nouiKNimiuMiuu THESE DE r \ r THESE APRESENTADA E AMAMENTE SUSTENTADA PERANTE A FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA EM NOVEMBRO DE 1870, AFIM DE OBTER O GRÁO DE DOUTOR EM MEOICIXA, POR DEOCLECIAIíO PIRES TEIXEIRA FILHO LEGITIMO DE AOTIO JOSÉ TEIXEIRA E D, MARIA MAGDALENA DA SILVA TEIXEIRA NATURAL DA YILLA DO BREJO GRANDE (BAHIA) On peut exig-er beaucoup de celui, qui devient auteur, pour acquerir de la gloire, ou par un motif d’interêt, mais celui qui n’écrit que pour satisfaire á un devo ir dont il ne peut se dispensei* a une obligation que lui est imposée, a sans doute des grands droits à 1’indulgence de ses lecteurs. (La Bruyere) BAHIA IMPRESSA NA TYPOGRAPHIA DO DIÁRIO 1890 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA. DIRECTOR 0 EXM. SR. CONSELHEIRO DR. JOÃO BAPTISTA DOS ANJOS. VICE-DIRECTOR 0 EXM. SR. CONSELHEIRO DR. VICENTE FERREIRA DE MAGALHÃES. Os Srs. Doutores LENTES PROPRIETÁRIOS. l.° anno. Physica em geral, e particularmente em suas applicações á Medicina. Matérias que leccionão Cons. Vicente Ferreira de Magalhães . Francisco Rodrigues da Silva Chimica e Mineralogia. Adriano Alves de Lima Gordilho . . . Anatomia descriptiva. S.° anno. Antonio de Cerqueira Pinto Chimica organica. Jeronymo Sodré Pereira Physiologia. Antonio Mariano do Bomfim Botanica e Zoologia. Adriano Alves de Lima Gordilho . . . Repetição de Anatomia descriptiva. Cons. Elias José Pedrosa Anatomia geral e pathologica. José de Goes Siqueira Pathologia geral. Jeronymo Sodré Pereira Phisiologia. 3.° anno. 4.° anno. Cons. Manuel Ladislau Aranha Dantas . . Pathologia externa. Pathologia interna. Cons. Mathias Moreira Sampaio . . Partos, moléstias de mulheres pejadas e de meninos recemnas eidos. Continuação de Pathologia interna. Matéria medica e therapeutica. 5.° anno. José Antonio de Freitas 1 Anatomia topographica, Medicina operatória e apparelhos. 6.° anuo. Pharmacia. Salustiano Ferreira Souto Medicina legal. Domingos Rodrigues Seixas Ilygiene e Historia da Medicina. Clinica externa do 3.° e 4.° anno. Clinica interna do 5.° e 6.° anno. Antonio Januario de Faria OPPOSjTORES. Rozendo Aprigio Pereira Guimarães Igtiacio José da Cunha Pedro Ribeiro de Araújo . José Ignacio de Rarros Pimentel. Virgilio Clirnaeo Damazio. Secção Accessoria. José AíTonso Paraizo de Moura . Augusto Gonsalves Martins . Domingos Carlos da Silva. Secção Cirúrgica. Demetrio Cyriaco Tourinho . Luiz Alvares dos Santos . . . ' . Secção Medica. SECRETARIO O SR. DR. CINCINNATO PINTO DA SILVA, OFFICIAL DA SECRETARIA A Faculdade não approva nem reprova as opiniões emittidas nesta these. O SR. DR. THOMAZ DE AQUINO GASPAR. PONTOS DISSERTAÇÃO Astlima. PROPOSICÉS ô «!&©$&© aiBim Hv gienc da mulher em estado de gravidez. ú&h ®n©©a© mmmmmm* A§|)lir\ia tios recem-naseitlos, suas causas, formas, diagnostico c tratamento. 253ifI€lJÍ© Pócle-se, cm geral, ou excepeionalmeutc aífirmar f|uc houve estupro? SECCÂO MEDICA V» ASTHMA DISSERTAÇÃO « La dyspnèe asthmatique représente un type spécial, qui ne trouve point son analo- g-ue dans la classe des dyspnées mécaniques ou chimiques.» G. SÉE. IBIstorico asthma é uma moléstia que data da mais remota anti- guidade. Hyppocrates, Paul cVEgine, Avicenne, e mui- tos outros a descreveram com mais ou menos clareza nas suas obras. Todos, porém, n essa epocha a consideravam synonima das dyspnéas originarias de perturbações organicas. Estudos sérios e importantes foram emprehendidos por Ccelius Aurelia- nas sobre sua symptomatologia e therapeutica. Em 1770 apparece Willis, que, admittindo as idéas erróneas dos antigos, faz depender a asthma de muitas circumstancias: l.° de uma affeccão pul- monar; 2.° de uma simples convulsão nervosa; 3.° de uma contracção es- pasmódica dos bronchios. Estava reservada â Callen e Sauvages a gloria de, primeiros, demonstra- rem a independencia da asthma; estes celebres nosographos, ligando seria importância á um dos seos principaes caracteres—a intermittencia, procu- raram diferençar as dyspnéas,—symptomaticas de lesões organicas, dJaquel- las que, referindo-se á alterações menos palpaveis, eram contempladas, por elles, como essenciaes. Rostan, já em nosso século, quando ainda era medico do hospital de La Salpêtrière, em trabalho especial emprehendido sobre a astlima dos velhos, atacava a essencialidade da astlima, não estabelecendo dístincção entre esta moléstia e dyspnéa; para elle estas duas palavras eram synonimas, e não acre- ditava n'essa nevrose bizarra do apparelho respiratório, considerando-a symptomatica de uma affecção do coração ou dos grossos vasos. Si a theoria de Rostan não é verdadeira, como veremos quando tratar- mos da Pathogenia, teve, sem duvida, o mérito de provocar discussões da parte dos médicos mais notáveis d5aquelle tempo, resultando dJahi trabalhos tão importantes quanto uteis á sciencia, e principalmente á moléstia que nos occupa. jBeau com tenacidade e perseverança acceitando as idéas de Galeno, que, primeiro, reunio os princípios do humorismo em corpo de doutrina, e não querendo se afastar d'essa eschola antiga, sustenta em 1856 que a astlima é o resultado de um catarrho chronico dos pequenos bronchios, acompanhado de secreção de escarros, cuja densidade e viscosidade só se encontra nesta moléstia; approximando-se, assim, da theoria invocada por Louis. Relevantes serviços deve a Medicina ao distincto medico da marinha fran- ceza—Léfèvre, o qual, escrevendo a historia de sua própria moléstia, de- monstrou satisfactoriamente em 1847 a essencialidade da astlima, essenciali- dade combatida em outros tempos pela auctoridade de Louis, e hodiernamente acceita por Cruveilhier Trousseau, Fouquier, Lourain, Jaccoud e muitos ou- tros. Para Trousseau a asthma é uma affecção francamente nervosa. É uma nevrose, diz elle, de natureza particular, e para definir sua especie, accres- centa: é uma nevrose diathesica, isto é, que é muito raro que esta aífecção não se ligue á existência de uma diathese. É esta também a opinião da maioria dos Pathologistas, e nós, em nosso fraco entender, pensamos que só a doutrina das diatheses permitte explicar os phenomenos da asthma e as suas phantasias as mais excêntricas. Definição Descrever uma moléstia enumerando seos caracteres distinctivos, de modo que se possa a reconhecer toda vez que ella se apresenta, é difficil; e ma is difíicil, pelo menos á nós baldo de recursos intellectuaes, é definir, isto é, precisar a natureza de uma moléstia; porque a natureza, a essencia das mo- léstias é quasi sempre ignorada e quando a suppomos conhecida, não é, ge- ralmente fallando, bem estabelecida e determinada para fundamentar uma boa definição. NTessas condições, tendo nós de dar uma idéa do que enten- demos por asthma, preferimos em breves palavras descrever os seos caracte- res distinctivos, procurando, tanto quanto cabe em nossas fracas forças, des- tinguil-a das outras affecçõcs, que, certamente com ella, entreteem pontos de contacto. Apadrinhemo-nos com o eminente professor do Hotel-Dieu e digamos:— a asthma é uma nevrose do apparelho respiratório, ligada quasi sempre á uma diathese e caracterisada pelo espasmo dos tubos bronchicos, o qual pro- duz ataques de dyspnéa, oppressão et ccetera, ataques que rcapparecem em epochas mais ou menos approximadas e regulares, e no intervallo dos quaes as funcções respiratórias retomam ordinariamente sua normalidade acostu- mada, podendo ser acompanhada, e, muita vez também, ser a causa de lesões cardiacas, pulmonares, et ccetera. Etiologia «Felix qui potuit rerurn cognoscere cauzas.» I CAUSAS PREDISPOísENTES GERAES. Tem-se notado que o desenvolvimento da asthma é muito frequente nos paizes montanhosos, em geral prejudiciaes aos doentes, os quaes buscam de preferencia os paizes planos, e particularmente as localidades, cuja atmos- phera é densa, calma e carregada de oxigeneo. Na verdade, á medida que se eleva na atmosphera, o ar torna-se mais raro e menos denso, á volume igual elle contem uma quantidade menor de oxigineo, e a pessoa que o respira é obrigada á multiplicar suas inspirações, para que a hematose não soffra. Si a rarefação é levada á um certo gráo e durante um certo tempo, sua influencia se exerce sobre os indivíduos sãos, e com mais forte razão sobre os asthmaticos. As crises asthmaticas são quasi sempre renovadas pelos ventos—este e norte. Os climas, cuja temperatura é sujeita á variações bruscas, obram no mesmo sentido, favorecendo a apparição dos accessos; paizes ha qne, sob 4 este aspecto, parecem gozar de uma certa influencia nociva: é assim que a asthma é endemica no Saxe, muito frequente na ilha da Reunião e nas costas d'Azia Menor. À temperatura baixa obra com maior energia nos paizes meridionaes, e nas estações quentes; é o que levou Trousseau á dizer que, a asthma é uma moléstia de estio, pois que as pessoas atacadas o são mais vezes entre Maio e Setembro, isto é, no verão; circumstancias que Valleix e G. Séc explicam pelas Variações bruscas na temperatura, variações mais frequentes nesses paizes, e mais difficeis de se evitar por falta de precauções. A affinidade da asthma para certas localidades é um facto ha muito co- nhecido na sua historia, e ninguém ignora quanto é commum ver-se acces- sos repetirem obstinadamente na cidade, onde a moléstia tem tomado nas- cimento, e desapparecem sob a influencia atmospherica de uma outra cidade. A lei, porem, que preside á essas modificações favoráveis ainda é desconhe- cida na sciencia, e auctor nenhum, até hoje, tem dado aos factos verdadeira interpretação. Desde ha muito os médicos teem notado essa singular circumstancia, que a emigração para as cidades populosas apresenta vantagens reaes; um mancebo de Saint-Omer, (diz Trousseau), sujeito á frequentes ataques dc asthma foi habitar Londres, onde, durante dous annos, não experimentou a menor oppressão; em sua volta á Saint-Omer os ataques reappareceram; de- pois de alguns annos veio por duas vezes á Paris, onde também era alli- viado dos seos aceessos. Um advogado, amigo do professor do Hotel-Dieu, foi acommettido cm Calcados por ataques nocturnos, que cessavam cm Paris. Ducamp falia de um seo doente atormentado em’ Corbcil por aceessos frequentes e intensos, que cm Paris cediam á uma perfeita saude. Os médicos inglezes, á vista d’estes factos e de outros, são acordes em considerar a atmosphera das cidades populosas favoravel aos doentes, e em apoio d’esta opinião Trousseau, Ducamp e outros, citam os casos acima re- feridos e Floyer diz que seos ataques ficavam suspensos durante todo tempo que residia em Oxford, e reappareciam no condado de Stafford. É Salter, porém, que tem reunido maior numero de provas em apoio d esta doutrina; elle conta minuciosamepte a historia de vinte asthmaticos, cujos aceessos modificavam-se com a mudança para as cidades populosas, particularmente Londres, Glascow e Manchester; sendo para notar-se que os resultados co- lhidos pelos doentes n estas cidades eram ainda mais satisfactorios nos seos quarteirões os mais expostos á fumaças de carvão, mal arejados e nebulosos, Nem sempre, porém, acontece assim. Grande numero de doentes obteem melhoras sensíveis, quanto á intensidade e repetição dos accessos, quando deixam as cidades pelo campo: um asthmatico, refere G. Seé, vio seos ata- ques desapparecerem no condado de Hertford, e um outro, negociante de cavallos, soffrendo em Londres se restabeleceo em Brighton. N’estes casos, a melhora será devida ao facto da emigração? Os casos se- guintes parecem confirmar que, em seguida de expatriações, ou até de sim- ples mudança de localidade, os doentes conseguem, na verdade, algumas vezes desembaraçar-se de seos soífrimentos: um doente, mencionado na me- mória de Lefévre, deixou seo paiz natal por espaço de dous annos, e pôde depois ahi morar impunemente; um Americano passou-se para a Europa, e seo mal desappareceo; Trousseau conta que um interno do hospital Beaujon cessou de soílrer de.sua asthma no IIotel-Dieu. Como explicar estes factos? II CAUSAS PREDISPONENTES INDIVIDUAES Sexo.—As moléstias nervo&as são por assim dizer o apanagio do sexo amavel; a asthma, porém, segundo estatísticas de auctores notáveis, consti- tuo excepção á esta regra. Pridham conta vinte mulheres sobre cem asthma- ticos; Nttumann diz que esta affecção é seis vezes mais commum nos ho- mens; Thery encontra sobre cento quarenta e nove doentes somente sessenta mulheres; Salter dezoito mulheres para trinta e seis homens. Existe, é verdade, entre os pathologistas dissidência na proporção; mas todos elles reconhecem que os homens são mais sujeitos á asthma, que as mulheres. E- porque? Nós o ignoramos. Temperamentos.—Nenhum temperamento, nenhuma constituição, forte ou fraca, está isenta da asthma; é pois um erro admittir-se asthma pletho- rica c asthma cachetica. O temperamento nervoso, que pela theoria parecia predispor o indivíduo á contrahir esta moléstia, acabou por ser despojado de seos previlegios, logo que foi provada a raridade relativa da asthma en- tre as mulheres. Herança.—Factos numerosos e positivos, hoje do dominio da sciencia, attestam a influencia hereditária; é assim que vemos Trousseau herdar de sua mãi a asthma; Léfévre de seo pai; Floyer de seo avô; e como estes muitos outros factos. Ramadge refere um caso bem importante: um asthmatico, pai de quatro meninos, vio tres de seos filhos serem successi- vamente atacados; uma de suas filhas casou-se e deo á luz á duas meninas, das quaes uma asthmatica, a outra foi poupada, mas um dos filhos d’esta não deixou de pagar o seo tributo. A estatística de Salter é ainda mais instructiva do que esses factos isola- dos de herança directa e indirecta. Em trinta e cinco casos Salter achou quatorze vezes traços de verdadeira herança, sendo sete de origem directa e paterna, e sete provenientes de avós e parentes collateraes. A influencia hereditária é mais evidente nas asthmas gotosas e nas infan- tis, o que confirma G. Sée com as seguintes palavras: Cest surtout dans les asthmes gotteux, d'une part, et, d’une autre part, dans les asthmes in- fantiles qui sont fréquement dartreux que Von constate le plus évidemment 1’influence héródité. É pois incontestável a influencia de familia, e actualmente a maioria dos pathologistas são de opinião que a astlima é as mais das vezes dependente de uma diathese hereditária. Diatheses.—A influencia hereditária estende-se ainda muito além, por quanto tem-se notado que as modificações constitucionaes do organismo, taes como as diatheses herpeticas, rheumatismaes, gotosas, darthrosas, etc., se traduzem muita vez por verdadeiros accessos de astlnna, que ifiesses casos con§titue a fiel expressão dos differentes estados morbidos—gota, rheumatismo, darthros, etc., affecções que por sua vez podem ser manifes- tações da diathese asthmatica. Trousseau. Á Bouillaud pertence a gloria de, primeiro, ter assignalado factos que bem claro provam a alternativa da astlnna com o darthro; e Trousseau em seo livro—Clinique mêdicale de VHotel-Dieu—corrobora a opinião de Bouil- laud com factos positivos, accrescentando que, o que se dá com os darthros, dá-se também com o rheumatismo, a gota, a hemorrhoida, e a hemicrania, t irando dos factos a conclusão seguinte: Vasthme est une nêvrose diathesique, cest-à-dire qu il est très-rare que cette affection ne se lie pas à Vexistence d’une diathèse. Não podemos, portanto, deixar de abraçar a opinião de Trousseau em face dos factos por este auctor referidos, e tão escrupulosamente estudados. Duelos, de Tours, procurou estabelecer que em todos os asthmaticos ha uma diathese herpetica; e de dous factos, por ellc observados, tirou a se- guinte conclusão: a asthma é uma affecção herpetica de marcha aguda das vias respiratórias. Não contestamos a influencia da diathese herpetica no desenvolvimento da asthma; mas que ella exista Sempre, como quer Duelos, não podemos admittir, pois para isso seria mister que esta theoria fosse baseada em maior numero de provas. Ha ainda uma outra diathese, da qual a asthma póde ser a manifestação, é a diathese tuberculosa, admittida por Trousseau, e que Valleix considera menos importante, do que as que temos mencionado. Idade.—Todos os auctores são acordes em dar á idade uma influencia não pequena sobre a manifestação e frequência da asthma; e, na verdade, em ne- nhuma phase da vida está o indivíduo isento d'esta affecção; pelo contrario, ella ataca não só o moço, como o velho e até a criança; posto que antiga- mente se acreditasse que os mancebos eram poupados. Ha, porém, certos períodos da vida que mostram-se mais particularmente predispostos; alguns attribuem esses previlegios á idade adulta, outros, porém, caracterisam a ordem de frequência do modo seguinte: l.° os vinte primeiros annos; 2.° a velhice; 3.° a idade adulta. Salter, em um quatro estatistico representando um total de 47 casos, con- firma a ordem de frequência acima, que também é acceita por G. Sée. A asthma infantil tem sido negada; mas hoje ella está reconhecida e pro- vada pelos exemplos referidos por Salter, Trousseau, Duelos, Bergerou, Barthez, etc. III CAUSAS OCCASIONAES, DETERMINANTES As causas occasionaes são as mais das vezes impotentes na producção dos accessos asthmaticos; para que ellas possam obrar é necessário que sejam pre- cedidas da 'predisposição, isto é, de alguma das influencias, que já enume- ramos, (quando tratamos das causas predisponentes geraes e individuaes), quer estas influencias sejam exteriores ao doente, quer dependentes de mo- dificações internas, tanto na ordem physica e physiologica, como na ordem moral; outras vezes, porém, ha n'ellas alguma cousa de tão especial que sua impressão é logo seguida de um efíeito quasi necessário e instantâneo, e to- mam então o nome de determinantes. A asthma, como se sabe, tem suas personalidades e suas phantazias. Em alguns casos apresenta-se sem causas apreciáveis, em outros, e são os mais frequentes, seos ataques são occasionados por causas perfeitamente determi- nadas, variaveis conforme os indivíduos, mas quasi sempre as mesmas em um mesmo indivíduo. A singular influencia, porém, doestas causas nem sempre póde ser bem explicada; é assim que vemos a respiração, mesmo passageira, de certos pós vegetaes determinar accidentes inevitáveis; entre estes vegctaes devemos citar antes de tudo a ipecacuanha, cuja acção é bastante caracteristica. Trous- seau falia de pharmaceuticos que eram immcdiatamentc acommettidos por accessos asthmaticos toda vez que em suas botinas se pulverisava esta substan- cia. Cullen conta que a mulher de um boticário era atacada sempre que se tinha de pisar a ipecaeuanha na pharmacia do marido. Um criado, refere Goffres, era acommettido por accessos violentos na occasião de se preparar este pó na officina do amo. Tliery apresenta o caso de um cirurgião, que, não obstante já estar ha vinte annos restabelecido dos seos ataques, foi de novo surprehendido pelo mal ao entrar em uma pharmacia no momento em que se pulverisava a ipecacuanha. Salter diz ter conhecido tres asthmaticos, cujos accessos só reappareciam sob a influencia d’esta planta. Em semelhantes casos como explicar a acção da ipecacuanha? Marshall ílal e muitos outros são de opinião que este medicamento, que do mesmo modo que produz o vomito quando ingerido, obra sobre as fibras sensitivas dos dous ramos do nervo vago, e por conseguinte sobre os filetes motores do nervo, de maneira á provocar a contracção dos musculos lisos de Reisseissen. Entre as substancias, cuja acção é analoga á ipecacuanha, Floyer cita o pó de cevada; Bospnillon o que provem do arroz pilado; Thery o do cana- mo; Trousseau o da palha de milho e o da aveia. Este ultimo pathologista conta que penetrando em um eelleiro, oude se media aveia, foi acommet- tido por accesos violentíssimos de astlima. Os perfumes de certas flores, taes como a açucena, o heliotropo, a rosa, a angélica e a violeta, produzem no dizer dos auctores serias perturbações asthmatieas: Floyer diz que seos ataques eram produzidos pela impressão do menor cheiro; Trousseau não podia supportar o delicado aroma da vio- leta, e Ramadge diz ter conhecido um empregado da Companhia das índias, que foi obrigado á abandonar seo emprego porque o cheiro do chá lhe pro- vocava accessos. A influencia de certas substancias animaes e mineraes de envolta com a poeira que levanta-se do chão, com a dos colchões e travisseiros quando" revolvidos, e com a da roupa de lã ou de algodão quando escovada, sobre a frequência dos accessos ásthmaíicos, é comprovada por muitos factos con- signados na sciencia por Brée, trousseau, Ramadge, Thery e G. Sée. Os gazes irritantes, o acido sulfuroso, o cliloro, o ammoniaco, os vapores de chlorureto de cal, e o do carvão cm combustão são pelos pathologistas considerados como podendo produzir ataques asthmaticos. Yalleix refere o caso de um professor de chimica, o qual era obrigado á abandonar momen- taneamente a sua cadeira, toda vez que se tinha de fazer qualquer prepara- do de cliloro, ou de acido sulfuroso para as explicações do dia. Além doestas cauzas, as quaes produzem accessos de asthma despertan- do a susceptibilidade nervosa do doente, do mesmo modo que a ipecacua- nha, como querem Marshall Hall e Trousseau, ha muitas outras, ádmittidas por celebridades medicas, e que não devemos deixar em silencio; taes são, as perturbações digestivas, o abuso das bebidas alcoólicas, e as irregularida- des da menstruação, que na opinião de G. Sée levam sua irritação sobre o systema nervoso respiratório, em um ponto afastado é verdade, mas que é reflecíida por meio dos centros nervosos sobre os nervos, que animam os musculos dos bronchios. As emoções moraes também representam importante papel na producção dos accessos asthmaticos. Á esse respeito Thery cita dez observações que não deixam duvida sobre o seu valor eíiologico, e Ferrus refere o facto, bas- tante conhecido na sciencia, de um official, que foi acommettido por um violento accesso ao ver a cidade de Paris occupada por tropas inimigas. Concluindo esta parte do nosso trabalho não queremos omitíir que existe, em alguns pontos da Bélgica, Allemanha, França, Suissa e principalmente na Inglaterra, uma moléstia produzida, dizem, pelas emanações do féno, a qual commeça ordinariamente nos mezes de Maio e Junho, dura, termo medio, tres mezes, offerecendo alternativas de exacerbação e remissão, e cessa nos demais mezes para reappareeer na mesma epocha do seguinte anno; formando, assim, uma successão de accessos annuaes. Esta moléstia, que os médicos inglezes baptisaram—asthma dos fénos, asthma hay, e que os auctores consideram uma variedade da asthma não desapparece senão com a mudança de estação ou de clima, circunstancia que faz muitos outros médicos considerarem antes o calor, que as emanações do féno, a condição essencial do seo desenvolvimento. §yiiiptoniatoíog;ia I Prodromos.—À astlima principia ordinariamente de uma maneira brusca e até instantanea; em alguns casos, porém, póde ser precedida de sympto- mas precursores, que muitas horas antes annunciam a invasão do accesso. Os symptomas da bronchite podem constituir phenomenos precursores da asthma; n esses casos esta reveste a forma catarrhal, mais frequente nas crianças, que nos velhos; o seo diagnostico torna-se, então, muito mais difficil, porque o elemento catarrhal é as vezes tão dominante, que, obscurecendo o elemento nervoso, consegue desviar a attenção do medico-clinico da ver- dadeira natureza do mal. Trousseau conta ter presenciado factos, nos quaes os symptomas nervo- sos eram precedidos de corysas, cujas causas habituaes não poderiam sei- invocadas, porque os doentes á nenhuma d’ellas haviam se expostos. Quan- do isso accontece, diz este auctor, os individuos são subitamente acommet- tidos por contínuos e violentos espirros, acompanhados de secreção mucosa do nariz, e de congestão dos olhos com lagrimejamento; estes accidentes desapparecem algumas horas depois para dar logar á asthma, e muita vez também constituem exclusivamente todo accesso. A dyspnéa asthmatica é ainda precedida de febre, dôres de cabeça, especialmente na região frontal e super-orbitaria, de sensações dolorosas e secreções anómalas do larynge e trachéa, que se traduzem por tosse sêcea e convulsiva, indicando a immi- nencia do accesso. Doentes ha que accusam perturbações nos orgãos digestivos; perturba- ções que, na opinião dos auctores, são bem notáveis, e consistem em sen- sações de indisposição geral e de plenitude no epigastro, flatulências, cructa- ções insípidas, sabor particular na salivação, tensão do ventre, difficuldade na digestão e constipação com, ou sem, tenesmo rectal. À maior parte doestes accidentes, diz G. Sée, podem, passando pela ana- lyse physiologica, resumir-se assim:—retenção mecanica de gazes nos intes- tinos, por causa da constipação simples ou hemorrhoidaria, tão frequente nos asthmaticos; ou bem distenção e relaxamento das paredes abdomi- naes, por causa da dyspnéa, de onde accumulo mais fácil dos gazes nos in- testinos. Estas interpretações são tanto mais plausíveis, quanto os phenomenos gastro-intestinaes não se observam quasi nunca senão na asthma, que data de um certo tempo. Segundo Floyer as urinas raras ou abundantes, pallidas ou brancas como na hysteria, são também symptomas iniciadores da moléstia. Os doentes são ainda advertidos da invasão próxima do accesso por uma especie de torpor intellectual e physico, torpor que se traduz por inaptidão para os movimentos, difficuldade em seguir o encadeamento das idéas, e tendencia á somnolencia. A depressão das funcções intellectuaes e motoras é algumas vezes seguida tão de perto pelo ataque, que se poderia suppôr existir já ffiesse momento uma certa difficuldade na respiração, e por conseguinte retardamento na cir- culação pulmonar e cerebral, sendo em semelhante caso a depressão das funcções cerebraes o signal de uma congestão passiva. Em outros doentes ao contrario o accesso é precedido de verdadeira ex- citação da intelligencia com, ou sem, irascibilidade, notando-se ao mesmo tempo dôres nevrálgicas nos membros e na cabeça, phenomenos mais raros, que os de depressão funccional, e que, sem duvida, se explicam pelo estado de excitação. II Descripção do accesso.—Trousseau em sua obra, Clinica do Hotel-Dieu, descreve um quadro tão importante e tão completo do accesso asthmatico, que encontraríamos grande difficuldade, e até impossibilidade, si tentássemos reproduzil-o com palavras nossas; ffiessa contingência pedimos venia para transcrevel-o in extenso: Un individu jonissant de la plenitude de la santé se couche aussi bien portant que âihabitude et sendort tranquillement. Une heure, deux henres après, il est brusquement réreillé par un accès d’oppression dc plus pénibles. 11 épreuve dans la poitrine un sentiment de compression et de resserremcnt, une gene considérable; sa respiration est difficile et accompagnóe dXun sif- flement laryngo-trachéàl pendant Vinspiration. Cette dyspnée, cette auxiétê augment. Le paticnt se lève sur son séant; appuyé sur les mains, les bras ramenés en arrière, la face bouffie, quclquefois livide, rouge violacée, les yeux saillant, lapeau converte de sueur, il est bienlut obligé de sejeter hors du lit; et si Vappartement quil habite nest pas suffisament élevé de pla- fond, il çourt ouvrir sa fenêtre pour cherçher au dehors Xair, qui lui man- que: cet air livre et fruis le soulage. Ccpendarit Faccès dure une heure, deux hcures, plus encore; puis Forage se calme. Le viscige reprend sa colo- ration naturelk et se dégonfe. Les urines, diabord claires et assez fréquen- tes, deviennent plus rares, plus rouges et laisent qndquefois dóposer un sédi- ment. Enfim, le malade se couche ct reprend son sommeil viokmment inter- rompu.Le lendemain,il se metà sesaffaires, ménesa vie habituelle, nayant souvent que le souvenir de ses souffrances passées, mais quelques-uns aussi conservent une sensation plus ou moins vague de constriction dans la poi- trine, susceptibk ãaugmenter par les mouvements du corps qui peuvenl alors rendrela respiration plus difficile et plus laborieuse. Uautres se plai- gnent après le repas de fatulences de Festomac et d'assoupissements auxquels ils ne sont pas accoutumês. Le soir, prèsque à la même heure Facces se ré- pète, absolument semblable a celui de la veille, cédant comme lui pour re- venir encore le lendemain, et revenant ainsi pendant trois, quatre, cinq, dicc, vingt et même trente jours: ces accès constituent la véritable ataque d’asthme, laquelle se termine quelquefois par un certain degré de catarrhe bronchique, qui, après avoir duré plus ou moins longtemps, cède facile- ment et de lui-même. Cette attaque, dont les retours ne sont subordonnés à aucune régle, ne se renouvelle, chez quelques individus, qu après quatre, cinq années; chez d’autres, elle se renouvelle tous les ans, et plus souvent en- core. Tal é segundo Trousseau a forma ordinaria da asthma essencial, sobre- vindo sem causa occasional reconhecida, sem ser ligada á nenhuma lesão or- gânica susceptivel de ser demonstrada. Na pratica, esta forma está longe de ser tão simples, e tão isenta de com- plicações; apresenta, pelo contrario, numerosas variedades. Os accessos podem ser brandos, resumindo-se algumas vezes nos prodro- mos, na corysa por exemplo; outras vezes, porém, sob a influencia de certas disposições, de certas causas determinantes, de certas alterações organicas mostram-se do modo o mais aterrador para os assistentes e para o doente. Quando a dyspnèa é extrema o doente se queixa de estrangulação; a an- xiedade é grande; o desfallecimento sobrevem, e pode arrastar a perda de conhecimento; o coração bate com força, as syncopas succedem-se obstina- damente, as extremidades se cobrem de suores frios; o pulso, extremamente irregular, é apenas sentido sob os dedos; a palavra torna-se difficil, e si, n essa occasião, a expeetoração não traz alguma remissão á esse cortejo tão assustador de symptomas, a scena póde se terminar fatalmente. III Symptomas coracteristicos.—0 sibilo trachéal, a tosse suffocante, as con- vulsões dosmusculos inspiradores, a dyspnéa e a periodicidade são os sympto- mas essenciaes, cujo todo constitue o accesso asthmatico. Expectoração.—Os escarros, raros, quando o ataque tem sido de curta duração, abundantes, quando, pelo contrario, tem sido intenso e prolongado, apresentam-se viscosos, com uma côr cinzenta pallida e semi-transparentes; assemelham-se ora á aletria cosida (Léfévre), ora á clara de ovo (Floyer), e também á solução de gomma arabica (Arettée). Estes escarros, que ter- minam a crise, e que podem faltar, se compoem, segundo os Histologistas, de um numero considerável de corpúsculos, dos quaes alguns são polyedri- cos de ângulos arredondados, outros são ovaes, alongados, fusiformes e até lineares, v. Respiração.—O rhytmo da respiração é profundamente perturbado, e a sua frequência augmentada; de quinze á vinte por minuto no estado de saude, eleva-se á trinta e á quarenta na occasião do accesso; ordinariamente é acom- panhada de um sibilo laryngo-trachéal, ouvido até em distancia, durante os dous tempos. Auscultação e percussão.—No começo do accesso, o murmurio respira- tório é fraco, e desapparece momentaneamente de certos pontos do peito, para reapparecer depois e diminuir em outros pontos; a mobilidade é o seo caracter principal. O peito percutido durante o accesso, apresenta um som mais claro, que no estado normal. Dyspnéa.—A dyspnéa asthmatica é essencialmente diíferente da que se nota nas affecções do peito, dos grossos vasos e do coração. Sendo a constric- ção violenta dos musculos bronchicos a sua causa, o ar não póde entrar se- não incompletamente no tecido pulmonar, pelo que a hematose vae pouco e pouco diminuindo, tornando a asphyxia imminente. A necessidade imperiosa de respirar, necessidade que os Pathologistas chamam sêde de ar, obra, en- tão, sobre os orgãos musculares, e os excita á movimentos extremamente violentos, os quaes chegados á seo máximo de força, o obstáculo vencido, decrescem, se extinguem e deixam o doente em perfeito estado de saude, até a reapparição de nova crise. A dyspnéa symptomatica das affecções organicas se caracterisa mais pela frequência e brevidade da respiração, do que pela violência dos movimentos musculares. Nas moléstias do coração a sua invasão é ordinariamente brusca, 6 verdade, mas a oppressão não cessa tão completamente, quanto na asthma; sempre imminente, a menor emoção e um exercicio um tanto violento podem despertar seos paroxismos. Nas affecções do peito a respiração é curta, suspirosa, e si as alterações organicas diminuem a superfície pulmonar, a frequência e persistência da respiração supprem as necessidades da hematose. Circulação.—O pulso, fraco á principio, augmenta de frequência e torna-se mais forte no fim do paroxismo; é regular quando a asthma existe sem com- plicações nos centros circulatórios; no caso contrario, torna-se intermittente, e até desapparece por momentos segundo o gráo da lesão coincidente e a gravidade da complicação. Secreção urinaria.—As urinas, que, nos symptomas precursores e no principio do accesso, são frequentes e claras, como em quasi todas as affec- ções nervosas, tornam-se mais coradas, e deixam, muita vez, depor um ce- dimento quando o accesso tem terminado. Marcha e duração.—A marcha do accesso asthmatico, e a sua duração offerecem muita irregularidade. A marcha se comporta, diz Trousseau, do mesmo modo que a de um accesso febril, isto é, que principiando lentamente chega pouco e pouco á seo máximo de intensidade, como acontece com quasi toda affecção nervosa; depois decresce do mesmo modo para se extinguir, deixando o indivíduo em perfeito estado de saude, até que novo ataque so- brevenha. Acontece algumas vezes o paroxismo chegar á seo máximo de intensidade e desapparecer totalmente depois de uma, duas ou tres horas de duração; mas isso só se vê quando o accesso é diurno, ou quando sendo nocturno, o doente tem de ante-mão tomado as suas medidas, quer acceitando remé- dios, de cuja efficacia está mais ou menos certo, quer tomando uma posição conveniente, quer emfim removendo as causas do mal. Em outros casos dá-se o inverso: a oppressão persiste durante todo dia, diminuindo, porém, gradualmente para a tarde; na segunda noite é o indi- víduo de novo acommettido pelo accesso, cuja intensidade e duração são d’essa vez menores, e assim proporcionalmente até que depois de quatro, cinco ou oito dias o mal desapparece, para voltar d’ahi á vinte dias, um mez, um anno e até mais annos. I*atiaogenfa Dans 1’asthme, la lésion peut ne pas ' exister d’nne manière appreciable pour fanatomiste; mais il n’y en a pas moins une modification dans l’état des tissus, soit que cette modification réside dans l’axe cérebro-spinal, soit qu’elle ait son siég-e primitif dans 1’appareil respiratoi- re: modification qui pent-être n’en altère pas la texture plus qu’une surcharge électrique n’altére le verre et le métal d’une bouteille de Leyde. Trousseau.—Clinique del’Hotel-Dieu. Quando queremos saber de que maneira uma moléstia pôde ser compli- cada, reconhecer e separar as complicações que a acompanham, discriminar sua gravidade própria, distinguindo-a da das affecções concomitantes, e final- mente quando a queremos combater por meio de uma therapeutica racio- nal e apropriada, nos é preciso, antes de tudo, saber em que esta moléstia consiste, qual a sua natureza e qual a sua séde. A necessidade d’essas noções é tão grande, quanto o seo estudo é difficil; e tão difficil que temos certeza de não conseguirmos levar a cruz ao Cal- vário. Não faremos o exame de todas as theorias e opiniões, que, teem tido curso na sciencia, sobre a natureza e séde da asthma; porque este exame exigiria da nossa parte um longo capitulo historico (o que o nosso pequeno traba- lho não comporta), e também por serem escassos os recursos de que dis- pomos; todavia obrigados pela lei, procuraremos em breves palavras des- crever as theorias de Rostan, Louis e Bem, e desde já declaramos que para as combater nos serviremos dos argumentos do grande pathologista francez Trousseau, cuja opinião abraçamos. I A ASTIIMA É DEVIDA Á CONGESTÕES SYMPATHICAS DAS AFFECÇÕES DO CORACÃO E DOS GROSSOS VASOS. O professor Rostan publicou em 1817 uma memória com o fim de de- monstrar a veracidade da thése acima, fazendo ver que a asthma não era outra cousa senão a dyspnéa, companheira, por assim dizer, inseparável das moléstias do coração e dos grossos vasos. Para Rostan «asthma e dyspnéa são duas palavras synonimas.» Para Trousseau, pelo contrario, «a asthma é uma moléstia especial, completa, lima manifestação, nma maneira de ser particular de uma moléstia geral, tendo expressões locaes mui diversas, se revelando ora por accesso de dys- pnéa, de oppressão; ora por certos catarrhos e corysas singulares, que co- mo já vimos, podem constituir todo accesso; podendo também se revelar por ataques de gota articular ou de gota vaga, por concreções urinarias (gravelle), por ataques rheumatismaes e por affecções hemorrhoidarias, etc.» A diíferença, por tanto, entre os dous termos é immcnsa ebem sensível, e senão, vejamos: À dyspnéa das pessoas affectadas de moléstias do coração ou dos gros- sos vasos não ó periódica; apresenta, é verdade, exacerbações, mas nunca remissão completa como na dos astlimaticos. Os accessos sobreveem tanto de dia, como de noite, e não se acompanham de dores sub-esternaes; pode-se produzil-os á vontade, quer pela marcha um tanto forçada, e a aeção de subir uma escada, como por uma emoção moral. Depois, como explicar as intermittencias nos phenomenos, e a volta á saú- de com uma lesão organica sempre existente ? ! Ainda mais, a therapeutica que se emprega para alliviar e curar a asthma não é por certo a mesma, que se costuma empregar para debellar as lesões do coração ou. dos grossos vasos. Se a asthma, que pôde, na verdade, em alguns casos complicar uma mo- léstia do coração ou do pulmão, estivesse sempre ligada á estas affecções, a intensidade dos seos accessos deveria estar em relação com a gravidade das lesões; isto no entanto não se vê, pois que sob a influencia de insigni- ficantes causas, alguns doentes teem accessos de suffocação, ao passo que outros supportam lesões as mais sérias sem experimentarem accidentes re- lativamente graves. Mas, se as affecções do coração não são a causa primordial da asthma, são, muita vez, o seo effeito: vejamos como. O embaraço da circulação, resultante da dyspnéa, produz gradualmente engorgitamento nas divisões bronchicas da artéria pulmonar, engorgitamento que tende á augmentar a aeção do ventrículo direito: então é fácil de conce- ber-se que esta causa, incessantemente renovada, poderá produzir uma lesão material, cujo desenvolvimento crescerá com os exforços da tosse. _ II A ASTHMA K QUASI EXCLUSIVAMENTE A MANIFESTAÇÃO DO EMPHYSEMA PULMONAR. Louis generalisa esta opinião, procurando demonstrar que o emphysema ú uma aífecção primitiva, independente de todo o elemento catarrhal, e, uma vez produzido, causa quasi exclusiva da asthma. Apezar das auctoridades de Louis e de Rostan, que é da mesma opi- nião, não podemos admittir semelhante doutrina, a qual Beau refuta muito hem, fazendo ver que não se encontra o emphysema em lodosos asthmaticos, e que, em quasi todos elles, esta aífecção apparece durante o accesso, e des- apparece ao mesmo tempo que este. O erro de Louis provem naíuralmeníe de se encontrar constantemente o emphysema na autopsia de indivíduos victimas de asthma, concluindo d’esse facto que essa lesão organica era a causa da asthma, e como Rostan confunde esta moléstia com as dyspnéas. Trousseau, que, como Beau, não póde comprehender que o emphysema possa ser primitivo, e muito menos constituir a asthma, lembra: Io que existe doentes nos quaes a offecção nervosa não coincide de maneira alguma com a lesão pulmonar, tanto que o murmurio vesicular é ouvido, em toda re- gião do peito, livre e amplo; 2° que o emphysema se produzindo sob a in- fluencia da tosse, se o encontra nos meninos atacados de tosse convulsa {coqueluche), e nos indivíduos sujeitos á affecções catarrhaes, de onde se se segue que o emphysema é muito mais frequente, do que a asthma; 3o que, emfim, se encontra essa lesão na autopsia de indivíduos, (pie em vida nada experimentavam de analogo aos symptomas da asthma salvo ligeira dyspnéa. l)e outro lado, o emphysema, lesão fixa, permanente do tecido pulmo- nar, poderá explicar a influencia das causas moraes da asthma, e a das cau- sas physicas, cuja acção inconstante, em uns aggrava o accesso, em outros o faz cessar? Poderá também explicar a volta tão caprichosa e tão bizarra dos ac- cessos da dyspnéa, sua espontaneidade, sua intensidade, variavel é verdade, mas independente da intensidade das causas, os intervallos que separam os ataques, e a ausência, durante estes intervallos, de todo ruido anormal no pulmão ? Tudo prova emfim, diz Trousseau, que o emphysema não póde ser con- siderado a causa da astlima; mas, si não é a causa, póde ser o effeito. Nos accessos astlnnaticos a inspiração é mais lenta e mais prolongada, que no estado normal; a expiração, em vez de se fazer sómente pela elasti- cidade do pulmão, do thorax e dos orgãos abdominaes comprimidos du- rante a inspiração, como no estado physiologico, é solicitada pela contracção violenta dos musculos expiratorios. Apezar dos exforços com os quaes esta expiração se faz, ella é lenta e incompleta, por causa do obstáculo opposto á sabida do ar pela constricção espasmódica dos bronchios: ora essa luta sendo repetida e coadjuvada por exforços violentos de tosse, não explicará satisfa- ctoriamente o desenvolvimento do emphysema pulmonar na astlima? III A ASTHMA É UM VICIO DE SECREÇÃO BRONÇHICA, Esta opinião, a primeira conhecida e admittida na antiguidade por Gale- no, Celso e Areltèe, foi em 1843 abraçada e calorosamente defendida por Beau em seu tratado clinico e experimental de auscultação applicada ao estudo das moléstias do pulmão c do coração, Beau, refutando a opinião de Louis, que, como vimos, attribuia a asthma ao emphysema pulmonar, esforçou-se por demonstrar que—a asthma era o resultado de um catarrho chronico dos pequenos bronchios, acompanhado de secreção de escarros especiaes por sua viscosidade e densidade. A dyspnéa, diz este pathologista, é occasionada pelo obstáculo, que, op. põe á sahida do ar, a presença de mucosidades espessas e tenazes nas ulti- mas ramificações bronchicas, variando a sua intensidade, conforme o grão da obstrucção das vias aereas. E' da existência dessa expectoração particular dos asthmaticos que, parte Beau para dizer que se dá nos bronchios um accumulo de secreção plásti- ca, e que, portanto, não ha que admirar da oppressão sentida pelos doentes, uma vez que os productos desta secreção preenchem nos tubos aereos o papel de valvulas, absolutamente como as falsas membranas no croup, e como os corpos extranhos que penetram na trachéa (Trousseau.) Os ruidos roncantes e sonoros, que se ouve auscultando os doentes, são produzidos pela vibração do ar através das mucosidades espessas. Tal é maisou menos a theoria de Beau; como a de Louis é mais seducto- ra que solida. Procuremos ainda com Tousseau combatel-a. No croup, diz o pr*ofessor do Hotel-Dieu, as producções pseudo-mem- branosas invadem os bronchios; e não obstante o obstáculo á circulação do ar nos pulmões ser maior neste caso, que não o é quando, na asthma, o muco obstrue os canaes bronchicos, os accessos de oppressão sentidos pelos doentes não se assemelham nada aos da asthma. No catarrho também, quer o occumulo de secreção se faça nos grossos bronchios, quer nas suas ultimas ramificações, a dyspnéa é igualmente muito differente dos accessos de suffocação que caracterisam a asthma. Admittindo-se que na asthma os escarros mucosos sejam a causa da diffi- culdade da respiração, é preciso também concordar, que a sua secreção te- nha levado um certo tempo á se formar; ora a invasão dos accessos, como sabemos, tem lugar com uma rapidez tal, que não permitte suppôr-se, como causa mecanica, uma secreção que demanda sempre algum tempo á produ- zir-se. Com eífeito, quando vemos sobrevirem accessos sob a influencia im- mediata de uma emoção moral, da acção de certos grãos de poeira, etc., não podemos crer que estas diversas causas, suíficientes para despertarem a susceptibilidade nervosa do doente, o sejam também para provocarem tão promptamente a secreção mucosa. (Trousseau.) O tratamento do catarrho é, como se sabe, as mais das vezes, inefficaz contra a asthma, assim como o desta affecção o é também contra aquella; não aconteceria assim se fossem verdadeiros os principios de Beau. Depois, como admittir a doutrina de Beau quando o catarrho, que na verdade acompanha ordinariamente a asthma, não existir de concomitância com esta affecção?! IV A ASTHMA É UMA NEVROSE. Assim, nem o catarrho de Beau, nem as affecções do coração de Rostan, nem o emphysema de Louis, e nem outras quaesquer moléstias com lesões fixas e permanentes explicam os phenomenos da asthma, quer sob o ponto de vista etiologico, quer pathologico e therapeutico; a asthma é pois uma nevrose. A necessidade de ar livre e fresco, que, para certos asthmatieos, é tão imperiosa, a apprehensão instinctiva que sentem pelos alojamentos baixos, os effeitos extraordinários que, produz sobre elles, tudo que póde difficultar ou irritar seo peito; a sensibilidade excessiva e anormal da membrana muco- sa das vias aereas, e o allivio que lhes dá todo meio capaz de restabelecer directamente a acção normal do systema nervoso do pulmão, tudo isso, di- semos, justifica plenamente a idéa de uma nevrose. As causas, a naturesa do tratamento e todas as circumstancias, que, modi- ficam ou suspendem os accessos, concorrem igualmente á confirmar a rea- lidade da nevrose asthmatica. Os factos também por sua vez a confirmam: assim, o caso que conta Begin de um accesso terminado em seguida de um susto; este outro referido por Trousseau de um asthmatico, o qual, no principio de seu accesso, mandava accender em seu quarto cinco a seis lampadas «Carceh, e se achava imme- diatamente alliviado; este outro, ainda referido por Trousseau, de um doen- te, que, para acalmar seus ataques, montava á cavallo, não são por ventura bizarros e excepcionaes, e não provam claramente a natureza essencialmen- te nervosa da asthma? Cremos que sim, e ainda uma vez repetimos:—a astlima é uma nevrose. V A NEVROSE PRODUZ O ESPASMO DOS BRONCHIOS. A theoria do espasmo, imaginada por Van-Helmont e Willis, e susten- tada por Cullen, foi admittida por Laennec, Hoffmann, Baglivi, Boeliarve, e hodiernamente, depois da descoberta de Reissehsen, por Niemyer, Grisolle, Monneret, Trousseau e muitos outros; mas é Lôfévre que, em sua Memória coroada pela Sociedade de Medicina de Bordeaux, a tem popularisado, e feito passar de uma maneira definitiva no dominio da sciencia. Em apoio de sua idéa Léfevre invoca a constricção thoracica, que os as- thmaticos accusam durante o accesso; a invasão, muita vez, brusca do ata- que; sua cessação rapida, sem expectoração em alguns casos; a possibilida. de de alternar com outras affecções espasmódicas, e o modo de acção das causas determinantes. Trousseau acceita a idéa do espasmo, e a consolida insistindo com mais força ainda sobre algumas dessas considerações fundamentaes de Léfévre. Os trabalhos de Reisseissen, diz Trousseau, trabalhos confirmados por ou- tros mais recentes ainda, demonstram claramente, a existência de fibras musculares em toda circumferencia dos pequenos bronchios, onde os au- neis cartilaginosos deixam de ser visiveis. Com que direito, pergunta, então, Trousseau, recusaríamos á esses conductos musculares ser a séde de espas- mos, quando nós os admittimos em outros orgãos com a mesma estructura anatómica? Com que direito negaríamos estes espasmos bronchicos, quando ninguém contesta os espasmos vesieo-intestinaes, os do estomago e os da uretra?! VI NATUREZA DO ESPASMO O espasmo admittido, é preciso determinar a sua natureza: será primitivo ou secundário, essencial ou inílammatorio? Léfevre, em sua Memória, adopta as idéas de Begin, Laennec e Briche- teau, os quaes consideram o espasmo como secundário e produzido pela irritação da membrana mucosa dos bronchios. Com Thery não negamos a influencia da irritação da mucosa pulmonar nos paroxismos da asthma; mas, com este mesmo auctor e muitos outros, pensamos, que, as mais das vezes, a nevrose asthmatica é independente da irritação da mucosa bronchica. VII SÉDE DA NEVROSE Sem querermos determinar, de uma maneira precisa, o ponto que póde occupar uma lesão inaccessível, pensamos, com a maioria dos auctores, que, se o systema nervoso é modificado, é nas partes doeste systema, que preside ao acto da respiração, que collocamos a séde da nevrose, sem excluirmos nenhuma outra, cada uma d'ellas devendo por sua vez contribuir, pelo que toca á suas funeções, a produzir os phenomenos tão complexos da asthma. ANATOMIA PATHOLOGICA Da impossibilidade de não se- poder localisar a nevrose asthmatica, e do facto de, na autopsia, não se achar lesão alguma apreciável, não se segue que não haja uma modificação no estado dos tecidos, quer esta modificação exista no eixo cerebro-spinal, quer tenha sua séde primitiva 110 apparelho respiratório; modificação que, talvez não altere a textura dos tecidos, mais do que uma descarga electrica não altera 0 vidro e 0 metal de uma bote- lha de Leyde (Trousseau). CONSEQUÊNCIAS O emphysema pulmonar é a consequência mais frequente da asthma; o seo mecanismo já foi por nós estudado, quando tratamos da Pathogenia; por isso só lembramos aqui que esta lesão póde ser transitória ou permanente, e que a bronchiíe, quando acompanha a asthma, muito concorre para a sua formação. As alterações na circulação pulmonar e cardíaca são complicações fre- quentes, e que, muita vez, mudam a physionomia do accesso. Asbronchites são tão constantes, que, ainda hoje, alguns médicos suppõem, que eílas são a causa e não o effeito da astlima. Os accessos asthmaticos repetidos imprimem ao habito externo do doente o que os pathologistas chamam—physico asthmaíico—caracterisado pela saliência do peito e dos olhos, face pallida, cabeça ligeiramente revirada para traz e espaduas um pouco levantadas. CLASSIFICAÇÃO A astlima, sendo uma nevrose independente de toda affecção organica, uma moléstia essencial, unica, não poderia ser objecto de uma classificação; todavia, em relação á utilidade pratica, parece-nos vantajoso estabelecer algumas distincções, que, sem alterar a sua personalidade, possam levar alguma luz ao dédalo de suas indicações. Acceitando a divisão, que fazem os auctores, em astlnna sécca e húmida, divisão baseada simplesmente no predomínio de certos symptomas, damos preferencia á classificação de Marchai de Calvi, por ser fundada em uma de suas causas a mais frequente—a diathese, e sob este aspecto ternos cinco variedades:—asthma nervosa simples, diathese nervosa; astlima catarrhal, diathese herpetica; asthma rheumatismal ou gotosa, diathese arthritica; asthma tuberculosa, diathese cscrophulosa; asthma produzida pela influen- cia composta de uma, ou muitas d’estas diatheses, diathese rnixta. Diagnostico Bien observer une maladie est un art, la bien reconnaitre est une Science. (Bouchut.) Accessos de dyspnéa com intermittencia completa dos symptomas bastam geralmente para caracterisar a asthma, principalmente, se, ao mesmo tem- po, ha apyrexia, constricção do peito, estertor sibilante e tosse. Todavia o medico deverá se assegurar ainda por outros meios de diagnostico, como sejam—a percussão e a auscultação; porque, apezar das differenças bem distinctas, que existem entre a dyspnéa asthmatica e a organica, póde acon- tecer que, se commetta erros lamentáveis, por não se ter feito o exame completo. A angina do peito é uma aílecção que bem póde embaraçar o medico, que procura estabelecer o diagnostico da asthma; mas o predomínio dos phenomenos syncopaes, a dôr thoraco-braehial, a ausência dos signaes for- necidos pela auscultação e percussão, a ausência da tosse e da expectoração, a invasão dos accessos á qualquer hora do dia ou da noite, a violência da angustia precordial e a anxiedade extrema do doente a caracterisam bastante para que se não a confunda com a asthma. O espasmo da glote, ou asthma de Kopp, bastante frequente nas crianças, se acompanha dos seguintes symptomas, que não encontramos na asthma, taes são: movimentos de deglutição (Beau), convulsões geraes, propulsão da lingua fóra das arcadas dentarias, (symptoma que Kopp indica como signal pathognomonico), espasmo do diaphragma (Bérard), etc. À larvngite estridulosa, ou asthma aguda de Millar, apresenta alguma analogia com a asthma; mas a tosse forte e rouca, que alguns auctores comparam com o latido do cão; a respiração rapida e intrecortada; o ruido agudo, estridente, ouvido na inspiração e que os médicos inglezes chamam —prito de gallo, e as alterações da voz são symptomas, que determinam o diagnostico. As dyspnéas hystericas sobrevindo por accessos, e se acompanhando de uma certa sensação de constricção, que muita vez se transforma em sensa- ção de estrangulação, poderiam ser confundidas com a asthma essencial, espasmódica, se não fosse a sensação de um corpo estranho, subindo do epigastro para a garganta (bolo hysterico), e se não fosse a dysphagia, que não permitte a menor duvida sobre a natureza primitiva da suffocação. A dyspnéa devida á compressão dos nervos recurrentes, por um aneu- rysma da aorta, poderia simular verdadeiros ataques de astbma, se os phe- nomenos não tivessem sua séde no larynge, e se não houvessem outros signaes de compressão que não permittem duvidar da presença do tumor. Quando a compressão é produzida por tumores ganglionarios do mediastino, temos, n esse caso, para expellir do nosso espirito qualquer duvida, as alterações da voz, a tosse quintosa, as estases sanguineas da face, a febre, o emmagrecimento, as alterações tuberculosas, e a existência dos tumores sobre o trajecto dos nervos. O catarrho chronico e o suffocante, produzindo dyspnéas intensas também poderião ser confundidas com os accessos asthmaticos; mas na primeira affecção temos,—a tosse continua com exacerbações irregulares, a expecto- ração abundante de muco espesso puriforme, o emmagrecimento, a depressão das forças, os estertores no peito todos os dias e sobretudo durante o in- verno, e na segunda a febre, os symptomas geraes em relação directa com as alterações locaes e a expectoração muco-purulenta, que marcam a linha divisória com a asthma. Se a asthma fôr, porém, complicada de affecções organicas, ou de molés- tias intercurrentes, será necessário discriminar o que lhe pertence, do que pertence aos estados morbidos que não são asthma; a apreciação intelligente de cada um caso em particular somente poderá, com o auxilio dos novos methodos de investigação,—auscultação e percussão—determinar o papel que cada affecção goza na producção dos phenomenos morbidos, que se patenteam aos olhos do observador. É sobretudo por causa do tratamento que convém muito e muito tomar- se as diatheses em consideração:—provando sua existência e determinando sua natureza. Os factos de anomalia no modo de apparição destas diatheses não são raros, e o medico deve procural-os conhecer. Para o diagnostico das diatheses devemos ter em vista o habito externo do doente, a sua his- toria pregressa, os factos relativos á herança; convindo muito saber-se se a diathese é simples, se é múltipla, e, n este caso, qual a dominante. Prognostico 0 prognostico não deixa de ser sério; por ser bem difficil impedir-se as alterações profundas no pulmão e coração; mas é raro que a morte sobre- venha durante o accesso, e, quando isso acontece, ha quasi sempre uma lesão do coração, ou dos grossos vasos, complicando a asthma. Tratamcnte Comme toutes les. névroses, en effet, cette maladie cède souvent à des moyens très-diíféreiits, suivant les individus, et ces moyens, 1’expérience seule apprend aux malades et aux médicins quels ils peuvent être. Trousseau. (Clinique de í'Hotel-Dieu.) Tratamento do accesso.—Nas índias orientaes, o empirismo curava os accessos asthmaticos, mandando os doentes fumar as folhas da datura-métel, assim como as da datura-ferox e fcistuosa. Foi alli que o Dr. Anderson, medico em Madras, teve occasião de recommendar o uso da datura-métel, offerecendo-a á um ojfieial inglez, o qual em 1802 a levou para a Europa, onde o Dr. Syms (d’Edimburgo), reconhecendo as suas boas propriedades, procurou substituil-a pela datura-stramonium, commum na Escossia: seos ensaios foram bem succedidos, e hoje o uso do estramonio é vulgar no tra- tamento da asthma, E sob a forma de vapores e por sua fumaça entorpecente que o estra- monio obra segura e promptamente; para obter-se esses bons resultados é necessário que o medicamento não seja desnaturado pela digestão, e que sua absorpção seja rapida e de um quantum proporcional á intensidade do paro- xismo; é preciso, além dãsso, que seja levado directamente sobre a sédc do mal. Para esse fim se aconselha fumar a datara pura ou misturada com a salva, e melhor ainda com o tabaco, em cachimbos ou em cigarros, o que é mais conveniente. Antes, porém, de fazer-se a prescripção, é de ne- cessidade informar-se dos hábitos do doente, afim de se conformar com elies. Ás outras solaneas gozam também, em gráos differentes, das proprieda- des do estramonio, e merecem igualmente ser empregadas. Se costuma dar preferencia áquellas que são melhor supportadas pelos doentes, ou áquellas cuja acção parece mais efficaz, já alternando-as á proposito, já as associando repetidas vezes. As solaneas virosas, como todos os narcóticos, exercem especialmente sua acção sobre o systema nervoso; é provável, diz Geuneau de Mussy, que na astlima, como em todas as nevroses, estas plantas obrem como o opio, mo- derando o accumulo do fluido nervoso, e mudando o modo da inervação. Entre as plantas especificas da familia das virosas, citaremos a belladona, o meimendro, o aconito-napel, o tabaco, a cicuta, e a lobelia-inflata, que, não obstante pertencer á familia diversa, é pelos médicos inglezes conside- rada especifica, talvez, porque sua acção muito se approxima da do tabaco. À datura é, porém, de todas estas plantas aquella, cujo uso é mais espa- lhado e de melhores resultados. Os inglezes, vendo nas propriedades toxicas das solaneas, e na sua acção physiologica, toda sua acção therapeutica, empregam de preferencia o tabaco até conseguirem os primeiros symptomas de intoxicação; e segundo a phrase de Salter «Vacces est enlevê comme un charme» logo que sobreveem acci- dentes, taes como:—fraqueza geral, vertigens, suores frios, e emfim nauseas e vomitos. O tabaco, deprimindo o systema nervoso mais que o emetico, não deve de ser administrado senão com cautela e prudência. A lobelia inflata, da familia das campanuladas, cujos effeitos asseme- lham-se muito, como já dissemos, aos do tabaco, foi introduzida na thera- peutica da astlima por Elliotron, e empregada em tinctura, na dósé 20 á 30 gotas em uma pequena quantidade d'agua distillada tres vezes ao dia. Grande numero de práticos confirmam a acção favoravel da lobelia-in- flata, que, segundo Parrot, póde ser de grande recurso quando as solaneas virosas forem, por excepção, improfícuas; e na França, diz Lêfévre,—é á suas preparações que se costuma recorrer no principio do accesso. 0 meio mais proveitoso para se empregar as solaneas é, por sem duvida, o de cigarros feitos com as suas folhas. Estes cigarros appellidados—anti- asthmaticos—são encontrados em quasi todas as boticas, onde se os fabrica, entrando na sua confeição, além das solaneas, o opio, o nitrato de potassa, etc. Os de Espie, porém, são os mais afamados, e hodiernamente ninguém ignora a sua formula, que é a seguinte: Folhas escolhidas de belladona 30 centigrammas » » d« meimendro 15 » » » de estramonio 15 » » » de phelandro aquatico . 05 » Extracto gommoso de opio 13 milligrammas Agua distillada do louro cereja q. s. A maneira de se servir d’esses cigarros é de grande influencia para o successo, e algumas precauções devem de ser tomadas:—o doente, tendo aspi- rado a fumaça, deve fechar a bocca, evitar todo movimento e esperar que a fumaça seja absorvida; durante esse tempo a respiração é feita pelas narinas, tão regularmente quanto possivel, evitando o doente o movimento de deglu- tição, que, arrastando a fumaça para e oesophago e estomago, impediria a columna de ar de se dirigir para a trachéa. Quando esse meio não produz o effeito desejado, se recommenda ao doente que sorva a fumaça, que é assim levada até as ultimas ramificações bron- chicas. Ordinariamente dous cigarros são suficientes para fazer cessar o accesso asthmatico; em outros casos, porém, a intensidade da moléstia e a sensibi- lidade de cada doente regularão o numero de cigarros e o de aspirações. Convém muito, diz G. Sée, que se faça passar a fumaça pelas narinas, afim de obrar sobre a membrana pituitária, tão frequentemente offendida pelo corysa caracteristico. As fumigações, porém, correm o risco de falhar, quando os doentes não sabem fumar, ou quando elles não se prestam á isso, o que sempre acontece com as mulheres; n esses casos se recorre ás fumigações propriamente ditas, queimando-se nos seus quartos as folhas das solaneas, cuja fumaça, respirada com o ar ambiente, produz o mesmo effeito das aspirações. Alguns doentes não podem, entretanto, supportar a acção das solaneas: se aconselha então as fumigações arsenicaes e nitradas. Para fazer-se cigarros com o arsénico, se prepara uma solução de um gramma de arsenito de pòtassa em quinze grammas d’agua distillada; n essa solução é embebida uma folha de papel-filtro; sêcco o papel, se o divide em vinte pedaços iguaes, que são depois enrolados sob a forma de cigarros. Os doentes só devem aspirar oito á dez fumaças por dia. O papel nitrado se fabrica do mesmo modo, empregando-se uma solução um tanto concentrada de nitrato -de potassa. Quando os doentes não sabem fumar, o papel arsenical, ou nitrado é ma- chucado e lançado ao fogo, a fumaça é aspirada, então, por meio de um funil, ou de um cartuxo de papel. Se o papel nitrado por si só não produz resultado satislactorio, Trousseau aconselha associar as fumigações nitradas ás de belladona, ou de datura, fazendo-se enrolar as folhas destas plantas com o papel impregnado de sal de nitro. Comprehendemos, diz Trousseau, a eííicacia de semelhante medicação; mas, accrescenta ainda com razão o illustre clinico,