II THESE APRESENTADA PARA SER SUSTENTARA ECI1 ftOYEHBIM» BMO f §65 PERANTE A FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA POR 3oôé #lgmpto d'3Ueuedo, NATURAL DESTA PKOVINCIA, E FILHO LEGITIMO DO DOUTOR JOSÉ OLYMPIO DAZEVEDO È D. ANNA RITTA D'AZEVEDO, PARA OBTElt O GRÁO BE DOUTOR EM MEDICINA. Medicus vir probus mcdendi peritus. (Bouillaud) Ensaio de Philosophia médio*< KAiilA TVPOGRAPHIA DE CAMILLO DE LELLIS MASSON & C., RUA DE t:\MA BARBARA N. 2 1865 FACULDADE DE MDICIM DA BAIIIA. DIRECTOR 0 Ex.m0 Sr. Conselheiro Dr. João Baptista dos Anjos. VICE-DIRErTOK. 0 EXM.™° SR. CONSELHEIRO DR. VICENTE FERREIRA DE MAGALHÃES. LENTES PROPRIETÁRIOS. 1.» ANNO. OS SBS. doutores: matérias que LBCCloNAM. . M ... jPhysica cm geral, e particularmente cm sua* Cons. Vicente Ferreira de Magalhães......j applicações á Medicina. Francisco Rodrigues da Silva........Chimica c Mineralogia. Adriano Alves de Lima Gordilho.......Anatomia desci iptiva. 2.» ANNO. Antônio Mariano do Bomfim........Botânica e Zoologia. Antônio de Cerqueira Pinto........«.himica orgânica. ......Physiologia. Ãdíiaiio Alves de Lima Gordilho.......Repetição de Anatomia descriptiva. 3.» ANNO. .........Continuação de Physiologia. Èliàs JoséPe*dro*sa* .' .'.'.'.'.'.....Anatomia geral e pathologica. José de Góes Siqueira...........Palhologia geral. 4.o ANNO. Cons. Manoel Ladisláu Aranha Dantas.....Palhologia externa. Alexandre José de Queiroz..........Palhologia interna. j Partos, moléstias de mulheres pejadas, e d* Mathias Moreira Sampaio.........j meninos recém-nascidos. 5.» ANNO. Alexandre José de Queiroz.........Continuação de Palhologia interna. j Anatomia topographica, medicina operalor José Antônio de Freitas..........j ria, e apparelhos. Joaquim Antônio de Oliveira Botelho......Matéria medica, e therapeutica. 6.» ANNO. Domingos Rodrigues Seixas.........Hygienr, e historia de medicina. Salustiano Ferreira Souto..........Medicina legal. Antônio José Ozorio...........Pharmacia. Antônio José Alves. . . ,........Clinica externa do 3.° e4.» anno. Antônio Januário de Faria.........Clinica interna do 5.° e 6.» anno. CPPOSITORES. José Affonso Paraíso de Moura........ Augusto Gonçalves Martins........., Domingos Carlos da Silva.........} Secçao Cirúrgica. Ignacio José da Cunha......... Pedro Ribeiro de Araújo. .........■ Accessoria Rosendo Aprigio Pereira Guimarães......} feectao Accessoria. José Ignacio de Barros Pimentel...... Virgílio Climaco Damasio........ Demetrio Cyriaco Tourinho......... Luiz Alvares dos Santos..........Secçao Medica. João Pedro da Cunha Valle.........\ Jeronymo Sodrè Pereira..........' SECRETARIO INTERINO. O Sr. Dr. Thonia» de Aqnlno Gaspar. OFFICIAL DA SECRETARIA. O Sr. Dr. José Thcotonlo Martins. -T^íildade nâo approva, n.m raprova •■ IdeU» enuncladai »'«l« TüMe. STRODIlCCifl L'homme a observe, il a experimente, il a compare/ il a interprete: il observera, il experimentera, il com- parera, et il interpirltra encore. Les destinées de Ia science sont celles de l'esprit humain, et, comme lui rlle marche á Ia conquête d'une perfection sans limite. Ünc science est donc une chose non finie et qui ne peut rètre, et tout sysléme seientifique qui s'annonce, en depit de 1'avenir, comme le tableau complet et dé- finitif de Ia connaissance humaine, n'est qu'une oeuvro éphèíiiére que Ic temps doit détruire. Béclaud.—{Physiologia) Ex fumo dare lucem. Uni ideal pôde resultar de figuras abstrusas das quaes a imaginação separai os traços mais perfeitos para com elles compor um mosaico de encantadora perspectiva: uma sciencia pode derivar de concepções desencontradas, amon- toadas a ei to das quaes o espirito com certo tacto vae extrahindo as bases de sua con^trucção. A Medicina é uma composição desta natureza. Ella que hoje é uni seio fecundo de riquezas naseêo nas palhas daindigen- cia; uma coroa de custosas pérolas cinge a fronte outrora abatida; mas atra- vez do manto da rainha ainda se enxergão os andrajos da vassalla humilde: tal é a lei de suecessão dos tempos, taes são as peripécias do mundo! A Medicina fecundada pelos gênios do passado é um dos estremecimentos do presente. Resistindo aos vendavaes das idéias, aos embates dastheorias, ao oxclusivismo dos systemas, vae sem se amesquinhar aprofundando-se nos pe- netraes de seo desideralum, conservando a mesma puresa de intenções, edi- ficando-se nas mais sólidas bases. Agitada sempre pela explosão dos gênios a filha de ílippocratcs não degenerou em Galeno; Paracelso não encetou uma obra, trabalhou para a confecção da pyramide hippocratica, e ao immortal Sydenham também não coube a gloria da novidade, e o que mais ha para ad- mirar é, que quando tudo ameaça próximo desabar, quando o desmorona- mento do edifício crê- se infallivel, a mais natural recomposição se dá de idéias na apparencia repugnantes, de systemas que estão na mais flagrante opposi- ção; foi assim que o humorismo de mãos dadas com o naturismo teve o seo reinado scientiíico; foi assim que a iatro mecânica de Boerhave inspirou a grande idéia da irritabilidade. O espirito tendendo sempre à simplificação ge- rou a dichotomia em Brown e Broussais, duas palavras vagas de elástica sig- nificação representavão a vida, incitabilidade e irritação erão os descarnados arcabouços de dous systemas temerários; o despeito dominava a sciencia; ab- surdo sobre absurdo, apparição de informes doutrinas, proselytismo calculado, scepticismo obstinado; o gigante queria vencer mundos, mas tropeçava na carreira precipitada, a águia queria retalhar o espaço e poisar no sol, mas com azas de ícaro a queda sempre fui certa. Para quem só vê as coisas muito de perto parece que em tacs emergências o progresso era uma palavra mentida, o aperfeiçoamento mero sonho; mas a pedra despenhada das alturas destróe o edifica, ás vezes o que mata também crea. A fusão de idéias de per si defi- cientes realisada pela lógica de espíritos generalisadores excusa armas empres- tadas para a sua defeza: se o nosologismo de Pinei soffrôo profundo golpe do physiologismo de Broussais, à Laenec e Brctonneau deve-se o seo renasci- mento não tão exclusivo e com aquelle egoismo primitivo; porém mais racio- nal, mais physiologico, menos absoluto: foi um passo para a verdade, foi uma mola de progresso real: com a especificidade dos meios therapeuticos ficou demonstrada a das moléstias, o accidentalismo foi desenihronisado, os esti- mulantes de Brovwi perderão a força, e só Bouillaud fez-se cargo de regar as cinzas de Brous?ais com o sangue da humanidade, cordeiro sacrificado, de- voção comquanlo pia em homenagem ao gênio, por demais capaz de remorder a mais cailosa consciência, traço echo perdido no deserto da singularidade c apenas uma ou outra vez reproduzido pela Medicina seria. O vitalismo, syste- ma que nasceo com a Medicina, tem passado pelo crysól dos tempos e assen- tou modernamente sua residência na eschóla de Montpellier: sempre avi- ventado pelos seos incansáveis sectários, nem o methodismo de Themison, que originou o anatomismo, mecanicismo, solidismo, physiologismo de Broussais e o pathologismo de Brown, poude derroca-lo; tanta ó a robustez de seos prin- cípios, e a verdade de suas concepções. Depois de todas estas revoluções porque tem passado a Medicina é chegada uma éra que sem ser ainda de redempção é em extremo lisonjeira efuturosa. Quem hoje desconhecerá o brilho dos nomes de Virchow, Andral, GlaudeBer- nard, Mialhe, Robin e o moderno Chauffard? Os gênios são, como a pheriix da fábula, nunca morrem. O presente da Medicina é todo eccletico; o eccletismo ó uma tregoa necessária para a refoeillação das idéias exlremadas; o author de um systema não inventa, não tira tudo da inspiração que fornece o talento, estuda e deduz para compor; a epocha é de observação até que appareça uma impulsão poderosa que a transforme e nova espada de Alexandre corte todos os nós, mas nunca nos desligando dos verdadeiros laços que nos vinculão ao passado, deixando-nos as sãs verdades que nos forão legadas [c desmentindo os erros que entre ellas Iressúão. Quantas verdades formuladas pelo Pae da Medicina tem o modernismo desbancado? O ponto que hemos escolhido para a dissertação illumina-se quasi todo nellas e nenhum systema poude ja levar de vencida ao naturismo não só no referido ponto, como em alguns outros mysterios da vida perserutados pelo observador minucioso. 1. A observação applicada aos mysterios da vida á força de muito admirar extasia-se diante do incomprehensivel e nada podendo minuciosamente pers- crutar vae arcando com as trevas sempre em procura da verdade sem nunca poder saliir do falso terreno que trilha, e achar um raio de luz bemfazeja que a illumine. O abstracto de todas as sciencias é o terrível,escolho contra o qual vão de embate todos os espíritos ainda os mais esforçados c a sciencia da vida accessivel até certo ponto torna-se impenetrável nos seos mysterios e d'ahi em diante é, como diz Pascal, a respeito das sciencias, um labyrintho onde mais se enreda quem se julga mais perto da sahida. A harmonia preestabe- íecida que se nota nos aclos do dynamismo vital, admirável como o são todas as maravilhas, indefinivel como todas as grandes verdades, seja o nosso ponto de partida e, se em nosso caminhar afanoso nos desusarmos da verdadeira senda, salvem-nos a boa intenção e a arduidade da tarefa que sobre nós pesa. A cadeia dos actos da vida, a ligação de todos os elos que a compõem, o dy- namismo vital emfim são ao mesmo tempo a saúde e a moléstia e em ambos os casos a vida: é um quadro em que versoereverso apresentão á vista sem- pre a mesma face: de feito, de qualquer lado que se encare o organismo, são ou doente, sempre synergias, sempre dependência de acção; entretanto a saúde não é a moléstia, uma repelle a outra, a presença desta é incompatível com a daquella. O funccionalismo vital dentro de certas raias é a saúde, além das quaes a moléstia abre scena com todos os traços que a emmoldurão; entre estes dous modos de ser ha um justo meio que, quanto mais procurado, tanto mais esquivo torna-se escapando-se á todas as vistas e fugindo á todas as con- cepções; todos porfião em lançar um marco milliario e, tarefa inglorh, quanto mais parece approximarem-se, mais distanceados ficão e nem podia deixar de 2 ser assim; porque em procura do abstracú» o desvio é infallivel, reaiisendo-se desta arte o pensamento de Dumas de Monípcllier; as coisas abstractas des- vião o espirito; as sensíveis porém leva >-no ao conlteciniento da verdade. Parece assisado pois pouco tempo levar na dcscriminação destes dons estados por todos conhecidos, e dizer que a saúde e a moléstia varião de individuo pa- ra indivíduo e que ha um typo especial paia cada um sempre em relação com as multiplicadas circumstancias que lhes dizem respeito. A actividade própria de cada órgão é um facto, a dependência que entre elles existe não é menos uma verdade. Tomemos um grande facto physiologico—a nutrição: vemos todos os apparelhos da economia sollicitos pela sua realisaçào, prestando cada um o seo escótc de acção; o apparelho disgestivo preparando os matei iaes que lhe vem de fora, a circulação prestando-sc espontaneamente á conducção delies, o apparelho respiratório sublimando-os para idcntiiica-los com as mo- léculas organisadas, as diversas glândulas prestando-lhe o seo auxilio, cada uma em sua esphera de acção; tudo emfim em movimento, e mais que todos incansável o systema nervoso que sobre todos elles vela. Consideremos agora um dos grandes factos pathologicos: vemos um grande desarranjo em (odo o organismo; funcções se exaltarem, diminuírem e até perverterem-se, a calo- rificação augmentada, a respiração accclcrada, o sangue circulando com mais velocidade, os apparelhos glandulares aífastados de seos fins normaes, emfirn perturbações geraes e sempre a influencia do systema nervoso presidindo á semelhantes desordens. A lógica dos íactos conduzio-nos ao nosso ponto, o caso que figurámos exemplifica a febre: rompêo-se o equilíbrio, é verdade; mas não rompêrão-se as synergias, perdôo o organismo a sua tempera de ac^ ção; mas o consenso, este ficou. £3. Dizer com Bouillaud que a febre resulta de uma inflammação da membrana interna dos vasos é querer colher falsos louros para a eschola anatômica, é querer justificar o emprego dos antiphlogisticos no tratamento delia. Dizer que febre deriva de februare, purificar, purgar é acompanhar os na- turistas nas suas sabias asserções, é render á verdade a homenagem que sem- pre lhe é devida: realmente ella é uma operação salutar que tem por fim ex- pellir o principio morbifico que a determina ou reagir contra a simples per- turbação nervosa manifestada no organismo em que se ella produz. 3 A. força medicatriz da natureza demasiado patente pelos seos effeitos lança mão da febre para mostrar o seo poder, provocando crises, favorecendo a coc- ção muito bom tomada como synonima de digestão, c em verdade, diz Trons- seau, como o alimento na torrente circulatória tem de provocar a acção dos diversos emunetorios, pelle, rins, pulmões, (processo felizmente comparado com o que se passa na digestão das primeiras vias) assim o principio morbi- fico penetrando com o sangue em todas as partes do organismo tem também de suscitar reacções, pondo em actividade os diversos emunetorios que tem de expelli-lo: em ambos os casos febre, cm ambos os casos uma operação salutar do organismo determinando coeções, em vista do que prevalece a opi- nião da eschola hippocratica. Vejamos um individuo que tenha tomado um pouco de álcool: pouco tem- po depois febre que. variará de intensidade segundo a idiosyncrasia c o habito que elle tiver feito do álcool; porque á custa de repetidas i.ncilações o orga- nismo torna-se malhadiço (principio de Brown) logo'depois suores, as urinas e a perspiração pulmonar apresentão-se carregadas de álcool e a febre extin- gue-se; porque o seo papel foi desempenhado e completou-se a sua missão. Supponhamos que o vírus variolico acommelte o organismo: febre intensa que vae julgar a moléstia pela erupção variolica cujas pústulas encerrão-na virtualmente e reproduzem-na idêntica á outro organismo; ainda a expulsão do elemento morbifico pela febre, e portanto uma operação salutar e ainda uma cocçâo: assim as crises do sarampão, da varioloide, a crise intestinal da febre typhoidéa e os suores da febre intermiítente. Uma corrente de ar recebida por um individuo que esteja em transpiração produz uma moléstia febril que vulgarmente chama-se constipação; os suores espontâneos ou provocados trazem o restabelecimento da saúde; ainda as mesmas conclusões; ainda a verdade dos mesmos princípios. Uma inílammação do pulmão acompanha-se de uma febre que é determina- da pela irritação dos produetos mórbidos reabsorvidos fabricados no ponto flu- xionado, os quaes, como diz Trousseau, obrão como um veneno, um virus, ou um miasma qualquer dentro da economia; aqui a crise ó difíicil de ser perce- bida; mas dá-se certamente; a natureza não pôde rcalisa-la sensivelmente por nenhum dos emunetorios naturaes e quasi sempre precisa do soecorro da arte, abre-se a veia, sáe uma porção de sangue sobrecarregado de produetos mór- bidos inflammatoríos que não são mais que os materiaes daquella parte que a circulação absorveo para serem eliminados pelas vias normaes de excreção, dando-se assim uma, verdadeira crise nem sempre sufficiente para a resolução da moléstia e por isso augmeníada pelo Medico por meio de uma sangria. SEO. I Febris spasmos solvit: disse Hippocrates. Na febre que julga a epilepsia e a hysteria um suor apparece no fim dos ac- cessos como verdadeira crise e a propósito diremos que Bivière sustenta que a febre intermittente cura a epilepsia e Girard apoia semelhante opinião. Na epocha da primeira menstruação, quando o utero na phrase pittoresca de Yan Helmont arrasta a mulher como a lua as águas do mar, quando elle torna-se um senhor absoluto, verdadeiro autocrata da economia e egoísta at- trahe todas as forças á si e parece querer viver á custa dos despojos alheios; nesta épocha em virtude da lei do consenso uma febre ephemera vem deter- minar a crise uterina que adverte á joven pubere que aquella morbidez provi- dencial denota a transição dos brincos da infância para os sérios encargos da maternidade, do amor que ri para o amor que cora, das impressões indifferen- tes das primeiras idades para as emoções abrazadôras da puberdade: o que é um aviso angélico em linguagem romântica é uma reacção febril da economia sympathica do utero determinando uma crise catamenial: emfim a febre é julgada o correctivo das moléstias nervosas. As differentes impressões moraes muito vivas são freqüentíssimas vezes causa da febre; assim quando se diz que um individuo está devorado por uma paixão qualquer, pelo amor, o ciúme, o desgosto filho de uma contrariedade; a Medicina serve-se de sua lechnicologia e confirma que este fogo que o es- calda, que os soffriinentos que o consomem não são mais do que uma verda- deira febre, e senão, o que é esta velocidade e freqüência do pulso e dos movi- mentos cardíacos, este augmento de calor, que abraza o cérebro, a perturba- ção das secreções, gástrica, salivar e biliosa, esta dyspepsia habitual e pro- longada dos indivíduos que se achão debaixo da pressão destas paixões tem- pestuosas? Não: este cortejo mórbido é uma verdadeira febre idiopathica, ephe- mera.ás vezes; mas outras vezes chronica, consumptiva e enervante. Os movimentos accelerados do coração da mulher em seo primeiro amor, o rubôr das faces, a vivacidade do olhar, a sede abrazadora, a exaltação da sensibilidade physica e moral que outra coisa denuncião senão uma verdadei- ra febre que um Medico chamaria ephemera e um poeta amorosa? Parece-nos ver ja os antagonistas de nossas idéias se atropellarem e per- guntarem-nos onde está a crise, onde a coeção hippocratica nestes exemplos que apontamos. 5 Quando a febre se apresenta nestes casos, vemos a calma do estado ner- voso seguir-se ao suor que é um verdadeiro phenomeno critico e que repre- senta o resultado do trabalho da força medicatriz da natureza e dos esforços que ella fez para corrigir a aberração da innervação; não entrou principio ma- terial, não ha portanto nenhum a sahir, mas houve sempre uma crise, houve uma elaboração excretôra: sabem todos o segredo que existe na pathologia das moléstias nervosas que passão por alterações meramente de forças e não seremos nós que possamos descobri-lo; a psychologia e a physiologia se em- penhão na explicação das affecções moraes e, trabalho ingrato, nem se quer lanção um raio allumiador sobre tão importantes problemas cuja solução só a sciencia do futuro poderá realisar. A febre, diz Bouchut, é uma reacção do organismo contra certas impres- sões morbificas. É um espasmo do coração e dos vasos, que imprime á mas- sa do sangue um curso mais rápido e produz nos tecidos uma decomposição molecular geral donde resulta um augmento de temperatura e incommodos geraes malaises. A eschola descriptivn, define a febre um estado mórbido caracterisado so- bretudo pelo calor augmentado da pelle, pela acceleração do pulso, por um estado de máo estar e^por perturbações diversas de algumas outras funcções. Para tratarmos convenientemente do ponto é preciso que nos demoremos na descripçâo dos phenomenos que caracterisão a febre. Variável em seos caracteres exteriores de fôrma, duração e intensidade ella está sempre em relação com a natureza da causa, a idade do individuo, cons- tituição, temperamento &c.; assim é mais ou menos intensa; fugaz quando dura apenas horas; ephemera quando duraumoudous dias; quanto ao tem- po pôde levar ainda um, dous ou mais septenarios; ora denomina-se aguda, ora chronica: quanto ao typo é continua, iniermittente e remittente; e segun- do certos symptomas predominantes é chamada ataxica, adynamica, maligna c pútrida (fôrmas que Mr. Loais reunio debaixo do nome de typhoide); pela côr da pelle denomina-se a febre amarella; pela predominância do elemento bilioso temos a febre biliosa; pelas erupções que a acompanhão chama-se fe- bre eruptiva; pela causa que a produz temos a febre paludosa; existem ainda muitas outras denominações convenaonaes como as referidas. Pelo exposto 6 desta clasMÍicação vô-se logo a sua imperfeição; substitui-la por outra seria um verdadeiro serviço; mas nem nos abalançamos á isto, nem somos obriga- dos pelo ponto a tratar de semelhante assumpto: apresentaremos primeiramen- te a classificação aceita por Grisolle, Andral, Gintrac e outros sobre as pyro- xias essenciaes e depois a de Monneret. Primeiro gênero: febre continua comprehendendo sete espécies que são, febre ephemera, inflammatoria, lyphoide, lypho Europeo, febre biliosa dospai- zes quentes, febre amarella, lypho oriental ou peste. Segundo gênero: febres eruptivas; varíola, sarampão, varioloide, varicclle, cscarlatina c suor miüar. Terceiro gênero: febres intermittentes: benigna, perniciosa e anômala. Quarto gênero: febre remittentes: rcmiitentes propriamente ditas e pseudo continuas. Quinto gênero: febre hectica, lenta ou chronica. Classificação de Monneret. A: febres symptomaticas: 4.o febre symptoma- tica de uma inilammação aguda e chronica. 2.o febre svmptomalica de uma excilação vascular physiologica: 3.o febre symptomatica das alterações espon- tâneas do sangue—aplethora por exemplo c a chloro-anemia segundo alguns: 4.° febre symptomatica de alteração do sangue pelo pus; 5.° febre sympto- matica de um envenenamento septieo: 6.° febre symptomatica de uma molés- tia virulenta, (a syphüis e o virus rabico são os únicos que segundo Monneret não produzem febre na sua entrada na economia). 7.o febre symptomatica de uma moléstia peçouhenta : 8.o febre symptomatica de envenenamento. B: febres essenciaes produzidas por causas especificas. Eis o que temos sobre classificação: se a primeira é defeituosa, a segunda mais ainda. V. Em toda febre se observáo três periodos mais ou menos distinetos: o pe- ríodo de concentração de forças, o de expansão das mesmas e o de crise; estes três periodos caracterisados por frio, calor e suor somente são bem desenha- dos em algumas febres intermittentes dos adultos, em certas phleugmasias e nas febres eruptivas principalmente na varíola; mas ás vezes são tão disfar- çados e tão violentos, que só uma attenção muito prendida pôde surprehen- del-os: a respeito do primeiro e do ultimo é que se notão ás mais das vezes taes irregularidades. 7 No primeiro período dá-se uma espécie de espasmo da pelle qüc se revelai pela pallidez e contracção da dorme; os músculos deixão de obedecer á von- tade, ha um tremor de todo o corpo; a contracção intermittente dos múscu- los da maxilla determina o encontro das duas arcadas alveolares produzindo um ruido particular, o doente aceusa frio que se tem distinguido em simples resfriamento quando não vem acompanhado de agitação do corpo; horripiia- ção quando ha saliência dos bulbos pilozos; calefrio cm um gráo mais elevado: neste período muito manifesto na febre intermilteríte prece que ha um reflu- xo dos líquidos da peripheria para o centro ficando as partes externas dimi- nuídas a ponto de calarem anneis dos dedos das pessoas doentes; todos os ap- parelhos da economia tornão-se solidários no soífrimento; a fraqueza e a dif- ficuldade de movimentos são inseparáveis deste período; pulso pequeno, duro o freqüente, intelligencia um pouco perturbada, ccphalalgia, insomnia, agita- ção, anorexia, fastio, náuseas, ás vezes vômitos, sede, urinas pailidas, transpa- rentes c muito pouco abundantes, uma constricção na região prccordial, ás vezes diversas nevralgias, respiração freqüente e difíicil, batimentos do coração desordenados, compromettimenío emfim de quasi todas as funeções; taes são os traços do quadro vivo deste período que dura de minutos á horas. No período de expansão de forças ha uma antithesc semovente do que em relação a certas funeções hemos presenciado: a pelle de pallida que era torna- se corada, de fria torna-se quente, os líquidos que tinhão-a desamparado vol- tão; o pulso amplia-se, o calor é intenso cm toda parte, a intelligencia exalta- se e muita vez delira, os olhos chammejão, a lingua cobre-se de um enduto esbranquiçado, as papillas ficão salientes, as urinas de descoradas que erão ficão vermelhas e sedimentosas, a sua excreção é difiicil, a bôeca ainda é sêc- ca, o appetite ainda ó pouco: este período que dura dias pôde durar horas apenas e é dos trez o que mais prolongado se mostra e igualmente o melhor caraclerisado. Depois da calorosa scena que no organismo se representa apparece a calma que caracterisa o terceiro período, mutação lisonjeira c prenhe das mais felizes conseqüências. Semelhantemente ao orvalho nocturno que segue os calores abrazadores do dia, gottas frescas de suor ressumão da peripheria do corpo: o calor de variado caracter tem cedido, vence o embaraço das secreções a na- tureza providente; aquella excitação rebelde vae acalmando, reapparcce o ap- petite, a sede ja não queima as fauces. O mais bem combinado systema de forças determinou este feliz resultante; o veneno foi eliminado, reintegrou-se a normalidade, o horrível devia preceder ao bello; este é obra daquelle, a saú- 3 8 de precisa da moléstia para poder se manter, foi uma diversão necessária, foi uma conquista do organismo. ¥1. Entremos agora no estudo particular de certas funeções durante a febre. Calorificação—O thermometro, a agulha thermo-electrica e a mão do Medico são os instrumentos com os quaes chega-se á apreciação do calor. Os primei- ros applicados ás axillas revelão-nos o gráo de temperatura interior do corpo; a mão que approximadamenle pôde dizer-nos o mesmo serve mais para a apre- ciação de outras particularidades inherentes ao calor; por ella chega-sn ao conhecimento do que é calor franco, halituoso, seceo, ardente, acre e mordi- cante. Uma das questões a ventilar é. a seguinte: no primeiro período da febre ha augmento ou diminuição do calor? São tão desencontradas as asserções sobre semelhante particular, que qualquer resposta parece autorisada; mas apesar cios nomes imponentes de Gavarret, c Andral não pôde se dizer, segundo nos parece, que o calor augmenta no primeiro período da febre na peripheria do corpo e que as sensações de frio que os doentes aceusão são simplesmente sub- jectivas. Estes dous experimentadores querendo avaliar o gráo de temperatura somente nas axillas chegarão a uma conclusão falsa. A temperatura da região axillar é o verdadeiro thermometro da do interior do corpo e delia não se pô- de concluir para a da peripheria; tanto, que Borsieri verificando uma exage- ração de calor na referida região encontra nas outras partes do corpo, nariz, membros &c. uma diminuição de 2 á 8 gráos abaixo de 34, temperatura nor- mal destas partes. A temperatura interior do corpo marcando 37 nas axillas em um homem adulto sobe sempre de um á 6 gráos no período do frio; mas ainda que isto seja geralmente assim, não excluímos a possibilidade de haver augmento de calor uma ou outra vez na peripheria e não obstante os doentes aceusarem frio. No segundo período o calor augmenta interna e externamen- te para diminuir no período critico. Estas considerações forão lidas na obra de Pathologia geral de Mr. Bouchut. Circulação. — O apparelho circulatório é a sede de phenomenos bem notáveis durante a febre. Sendo muito variável a freqüência do pulso nas difTerentes idades, só obser- 9 vando-se essas variações no estado physiologico é que se pôde formar um juizo mais ou menos certo sobre os signaes que o pulso apresenta na febre: vejamos pois o que se deve entender por pulso febril. Na primeira infância é um pulso que excede de 110 e 120 pancadas por minuto durante a vigília e durante o somno que exceda de 100. Na segunda infância acima de 88 duran- te o somno, durante a vigília acima de 100. Na idade adulta o pulso é de 70 á 80, alem do que ja é febril. Na velhice a media sendo de 60 á 70, a freqüên- cia superior á este numero é indicio de febre, quanto á estas médias do esta- do physiologico nada ha tão variável. A febre poderá ser diagnosticada somente pela freqüência do pulso? Se as pancadas do pulso excedessem de 120 por minuto claro está que nas duas ultimas idades por este signal por si só poder-se-hia conhecer uma febre, prescindindo de outros quaesquer symptomas; mas febre pode haver e o pul- so não marcar esta cifra, o que freqüentemente dá-se; tornando-se portanto elle apenas um auxiliar de grande valor para o diagnostico da febre. É bom notar-se que no estado physiologico estas médias varião segundo o sexo, tem- peramento e constituição, e esta é a causa das asserções divergentes de Billard Valleix, Leuret e Mitivié; alem disto a natureza da causa muito influe nas ma- nifestações da febre, principalmente no pulso. Alem das variações sobre a fre- qüência que são as mais communs no pulso notão-se alterações quanto ao vo- lume, consistência e rhytmo; de modo que elle sendo freqüente, pequeno, duro e um pouco irregular no primeiro periodo torna-se maior, mais molle e mais regular no segundo. É preciso não esquecer que os batimentos do cora- ção sendo a principio surdos e com certo timbre melallico, com a apparição do calor/nudão de caracter, e que também as artérias e as ramificações capii- lares são no primeiro periodo assaltadas de um espasmo contractil. Kesplraçã©.— Geralmente diz-se que os phenomenos chimicos da res- piração se alterão, que no primeiro periodo a exhalação de ácido carbônico é menor do que no estado normal e que no segundo ao contrario ella cresce; porem semelhantes proposições ainda não tem o cunho de verdades puras. Os movimentos respiratórios no primeiro periodo são mais freqüentes e difficeis; no segundo tornão-se menos afanosos, mais amplos o a freqüência é menor que a dos do primeiro; o murmúrio vesicular as vezes se altera. I*i"-esíii© c secreçôes. —A digestão é bastante perturbada durante a febre. As secreções que se alterão no primeiro periodo e mesmo no segundo, no terceiro se restabelecem em resultado das cocções, e assim tem a febre desempenhado sua missão salutar, 10 Deixamos aqui a descripção dos symptomas apresentados pelos diversos ap- parelhos accrescentando que as funeções animaes também se alterão, que a intelli>i' eeiaoia exalta-se ora degrada-se, e que a febre compromette a unida- de da vida em sua elaboração. IAS. MceaaaisBM© üa feSsrc.—Procuremos entrar no mecanismo dos três periodos da febre. No primeiro foge o sangue para o centro pela conslricçãó dos capillares da pelle, e também pelo espasmo de que se acha attacado o co- ração; resulta o accumulo deste liquido nas vísceras; a pelle descorada perde o seo calor normal, mostra-se muito sensível á acção do ar enruga-se e encres- pa-sc ao passo que as vísceras regorgitão de sangue e tornão-se congestas; a calorificação interna augmenla-se: é fácil portanto explicar pela congestão das vísceras a tosse, o vomito, a suffocação, a constricção da região precordial, a oppressão e a displicência. Cessando o espasmo do coração e a constricção dos capillares da pelle, o sangue é projeclado largamente até a peripheria: em ra- zão do accumulo deste liquido o calor da pelle augmenta, a circulação é livre e accelerada, a respiração ligada muito de perto á ella também se agita pela maior onda de sangue que em um tempo dado o pulmão recebe. No terceiro periodo a pelle deixa escapar de sua superfície um suor mais ou menos abun- dante elaborado do sangue que a engorgitava; porque toda vez que uma massa de sangue vem surgir na peripheria do corpo é de observação que os exha- lantes cutâneos augmentão de actividade; a pelle neste caso torna-se um di- verticulo do sangue, a circulação abranda-se, desaffoga-se portanto a respi- ração e a calorificação também diminuo não só em virtude de decrescer a ce- leridade da circulação da qual é dependente, como também pelo desfalque que d evaporação do suor lhe causa. Quem estudar attentamente as sympathias que existem entre os diversos ap-> ; iielhosde algum modo comprehenderá a natureza do mecanismo da febre. 11 Procuremos alguns exemplos: a pelle entretem sympathias com os diversos ap- parelhos da economia e ha tal ligação entre ella e o apparelho digestivo, que os seus diversos modificadores e excitantes delia modificão e excitão da mesma sorte o referido apparelho. Sabem todos que pela excitação do ar athmosphe- rico sobre a pelle ha a sahida do meconio immediatamente depois do nasci- mento e não menos provada é a acção do frioe do calor sobre este apparelho em todas as idades: com o apparelho da urinação as sympathias não são me- nos sabidas; assim o frio determinando um trabalho menor da pelle excita a funeção urinaria, o calor ao contrario a amortece: um pediluvio excita a cir- culação, um banho frio embaraça em principio a respiração. O apparelho circulatório ressente-se muito de certos estados do tubo diges- tivo: os medicamentos que tem a propriedade de enfraquecer os movimentos do coração são excitantes dos rins; entre a circulação e os movimentos respi- ratórios também se notão relações sympathicas. Do lado do apparelho respiratório vemos as mesmas sympathias com o ap- parelho digestivo: o phenorneno do soluço é um exemplo bem frisante, a tosse sympathica de vermes intestinaes, as hemorrhagias de um destes apparelhos supplementares das do outro também exemplificão as suas numerosas corres- pondências sympathicas. O estudo do nervo pneumogastrico sobre certas funções diz-nos bastante quão estreitas são as sympathias dos diíTerentes ap- parelhos á cuja innervação elle também preside. O estudo do grande sympathico, nervo que preside ás secreçõees por ler uma influencia muito manifesta sobre o apparelho circulatório, nos ensina que todas as vezes que se cortão os ramos delie e extirpão-se os seos ganglions, a tem- peratura augmenta instantaneamente e de um modo duradoiro nas partes em que se elle distribúe; ao passo que ha um resfriamento muito pronunciado quando se cortão os ramos cérebro espinaes dos nervos da parte : a galvanisa- ção do primeiro, assim como a dos segundos produzem effeitos contrários aos precedentes: o grande sympathico mandando para os vasos filetes chamados vaso motores exerce sobre as túnicas vasculares uma acção bem notável qual seja a de demorar o curso do sangue de modo que por esta propriedade elle inflúe indirectamente sobre a hematose, que se dá em qualquer parte do or- ganismo provida de vasos sanguineos, determinando por esta demora o con- tado mais prolongado do sangue com os tecidos; e cffectivamenle é mais completa a elaboração de princípios mutuados resultante de acções chimicas também mais completas: á mesma acção contractil dos vasos por elle deter- minada é devida a regularidade da nutrição molecular; porquanto esta funeção 12 deve ser tanto mais poríWla quanto maior for a elaboração dos princípios as- similáveis, a qual ja vimos depender da acção indirecta do nervo em questão e se o raciocínio só por si pôde nos levar a semelhante ãsserção, as experiên- cias de Pourfour de Petit sobre os ganglions cervicaes superiores cuja abla- ção foi feita em cães cabalmente demonstrão que o olho correspondente aos ganglions excisados se altera em sua nutrição tornando-se remelloso, atrophia- do a ponto de quasi nada enxergar o animal: cm additamento diremos que segundo a opinião de Cl. Bernard revalidada pelas de Chossat eBrodie o sys- tema ganglionario pôde influir directamente sobre o calor animal, indepen- dente do estado local da circulação retardada ou accelerada. Esta opinião apesar das contestações de Brown Sequard e SchiíT nos quadra ao espirito e nos tira do embaraço em que muitas vezes nos collocão certos symptomasdas nevroses, bem como o calor errático e o frio da mesma natureza que soem apparecer na hysteria e em outras perturbações da innervação. Esta digressão que fizemos podendo á primeira vista parecer estéril e tra- duzir somente o desejo de ampliar as proporções do nosso trabalho (pensa- mento inteiramente opposto ao nosso) é fecunda em inducções scientificas ne- cessárias ao desenvolvimeuto do nosso ponto: com effeito pelo exposto pode- mos dizer a nossa opinião acerca da explicação do mecanismo da febre. Apre- ciando-se o valor de cada uma destas conclusões das experiências sobre o systema ganglionar, pela coordenação das mesmas, pelo contexto de todas ellas e pela serie de phenomenos geralmente chamados sympathicos podemos dizer que a febre resulta do enfraquecimento da acção nervosa do grande sym- pathico e superexcitação daquella do systema cérebro espinhal. O que nos de- nuncia o primeiro periodo da febre? Uma exaltação do systema cérebro es- pinhal sem duvida alguma, exaltação que se traduz pelas contracções quasi convulsivas dos músculos da vida animal, frio da peripheria; enfraquecimen- to do systema sympathico produzindo augmento de calor interno, acceleração da circulação, congestão para os órgãos internos. No segundo periodo todos Os phenomenos demonstrão a fraqueza da acção nervosa do centro ganglio- nario: artérias dilatadas dando o phenomeno do pulso cbeio, temperatura elevada em todas as partes do corpo. No terceiro periodo restabelecimento do equilíbrio, senão duradoiro, ao menos passageiro das duas forças nervosas transviadas; a alteração do systema nervoso da vida animal entra portanto na febre em mui pequena parte. Esta theoria da febre podendo soffrer aliás algumas objecções tem os mes- mos foros que as outras que tem sido apresentadas á sciencia sobre as mo- 13 lestias que os autliores concordão em chamar nervosas, theorias que também não são isentas de objecções e entretanto são admittidas por todos e gosão de foros scientificos. Na classe das nevroses estão moléstias muito difterentes em suas manifestações externas e que são comprehendidas na mesma classifica- ção. Quem não ve as differenças da hysteria e do tetanos, deste e da choréa ? Todos vêem e comtudo dizem que todas três são nevroses: se alguns pontos de contacto existem entre as moléstias apontadas, quão distanceada dellas se acha a glycosuria que a physiologia moderna collocou também na classe das nevroses? Vê-se pois que bem insignificante é a fôrma quando estudada a es- sência. Poderáõ dizer-nos que é caracter das moléstias nervosas a apyrexia; mas achamos tão banal esta objecção, que toda resposta á ella dada nos pare- ce generosa: com eífeito pyrexia vem de uma palavra grega que quer dizer fogo; dá apenas idéia do augmento do calor; e quem dirá indagando a natu- reza da febre que é o augmento do calor a moléstia em si? Só talvez o mes- mo que querendo explicar a natureza da hysteria, do tetanos, da eclampsia &c. se contentasse com chamal-as moléstias convulsivas: é este um modo muito material de classificação e que não satisfaz as exigências do espirito humano na indagação das verdades que são os materiaes de construcção da sciencia. A apyrexia não é pois caracter essencial das nevroses e não deve sêl-o de modo algum no estado actual da sciencia; as nevroses são alterações das forças nervosas; a febre portanto é uma nevrose. B!fc. Estatheoria que hemos expendido de nenhum modo destróe as idéias do pae da Medicina. Hippocrates ignorava a anatomia e a physiologia e portanto não podia dar-nos explicações minuciosas a respeito da febre: dão-se todos os phenomenos referidos explicáveis pela maneira mencionada. Todos os ór- gãos da economia estão sujeitos á forças que os movem e os dirigem: a mo- lécula nervosa só por si é inerte e apenas instrumento passivo das forças que a animão: não podemos deixar de admittir um principio de força ao qual é subserviente o organismo animal e é esta força que põe em contribuição os seus órgãos para realisar effeitos determinados, é ainda ella que encarrega o systema nervoso de produzir a febre para livral-o do principio morbifico que sobre elle actúa enfraquecendo a acção nervosa do grande sympathico: Hip- pocrates chamava-a natureza, os modernos chamão-na principio vital. Nada 14 tem que ver a theoria que explica a natureza da febre com a que líippocra- tes apresentou sobre a mesma, não a respeito de sua naturezi, mas em rela- ção ao fim para que ella se apresenta; em uma palavra o naturismo dizia que a febre é um movimento salutar da natureza para expellir o principio morbi- fico; a theoria que apresentamos explica apenas este movimento porque ó de- terminado; mas o fim para que elle tem logar não tem que ver com ella, ex- plica o facto, repito, sem entrar na opportunidadc nem na razão de sua exis- tência; a theoria hippocralica entretanto passando por sobre o mecanismo desta operação, omissão que não podia deixar de existir perante os conheci- mentos da epocha, visa mais longe dando-nos a razão de sua apparição: es- tamos portanto de accordo com llippocrates apesar de adoptarmos a explica- ção que acima demos sobre a natureza do mecanismo da febre. E&üagsiíistS*;:*.— A avaliação do pulso nos gráos que referimos e o aug- mento d,r temperatura do corpo são elementos que por si sós bastão para o diagnostico da febre. A denominação de febre dada ás anômalas divididas em larvadas e incom- pletas parece-nos pouco conveniente; porquanto uma dôr por si só não indica febre, um estádio único também não a caracterisa. A verificação da febre deve levar ao Medico á indagação da causa que a tem produzido, sem o que o diag- nostico não pôde ser completo, apezar de que o caracter, as circumstancias em que se ella apresenta e certos symptomas mais especiaes muitas vezes de- nuncião só por si a moléstia de que a febre é sympathica. EPrí^Baí&stSew.—Tendo a febre sempre um fim salutar, não obstante por si só pode determinar conseqüências fataes: se uma força intelligente a diri- gisse, então sempre o seo fim seria realisado; mas as forças reactôras da eco- nomia não discorrem e quando a acção dellas é exagerada, ai dos doentes fe- bricitantes! convém accrescentar que deve entrar muito em linha de conta para formar-se o prognostico a causa da moléstia febril. Tfiierapcutica.— A observação mostra, que para que uma moléstia se termine natural e felizmente, o organismo deve desenvolver um certo gráo de energia acima e abaixo do qual os phenomenos mórbidos são muito inten- sos ou muito lentos, excessivos ou insuficientes, funestos cm ambos os casos. 15 No primeiro os doentes morrem ou por uma espécie de esgotamamento indi- recto da resistência vital ou pela desorganisação rápida do tecido de algum apparelho principal ou pela alteração e superanimalisação dos humores e so- bretudo do sangue. No segundo o mesmo resultado tem logar, mas de outro modo. O enlanguecimcnto dos movimentos vitaes deixa o individuo debaixo da influencia de uma causa mórbida ou de uma diathese que consome progres- sivamente a resistência vital e o esgota directamente, attaca e destróe sur- damente a textura de alguma víscera importante, em fim vicia e empobrece o sangue despojando-o pouco e pouco de seos elementos plásticos £ vivificantes. No primeiro o organismo periga e morre por excesso, no segundo por dimi- nuição. (Trousseau e Pidoux—Med. Excit.) É sobre este bello texto de Trousseau que vamos fundar a therapeutica da febre. Sendo a febre uma reacção do organismo para um fim salutar, o Medico deve sahir-lhe ao encontro ou crusar os braços e deixal-a seguir? É em uma moléstia de tal ordem que a Medicina expectante, a homeopathia e a hygiene tem tirado as vantagens que tanto alardeão. Se a febre é como cremos um movi- mento todo salutar do organismo para expellir o principio morbifico, deve-se suppôr que a arte quando intervenha não faça mais que ajudal-a e nunca es- torval-a. A Medicina expectante muito recommendada pelos naturistas como a mais racional e conveniente para o caso que nos oecupa, vê impassível o re- sultado de sua indolência sem despertar da immobilidade que a caracterisa; se muitas vezes um verdadeiro triumpho se alcança por ella, quantas decep- ções ao contrario não soffre o Medico que crusa os braços perante um doente febricitante! Deve-se seguir a natureza e não contrarial-a em suas tendências salutares; porem corrigir os seos desvarios é da competência da arte activa. O organismo periga por excesso ou por diminuição de reacção, a arte no pri- meiro caso modera, no segundo activa. ^©caslo pro^seps.—Surprehender o momento em que convém obrar é a excellencia da therapeutica medicamentosa. Consideremos um doente delirando e ardendo em febre e por isso immi- nente á congestões dos diversos órgãos, á desorganisação dos tecidos dos mes- mos; neste estado de excitação a arte deve oppôr uma sedação porporcional; é então qu>>. surge o emprego dos antiphlogisticos, temperantes e refrigerantes; nem isto poderá destruir ou ao menos abalar a verdadeira idéia que se deve ter da febre: estes meios embaração a marcha da natureza que então era pre- cipitada e desvairada e por isso perigosa. Se ao contrario o movimento febril é fraco, se elle liga-se á um estado mor- o I (5 bido cuja causa é especifica tendo sobre o systema nervoso uma influencia estupefaciente e perturbadora mais ou menos profunda, então a indicação ja é muito diversa, diametralmente opposta a primeira: é preciso tonificar, le- vantar as forças aos doentes, sustentar as forças radicaes de Barthez; para que as forças in actu possão nellas haurir os elementos precisos para sua sustentação; as vezes obra-se directamente sobre as ultimas por meio dos excitantes ditfusivos para ao depois a medicação se dirigir ás primeiras por meio dos tônicos nevrosthenicos. O que procura fazer o Medico perito dian- te de um doente de febre typhica de fôrma adynamica, no qual o calor da pelle está muito abaixo da temperatura ordinária, as pulsações fracas e lentas, diarrhéa, retenção de urinas, movimentos musculares difficeis, estupor, coma, emfim onde existem todos os symplomas de um estado adynamico? Neste ca- so é preciso dar febre aos doentes como diz Chomel, é preciso actívar o mo- vimento febril que não pôde ter logar pela fallencia; a reacção salutar é fraca ou nulla, nada de cocções, nada portanto de saúde; porque a moléstia princi- pal é extremamente asthenica, altaca directamente a vida. Ai dos velhos pneumonicos nos quaes a vida está para extinguir-se qual luz mortiça á mingoa de combustível! ai delles cm quem não pôde dar-se um movimento febril que os livre da phleugmasia que dorme em seo peito e que sirva de um verdadeiro pharol á sciencia que os quer pensar ' É portanto a idade uma circumstancia que embota a reacção febril que o Medico deve provocar. Entre estes dous estados extremos em que a arte deve tomar uma parle activissima, existe um intermediário em que a febre não sendo excessivamente intensa para comprometter mortalmente o jogo vital e nimiamente fraca para consentir na invasão da moléstia que attacou profundamente a vida, se con- serva no ponto compatível com o fim á que ella se propõe e é em tal caso que a sciencia está em deixar que tudo proceda ao talante do organismo que quer curar-se a si próprio, em ficar inteiramente na expectativa, em deixar o doen- te entregue á seos próprios recursos e quando muito aconselhar-lhe este ou aquelle meio hygicnico; é ainda neste mesmo caso que um astuto traficante de miudissimos glóbulos diz muito ancho de si—as minhas drogas curão. O corpo animal, qual republica federativa, compõe-se de differentes partes que concorrem para sua defeza commum. Além dos interesses individuaes de cada uma e da independência de que gosão, ellas se harmonisão para um fim único, o de sua conservação, e quaes sentinellas avançadas respondem to- das ao mesmo brado e impávidas pegão das armas para manter a sua inalie- nável autonomia. Co<(Sensus unus, consenlienlia cmnia/ Aborto provocado c suas indicações. PBftPOSIGOES. «> 1.» Aborto ê a expulsão do teto sobrevinda em uma epocha da prenhez em que elle ainda não é vitavel. 2.a 0 aborto provocado pelo Medico com fim louvável é o que nos occupa. 8.» Ha casos em que esta operação é urgentemente reclamada. 4.a Um estreitamento que reduza o menor diamentro da bacia à menos de seis centímetros e meio é uma indicação formal desta operação. 5.» As moléstias que acompanhão a prenhez chegando ao ponto de compro- meto seriamente a vida da mulher reclamão o aborto. 6.» Entre taes moléstias sobresáem as hemorrhagias rebeldes, os deslocamentos 18 irreductiveis do utero, tumores volumosos que não podem ser operados e os attaques fortes de eclampsia. 7.a Em casos de tal natureza o Medico deve esforçar-se por vencer a obstina- ção da mulher para semelhante operação. 8.a Muitas mortes se dão na occasião do parto por não ter-se praticado o abor- to na epocha conveniente. 9.a A falta de freqüência desta operação é devida ao escrúpulo das famílias. 10.» É muito para desejar que numa mulher suspeita de estreitamento de ba- cia fosse sempre permittída ao Medico a pratica da pelvimetria no principio da prenhez, ll.a Semelhante exame salvaria a vida de muitas mulheres, porque as indica- ções do aborto e do parto prematuro em gpande parte serião conveniente- mente apreciadas. 12.» A humanidade lucraria muito se o exame da bacia precedesse á prenhez e mesmo ao casamento. 1.3» A pratica do aborto excluiria as da symphiseotomia, embryototnia e da ope- ração cesarea, 19 14.* Entre os meios propostos para a provocação do aborto os mais efficazes são a puncção, o descoUamento do segmento inferior das membranas, a intro- ducção da esponja preparada no orifício do collo do utero. 15.» Se as circumstancias reclamarem forçosamente uma victima, esta nunca seja a mnlher e sempre o fructo de seo ventre. § delações da raediciBia coito as selciscias plillosopliicaso PROPOSIÇÕES. 1.» A philosophia é uma sciencia universal. 2.» Na antigüidade o Medico era o philosopho. A philosophia inflúe tão directamente sobre as demais sciencias, que lhes imprime sua feição dominante. 4,« Na phrase do illustre Bénard todas as sciencias se ligão ao estudo da phi- losophia por seos princípios, methodo e fim remoto. 5.a As mandes bases da Medicina ratio et observatio para serem sólidas de- vem assentar sobre a sã philosophia. 6.» Ambas estas sciencias tem por divisa a inscripção do templo de Delphos— no€ce te ipsum, 21 7.» São tão estreitos os laços que prendem a philosophia á Medicina como os que ligão a alma ao corpo. 8.» Platão clamava contra a ignorância humana que separa o estudo da al- ma do do corpo. 9.» É incontestável o auxilio que se mutuão a physiologia, a pathologia e a psy lO.a chologia Os dous grandes systemas da Medicina vitalismo e organicismo tem seo ponto de partida_do espiritualismo e materialismo. ll.a Em vez da Medicina autorisa^o materialismo, ao contrario o estudo do cor- po humano minuciosamente feito leva o Medico ao espiritualismo. 12.* O grande physiologista Flourens neutralisa todo o systema sensualista de Gall c Suprzheim. 13.* Se os desvios da philosophia crearão Luthero e Calvino em religião, Marat e Robespierre em política, também em Medicina tem produzido Brown, Brous- sais e outros. I4.a É portanto a Medicina o que a philosophia quer que ella seja. 15.» A Medicina e todas as sciencias são verdadeiros astros opacos que brilbão com a luz emprestada da philosophia. Apreciação das theorias eonhccidas sofore a fecundação do ovialo vegetal. PROPOSIÇÕES l.a Fecundação é a funeção em virtude da qual o órgão sexual masculino ém eontacto com o feminino determina a formação do embryão. 2.a É pela acção do pollen sobre o óvulo que se fôrma o embryão vegetal. 3." Diversas theorias tem sido apresentadas á sciencia sobre a fecundação ve- getal. 4.a Trèviranus emepochas remotas apresentou uma memória sustentando que a fecundação vegetal era apenas uma modificação ou extensão da nutrição. 5.a Schelver e Henschel crendo que o pollen tinha uma acção deletéria so- bre o stigma e stylo explicavão a fecundação pela concentração para o óvulo dos suecos nutritivos dos referidos órgãos mortificados. 6.» Para estes authores a fecundação ainda era uma nutrição exagerada. 7a. Esta theoria fundada sobre observações mal feitas não pôde por modo algum! ser aceita. 8.» Os multiplicados exemplos de plantas hybridas mostrão á luz meridiana a concurrencia dos dois sexos. 9.a A sciencia registra mais dois systemas oppostos—a epigenese e a evolução. 10-a O primeiro nega a existência do germen antes da fecundação, o segundo ao contrario aíTirma. ll.a Os partidários da evolução se dividião quando tratavão de fixar o sexo onde existe o germen. 12.a Needham, Morland, Hill e outros em contraposição a Graaf, Vaillant e Bon- nct collocavão no pollen a preexistência do germen. 13.a A theoria de Schleiden portanto nem tem ao menos as honras da origina- lidade. 14.a Muitos naturalistas chegarão a flizer calar á Schleiden a convicção de que erão falsos os princípios sobre que assentava a sua theoria, 7. 24 15.a A extremidade do tubo pollinico não penetra no sacco embryonario e nem tão pouco fôrma a vesicula do interior do mesmo sacco. 16.» É pois a vesicula embryonaria independente do tnbo pollinico e a sede de preexistência do germen. 17.a Rasoavel é o parallelo entre a fecundação vegetal e a animal. 18.a O óvulo animal e o seo vitellus são representados no vegetal pela vesicula embryonaria e a matéria granulosa nella contida. 19.a Em ambos os reinos a fecundação conserva identidade nos phenomenos surprehendidos pela observação. 20.» É que a natureza tende sempre para a unidade. ««si niii: 1.» Vita brevis, ars longa, occasio proeceps, experientia fallax, judicium difficile. Opportet autem non modo se ipsum exhibere quce opportet facientem, sed etiam cegrum, et proesentes et externa. (Sect. í.Aaph. i °) 2° Febrem convulsioni supervenire meliús est quàm convulsionem febri. {Sed. 2,a aph. 26.e) A convulsione aut tétano detento febris superveniens solvit morbum. {Sect. 4.* aph. 57.°.) 4.<> Eorum qui non omninò leviter febricitant, permanece et nihil remittere corpus, aut etiam magis quàm pro ratione colliquefieri, malum est. Illud enira morbi longitudinem significai, hoc vero infirmitatem. {Sed. 2.» aph. 28.°) 5.o Si quis febricitanti ciburn def, convalescenti quidem, robur; cegrotanti vero, morbus fit. (Sect. 7.a aph. 05.°) 6.o Ad extremos morbos extrema remedia exquisitè optima. {Sed. 1 .a aph. 6.°) ■y&emetâda a Somm/Úao %7cefM^ora-. iJòa/ua e ^acaí./ac/e c/e ts/weoucôna /?'■. Lu/4/ia> f---c/ecre farto tnfepuno. Sdàa /Ae^e eófa. conforme aoó Coàfafafaó. 3úa/u'a sa ae tSefcmtfro ae sS&T. £/)?: c/oare ^r fgunú* VaOÍ. r. *///(£>oura rj??z/&r&ma=ée. cÚanta e J/'acau/aae ae tsvôeatctna 23 ae Oa/urfro ae syój. *2jr. 3õ»/iádfa---Wtrecfar. BAniA—TYP. DE CAMILLO DE LELLIS MASSON & C—1865.