*/ "fT}l FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA THESE UE Abdon Baftista Sc?/J \ FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA THESE QUE APRESENTA E TEM DE SUSTENTAR PUBLICAMENTE EM NOVEMBRO DE 1874 AFIM DE OBTER O GRÃO DE DOUTOR EM MEDICINA NATURAL DA MESMA PBOVINCIA FILHO LEGITIMO CE HERMENEG1UDO JOSÉ BAPTISTA E D. MARIA CAROL1NA GIRÃO BAPTISTA Ex-interno de clinica cirúrgica no Hospital da Caridade, lente de inglez uo Lycèo de Artes e Oflicios da Bahia, Benemérito do mesmo Estabelecimento, cx-medico em commissão do Governo da Provincia encarregado de combater as epidemias de febres palustres e varíola na freguezia do Curralinho. O medico é mais do que um funccionario : e mais do que um apóstolo : é o sacerdote de uma religião 1 E quando a humanidade entra nos seus tem- plos o seu primeiro dever é descobrir-se ; por que esta diante de quem a cura ! ! Vieira dt Castro. —-"«atey!2GüíJív^K>- B A H I A TYPOGRAPHIA DE FRANCISCO QCEIROLO 47 — Corpo Santo — 47 187 í FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA DIRECTOR O Exm. Sr. Conselheiro Dr. ANTÔNIO JANUÁRIO DE FARIA VICE-DIREGTOR O Exm. Sr. Conselheiro Dr. VICENTE FERREIRA DE MAGALHÃES LENTES PROPRIETÁRIOS 1» Anno Cons. Vicente Ferreira de Magalhães . } ^^'^"ç^jSç^ffíêdidnai?11* Francisco Rodrigues da Silva..... Chimica e mineralogia. Barão de Itapoan............ Anatomia descriptiva. 2o Anno Antônio de Cerqueira Pinto...... Chimica orgânica. Jeronymo Sodré Pereira........ Physiologia. Antônio Mariano do Bomfira...... Botânica e Zoologia. Barão de Itapoan............ Repetição de Anatomia descriptiva. 3o Anno Cóns. Elias José Pedroza........ Anatomia geral e Pathologica. ...................... Pathologia geral. Jeronymo Sodré Pereira........ Continuação de Physiologia. 4o Anno Domingos Carlos da Silva....... Pathologia externa. Demetrio Cyriaco Tourihho...... Pathologia interna. /^„„ m„»»,;.,,. M^^.;„n o«m«n;« l Partos, moléstias de mulheres pejadas Cons. Mathias Moreira Sampaio-----j e de'meninos recem-nascidos. 5o Anno Demetrio Cyriaco Tourinho...... Continuação de Pathologia interna. Luiz Alvares dos Santos........ Matéria medica e therapeutica. i„„- A„t«„;„ ^->i7.„,í,o I Anatomia topographica, Medicina José Antônio de Freitas........J operatoria VApparelhôs. 6o Anno Rosendo Aprigio Pereira Guimarães. . Pharmacia. Cons. Salustiano Ferreira Souto.... Medicina legal. Domingos Rodrigues Seixas ,..... Hygiene, e Historia da Medicina. José Affonso Pàraizo de Moura..... Clinica externa, do 3o e 4o anno. Antônio Januário de Faria....... Clinica interna, do 5o e 6o anno. OPPOSITORES Ignacio José da Cunha.........\ Pedro Ribeiro d'Araújo.........f José Ignacio de Barros Pimentel. . . . > Secção Accessoria. Virgílio Climaco Damazio.......í- José Alves de Mello...........* Augusto Gonçalves Martins......f Antônio Pacifico Pereira........> Secção Cirúrgica. Alexandre Affonso de Carvalho . . . . í José Pedro de Souza Braga......; Claudemiro Augusto de Moraes Caldas \ Ramiro Affonso Monteiro........I Egas Muniz Sodré d'Aragão......> Secção Medica. Manuel Joaquim Saraiva..,......j José Luiz d'Alraeida Couto.......' SECRETARIO — o sr. dr. cincinnato pinto da silva OFFICIAL DA SECRETARIA —o sr. dr. thqmaz daqdinq gaspar A Faculdade não approvanem reprova as opiniões emittidas nas theses q' lhe são apresentadas DISSERTAÇÃO VANTAGENSE DESVANTAGENS DOS PROCESSOS DE AMPUTAÇÃO EM RELAÇÃO AO CURATIVO E ACCIDEISTES CONSECUTIVOS PARTE PRIMEIRA METHODOS E PROCESSOS DE AMPUTAÇÃO Apreciando os methodos e processos de ampu- tação no terreno que devemos seguir para respon- der á questão da Faculdade de Medicina, dividire- mos aquelles em dous : Methodo de reunião media, terminal ou opposta, o que dá lugar a uma cica- triz media ou quasi media na extremidade do coto; methodo de reunião lateral, o que dá em resultado uma cicatriz lateral. O methodo de reunião media divide-se em três: sub-methodo circular, sub-methodo de dois reta- lhos e o vaiar. O de reunião lateral comprehende os suh-methodos de retalho único e oblíquo. 4 CAPITULO I METHODO DE HEUNIÃO MÉDIA processo circular — Consiste em cortar as par- tes molles perpendicularmente ao osso, e depois este um pouco acima da incisâo d'aquellas. Por meio deste processo geral pode-se obter um cone musculo-cutaneo no fundo do qual encontra- se o osso, ou um manguito de pelle que applica-se sobre uma secção transversal do squeletto c mús- culos. O processo circular de manguito é somente pos- to em pratica quando a amputação deve ser feita no ponto d'um membro onde não ha grande quan- tidade de músculos. Processo de dois retalhos — Os retalhos podem ser musculo-cutaneos ou simplesmente cutâneos. De- vem ter os retalhos a mesma largura depois de cortados, a qual será quasi sempre igual a semi- circumferencia do membro. — O comprimento não é necessário que seja o mesmo em ambos — os retalhos arredondados são melhores que os qua- drados, porque dão um coto mais regular. Pode-se formar os retalhos incisando de dentro para fora, por puncção. transfixação; ou de fora para dentro. O primeiro destes dois processos é mais rápido,- porém dá lugar a que fiquem mui- tos músculos. Processo ovaiar — Consiste em fazer-se uma in- cisão circular, não perpendicular ao osso, mas á uma linha fictícia que passe pelo centro da ferida. É quasi exclusivamente posto em pratica nas amputações de contiguidade. CAPITULO II METHODO DE REUNIÃO LATEIlAi. Consegue-se por dois processos : Retalho único e incisão elliptica muito obliqua. Retalho único — É formado da mesma maneira que os retalhos duplos. Pode ser quadrado ou ar- redondado. A largura deve ser igual á metade da circumferencia do membro. Feito o retalho, é elle juxta-posto ao resto do membro cortado circularmente. A cicatriz vae occupar a parte opposta á base do retalho. processo einptico — É a secção obliqua do cy- lyndro cutâneo que envolve os ossos e os múscu- los. Dá de um lado do membro um retalho arre- dondado, que pode ser carnudo, e do outro uma 6 chanfradura cutânea, concava, onde vai ter a con- vexidade do retalho formado. PARTE SEGUNDA CURATIVO DAS FERIDAS O bom resultado de uma operação depende muito do processo pelo qual é executado, porém depende ainda mais do curativo da ferida e cui- dados outros que deve ter o cirurgião para evitar que appareção complicações capazes de trazer a morte ao operado. Em uma amputação, terminada a execução do processo, o primeiro cuidado do cirurgião será fa- zer desapparecer a hemorrhagia que vai-se dando nos vasos divididos. Hemostfsia—Com uma pinça o cirurgião vai li- gando todos os vasos que encontrar, começando sempre a procurar os principaes, operação esta que deve demorar algum tempo em certas circums- tancias. O cirurgião é obrigado a procurar com muita paciência os vasos : se fôr imprudente expõe seu operado a uma hemorrhagia consecutiva, a qual é sempre muito prejudicial. 7 Se os vasos não forem encontrados facilmente, deve-se limpar a ferida, suspender a compressão, e esperar mais ou menos tempo que o spasmo ce- da e a reacção appareça. Sendo a hemorrhagia venosa, comprimir a em- bocadura do vaso, borrifar a ferida com água fria, hemostaticos, ligadura, são meios successivamente empregados para suspendel-a. A hemorrhagia da ar- téria nutritiva do osso suspende-se por meio da compressão directa. Quando a hemorrhagia é em toda a superfície da ferida, em toalha (nappe), exposição da feri- da ao ar, água fria, agüa hemosfatica, são meios bastantes para fazel-a desapparecer. Feita a hemostase, trata-se do aceio do amputa- do, e procede-se ao curativo, depois de cortar um dos dois fios de cada ligadura perto do nó e reu- nir os outros, ou d'um lado da ferida, ou separa- damente. A hemostase também se pode fazer pela acu- pressura. Ourativos retardados — Estando feitas as ligadu- ras, achando-se o operado animado, eom o pulso regular, não ha inconveniente algum em que o curativo se faça logo. Pode o curativo ser feito por dous modos : Reu- nião piediata, reunião immediáta. 8 neuniào mediata — Tem por fim obter a cicatri- sação da ferida por meio da suppuração e desen- volvimento de botões carnosos. Para obter a sup- puração colloca-se na superfície da ferida um ap- parelho de curativo, o qual deve ser muito sim- ples : um chumaço de fios embebidos na substan- cia com que se faz o curativo, e um lenço em triân- gulo constituem o apparelho mais usado no Hos- pital da Caridade. Muitas vezes para sustentar os tecidos molles do coto em bôa posição faz-se necessário envolver o membro em uma atadura. Reunião immediata — Consiste em pôr em conta- tado immediato a superfície da ferida, afim de obter a cicatrisação sem suppuração. Limpa a ferida, collocados os fios, ou reunidos em um só ponto, ou separados e em linha recta, trata-se de reunir as partes divididas, de maneira que não fique algum intervallo, e se as mantém em contado por meio da suttura ou dos agglu- tinativos. Reunião immediata secundaria — Espera-Se que a superfície da ferida esteja coberta de botões car- nosos para depois terminar a cicatrisação pela reunião immediata. A reunião inmiediata, assim como a mediala. 9 lem, ao lado de grandes vantagens, muitos incon- vinientes que os adeptos de uma e de outra tem exagerado. Vantagens da reunião immediata—Dizem OS par- tidários da reunião immediata que a dôr é pouco intensa, a ferida está livre da influencia atmos- pherica, e por tanto da infecção purulenta, podri- dão de hospital, etc, a suppuração é quasi nenhu- ma, não se dá a conicidade do coto nem a ex- foliação do osso; a cicatriz é solida, hemorrhagias raras, cura rápida. Desvantagens da reunião immediata — A SUppura- ção nunca deixa de haver : os fies de ligadura obrão como corpos irritantes; as hemorrhagias consecutivas sobrevindo, será diíilcil ligar um va- so; as superfícies cortadas não se reúnem inteira- mente, o que pode dar logar a collecções de pús e descollamentos, donde a phlebite. a lymphangite, a erysipela, etc, visto não haver sahida livre para o pús; emfim a extremidade do osso impede a prompta reunião, pois sua adherencia aos outros tecidos é muito demorada. Vantagens da reunião mediata — Este modo de reunião destróe as desvantagens da reunião imme- diata. Inconvenientes da reunião mediata—A febre traU- matica é mais forte. ;> conicidade do coto mais fa- ? a IO cil. Os abscessos, phlebite, infecção purulenta, etc, são conseqüências desta reunião, dizem seos adver- sários. A reunião immediata é, sem duvida, a que pode dar lugar a que appareção mais promptamente os accidentes. A suppuração em uma larga ferida nunca dei- xará de apparecer; e então, pondo-se em pratica a reunião immediata, os bordos da ferida se unem, mas o seu interior torna-se um fôeo de suppura- ção que pode trazer todos os inconvenientes para a bôa marcha da cieatrisação. Os fios de ligadura são corpos extranhos que irritam constantemente a ferida e provocam a sup- puração. A extremidade do osso entre os tecidos molles dtfficulta muito a cicatrisação. «A membrana de botões carnosos, diz o Sr. Dr. Domingos Carlos em sua these <$e concurso á ca- deira de Pathologia externa, se levanta em relevo, prolongando-se nas anfraetuosidades da ferida, e estes botões que propendem para transformação em tecido cicatricial, ainda maior tendência offerecem para q desenvolvimento da neoplasia purulenta, em con- seqüência da permanência da irritação que exagera as formações phlegmasicas, e impede a regressão que communica caracteres peculiares ao tecido de nova formação.» li Dizem Sedillot e Legouest que—Ia reunton par premiére intention est le moyen de guérison le plus prompt, le plus avantageux et le plus bril- lant, mais c'est à Ia condüion de rêussir. Eis o caso em que se pode dizer—boa duvida. Se a cirurgia procura um modo de curativo que dê bom resultado, isto é, realise a cieatrisação promptamente e sem as complicações, certamente o que der este resultado será o mais prompto, vantajoso e brilhante. Cremos, pois, que tratando-se de uma larga fe- rida de amputação, deve-se preferir a reunião me- diata : ter sempre a ferida sob as vistas, apreciar os phenomenos que se vão passando n'aquelles te- cidos de natureza tão diversa, prevenir o accumu- lo de pús em anfractuosidades, estar preparado sempre para suspender uma hemorrhagia, etc, é, sem duvida, muito preferivel. Ha muitos methodos curativos das feridas após as amputações, os quaes podem ser classificados em methodos antiphlogisticos e methodos antise- pticos. Methodos antiphlogisticos são aquelles que tem por fim impedir a inílammação intensa e extensa do coto. Dividem-se em antiphlogisticos propria- mente ditos e antiphlogisticos por occlusão. ÍÜ Os methodos antiphlogisticos propriamente ditos fundão-se na influencia das condições de tempera- tnra da ferida. Água é o agente mais usado para satisfazer taes condições. É empregada no estado de gelo, fria, morna e quente, sendo applicada por meio de compressas, por irrigação, por immersão. A água fria é sedativa, a morna emolliente, a quente irritante. A água fria applicada por irrigação sobre a fe- rida dá excellentes resultados. Outros agentes pertencem á classe dos antiphlo- gisticos propriamente ditos : o álcool, algumas po- madas, etc. Methodo antiphlogistico por occlusão — Tratando da reunião immediata jà fizemos notar quanto é necessário o cirurgião ter constantemente sob suas vistas a superfície traumática e acompanhal-a em marcha para a cicatrisação. A occlusão pneumatica é de vantagens pouco no- táveis. METHODOS ANT1SEPTIC.OS Todos os meios que tem por fim evitar a pu- trefacção do ar, o gráo elevado de temperatura, a lõ humidade, são antisepticos. A apphcação destes meios é de summa vantagem para a cirurgia, por que os mais temiveis accidentes são evitados com mais ou menos efficacia. Dividem-se em substancias antisepticas e appa- relhos antisepticos. SUBSTANCIAS ANTISEPTICAS Aicooi — É o antiseptico que até hoje tem tido mais extensa apphcação; entretanto suas vantagens tem sido exageradas. Deve ser empregado com água, fria ou tepida; na clinica da Faculdade ti- vemos, durante nosso internato, occazião de apre- ciar os bons resultados do seu uso. Ácido phenico — Actualmente é o agente antise- ptico mais usado e abusado. É empregado por im- bebição de compressas ou por irrigação, dissolvido n'agua : dá excellentes resultados. Além destes agentes, que são os antisepticos propriamente taes, ha outros chamados desinfectan- tes, os quaes obrão neutralisando os productos da fermentação : os saes de ferro de cobre, de zinco, de chumbo, etc, preenchem muito bem estas ulti- mas condicções. APPARELHOS ANTISEPTICOS O apparelho antiseptico que prende hoje a at- 14 tenção dos cirurgiões é de algodão cardado, in- ventado por A. Guérin, que protege a supeficie traumática contra os germens-fermentos fazendo o papel de filtro por onde passa o ar depois de deixar estes princípios nocivos nas camadas exteriores do apparelho. Nos é absolutamente impossível fazer uma apre- ciação d^ste assumpto : para isso seria necessário escrever muito, o que temos evitado sempre. A in- venção de A. Guerin é digna de estudos. PARTE TERCEIRA ACCIDENTES OU COMPLICAÇÕES Depois que tem executado brilhantemente um bello processo de amputação, mostrando pericia e destreza, depois que tem com aceio e arte feito o curativo da ferida resultante da operação, o hábil cirurgião não deve ir descançar á sombra da glo- ria, suppondo já ter cumprido sua missão; deve, ao contrario, esperar o assalto d'um inimigo cuja ap- parição elle nunca prevê e cuja derrota quasi sempre lhe é muito difficil, e algumas vezes im- possível: o accidente. Os accidentes das feridas d'uma operação são primitivas e consecutivos. Os accidentes consecuti- 15 vos, únicos de que devemos tratar aqui, são : he- morrhagia, erysipelas, podridão de hospital, gan- grena, osteo-rayelite, abscessos e infiltrações puru- lentas, tetanos, infecção purulenta, conicidade do coto, infecção pútrida. Hemorrhagias — As hemorrhagias consecutivas tem como causa a queda rápida dos fios de liga- dura, a ulceração das artérias, a constricção do ap- parelho, a necrose da extremidadedo osso, etc. Líquidos hemostatíeos, compressão dos vasos, li- gadura, são meios sufficientes para combater tal accidewte. Erysipelas — A retenção dos líquidos na super- fície da ferida é a causa mais freqüente desta com- plicação, a qual combate-se com o aceio da parte, com a cauterisação. podridão de hospital — É uma affecçâo de nature- za ulcero-gangrenosa, que muitas vezes é epidêmica e ataca as feridas recentes e antigas. Chamão-na também gangrena nosocomial, degenerescencia pú- trida, ulcera gangrenosa das feridas, typho traumá- tico. Ataca os operados que se aehão accumulados em grande numero em enfermarias mal ventiladas, num idas, de capacidade relativamente pequena. Actualmente já ninguém negará que esta affec- çâo seja de natureza zymotica. E um an-idente grave. 1X3 Gangrena — Não é dos mais freqüentes acciden- tes. Os accidentes de compressão e estrangulamen- to, auxiliados pelas más condições hygienicas, são as causas da gangrena. Querem muitos que sua origem pathogenica esteja na bacterie alongada. osteo-myeiite — Complicação pouco freqüente, a osteo-myehte ê quasi sempre curavel sem ser ne- cessário recorrer á desarticulação do membro af- fectado. Abscessos e infiltrações purulentas do coto — Se a reunião immediata não tivesse outro lado por on- de pudesse ser atacada, bastava notar que os abs- cessos e as fusões purulentas do coto são conse- qüências delia. Tetanos — Um dos accidentes mais terríveis das feridas é, por certo, o tetanos. Em uma enfer- maria bem ventilada, onde os operados acham- se em boas condições e a temperatura se man- tém quasi sempre a mesma, é raro que tal com- plicação sobrevenha. Entretanto é um flagello muito desanimador para a cirurgia durante as campa- nhas, ahi nesses hospitaes cheios de operados que são accumulados em salas muito pequenas, sugei- tos as rápidas modificações athmosphericas, ás cor- rentes fortes do ar viciado. Se não estivéssemos no propósito de tornar este trabalho o mais resumido possível. " entraríamos 17 agora na apreciação da grande questão da natu- reza do tetanos, o que já tivemos occasião de fa- zer em prova a que fomos sugeito nesta Facul- dade. Seja dito, porém, em duas palavras que ao nos- so modo de entender o tetanos não é uma mo- léstia zymotica, e sim uma nevrose da motili- dade. Este accidente é de extrema gravidade, porque a Medicina ainda hoje é balda de recursos contra tal entidade mórbida. INFECÇÃO PURULENTA Entre nós é pouco freqüente esta complicação das operações: affirma o Sr. Dr. D. Carlos, illus- trado lente cathedratico da Faculdade, em sua these de concurso para lente de pathologia exter- na, que foi um accidente raro na campanha do Paraguay. A infecção purulenta, também chamada pyoe- mia, pyemia, diathese purulenta, resorpção puru- lenta, sobrevem em quaesquer circumstancias em que esteja a ferida, e de ordinário sob a influen- cia d'uma constituição epidêmica, quando ha ac- cumulo de operados, quando estes achão-se debili- tados, em más condicções de hygiene, e, para al- guns, quando ha demora de pús na ferida. 18 Muitas explicações se tem buscado para a infec- ção purulenta: todas fiüão-se a duas doctrinas, a de absorpçãto e a da phlebüe. DOCTRINA DA ABSORPÇÃO Os que abração esta explicação apresentão o fac- to da forma seguinte: a ferida acha-se até certo tempo em estado excellente de suppuração: a secre- ção quasi rapidamente altera-se: e, dhnimie; o or- ganismo inteiro resente-se, e se o indivíduo morre, encontrão-se collecções purulentas em diversos ór- gãos—Logo, dizem elles, o pús da ferida foi ab- sorvido e levado ao intimo do organismo. Fundamentão suas opiniões com muitas razões. DOCTRINA DA PHLEBITE Os observadores notarão que as veias do coto de muitos amputados, victimas da infecção puru- lenta, estavão cheias de pús e d'ahi concluirão que esse pús era condusido pela corrente venosa para o interior da economia: d'onde a pyoemia. Velpeau, Blandin, Legallois, Dance, Cruveiíhier são d'esta opinião. Diz Sedillot que a phlebite é um dos modos de introducção do pús no organismo, o mais freqüen- te. 19 O Sr. Dr. Domingos Carlos, em seu trabalho citado, segue a opinião de muitos sábios moder- nos que considerão a infecção purulenta como uma legitima septicemia, e explica sua introducção no organismo d'um modo muito interessante— «Ef- fectivamente, diz elle, um germen fermento, provin- do do ar que reconhece como vehiculo, e levado á superfície da ferida, onde se realisa o processo zymogeno, que o reproduz e multiplica d^m mo- do maravilhoso. Estes germens podem ser directamente recebidos da atmosphera das enfermarias, na occasião do curativo em que se põe a ferida a descoberto, ou conduzidos pelas ataduras e compressas, pomadas, unguentos, e líquidos diversos, e até pelo próprio cirurgião e ajudante que fazem o curativo respec- tivo. No destino que aguardão estas gerações zymo- genas, encontrão-se igualmente as diferenças dos estados mórbidos. Na infecção purulenta, a pequena bacterie, dota- da de movimento próprio, se dirige ás lacunas de Kindfleisch do modo já acima mencionado. Ahi chegando, sua presença, inoffensiva ao gló- bulo branco, permitte a sua approximação d'este glóbulo, que com a maior facilidade e rapidez in- clue o diminuto germen em seo protoplasma, 20 transportando-o ao longe nos órgãos e parenchy- mas, principalmente nos pulmões onde o organis- mo fermento encontra na maior abundância os princípios indispensáveis para sua nova evolução, e multiplicação, dando lugar aos infarctos, que acabão por ser verdadeiros focos de suppuração.» Eis uma explicação que realmente é muito en- genhosa e seductora. A pyoemia é um accidente de immensa gravidade; contra ella mais pode o tratamento prophylatico do que o curativo. INFECÇÃO PÚTRIDA O pús estando em contacto do ar, recebe d'este o principio zymotico que immediatamente o altera e decompõe; estes princípios maléficos vão, cor- rompendo o sangue, prejudicar a economia, a in- fecção pútrida não dá em resultado collecções pu- rulentas, como a infecção purulenta; seos effeitos são mais tardios. r CONICIDADE DO COTO É, sem duvida, o accidente contra o qual mais pode a perícia do cirurgião, porque a maior par- te das vezes resulta da má execução do processo. 21 Entretanto, a conicidade do coto pode dar-se, tendo sido a amputação bem executada. Esta complicação retarda muito a cicatrisação da ferida, em virtude de necrosar-se o osso. Pode a conicidade apresentar-se muitos mezes depois do coto cicatrisado. É manifesto que a conicidade não é de pouca importância: pode inutilisar um coto que, aliás, parece bem conformado; e nem sempre os appa- relhos protheicos podem corrigir o mal. Quando entrarmos na apreciação dos processos, parte que constitue particularmente o ponto d^sta these, veremos quaes as condições que se fazem precizas para a formação de um bom coto. Os accidentes de que acabamos de tratar ligei- ramente são, em geral, pouco freqüentes na clinica official da Faculdade: durante nosso internato na clinica cirúrgica, em 14 casos de amputações tive- mos apenas um complicado de abscessos do coto, um de pyoemia, e um de conicidade: graças á re- gularidade quasi permanente da atmosphera, ao calor moderado, a pureza do ar que /respira- mos, em uma palavra ao nosso clima salutar, ra- ras vezes os trabalhos práticos da cirurgia deixão de ser coroados dos mais brilhantes resultados. 22 PARTE QUARTA APRECIAÇÃO DOS PROCESSOS' CAPITULO I APRECIAÇÃO DOS PROCESSOS EM RELAÇÃO AO CURATIVO É acceito como principio rasoavel na cirurgia que quanto maior é a superficie traumática e mais volumosa a parte lesada, tanto maior também é o risco porque passa o operado. Si procurarmos, pois, saber, qual dos processos de amputação dá em resultado menor superfície traumática, encon- traremos o mais vantajoso em relação ao curativo. Suppondo-se feita a amputação em um braço que tenha S centímetros de raio, o resultado será o seguinte: A. — Procede-se á amputação circularmente, cor- tando a pelle 7l/2 centímetros (metade de três vezes o raio) abaixo do osso. Retrahidas as car- nes, resta um cone de 5 centímetros de profundidade, cuja superfície que é a traumática, é de — cento e dez centímetros quadrados. B.—Faça-se a amputação á dois retalhos arre- dondados de 7l/2 centímetros de comprimento, que ficão roduzidos a 5 centímetros; a superfície trau- matica será de —cento e dez centímetros quadra- dos. C —Com um só retalho arredondado de 15 centímetros, reduzido a 10 pela retracção, achare- mos uma superfície traumática de cento e vinte cinco centímetros quadrados. D. — O processo circular de manguito dá uma superfície sangrante de duzentos e três centímetros quadrados. E. —O processo de incisão elliptica dá uma su- perfície traumática maior que o processo de reta- lho único. F. —O processo ovalar offerece uma superficie traumática mais ou menos igual á que apresenta a amputação circular infundibuliforme. É diíficil apreciar exactamente o volume de te- cidos sugeitos ao traumatismo em uma amputação; mas incontestavelmente o methodo circular deixa abaixo da secção do osso muito mais tecidos que o de dois retalhos. O processo circular infundibuliforme será incon- testavelmente o preferível, se o curativo tiver de ser feito por meio da reunião mediata. 24 CAPITULO II APRECIAÇÃO DOS PROCESSOS EM RELAÇÃO AOS ACCIDENTES CONSECUTIVOS O processo pouca influencia tem no appareci- mento dos accidentes, se fôr bem executado. O processo circular é considerado como o que traz mais inconvenientes ao êxito da cicatrisação: a retenção do pús, os abscessos, phlebites, hemor- rhagias consecutivas, conicidade do coto, necrose da extremidade do coto, tudo isto é posto a contas do processo circular. Entretanto, pondo-se em pra- tica a reunião mediata, auxiliada do emprego dos antisepticos, correndo o curativo sob vistas vigi- lantes e habilitadas, estas complicações serão, na maior parte, evitadas. A conicidade do coto é o único accidente que deve ser receiado exclusiva- mente quando se usar do processo circular. Diremos duas palavras sobre as condições de um bom coto. Terminada a cicatrisação, o coto deve tornar-se indolente na acção e na inacção. Deve ser bello, isto é, regular, arredondado, a cicatriz linear, a pelle sem dobras consideráveis. O maior inconveniente dos máos cotos que se 25 achão no ultimo período, é serem dolorosos, e por- tanto immoveis e inúteis. A conicidade secundaria manifestada em um co- to sufficientemente cheio de pelle de maneira que tenha uma cicatriz linear é a menos grave; se os tegumentos achão-se estendidos e a cicatriz na su- perfície da pelle, sendo uma linha, o coto não é mais que immovel e inútil. Pelo contrario, quando elle torna-se repentina- mente conico, quando a cicatriz é larga e frágil, o coto torna-se mais que inútil, é incommodo e pre- judicial— a cicatriz ulcera-se, o osso se necrosa, nenhum apparelho protheico é supportavel. Em um coto bem formado a cicatriz deve ser linear e enrugada entre duas dobras de pelle que a protegem. Pede ser média, mas deve estar o mais possível ao abrigo dos choques e pressões. Em conclusão, deve-se lançar mão de um pro- cesso que dê pelle em grande porção e espessa- mente dobrada, e a cicatriz bem collocada. Pelo que fica dito comprehende-se que para evitar os inconvenientes de um coto mal formado não se pode estabelecer como principio geral que este ou aquelle processo seja o melhor. SECÇÃO CIRÚRGICA Haverá meios capazes de impedir a infec- ção purulenta e a septicemia ? PROPOSIÇÕES I A infecção purulenta e a septicemia não são entida- des mórbidas distinctas. II As authoridades da sciencia ainda se debatem quanto ao modo de desenvolvimento da pyoemia. III Está geralmente acceito que organismos inferiores, existentes no ar, levados á feridas dão lugar a este flagello. IV A infecção purulenta é um dos accidentes das feri- das que mais zombão da perícia e cuidado do cirur- gião. V E' muito freqüente nos grandes hospitaes, principal- mente durante as guerras. 2K VI As variações de temperatura, o accumulo de feri- dos, a alimentação deíficiente favorecem seo appa- recimento. VII Grandes progressos tem feito a cirurgia tendentes a tornar uma realidade a prophylaxia da infecção pu- rulenta. VIII O grande aceio nos hospitaes, o isolamento dos fe- ridos, a pureza do ar, a constância da temperatura, são medidas heróicas contra a infecção purulenta. IX A reunião mediata deve ser preferida com o intuito de prevenir a pyemia. X O curativo por meio das substancia antisepticas, ál- cool, ácido phenico. etc, é incontestavelmente muito vantajoso. 2H XI \. Guérin, apresentando seo apparelho de algodão wrdado, acaba de fazer grande revolução na cirurgia. XII Esta importante descoberta merece ser estudada para poder seracceita como verdade scientifica. SECÇÃO MEDICA A civilisação desenvolve ou refrêa a prostituição? PROPOSIÇÕES I Paiz civilisado é aquelle em que as sciencias pro- gridem, as artes aperfeiçoão-se, as industrias multipli- oão-se, o commercio é rico e variado. II A civilisação, como a luz, que não penetra nos an- tros subterrâneos, não illumina os espíritos atravez a miséria. III A corrupção acompanha a civilisação em proporção crescente. IV A prostituição é um dos grandes reflectores da civi- lisação. V O ouro do rico, brilhando aos olhos da mulher po- bre, pollue a honra da miserável. ~2 VI A fraca mulher que vive na penúria, fascinada pelo luxo e ostentação da alta sociedade, amortalha-se com as luxuriosas galas da prostituição: querendo su- bir, despenha-se no lodaçal da infâmia. VII As mais das vezes a miséria é que faz d'uma mulher pura uma vil messalina: vende o corpo para comprar o pão. VIII Os grandes inventos industriaes, como sejão as ma- chinas de tecidos, de coser, etc, economisando aos proprietários o numero de braços augmentão o das mulheres publicas. IX A guerra favorece extraordinariamente a propaga- ção da prostituição. X A prostituição no Brasil vae ganhando muito terre- no: a meretriz affronta impunemente a decência da boa sociedade: o homem inebriado pela vida sensual abale por si mesmo seo espirito, arruina seo organis- mo, e aniquila seo futuro. XI O nosso Governo pouco se tem occupado de as- sumpto tão importante; não tem procurado estudar . os meios de impedir que esse mal, infelizmente neces- sário, tome immensas proporções. XII A fundação das casas de tolerância na corte e nas províncias principaes nos parece ser uma medida de grande alcance. XIII Eduque-se o espirito da mulher; sua razão dirija sua sensibilidade; dê-se-lhe uma autonomia; conceda- se-lhe aquillo que não é de direito exclusivo do ho- mem, a illustração;—sejão muitas as Staéls, serão pou- cas as Margaridas. -", -gsa»-- 4 SECÇÃO ACCESSORIA Pode-se considerar herdeiro legitimo o filho de uma viuva nascido dez mezes depois da morte do marido ? PROPOSIÇÕES I Da concepção ao parto vão ordinariamente nove mezes. II Muitascausaspodem prolongar o tempo da gestação. III Não cremos que a impressão produzida pela mor- te do esposo possa influir na mulher com tal violên- cia que retarde o trabalho da gestação apenas co- meçado. IV Nos paizes frios, onde o desenvolvimento das func- çòcs orgânicas da mulher é mais tardio do que entre nós. os casos de parto retardado são mais freqüentes. ~u V Alei que estabelece opraso determinado de 300 dias para os partos demorados é muito arbitraria. VI Factos registrados na sciencia clamão contra tal disposição dos legisladores. VII O desenvolvimento do feto deve estar em relação com o tempo da prenhez. VIII O tempo das prenhezes anteriores, os accidentes que se tiverem dado durante a gestação, devem es- tar no domínio do medico-legista. IX Deve o medico-legista indagar se apparecerâo dores falsas no fim de 9 mezes. X E' de necessidade também saber se o marido desde alguns dias antes da morte estava impossibilitado de cohabitar. 37 XI Todos estes elementos combinados são bastantes para que o medico-legista esclareça a lei. XII A reputação da mulher é de alguma influencia no espirito do medico-legista. XIII Não se deve, entretanto, dar muito valor a isto: muita miséria occulta-se nas sedas, ha muita corrupção na so- ciedade, a mulher não tem ainda força de espirito para comprehender-se. XIV Nos casos de duvida, o medico-legista não tem o direito de decidir-se a favor ou contra o menino. HIPPOCRATIS APHORISMI i Quce medicamenta non sanant, ea ferrum sanat. Quce ferrum non sanat, ea ignis sanat. Quoe vero ignis non sanat, ea insanabilia existimare opportet. (S. 8.a aph.—6o) II Ad extremos morbos, extrema remedia, exquisite optima. (S. iSaph.—i0) III Ubi fames, non opportet laborare. (S. %.%aph.—{6) IV Ubis somnus delirium sedat, bonum. (S. 2.a aph.—T) V Somnus, vigília, utraque modum excedentia, ma- tum. (S. 2.a aph. 6°j VI Famen vivi potio solvit. (S. %*■ aph. 28; Remettida á commissão revisora. Bahia 30 de Se- tembro de 1874. CINCINNATO PINTO Esta these está conforme os estatutos. Bahia 4 de Outubro de 1874. DR. ALMEIDA COUTO DR. J. F. DE SOUZA BRAGA DR, J. ALVES DE MELLO Imprima-se. Bahia e Faculdade de Medicina 20 de Outubro de 1874. Bahia : Typograpliia *do — r. queikolo — á rua do Corpo Santo n. d7