A fluxão hemorrhoid d de ordinário principia a manifestar-se por huma susceptibilidade moral toda particular, máo humor, vertigens, tristeza, gastralgia, pallidez da face, flatuosidades, cons- tipação, olhos cerca los de huma areola livida, pulsações, movimentos es- pasmodicos no abdômen, dores lombares, etc. Algumas vezes entretanto não se observão estes phenomenos senão depois do desenvolvimento, e du- rante os accessos da congestão, ou mesmo não se apresentão. A congestão he caracterisada por huma sensação de peso, tensão e calor na região anal, que torna-se a sede de hum engorgilamento sangüí- neo, de tumefacção mais ou menos pronunciada, e algumas vezes do- res vivas. A sensação de hum corpo estranho no recto determina continuas vontades de ir á banca que não podem satisfazer se, e que augmentão o affluxo, em conseqüência dos esforços. A excitação dolorosa da região anal eslende-se ao sacro, ás nádegas, a bexiga e aos órgãos genitaes. A progressão he diflicil, a excreção da ourina he algumas vezes difíi- cil (*) ; ha calor e prurido na vagina. As dores são provocadas ou exasperadas pela passagem difficil das matérias fecaes; o que faz augmentar as dores e a diíTieuldade da defeca- ção he que em quasi todos os casos a congestão tem sido precedida de huma longa constipação, de sorte que as matérias estando seccas e en- durecidas não podem ser lançadas fora do intestino, senão dilatando^ de huma maneira violenta hum anel engorgitado e doloroso, que algumas vezes contundem e mesmo rompem; he assim que nós vemos em muitos casos as matérias fecaes cobertas de sangue , e depois de cada ban- ca os doentes deitarem huma maior ou menor quantidade de san- gue pelo ânus. A congestão hemorrhoidal dura dous a quatro dias. Ordinariamente, os symptomas se dissipão gradualmente, ou cedem depois do corrimento sangüíneo, quando este tem lugar. Estes accessos se reproduzem mais ou menos, segundo os indivíduos, e segundo as diversas circumstancias que não nos he sempre possível de- terminar. A volta mais ou menos freqüente parece estar ligada algumas vezes ao regimen seguido pelo doente, e ao cuidado maior ou menor que elle tem de se abster das causas de excitação. As congestões hemorrhoidaes se apresentão entre alguns indivíduos em épocas periódicas, como os menstruos nas mulheres. Na maior parte dos casos, o intervallo que separa os accessos he variável, as- sim pôde ser de quinze dias, muitos mezes e mesmo annos. tumores hemorrhoidaes. No intervallo das fluxões , pode acontecer que todo o tumor desappareça completamente; isto só se observa quan- do a moléstia não he antiga. (*) Nòs tivemos oceasião de observar este anno em hum nosso amigo hum estreitamento d« uretra, determinado pela congestão hemorrhoidal. m 15 m A dilatação varicosa, sendo pouco pronunciada, e não sendo acom- panhada de alteração nos tecidos visinhos, quando o sangue não afflue para a região anal em quantidade anormal , o tumor abate-se com- pletamente Se o doente, por huma causa qualquer, vêm a morrer, e se buscáo os traços de hemorrhoidas que tenhão existido durante a vida , não hesitaremos em declarar que o corrimento de sangue tinha lugar independente de todo o lumor. Para termos sobre tal objecto idéas cer- tas, he necessário fazermos injecções nas veias e artérias hemorrhoidaes, para reproduzir o tumor, porque do contrario concluiremos que elle não existia. Casos ha em que estes tumores não desapparecem completamen- te, ou porque suas paredes se tenhão espessado, ou por terem adqui- rido adherencias com os tecidos visinhos. Então , quando a fluxão tem desapparecido, achão se alguns restos destes tumores, que são indolentes, e que consistem unicamente em huma prega da pelle , e os doentes nâo tem consciência de sua existência. Quando a moléstia he antiga , ou as congestões tem sido assigna- ladas por symptomas locaes intensos, ou quando estes dous phenomenos existem, os tumores conservão certo volume nos intervallos: humas vezes achâo-se cheios de sangue liquido, que pela compressão desapparecem em parte ou em totalidade; outras vezes encerrào coágulos de sangue, que>pela compressão diminuem pouco ou nada, tornão se endurecidos, indolentes e incompressiveis. Comtudo, tumores hemorrhoidaes antigos são huma causa perma- nente de irritação e provocào a formação de novos, que passão pelas mes- mas phases que os primeiros. Emfim , podem adquirir hum volume tal, e ser tão numerosos, que o ânus seja destendido dolorosamente , de sorte que resulte hum obstáculo material ao acto da defecaçáo, como p dissemos. Os tumores que existem na extremidade do recto tendem cons- tantemente a descer e a levar huma parle da membrana mucosa do intestino. > A irritação continua que os determina dá lugar a huma inflamma- ção chronica desta membrana, e a fluxos mucosos, donde alguns autores chamarem-nas hemorrhoidas brancas. Quando a parte inferior do recto e a região anal, assim como os tu- mores que se tem desenvolvido, são a sede de huma congestão sangüí- nea, o aspecto destas partes he inteiramente differente. Os tumores apresentão-se então violaceos, renitentes, desapparecen- do completamente ou incompletamente pela pressão , e reapparecendo logo que esta cessa, ou então são rubros , elásticos e mui dolorosos. 0 ânus e as partes visinhas apresentão huma cor rubra, e parecem engorgi- tados de sangue. O doente tem vontades freqüentes de ir á banca, que determinão esforços acompanhados de dores vivas. 0 andar, a estação he difíicil, o exercício a cavallo impossível. Quando a congestão augmenta, os tumores inflammão-se, e todos os M 16 €K symptomas se exasperão. Esta inflammação pôde ser produzida pela passagem das matérias fecaes endurecidas e volumosas, pelo exercício e vio- lências externas sobre os tumores. O doente experimenta para a parte in ferior do recto huma sensação penivel de tensão, peso, calor urenle , que se propaga ao colo da bexiga no homem, e á vagina e utero na mulher. Os tumores, tornando-se mais volumosos e engorgitados, o seu me nor contacto determina dores insupportaveis , e a côr torna-se escura á proporção que augmentão de volume; os tecidos visinhos engorgitão-se ; os sphincteres que tem de contrahir-se espasmo licamente . elo cffeito da irritação, comprimem os vasos que vao ter aos tumores, oppoem-se a volta do sangue, o que concorre a exasperar os accidentes locaes. Quando os turno-es tem a sede na parte interna do recto. a Iodos os symptomas acima enumerados reune-se huma sensação dolorosa de plenitude e de deslensào. A defecação nestes casos he mais difícil, e tor- na-se ao doente huma verdadeira tortura. O doente faz esforços para ir á banca, os tumores são lançados fora, e levão algumas vezes comsigo hu ma porção (ia membrana mucosa engorgitada de salgue e inflammada; os sphincteres participão da irritação, contiahem-se espasmodicamente, impedem a entrada do intestino, estrangulão a massa herniada. e deter- minão o engorgitamento no maior gráo. As dores tornâo-se atrozes , os tumores estrangulados apresentão o aspecto de hum cactio de uvas pre- tas, algumas vezes tão largo como o punho, de sorte (pie occulta inteira- mente o ânus. Em vão o doente faz esforços para introduzir o dedo; a sua applicaçáo he tão dolorosa que vê se na necessidade de a renunciar: algumas vezes a membrana que cobre o tumor vem abrir-se, e o sangue que corre produz hum allivio momentâneo. Quando a evacuação não tem lugar, os tumores estrangulados se lumefazem consideravelmente , a dôr se estende a todo o abdômen; o doente está exposto a eólicas; os gazes e as matérias fecaes são retidos, a porção estrangulada pôde gangrenar-se, e mesmo podem desenvolver se todos os symptomas de hérnias es tranguladas. A inflammaçào dos tumores hemorrhoidaes, estrangulados ou não, termina se de ordinário por suppuraçào; vê se algumas vezes o pus derra- mar-se no tecido cellular, e operar largos despègos; foi mão se assim ab- cessos estercoraes mais ou menos extensos e profundos, que são geral- mente seguidos defistulas. Quando os tumores tem sido por muito tempo a sede de inflamma- ção intensa, esta ultima deixa hum corrimento de mucosidades brancas, que são o pr«>ducto de huma irritação chronica, a que tem-se dado o no- me de leueorrheas anaes, hemorrhoidas brancas, etc. Debaixo da influencia da mesma irritação, as paredes do recto se espessão; a porção inferior do intestino aperta-se, e o tecido cellular tor- na-se a sede de endurações; de ordinário também estes ataques de inflam- mação tem em resultado fendas profundas ao redor do ânus, de maneira que a defecaç.»o he extremamente dolorosa. Emfim, segundo alguns au- tores, os tumores hemorrhoidaes podem degenerar em cancro; esta termi- nação he bastantemente rara. fluxo hlm ruhoidal. 0 corrimento de sangue tem sido considerado como o resultado necessário da fluxão que se eslabelece na extremidade do intestino, como o phenomeno principal Ia aíFecção hemorrhoidal, pelo qual autores desiguão as hemorrhoidas. Este fluxo tem huma tendência singular a reapparecor ; e. huma vez estabelecido. costuma apparecer em intervallos mais ou menos re- gulares. O fluxo hemorrhoidal apresenta variedades relativas ás ciicums lancias em que o sangue corre ; algumas vezes não corre senão quan- do o doente vai a banca, ou depois da sahida dos excrementos que elle cobre sem comludo se misturar; outras vezes corre sem que o doente vá á banca ; então he, em geral, mais abundante, e precedido de phenome nos que annunciâo a invasão das hemorrlioidas. Em alguns indivíduos o sangue corre sem interrupção pelo ânus; em outros agglomera se acima dos sphincteres. e não he lançado fora senão quando a sua presença no intestino produz huma sensação análoga áquella que determina a accu- mulacáo de matérias fecaes. A duração do corrimento limita-se de ordinário a alguns dias: en- tretanto, nós \emos algumas vezes prolongar-se por muito tempo. A quantidade Io fluxo hemorrhoidal he variável; os autores que tem tratado desta moléstia citão immensos exemplos de fluxos hemorrhoidaes de vinte onças e mesmo libras Consta-nos que h-.uive na rua d'Ajuda hum Portugnez, que. no espaço de oito dias, deitou oitenta onças! D1ACN0ST1C0. He necessário distinguir os tumores hemorrhoidaes d'outras produc- ções mórbidas que podem ter a mesma sede. Não he senão com os poly- pos do recto e com as excrescencias de natureza syphilitica que po- dem confundir se. Os polypos offerecem a mesma côr que os tumores hemorrhoidaes; porém os primeiros são mais resistentes. O desenvolvimento dos polypos não tem sido precedido de fluxões sangüíneas na parte inferior do recto caraclerisada por symptomas não equívocos. Os tumores polyposos se desenvolvem gradualmente, e de huma maneira continua, e não apresen- tão as alternativas de congestão inflammatoria, dolorosa, descahimento, murchidáo, que são próprios aos tumores hemorrhoidaes. O que acaba- mos de dizer em grande parte he applicado ás vegetações syphililicas ; as sim o crescimento destas he progressivo ; o desenvolvimento não he precedido por fluxão sangüínea; não vê se humas vezes engorgitar-se, ou- tras murchai-se; além disto, as excrescencias syphiliticas são de ordiná- rio situadas fora do intestino; apresentão na fôrma huma disposição ir- regular inteiramente característica. Observão-se ao mesmo tempo ou- tros symptomas secundários de syphilis. í^g? 18 ^Hg Quanto ao fluxo hemorrhoidal, he necessário não confundi-lo com outros corrimentos sangüíneos que podem fazer-se pelo recto: isto será sempre fácil tendo em vista os symptomas particulares á cada hum delles, aos phenomenos que aeompanhào as hemorrhoidas, e explorando com cuidado as parles , afim de determinar a sede real da hemorrhagia. PROGNOSTICO. O prognostico das hemorrhoidas está subordinado a hum grande nu- mero de circumstancias. Aquellas que sobrevierão em cousequencia do estado geral da economia animal, ou que pelas voltas freqüentes se tem unido ao estado geral, devem ser encaradas como huma aíFecção salutar , que pôde prevenir hum grande numero de moléstias , e que não pode supprimir-se sem expor os doentes a accidentes graves. Aquellas que são evidentemente devidas a causas que obrão unicamente sobre a parte af- fectada, que não tem contrahido connexâo alguma com a economia ani- mal , podem sem inconveniente ser atacadas. Os tumores hemorrhoidaes, que se desenvolvem no interior do recto, são peores que aquellcs que se achão cmplantados em redor do ânus , e sobre o sphincter externo; i.°, porque empcdem, ou toruão impossível a excreção das matérias fecaes; 2.0, porque são de ordinário a sede de do- res mui vivas; 3.% porque sahindo dão de ordinário lugar á queda do recto, ou á volta da membrana mucosa; 4% porque experimentão-se grandes diíFiculdades para fazer-se applicaçõcs tópicas, ou porque a isto os doentes se recusem, ou porque os sphincteres do auus se achem n'hum estado de espasmo, que não permittem a introducçáo do dedo, ou de suppositorios; 5.°, emfim, os tumores hemorrhoidaes internos são mais perigosos que os externos, por darem lugar de ordinário a fistulas ester- coraes, e que, se forem fortemente comprimidos pelo sphincter externo do ânus , cahem algumas vezes em gangrena, ou fazem desenvolver acci- dentes graves. Qmiuto ao fluxo hemorrhoidal, se elle he regular, moderado, ap- parece em tempo opportuno , he em geral ulil, edeve-se então ter cuida- do que não se desarranje. No caso contrario, em que o fluxo he irregular, quer na época de sua apparição, quer por sua abundância, quer por sua duração, he de ordiná- rio mao; porque a hemorrhagia que tinha de se effectuar nas partes inferio- res, dirige-se para as superiores, e dá lugar a apoplexias, hemoptyses, etc. Se o fluxo he considerável, os doentes enfraquecem-se, tornão-se pallidos, inchados, e são atacados de convulsões , syncopes, derrama- mentos thoracicos e abdominaes , e algumas vezes a morte vem pôr ter- mo a estes accidentes. Quando o fluxo hemorrhoidal he antigo , suas connexões com a eco- nomia são tão intimas, que seria perigoso interromper seu curso. Deve- se, segundo os práticos , olhar então como útil á saúde. Porém , quando depende de huma causa local, suas relações não são intimas ; eis porque, neste caso, póde-se obter a cura radical sem que resulte inconveniente ao doente. Se entretanto o corrimento he habitual, regular, moderado, e o doente supporta bem, deve-se conservar, como no caso em que he o effeito de huma causa geral. Sua suppressão poderia ser perigosa , quer immediatamente, quer depois de hum certo tempo. A experiência nos demonstra que moléstias basti'nte graves tem apparecido depois da cessação espontânea do fluxo hemorrhoidal. As hemorrhoidas, segundo Hippocrates, curão certas moléstias ; en- tretanto póde-se dizer em geral que são nocivas se se Manifestarem entre as pessoas fracas A complicação da syphilis torna algumas vezes mui perigoso o pro- gnostico das hemorrhoidas : assim quando o virus venereo tem exercido sua acçáo sobre os tumores hemorrhoidaes uleerados , sobrevem algu- mas vezes hemorrhagias, que faraó perecer os doentes se não tiver-se o cuidado de as atalhar. ANATH0M1A PATHOLOGICA. He raro que exista hum só tumor. De ordinário, são em grande numero, de maneira a formar huma areola circular mais ou menos completa. Neste ultimo caso cilas se apreseutào com a fôrma de tumores de base larga, pouco dislimJos huus d'outros, variando em volume desde huma ervilha até o de hum oo de gallinha; humas vezes he de superfície lisa, outras rugosa, de fôrma hemispherica ou desigual. Outras vezes , sobretudo no interior do recto, são pediculados, em lugar de apoiar sobre huma base larga. A areola que elles formão, quer interna, quer externa, he interrom- pida por sulcos que isolão os tumores huns d'outros, e que são mais pro- fundos depois ila morte que durante a vida. No interior do recto , elles formão huma verdadeira divisão coberta pela membrana mucosa semeada de tumores venosos, do volume de cabeça d'alfinete. No exterior, são co- bertos em parte pela membrana mucosa , em parte pelos tegumen- tos communs. No maior estado de simplicidade, são formados unicamente pela di- lataçào das paredes venosas; tal he a disposição que o escalpelo faz reco- nhecer, quando os tumores são pouco volumosos , e que não tem sido sede de trabalho inflammatorio. Estas espansões varicosas das veias do recto se apresentão muitas vezes, nestes casos, com a fôrma de pequenos saccos ou cellulas, sem alteração orgânica das paredes, cujo volume varia desde o de huma ervilha até o de huma noz (1). Nesta grande moléstia, as cellulas communicão ainda com o tronco venoso, donde tirão sua ori- gem, como se pode confirmar pela injecçáo. Nas hemorrhoidas internas e nas externas, são as mesmas veias que são affectada». (Brodic.) Porém os (1) Hichter, Dissert., Chélius, Traité de chir. 9» 20 ^m tumores hemorrhoidaes nem sempre apresentão huma organisaçãotão sim- ples. Aeha-se de ordinário diversas alterações^ mórbidas que póde-se, no maior numero de casos, explicar a producção, e que dão a estes tumores aspecto mui variado. Estas aPerações existem , quer sobre as paredes venosas, quer sobre os tecidos ambientes, quer emfim sobre o contido nos kistos hemorrhoidaes. As paredes venosas podem ser hypertrophiadas ouadelgaçadas. Achão- se amolleeidas e friaveis. Elias formão dilatacões uniloculares ou multi- loeulares, mais ou menos isoladas, mais ou menos numerosas, crivadas de buracos (pie as fazem communicar com o tecido cellular ambiente. Algumas ve/es, são engorgitartas e combinadas com sangue, de maneira a offerecer hum aspecto lardaceo [i). Algumas vezes as veias parecem-se terminar em hum grande numero de filamentos , que se entrelaçáo de tal sorte que resulta hum tecido recticular mui fino , em cujo centro se acha huma cellula ou kisto mais ou menos considerável. Nos casos em que os tumores tenhão sido, huma ou muitas vezes, a sede de hum tra- balho inflammatorio intenso, os tecidos ambientes tem sofFrido diversas transformações que modificão também o aspecto das hemorrhoidas. A membrana mucosa, ou a pelle que cobre os tumores, he humas vezes es- pessa e outras delgada; de ordinário adhere intimamente ás paredes do kisto varicoso, e mesmo está identificada com o tumor. Abaixo dos te- gumentos, acha-se tecido cellular organisado em falsa membrana (2). Outras vezes, este tecido he infiltrado, espesso, e fôrma huma massa en- durecida, na qual as veias dilatadas se acháo envolvidas. Esta altera- ção do tecido cellular dá ás hemorrhoidas o aspecto de hum tumor solido, em cujo centro algumas vezes acha-se huma veia dilatada, que he o pon- to de partida da moléstia, Huniii outra alteração dos tecidos ambientes consiste na extravasação do sangue no tecido cellular. A extravasação se apresenta de duas fôr- mas: humas vezes todo o tecido cellular está engorgitado de sangue, e resulta tumores esponjosos mais ou menos compactos (5): outras vezes o sangue fôrma huma cavidade no tecido cellular que lhe produz hum kisto, ou derrama-se por baixo da membrana interna do recto e a desten- de em fôrma de sacco (4). Quando as cavidades que se encontrão nos tumores hemorrhoidaes achão se cheias, encerráo sangue que, de ordiná- rio, apresenta se debaixo da fôrma de hum coagulo, mais ou menos so- lido. A presença dos coágulos torna os tumores duros ao tocar. Os con- duetos venosos achão-se obliterados. Porém nâo se limita ahi a descripção das alterações anatômicas que são próprias aos tumores hemorrhoidaes. (1) Andral, Anatomia Pathologica. (2) Dupuytren , Leçons Orates, tom. I. (3) Cnllen, Elem. de med., Recamier, Dissert. (4) Richter, Chélius, loc. cit. D» 21 3? Tem-se visto estes tumores formados por tecido cellular espesso, alon- gado em forma de saccos, ao redor dos quaes passão troncos venosos, co- bertos pela pelle que forma as pregas do ânus (1). Afim de completar es- ta descripção, he necessário dizer que as fibras dos sphincteres se prolon- gão algumas vezes sobre o tumor, e concorrem assim para a sua formação; que entra na composição dos tumores hemorrhoidaes gordura e flletes ner- vosos que passão cm sua superfície; e que, emfim, nos casos onde existem dilatacões venosas, superfíciaes ou subcutaneas, a parte inferior do recto he algumas vezes mergulhada no meio de hum tecido venoso dilatado de todos os lados, e formando hum annel vascular espesso e engorgitado de sangue. Se se explorar o recto, penetrando até a sua cavidade, vê-se as veias dilatadas deste intestino dirigir-se por baixo da membrana mucosa, parallelamente huma á outra, na extensão de sete a oito pollegadas , se os troncos, que são tão grossos como a penna do corvo , são formados pela reunião das innumeraveis ramificações varicosas que occupáo a extremi- dade anal do recto. Esta dilatacão das veias do recto he descripta por Morgani e outros autores mais modernos. Eis-aqui o que a este respeito diz o mesmo: Interna hmmorrhoidalis vena sub coli intestini fine, et tota recti longitudine, pollicis fere crassitiem aequaret (2.) Citaremos igualmente o seguinte facto referido pelo Dr. Colles (3) : «Eu tiveoccasião, diz elle, deexaminaraestructura destes tumores em hum doente que morreu de huma outra affecçào. Quando abri o recto lon- gitudinalmente, vi na superfície interna três vasos sangüíneos, grossos como huma penna de corvo, dirigindo-se para a parte inferior do in- testino, onde distribuião-se em hum grande numero de ramos ; estes últimos dividião-se ao infinito, e cada hum delles parecia, pelo entre- laçamento de suas ultimas divisões, constituir hum dos tumores. Os troncos, bem como as divisões . nâo erão cobertos senão pela mem- brana mucosa. » TRATAMENTO. Se ha moléstias que , antes de serem tratadas, exijão grande attençâo da parte do medico, não ha sem duvida huma que em algumas circums- tancias o mereça melhor, que aquella de que nos oecupamos. Todos os Práticos sabem quanto he fácil commetter erros no tratamento desta afíec- ção, cujos^symptomas são tão vários , e a marcha mui irregular. Ninguém ignora que os erros commettidos são, não só nocivos , po- rém podem tornar-se funestos. Quantas vezes não vê-se sobrevir acciden- tes funestos depois da applicaçâo de certos remédios , a que tem-se dado o nome de específicos, afim de impor ao crédulo povo , que sempre está disposto a fazer uso delles , virtudes sobrenaturaes? (1) Kirby, Observ. on the treaton of hoemorrboidal excrescences. (2) De sede et caos., lib. III. , pag. 38. (3) Dublin's Hosp. reports., tom. I., pag. 152. 4 ^ 22 m Nós temos feito ver precedentemente que esta affecção pôde depender de hum grande numero de causas differentes; he por conseguinte fácil ver que para proceder a hum tratamento conveniente, deve-se primeiramente fixar a attencão sobre ellas, afim de as destruir se he possível, e moderar a sua acção se são inamoviveis. Além disto deve se considerar se a afTecçào he recente ou antiga , em fim. se apresenta vantagens ou inconvenientes. He talvez por desprezar-se o exame destas diversas circumstancias que tem-se cahido em faltas gra- ves relativamente á therapeutica desta affecção; he também a esta omis- são que deve-se talvez attribuir a diversidade de opiniões relativas á con veniencia ou inconveniência do fluxo hemorrhoidal; assim nós vemos que alguns autores querem que se abandone esta effusáo sangüínea aos cuida- dos da natureza, salvo se for excessiva; tem mesmo como principio que he necessário provocar nocurso de certas affecções chronicas , quando nao se manifesta espontaneamente. Outros pretendem que he necessário curar o fluxo hemorrhoidal em todos os casos , e não tem em attencão os inconve- nientes que podem resultar desta cura. 0 tratamento das hemorrhoidas apresenta indicações variadas , se- gundo os casos ; humas vezes não he senão palliativo , e outras a cura ra- dical da moléstia. No tratamento deve-se terem vista não só acalmar os symptomas peri- gosos . que algumas vezes acompanháo , como mesmo curar radicalmente a moléstia , ou prevenir a recahida , quando pôde fazer-se sem expor o doente a accidentes graves. A cura radical das hemorrhoidas pôde tentar-se sem inconveniente , quando manifesta-se como huma affecção puramente local, e pelas recahi- das freqüentes não tem contrahido com a constituição do doente ligação intima Póde-se também tentar com segurança a cura daquellas que são de- vidas á causa geral, quando são recentes, salvo se a natureza reclama a sua conservação , como no caso em que a sua apparição tem feito desappare- cer huma outra moléstia. Porém, quando as hemorrhoidas são antigas , periódicas , qualquer que seja a causa que as produzio, não pôde fazer-se desapparecer inteiramente , ainda mesmo tomando as maiores precauções, sem expor os doentes a accidentes mui graves , ou talvez mesmo a perecer. He necessário, pois , que, antes de empregarmos algum remédio, dis- tingamos aquellas de que os doentes podem isentar-se sem inconvenien- te , daquellas de que o não podem sem correr os maiores perigos. Para chegarmos a este fim , he necessário termos em vista a idade e tempera- mento dos doentes, suas occupaçôes, a época em que a moléstia se ma- nifestou , os phenomenos geraes e locaes que precederão a apparição da moléstia , a influencia que exerce sobre a economia animal, ou sobre al- guma moléstia , a que os doentes fossem sujeitos antes do seu appare- cimento. Se o exame allento detodas estas circumstancias, deixar duvida sobre M 23 #£ o caracter verdadeiro das hemorrhoidas, convém antes abster-se dos meios próprios a fazê-la desapparecer , que expor os doentes a accidentes pe- rigosos. Deve-se, primeiro que tudo, buscar a causa das hemorrhoidas, e fa- zê-la desapparecer. Os meios empregados não serão os mesmos para os in- divíduos moços, pletoricos, e para aquellesque se achão enfraquecidos por perdas abundantes , ou por outra qualquer causa. De ordinário os hemorrhoidarios deverão escolher huma alimentação de fácil digestão, fazer loções frias ou quentes sobre a região anal, de ma- nhãa e á tarde, sobretudo depois da defecação. Porém, como as hemor- rhoidas de ordinário são produzidas por causas locaes , são estas que de- vemos ter cuidado em apartar. Nós dissemos, quando tratamos das causas, que a posição assentada era favorável á producção das hemorrhoidas ; as- sim aquellas pessoas que não poderem por suas oecupações abster-se, de- veráõ fazer uso de preferencia aos assentos elásticos, e ligeiramente convexos. Deve-se prevenir toda a constipaçáo ; he necessário destruir esta cau- sa por hum regimen conveniente , que seja dirigido segundo a experiência que cada indivíduo tenha em particular, ou se o regimen não he sufficien te por clisteres emollientes e laxativos , taes como óleo de ricino, flores de enxofre e água de Sedlitz, etc. Os doentes não devem deixar de ir á banca quando sentirem necessi- dade, como fazem alguns indivíduos para não deixarem as suas oecupa- ções. No período da congestão o tratamento deve ser activo , e de ordiná- rio antiphlogistico ; comeffcito ainda mesmo que nâo se acredite dever fa- zer cessar os accessos , he quasi sempre necessário modera-los , quer por causa das dores que determináo , quer para prevenir alterações de textura que podem ser a conseqüência. Para fazer desapparecer ou diminuir os symptomas de congestão , e a dôr, se a moléstia he recente, e o indivíduo pletorico, praticar-se-ha huma sangria geral ; porém devemos confessar que este meio he raras ve- zes necessário , e que de ordinário não temos necessidade senão dos meios locaes. Burne , preconisa os clisteres quentes , e tomar-se o purgante an- tes de tarde que de manháa. Se a dôr e a congestão são intensas, devemos recorrer a applicações locaes. Os tópicos , nestes casos , empregados pelos diversos autores , tem propriedades diametralmente oppostas ; taes são as cataplasmas de differen- tes substancias , a massa de Ward , empregada na Inglaterra ; a mistura de noz de galha e enxundia, etc. Burne, também preconisa huma po- mada composta de elleboro negro e enxundia , que produz huma dôr ex- cessiva , que no fim de duas horas desapparece ; differentes linimentos , em cuja composição entráo as preparações opiaceas , extracto de bellado- na, meimendro ; tem sido recommendado para o mesmo uso a polpa da abóbora cozida , a de maçâa , a manteiga fresca , e a de cacáo. Relativamente ao fluxo hemorrhoidal , antes de empregarmos o tra- tamento, convém saber qual a influencia que exerce sobre a economia animal , eguiarmo-nos segundo os princípios geraes que temos estabele- cido : assim , se julgarmos conveniente deixar subsistir , devemos com- tudo moderar , para isso recommendaremos aos doentes , abstinência , repouso, e prescrever-se-ha bebidas acidulas , banhos de assento frio, ou caso tenhamos a receiar a suppressão , banhos tepidos com barba timão ; tem-se também preconisado o óleo de copahiba , a terebentina misturada com gema d'ovo. No caso em que a suspensão seja seguida d'affecção de algum órgão importante , ou supponha-se sobrevir em conseqüência da suspensão, devemos fazer reap parecer , para isso prescrever-se-ha expor o ânus a vapores emollientes , empregar-se-ha meios banhos , a applica- çâo de sanguesugas, ou ventosas á margem do auus , na região do sacro, ou parte interna da coxa, fricções sobre as mesmas. Trousseau (*j propõe suppositorios stibiados compostos de dous a seis grãos de tartaro , com huma oitava de manteiga de cacáo. Se os tumores acháo-se duros , engorgitados e dolorosos , em- pregar-se-ha banhos . cataplasmas , pomadaü e loções narcóticas ; po- rém , no caso em que a congestão for intensa, recorreremos á sangria local, quer por meio da lanceta, quer por meio das sanguesugas. Mui- tos autores, entre elles Shmucker e Récamier, preferem a applicaçâo das sanguesugas directamente sobre tumores, por ser menos dolorosa e se- guida de evacuação abundante. Petit prefere ao contrario a incisão ; parece que esta operação tem tão bom resultado como a applicaçâo das sanguesugas, e he mais segura, mais prompta e menos penivel Quan- do a moléstia he antiga, e os tumores situados no interior do recto são mais ou menos volumosos, acontece que sahem de ordinário levando com- sigo huma porção da membrana mucosa do recto, quer por effeito do eu- gorgitamento, e sobretudo da inílammação, quer durante os esforços da defecação; he então que nós vemos sobrevir todos os accidentes de que temos fallado. A pratica em taes casos he a reducção o mais prompta- mente possível; porém devemos banhar com água fria, afim de contrahir os tecidos, e determinar diminuição no volume : além disto, o Pratico de- ve exercer huma compressão ligeira sobre o tumor, e ir augmentando gra- dualmente, afim de repellir o sangue que engorgita, e diminuir desta sor- te o volume. 0 doente deve estar apoiado sobre os joelhos e sobre os co- tovellos, de maneira que a região anal esteja mais elevada que as espaduas; porém antes untaremos as partes com óleo, e depois exerceremos a com- pressão de que falíamos. Esta operação, posto que bastante dolorosa, del- ia nâo desistiremos, senão quando virmos que a reducção he impossível; ' porém he raro. 0 cirurgião deve recommendar ao doente que não faça esforço de defecação, que talvez possa sobrevir, tanto por causa da irrita- ção, como pela presença do dedo no ânus. Algumas vezes acontece haver esforços involuntários que tornào a re- ducção incompleta; para isso, o cirurgião deve acompanhar a porção re- (') Journal des conn. Médico-chir. m& 25 m duzida com o dedo tão profundamente quanto lhe fôr possível, e conser- var nesta posição, até que a irritação causada pela sua presença tenha diminuído, assim como o tumor, pelo effeito da pressão e do estrangula- mento: então tira-se o dedo com precaução elentamente, e applica-se sobre o ânus e perineo huma esponja embebida n água fria , ou em huma solu- ção d'ópio; esta esponja será mantida pelo doente, que exercerá desta fôrma huma compressão, até que sinta não reproduzir se de novo os es- forços que ameaçào os deslocamentos dos tumores. Para obter se acura radical dos tumores hemorrhoidaes, tem-se em- pregado a ligadura, cauterisação., rescisão e excisão. Hoje o mais empre- gado he a excisão. Determinada a operação, e depois de ter situado o doente em postura conveniente, ordena-se-lhe que se esforce para fazer sahir as hemorrhoidas. Então o operador toma a extremidade de cada tu- mor com huma pinça, e corta-os, ou com tesouras ou com bistori na sua base. Depois da operação, se corre sangue em abundância, cauterisa-se. Na supposiçào contraria, deve limitar-se a huma cura simples, ea ligeira com- pressão por meio de huma atadura regular. Aqui concluímos o nosso trabalho , podendo torna-lo ainda mais extenso. Conhecemos quão imperfeito c digno de censura elle he; porém com confiança o apresentamos, certo da indulgencin dos nossos Juizes; possa elle preencher o fim a que nos propozemos. Antes de largarmos a penna, seja-nos permittido dar ao Illm. Sr. Dr. M. F. P. de Carvalho, nosso digno e illustrado presidente, os nossos sinceros agradecimentos, pelas maneiras affaveis com que sempre nos tratou, e pela bondade com que se encarregou da presidência de nossa these. E, pois que outro meio não temos para mostrarmos o nosso re- conhecimento, lhe retribuímos com huma eterna gratidão. Se faltas commetti, mostr'as sem pejo , Dos doutos aprender he meu desejo. (guerreiro.) FIM. iQWPiFtyGiBÀttus AiPincDiMSitfL i. Lassitudines sponte obortae morbos denunciant. Secç. 2.* Aph. 5.' II. Ad extremos morbos extrema remedia exquisitè optima. Secç. 1." Aph 6.° III. Melancholicis et nephriticis haemorrhoides supervenientes , bonum Secç. 6.a Aph. 11. IV. Haemorrhoidas curanti diuturnas, nisi una servata fuerit, pericu- lum est ne hydrops superveniat aut tabes. Secç. 6.* Aph. 12. V. Insanientibus, si varices aut haemorrhoides supervenerint, insaniae solutio fit. Secc. 6," Aph. 21. VI. Quae medicamenta non sanant, ea ferrum sanat; quae ferrum non sanat, ea ignis sanat; quae vero ignis non sanat, ea insanabilía existamare oportet. Secç. ò'.' Aph. 6.° Rio de Janeiro. 1841. - Typ. Imp. e Const. de J. VILLENEÜVR • C, rua do Ouvidor n. 66. Esta These está conforme os estatutos. Rio, 9 de novembro de 1&41. Dr. Manoel Feliciano Pereira de Carvalho.