SOBRE A HYPOCONDRIA V ^_ Ç»=A ^^ SOBRE A HYPOCOIVDRIA TMES *=] Que foi apresentada á Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, e sustentada em 4 de Dezembro de 1849, POR NATURAL DO MARANHÃO, FILHO IEGIIIMO DO MAJOR FERNANDO ANTÔNIO LEAL, DOUTOR M MEDICINA PELA MESMA FACULDADE. Principiis obsta sero medicina par alui- : Cum mala per longas inTaluOie mura». Oviu. TYPOGRAPHIA UNIVERSAL DE LAEMMERT Rua dos Inválidos n.° 61 B 1849 FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO, ■ i II) ilftli > lln ■ ----------" DIRECTOR. O Sb.Cowselhe.ro Da. JOSÉ MARTINS da CRUZ JOBIM. LENTES PROPRIETÁRIOS. Os Sbs. Doutores : 1.° Ahho. F. dkP. CÂNDIDO, Examinador...... Physica Medica. , Botânica Medica, e princípios elementares de F. F. ALLEMAO, Sunplente........J „ , . 'r ( Zoologia. 2.° Ahho. inica Medica, e princípios elementares de ÍChirnic Mine J. J. db CARVALHO............| J. V. TORRES HOMEM . íeralogia J. M. NUNES GARCIA........... " Anatomia geral e descriptiva 3." Ahho. 3. M. NUNES GARCIA............ Anatomia geral e descriptiva. L. de A. P. da CUNHA........... Physiologia. l\.° Ahho. L. F. FERREIRA.............. Pathologia geral e externa. 3. 3. da SILVA................ Pathologia geral e interna. Pharmacia, Matéria Medica, especialmente a Brasileira, Thcrapcutica e Arte de formular. 5.° Ahno. C.B.MONTEIRO.............. Operações, Anatomia topographica e Apparelhos. P-. i •«-• T->T.r> \ Partos, Moléstias de mulheres pejadas e paridas, e. J. XAv IER.................' r 1 c de meninos recém-nascidos. 6.° Ahho. T. G. dos SANTOS............. Hvgiene e Historia de Medicina. 2.°ao4.*M. F.P. dkCXRVA.LUO, Examinador Clinica externa e Anat. Pathologica respectiva. 5.° ao 6.° M. de V. P1MENTEL , Presidente. Clinica interna e Anat. Pathologica respectiva. LENTES SUBSTITUTOS. A. M. de MIRANDA e CASTRO.......^ _ v r Tínriiá ütítjttjt- r ■ i \ SecCa0 das Sciencias accessorias. r. G. da ROLHA FREIRE, Examinador . ) J. B. da ROSA , Examinador........) A.F.MARTINS...............( ScCç5° Medi"' D. M. dk A. AMERICANO.........) „ \ Seccão Cirurjnca. L. da C. FEIJO', Supplente.........\ ' ° SECRETARIO. De. LUIZ CARLOS da FONSECA. A. 11. A Faculdade não approva nena reprova as opiniões enútlidas nas Theses que lhe sao apresentadas. AO MEU MUITO QUERIDO PAI E O MEU MELHOR AMIGO © 3U.mo 5r. JUajor Jérnaniro Sintonia Ceai. Debalde e em vão procuro expressões que possão patentear minha gratidão para comvosco! Sim, meu Pai, hoje realisou-se vossa esperança, hoje cumprirão-se vossos desejos! Os sacrifícios e obstáculos encontrados em vão se oppose^ão á firme vontade do Pai desvelado e carinhoso que tudo soube vencer para que seu filho attingisse ao fim da sua nobre carreira! Poderei por ventura pagar tamanha dedicação?! Não: mas o amor do filho agradecido crescerá até o ultimo momento de sua existência, e lá mesmo na eternidade, cheio de mais vivo ardor, elle entoará o hymno de reconhecimento ao terno autor de seus dias. Aceitai, oh meu Pai, o primeiro fructo de minhas lucubrações como prova do mais profundo respeito e amor de vosso filho obediente e reconhecido Fernando. A MINHA ESTREMOSA E ADORADA MÃI % 311.ma 8va. JD. tytxtsa Haimunòa Jflarques Ceai, Aqui longe de vós, mas trazendo-vos constantemente em meu coração, eu choro a vossa ausência no dia o mais solemne da minha vida; e prazer algum tocaria a alma do vosso filho, se a doce esperança de cedo apertar-vos contra o seu peito o não alimentasse! Mas emquanto não chega esse momento de minha verdadeira ventura , recebei o meu primeiro trabalho litterario, não como obra de gram primor, mas como uma lembrança do filho saudoso e dedicado. Fernando. Á MINHA QUERIDA E RESPEITÁVEL AVÓ 3. %\lm% Bva. ?D. Htta loaquina \)xáva Ckrforir Ceai, Ahi tendes, Senhora, a minha these, ella também vos pertence, pois tomastes não pequena parte na minha educação : aceitai-a portanto como prova do muito que vos quer o vosso affeiçoado neto Fernando. As III."3* Sras. 55. JJlaria (frljeresa Ceai, JB. Hita jfoanna Ceai, $3. Üflaria loanna Ceai, « Além de um coração mais nada tenho, « Mas dou-vos um coração constante e grato. » SI 311.ma #ra. £). Sintonia 3oaqnina Ceai, Limitada prova de meu amor e sympathia. à? wmmmã si& b M^sasEca^ SI 3ll.ma Bxa. JD. Slnna 3oaquina Ceai fírucc, Insignificante testemunho do meu respeito. AOS MEUS TIOS Os IlL.m0' Srs. Haimunòo £fyi0nanòo Ceai, 3osé Jranciaco (Berforir Ceai, Slntonio ílaimunao Jttarqnes, Signal de respeito e amizade. A BEBDS ^aiM@S B <âIEE@r@§ Os lLL.raos Srs. tenente 3oão iTrancisco Ceai fímcc, tenente Üttiguel ■Sanado Ceai tatce, ÜXatljens Haimunbo Ceai jSruce, Slbel Jrancisco Corrêa Ceai, 3o(io irancisco (íorna Ceai, Cutj /ranciBeo (íorrla Ceai, Sllfreiro fíanfcctra íjall, Testemunho de merecida amizade. ÁS MINHAS RESPEITÁVEIS TIAS As lLL.mas Sras. D. íBeatri? Sarmento i)a ülatja Ceai, ID. íttaria ®h,ere0a (teeira fíerforb, JD. Mana 3oaqnina fíanireira, JD.. Cima tanoeira tDilson, Pequena prova do meu respeito e consideração. Slo 3ll.ma t €*.mo Sr. €ommenbabor 3o0e ^omtnigtus b'Slttaibe Jfloncoruo e Bua nobre familia, Demonstração da mais sincera estima, amizade, respeito e gratidão. © 3ll.mo Sr. 3osé* JDomingue0 b'Slttaibe ittoncorrjo 3unior, Tu que sem me conheceres escolheste-me paro teu amigo e sempre me tratasle com affeição sem limites, tolera que te dedique minha these, e guarda na lembrança o nome do teu reconhecido amigo. « Amor me deu a vida, a vida engeito « Se a amizade a não doura, a não affaga, « Se com mais fortes nós que a naturesa « Lhe não ata os instantes. » (Phylinto.) AOS MEUS CAROS GOLLEGAS Ü>r. Ipebro lílaria fijalfdb, Pr. Sllbino Jíloreira òa (teta Cima, *Br. (Íarlo0 Cui} be Saule0, JBr. SUta,U0to ^Ijtago $into, JDr. 3o0é Ia (tfmtlja pinheiro, JDr. 3o0e Jranct0co $arbo0a, Bt. Cncio %obí ta Silua fikanbao, $r. 3o0é Eobria,u£0 be Cima $narte, Lembrança do amigo F. A. Leal. AOS ILL.mos SRS. SUgusto Êjenrtques d&onjaga, tenente (êntas Susto bc íBarros (tareSo, (Ztyoma; Xamcr M ilTotta, SUgu0to Cuij tia Jílotta, ©eralbo Cui? tia Jllotta, Pequena prova de estima e amizade. AOS MEUS ANTIGOS COMPANHEIROS DE ESTUDO Os III."10* Srs. $r. 3oaqutm 3o0é Camaignere tKanna, JDr. Jkbro iHtiguel Camaignere tKanna, %osí Slntonio Camaignere l)ianna, Haimunbo Camaignere faianna, Pequeno signal de amizade. AO ILL.m0 Sr. JOÃO &NTONIO GAMARRA Ha muito tempo que eu aguardava este momento para dar-vos um pequeno mas sincero testemunho do, quanto vos sou grato. Recebei-o pois, meu amigo, como prova de agrade- cimento, amizade e sympathia que sempre vos consagrei. Slo 311.mo Sr. (Engenheiro Jernanbo Cjalfclb e 0ua ob0equiabora familia, Fraco testemunho de minha gratidão. A' MEMÓRIA DO MEU SEMPRE CRORADO AMIGO E COLLEGA © Wv. Caurinbo Jllarqne0 b'Slttaibe Jfloncoroo, Lagrimas de saudade!!... AO ILL.m° Sr. Dr. MANOEL DE VALLADÃO PIMENTEL, Homenagem ao saber e maneiras tão delicadas. AO ILL."° Sr. Dr. MANOEL PACHECO DA SILVA, Pequeno mas certo testemunho de minha sympathia. F. A. Leal. ÍDraiíElMi® SOBRE A HYPOCÍ)]VDRIA Considerações geraes. Movido por um sentimento de natural curiosidade, o homem, logo que tem sua imaginação occupada por um objecto qualquer, vai procurar des- cobrir senão a origem deste, ao menos quem primeiro delle tratou. Assim,m se formos revolver os escriptos de antigos médicos, não deixaremos de nelles deparar com descripções assaz exactas da hypocondria, porque em todos os tempos, em todas as épocas, desde emfim que existe sociedade, a influencia de um sem numero de causas que determinão o appareçimento desta enfermi- dade, os incommodos moraes, os soffrimentos physicos e as paixões sempre acabrunhárão o espirito dos homens. Hippocrates, o primeiro entre todos os observadores, dá-nos uma descripção da hypocondria no seu segundo livro (Demorbis *), e Galeno, conservador do texto que Deocles de Carysto deixou desta moléstia, mostra ter conheci- mento delia quando a descreve no seu 3.» livro, cap. 7.° ** Estes dous autores tratarão unicamente de observar os phenomenos da hypocondria, sem entrarem em interpretações systematicas e marcarem por • Opera omnia. Vcncliis, 1756, «-folio, tom. 1, P*g- «64. •• Galenus. De toeis a/fectis. 1 t\ uma denominação o mal que descreverão. Pelo correr do tempo porém , cada qual a denominou segundo suas Iheorias e manewa de encarar, nascendo dahi essas quantias de Iheorias e systemas que vierão mais embaraçar a sciencia do que esclarecê-la sobre as causas de que se exigia uma explicação. Deixando de parte essas antigas theorias, todas fundadas nos humores, e que davâo por causa da moléstia em questão a atrabilis, sangue viscoso, humor piluitoso, saburral, saes de tartaro, alcalis, &c. , por nos parecerem desarra- z.oadas, e até mesmo ridículas, diremos alguma cousa em geral do que ulti- mamente se tem pensado acerca desta enfermidade. Antes porém de passarmos adiante, cumpre-nos dizer que, por mais errôneas que ellas fossem, não deixarão de ler por defensores homens de mérito e observadores judiciosos; mas na- quelle tempo o estudo e a maneira de observar estavão bem longe de ser comparadas com as de hoje j a anatomia pathologica não tinha ainda mostrado sua poderosa linguagem; a physiologia, occultando os numerosos actos dos ór- gãos e tecidos, também escondia a explicação verdadeira que os espiritos in- vestigadores e os homens de gênio buscavão : não é para admirar portanto que elles a fossem procurar nos líquidos, uma vez que o estudo pouco aprofundado dos sólidos e a falta de conhecimento dos dous systemas nervosos lh'a ne- ga vão. Grandes e calorosas discussões se tem levantado entre os modernos sobro a origem da hypocondria, altribuindo uns ao estômago, e outros conside- rando-a diversas affecçõcs do cérebro. Se para a questão das vísceras abdomi- naes se apresentão campeões de aquilatado mérito, também para a da intelli- gencia se erguem capacidades não menos respeitáveis dando á massa encepha- lica toda a importância da moléstia. Georgete Falret são deste numero: elles acredilão ser a hypocondria uma affecção primitiva do cérebro, e concordando na existência da irritação dos órgãos que podem ser a sede de diversos acci- dentes, não admittem que constitua esta irritação a natureza primitiva do mal, como nas phlegmasias ordinárias. Dubois d'Amiens, em uma Memória que apresentou á Sociedade Medica de Bordeos , prova com toda a força de sua lógica, que a hypocondria tem a sua origem na desviação, ou antes na falsa applicação das forças iutellecluaes, e refuta ao mesmo tempo todas as opiniões emitlidas até hoje sobre sua sede. Este autor demonstra que esta enfermidade é geralmente caracterisada por uma preoccupação dominante, especial e exclu- siva de exagerarem-se os menores incommodos de saúde, e crearem-se soffrt- inentos e chimeras extravagantes. Sem irmos mais adiante relatando as diversas opiniões que se tem emitlido acerca desta enfermidade, o que reservaremos para quando tratarmos da sede e natureza delia,diremos que a hypocondria pôde ser primitiva ou consecutiva, 3 Primitiva, se ella tem sua sede exclusivamente nos centros nervosos, princi- palmente o cérebro. De ordinário isto tem lugar nos indivíduos que de uma vida acliva passão para uma inacção esmagadora. Consecutiva, se ella é motivada por alterações de qualquer órgão , sendo quasi sempre o estômago quem soffre. Porém aqui se apresenta uma questão ; o sofírimento se limitando unicamente ao estômago, e o cérebro nada soífrendo, haverá hypocondria? A resposta é não. Entretanto Broussais e L. Villermay não admittem hypocondria sem alte- ração do estômago; mas ninguém pôde negar que muitas vezes esta moléstia se declara sem que este órgão tenha a menor alteração. INós vamos responder a estes dous autores, e a todos aquelles que fazem consistir a hypocondria em uma gaslritis chronica : o estômago por si não pôde produzir uma parte im- portante dos phenomenos relativos aos actos inlellectuaes; debalile se tem ap- pellado para as reacções orgânicas; ellas não bastão para explicarem a moléstia: podem sim ser causa determinante delia, mas nunca constitui-la. A hypocon- dria portanto não está e nem pôde estar no estômago: os phenomenos que neste órgão se observão não são devidos à gastrites; a phlogose quasi nunca existe, e se existe é antes uma complicação, como mui bem provou Georget. Etymologia e synonymia. A palavra hypocondria é composta de duas radicaes gregas, 1*0 (sub) *c.<$>-,; (cartilagem). Esta denominação foi creada pelos antigos, porque acredita vão existir a sede desta moléstia debaixo das cartilagens das ultimas costellas. Posto que sempre se tenha seguido esta qualificação, convém notar que outras tem apparecido segundo a maneira de pensar de seus autores; assim pois, a hypo- condria tem sido conhecida por morbus flatuosus, morbus ruetuosus (por causa dos gazes que se desenvolvem no estômago); morbus mirachialis, dos Árabes, de mirach, que quer dizer ventre, peritoneo, &c.; morbus resicatorius (por causa da magreza que oceasiona a maior parte das vezes); morbus corruptuo- rum; morbus niger; vapores; moléstia vaporosa do ultimo século; cerebropathia, de Georget; encephalopathia, de Falret; necrophobomania, deMichea, ócc. h Definição. É tão singular, e mostra-se debaixo de aspectos tão differentcs a enfermidade que faz o objeclo do nosso estudo, que não nos animamos a defini-la : com effeito como comprehender em tão poucas palavras a exposição succinta de seus ca- racteres essenciaes?... A maior parte dos que a tem apresentado estão bem longe de ter attingido o fim da definição: nós vamos apresenta-las. L. Villermay diz : «A hypocondria é uma afTecção eminentemente nervosa, que parece consistir na irritação ou maneira de ser particular do systema ner- voso , principalmente daquelle que vivifica os órgãos digestivos : os symptomas essenciaes que lhe pertencem são em grande numero, e quasi sempre consis- tem em perturbações e lentidão de digestão, sem febre e indicio de lesão local; ílatuosidades , borborinhos, exaltação de sensibilidade geral; espasmos variados, palpitações, illusões dos sentidos, successão rápida de phenomenos mórbidos, simulando diversas moléstias, estado real, mas variado, de soffrimentos diver- sos que delerminão terrores pânicos, inquietações exageradas, versatilidade moral, exageração habitual de quanto diz respeito ao estado de saúde, e expo- sição minuciosa dos padecimentos. » Será por ventura uma definição o que acabamos de escrever? Ninguém o affirmará de certo. Vejamos a de Georget, que parece melhor desempenhar-se: « Entendo por hypocondria, ou antes por um outro nome que proporei, diversas aíFecções do cérebro, geralmente caraclerisadas por alterações das funcções deste órgão, a maior parte das vezes sem febre, movimentos convulsivos, desarranjo manifesto de intclligencia e da faculdade de julgar das relações das causas. » Georget mesmo, acabando de dar esta definição, confessa não ser ella clara e precisa. Dubois d'Amiens se contenta em resumir em poucas palavras a idéa geral que elle formou da enfermidade. « Segundo nós, diz este autor, a hypo- condria consiste primitivamente na desviação, ou antes na falsa applicação das forças intellectuaes. » Piesumindo diremos que de todas as definições que encontrámos nos diversos tratados de hypocondria que consultámos, a que nos pareceu melhor foi a de Brachet, porque comprehende em poucas palavras os caracteres essenciaes da sede, natureza e perturbações que constituem a enfermidade. 5 Ki-la : « A hypocondria é um vicio esquipatico da sensação cio sjVicma nervoso cerebral, de muitos actos da \\d'< pânica, das funcções do órgão da intelligencia, relativas á percepção desses phenomenos e ao juizo que ella induz. * Etiologia. Que o estudo das causas de uma enfermidade seja de importância , paru: ; estar tora de duvida, porque são das causas que muitas vezes depende a fôrma, a marcha e a terminação de uma affecção, e a hypocondria bem como todas as moléstias nervosas apresenlão sempre certo estado de predis- posição que, sendo estudado, pôde fornecer dados preciosos, senão para uma boa therapeutica, ao menos para a escolha de meios prophylaticos que muito podem concorrer para a terminação do mal. Não ha tempo determinado para o apparecimento da hypocondria, nem paizes que desoonheção seus estragos; mas de ordinário os indivíduos de imaginação ardente, de sensibilidade extrema, oslitteratos, os poetas, artistas, os homens de pensamentos, são as victimas que ella tortura. Ariosto já dizia que nenhum homem de raciocínio de seu tempo deixava de ser hypocondriaco e Seneca quando escreve: Non est magnum ingenium sine mixtura demência : parece dizer o mesmo. Ambos os sexos estão sujeitos aos ataques desta inimiga de nossos prazeres; o masculino entretanto é de preferencia escolhido. Em toda e qualquer temperatura, em todas as estações, esta moléstia se desenvolve, consumindo os espíritos tanto do velho como do novo mundo; sua marcha está na razão directa do desenvolvimento do entendimento e do progresso de civilisação. A idade viril, em que as paixões mais tempestuosas sobrevem, a ambição caminha voando com o pensamento, o cérebro funcciona com toda a força de suas impressões, é justamente a idade mais perseguida pelos insultos desta enfermidade. O philosopho, o mathematico, o sacerdote, o general, o juiz, o administrador, o medico, o negociante, o homem laborioso, o mandrião, o avaro, o pródigo, &c., são igualmente presa desta terrível inimiga de nossa intelligencia. Nascendo ella de diversas causas, o seu domínio se estende, suas fôrmas são tão differentes, seus symptomas tão estranhos, tão disparatados, os meios 2 G uialuos tão variados, que a sua historia torna-se um verdadeiro composto de todas as moléstias. O sexo feminino, não estando tão exposto a contrahir a hypocondria, como dissemos, será por ventura porque haja nelle uma falta de predisposição? Não o cremos. A razão e a intelligencia da mulher harmonisão perfeitamente com sua constituição; viva e impressionável, ella julga com uma rapidez extraor- dinária, e esta mesma rapidez na formação de seus juízos não deixa de pre- judicar a solidez que elle poderia ter, se assim não fora : sentindo ella não se dá ao trabalho de reflectir, não pesquisa as causas finaes, os empecilios occultos do objeclo de sua attenção, tornando-se por isso incapazes para trabalhos que reclamem applicação e raciocínios abstractos. Não acontece porém assim quando se trata dos sentimentos e de tudo o que somente exige o conhecimento do coração humano e seus desvarios; porque isso é de sua comprehensão; porque ellas sentem e aprecião todas as relações moraes. Creada quasi que unicamente para preencher a mais nobre das funcções, o perpetuar a espécie , a mulher caminha sem o perceber para esse fim. Amar e agradar eis em que se cifra o grande fim de sua existência : ser esposa, ser mãi, são seus mais ardentes desejos: amando nos primeiros annos da vida a uma boneca, prodigalisando-lhe os maternaes cuidados, ella symbolisa neste brinco innocente o quadro mais importante da exis- tência futura. A quantas attribulações porém não está sujeita nesta carreira de sentimentos! Gomo não crescem as causas do seu martyrio quando ad- quire o doce nome de mãi, que tanto almejava! Então seu coração parece identificar-se com seu filho, seus temores se renovão a todos os instantes, porque teme perder o objecto de seu afFecto maternal; porque já não vive para si, yive sim para seu filho unicamente. Entretanto esta disposição nervosa não é a que mais favorece a hypocondria, e faz antes apparecer a hysteria e suas numerosas e variadas formais. Concebe-se perfeitamente que a mobilidade nervosa, que a promptidão em julgar não permittem demora sobre o mesmo objecto; a porta está constante- mente aberta para novas sensações, e novos sentimentos entrarem, destruírem as impressões precedentes, sem que nem as primeiras nem as segundas tenhão tempo para impressionarem. Não queremos, com o que expendemos, excluir a mulher dos ataques da hypocondria, não: ellas também são predispostas, em certas épocas da vida, por exemplo quando já tem pago o devido tributo ao namoro, vicio da sociedade, que nada mais é que o desejo natural de agradar ura pouco exagerado. Neste tempo as rivalidades se estabelecem, o ciúme começa e exerce nellas o seu martyrio, a velhice se approxima, os adoradores fogem para irem queimar seu incenso a novas beldades., e a 7 senhora absoluta de tantos corações captivos, vendo-se abandonada, vai consultar seu espelho : arrenegando logo delle e de seus mais scductores enfeites, chora amargamente o bom tempo que não pôde mais voltar e que voou. Ê esta justamente a idade em que o systema nervoso se exalta, o aspecto torna-se sombrio, desenxabido erabujento, e a hypocondria apparece como conseqüência destas causas. Seguiremos na exposição das causas, a divisão escholastica, tratando primeiro das causas predisponentes, e depois das determinantes. Causas Predisponentes. Fora de duvida está que quando um indivíduo se achar predisposto ás causas da hypocondria, obrão mais promptamente e com maior energia do que se por ventura essa disposição não existisse. As predisposições podem ser originárias ou adquiridas. Originárias se forão herdadas dos progenitores; adquiridas se as paixões tyrannisão e modificão profundamente o organismo, habilitando-o pera a invasão do mal. A certos climas se tem attribuido um maior desenvolvimento de hypocon- drias; assim, por exemplo, a Inglaterra parece gozar deste privilegio, porque, segundo alguns, o ar deste paiz é quasi sempre humido, e sua atmosphera coberta por um constante nevoeiro. Falret attribue antes á fôrma aristocrato- democratica do seu governo, exercendo grande influencia nos ânimos, agitando as paixões, e causando contratempos, do que á humidade e á nebulação. O calor e o frio tem sido igualmente considerados como causa desta affecção por muitos; estas duas opiniões tão contrarias são sustentadas com ardor por homens igualmente celebres —Van Swieten, Lorry, Bosquillon e Barras, são de parecer que os paizes meridionaes, como a Hespanha, Itália, a Grécia, &c., favorecem mais a hypocondria: entretanto Hoffmann, Reviilon e outros pensão inteiramente o contrario. Nós acreditamos que todas as estações favo- recem igualmente esta moléstia, uma vez que causas tenhão vindo obrar sobre a economia. As commoções moraes , a civilisação, o caracter particular de certas na- ções podem ser causas predisponentes desta enfermidade. Quando qualquer povo tem tocado o seu apogêo de gloria, de industria, suas sensações são vivas, as paixões imperiosas, o amor do império se declara, a ambição escurece os 8 empecilhos, os espirilos ardem na febre do ganho , e dahi um sem numero de victimas da hypocondria; e senão a Inglaterra que o diga, e a Allemanha que o confirme. Também são deste numero os differentes cultos religiosos, as profissões que reclamão aturada applicação de espirito, as affecções moraes, a solidão, o desprezo, a ambição , o onanismo , e a perda da belleza nas mulheres. U estudo do homem doente, diz Andral , quando não é feito com conhecimentos sutlicientes para que se possa ajuizar dos differentes phenomenos mórbidos, a intelligencia se altera, se embaraça, e o que sem base quiz penetrai os segredos da Medicina é victima da moléstia. Além das causas mencionadas, temos de acrescentar mais a emigração. O homem que deixou a terra do seu nascimento, o lugar de seus innocente> folguedos, os amigos de sua infância, seu pai, mãi, irmãos c parentes, e quem sabe ? talvez também um coração que não é de pai, mãi e irmão?, mas um coração que comprehendia os transportes de um primeiro sentir que não se explica , um peito que arfava embriagado pelas doces aspirações de um amor sem limites, a mulher de seus sonhos, o anjo de sua ventura , a realidade de seu pensamento , o complemento de seus mais ardentes desejos, não pôde deixar de ser assaltado pela saudade da pátria!... Então elle chora!... mas suas lagrimas, bem longe de dissolverem a dôr de seu espirito, aquecem sua imaginação exaltada. É a nostalgia, que Dubois de Amiens não duvidou clas- sificar como uma das variedades da hypocondria. O homem que se achar nesta triste posição vai perdendo pouco a pouco o appelite, diversas lesões orgânicas se declarão, uma indifferença moral e profunda para tudo que não é seu paiz se patenteia , e a prostração physica sempre crescente vai levando sua victima para o martyrio. Ha um tão copioso numero de causas desta moléstia, que nós é impossível aqui enumera-las todas. Causas Determinantes. As causas determinantes são todas aquellas capazes de fazer apparecer a hypocondria mais ou menos directamente; ellas são também assaz numerosas ; e mesmo pôde muito bem acontecer que aqui de novo ajuntemos algumas já mencionadas nas predisponentes. Os excessos do estudo, a perda de uma 9 pessoa caTa , de bemfeilores , os espectaculos fúnebres, a miséria repentina, as accusações odiosas, as proscripções, inquietações mal fundadas, o medo de uma moléstia chronica, a conversação com pessoas affectadas de hypo- condria , o apparecimento de uma enfermidade qualquer ; conversações in- discretas com médicos, leitura de livros de medicina, commnçõespolíticas, etc. , são contadas no numero destas causas. Os autores concordão , e a historia o confirma , que, nas commoções polilicas de 1793 e 1830 houve uma grande copia de hypocondriacos não somente em França, mas também em Ingla- terra, Hollanda, Allemanha, Prússia e Hespanha. A solidão exerce poderosa influencia tanto na economia, como no órgão da intelligencia. Zimmermann no seu Tratado de Solidão falia magnificamente a este respeito. A passagem rápida de uma vida activa para um estado de tranquillidade mal entendida, do trabalho intellectual para o repouso da intelligencia, a mu- dança repentina de um viver habitual, podem determinar a hypocondria; assim, por exemplo, nas pessoas que se retirão de repente do commcrcio ou de um emprego em que, entregues por muitos annos a uma oecupação activa, a movi- mentos continuos, passando seus dias em agitaçõese encontrando nesta maneira de viver uma espécie de satisfação, parecendo identificar-se com este habito, que se torna uma segunda natureza , vendo-se obrigadas a curtir vida sedentária, ociosa, etc, não é de admirar que a hypocondria venha buscar entre ellas mais uma victima para immolar; e assim devia acontecer, porque a ociosidade acarreta comsigo o aborrecimento, uma espécie de inquietação geral se apossa do indivíduo, um estado nevropathico se declara, e esta nevrose passa bem depressa para uma hypochondria, pois a imaginação, cada vez mais affectada, obra continuamente sobre o systema nervoso , que já se acha predisposto pela cessação dos actos habituaes. É nas capitães e grandes cidades que de ordinário se observão estes exemplos. Se nestas circumstancias um livro de medicina chega ás mãos do soffredor, ai delle! decididamente está hypocondriaco. Não fallaremos dos excessos no comer e beber, e nem tão pouco no abuso das bebidas espiriluosas e do café, não que o café e as bebidas alcoólicas deixem de ter influencia nas funeções do cérebro, mas sim fundando-nos nas observações de Georget, que demonstrou não entrar esta influencia no numero das causas desta enfermidades, e notarmos que as pessoas habituadas a esses excessos não são as que mais soffrem este mal. Observando os bêbados de profissão e os individuos de classe inferior que de ordinário se nutrem de máos alimentos e bebem demasiadamente, não lhes ouviremos um só quei- xume a respeito de mal de nemos, c no emtanto estas bebidas, tomadas mesmo com moderação por homens cuja intelligencia é cultivada, cujo cérebro está no seu estado physiologico, oceasionão insomnias, cephalalgias, agitações cere- 3 10 braes, entretanto que um bcmaventurado de espirito enxuga garrafas e garrafas e nada soffre. Não seguiremos a opinião de Fracassini, que via no assucar uma causa de hypocondria, nem a de Simon Paulo que attribuia ao pão sabido do forno o poder de desenvolver o mal, porque elle vio uma mulher ficar hypocondriaca por comer um pão quente. Nào iremos mais adiante, apezar de ainda haverem muitas causas desla enfermidade, e chamamos a attenção daquelles que desejarem conhece -Ia* todas para as obras de Georget, Falret, Brachet , Dubois de Amiens , Michea , L. Villermay e outros muitos. Symptomatologia. Patenteando-se a hypocondria por expressões symptomaticas , a pintura fiel destas expressões será a melhor descripção que poderemos dar aqui, e para que possamos melhodicamenle enumerar os phenomenos desta enfermidade, os dividiremos em três períodos : no primeiro notaremos simples pertur- bações da intelligencia ; no segundo a influencia destas perturbações nas funeções , e dahi nascendo nevroses tão variadas quantas sejão aquellas : no terceiro, emfim, desarranjo das faculdades intellectuaes coincidindo, não com simples alterações funecionaes, mas sim com lesões orgânicas mais ou menos profundas. Primeiro Período. — Uma vez que as causas desta moléstia tenhão actuado , começão a apparecer os differentes phenomenos que a caracterisão. — A crença de males que não existem, ou a exageração daquelles que por ventura soffrem, principia logo a apouquentar a imaginação do doente. —Esta crença pôde ler differentes fôrmas: assim as dores que apparecem são de ordinário imagi- nárias, porém bem depressa a continuação desla supposta dôr determina uma nevrose nos órgãos onde ellas são sentidas ; ellas varião também quanto á sua intensidade e natureza, porque ora é uma dôr simplesmente aguda, ora lancinante, mordicante, etc.; umas vezes assemelha-se a uma unha de ferro que fere e rasga as fibras, outras a um carvão abrasado que .queima e deslróe os tecidos. A cabeça de ordinário éo ponto de todos estes soffrimentos, mas nunca em um só lugar; o occipilal, o frontal, os temporaes , etc. , podem indistinetamente representar a sede destas dores. 11 Independentemente destas sensações geraes, cada órgão dos sentidos tem a sua particular, os apparelhos da visão, audição, olfação, gustação e apal- pação soffrem mudanças mais ou menos interessantes. Estas sensações dolorosas ou esquipalicas fixão a attenção do doente, fazendo-o não cuidar mais que de seus males, e a nova disposição de sua intelligencia muda lambem seu caracter , eo hypocondriaco torna-se triste, desconfiado, medroso, impertinente, caprichoso, pusillanime e exquisito ; um dia recebendo-vos bem e com agrado; no outro , sem haver razão , com acolhimento rudee repulsivo: tudo oincommoda, entristece, zanga, enraivece, porque seus sentidos exaltados e viciados não lhe fornecem mais que sensações desagradáveis e dolorosas ; o que oulrora dava-lhe prazer é hoje um objecto niorlificante eincommodo: uma simples descida lhe parecerá um precipício horroroso, um regalo, um poço, o encontro inesperado de uma pessoa ou de um animal doméstico lhe causarão abalos terríveis. Elle deixa quasi sempre a sociedade e o exercício , para o qual lem aversão , para ir procurar a solidão , e nella melhor oecupar-se de seus padecimentos. Acreditão que estão impossibilitados de andar por causa de vertigens que experimentão quando o querem fazer, que as pernas não o podem susler. Esle julga-se de velludo , aquelle de cera, esfoulro de vidro, aquelFoutro que é talha, em uma palavra quantas extravagâncias lhe suggere a imaginação são para elles de grande peso c acreditão com a melhor fé possível. Sempre oecupados com seus soffrimentos, os hypocondriacos calculão mi- nuciosamente as mudanças que experimentão, analysão todos os actos da vida, e, segundo Revellon eSanctorius, pesão e medem cuidadosamente o que comem e o que bebem; os escarros, as ourinas, o suor, as fezes são examinados com attenção , procurão sempre descobrir nestes exames um motivo de temor ou esperança. Quando falláo de seus incommodos, são minuciosos em expender a mais pequena circumslancia, e experimentão com esta narração certa satisfa- ção que lhes faz esquecer o tédio que causa sua conversação. Joseph Frank conta que certo indivíduo mastigava seus alimentos, e engulia unicamente o sueco, guardando a massa, para que seu medico a examinasse com cuidado : um outro ia todas as semanas mostrar a seu facultativo os vasos em que depositava as matérias fecaes; e cita ainda o caso de um condiscipulo seu que chegava até a provar seu excremento. Quasi sempre estes indivíduos deixão phenomenos importantes para se oceu- parem com futilidades , as quaesrelalão com calor, suas sensações lornão-se para elles objecto de serias interpretações, que terminão a maior parte das vezes pela conclusão de terem uma moléstia mortal ou incurável» que os médicos não conhecem, porque delia não ha exemplo. Fallando-se de qualquer enfer- 12 midade cm sua presença, sua imaginação e seus nervos superexcilados e dóceis fazem-no logo experimentar soffrimentos que até ali não tinhão , e a appli- cação do que ouvio é feita immediatamente contra si, e ei-lo já atacado da moléstia que descreverão. Assim atormentados tanto no physico, como no moral, estas victimas de suas próprias illusões procurão com anciedade qualquer allivio que possão encon- trar , e para isso estudão a economia animal , lêm os livros de medicina com avidez; e entretanto cada moléstia que estudão , cada phenomeno que enconlrão são de repente sentidos em seu corpo, que desde logo fica, a seu vêr, padecendo destes incommodos. A imaginação, posto que sempre occupada com a saúde e moléstia, não deixa de variar quanto a sede e natureza dè seus soffrimentos, e disto nasce a convicção que o mal è novo, extraordinário, e mesmo desconhecido. Ávidos de remédios, os h} pocondriacos recorrem a todas as pessoas para lh'os fornecerem , c se chegão a persuadir que sarão com elles , tomão-nos ainda que desagradáveis e ridículos sejão. Sua confiança para o medico que os trata é versátil e incerta , tomaráõ com mais confiança o que lhe aconselhou um charlatão do que aquillo que lhe prescreveu um medico intelligente. E nes- tas circumslancias que os estúpidos curandeiros , verdadeiros especuladores, negoceião com a credulidade do paciente , pondo em pratica o mais escanda- loso charlatanismo : sempre acobertados com o manto do mysterio, que nunca largão, roubão suas victimas, vendendo-lhes gato por lebre; roubão sim , porque os larápios não existem somente nas estradas, impondo ao fraco e inerme caminhante o punhal e a pistola ao peito ; nas sociedades também ha ladrões , também ha enxames de salteadores de nova espécie que vão vivendo à custa da credulidade do povo, amador de novidades e de tudo que émyste- rioso. Infelizmente nossa terra está inçada desses entes gananciosos, e o governo olha para estas cousas com um sangue frio que espanta; nem se quer toma contas a esses médicos de improviso, que insultão a sciencia, receitando impunemente nas barbas de uma Escola e Academia de Medicina. Pobres de nós! Coitados de nós ! Míseros de nós !... Mas deixemos os charlatães , e voltemos ao nosso trabalho. Os hypocondriacos, sempre resignados, parecem esperar um fim qualquer, e nesta expectativa elles experimentão uma espécie de prazer, porque julgão ler chegado o momento da terminação de seus males; entretanto deveis estar sempre acautelados contra essa calma enganosa , esse desejo de morrer , que elles moslrão, tuJo não passará de fingimento e estratégia , para conhecer se o enganais com vossos juizos: elle quer estudar e ler no vosso coração, no vosso semblante, a verdade de vossas proposições ; e senão vede que satisfação elle não experimenta quando lhe afiançais não ser perigosa sua moléstia , que 13 elle não morrerá, e que a cura pôde effectuar-se ; vede sua attenção como subirá de ponto quando esliverdes analysando os phenomenos da enfermidade, de fôrma a convencê-lo da verdade do que dissestes; elle vos fará repetir um sem numero de vezes estas palavras tão consoladoras, e depois vos dirá com expressão admirável: « Com que então , doutor, acreditais que eu não morro ; nada ha de grave nesta minha moléstia?... » Respondendo-lhe, elle quererá de novo que lhe repitais o que acabastes de dizer. O condueto alimentar, bem que não seja a principio a sede de lesão alguma. nem mesmo funccional, oecupa a maior parte dos hypocondrios, e é notório que as funcções digestivas não tardão a ficar perturbadas, pelo único facto da attenção sobre ellas concentrada. Ali começa de alguma sorte uma primeira transgressão , cujos resultados talvez os mesmos doentes demorarião, se por acaso pudessem calcular; quero fallar da parte que sua attenção, ou antes sua vontade, procura tomar nos actos naturalmente situados fora de seus limites, nos actos da vida orgânica. A digestão começa a enfraquecer-se, e tornar-se penosa; um indueto mais ou menos expesso que de manhãa cobre a lingoa em grande numero de indiví- duos nada indica de positivo a principio o estado do estômago; entretanto este indueto, que varia, muito contribue para augmentar as inquietações do doente. Esta funeção torna-se lenta sem ser dolorosa; os arrotos apparecem mais nu menos ácidos , provando a existência de uma enervação viciosamente modificada , e que a enfermidade , de moral que era, procura invadir outras funcções. Neste tempo ha engorgitações e borborinhos, o appetite é variável , a constipação habitual, os excrementos raros; ha flatulencias, distensões de estômago motivadas por gazes , e resultando de tudo isto desordens de enervação. Nada escapa então ás indagações do doente, excremento , ourinas; todas as secreções emfim soffrem uma analyse, como já fica dito mais acima. Destas desordens nasce a desconfiança de cancros no estômago, de polypos, a;astrite§, etc. etc. Daqui começão todos os apparelhos a soffrer segundo a desconfiança do enfermo: assim se elles scismão com a circulação , eis a circulação fornecendo dados característicos, ahi vem palpitações de coração mais ou menos intensas, simulando ás vezes um aneurysma , o pulso não é natural; ora é lento, de ordinário é- mais pequeno do que cheio, em outros casos é intermittente ou desigual, e em uma palavra o pulso varia muito , porque uma circumstancia qualquer pôde mudar o seu estado. Um dos phenomenos mais constantes da circulação são as pulsações das artérias do epigastrio, no tronco celiaco , ou suas divisões, pela simples vista podem-se conhecer estas pulsações. 4 14 O apparclho da respiração quasi nada apresenta de notável; mas quando o mal adianta-se, elle não deixa também desoffrer, e Landree-Beauvais refere que então uma tosse secca vem incommodar o doente. Esta funcçãoapresenta ainda outras variações, como anciedade ou oppressão que resulla da modificação quasi geral ; não parão muitas vezes nisto, porque a constricção do laryngo costuma apouquentar o enfermo com a perda da palavra. Trataremos em ultima analyse do apparelho das secreções; a bocca e a gar- ganta ficão seccas , e ha secreção de saliva particular e de mucosidade espu- mosa: quando ha vômitos, esles vem acompanhados de uma matéria em fôrma de gomma ou de claras- de ovo; as ourinas são claras e abundantes, entre- tanto ás vezes tornáo-se raras, como se observa em outras moleslias nervosas a pelle é secca , e quasi nunca se cobre de suor geral j a cabeça, o epigastrio , os dedos , etc. , é que unicamente se humedecem. As polluções nocturnas apparecem e causão não pequenos inconvenientes, esgotanda a economia e produzindo o erethismo do systema nervoso. Nas mulheres a leucorrhéa costuma a vir e ser abundante, o menstruo diminuc , se ainda é regrada , ou desapparece completamente. Poderiamos ainda acerescentar muitos outros symptomas , porém estes bastão; e este primeiro período já vai bem longo para nos querermos estender além. Segundo período. — As nevroses dos diversos órgãos caracterisão o segundo período da hypocondria. Não nos oecuparemos com as differentes definições de nevroses, porque esta digressão levar-nos-hia muito além^ portanto limitar- nos-hemos somente a dizer que, se em um primeiro movimento negou-se a existência destas alterações, não se vendo nellas mais que phlegmasias va- riadas , hoje admitte-se em muitos casos as nevroses sem traços de inflam mação. Os mais ardentes defensores da escola physiologica, confessão presen- temente conhecerem uma espécie de irritação que não chega ao gráo de inílammação, e desenvolve algumas vezes nos nervos da vida de relação, no encephalo e em todas as vísceras phenomenos mórbidos que caracterisão estas affecções conhecidas pelo nome de nevroses. Para marcarmos este segundo período, seguiremos o que vimos no primeiro para podermos encontrar suas causas. Debaixo da influencia das causas predis- ponentes e determinantes desta enfermidade é o moral que a principio soffre: inquietações , receios de moleslias graves, attenção viva e contínua sempre dirigida sobre o estado material dos órgãos, e a maneira pela qual as funcções se executão, são os symptomas que apparecem, nascendo dahi essas desordens funecionaes que fazem que os doentes suspeitem ter uma ou muitas moléstias. Neste estado toda a attenção emprega-se em observar a marcha da enfermi- dade e procurar com anciedade os meios possiveispara cura-la. Todos os me- 15 mentos, horas e dias de seu viver são gastos nesta dupla tarefa: observar a marcha da doença e trabalhar para descobrir os meios de rcmedia-la. Se formos lêr as cartas destes infelizes dirigidas aos médicos, o seu conteúdo nos mos- trará um detalhe minucioso dos soffrimentos observados com a maior attenção possível. Não se contentão tratarem só de si, vão mais adiante, invesligão até a vida de seus progenitores, como nos mostra Pome, quando transcreve o trecho de uma carta que lhe foi dirigida: « Senhor, ides conhecer toda a minha historia; nasci em Gênova, de pais hypocondriacos, etc. ■> Influindo esles effeitos moraes , vão se tornando numerosos e complicados , e para que pos- samos analyticamente prova-los , examinemos suecessivamente o resultado da deplorável direcção do espirito que nestas circumstancias segue com anciedade o correr de um mal supposto. Para uma funeção que se achar no estado phy- siologicoapresentar perturbações variadas, basta a attenção ser viva e contínua e se concentrar em qualquer acto dessa mesma funeção; ora, no principio só existem duvidas acerca do estado sanitário, o exame rigoroso se faz sempre , o doente quer confirmar ou destruir suas suspeitas; e se o espirito, pelos effeitos destas perturbações suscitadas na funeção , convence-se realmente que ha uma moléstia, e moléstia grave, porque o hypocondriaco nunca deixou de encontrar gravidade no seu mal, esta funesta situação moral não se tornará poderosa , não será capaz de produzir novos effeitos mórbidos? Cura invisceribus veluti spina est, et illapungit, dizia o pai da medicina. Já naquelle tempo Hippo- crates reconhecia a existência de uma espinha quando apparecia uma affecção , a qual, ainda que muitas vezes moral, não deixa de ser menos aguda. E com effeito, quem desconhecerá nos tristes pensamentos e amarguradas reflexões de hypocondriaco esse agente fatal ferindo a todos os instantes o interior de suas vísceras? Se este ou aquelle apparelho é que soffre, dahi começão a partir symptomas graves e reaes para os doentes. O hypocondriaco, logo depois da ingestão dos alimentos , os quaes forão pesados por suas próprias mãos, arde em inquietações , esperando , e até mesmo querendo escutar o trabalho da digestão. Se é do coração que se queixa, a mão estará constantemente sobre a região precordial, onde horrorisado elle aprecia e conta as pulsações deste órgão; se uma outra funeção é que o entretem, o mesmo cuidado, a mesma attenção, o mesmo exame , o mesmo temor acabrunhão o seu animo. Não parão aqui estas causas: a escolha de remédios, a applicação que os en- fermos deiles fazem, offerecem numerosos e variados effeitos; estes podem ser produzidos , ou pelos regimens suecessivamente adoptados e seguidos à risca, ou infallivelmente pela falsa applicação de meios pharmaceuticos, para o que ou observa-se rigoroso jejum, persuadindo-se ser a demora da digestão pro- veniente de uma irritação aguda ou chronica da raucosa gaslro-intestinal , ou 16 purquc se julga tão fraco e inanido de forças , que se põe no uso exclusive de alimentos succulenlos e excitantes. Só isto é bastante para o apparecimento de nevroses, e até de phlegmasias verdadeiras desta membrana , além do que fica exposto, como mui bem prova Piorry na Memória que escreveu acerca dos perigos da alimentação no tratamento das moléstias. Terminaremos dizendo rui geral que todos os apparelhos podem ser nevrosados uma vez que a atten- ção do doente se concentre nelles. A observação prova que este periodo ora é caracterisado por phenomenos emanados mais particularmente do tubo diges- tivo , ora por outros phenomenos que derivão sua origem do systema circula- tório ; e ora finalmente pelos symptomas procedidos do systema sensitivo da vida animal. Terceiro periodo. — Entraremos na analyse do terceiro periodo que é ca- racterisado por lesões mais ou menos profundas dos órgãos já nevrosados. Seguiremos o mesmo methodo adoptado no segundo por nos parecer o melhor, pois esta maneira de progredir é mais philosophica e adequada a fornecer resultados assaz exactos. Será ainda na serie dos órgãos digestivos que começaremos nossas investi- gações, não porque estes órgãos sejão sempre e invariavelmente alterados em sua textura primeiro que os outros, mas porque, altendendo á natureza das funcções destes, vemos ser nellas que a maior parte das vezes os doentes empregão suas observações, tomando assim de certo modo o fim dos imagina- dos meios therapeuticos. Altendendo ao gênero de vida destes infortunados, ninguém se espantará do desenvolvimento de phlegmasias gástricas e intesti- naes, e a razão abi está nos extravagantes regimens adoptados pelos doentes. E para admirar que taes phlegmasias não sejão tão freqüentes á vista destas causas tão ordinárias de inflammação. Pôde acontecer aos hypocondriacos que, depois de fallarem de uma gastrites, concluão apresentando na realidade esta affecção: isto porém não esclarece as idéas do enfermo por ser de obser- vação nas inflammações chronicas do tubo digestivo os doentes quasi sempre apresentarem estado de tristeza habitual. Ora, vendo nós entre os symptomas da hypocondria os symptomas da gastrites chronica, collocaremos por ventura arbitrariamente nesta inflammação a causa immediata da moléstia ? Não, por certo: porque não acreditamos ter encontrado esta causa próxima quando o estômago se acha nevrosado debaixo da dependência de um estado hypo- condriaco da intelligencia. L muito natural que um órgão, estando por muito tempo nevrosado, acabe afinal perturbando essas desordens funecionaes em razão de modificações viciosas, imprimidas nos diversos modos de sensibilidade orgânica, da qual falia Bichat, e alterar-se apresentando lesões mais ou menos profundas nos tecidos dos órgãos. Isto é justamente o que suecede no curso 17 da hypocondria constituindo o terceiro periodo. As causas determinantes desta ultima transição encontrão-se na duração e intensidade das nevroses. E impossível que o estômago, o coração, os pulmões, o cérebro possão persistir por muito tempo nevrosados sem soffrerem alterações em seus próprios te- cidos, porque, mesmo quando uma parte viva esteja sãa, não pôde ser por muito tempo lambem irritada sem apresentar nevroses ou inflammações. Também uma das poderosas causas de alterações orgânicas nos hypocondriacos é o es- tado habitual de tristeza em que se achão. Laennec, fallando da acção poderosa das paixões tristes, assim se exprime: «Entre as causas da phthisica, nenhuma conheço mais potente que as mesmas paixões tristes, principalmente quando são profundas e de longa duração. Tem-se observado que esta mesma causa ó a que mais parece contribuir para o desenvolvimento dos cancros e de todas as producções accidentaes que não enconlrão outras análogas na economia. « Ora, quem haverá mais sujeito a pezares amargos, profundos e duráveis do que um infeliz hypocondriaco? Desgraçadamente nem sempre os esforços da arte podem vencer e destruir esta affecção. Os conselhos, os raciocínios, os motejos, e o mesmo tempo, grande consolador de nossas misérias, podem obter resultado feliz, e pelo con- trario exasperão seus soffrimentos. Complicações. Á hypocondria se junlão outras enfermidades que com ella se combinão, marchando conjunctameníe, e, posto que confundidas, os phenomenos são tão dislinclos, que se pôde reconhecer separando os pertencentes a cada affecção em particular. Em geral qualquer moléstia é susceptível de complicar-se com a hypocondria , porque durante a longa duração desta doença uma outra pôde desenvolver-se seguindo a marcha de tal incommodo. Entretanto não contare- mos nesse numero pequenas alterações que appareção, pois não haveria hypo- condria simples , c sempre ella seria complicada, por ser difficil em tão com- prido espaço deixar de intervir uma ou mais affecções. Portanto entenderemos por complicações as moléstias que realmente se unirem a esta, e marcharem ao mesmo tempo combinando nos symptomas, influindo e sendo influída; e por isso a hysteria, a melancolia e a gastralgia complicão-se realmente com ella. Citamos estas três por serem as mais freqüentes, e tão freqüentes, que 5 18 forão encaradas como formando uma só enfermidade. Esla maneira de genera- lisar é um erro pernicioso que confunde sob a mesma denominação moléstias mui differentes, embrulhando, por assim dizer, a sciencia em vez de simplifi- ca-la; os autores que, como Sydenhan, fizerão da hysteria e hypocondria uma só doença provão o que dissemos. A epilcpsia complica-se com a hypocondria , como dizem Maisonneuve e L. Willerrnay. As hemorrhoidas existem muitas vezes simultaneamente com esta affecção, sem comtudo ter influencia uma sobre outra; porém pôde succedcr o contrario disto, e então ha legitima com- plicação. Posto que estejamos de accordo em não admitlirmos que as febres e phlegma- sias sejão também implicencias uma vez que se venhão unir á hypocondria, não negamos que circumstancias haverá em que isto tenha lugar, como na febre nervosa, na phlegmasia chronica do estômago, ou na de outra víscera. A gota e o rheumatismo também tornão complicada a hypocondria; isto po- rém não tem lugar na maioria dos casos. Diagnostico. O conhecimento dos caracteres próprios para se distinguir uma moléstia não só em phases diversas, fôrmas múltiplas e variadas, mas lambem em relações que podem existir com outras individualidades palhologicas, constituem o que entendemos por diagnoslico; este portanto pôde ser encontrado na historia dos phenomenos, na avaliação racional dos signaes, estudo e marcha da hypo- condria. Entretanto como tem ella sido confundida com outras affecções por causa de affinidades e analogias pouco mais ou menos iguaes, notaremos aqui as que mais commummente a ella se assemelhão. Eliminaremos toda ou Ira affecção qualquer orgânica, porque, sendo as differenças sensíveis, não se con- fundem com ella, e um pouco de attenção bastará para marcar a differenca. A melancolia, hysteria, nevropalhia, gastralgia e a nostalgia, são as cinco enfermidades que embaração o diagnostico; e para que se possa fazer uma justa idéa, conhecendo e apreciando suas differenças, resumidamente descre- veremos os signaes de cada uma. Bastará comparar-se estes signaes cora os da hypocondria para que o diagnoslico não fique duvidoso. Melancolia.—Sensibilidade e imaginação viva, inclinação á tristeza e ao reco- lhimento, desprezo do mundo e da vida, c tendência ao suicídio. Picserva IV) e suspeita sobre qualquer procedimento, trato difficíl, julgão enxergar uma desaltenção, uma offensa em um volver de olhos, em um gesto , &c. Circums- pecção, desconfiança, e promptidão para interpretações desfavoráveis: des- prezo para o medico, e remédios, &c. A invasão da melancolia é lenta, e a terminação indeterminada: quasi nunca é penosa, excepto se apparece o desejo do suicídio, que é muito freqüente. Sua sede está no órgão da intelligencia. Nostalgia.—Abalimenlo, tédio, fraqueza, perda de appetite, desejo insuperá- vel de ver a pátria, febre hectica e nervosa que definha rapidamente ao enfermo. Caminha com rapidez e termina pela morte, moléstia de coração, estômago, fígado, &c., se a esperança de voltar a seu paiz não alimentar ao nostálgico. A cura éprompta com avista do lugar da infância, ou mesmo com a certeza de lá tornar. O encephalo é a sede desta paixão desgraçada. Hysteria. —Ataque repentino caracterisado por contracçõesmusculares, espas- modicas ou convulsivas, espasmos e sensações análogas a uma bola que sobe até olarynge, onde occasiona uma espécie de estrangulação, extremidades frias epal- pitações violentas de coração. Se o accesso é forte, ha perda dos sentidos. As doen- tes batem de encontro ao peito, retorcem os braços, e mordem tudo o que en- contrão, em sua cólera innocente. Ha frieza, pallidez, inanimação, e finalmente um estado mais ou menos prolongado de morte apparente, que, a ser mais de- morado, poderia occasionar a exlincção da vida. Passado o ataque, as doentes se lembrão de tudo o que se passou durante elle (ás mais das vezes). A invasão é súbita, e a duração é de instantes ou horas. Se em um destes accessos se apresenta a apoplexia, a terminação então é fatal; do contrario acaba sem maior novidade. O systema nervoso cerebral é a sede deste mal, e o nervo pneumogas- trico é o mais especialmente affectado, segundo opinião de muitos autores. Nevropalhia—Estado nervoso palhologico extraordinário. Sensações varia- das em lodo o corpo. A menor emoção, o menor movimento, faligão excessiva- mente e agução os soffrimentos. As demais funcções são regulares, ou pouco alteradas. A invasão é lenta e determinada pela acção perseverante das causas enervadoras. A marcha é também lenta , e deixa algumas vezes inlervallos lon- gos. Nunca termina mal, a menos que não degenere em outra moléstia. Ella tem por sede o systema nervoso cerebral. Ha mais enervação, mobilidade e susceplibilidade nervosa do que irritação. O mais notável de todos os pheno- menos deste mal é a ausência de uma lesão material apreciável aos sentidos, donde provém a mobilidade das affecções nervosas, seu desapparecimento súbito em muitos casos, sem deixarem vestigios de sua existência, a conserva- ção da saúde geral apezar dos soffrimentos mais vivos e dos sustos mais exa- gerados. 20 Gastralgia. —Sensações incommodas e dolorosas na região epigastrica, inap- petencia, digestões más, acompanhadas de gazes e eruclações, borborinhos, &c. A alimentação conveniente é ordinariamente supportada, enchimento de estô- mago, lingua branca e humida, ausência de sede e de máo gosto na bocca, cons- tipação rebelde, ourinas claras, limpidas e freqüentes, pulso pequeno, tristeza, e muitas vezes hypocondria. A invasão é lenta, e a marcha irregular, alter- nando com bem-estar ou recahidas. Quasi sempre termina pela cura, em outros casos porém pela morte se apparecem alterações orgânicas no estômago ou outras visceras. O estômago é considerado a sede da gastralgia, e os nervos vago e pneumogastrico são os que especialmente soffrem. Ha modificação da sensibilidade deste órgão e dos nervos; porém não ha inflammação nem alte- ração orgânica. Uma simples analyse sobre certos pontos destas moléstias basta para conhe- cer-se que existem analogias com a hypocondria, e que também ha caracteres bem pronunciados que não permiltem confundi-las. Digamos agora, para Ana- lisarmos este artigo, que um dos caracteres principaes da hypocondria é o existir ella sem febre. Prognostico. Que a hypocondria é de longa duração e de difficil cura, é uma asserção em que unanimemente concordão os autores. Hippocrates observou que quanto mais antiga fosse esta moléstia, tanto maior difficuldade haveria no restabele- cimento. « Antiíjuos morbos difficilius curari, quàm recentes. » Esta verdade é co- nhecida geralmente e confirmada por Hoffmann. « At inveteratam diflicillimam admittit curaüonem, » diz esle autor. Ainda que os symptomas sejão mais assus- tadores que perigosos, diz Lieutaud, esta affecção resiste a maior parte das vezes aos remédios aos remédios, e esgota a paciência do medico e a do enfermo. Selles pensa que a hypocondria desapparece com a idade, não sendo perigosa senão quando ha complicações. S. Willerrnay, Falret, Dubois d'Amiens e Barras apresenlão um melhodo de tratamento próprio para combater esta en- fermidade. Em geral o prognostico é favorável e não tão aterrador como acredi- tavão outrora. Foi sem duvida por causa da duração da hypocondria que Portal a chamou Inferno dos enfermos e purgatório dos médicos. Quando a hypocondria estiver no seu primeiro periodo o prognostico será 21 favorável e a cura breve. Piaras vezts a terminação é pela morte: porém Jogo que passar ao segundo, época em que os órgãos estão nevrosados, a cura é mais diflicultosa ; o circulo vicioso e diíficil de romper-se se acha então estabelecido; a anxiedade moral cresce na razão da vivacidade das dores, e estas se exasperão na razão do crescimento das inquietações. Deve se attender á idade dos doentes. Os moços, que de ordinário tem a imaginação ardente e diante de si um futuro amplo que lhes sorri e embelleza, mais facilmente sacodem o jugo da hypocon- dria do que as pessoas adiantadas em annos, por isso mesmo que seu futuro é duvidoso e a imaginação gelada vai ennegrecendo-o com sombrias cores. A natureza da causa faz variar o prognostico; assim elle será grave quando o mal reconhecer por causa vivas affecções moraes, abuso dos prazeres ve- nereos e exercício immoderado das faculdades intellectuaes. O prognostico será fácil se a hypocondria não apresentar complicações e marchar regular- mente. Depois da cura, devem-se temer as recahidas, que são freqüentes. Isto tem lugar quando a enfermidade dura muito tempo, e deixa, conseguintemente, o moral e o systema nervoso no maior gráo de susceplibilidade, para que as menores impressões vivamente se sintão, obrando com força sobre a imagi- nação ainda resentida de seus soffrimentos. Variedades. Os autores não estão de accordo acerca das variedades da hypocondria, e cada qual emitte sua opinião sobre tal questão. Brachet, que ultimamente (18^) publicou um volume in-8.° de 736 paginas, tratando unicamente desta enfer- midade , não admitte mais que duas variedades, que são : a hypocondria cons- titucional e a hypocondria accidental. A primeira, ligada â constituição do indivíduo, embora provenha de predisposições originárias ou adquiridas por vicio de educação, paixões violentas, moléstias antecedentes, &c.; a segunda, quasi tão freqüente como a primeira, tendo uma origem inteiramente nova. Sendo sua causa local, a acção é sempre empregada em uma economia não predisposta, determinando a modificação nervosa que caracterisa a moléstia. «Como toda a divisão pathologica, diz este autor, deve fundamentar-se em caracteres distinctos para facilitar o conhecimento da enfermidade, eu não encontro possibilidade de admittir, como muitos o fizerão, outras variedades, pois não quero confundir com ellas verdadeiras complicações. » 6 •}'■> Dubois dAmiens, admittindo a hypocondria como uma affecção do espi- rito, apresenta as variedades seguintes, fundamentadas, umas nos apparelhos que soffrem, e outras na natureza do pensamento melancólico : l.a Monomania hypocondriaca; 2.a monomania pneumocardiaca; 3.a mono- mania encephalica; h.* monomania asthenica; 5.a monomania nostálgica; 6.a monomania hydrophobíaca. A mais geral destas variedades é a monomania hypocondriaca; nella as desordens digestivas occupão sobremaneira aos doentes, e lhes tira todo outro qualquer soffrimento, ainda que realmente o tenhão, por só se occuparem destas desordens. A segunda tem lugar quando o indivíduo de preferencia escolhe os órgãos Ihoracicos para nelles empregar toda a attenção; mas se esta attenção fôr para o encephalo, teremos a monomania encephalica, e assim as diversas variedades tomaráõ o nome segundo o ap- parelho que affectarem , quero dizer a que o doente der mais attenção. Sede da hypocondria. È bem difficíl a questão que agora temos de tratar! Práticos consummados tem perdido a tramontana na resolução deste problema, pois ainda não assig- nalárão com justeza a sede, principio, natureza desta enfermidade. Ora, sendo assim, não deve espantar que nós, apenas conhecedores do que seja medicina, sem pratica e aprofundado estudo, pois ainda pertencemos aos bancos de uma escola, temamos emmaranhar-nos em labyrintho tão tortuoso por medo de perdermo-nos em pesquizas que fizerão, e ainda fazem, o objecto das discussões das academias do mundo civilisado. Entretanto é mister dizer-se alguma cousa : nós o faremos resumidamente, porque não se pôde aqui, neste pequeno trabalho, apresentar-se todas as opiniões emittidas sobre a sede desta moléstia: a matéria é vastissima, e o tempo não chega. Muitos autores considerarão as vísceras abdominaes como o foco da hypo- condria e a acção do systema nervoso fazendo um papel secundário, e cada qual por sua vez aceusou o vicio dos humores, a atrabilis, os vapores malignos , a obstrucção dos órgãos, a fraqueza do estômago, &c. Collocando assim a sede da hypocondria nas vísceras do abdômen, mostrarão estes autores terem bem pouco ou nada se oecupado com a causa próxima do mal, pois se contentarão simplesmente com o conhecimento dos phenomenos da moléstia, esquecendo a attenção funccional do encephalo. Não ha hoje quem negue haver na hy- 23 pocondria a lesão das faculdades intellectuaes; e se as perturbações das func- ções digestivas e outras vísceras do abdômen é constante, o desarranjo da ima- ginação não o é por certo menor. Considerando a affecção do systema nervoso, Sydenham dizia que ella era o resul- tado da alaxia e irregularidade dos espíritos animaes. Hoffmann, a tenção espasmo- dica dos nervos; Rollin, a sensibilidade ou irritabilidade do gênero nervoso; Pome, o erethismo, o espasmo e o endurecimento dos nervos; Reveillon achava nas variedades do fluido electrico da atmosphera a explicação que todos pro- curavão. Mas deixemos opiniões que hoje quasi de nada servem, e passemos às dos modernos, divididos em quatro partidos. Broussais e os seus crêm ser a hypocondria nada mais que uma gastrites chronica desenvolvida em in- divíduos nervosos, e que a affecção do cérebro é secundaria. Georget e Falret, pelo contrario, sustentão ser a moléstia primitiva do cérebro, terminando afinal em muitos focos principaes, como já deixamos dito nas considerações geraes. L. Villermay reconhece as vísceras abdominaes, principalmente o estômago, affectado em seu systema nervoso ou em suas propriedades vi- taes, particularmente na sensibilidade orgânica, por sede desta enfermidade. Dubois d'Amiens, a quem nos encostamos, diz consistir a hypocondria na falsa applicação das forças intellectuaes, no principio, porém depois no appareci- mento de nevroses dos órgãos, e terminando, ás vezes, por um estado ínflam- matorio e lesões mais ou menos profundas nestes mesmos órgãos, a principio simplesmente nevrosados; e tudo dependendo da lesão primordial do enten- dimento. Tratamento. Se ao medico é sempre conveniente empregar attenção na administração dos remédios que devem servir no tratamento das moléstias, na hypocondria sobre todas a escolha destes meios é de summa importância, por isso que ella apresenta muita mobilidade nervosa, e se reveste de fôrmas tão nu- merosas como variadas. A idade, o sexo, o temperamento, as causas, a localidade, a estação, a posição social, as complicações, e, em uma palavra, todas as circumstancias em que se achar o indivíduo, devem ser attendidas. No tratamento do primeiro periodo, bem como no dos outros todo o cuidado será paxá o moral, dando-se-lhe uma boa direcção, captando-se a n benevolência do doente, pois sem ella nada se conseguirei; e para que possamos consegui-lo é mister revestirmo-nos de paciência, para sem magoa ouvirmos o enfadonho relatório, cem vezes repetido, que elle nos fará de seus soffri- mentos. Enlre o medico e o enfermo deve haver uma espécie de harmonia, de intimidade e franqueza, sempre revestida de certo ar de respeito, porque se um rosto rísonho, bom humor, jovialidade, palavras alegres, agradão e são acolhidas com prazer, o estouvamento, a alegria desmarcada, o excesso de franqueza, a pouca consideração que o mesmo medico dá a si, desgoslão ao hypocondriaco, que tomará esta maneira de proceder por prova do pouco in- teresse que elle inspira e da nenhuma attenção que se dá ao seu soílrer. Assim, portanto, quando nos approximarmos destes infelizes, mostraremos serenidade, calma e contentamento; nossa physionomia, annunciando estes sentimentos de que nos achamos possuídos, communica ao hypocondriaco, sempre prompto a perceber os menores movimentos, a mais pequena mu- dança de expressão, certa satisfação que lhe é muito ulil. Escutemo-lo sem im- paciência, deixemo-lo fallar quanto quizer sem o interrompermos, não lhe ponhamos a menor objecção, pois ella não servirá senão para exaspera-lo , porque elle está convencidíssimo que sua existência periga realmente. Nunca se dirá a um hypocondriaco que elle é um doente imaginário. Esles desafortunados muito se amofinão quando os tratão de schismaticos, quando se lhes repete que acreditão muito em si mesmos, que não tem coragem nem resolução, que não tem moléstia alguma, e que se quizessem poderião se livrar de sua tristeza. Estas exprobrações são mui mal baseadas, e estes conselhos inuleis; elles irritão os doentes e causão-lhes o desespero. Uma vez ganha a confiança do enfermo, teremos meio caminho andado; porém o mais espinhoso ainda falta superar, e de que prudência não havemos mister para que possamos resolvê-lo a seguir o tratamento conveniente? De quantas subtilezas não nos serviremos para combater idéas tão enraizadas? Pouco custa dizer-lhe: tran- quillise seu moral, repilla taes idéas; na verdade o conselho é optimo, porém muito difficultoso de seguir-se. Chamaremos em nosso auxilio a influencia que tivermos adquirido no animo do hypocondriaco, e pouco a pouco iremos tor- nando-o mais razoável e capaz de formar um juizo exacto do seu estado sani- tário. Esta influencia, porém, e superioridade jamais se devem exceder, por- que o medico, segundo Platão, deve persuadir e nunca mandar com império. Um dos poderosos recursos que temos para atacarmos a hypocondria, seja qual fôr sua causa, são as paixões, esta febre do espirito, como lhe chama Boerhaave, o tyranno de todas as faculdades da alma; sua grande influencia sobre a economia é assaz conhecida, e effeitos tão possantes no organismo não po- dem deixar de aproveitar na hypocondria. Tem-se notado que abalos mo- 25 raes produzindo transtorno completo de fortuna concentrarão por tal arte a at- tenção dos doentes, que elles sararão completamente. Do que fica exposto, segue-se ser de sumina importância o estudo da direcção do espirito , afim de enxergar-se o lado onde devemos atacar; assim em uns excitaremos o senti- mento de philanthropia, o amor da gloria, a ambição nobre, a paixão do es- tudo, &c. ; em outros o gosto para as caçadas, as viagens, o exercício a pé ou a cavallo, a navegação, os jogos de bilhar, da pélla, a dansa, a carreira, a agricultura, os trabalhos mecânicos, em uma palavra tudo o que julgar-se con- veniente e adequado ás circumslancias. As carruagens descobertas e de bom commodo, além do movimento, offerecem ao paciente muitas dístracções, e se fôr possível fazê-los guia-la, melhor será, pois que, obrigados a empregarem applicação continua, perdem paulatinamente o maldito costume de só pensarem na moléstia. Na hypocondria proveniente de um amor exagerado , de paixões infelizes, é onde mais se patenteião os estragos desta moléstia , e é nella que convém muito a substituição de uma outra paixão. Feliz e mil vezes feliz o que neste estado de adversidades , de atribulações, conserva junto a si um amigo! Feliz, porque encontra um coração que também soffre com elle, diminuindo assim suas penas , um peito onde sem temor, nem inquietações pôde depositar seus soffrimentos e os motivos de sua dôr! Elle ouvirá as palavras consoladoras de seu amigo, que ainda a seu coração daráõ calma, serenidade e alegria! Das paixões que produzem a hypocondria e a mais diflicultosa de combaler-se é o ciúme ; convém fazerem-se os esforços possíveis para vencê-lo, inspirando e incutindo no animo do doente o desprezo do objecto que o causou , entre- tendo-o com dístracções e companhia das mulheres ; esta sociedade , cuja alma é sempre compassiva, é em geral de proveito para estes indivíduos. Conversações variadas, contos alegres, anecdotas galantes, serão a base do entretenimento, evitando com cuidado não se fallar em seus soffrimentos. A leitura também é optima para as dístracções, tendo-se sempre a cautela de não concederem livros de medicina, e sim romances quepromovão o riso, comé- dias e livros jocosos. Esta leitura se deixará logo que seja fatigante, e depois do repasto não será permittida. O tratamento varia ainda quanto á posição e profissão: assim a um medico hypocondriaco mandar-se-ha soccorrer as viclimas de uma epidemia estraga- dora; ao advogado entregar-lhe uma causa importante para defendê-la, e que dahi lhe possa provir renome ; ao cortezão , mostrar-lhe os deleites da grandeza, da ambição; ao homem de letras uma empreza scientifica ; ao soldado o theatro da guerra, onde tropheos e coroas de louro o aguardão, etc., etc. Todos estes meios de diversão são de grande utilidade, porém ás vezes são improficuos; 7 26 então o medico prudente e philosopho recorrerá a estratagemas engenhosos , principalmente se a hypocondria apresentar caracteres de uma monomania. O resultado que Zaculo obteve com suas subtilezas deve animar-nos. Um hypo- condriaco persuadido que sempre tinha muito frio, e que não ficaria bom sem se lançar ao fogo , foi visitado por Zacuto: este lhe veslio uma pelle de car- neiro , lançou-lhe por cima sufficiente quantidade de álcool , e allacou-lhe fogo. O doente, cercado pelas chammas e queimado em alguns lugares, não sen- lio mais frio e ficou bom. Um outro facto do mesmo Zaculo é o seguinte. Jul- gando um sujeito de importância que a misericórdia de Deos não lhe perdoaria as culpas , cahio doente , e cada dia peiorava. Zacuto foi chamado , e a noite fez apparecer no quarto do doente um anjo annunciando-lhe que o Senhor linha abrandado sua cólera e perdoado seus peccados. Dahi por diante começarão as melhoras. lia muito tempo que ouvimos contar casos desta natu- reza , e que de alguma fôrma confirmão os de Zacuto. Um individuo pensou , estando hypocondriaco, que elle era uma talha de água ; acocorou-se em um canto da casa, e por nada tomava alimento , porque, dizia elle, eu sou talha e talha não come. O medico, vendo que não havião forças humanas que o fizessem comer, usou da laclica seguinte: sem nada dizer ao doente, pôz-se lambem em oulro canto com as mãos nas cadeiras e também disse: Eu sou talha. Pas- sados alguns minutos, vierão trazer a comida, offerecêráo-na primeiro ao doente, que respondeu na fôrma do seu costume: porém quando offerecôrão ao medico , este pôz-se a comer , dizendo: As talhas de barro é que não comem , e como eu não sou talha de barro, e sim talha de carne, devo comer. O doente achou que a outra talha tinha razão, e dahi por diante tomou os alimentos e deixou de ser talha. Outro, que constantemente linha na cabeça a idéa de inundação, não queria por fôrma alguma ourinar, porque, dizia elle, a cidade se submergiria se elle tal praticasse. Com semelhante pertinácia chegou a ligar a uretra ; o medico vio-se obrigado a usar de todos os meios a seu alcance, porém nada conseguio; por ultimo lembrou-se de mandar tocar os sinos e entrar nesta oceasião a ver o doente : este pergunlou-lhe : Então, dou- tor, que barulho é esse de sinos que tanlo me incommodão ? Que ha de ser, meu amigo , é a cidade que está ardendo, e creio que tudo vai agora raso pelo fogo. Espere, doutor, não se afílija, eu vou já mijar, e está apagado o fogo. Com efleito, ourinou , e dahi por diante convenceu-se de que elle não inundaria a cidade. Apezar porém destes exemplos, estas subtilezas não podem convir em todos os casos , e deve haver reserva no seu emprego. Além dos meios que ficão apontados, ha muitos outros com os quaes se pô- de combater a hypocondria com vantagem. A musica, o canto em certos easos tem forte e aproveitável influencia. Os melodiosos üccentos da lyra do centauro 27 Chiron domarão os Ímpetos da cólera do fero Achilles. As maravilhas da lyra de Thimotheo sobre Alexandre, da harpa de David sobre o coração de Saul são exemplos celebres que bastão para autorisar o emprego delia no tratamento da hypocondria. O tempo é outro agente de que se pôde colher vantagem no tratamento desta enfermidade; elle ás vezes consegue do doente o que todas as razões do medico não pudérão alcançar; e occasionando em sua successão felizes mudanças de estado, fortuna, posição, produz diversão tão prompta como apropriada para obter optimo resultado. De ordinário as pessoas activas, joviaes, pagão menor Iributo ás affecções hypocondriacas do que as de caracter opposto. Se a hypocondria fôr o resultado da suspensão rápida de um costume habi- tual, é necessário que as occupações recomecem, e pouco a pouco tomem o antigo pé em que existião, ou então que outros exercidos substituão os anti- gos hábitos: se do excesso de estudos, vigílias prolongadas, diminuir este tra- balho, e mesmo supprimi-lo completamente, se assim o exigirem as circumstan- cias : se dos prazeres venereos, é mister prohibi-los, dar energia á infeliz victima de sua imprudência, restabelecer a harmonia e o equilibrio das funcções. Quando tivermos de combater excreções abundantes, como o aleitamento prolongado e abundante, o ptyalismo, evacuações reiteradas, suores excessivos, diarrhéas, leucorrhéas e hemorrhagias chronicas, o faremos por meios apro- priados, e jamais produzindo de chofre a suppressão destas secreções quasi habituaes. Se as hemorrhagias uterinas causão muita fraqueza, e a mulher fôr de cons- tituição forle, uma ou mais sangrias são convenientes; mas se pelo contrario ella é fraca, convém antes alimentos nutritivos, caldos substanciaes, e algumas soltas de vinho generoso. Poderemos também combatê-las por meio dos medi- camentos mucilaginosos adstringentes, &c, &c, tendo sempre em vista nunca fazer desapparecer repentinamente taes incommodos. Tendo de combater a hypocondria no segundo periodo, nunca perderemos de vista o que fica exposto para o tratamento do primeiro, falíamos do moral do doente; ataca- remos as gastralgias, enleralgias, e nevralgias antes pelos meios hygienicos do que pelos medicamentos; é pelo regimen, exercido, ares do campo e meios moraes que se obtém geralmente a cura. Aconselhão-se os banhos frios, o exer- cido antes do jantar, o repouso durante a digestão, as fricções seccas na pelle, vestidos de flanella, &c. Se as dores gástricas forem vivas, póde-se recorrer á água gelada; porém o melhor meio é a prescripção do ópio interiormente, o extracto do meimen- dro, a a^ua de louro cerejo, a belladona, o oxydo de bismutho, horlelãa pimenta 28 o todos os antispasmodicos. Taes são os meios a que geralmente se recorre con- tra a gastralgia. Este tratamento, propriamente fallando, é todo dependente do juizo do medico, onde elle necessita de muito tacto e penetração para convenientemente modificar o seu methodo curativo. E' raro que esta enfermidade chegue ao ultimo periodo, entretanto desgra- çadamente isto pôde acontecer: combateremos então as lesões orgânicas sempre altendendo ao moral, porque tudo continua debaixo do império da intelligen- cia viciosamente affectada. Não indicaremos aqui os meios de combatermos essas lesões orgânicas, porque os diversos tratados de pathologia muito bem falláo a tal respeito, e pela maior parte das vezes este tratamento se reduz a palliativos; pois que quando a hypocondria chega a este ponto, o fira é sempre funesto. aie^íieiLâtis ãwm®mmw&< i. Vita brevis, ars longa, occasio praeceps, experientia fallax, judicium diíficile. Oportet autem non modo se ipsum exhibere quae oportet fa- cientem, sed etiam aegrum, et presentes, et externa. —Sect. 1.", aph. 1.° II. Si metus atque tristitia longo tempore perseveraverint, melanco- lia? est signum.—Sect. 6.% aph. 23. III. Somnus, vigília, utraque modum excedentia, malum. — Sect. 2.*, aph. 3. IV. In omni morbo mente constare, et bene se habere ad ea quae offe- runtur, bonum; contrarium vero, malum.—Sect. 2.a, aph. 33. V. Lassitudines spontaneae morbos denuntiant. —Sect. 2.% aph. 5. VI. Mulierem gravidam morbo quopiam acutè corripi, lelhale. — Sect. 5.% aph. 80. Rio de Janeiro. 1849. Typographia Universal de LAEMMERT, rua do» Inválidos, 61 B. Esta These está conforme aos Estatutos da Escola de Medicina. Rio de Janeiro, 7 de Novembro de 18&9. Dr. Manoel de Valladão Pimentee.