FACULDADE DE MEDICIXA DA BAHIA r THESE ..> J K%*sr* THESE PARA SER PUBLICAMENTE SUSTENTADA PERANTE A EM NOVEMBRO DE 1871, AFIM DE OBTER 0 GRÁO DE DOUTOR EM MEDICIül üttjtjjio olíitaitt Natural cia lESalxia Filho legitimo de Manuel Joaquim Soledade e Anua Joaquioa Baptista Soledade, Cavalleiro da Imperial Ordem da Rosa, ex-l° cirurgião decommissão do exercito, condecorado com a medalha de campanha do Paraguay, orador eleito pelo actual' 6o anno medico. B A.HI A TYPOGRAPHIA DO -DIÁRIO" 1871 V'^ ^p FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA. DIRECTOR VICE-DIRECTOR O EXM. SR. CONSELHEIRO DR. VICENTE FERREIRA DE MAGALHÃES. LENTES PROPRIETÁRIOS. Os Srs. Doutores f.° anno. Matérias que leccionão Cons. Vicente Ferreira de !■*«*. . . | ^ã^Tàl^™^ ™ ""■ Francisco Rodrigues da Silva.....Chimica e Mineralogia. Adriano Alves de Lima Gordilho . . . Anatomia descriptiva. 3.° anuo. Antônio de Cerqueira Pinto . . . . . Chimica orgânica. Jeronymo Sodré Pereira......Physiologia. Antônio Mariano do Bomfim.....Botânica e Zoologia. Adriano Alves de Lima Gordilho . . . Repetição de Anatomia descriptiva. 3.° anno. Cons. Elias José Pedrosa ...... Anatomia geral e pathologica. José de Góes Siqueira.......Pathologia geral. Jeronymo Sodré Pereira...... Phisiologia. 4.° anuo. Cons. Manuel Ladislau Aranha Dantas . . Pathologia externa. Demetrio Cyriaco Tourinho.....Pathologia interna. Cons. Mathias Moreira Sampaio .... I Partos>. moléstias de mulheres pejadas c de 1 \ meninos recemnascidos. 5.° anno. Demetrio Cyriaeo Tourinho.....Continuação de Pathologia interna. Luiz Alvares dos Santos ...... Matéria medica e therapeutica. José Antônio de Freitas . . . \ . . 1 Anatomia topographica, Medicina operatoria j e apparelhos. 6." anno. RozenJo Aprigio Pereira Guimarães . . . Pharmacia. Salustiano Ferreira Souto.....Medicina legal. Domingos Rodrigues Seixas.....Hygiene e Historia da Medicina. José Aííbnso Paraizo de Moura .... Clinica externa do 3.° e 4.° anno. Antônio Januário de Faria.....Clinica interna do ò.° e 6.° anno. OPPOSITORES. Ignacio José da Cunha......\ Pedro Ribeiro de Araújo...... f José Ignacio de Rarros Pimentel. . . . \ Secção Accessoria. Virgiho Climaco Damazio. . . . . . \ *■ Augusto Gonsalves Martins .'....] Domingos Carlos da Silva....../ Antônio Pacifico Pereira......> Secção Cirúrgica. Egas Carlos Moniz Sodré......j Bamiro Affonso Monteiro......} Secção Medica. Claudemiro Augusto de :>Ioraes Caldas . . \ SECRETARIO 0 SR. DR. CINCINNATO PINTO DA SILVA. OFFICIAI, DA SECRETARIA _ O SR. DR. THOMAZ DE aQUINO GASPAR. A faculdade nao approva nem reprova as opiniões emittidas nesta Uioso. FttttFJi.QA.O- * cada um por si, para objecto de longo trabalho.. Como seja de Pathologia Interna o nosso ponto, não devemos pre- judica l-o pela exposição minuciosa da prophilaxia e tratamento; pontos de certo não menos importantes, que exigem estudo espe- cial e muito detalhado. Se quizessemos, ou melhor, se pudéssemos tomar este encargo, se pretendêssemos discutir todos estes pontos, teríamos sem duvida de encher volumes, o que ainda seria obra imperfeita. Nosso primeiro cuidado é procurar resumo de todas as questões pathologicas deste assumpto. De modo breve procuraremos expor as observações, as theorias, as contradições dos mais distinctos epidemiologistas. De modo con- ciso emittiremos nossa maneira de pensar, baseado n'essas observa- ções alheias e n'aquellas que nós mesmos pudemos colher da pratica do Hospital do Mont-Serrat. É, portanto, isto um trabalho muito incompleto, sem outro mais valor, talvez, do que a expressão da fiel obediência da Lei. ^S\SM^ DISSERTAÇÃO. FEBRE AMARELLA. SECÇÃO PRIMEIRA DA SINONiMIA E DA HISTORIA. Febre amarella, Typho americano, Typho náutico, Fcbrc-marinhtira, Typho-amarello, Mal-de-Sião, Yomito-negro, Pestilencia-hemagastrica (Co- pland), Typho-icteroide (Sauvages) etc, são os nomes porque é conhecido um dos maiores ílagellos da humanidade. A historia dos povos da idade antiga e media nada relata acerca desta moléstia, pois é ei Ia oriunda do Novo-Continenle. Christovão Colombo refere, que aquclles, que o acompanharam em 149!», foram quasi todos victimas de uma epidemia que dava á pelle a côr do ouro. Parece ser este o primeiro registro que d'esta moléstia se encontra na Historia. Foi pelos meiados do século 16, quando se estreitaram as relações marí- timas entre o Velho e o Novo-Continente que ella fixou a attenção e o estudo dos observadores. Contam-se até hoje mais de 300 epidemias de febre-amarella. Xo correr do século 18 atacou por diversas vezes as possessões europeas na America: as Antilhas, seu berço natural; a Jamaica, Cuba, o México; as cidades de Boston, Nova-York, Nova-Orlcans, na America do Norte. Devastou S. Do- mingos em 1801. Transportou-se para Europa e atacou Lisboa em 1723 e 1857; Malaga em 1741 e 1803; Cadix e Sevüha em 1800; JLiorne e Cor- dova em 1804; Carlhagena em 1811; Barcellona em 1821; Gibraltar em 1828; Porto em 1851; Saint-Nazaire em 1861 etc. Percorreu o litoral doBrazil em 1849 e 1850. Foi este anno ao Rio da Prata e assolou a vasta e populosa cidade de Buenos Ayres. Subio o rio Paraná e assaltou a cidade de Corrientes. .__9 o Tem andado lambem pela África, onde foi vista na Serra-Leôa, nas ilhas Canárias, (iorea. Bôa-Yista etc. O Sr. D.itroulau diz que a febre-amarella começou a reinar epidemiea- inenle no Hrazil em 1849. Comludo, o que Rocha-Piíta escreve na sua Historia da America Porlugueza Acerca da epidemia que em 1080 remou em iVi-p.anibuco, communicando-se logo á Bahia com o nome de Bicha, parece caber á febre-amarella, como além d'isto se vê do Tratado Único da Constituição Ptsiilcncial de Pernambuco por J. Ferreira da Roza. As pequenas epidemias, que sob diverso nome appareceram no Drazil em 1811, 1SI5 e 18íl, lambem tceni sido suspeitadas, não sei se com alguma ra/.ão, de febre-amarella. Foram elias pelo menos as precursoras da p-rande epidemia que em 1849 desembarcou na Bahia e fez tamanho daniao que ainda hoje os desse tempo se recordam com terror daquellas s.-.rnas. A 30 /•:,7, que, fundeado junto a um navio sueco, chegado de Lisboa, jnnveu haver-Üie roumnmicado omalqu' em si continha, ceifando-lhequasi ioda tripoinçãa e communicando a enfermidade a todo ancoradouro e d'cste ás íVegueioas da Capital.» \] iíltVo fjíiõ se !e no Relaíoiio apresentado â Assembléa Provincial pelo Presidente da Província iraqueila data. rüs!endeu-se a moléstia pilo litoral e foi 11 léguas no interior. Da Bahia-passou-se para Pernambuco e Rio de Janeiro e estendeu se por !;ua>i todo o litoral do império. O Jornal do Commcrcio do Bio-de-Janeiro publicou no dia 3 de Fevereiro de 1X50 um oíiicio do Presidente da Bahia, dirigido aos de outras Pro- víncias, commuii. ando-lhes que mais de 80,000 pessoas jã tinhão sido atacadas na Bahia. Nos annos subsequentes reapareceu em diversos casos esporádicos em, 7 pessoas não aclimadas; recrudesceu um pouco em fins de 1852 e princípios de 1X53, atacando também alguns nacionaes. Foi então (Maio de 1853) que se creou o Hospital do Mont-Serrat, com o fim de recolher os accommetidos d'este mal. Esta instituição tem na verdade alguma vantagem, porque não só recebe os indivíduos affeclados a bordo, onde não poderiam ter tratamento conve- niente, como também recebe os doentes de terra, os quaes íerião de ser recolhidos ao Hospital da Caridade, ou ficariam em casas particulares, tudo dentro da Cidade. O Hospital do Mont-Serrat, porém, não preenche os fins a que se propõe a Hygiena Publica. O Hospital do Mont-Serrat devia ser antes Lazareío do que Hospital. Segundo o modo porque está organisado, não ha seqüestrarão ou segregação absoluta dos indivíduos doentes e muito menos dos suspeitos. Este Hospital communica livremente com a população da cidade; de modo que não convindo a reunião dos doentes a bordo, fazem-na em terra! E isto o mesmo que trazer para terra o mal que está a bordo e que se quer evitar. Ora. qual é a vantagem, em ponto de vista proplülatica, de semelhante pratica? Mais adiante veremos de que modo convém organisar os Lazaretos, como medidas de muita importância para evitar-se a propagação de uma epidemia. O movimento do Hospital desde a data de sua abertura (28-Maio-1853) até Í859 é o que consta do mappa annexo n. 1, synopse que fizemos do trabalho do Dr. Tiío Adrião Rebelio. Nos annos seguintes mui poucos casos appareceram, passando-se annos inteiros em que a moléstia ausentou-se completamente. E:n Abril de 1869 entrou do Rio-de-Janeiro, onde havião apparecido alguns casos de febre-amarella, a corveta italiana Gniscardo, e desembarcou quatro doentes d'este mal para o Hospital da Caridade. Por felicidade nossa a moléstia não passou do Hospital senão para o confessor daquelles •infelizes. Em 1870 desenvolveu-se epidemicamente no Rio-de-Janeiro. Em Abril do mesmo anno um lugar ingiez, procedente deste porto, desembarcou dous doentes para o nosso Hospital da Caridade. Alguns casos appareceram então pelas freguezias de S. Pedro, e Victoria. Era Pernambuco, porém manifeslou-se com alguma intensidade em fins do anno passado e começo d'este. 8 O vapor ingiez Douro, vindo da Europa com escala por Pernambuco, chegou entre nós a 29 de Janeiro; no dia 30 desembarcou dous doentes de febre-amarella para o Hospital da Caridade, e foi admittido á livre pratica. Começou a moléstia a grassar no ancoradouro e também em terra. O Dr. ínspector da Saúde Publica em data de 28 de Fevereiro commu- nicava á Presidência da Província que dentro da cidade já havia 25 victimas, sendo 16 brasileiros. Estes brasileiros estavam em condições idênticas a dos estrangeiros não aclimados, porque eram soldados do batalhão 14 de in- fantaria, a pouco chegado da campanha do Paraguay, depois de cinco annos de ausência do seu paiz. Continuaram a desembarcar doentes de febre-amarella, os quaes eram recolhidos ao Hospital da Caridade, ou á Casa-de-Saude do Dr. Rodrigues Seixas. A Santa Casa da Misericórdia creou então uma enfermaria especial para onde fossem transportados esses doentes, que não podiam continuar no Hos- pital sem grande perigo para todos os outros de diversas moléstias. Foi esta enfermaria organisada dentro da freguezia mais povoada e mais insalubre da cidade. Parecia, pelos modos porque foi recebido o mal, que era elle antes ami- go velho do que inimigo implacável. Foi depois de reiteradas advertências do Dr. ínspector da Saúde, depois de muitas e vehementes reclamações da imprensa, que resolveu a Admi- nistração da Província determinar que se reabrisse o hospital do Mont- Serrat em 22 de abril. Seria isto medida inútil, porque tardia, se a moléstia encontrasse cir- cunstancias que favorecessem seu desenvolvimento. Se d'esta vez fomos menos infelizes do que em 4849, não devemos todavia confiar demais na Providencia Divina, que pode também cansar de ver tanto desamor pela conservação própria. Veremos em outra secção a estatística d'esta epidemia. Quizeramos dizer alguma cousa acerca da epidemia que devastou as ci- dades de Buenos-Ayres e Gorrientes no segundo trimestre d'este anno; mas faltam-nos ainda dados certos e positivos. Leu-se em alguns jornaes e periódicos do Rio da Prata do mez de abril: « O flagello que afflige a cidade de Buenos-Ayres attinge proporções real- mente espantosas. No dia 5 falleceram 500 pessoas; 341 no dia 6 e 399 9 no dia 7; o que dá 1.243 victimassò para estes Ires dias! Umtelegramma expedido ás 5 horas da tarde de 9 para Montevidéu accrescenta: Dia horrí- vel! Até 2 horas da tarde sepultaram-se 400 pessoas! «Attenda-se a que, segundo alguns cálculos a população, pela emigração para os campos, se acha redusida a 50 ou 60.000 almas; e far-se-ha idéa da miséria que vae por aquella cidade convertida num vasto cemitério. Os es- tabelecimentos de divertimentos públicos, hospedarias, botequins estavam fechados. Das casas de negocio poucas se conservavam abertas; das parti- culares muitas estavam desertas, e a alfândega abria-se duas horas por dia. As mesmas igrejas estiveram fechadas pela festa da Semana-Santa.» De Buenos-Ayres transportou-se para Corrientes onde fez egual damno. Montevidéo, que interrompeu toda communicação com Buenos-Ayres, não teve a infelicidade de ver-se também em luta com o flagello. E' muito de notar que esta epidemia de Buenos-Ayres poucos estragos fez no porto proporcionalmente aos de terra, o que é um pouco contra o uso de tão terrível moléstia, com razão chamada febre-marinheira. SECÇÃO SEGUNDA. DA PATHOGENIA E NATUREZA. IXFLIEXCIA DO SOLO, EMANAÇÕES PALUSTRES E TELÚRICAS. Pouco se tem verificado, porém muito discutido acerca da pathogenia da febre-amarella. Está hoje comtudo fora de duvida que ella é oriunda das Antilhas, Mé- xico e golphos immediatos. Al li veio ao mundo logo que povos europeus desembarcaram n'aquellas paragens. Vê-se quão grande é a influencia do clima de um paiz sobre raças extranhas; mas de que modo, em que cir- cunstancias essa influencia pode determinar alteração tão profunda em todo organismo? de que natureza é esta alteração? quaes as suas causas? Sub jndice lis est. Alguns observadores notando que esta moléstia só se desenvolve nas costas do mar e margens dos rios que lhe íicão próximos, julgão tirar * d'ahi a moléstia os germens de sua producção. Assim pensa o Dr. Aigu- mosa quando pergunta: Quem sabe se esta mescla das águas doces, condu- zidas pelos rios, com as não mui correntes do mar em algumas paragens, como o porto de Havana, formará um dos mais eííicases elementos de pro- ducção da febre-amarella? Alguns viajantes e marinheiros, diz o Sr. Mélier, tem notado em certos pontos das Antilhas (Cuba entre elles e mui particularmente Havana) muita phosphorescencia nas águas e muita propensão a corromper-se; querendo as- sim talvez attribuir a moléstia á intoxicação pelo phosphoro, cujos sympto- mas se parecem com os da febre-amarella. Esta supposição, que não tem nenhuma razão de ser, foi contrariada por aquelles que vêm neste pheno- meno luminoso das Antilhas o eíTeito da oxidação de myriadas de animalcu- los que se gerão n aquellas águas (Lemattre.) Outro escriptor pergunta: Quem sabe se nestas águas alteradas se desen- volverão seres, d'esses infinitamente pequenos, que o microscópio revela, á cuja evolução e reproducção já muitos sábios attribuem o fenômeno da fer- mentação, tão difficil de explicar? Póde-sc negar a possibilidade de que 11 n'cllas formem-se eílluvios especiaes, que obrem como um fermento funes- to, já por meio de matérias voláteis ou solúveis, já por meio de microíitos uu microsoarios que produzão? Não sabemos até que ponto podem ser fundadas estas suspeitas. Com tudo, os modernos estudos e observações dos Srs. Hallier, Zundel, Klob, \ oit, Franck, Baiestra, sobre os miasmas animaes e vegetaes e os bellos trabalhos do Sr. Pasteur acerca da fermentação parece que vão em breve mostrar o caminho por onde se deve levar esta questão da pathogenia e natureza da febre-amarella. Querem muitos que os navios desenvolvão em si a causa especifica da moléstia, quando no mar dos trópicos achão-se em más condições hy- gienicas. Outros querem ainda que uma putrefação especial da madeira dos navios dê origem á moléstia. Alguns vão procurar até na fermentação do assucar nos porões a expli- cação do desenvolvimento morboso. Ora, vê-se quahto vae de hvpo'thetico em ludo isto. Não comprehendemos tão pouco que a febre-amarella seja gerada pelos mesmos eílluvios palustres que a febre intermittente, como sustenta Chervin e outros pathologistas, diílérindo apenas na intensidade de acção; porque paizes, profundamente inticionados por emanações miasmaticas dos pântanos, conservão-se immunes d'aquelle mal. Além d'isto as febres intermittentes são inteiramente locaes; não assim a febre-amarella, que se estendi?, se trans- porta e marcha pelas vias de eommunic.ação, sempre que acha nas localida- des condições que facilitem sua procreação. As intermittentes habitão de ordinário no campo; frequentão pouco a ci- dade: a febre-amarella prefere os grandes centros de população e, quando por acaso levão-na á campanha, pouco por lá se demora. A febre-amarella nunca assolou nossos sertões, nem as províncias de Minas, Goyaz, o Paraguay, a Bolívia e outros paizes ainda mais insalubres, onde as febres entretidas pelo miasma palustre reinão constantemente, e as vezes com tamanha intensida- de que determinão verdadeiras epidemias. Um accesso de febre-amarella põe aquelle que o soffre ao abrigo de ata- ques ulteriores; não assim as febres palustres, que, ao contrario, predispõem á novos accessos, O tratamento pelo sulfato de quinina, tão poderoso nas fe- bres palustres, é ineflicaz na febre-amarella. 12 As iesões anatômicas, finalmente, demonstrão differenças essenciaes entre estas duas entidades mórbidas. Outros authores, como Tomasini, Dubreuil, Rochoux, dizem que a febre- amarella não é moléstia especifica, mas uma febre biíiosa ou gástrica, elevada ao seu máximo de intensidade. Isto parece um absurdo, De tudo concluímos que a febre-amarella consiste n'uma septicohemia ou intoxicação do sangue e do systema nervoso pela acção de um principio de natureza incógnita, oriundo das Antilhas, mas que pode viver e repro- duzir-se em outros climas mais ou menos próprios á sua propagação. KFLÜiMAS METEOROLÓGICAS Grande consideração tem as influencias meteorológicas na etiologia das epidemias: ou alterando as circumfusa e modificando o organismo do ho- mem de sorte que o torna apto a contrahir a moléstia, como acontece com os não aclimados, ou, mais particularmente, favorecendo o desenvolvimento do miasma especial. Calor e humidade.—O calor, que passava por elemento poderoso de pro- ducção do germen da moléstia pode apenas ajudar a sua evolução. A Fa- culdade de Medicina de Paris tinha fixado em +26° o'mínimo de calor ne- cessário ao desenvolvimento da febre-amarella; mas quando em 1800 appareceu ella em Cadiz o thermometro marcava +13o Em Saint-Nazaire reinou desde +11° até +26° Em Gibraltar reinou no rigor do inverno. Em Philadelphia em 1703 matou 118 pessoas em nove dias, em que o thermometro baixou a O.0 O calor em qualquer gráo é, por si só, incapaz de gerar febre-amarella, ainda quando unido á humidade e á um centro de putrefação produzido por decomposição de matérias animaes e vegetaes. A humidade nas regiões intertropicaes tem grande parte na geração e desenvolvimento das moléstias. É um dos principaes modificadores da atmosphera. Em nenhuma parte do mundo, diz Foissac, a humidade é tão grande como nos trópicos; junta ao calor torna-se o dissolvente mais activo e mais geral; é ella que preside a todo movimento de composição e de decomposi- ção, de vida e de morte; que anima a naturesa inteira. Estas duas circunstancias são incontestável mente de muita importância 13 na pathogenia, maxime nas regiões intertropicaes; seja a moléstia produzida pelo tal miasma especifico, por producção criptogamica, por parasita animal epizoario ou entozoario, por um producto de fermentação especial, ou por outra qualquer incógnita. Ozona.—Muitos authores prestão ao ozona alguma influencia na geração das epidemias: Baeckel atribue-lhe um poder desinfectante. O ozona, diz elle, em quantidade normal obra como estimulante da vida, como a luz; em ex- cesso impressiona as vias respiratórias e dá lugar ás bronchites; sua falta absoluta produz as moléstias do tubo gástrico. Schcenbein pretende também que o ozona purifica a atmosphera, com- binando-se com as substancias miasmaticas, que provem das matérias orgâ- nicas em putrefação. Gaillard quiz explicar a geração da febre intermittente pela presença do ozona na atmosphera, e está em contradição com Baeckel, que conclue de suas observações que no ar carregado de emanações palustres não se pro- duz ozona. • Nas salas dos hospitaes o papel ozonometrico não revela, muitas vezes, a presença de ozona, ainda quando fora d'ellas torna-se inteiramente azu- lado. Convém attender-se muito á este facto nas observações ozonoscospicas. O Sr. Bérigny suppõe que o ácido carbônico exhalado pelos doentes é que se oppôea manifestação do ozona nessas salas, segundo conclue das experiên- cias que em 1855 praticou no Hospital de Versailles. Este anno o papel ozonometrico bem poucas vezes denunciou o ozona, quando o consultamos: Nos mezes de Julho e Agosto, porém, vimo-lo quasi sempre azular. Coin- cidio o augmento do ozona com o decréscimo da epidemia; mas não podemos todavia concluir d'ahi uma regra geral, visto como seria preciso multiplicar estes factos e extremarmo-nos dos outros agentes que decompõe o iodureto de potássio, e que podem existir na atmosphera, mostrando sobre o papel aquelle mesmo efifeito. Ventos.—Os ventos fortes do Oeste e do Sul passam nas Antilhas como favorecendo o desenvolvimento das epidemias. «Logo que começam á so- prar estes ventos, diz Saint-Vel, muda-se o aspecto das salas, as quaes tornam-se annuviadas e tristes; as convalescenças se compromettem e os symptomas se aggravão. » —4 14 Estes ventos nas Antilhas augmentam o calor e predispõem as tempestades, que em todos os climas influem na marcha das moléstias. Electricidade.—Apenas ouvem-se as primeiras detonações da tempes- tade, diz Cornilliac, eminente pratico das Antilhas, apparecem o dilirio, vô- mitos negros e depois os symptomas ataxicos e adynamicos com rapidez assustadora. Entre nós, diz o Dr. Salustiano Souto referindo-se a 1849, se observou que as febres tomavam maior incremento, atacavam maior numero de pes- soas e faziam muito mais victimas nos dias de trovoadas e de cargas elec- tricas na atmosphera. Alturas.—É debalde que a sciencia presume marcar os limites alem dos quaes não deve passar uma epidemia. A respeito do calor ja vimos como é variável a temperatura atmospherica em que pode manifestar-se a febre- amarella. Dizia-se e diz-se ainda que a febre-amarella só se desenvolve a beira-mar ou nas margens fluviaes que lhe ficam próximas; mas Ia foi ella este anno .até a cidade de Corrientes. Dizia-se e continna-se dizer que a febre-amarella nao se propaga ás loca- lidades que estão a certa altura sobre o nivel do mar (500 metros). Em 1866, entretanto, se estendeu desde Vera-Cruz até Cordova (Mé- xico), cidade que está situada á mais de 900 metros de altura e á 20 léguas distante do mar! Quanto á distancia, pode-se objectar que o vapor incumbiu-se de resumil-a e o caminho de ferro fez-la desapparecer: reinava a febre-amarella em Ve- rá-Cruz, que communica com Cordova por caminho de ferro; n'estas condi- ções se comprehende quanto é fácil a transmissão, em grandes distancias, de uma moléstia contagiosa. Até Souíhampton e Liverpool já viajou a febre- amarella. Em relação á altura das localidades não é tão fácil a questão, a vista de alguns factos todavia excepcionaes: em 1868 na ilha de Guadalupe reappa- receu a febre-amarella; não só assolou a colônia franceza da Baixa-Terra como invadio o campo Jacob, a 648 metros acima do nivel domar; campo, que até então gozava da reputação de immune e era considerado refugio dos europeus, segundo a expressão do Sr. Grifton de Bellay. 15 MANIFESTAÇÃO ESPONTÂNEA. E' só nas Antilhas e no México que a febre-amarella se apresenta espon- taneamente; mas não se segue d'isto que seja só este o modo porque ella ahi apparece. Occasiões ha em que retira-se completamente do seu paiz, o qual sem sorpreza o recebe de novo algum tempo depois de viajar por climas extranhos. Ha portanto nas Antilhas epidemias espontâneas e epidemias importadas. Comprehende-se como é fácil desenvolver-se a febre-amarella nas Antilhas, quando de fora lhe chega o germen d'ella. Alli estão reunidas todas as con- dições favoráveis á sua propagação. No Brazil até hoje não consta (ao menos não sei de facto nenhum que prove o contrario), que a febre-amarella appareceu espontaneamente. Assim também na Europa. Nas Antilhas as grandes epidemias espontâneas d'esta moléstia não reben- tão bruscamente, como nas regiões onde é importada; mas forma-se de fontes pièces, segundo a expressão franceza: a constituição medica vae-se a pouco e pouco modificando; as dysentherias, alli tão freqüentes, tornam-se benignas ou desapparecem; as pyrexias tornam-se cada vez mais freqüentes e graves; começão de apparecer as moléstias ditas dos creoulos, febres re- mittentes de marcha insidiosa, que não cedem ao sulfato de quinina é reves- tem-se a pouco e pouco dos traços caracteristicos da febre-amarella. Os médicos práticos d'aquelles climas presentem muitas vezes a aproxi. mação do mal. Algumas observações pretendem demonstrar que nas Antilhas o typho icteroide se desenvolve em terra, de onde passa para bordo. Nas grandes Antilhas, pelo menos, tem sido isto constantemente notado por aqu elles que, como Saint-Vel, só para estas admittem a geração espontânea, negando-a ás pequenas, onde chega o mal por transmissão atmospherica, em distancia, dizem elles, assim como navios, que passão não muito longe das costas de paizes pantanosos, soíTrem de intermittentes. O que porém parece certo é que, reinando a febre-amarella no mar das Antilhas, nenhuma de suas ilhas grandes ou pequenas pode se julgar livre do mal. O Sr. Griesinger engana-se quando pensa que a febre-amarella pode por cxcepção desenvolver-se espontaneamente nos navios que navegam dentro da zona tropical. Levou-o talvez a pensar assim o longo tempo que.o miasma 16, especifico pode viver occulto nos porões dos navios, como veremos era outra parte d'esta Dissertação. Me parece mais acertada e mais authorisada a opinião de Saint-Vel, de Cornilliac, de Dutroulau, que dizem que a febre-amarella não se declara na equiparem senão quando o navio communicou com o littoral infectado. SECÇÃO TERCEIRA, DA INCUBAÇÃO E DA 1NOCÜLAÇÃO. Concordão muitos epidemiologistas em marear o prazo de 2 até 15 dias para a incubação da febre-amarella. O Sr. Mélier diz: quanto á mim tendem todos os factos a estabelecer que a duração da incubação geralmente curta é, no maior numero de casos, de três, quatro, até seis dias no máximo. O Sr. Mélier toma por base do seu calculo os factos de Saint-Nazaire^ onde o mal obrou com intensidade e violência. E' claro que fora de epochas epidêmicas, nas oceasiões em que apparece a moléstia esporadicamente em casos benignos e passageiros, o principio tóxico não lenha bastante vigor para manifestar-se de prompto e precise de algum tempo mais ou menos longo para operar sua evolução no fundo do organismo; de onde resulta a incubarão mais ou menos prolongada. E' preciso demais atlender-se ao ca- pricho das disposições e susceptibilidades individuaes. Um facto que se diz muito notável, sem idêntico na historia da febre-ama- rella, foi narrado pelo Dr. Silva Lima na Gazeta Medica da Bahia, n. 75, do'anno de 1339: Entraram para o nosso Hospital da Caridade Ires doen- tes de febre-amarella, vindos do bordo da corveta italiana Guiscardo, proce- dente do Rio-de-Janeiro. Não havia então na Bahia caso nenhum efesta moléstia; dous d'esses doentes do Guiscardo suecumbiram. O Sr. Padre L., vice-reitor doSeminario-Archiepiscopal, que os tinha confessado, foi atacado de febre-amarella 43 dias depois! E' possível que o gorrnen da moie.-íia ;>e conservasse no organismo pior lauto tempo sem actividade? Se, como disse o \}r. Palerson, incubação é o tempo decorrido desde a introducçào do veneno na economia até a manifestação dos symptomas da moles;ia que d'elie resulta; se não se pode determinar a oecasião em que se dá esta introducção, não se pode de certo marcar úm prazo de incubação. Tu Io portanto que se t m dito não passa de presumpções fundadas em analogias de outras moléstias virulentas e contagiosas. Quando se puder inocular a febre-amarella, teremos uma base sólida onde firmaremos nossos cálculos; por ora só ha supposições. O Dr. Pateróon discorre muito bem acerca do facto citado e observado pelo disíincto medico do Hospital da Caridade; assim diz elle:—o principio lo\!co da febre-amarella, sendo capaz de existência separada por tempo 18 indefinidamentclongo, podia se conservar por muitos dias nas roupas do padre sem contaminal-o.— Esta viabilidade isolada, este modo latente do miasma é muito mani- festo; não pode ser contestado, e encerra o período de innocencia da sua vida. Facto análogo e idêntico ao narrado pelo Dr. Silva Lima é o que se vê ahi todos os dias no desenvolvimento das epidemias: dentre muitos citare- mos alguns: O navio le Tartare, procedente do Pará, onde havia febre- amarella, chegou a Cayenna; no Pará durante vinte dias de demora de nada soííreu; vinte e tantos dias depois de sua chegada a Cayenna, alguns mari- nheiros foram atacados de febre-amarella. Esteve'a moléstia n'elles incubada por tanto'tempo? O vapor Isabel II chegou de Havana; fez sua quarentena em S. Simão (llespanha); acompanhou a família real em uma expedição; alguns mezes depois foram alguns marinheiros atacados de febre-amarella! Estaria por ventura incubada rfelics a moléstia desde sua partida de Havana? Ninguém ousará afíirmal-o. Está respondida a questão desde que se admitte a viabilidade do miasma pelas roupas, pelo carregamento e pelo ar dos porões dos navios. E' um erro dizer-se que a incubação começou desde o momento em que ura indivíduo se expoz ao contagio. O estado das circumfusa e a susceptíbili- dade individual podem muito bem influir para que o miasma especifico conta- gioso não tenha, n'uma occasião dada, poder sobre o indivíduo collocado num foco intenso de infecção; mas em outra occasião, em que parece não haver gmnde perigo, contrahe a moléstia com facilidade. Pode bem ser que foi por este modo o caso do Padre L.; porque não comprehendo que elle recebesse em seu organismo o germen da mole .lia no acto da confissão, e só quarenta e três dias depois se mostrassem os eííeitOB de veneno tão poderoso e violento. O que estamos acostumados a ver todos os dias, diz o Dr. Paterson, é que numerosas causas efíicientes podem obstar a que a semente caia em ter- reno propicio, ou que se effectue a fecundação; mas uma vez realisadas estas condições a seqüência dos factos é quasi certa e uniforme. E' muito de suppor que no momento da confissão não estivesse preparado esse terreno, de que falia o Dr. Paterson. Não vem um pouco em apoio d'esta opinião as experiências de um tal Pr.. Guilherme Humboldt acerca do veneno de uma cobra, que inoculado 19 produz em três dias os symptomas da febre-amarella, e preserva d'esta moléstia? Não se pode comtudo encerrar esta discussão. Creio que só ficará bem conhecido o tempo necessário ao miasma para sua fermentação no organis- mo, depois que se poder extremar o principio contagioso da moléstia; redu- zi l-o ao seu mais fraco gráo de virulência, de modo que possa ser inoculado com vantagem. Seria talvez mais fácil do que isto verificar-se o facto, por mais de uma vez narrado, da mordedura de certas cobras, que produz moléstia seme- lhante á febre-amarella, e repetirem-se as observações, estudar-se emfim um assumpto que tanto interesse apresenta, e que pode trazer muito beneficio á humanidade. O já citado Dr. \V. Humboldt fez neste sentido algumas experiências, inoculando mais de mil pessoas, das quaes bem poucas (suppo. niio que somente nove) foram atacadas de febre-amarella. E de crer que lá mesmo pelo México e Antilhas esteja o grande antídoto. Parece ir-se já levantando a ponta do veu, que encobre tamanho thesouro. —_-----s*©®*^*©®^ SECÇÃO QUARTA, DA TRANSMISSÃO. DA INFECÇÃO. DO CONTAGIO. A transmissão feita directamente pelo doente não pode ser hoje contes- tada, porque é este o modo mais commum e mais visto de propagação da moléstia. Estão todos os tratados, todos os relatórios cheios de provas d'esta triste verdade. Entre mil factos mui concludentes faremos menção de um muito notório, o do medico de Montoir, Dr. Chaillon, na epidemia de Saint- Nazaire:—alguns trabalhadores, que se tinhão occupado na descarga do Ánna-Maria, foram para o campo, cinco ou seis léguas distante do porto. Alli adoecem de febre-amarella: chamão um medico que também morava no campo, longe de Saint-Nazaire, aonde não tinha ido desde muito tempo, nem communicava por modo nenhum. Este medico vê os doentes; trata-os com dedicação; contrahe a moléstia; adoece e morre. E' claro que, se havia um fòeo de infecção, este era limitado áquelles doentes^ que produziram-no, e transmittiram a moléstia somente a um indi- víduo que com elles esteve em contacto immediato; mas que differença vae d'esta infecção pelo doente para o contagio? Contagio e infecção são termos as vezes inseparáveis, que exprimem idéias mui associadas. Contagio é um modo de infecção, relativo e subordinado á diversas condições. A febre-amarella é, pois, moléstia infecto-contagiosa. Está resolvida a questão desde que se concorda, á vista dos factos, que o doente transmitte a moléstia, e que a infecção provém dos doentes, mas não que ella seja independente d'elles. Estaria na atmosphera o miasma que, vindo de' outra origem, que não os doentes, produzio a moléstia no medico de Montoir? mas como ò que só elle n'este povoado foi atacado? Como é que, em um porto o nde reina a febre-amárella, navios que fazem- so incommunicaveis passam incólumes? Como\omprehondem isto áquelles, (jue vêm na atmosphera impregnada de miasmas o único meio de transmissão da moléstia? É também conhecido, e já mencionado, o facto dos três doentes do Guiscardo. A transmissão por meio do homem são está verificada em muitos factos de observação: em 1849, por exemplo, foi uma das primeiras victimas 21 d'esta capital o negociante ingiez G. Sanville, em cuja casa dormia o capitão do navio que nos trouxe aquella epidemia. Como se explicar o modo porque se effectuou esta transmissão? seria pelas roupas? * No Rio-de-Janeiro, diz o Dr. J. Pereira Rego, não existia caso algum de febre-amarella reconhecida, ou pelo menos que a fizesse presumir: os primeiros factos foram os que constaram da exposição feita á Academia pelo Sr. Dr. Lallemand; os quaes tiveram lugar em marinheiros chegados na barca americana Navarre, vinda da Bahia, e que se achavam residindo em um public-house na rua da Misericórdia. D'estes a moléstia passou a outros indivíduos, que com elles communicaram, assim como saltou para a casa que ficava fronteira, onde atacou algumas pessoas, e d'ahi se foi propagando aos moradores circumvisinhos e á toda rua da Misericórdia. » Está bem manifesto o contagio. Alguns factos demonstram que o principio tóxico da febre-amarella pode se conservar por muito tempo nas roupas, que servem então de meio, de viatico, á moléstia. E' mui notável o caso referido pelo Dr. Paterson: Ha muitos annos quemorreu de febre-amarella nas índias Occidentaes um offi- cial, cujas roupas forão enviadas á sua família em Cumberland. Logo depois de as receberem, alguns mezes depois de ter morrido o official, duas pes- soas, assim como o medico que as tratou, morreram de febre-amarella. A transmissão pode se fazer também pelo próprio navio. Consignaremos por diante muitos factos d'este gênero. Um navio pode, só por si, indepen- dente de doentes, transportar e transmittir a moléstia. Não é preciso, como quer o Sr.- Rufz, que um navio tenha perdido alguns doentes de febre- amarella durante a viagem, para que deva ser considerado suspeito. Basta para isto, creio eu, que tenha communicado com algum porto ou navio infectado. Mais adiante veremos com que tenacidade adhere aos porões dos navios o germen mortífero, e quão mephitico torna-se o ar n'elles contido. Em 185Q chegou a Cayenna-franceza, sem ter soffrido em viagem, o vapor Le Tartare, procedente do Pará, porto então suspeito; alijou seu lastro; lavou seu porão. Dez dias depois appareceu febre-amarella a bordo. O primeiro indivíduo atacado em terra havia dias antes jantado á bordo. Os factos parece que dão-se na ordem seguinte: a moléstia, gerada no littoral das Antilhas, é levada a bordo por um doente, que a contrahio em terra, ou talvez pelo carregamento ou por qualquer outro meio. Este doente, —6 22 que gera e reproduz em si novos elementos da moléstia, determina a bordo om foco de infecção; novos doentes apparecem entre a gente de bordo; o navio por sua vez transmitte a moléstia áquelles pontos com que commu- nica; multiplicam-se os focos de infecção; resulta uma epidemia. Se foi com o carregamento embarcado o principio gerador da moléstia, este pode con- servar-se occulto nos porões por muito tempo. É assim que eu comprehendo como um navio pode só por si, indepen- dente de doentes, ser um meio de transmissão de febre-amarella. De outro modo só achamos explicação de certos factos na incubação demasiadamente longa, ou na geração espontânea dentro dos navios. SECÇÃO QUINTA. DA IMPORTAÇÃO, DAS QUARENTENAS, DOS LAZARETOS. DAS DESCARGAS SANITÁRIAS. Graves e grandes questões são estas, que importão bem discutidas e bem elucidadas por aquelles que observaram o desenvolvimento e marcha das epidemias em diversas epochas epidêmicas e diversos climas; porque do juizo que se forma a respeito depende muita vez os interesses de um com- mercio inteiro, a vida de um povo e a sorte de uma nação. E notória a repugnância com que os europeos procurão as Antilhas e o Panamá. São conhecidas as precauções de todos quando em certas epochas se approximão d'esses e outros paizes do Novo-Continente, São bem recentes os desastres de Buenos-Ayres e Corrientes. Ninguém ignora quão fataes forão e continuão ser as theorias de Chervin, que, emittindo idéias de infecção miasmatica e batendo calorosamente o con- tagio, produzio no espirito de encarregados da administração publica e até no de muitos médicos o desprezo de medidas de grande importância, como o seqüestro dos afifectados, as quarentenas, etc. Não é de certo n'este mesquinho e limitadíssimo trabalho que podere- mos ventilar tamanha questão por todas as suas faces. Emittiremos apenas nossa opinião clara e concisamente, deixando de discutir este ponto da Hy- giene-Publica, o qual muito interessa ao nosso paiz, porquanto é de Patho- logia-Interna o assumpto d'esta Dissertação. Estamos convencidos de que a febre-amarella é contagiosa, como a va- ríola, o typho-exantematico, a cholera-asiatica; e que também não se desr envolve espontaneamente em parte nenhuma do mundo, senão nas Antilhas, como já vimos, de onde é um bem triste apanágio. No Brazil é moléstia exótica, onde, sempre que appareceu, foi importada do estrangeiro. Digam embora o que quizerem espíritos desviados da ver- dade pelo interesse ou ganância do commercio, ou pelo estudo mui super- ficial do desenvolvimento e propagação das epidemias, que nos tem flagel- lado. Em 1849 foi ella importada á nossa Província pelo brigue Brazil, como se vê do Relatório do Presidente, que tinha todos os elementos de bem perscrutar e informar-se do modo porque appareceu entre nós. O Dr. ínspector da Saude-Publica, cuja opinião n estamateria está autho- risada pelo seu saber e critério, è também d'este parecer e diz o seguinte: 24 «O anno de 1849 marca uma epochabem triste em nossa província; por- quanto vimos que sem precaução alguma fora admittido á livre pratica o navio que trouxe em seu seio o germen fatal da febre-amarella, o qual, sa- hindo d'aquella boceta de Pandora, irradiou-se e propagou-se horrivelmente por toda a vasta superfície d'este ameno solo.» Da Bahia passou-se para o Rio de Janeiro. A este respeito escrevia alli o Dr. José Pereira Rego: « Os factos que entre nós se passaram foram tão evidentes e positivos para admittir a sua importação, que julgamos que ninguém que olhe com alguma attenção para todas as circumstancias, que presidiram ao seu desenvolvimento, deixara de considerar como um facto mais ou menos provado a importação da molés- tia para o Rio de Janeiro pelos navios procedentes da Bahia; tal é o nosso pensar; tal a nossa convicção.» Para Pernambuco foi levada pelo brigue francez Alcyon, segundo se vê do Diário de Pernambuco de 25 de Fevereiro de 1850. Lê-se também no Relatório do Presidente d'esta Província: « A provedoria de saúde tem sido arguida de haver negligenciado a quarentena dos navios procedentes da Ba- hia, e assim haver facilitado a invasão da febre.» Quanto a Província do Pará, escrevia o seu Presidente: «A terrível epi- demia que geralmente se presume ser a febre-amarella, e que primeiramente se desenvolveu entre os infelizes habitantes da Bahia, e que depois por con- tagio passou para outras províncias do Império, também aqui appareceu, fez e continua fazer estragos. Foi-nos este presente importado pela.barca dinamarqueza Pollux, vinda do porto de Pernambuco e aqui chegada no dia 24 de Janeiro do corrente anno (1850). » E assim por outras províncias, o que seria longo ennumerar. Foi-nos este anno também trazida do estrangeiro conforme já vimos em outra secção; e assim nos annos anteriores, em que houve muitos casos es- porádicos. Se não temos freqüentes erupções d'este mal entre nós, apezar das cons- tantes communicações marítimas com paizes infectados, apezar de ancorarem constantemente no nosso porto navios que trazem carta-suia, mas que são admittidos á livre pratica, apezar do mau estado das ruas e praças d'esta cidade, nunca aceiadas e limpas, devemos este favor á Providencia Divina, que n essas occasioes mantem-nos uma constituição medica tal que se oppõe à reproducção, desenvolvimento ou propagação do principio gerador da moléstia; porque, como é sabido, não basta o germen especifico para deter- 25 minar a moléstia; è também necessário que as circumstancias do clima lhe sejão favoráveis, assim como certas condições de localidade e até de indivi- dualidade. A influencia das localidades, sobretudo, é incontestável e de muito pezo na etiologia da febre-amarella.' Assim foi que a corveta italiana Guiscardo não poude determinar uma epidemia; do mesmo modo o Oniz e outros muitos navios em diversas occa- sioes. Este anno porém os calores foram excessivos nos mezes de Janeiro e Fe- vereiro, e Dezembro do anno passado. Reinaram na Bahia nestes mezes muitas febres intermittentes e remittentes biliosas; a constituição medica era reconhecida má. N'estas circumstancias chegou o Douro, que trazia febre-amarella; chegou pouco depois o La Platano mesmo estado. As medidas higiênicas, aconse- lhadas pelo Dr. ínspector da Saúde Publica, não forão postas em prática: o resultado é o que consta do mappa annexo n. 3, além de muitos casos em casas particulares. O mesmo já tem acontecido no Rio de Janeiro, em Pernambuco e em outras províncias do litoral. Na Europa a febre-amarella sempre foi importada, segundo concordão os mais distinetos epidemiologistas. Notemos alguns factos: Em Barcellona em 1821 chegaram vinte navios de Havana carregados de assucar; quasi todos tinhão perdido na viagem, mais ou menos longa, algumas pessoas da tripolação: o primeiro navio chegado, Le Grand Turc, communicou logo a moléstia á família do commandante, que veio á bordo abraçal-o: e assim os outros navios; de modo que em alguns mezes Bar- cellona teve mais de 20.000 victimas de febre-amarella! Em Livorno em 1805 aportou o navio espanhol Anna Maria (*), que havia perdido dose homens em viagem: communicou a moléstia ao Hotel, que recebeu os seus doentes, aos operários que trabalharam na descarga, e d'ahy á toda cidade. Era Marselha em 1821 o navio Le Nicotino, chegado de porto sus- peito, e tendo perdido alguns doentes em viagem, abriu a 8 de setembro as escolilhas para descarga: no dia 11 appareceram os primeiros casos no ancoradouro, e sete navios que lhe ficavão á sóta-vento forão atacados. (•) Este nome tinha também o navio que levou a febre-amarella porá Saint-Nazaire em I8Gi. —7 26 Em Saint-Nazaire em 4861 rebentou a moléstia no porto com violência, logo que o Anna-Maria, chegado de Habana com carregamento de as- sucar, abriu as suas escotilhas. A historia d'esía epidemia, escripta pelo Sr. Mélier, é bem circumstan- ciada e não deixa duvida a respeito da sua importação e contagio.} A epidemia que assolou Cadix em 1800, acommettendo 48,520 indiví- duos, foi para alli transportada pela corveta Delphin, segundo se vê do Relatório apresentado ás cortes pela Academia de Medicina. A epidemia do Porto em 1851 foi determinada pela chegada dos navios Tentadora e Duarte IV, O mesmo aconteceu em Lisboa, em Gibraltar, em Malaga, Alicante, Carr tagena e outros muitos portos. Os bellos trabalhos de Srs. Mélier, Arejula, Audouard, Motard, Ber- tulus, e os relatórios de commissões sanitárias em diversos períodos epi- dêmicos, tem, além d'isto, provado cabalmente que a febre-amarella foi sempre levada á Europa por importação. Ninguém ignora quantos embaraços oppõe o commercio ao descobri- mento da verdade em assumpto de tanta importância. Transcrevemos mui de proprosito os seguintes paragraphos do El Siglo Medico de 25 de dezembro do anno passado, não só porque resume de modo bem claro todos estes erros, que tem sido e continuão serfataes, senão também por- que podem ser com muita propriedade applicados á nós brasileiros: « Ade- vinam-se todos los motivos de estas disidencias funestas por Ia salud de los pueblos, amenudo vergonzosas para clase médica, y siempre muy con- trarias ai esclarecimento de Ia verdad; pero non constituyen Ias únicas causas dei embroljo com que se tropieza cuando, fundando-se en antece- dentes históricos, se procura determinar si se ha producido alguna vez Ia febre-amarilla de un modo espontâneo en los puertos europeus. Mezclan- se en esta cuestion los interesses dei comercio marítimo, empenãdo en acreditar que Ias naves no son conductoras dei azote desde America, y sucede que Ias falsas declaraciones tocante á Ia procedência de los buquês, á los puertos en que hayan tocado y á los vários accidentes occurridos en Ia travesia, obscurecen ó desfiguran los mas esenciales datos, impossibili- tando averiguar Ia verdad. «Se occurre en ei viaje Ia muerte de tripulantes ó passajeros, se atribue a enfermidad distinta, aun que con toda evidencia fuese ei typhus icteroides, quien ocasiono Ia muerte, ó si es posible se niegan los accidentes occur- 27 ridos, ô se reenplazan Ias personas muertas, embarcando-se otras para que ei numero resulte cabal. «Como en Ia expedicion de patentes no hay ei menor rigor en los paizes que sirven a Ia febre-amarilla de foco, suelen dar-se limpias aunque á Ia sazan haga estragos una epidemia, e luego se arguye, con un documento fehaciente en Ia mano, que ai salir Ia embarcacion de tal ó cual punto de America no reinaba alli Ia enfermedad, por cuya razon es imposible ha- ber-la traido. Y entretanto no siempre faltan médicos que, para apartar sospechas de los buquês á quienes ai importacion se atribuye, sostengan que antes de su llegada ai puerto se estaba ya padeciendo Ia enfermedad. Otros arguyen que ha transcurndo demasiado tiempo desde que ei buquê sospechoso llegó hasta Ia explosion dei azote, como si siempre pudera sa- ber-se de una manera positiva cuando tuvieron lugar los primeros casos, y fuera perfectamente conocido ei tiempo que puede mantener-se ei miasma contagioso oculto en Ia nave. » Do quanto fica dito se deduz a necessidade das quarentenas e o seu grande alcance. Está hoje fora de duvida, porque já demonstrado, que as quaren- tenas são meios mui poderosos de evitar uma epidemia de febre-amarella. O verdadeiro meio de salvação, o modo mais certo de defeza está no afastamento do navio em primeiro logar; e depois na sua descarga e des- infecção. O porão dos navios é o principal receptáculo da febre-amarella. Muitas das epidemias bem estudadas tiverão por causa occasional a abertura das escolilhas para a descarga. Pode acontecer, e tem muita vez acontecido* que um navio não tenha nenhum doente a bordo durante a viagem: continua em bom estado de saúde depois de sua chegada; mas de repente vê-se assaltado pelo mal, apenas começou a descarga. Assim aconteceu com o vapor Isa- bel II, de que já falíamos, apenas abrio os paióes fechados desde sua partida de Cuba. Assim também em Marselha com o navio Le-Nicotino, e em Saint- Nazaire com o Anno, Maria, etc. As mercadorias e o ar contido nos porões parece que são os principaes vehiculos do mal. Equipagens, que desembarcão na intenção de evitar o foco de infecção e conservão-se em terra um mez inteiro, são de novo ata- cadas, quando recolhidas á bordo, se o navio não foi convenientemente des- carregado e desinfectado. «Parece resultar de alguns factos, diz Dutroulau, que uma epidemia in- terrompida por dous ou três mezes em conseqüência de uma viagem para 28 paizes mais frios, como a Terra-Nova, o Cabo Horn, reapparece de novo. Não se pode determinar a épocha em que ella se mostra depois da partida do navio de um paiz infectado; mas não se deixa por isso de reconhecer a in- fluenciado ponto de partida. No relatório do Conselho de Saúde de Lisboa ficaram consignados muitos factos d'este apparecimento de longa data da moléstia nos navios; e os membros d'este conselho julgão que é mais pelas cousas do que pelos homens e pela atmosphera do navio, que então se pro- paga a moléstia. > Convém, sempre que um navio chega de um porto suspeito, pól-o de ob- servação e desinfectal-o, ainda que não tenha, nem tivesse doentes a bordo; porque, como ficou dito, a febre-amarella, á modo da cholera-asiatica, viaja com as cousas assim como com os homens. A temperatura atmospherica baixando pode abafar, por assim dizer, a mo- léstia, que de novamente apparece com a estação quente. É bem significativo o que se passou com um navio que, sahindo do Rio-de-Janeiro com emi- grantes allemães em 1852, no momento em que a febre-amarella alli fazia estragos, soffreu até chegar a altura do Cabo Horn, onde a moléstia cessou: depois, á medida que ia subindo para regiões menos frias, pela costa Occi- dental da America, vio apparecerem novos casos á ponto de produzir-se uma epidemia em Calháo, de onde passou-se á Lima, á Valparaízo, á Sanct- lago. Foi bem dolorosa a experiência porque passaram aquelles que, domina- dos pelas idéias anti-contagionistas, desprezaram as medidas quarentenarias. Hoje, porém, vão aproveitando as lições colhidas na desgraça, e vemos que na Europa ha muita vez severidade e até rigor a respeito dos navios que tem procedência suspeita. No Brazil este serviço importantíssimo vae muito imperfeito: as duas mortíferas epidemias de 1849 e 1855 forão francamente importadas; e apezar de ter ficado bem provado que a cholera foi primeiro importada no Pará, de onde propagou-se pelo littoral do Império; apezar de estar eviden- temente provada a importação da febre-amarella na Bahia, a administração não cuida de organisar regularmente o serviço sanitário dos portos. A quarentena pode tornar-se muito resumida, ainda nos casos em que o navio tenha soífrido em viagem; porque, feita a descarga de modo convenien- te e com as precauções que o caso exige, desinfectado o navio e seu carre- gamento, feita a sequestração dos affectados, bastão as vezes 15 dias para que não se possa mais receiar o mal da parte da embarcação. Si porém con- 29 sistir a quarentena somente no afastamento do navio, conservando a sua carga nos porões, não se pode limitar o tempo em que o navio deixe de inspirar receios. Basta expor as mercadorias ou o carregamento ao ar livre do dia ou da noite sobre o convez do navio, ou de outro que vá destinado á este fim, fumegar todo o seu interior com ácido sulphuroso por que desappareça toda a qualidade contagiosa que se lhe possa attribuir. Outriora submergião os navios inficionados; hoje, á vista dos meios de des- infecção que temos, torna-se dispensável aquella prática, que era comtudo mais certa em seus effeitos. Os meios indicados e postos em acção em Saint-Nazaire pelo Sr. Mélier offerecem alguma defeza contra a invasão epidêmica: a primeira indicação é deter longe os navios contaminados eprohibir-lhes a entrada no porto, como se praticou ultimamente em Montevidéu; a segunda é proceder á descarga debaixo de certas regras e precauções,—descarga sanitária. • Um pontão deve ser destinado a receber todos os homens mais ou menos compromettidos, os quaes ahi ficarão de observação por certo tempo até que possão desembarcar sem perigo para os de terra. Antes d'isto deverão tomar banhos e mudar de roupas. Esta espécie de Lazareto de observação pode ser também feita em terra em lugar apropriado e longe do centro da população. Ahi deverá existir um director, que convém seja medico, um empregado da Alfândega, outro do Correio e todo o pessoal e material necessários à desinfecção dos passa- geiros, das suas roupas, bagagens, cartas, etc. Qualquer embarcação, que entrar no porto, deverá dar fundo perto d'este Lazareto de observação, do qual receberá a visita de saúde feita pelo dire- ctor, conservando-se em quarentena sempre que este julgar suja sua carta. O navio que estiver de quarentena só poderá communicar com o Laza- reto, do qual obterá todos os soccorros precisos e para onde remetterá suas correspondências para terra, as quaes serão previamente desinfectadas no Lazareto. Em outro navio installar-se-ha um Hospital, espécie de Lazareto fluctuan- te, com os accessorios necessários, como se pratica na Inglaterra, com o fim de receber os doentes dos navios em quarentena, assim como os que por acaso adoecerem no Lazareto de observação. Este Hospital pode ser organisado em terra sem inconveniente, comtanto que esteja sujeito ás mesmas medidas de sequestração. Para prevenir e evitar tamanho mal é necessária toda severidade e rigor. —8 30 Foi por meio de quarentenas rigorosas que Maranhão poude escapar da epidemia que percorreu o litoral do Brasil em 1849 e 1850. Foi por medidas summamente severas que Montevidéu passou incólume, e viu de bem perto a angustia de Buenos-Ayres. Depois das epidemias de Lisboa e Saint-Nazaire me parece que mui difficilmente a febre amarella terá entrada na Europa. O serviço hygienico dos portos está muito bem constituído e ha muita vigilância sobre navios de procedências suspeitas. A descarga sanitária pode ser feita passando-se o carregamento para o con vez do mesmo navio ou de outro mandado de propósito. Deve-se de- pois d'isto proceder á desinfecção. Algumas observações parece que demonstrão que basta arejar por algu- mas horas os volumes do carregamento do navio para que percão elles o poder contagioso: as caixas de assucar, desembarcadas do Anna-Maria e condusidas logo pelo caminho de ferro para Nantes, não transmittiram a moléstia para este ultimo lugar. Está entretanto provado que é durante a descarga que ordinariamente rebenta a moléstia; a 3 de agosto começou o Anna-Maria a sua descarga; á 4 o vapor Le Lorient, que lhe ficava próximo, foi atacado; á 10 Le Cormoran; depois Le Chastang, Les Dardanelles, LArequipa, e outras embarcações, as quaes tinhão todas communicado mais ou menos com o Anna-Maria, e lhe ficaram visinhas durante a descarga. O Sr. Mélier aconselha uma espécie de submersão do navio, por elle praticada como meio de desinfecção, depois de feita a descarga sanitá- ria. Este processo consiste em levar o navio para um ponto escolhido e de fundo bem conhecido; abrir aos lados do navio, abaixo de sua linha de fluctuação, diversas e largas portinholas, por onde a água entre e lave o in- terior do navio. Esta operação, que no Mediterrâneo seria mais ou menos difficil por causa da ausência de maré, não tem inconveniente no oceanoj diz o Sr. Mélier. Deve-se fazer este processo na maré de vasante estando ja o navio encalhado. D'este modo o navio enche e vasa duas vezes por dfa, segundo o fluxo e refluxo das águas. Ora, são bem claras as grandes difficuldades d'este processo, e as pre- cauções que se devem tomar. Só em casos mui excepcionaes julgamos deva ser posto em prática. SECÇÃO SEXTA DA IMMUNIDADE Nos paizes, onde a febre-amarella reina endemicamente, ha certa im- munidade para os indígenas e para aquelles que ahi vivem desde alguns annos. Não se pode comtudo marcar um termo, que dê exempção segura ao europeu. Saint-Vel vio morrerem nas Antilhas europeos, que já lá estavão á cinco e á seis annos. Os filhos das Antilhas e os do litoral do México parecem refractarios á acção do principio mortífero, que sobre elles obra, talvez, desde suas vi- das intra-uterinas, determinando assim no organismo uma espécie de to- lerância. A experiência de todos os dias mostra-nos que substancias, inno- centes para organismos habituados á ellas, tornão-se tóxicas para outros, como por exemplo o ópio que nós não suportaríamos na dose, em que ueão os chins, fazendo d'elle quasi um alimento. E' provavelmente por analogia de acção que o germen da febre-amarel- la não tem poder sobre os povos d'aquellas regiões, onde elle existe nas nguas que bebem, no ar que respirão, identificado com o clima. Na Havana a raça caucasica é a que mais soffre; depois os homens de cor; os pretos são refractarios. No Brazil acontece o mesmo. Era preciso haver uma compensação para esta pobre raça preta, que maior tributo paga á cholera-asiatica. Não é comtudo inteira e absoluta a immunidade d'esta raça; porque na Cayenna franceza e no Senegal também tem soffrido eomo as outras. Na Bahia em 1849 foi muito mais poupada do que qualquer, eomo se vê do mappa annexo n. 2, si attendermos ao grande numero de africanos existentes n esta cidade. No México os filhos das serras e das montanhas, quando descem ao litoral,-sofrem como se forão europeus não aclimados; entretanto os Ín- dios do Yucatão gozão alli do previlegio da immunidade, provavelmente porque procedem de clima análogo. O europeu está tanto mais apto á contrahir a moléstia quanto mais re- cente é no paiz; e augmenta a probabilidade de não soffrel-a na razão di- recta do augmento de annos desde sua chegada. 32 A grande emigração, que houve para o Rio da Prata por occasião da guerra franco-alleman, muito concorreu não só para determinar a epidemia de Buenos-Ayres, como também para augmentar a sua mortandade. Os indivíduos, que chegão de paizes mais frios, estão na mesma razão mais aptos á contrahir a moléstia. Longa ausência do paiz faz perder a immunidade até aquelles que n elle nasceram e viveram por muitos annos. Assim aconteceu com os soldados do batalhão 14 de infantaria do Exercito Imperial, aqui chegado no principio d'este anno depois da campanha do Paraguay. Aquelle que já uma vez sofreu a moléstia tem garantia certa contra segundo ataque; aquelle que já atravessou um período epidêmico tem tam- bém algumas probabilidades a seu favor. Foi talvez esta a immunidade que guardou os médicos brasileiros na recente epidemia de Corrientes. Dutroulau faz muitas restricções á esta immunidade: diz que a febre- amarella, que não percorreu seus dous períodos (considera somente dous períodos na evolução completa da moléstia), não preserva de certo de um ataque de febre-amarella grave; e accrescenta:—depois do primeiro ataque de febre-amarella grave bem provada, eu nunca vi um só recidivo. Ha, felizmente, muitas opiniões em contrario da primeira parte d'esta asserção. Não é cousa difficil tomar por febre-amarella de forma ligeira ai gum accesso de febre remittente biliosa, o que de certo não preserva da ebr e-amarella. Não vemos por ventura nas febres eruptivas (com que a febre-amarella mostra muitos pontos de analogia, a ponto de já se haver emittido a opi- nião de que é ella também d'esta natureza) que um accesso de erupção moderada e fraca preserva de novo ataque? Me parece além d'isto que a opinião do Sr. Dutroulau, fundada na in- formação do seu doente (Observação IX), que diz ter já tido, ha oito annos, uma moléstia que parece foi febre-amarella, não assenta em bases sólidas. E' original o juizo do Dr. José de Argumosa acerca da immunidade de certas raças: «Considerando Ia febre-amarilla como una enfermidad parasitaria no deja de tener análogas en estas preferencias de raza en mu. chás enfermidades palpables dei reino vejetal. Todos los botânicos saben que algunas plantas e animales parasitários si fijan solo en determinadas famílias de vejetales e que algunas no se encuentran si no en determinadas variedades de una misma família. 33 «Assi es que mi razon no repngna que haya enfermidades, que ataquen solo á una raza de Ia familía humana, e mucho menos considerando causa probable de ella á seres vivientes que no pueden desarrollar-se si no en organismos dotados de cualidadés desconocidas, pero necessárias para su evolucion.» —9 SECÇÃO SEPTMA DA SYMPTOMATOLOGIA PERÍODOS E MARCHA DA MOLÉSTIA Consideramos quatro períodos no desenvolvimento da moléstia: periodo prodromico, periodo de invasão ou de reação, de transição e hemorrhagico ou característico. Muitos epidemiolog istas estudão a febre-amarella sob dous períodos somente: periodo de invasão e periodo hemorrhagico. Outros sob trez: de invasão, de transição e hemorrhagico. Outros ainda, como o Sr. Guérin, querem mais o periodo de incubação. O Sr. Dutroulau concorda com aquelles que descrevem dous períodos, e diz que muitas vezes elle não reconhece senão um periodo somente. Na forma grave da moléstia comprehendo que ella *marche com tanta rapidez, que sympthomas e períodos se confundão em um mesmo chãos, onde a vida desapparece immediatamente, segundo a expressão do mesmo author; mas, quando a evolução do germen morbigeno se faz gradualmente, quando sua intensidade não é tamanha que determine a dyscrasia rápida do sangue, a moléstia marcha regularmente e então podem-se observar todos os seus quatro períodos. Todos tem muito boas razões para firmar suas opiniões, e nós também. O primeiro periodo pode muitas vezes faltar. O segundo pode vir tão unido ao quarto pela ausência do terceiro, que torna-se então quasi impos- sível distinguil-os. O terceiro é caracterisado pela ausência mais ou me- nos completa da maior parte dos phenomenos do segundo, ou, para melhor dizer, este periodo marca o tempo necessário á transformação do ap- parelho symptomatico. Para o Sr. Guérin ha na febre-amarella um periodo de incubação como em todas as moléstias virulentas e contagiosas; periodo em que o principio morbigeno fermenta occulto e invade gradualmente o organismo até o momento em que sua presença se revela pelos symptomas da moléstia. O primeiro periodo (prodromico) pode falhar segundo está demonstrado por mil factos de observação, em que a moléstia prorompeu subitamente 35 no meio da mais robusta saúde. O Sr. Guérin quer, porém, que este perio- do nunca falte, como conseqüência necessária do periodo de incubação. O segundo periodo (de invasão) nada tem de carateristico. Pode até se occultar por muitos dias sob a forma de uma amygdalíte, de uma gastrite ligeira (Berthulus), de um accesso de febre intermittente (Dutroulau); com tudo, os frios pela espinha, a febre mais ou menos violenta, a cephalalgia frontal, as dores lombares, a injecção das conjunctivas e a prostração au- torisão ao medico a suspeitar um caso de febre-amarella, quando por acaso reine a epidemia. Este periodo mostra-se como se o fora de uma affecção francamente inflammatoria, e dura de um até trez dias. Dutroulau diz com espirito que a febre-amarella n esta phase de sua evolução poderia ser chamada febre- vermelha. N'este período a temperatura do corpo na axilla pode se elevar a 108 Fahr (Alvarenga); nós nunca vimos passar de + 42° cent. o pulso pode chegar até 120 pancadas. Convém notar que a violência da reacção nem sempre está na razão directa da intensidade do mal, porque ordinariamente os indivíduos de constituição forte apresentão neste periodo todos os symptomas da forma congestiva e inflammatoria bem aguda. Este periodo tem dous ou trez dias de duração; e é pela noite que assalta o doente. O terceiro periodo [transição) merece particular attenção, porque apre- senta traiçoeiramente ao medico não bem experimentado o doente em via de cura apparente, e de chofre atira-o entre os symptomas aterradores do ultimo periodo. Foi talvez por este facto não muito bem observado, ou por causa da complicação de febres endêmicas de origem palustre, que soem muitas vezes concorrer, que alguns supposeram intermittencia no typo da moléstia. «Observamos remittencia em alguns casos, mas nunca intermittencia no rigor da palavra, apezar do grande cuidado de nossa observação, es- creve o Dr. Alvarenga. «Vimos sem duvida desapparecer um ou outro d'estes symptomas (do periodo de invasão) para se manifestar de novo no curso da moléstia; porém cessação completa dò quadro mórbido apparente e sua repetição depois de certo intervallo, nunca, nunca! 36 « Um doente atacado de uma cor peripherica amarella bem intensa e de vômito negro, e que apresentava verdadeira intermittencia nos sympto- mas capitães, atrahiu vivamente nossa attençãó a este respeito no princi- pio da epidemia; mas reconhecemos que era uma febre intermittente per- niciosa, contrahida num paiz pantanoso e que cedeu á altas doses de sul- fato de quinina. » O quarto periodo (hemorrhagico) é característico: a cor amarella da pel- le e as hemorrhagias são constantes; bem que esta cor as vezes comece a se mostrar desde o terceiro, e até subitamente no periodo de invasão nas conjunctivas. O Dr. Alvarenga e outros tiverão occasião de ver alguns casos em que este phenomèno se apresentou somente depois da morte, e diz mais que em Lisboa falhou na razão de 15 por cento. Luiz diz não ter sido ella cons- tante na epidemia de Gilbraltar, e vio casos em que esta cor só se manifes- tou na convalescença. N'este periodo o pulso desce ordinariamente a 50 e a 45 pancadas, de onde tiraram alguns autores o nome de periodo apyretico; nós nunca vimos passar de 100. O calor do corpo varia de 4" 24° a 4" 35° cent.; as vezes pôde elevar-se a 4" 40°; outras vezes abate-se a ponto de imitar o periodo algido da cholera. Na visinhança da morte a temperatura costuma elevar-se um pouco como no typhus. DURAÇÃO E TERMINAÇÃO A febre-amarella pode passar por todos estes periodos dentro do praso de seis até nove dias. Não são comtudo raros os casos em que a morte sobre- veio no terceiro dia de moléstia, como em Saint-Nazaire observou o Sr. Mélier, e como se vê um exemplo na Observação 3.a do Sr. Dutroulau; em que a duração total da moléstia foi de dous dias e meio. Acontece tam- bém que um doente morre quasi fulminado dentro de poucas horas. Os ca- sos benignos durão apenas três ou quatro dias. A moléstia pode se prolongar além dos dez dias e chegar até o vigésimo quando por acaso o doente succumbe em conseqüência de alguma compli- cação grave como seja a complicação typhoide. A terminação pela cura se vê em todos os casos benignos, e a convales- cença é muito curta ou quasi nenhuma. Nos casos graves a morte é a ter- 37 minação natural; mas quando n estes casos sobrevem a cura, a convales- cença é longa, porque a moléstia esgotou as forças do doente. Não é muito raro nas Antilhas ver-se terminar a moléstia por accessos de febre intermittente. As complicações typhoides e cholericas trazem terminação sempre fatal. A suppuração do tecido do pulmão, do fígado, dos músculos, resultada de focos hemorrhagicos, também traz terminações funestas. Algumas vezes um accesso epileptiforme é o termo fatal da moléstia. Não é muito raro ver-se a morte em conseqüência da asphixia. As paroti- dites as vezes compromettem a vida do doente. PROCESSO SYMPTOMATICO 1.° Periodo:—Cephalalgia frontal, frio moderado, alternando algumas vezes com elevação da temperatura da pelle, indisposição, algum abati- mento de forças, perda de appetite, vertigens, dores na região lombar, são os phenomenos precursores da febre-amarella e formão o periodo dito prodromico, o qual pode durar até quarenta e oito horas. Estes symptomas, como se vê, precedem outras muitas affecções agudas. 2.° Periodo:—Muitas vezes a moléstia rebenta subitamente, atacando um individuo forte e vigoroso, como observou o Dr. Costa Alvarenga em Lisboa em 1857; o Sr. Delery na Martinica em 1855—1857; o Dr. Sa- lustiano Souto na Bahia em 1849, que diz: em geral esta moléstia appare- ceu brusca: e assim em muitas outras epidemias. Os frios vem então se- guidos desde logo de movimento febril intenso até 120 pulsações (Alva- renga), até 130 (Saint-Vel); injecção das conjunctivas; face vultuosa, olhos vermelhos, fixos; olhar ardente; dor profunda nas orbitas, augmento do calor da pelle, turgencia e injecção dos tegumentos do rosto e do peito; sede; náuseas, lingua branca de bordos vermelhos, tornando-se mais ver- melhos e mais pontudos com os progressos da moléstia; vômitos aquosos; biliosos ou mucosos; rachialgia; dores lombares fortes (coup de barre), que tolhem muita vez o movimento e se irradião pelas pernas; prostração, que Luiz diz ter visto pouco na epidemia de Gibraltar; dor no epigastrio; epistaxis, anciedade; as mucosas da boca, da gengiva e do pharinge são de um vennelho intenso; o ânus é circunscripto de um annel cor de rosa —10 38 quasi rubra (Cornilliac); as ourinas são um pouco raras e podem dar algum precipitado de albumina. O sangue que se obtém pela phlebetomia forma promptamente um coalho volumoso, consistente; exposto ao ar, toma sua cor vermelha arterial. Estes symptomas, que podem variar ao infinito, caracterisão o periodo de invasão, que ordinariamente se faz á noite. E' claro que não se deve só por elles diagnosticar uma febre-amarella, ainda quando venhão acompanhados da cor amarella da pelle; porém se na occasião reinar a moléstia, pode-se desde logo affiançar que trata-se da fe- bre-amarella. 3.° Periodo:—Todos estes symptomas da invasão perdem de ordinário sua intensidade e podem até desapparecer muitos d'elles, dando muita vez a esperança de abortar a moléstia: assim o pulso desce a 70-60 pancadas; a pelle torna-se humida, desapparece a sede; o doente se reanima, se le- vanta e pede alimentos; porém.... cousa notável! o mal traiçoeiro recua um pouco para de novo assaltar com violência a sua victima! 4.° Periodo:—Volta então sem rebuços; vem com todo o cortejo dos seus pathognomonicos; cor amarella da pelle, que se estende pelo corpo in- teiro e as vezes com prurido da pelle (Alvarenga); epistaxis copiosas e re- beldes, hemorrhagias da lingua, das gengivas e anaes; petechias, echy- moses; vomito preto e as vezes de sangue vivo; anciedade extrema, respiração suspirosa, grande oppressão epigastrica, orthopnèa, alteração considerável dos traços do rosto; o pulso desce até 40 pancadas; suppressão completa das ourinas; hálito fétido; as gengivas escoriadas e a lingua gotejam sangue; e finalmente o appendice necessário dos phe- nomenos nervosos:—vigílias, soluços, delírio, convulsões, estupor, coma, carphologia. N'este periodo o sangue, que corre das aberturas naturaes ou acciden- taes, não se coagula mais; é fluido, preto e não envermelhece no contacto do ar; sua dyscrasia é completa. A symptomatología de todos estes períodos varia segundo a idade, o temperamento, a constituição do doente, segundo a fôrma e gravidade da moléstia, e até segundo o tratamento. 39 COMPARAÇÃO DE ALGUNS SYMPTOMAS EM DIVERSAS EPOCHAS EPIDÊMICAS Tenho notado que em algumas epidemias do typho icteroide predomina- ram certos symptomas, e que outros ou diminuíram sua intensidade, ou desappareceram completamente, sem comtudo perder a moléstia o seu cunho característico, sempre o mesmo em qualquer parte onde se tem apresentado. Em Gjbraltrar a prostração do doente não foi symptoma usual, porque muitos doentes morreram de pé, diz Luiz, que narra o caso de um tal Dr. Mathias que morreu de pé, depois de cinco dias de moléstia, escrevendo uma carta a um amigo. A dôr ou oppressão epigastrica foi freqüentemente observada em Lisboa em 1857, mas não assim em Gibraltar. Os soluços que Luiz diz forão igualmente freqüentes no fim da moléstia e annunciavão sempre terminação fatal, como este anno vimos no' Mont-Serrat, não forão nem freqüentes, nem de mau prognostico em Lisboa. A ausência completa, das ourinas, que era signal certo de morte na epidemia de Pernambuco em 1686 (Ferreira da Rosa), não foi de tão grave prognostico em Gibraltar em 1828, nem em Lisboa em 1857, nem na Bahia em 1871. As epistaxis erão freqüentes em Lisboa, raras em Gibraltar. Busch notou nos se us doentes uma erupção análoga á picada de mosquitos, facto já muito confir- mado em diversas epochas. Lecomte observou manchasinhas côr de rosa sobre o peito de todos os seus doentes na epidemia de Cayenna em 1850. Outros acharam erupções varioliformes, pustulosas, etc. Graves, que viu uma epidemia de Dublin em 1826, a qual elle intitula de febre amarella, diz que todos aquelles doentes, que tiveram a ponta do nariz côr de purpura, forão victimas da moléstia. Os accidentes nervosos, tão ordinários na febre amarella, estiveram longe de ser constantes na epidemia da Martinica em 1855—1857. A maior parte dos doentes não os apresentaram e conservaram intacta a in- telligencia até o idtimo momento (Saint-Vel). ANALYSE DE ALGUNS SYMPTOMAS EM PARTICULAR Côr amarella da pelle.—Já vimos em outra secção que esta côr, quando por acaso falha na marcha da moléstia, se apresenta na convalescença 40 ou sobre o cadáver. Na forma ligeira e benigna pode faltar completamente. Apparece alguma vez desde o periodo da invasão, tingindo levemente as conjunctivas. Dutroulau viu um caso (observação 3a) em que a ictericia appareceu desde o principio do segundo dia da moléstia. Por diverso modo se tem querido explicar a sua origem: Dizem uns que ella é devida á uma alteração especial do sangue, a qual desassocia os seus elementos, formando um liquido semelhante pela côr á bilis, e que se intromette pelas lâminas do tecido cellular; alteração esta que também pode dar em resultado uma separação e diífusão da matéria corante do sangue. Outros querem que seja devida á absorpção da bilis, quando ha emba- raço na sua circulação, ou á presença dos elementos d'esta no sangue; porque o fígado, por uma causa qualquer não funccionando, deixou na corrente da circulação os seus elementos, que vão dar á pelle esta côr amarella. Outros querem ambos os modos. Ao Sr. Alvarenga parece que a hemorrhagia cutânea ou transsudação sanguinea é a causa mais ordinária desta cor, pelos factos e motivos se- guintes: Io As manchas, as ecchymoses, as largas lâminas pretas passão dissi- pando-se por gradações successivas até tomarem a côr amarella geral em que se desmanchão, por assim dizer, sem que seja possível traçar um limite entre uma e outra; ellas tem assim, pelo que parece, uma origem commum e formão uma côr única espalhada sobre o tegumento como já teve occasião de assignalar exemplos concludentes. 2o A coexistência tão freqüente da côr amarella da pelle com as conges- tões e hemorrhagias, que se formão no tecido das membranas, no paren- chyma dos órgãos, nas cavidades naturaes ou anormaes, onde ellas apresen- tão assim differentes aspectos. 3o A diminuição e até o desapparecimento ou ausência da côr amarella cutânea nos casos de hemorrhagias abundantes effectuadas por outras vias e que parecem estabelecer uma compensação. 4o A epocha do apparecimento da côr amarella, quando o estado do sangue está mais apto para as hemorrhagias. 5o A ausência ordinária do prurido tão incommodo na ictericia e que acompanha as moléstias do fígado. «Se todas estas circumstancias não provão completamente que esta côr 41 amarella da pelle seja de ordinário ligada na febre amarella á congestão e ás hemorrhagias, que n ella se operão, pelo menos inclinão o espirito a suppol-o. Segundo a extensão e intensidade d'ella, a pelle offerece diversas gradações de côr, desde o amarello até a ecchymose e até a mancha preta. » Creio que engana-se o Sr. Costa Alvarenga quando pensa que as man- chas, as ecchymoses, as largas lâminas pretas passão, dissipando-se, por gra- dações successivas até tomarem a côr amarella geral em que se desfazem. Me parece que na febre amarella dá-se justamente o contrario; as man- chas lividas, as ecchymoses, as largas lâminas pretas só apparecem depois da ictericia. Foi pelo menos isto o que este anno tive occasião de observar no hospital do Mont-Serrat. As outras quatro razões do mesmo author são bonitas, mas não mui concludentes a favor de sua opinião. E' no interior do organismo, nos teci- dos brancos, no soro do sangue e em todos os líquidos que esta côr se vê bem patente. Como explical-a senão pela suffusão biliosa? Além d'isto, ahi estão as reacções da ourina provando que no sangue existem os princípios da bilis. Se as experiências de Lecanu, Deyeux, Dutroulau, Becquerel e Rodier, Chevreul, etc, demonstrão no sangue a presença dos princípios corantes, da bilis, não ha razão para attribuir a côr amarella da pelle somente á elaboração impressa ao sangue na rede vascular do derma, onde se opera uma congestão ou fluxão análoga á que produz as hemorrhagias da mu- cosa intestinal, precedida quasi sempre de petechias e ecchymoses, como quer Desmoulins; ou ao principio corante amarello do sangue, que pene- trou nos tecidos, como diz Andouard; nem tão pouco ás modificações que sofre a congestão capillar em conseqüência da desfibrinação do sangue, segundo Chapuis. Se no sangue podem se encontrar os princípios da bilis e até a própria bilis, como se deprehende das analyses de Orfila e experiências de Clarion, como não admittir que na febre amarella, caracterisada por uma alteração profunda do fígado, possa a côr amarella ser muita vez também causada por suffusão da bilis? No periodo de invasão pode haver côr amarella das conjunctivas e até da pelle, ainda quando não se note alteração do lado do fígado; neste caso então pode ser que seja devida á hyperhemia vascular intensa e á alteração do sangue consecutiva. —11 1 42 E' esta a ictericia que Octave de Saint-Vel chama constante e caracterís- tica, a qual apparece desde os primeiros dias, e quando a morte é prompta mostra-se logo no cadáver. Mas, não pode ser que a alteração profunda, que soffre todo systhema nervoso pela acção tcxica do miasma, repercuta sobre o fígado, suspendendo a sua funcção segregatoria, sem que sua con- stituição anatômica seja alterada, e assim se conservem no sangue os ele- mentos da bilis, os quaes a glândula não poude eliminar, pelo mesmo modo que se vê albuminuria na cholera asiática, na febre amarella, e em outras pyrexias graves sem alteração notável dos rins? No ultimo periodo não ha duvida que a bilis tome grande parte n'esta cor; pelo menos não se pôde negar que a matéria corante d'ella exista no sangue, como provaram evidentemente as experiências de muitos patho- logistas. Entrou este anno para o Hospital do Mont-Serrat um capitão italiano que teve febre-amarella grave: vomito negro, hemorrhagias e cor icterica mui carregada. Este doente tingio de amarello a água do primeiro banho geral que tomou na convalescença. Não é porventura o mesmo facto que se dá ahi todos os dias com os doentes de ictericia, cujo suor tinge as roupas de amarello? O próprio Sr. Costa Alvarenga conclue o seu bello artigo, concordando que a cor amarella peripherica pode ser muita vez devida á ictericia biiiosa e obrar juntamente com aquella outra causa na formação do mesmo effeito. Para O. de Saint-Vel e Ballot ha cluas espécies de côr amarella no typho icteroide: uma, que apparece desde o segundo periodo (invasão), ou no co- meço do terceiro, succede á injecção especial dos tegumentos e é sobretudo bem pronunciada sobre o trajecto dos grossos vasos, e parece produzida por uma espécie de transsudação do soro fora dos vasos: outra, devida á uma verdadeira cholemia, mostra-se no fim do terceiro periodo e durante a convalescença. Dutroulau diz: basta na verdade observar que é sobretudo no interior, nos tecidos brancos e nos líquidos que esta côr é bem marcada, para ter-se a prova de que ella é de facto a ictericia biiiosa, e que a diversidade da gra- dação da côr é devida á intensidade variável da suffusão biiiosa. Não ha ictericia verdadeira na febre-amarella somente quando o ácido azotico tinge de azul as ourinas. Frerichs demonstrou que nem sempre se obtém a cor característica pela acção directa d'este ácido. 43 Alguns attribuem esta cor iterica da pelle á uma perturbação da inner- vação vascular; porque, dizem elles, o systema nervoso é o primeiro ata- cado e esta cor se mostra muita vez logo no periodo da invasão da moléstia. Gilbert Blane attribue áuma alteração dos glóbulos vermelhos. Para Tomasini é ella devida á inflammação do fígado, a qual elle diz fora constante em Livorno em 1804. Vômito preto.—O vômito preto é um symptoma mui freqüente no quarto periodo da moléstia. Pôde apparecer desde o periodo de invasão (Luiz, Cha- puis); é de summa gravidade, mas não de prognostico necessariamente fatal. Em 178 observações em que o Sr. C. Alvarenga notou com muito cui- dado o vômito preto obteve 40 curas. Este anno no Hospital de Mont-Serrat sahiram curados 21 doentes que tiveram vomito negro. Do mesmo modo o Dr. Rodrigues Seixas conseguio muitas curas de doentes nestas circumstancias. Quasi todos os doentes, que falleceram no Mont-Serrat desde sua aber- tura em 1853 até 1859, tiveram vomito negro, como se pôde ver das pa- peletas alli archivadas. D'ellas vimos também que bem poucos escaparam dos que apresentaram este symptoma. Este anno, porém, não foi isto signal de prognostico fatal, segundo se vê do annexo n. 3. Dutroulau em diversos períodos epidêmicos apenas vio oito casos de cura de vômito preto, que elle considera signal de mui grave prognostico. O Sr. Luiz Donnet vio na epidemia da Jamaica (1866—67) alguns casos de morte de febre-amarelia sem vômito negro. Comtudo a autópsia n'estes casos descoure no estômago a matéria negra, que prova que a hemori iiagia não deixou de se fazer nesta víscera. Quando a autópsia dè por acaso um resultado negativo pode-se affirmar que a causa da morte foi outra, que não a febre-amarella. O Sr. C. Alvarenga só uma vez deixou de ver o vômito negro entre os que morreram. Nós nunca vimos facto idêntico. Discordo, portanto, do Dr. Gomes no diagnostico de 6 doentes, que fal- leceram sem este symptoma. (Vide annexo n. 3.) A consistência do vômito é muito variável, assim como a sua cor. No prin- cipio da moléstia o vômito é ordinariamente aquoso, ou bilioso ou mucoso; no periodo hemorrhagico é mais ou meuos negro, e assemelha-se á borr a de café suspensa em um liquido de cor verde-escura; as vezes alterna com vomito de sangue puro, como observou Saint-Vel. 44 Vi doentes que nenhum esforço faziam para vomitar; o conteúdo do es- tômago regurgitava pela bocca e fossas nazaes. « Ha casos de febre-amarella, (diz o Sr. Torres Homem na sua Clinica Medica, observação 5.a), em que os doentes começão a vomitar desde que adoecem; os vômitos nunca cessão; vão gradualmente mudando de naturesa: ao principio aquosos, tornão-se depois biliosos, depois apresentão-se de cor verde-escura, depois ficão da cor de tabaco de pó; finalmente tornão-se pretos, e as matérias vomitadas assemelhão-se á borra de café suspensa em um liquido mais ou menos escuro, ou a tinta de escrever. Ha porém outros casos em que os doentes não vomitão durante o curso da moléstia, ou só vomitão nas primeiras vinte e quatro horas antes da morte; depois que a anciedade epigastrica tem attingido o máximo de sua intensidade, então ap- parecem os vômitos, que são desde logo pretos e característicos. Estes úl- timos casos são muito mais graves do que os primeiros; ainda não vi um só d'elles terminar pela cura. « A ausência completa de vômitos ou a sua cessasão espontânea no começo da moléstia, persistindo os symptomas ataxo-adynamicos, sobre tudo a an- gustia epigastrica, é uma circumstancia que torna o prognostico extrema- mente fatal.» O vomito negro tem sido estudado em diversas epidemias não só pela analyse chimica, como pela microscopia. Eis aqui o resumo do exame de al- . guns observadores: O Sr. Alvarenga lhe descobrio os seguintes corpos microscópicos: 1.° Glóbulos de sangue privados de matéria corante e apresentando sempre suas reacções próprias quando tratados pelos reagentes chimicos. 2.° Fragmentos de fôrmas mui irregulares de matéria escura, que pa- recem constituídos pela matéria verde da bilis combinada com a matéria corante dos glóbulos sangüíneos e existindo conjunetamente com elles. 3.° Cellulas epitheliaes pavimentosas, constantes ainda depois da morte, e reunidas muitas vezes em tão grande quantidade, que formavão uma verdadeira camada de epithelio, que cobria todo o campo do microscópio. 4.° Sarcina ventriculi, cryptogama só encontrado duas vezes em matéria vomitada por indivíduos que soffrião de affecções orgânicas do estômago. 5.° Glóbulos gordurosos, parecendo as vezes provindos do caldo que se deu ao doente. 6.° Cristaes em agulhas de saes calcáreos e outros de substancias gor- durosas, devidas talvez á mesma causa. Foram poucas vezes observados. 45 7.° Vibriom em movimento, ou já mortos, tanto mais numerosos quanto mais velho era o vomito. O Sr. Alvarenga vio também na matéria recentemente vomitada raros glóbulos de fermento, de fôrma elliptica e quasi sempre separados. Hassal achou no vomito negro uma vegetação microscópica de natureza particular. A matéria preta do vomito é pois o resultado da combinação da matéria verde da bilis com a parte corante dos glóbulos do sangue. Dutroulau quer que seja ella devida á alteração do sangue por um ácido, provavelmente o hydrochlorico. Hemorrhagias.—As hemorrhagias são symptomas mui notáveis na fe- bre-amarella; não mui raras nos primeiros períodos, mas freqüentes e quasi infalliveis no ultimo, que caracterisão. Quando rebeldes contra todos os meios therapeuticos, o prognostico é quasi sempre fatal. O Sr. Alvarenga comtudo diz que, em 133 observações feitas por elle na epidemia de Lisboa sobre hemorrhagias múltiplas, obteve 50 curas! A facilidade com que o sangue transsuda das superfícies das mucosas parece a alguns ser o resultado do esforço da natureza, que procura se des- embaraçar do principio deletério; e para outros éuma falta de energia dos tecidos que o contem, os quaes deixão de ser estimulados pelo systema nervoso. Estas hemorrhagias são devidas à uma alteração especial do sangue, acerca de cuja natureza ainda discordão as opiniões. Ha de certo uma septicohemia causada por um agente violento que obra sobre todo o orga- nismo, abalando profundamente a innervação e fluidificando o sangue, o qual neste estado se exhala pelas superfícies das mucosas, produzindo por exem- plo o vomito negro, pelas malhas do tecido cellular, no parenchima dos ór- gãos etc. Para Griesinger as hemorrhagias são devidas á uma moléstia aguda dos mais finos capillares. As hemorrhagias podem ter lugar em todos os órgãos e vísceras: pelo nariz, pela bocca, pelas gengivas, pelo ânus, muito rara vez pela uretra, por uma ulcera, por superfícies desnudadas dos vesicatorios, por uma es- coriação, por picadas de sanguesugas, por qualquer solução de continuida- de, em summa, natural ou accidental. Tem-se algumas vezes faílado de suores de sangue. Sem negar o facto —12 46 supposto, achamos todavia que deve isto ser um phenomeno rarissimo, mas não impossível. Muitas vezes o sangue infiltra-se pela espessura dos músculos e do tecido cellular, augmentando o volume do membro, distendendo a pelle, e produ- zindo dores fortíssimas a ponto de tornar-se necessário o desbridamento da parte. Quanto mais rápida é a apparição das hemorrhagias, tanto mais graves são os effeitos desta dyscrasia, e tanto mais funesto deve ser o prognostico. Muitos doentes succumbem pela abundância das hemorrhagias; assim ha epistaxis copiosas e hemorrhagias de picadas de sanguesugas (principal- mente no epigastrio), que bastão para matar. As hemorrhagias necessaria- mente fataes são as que se apresentão debaixo da fôrma da matéria negra, como as da mucosa gástrica. Nos primeiros períodos da moléstia o sangue não apresenta alteração notável; apenas contém um pouco mais de fibrina, o que é natural á vista da reacção febril. No ultimo periodo opera-se a dissolução do sangue, que perde a consistência e propriedade de coagular-se. Neste periodo encontra-se grande quantidade de uréa no sangue, á qual o Sr. Griesinger attribue a maior parte dos symptomas nervosos, como as convulsões, o dilirio, o coma e até a morte. O soro submettido aos reactivos chimicos não deu nenhum precipitado, que indicasse a presença dos elementos da bilis (Saint-Vel). Dutroulan porém demonstrou a presença da bilis no sangue colhido depois da morte. Por esta dyscrasia do sangue querem muitos epidemiologistas explicar todos os phenomenos da febre-amarella, sem attenderem a que esta altera- ção se encontra também em outras moléstias, que apresentão hemorrhagias como, por exemplo, a febre remittente biiiosa dos paizes quentes, a hemor- rhéa petechial (Gintrac), a varíola hemorrhagica. Ourinas.—No periodo de invasão a ourina é ordinariamente mais ou menos normal; torna-se apenas um pouco febril e pode (Griesinger) elimi- nar matéria corante da bilis, assim como alguma albumina em casos raros. O Dr. C. Alvarenga achou-as ácidas 84 vezes sobre 100; poucas vezes alcalinas; variavão muito na densidade, na cor e na quantidade. Quanto a presença da albumina, diz Ballot não ter encontrado nunca pre- cipitado albuminoso no periodo de invasão,, mas no de transição. O mesmo resultado obteve Saint-Vel e Cornilliac. No periodo de transição diminue a secreção urinaria; a albumina, se já 47 existe, desapparece se a moléstia vae ter favorável terminação; persiste e augmenta no caso contrario. No periodo de transição as ourinas tem reacção ácida 92 vezes sobre 100 (Alvarenga). Em 42 doentes observados a albuminuria se manifestou em 11. No ultimo perido as ourinas são extremamente raras, ou faltão comple- tamente; são muito pobres de uréa. Em Pernambuco em 1686 foi esta au- sência completa symptoma certo de morte (Ferreira Rosa). De 26 doentes do Sr. C. Alvarenga, que tiverão suppressão completa, seis ficarão bons. Em Gibraltar não era também de muito mau prognostico. Para Griesinger a gravidade deste symptoma está na razão de 80 mortos sobre 100 doentes. «A suppressão completa das ourinas, diz este distincto epidemiologista, se acompanha muitas vezes de dores lombares fortíssimas, que se irradião, e da retracçãp do testículo, o que é devido á uma nephrite aguda. » Algumas gottas de ácido nitrico tingem as ourinas de uma cor azul-es- verdinhada desde que a ictericia se manifesta. Ora, esta reacção serve para dar a razão da cor amarella da pelle pela suffusão biiiosa. O exame microscópico das ourinas no ultimo periodo mostra cylindros granulosos, chamados também fibrinosos, epitheliaes e análogos aquelles que se observão na moléstia de Bright; cellulas epitheliaes, leucocitos e glóbulos vermelhos também, e urato de ammonia co (Alvarenga). As observações dos Srs. Cornilliac eBallot sobre 300 casos de febre- amarella derão os seguintes resultados: no periodo de reacção nenhum pre- cipitado notável de albumina, tratada a ourina pelo ácido azotico; nos pe- ríodos seguintes ourina mais rara e mais vermelha, tornando-se espessa e até viscosa com os progressos da moléstia; dava precipitado de albu mina pelo ácido azotico; submettida á evaporação obtinha-se o mesmo effeito. Para o Dr. Luiz Alvares a presença da albumina nas ©urinas é o signal mais positivo do começo do periodo de remissão da febre- amarella. As reiteradas observações feitas este anno no hospital de Mont-Serrat pelo Dr. Ribeiro Gomes derão o mesmo resultado. O Sr. C. Alvarenga, porém, affiança que a albumina pode ser encontra- da desde o periodo de invasão, porque diz elle ter visto nas ourinas os sig- naes microscópicos da albuminuria, como por exemplo cylindros fibrinosos, que denuncião a esfoliação epithelial dos tubuli, causada pela hyperhemia 48 do Órgão, e por isso suppoe que seria mais de admirar que ella faltasse numa affecção que apresenta phenomenos geraés de reacção. A albuminuria do doente de febre-amarella não me parece devida á nem uma lesão patente do apparelho urinario; mas á profunda alteração do sangue e da innervação dos rins, a qual perverte e abala o trabalho de secreção da glândula; ou á superabundancia da albuminuria por falta de combustão respiratória, como quer Gubler; tanto mais que pela autópsia encontramos os rins no seu estado mais ou menos normal. Facto idêntico é o que se passa na cholera e em outras affecções graves. Em 61 casos de febre-amarella o Sr. Luiz Donnet notou o seguinte acerca da apresentação da albuminuria: 2 vezes no Io dia da febre. 11 » • 2 19 ■% » 3 14 » » 4 6 » » 5 4 » » 6 4 » » 7 1 » » 8 » » » De onde se vê que a apresentação da albumina foi mais freqüente nos dias 3 e 4 da moléstia, isto é, no fim do periodo de reacção e depois d'ella. Note-se mais que estas observações forão feitas por occasião da epide- mia de Porto-Rico na Jamaica em 1867; epidemia em que houve 72 entrados para o Hospital militar e 47 curadas. E' sobre elles que versa este estudo do Sr. Luiz Donnet. Não tenho comtudo a albuminuria em grande estima semeiologica. Serve porém para determinar o periodo da moléstia, porque pode-se concluir do que fica exposto que: Em regra geral não ha albumina nas ourinas dos doentes de febre- amarella no periodo de invasão: que ella mostra-se no periodo de transi- ção e que augmenta na razão directa da gravidade da moléstia e vice- versa. Octave de Saint-Vel quer mais ainda: que o estudo da albuminuria sirva para estabellecer o diagnostico da febre-amarella e de outras pyrexias que reinão ao mesmo tempo que ella ou lhe parecem por certos caracteres' 49 O Sr. Ballot parece ser também d'esta opinião quando diz que—nunca, em periodo nenhum, se descobre, quer pelo calor, quer pelo ácido nitrico, precipitado albuminoso notável nas ourinas dos doentes de febres inter- mittentes, remittentes ou continuas de naturesa palustre, nem talvez nas ourinas daquelles que estão atacados de febre typhoide. Tem-se algumas vezes falindo de ourinas pretas na febre-amarella, o que pode muito bem ser, creio eu; porque as ourinas são, as vezes, sanguinolentas e carregadas dos elementos da bilis. A febre biiiosa hematurica, que tanto reina em Madagascar e tão seme- lhante á febre-amarella, apresenta ás vezes este symptoma. FORMAS DA MOLÉSTIA Forma grave.—N'esta forma quasi não ha períodos distinetos. Todos os symptomas característicos do ultimo apparecem simultaneamente com os do primeiro: assim a ictericia, os vômitos, as hemorrhagias, os accidentes nervosos vem com o frio irregular, alternando com o calor; pulso fre- qüente até 120 pulsações; lingua seca, trêmula e vermelha, olhos injecta- dos; insomnia completa, ourina rara, agitação extrema. Todos estes symptomas apparecem no fim de 24 e até de 12 horas e se aggravão com rapidez, de modo que a morte sobrevem ordinariamente no 2° ou 3o dia. Forma abortiva de alguns authores.—Nesta forma, diz Griesinger, não lia desenvolvimento de ictericia, nem de hemorrhagias. Depois de alguns dias de febre vem os suores, as ourinas, e o doente entra em convalescença. A moléstia não passa aos últimos periodos e toma muita vez o nome de febre ephemera, rheumatismal, catharral, etc, quando não é todavia senão febre-amarella. Não sei em que razão funda este pyretologista o seu modo de pensar. Me parece antes que á esta forma devemos referir aquelles casos, que o Sr. Guérin discreve sob o titulo de fiévre jmme cbauchée, espécies de suspen- são da moléstia, em que esta conserva todavia o seu caracter especifico. De outro modo não comprehendo como se possa dizer e affirmar que è uma febre-amarella. Será uma febre inflammatoria, ou ephemera, ou o que quiserem, menos febre-amarella. Esta forma é por Dutroulau chamada ligeira, incompleta, como na sua —13 50 observação 1.". O pulso nunca excede de 93. N'esta forma, diz este author, vê-se a actividade febril, franca, de caracter inflammatoria, traduzindo a pouco malignidade e persistência da causa. Na forma grave, pelo contrario, vem-se os signaes de uma perturbação profunda e os esforços de uma reac- ção impotente, abatida por todas as desordens que produz a acção victo- riosa de um veneno violento, Quasi todos os'europeus soffrem quando chegão nas Antilhas de uma febre passageira, que alli chamão febre de aclimação. Esta febre, por mais ephemera que seja, produz uma espécie de ictericia. Não sei se ha alguma razão para suppor-se que estes casos devão ser attribuidos á febre^ amarella de forma benigna, ou antes á outra espécie mórbida, E' talvez por isto que o Sr. Dutroulau quer que um accesso de febre* amarella, que não percorreu todos os seus períodos, isto é, que não foi completa em sua evolução, não preserve de certo de novo ataque, Forma adynamica, N*esta forma não ha, por assim dizer, periodo de remissão. A moléstia traz desde seu principio marcha lenta, pouca eleva- ção de temperatura, pulso pequeno e freqüente, grande oppressão, de- composição rápida dos traços da phisionomia, ictericia, hemorrhagias múltiplas, prostração extrema, collapsus e morte, Griesinger considera uma forma ambulatória, em que os doentes con- tinuão de pé, como refere Luiz ter visto alguns casos curiosos em Gibraltar. JS' sobre todos digno de menção o facto observado por Keraudren nas Antilhas entre Dlambard de Lansmartre e Calvet. Julgamos que esta forma ambulatória de Griesinger deve antes ser con- siderada uma manifestação da forma sthcnka em contraposição á forma adynamica. Forma apyreticq.—A febre-amarella é moléstia que ordinariamente se manifesta por grande reacção febril; comtudo não se pode dizer, como o Sr. Littré, que esta moléstia se acompanha sempre da freqüência do pulso; por que têm se visto casos em que ella se apresentou sem movimento febril, sem freqüência do pulso. Saint-Vel cita alguns casos graves em que os doentes mostrara.m todos os symptomas da moléstia menos a febre. O Dr. C. Alvarenga observou doentes neste estado e forma da febre^ amarella, em que o pulso apenas chegou a 44 e 36 pulsações por minuto; mjnimo que jamais elle observou n'esta moléstia, 51 COMPLICAÇÕES Muitas vezes o miasma palustre obra simultaneamente com o germen es- pecifico da febre-amarella, como acontece nas Antilhas, onde os accessos de febre intermittente constituem uma terminação muito commum de ver- se naquella moléstia. Os abcessos que resultão dos focos hemorrhagicos do tecido cellular, as ulcerações do tronco, a grangrena da boca e das gengivas, as parotidites, as erysipelas gangrenosas e symptomas typhicos são as complicações mais vistas na febre-amarella. A uremia, conseqüência da suppressão das ourinas, é também complicação funesta, que pode apresentar-se de repente e matar promptamente o doente. E' muita vez á «ste envenenamento urémico que devemos referir dores fortíssimas, qne os doentes accusão nas articulações o outros symptomas nervosos graves. As parotidites forão este anno freqüentes no Hospital do Mont-Serrat, e nada tinhão de funesto. O contrario foi observado na epidemia da Mar- tinica em 1857, pois erão acompanhadas deoctorrhéa, gangrena do veu do paladar e dos pillares (Saint-Vel). Não é muito raro mostrarem-se symptomas da cholera-asiatica no curso da febre-amarella, a ponto desta parecer transformar-se n aquella. Das papeletas archivadas no Mont-Serrat vi que em 1856 apresentaram-se alguns casos desta ordem. No ultimo periodo da moléstia pode a temperatura baixar, como J3 vimos, até á algidez; a pelle ruga-se e cobre-se de um suor viscoso; as ex- tremidades azulara e ennegrecem; a decomposição dos traços do rosto é extrema; as dejecções tornão-se freqüentes e esbranquiçadas. Em 1857 o Sr. Ballot vio muitos casos em que os doentes apresentaram todos os symptomas da cholera—asiática menos as dejecções cor de arroz. Oct. de Saint-Vel não attribue esta complicação á cholera. Lhe parece * antes ligada á febre palustre, que em certos doentes, no fim da febre- amarella, manifesta sua influencia por accessos francamente intermittentes. Os accidentes cholericos devem ser antes referidos, segundo a intensidade que apresentão, á febre algida ou á perniciosa chojerica. Como quer que seja, esta complicação é das mais graves, porque or- dinariamente traz a morte. Foi este o resultado de todos quantos casos idênticos houve em 1856 no Hospital do Mont-Serrat. SECÇÃO OITAVA DO DIAGNOSTICO O diagnostico da febre-amarella ofíereee ás vezes dificuldades serias, ainda para os amestrados pela experiência. Em epochas epidêmicas é fácil referir desde logo á esta entidade mór- bida toda expressão symptomatica dos primeiros períodos. No ultimo, que chamão característico, pode a moléstia ainda apresentar muitos pontos de paridade com outras pyrexias graves, dando lugar a ura desvio do diagnostico, como tem acontecido muita vez. A febre remittente biiiosa, própria dos paizes quentes, manifesta tanta semelhança e analogia com a febre-amarella que em Madagascar, por exemplo, toma o nome de accesso amarello; nas Antilhas é conhecida pelo nome de febre amarella dos aclimados. Graves discreve sob a denominação de febre-amarella uma epidemia de Dublin, que nos parece antes ictericia grave. A ictericia grave traz na verdade algumas vezes um período de remis- são depois de um accesso de febre intensa, vômitos sanguinolentos, he- morrhagias, albuminuria, etc, a ponto de ser completamente impossível, diz o Sr. Griesinger, estabelecer o seu diagnostico em um paiz onde rei- na a febre-amarella. O estudo das causas productoras da moléstia e as cir- cunstancias climatericas do paiz deverão então nos guiar no diagnostico. E' porisso que julgamos que Graves não tinha muita rasão de enganar-se. A microscopia nos fornece um caracter anatômico importante, que para Charcot o Dechambre muito serve para verificar o diagnostico da ictericia e da febre-amarella: é que n esta as cellulas hepaticas cheias de glóbulos gordurosos não se rompem, nem desapparecem, bem que se tornem mur- chas; o contrario na ictericia grave, em que ellas não se conservão. A mordedura de certas cobras peçonhentas produz alguns symptomas inteiramente idênticos aos da febre-amarella. O envenenamento pelo phosphoro pode alguma vez simular um caso d'esta moléstia. Importa muito bem diagnosticar cada uma d'estas entidades mórbidas, porque é obvio e grande o resultado que d'ahi se pode tirar para o trata- mento e prophilaxia. A febre remittente biiiosa apresenta hemarrhagias também; mas nunca 53 ellas se fazem por diversas membranas, em diversos órgãos, como na febre-amarella; as epistaxis e as hematurias apparecem na remittente biiiosa desde sua invasão; na febre-amarella porém as hemorrhagias são carac- terísticas do ultimo periodo, e poucas vezes se fazem pela bexiga e canal da uretra. Os vômitos e a cor icterica da pelle se mostrão desde o primeiro periodo da remittente. O lumbago é insupportavel na febre-amarella; não assim na outra; nesta a cephalalgia é geral; n aquella é frontal. Na remittente os vômitos e dejecções biliosas são symptomas predomi- nantes e mostrão-se desde o primeiro periodo, e poucas vezes vem estria- dos de sangue: na febre-amarella os vômitos são a principio aquosos; nos últimos períodos escuros e pretos. As ourinas na remittente biiiosa são d'esde o principio amarellas e pou- cas vezes supprimidas. As ecchymoses, as collecções sanguinolentas do teci- do cellular, os focos hemorrhagicos dos músculos são peculiares da febre- amarella. Esta respeita aquelles que já soffrerão-na: o contrario com aquella. Os aclimados estão, assim como os não aclimados, sujeitos á remittente. A febre-amarella ataca de preferencia os estrangeiros. A febre-amarella é moléstia essencialmente aguda, que se termina em pouco tempo pela cura ou pela morte; não assim as remittentes, que muitas vezes produsem uma cachexia especial, a qual nunca se vê na febre-amarella. Estas duas pyrexias, ainda que bem parecidas, são comtudo de origem mui differentes, como o está provando o sulfato de quinina, poderoso contra uma, impotente contra outra: natura morborum curationes os- tendunt. * Além disto a anatomia pathologica verifica sempre uma lezão constante do baço na febre remittente. A congestão sanguinea ou bilioso-sanguinea do fígado, constante na febre remittente biiiosa, em nada se parece com o estado de degeneração gor- durosa d'esta glândula na febre-amarella. Pelo seguinte parallelo dos symptomas dos primeiros períodos destas duas moléstias, feito pelo Sr. Grand Boulogne, prático das Antilhas, vê-se que o seu diagnostico differencial não é impossível, ainda em epochas epi- dêmicas: —14 54 FEnRE-AMARELLA. Invasão ordinariamente brusca, co- meçando sempre por frio. Febre intensa, pulso variável se- gundo os indivíduos: largo e molle em uns, apertado e duro em outros. Anciedade, dores contusas nos membros; lumbago insupportavel, que se aggrava á noite. Pelle quente e secea, cephalalgia superorbitaria, face vermelha, con- junctivas injectadas, apresentando uma cor uniforme de um vermelho claro como tijollo, olhar embaçado, olhos seccos, somno nullo, dilirio desde a primeira noite, dissipando- se de manhã. Lingua larga, suja, vermelha na ponta e nos bordos, conservando na superfície uma humidade viscosa. Gengivas cobertas de uma exsuda- ção cor de pérola, que sendo elimi- nada descobre a mucosa da cor do vermelho de vinho, apresentando al- gumas vezes na extremidade alveolar um listrão vermelho, signal precursor das hemorrhagias. Raramente vontade de vomitar an- tes do 2.° ou 3.° dia. Sede de ordi- nário moderada, porém viva appeten- cia de bebidas frias.' Empastamento e gosto incommodo da boca. Nenhuma anciedade precordial no primeiro dia, extremamente penosa mais tarde, aggrayando-se constante- mente se a moléstia não é vencida. Ventre brando e insensível consT tipação. Ourinas raras, e vermelhas quasi sempre. Vivo erythrema do scróto. FEBRE REMITTENTE BILIOSA Invasão ora lenta, ora brusca, co- meçando sempre por frio. Febre intensa, pulso duro e fre- qüente. Anciedade, .dores contusas nos membros, lumbago moderado, que cede e passa com facilidade. Pelle quente e humida, cephalal- gia geral, face vermelha, eor nor- mal das conjunctivas, ou então vas- cularisação muito discreta. Olhos hu- midos, olhar brilhante. Pouco somno. Raras vezes o dili- rio começa na primeira noite. Lingua seca, vermelha nos bordos, mas amarella ou esverdinhada na parte media e na base. Emplastro cor de pérola das gen- givas, mas cor normal da sua muco- sa, e sobre tudo ausência do listrão vermelho na extremidade alveolar. Vontade de lançar desde o princi- pio, e que desapparece ordinaria- mente no segundo ou terceiro dia. Sede ardente. Gosto amargo ou pú- trido da boca. Constricção epigastrica, que cede aos primeiros evacuantes. Ventre um pouco duro, e muitas vezes eólica e dyarrhéa. Ourinas carregadas; ora raras, ora abundantes. Nenhum erythrema do scróto. 55 No terceiro dia da moléstia, ao Todas as manhans remittenciasen- mais tardar no quarto, abatimento sivel. Exacerbação de tarde. Dura- súbito do pulso e do calor febril. E' ção mui variável da moléstia, que a convalescença ou o começo da ady- raras vezes passa dos primeiros sete namia. No primeiro caso é o vomito dias. circumscripto ao seu primeiro perio- do; no segundo caso o vômito faz sua evolução. A marcha natural da febre-amarella é a remittencia; em casos irregula- res é pseudo-continua. Basta este caracter para não ser ella confundida com a typhoide-biliosa, descripta e observada por Larrey no Egypto, Lange em Kónigsberg, Pelikan em Moscow, Griesinger no Cairo. N'esta moléstia nota-se, além de outros muitos pontos de differença, a grande hyperthrophia do baço. Succede que algumas vezes a febre-amarella nos seus primeiros períodos se possa enganar cora as febres intermittentes. « Não ha nada mais commum, diz Dutroulau, do que ver-se um ou dous accessos francamente intermittentes mostrarem-se antes de caracterisar-se a febre-amarella, a ponto de não conhecer-se esta senão pela continuidade d'aquella. Outras vezes é depois de uma febre-amarella, cuja marcha foi regular e completa, que se declarão accessos intermittentes. » E' facto de observação que as moléstias revestem ordinariamente o cara- cter da constituição medica reinante; de onde a influencia d'esta sobre o diagnostico. Assim temos visto accessos de intermittentes cobrirem-se de alguns symp- tomas da febre-amarella, em occasião em que esta reinava epidemicamente. Em 1867 quando a cholera-asiatica derrotou o 2.° corpo do Exercito Imperial no Paraguay, e ainda algum tempo depois, bem poucos casos vi de febres intermittentes que não apresentassem caimbras mais ou menos fortes, vômitos, dores pelo ventre e dyarrhéa. Em 1856 alguns doentes de febre-amarella, entrados para o Hospital do Mont-Serrat, tiveram muitos symptomas da cholera. Erão de certo restos da epidemia de 1855. Nas Antilhas quasi que é uma só, e sempre a mesma, constituição medica. E' de notar, diz Octave de Saint-Vel, o cunho de simplicidade que o clima alli imprime á pathologia inteira, o qual só se modifica pela invasão da febre-amarella. Todas as aífecções tendem alli a tomar o caracter da periodicidade. SECÇÃO NONA DO PROGNOSTICO E DA MORTANDADE O prognostico da febre-amarella é quasi sempre grave. Nos primeiros períodos o prognostico deve comtudo guardar alguma reserva, salvo os casos em que se manifestão desde logo phenomenos graves, como a irregu-. laridade e muita freqüência do pulso, hemorrhagias, etc; porque, como já dissemos, depois da reacção febril o doente parece cobrar ânimo e espe- rança de cura, quando o mal não faz mais do que concentrar-se para de ahi a pouco reapparecer com mais rigor. Ha symptomas que compromettem seriamente a vida do doente, dando lugar desde o seu apparecimento a um prognostico fatal. Assim é que as hemorrhagias múltiplas e rebeldes, denunciando extrema alteração do san^ gue, trazem logo a morte. Os symptomas cerebraes são também de muita gravidade, principalmente o delírio e as convulsões. Vimos comtudo no Mont-Serrat um doente com delírio furioso; se levantava, gritava como se faltasse á tripolação de um navio em temporal desfeito; percorria a enfermaria, tornando-se preciso pôr-se-lhe um sentinella á cabeceira. Este doente sahio perfeitamente curado depois de 18 dias de demora no Hospital. O soluço é também um symptoma .ordinariamente grave. A suppressão completa das ourinas também é de muito mau prognos- tico. Já vimos em outra secção o resultado funesto que este symptoma pode trazer, produzindo o envenenamento uremico, o qual só por si determina a morte rápida, O vomito no segundo ou terceiro dia é signal de gravidade. O vomito preto deve ser considerado de prognostico fatal. A lingua secca, trêmula, vermelha e pontuda é symptoma grave. A albuminuria é, por assim dizer, o metro do prognostico da febre-ama- rella nos seus últimos períodos: se a albumina augmenta o prognostico é mau e vice-versa. As complicações muita vez decidem da sorte dos doentes, que succum- bem esgotados por uma dyarrhéa que reapparece, uma erysipella gangre- nosa e longa suppuração de abcessos que succedem aos focos hemorrhagicos do tecido cellular. 57 A mortandade da febre-amarella tem variado desde 10 0/0 até 70 0/0, segundo as epochas epidêmicas, as localidades a intensidade da moléstia, gravidade dos symptomas, e outras circumstancias, como por exemplo uma grande emigração. Nas Antilhas a mortandade é, termo médio, de um sobre três. Em Cadix foi de 50 0/0, na epidemia de 1800: de 48,520 pessoas acommeltidas morreu a metade. Na epidemia de Barcellona morreram 20,000 pessoas. Em Lisboa em 1857 foram atacados 18,000 indivíduos e morreram perto do 6,000. Durante um periodo de cinco annos (1855—1859) entraram para os hospitaes da Ilha de Cuba 53,673 doentes e morreram 13,750, segundo as estatisticasas de Ramon de Ia Sagra. Para o hospital do Mont-Serrat entraram, desde sua organisação (23- maio-1853) até fins de 1859,1860 doentes o morreram 603 (annexo n. 1.) Na Bahia em 1849 forão atacadas 80,000 pessoas, pouco mais ou me- nos, em toda província. Na capital suppõe-se que a mortandade foi de 6,000. Acerca disto não ha ou não temos noticia de nenhuma estatística com- pleta. O mappa (annexo n. 2), apresentado pelo presidente da província, não satisfaz, não só porque não comprehende todo o periodo epidêmico, como lambem só abrange os óbitos que forão relacionados e communicados ao governo. Em Pernambuco a mortandade em 1849 foi de 2,800 pessoas. No Pará na mesma epocha foi de 600. No Rio de Janeiro em 1850 forão atacadas pela epidemia, nas fregue- zias da cidade e no ancoradouro, 90,658 indivíduos e morreram 4,160 segundo o calculo do Dr. J, Pereira Rego, Este anno em Comentes morreram 898 pessoas de uma população re- duzida a 2,000 almas. Em Buenos-Ayres forão provavelmente atacadas 70,000 pessoas e mor- reram quasi dous terços. A estatística do Mont-Serrat deste anno é a que consta do mappa anne- xo n. 3. A casa de saúde do Dr. Rodrigues Seixas recebeu este anno 68 doentes de febre-amarella: sahiram curados 50 e'mortos 18. — 15 SECÇÃO DÉCIMA, DA NECROSCOPIA. Aspecto do cadáver—O cadáver se apresenta debaixo de um aspecto in- teiramente especial. A rigidez é rápida e persistente; algumas vezes esta apparece seis horas depois da morte. A face é tumefeita, violacea; da boca e fossas nazaes corre uma escuma sanguinolenta; das superfícies dos vesiea- lorios, das picadas das sanguesugas e das soluções de continuidade continua muita vez a correr ainda o sangue. Os olhos meio abertos deixão ver a cor bem amarella das conjunctivas. Esta cor se espalha pelo corpo inteiro, e é talvez o facto mais constante nos cadáveres. Bem poucos apresentão a pelle inteiramente descorada; conta-nos o Dr. Alvarenga, que viu cadáve- res tão descorados na epidemia cte Lisboa que paredão antes cadáveres de anêmicos f Dizem que a cor icterica existe 84- vezes sobre 100 casos. Quando por acaso não sejsa ella apparente no tegumento externo, procu- re-se no interior, onde nunca falha, sendo bem manifesta em todos os te- cidos brancos. Depois da morte, diz Dutroulau, ella nunca falta. Eu nego a febre-ama- rella desde que na autópsia não encontro um tecido cellular icterico. Algumas vezes esta cor se limita a certas regiões, dizem alguns aulho? res. Me parece que devera antes dizer-se: ha regiões em que esta cor se manifesta'melhor, ou ó mais bem pronunciada. Ecchymoses c petechias notão-se sobre a face anterior do tronco. Mere- cem especial menção as manchas pretas que nascem de uma axilla e vão se estendendo até invadir todo o thorax e até o abdômen. O Dr. Alvarenga viu no. hospital deSanfAnna o scróto de um velho tor- nnr-se todo preto. Não são raros factos como este. Estas manchas, diz este distineto medico, oecupavão sempre a superfície superior do corpo e em nada se paredão com as suiTusões cadavericas que oecupão as partes declives. E' uma extravasação do sangue na camada super- ficial do derma, que se reconhece muito bem quando a putrefacção adianta- da permilte levantar a epiderma (Dutroulau). Q cadáver do Dr. Chaillon, cuja morte fez tanta sensação em "Saint-Nazaire, tornou-se inteiramente pre- to pouco depois d" morte. 59 Este anno os cadáveres do Mont-Serrat tiveram quasi todos uma gfa;;de e larga ecchymose na parte anterior do thorax. Havendo alguma coincidência destas manchas com a presença da substan- cia negra no estômago e intestinos, julgão alguns observadores que são elles divididas á disposição hemorrhagica de pelle. Apparelho circulatório.—-Nunca encontramos, diz o Sr. Alvarenga, san- gue puro no pericardio, nem coalhos sobre o coração, como observaram os médicos francezes na epidemia de Barcellona em 1821 e Catei na Martinica. em 1833. Só cm um caso encontramos apenas o soro tinto de sangue. O volume e a cor do coração quasi não se alterão; suas cavidades con- tém ordinariamente sangue coalhado. Apparelho respiratório:—A hyperhemia e hemorrhagía pulmonares são factos constantemente observados; muitas vezes encontrão-se núcleos apo- pleticos (Alvarenga). O tecido do pulmão é são e crepitante na maior parte de sua extensão; mas no bordo posterior dos dous órgãos encontra-se quasi sempre um en- gorgitamento, espécie de magma de sangue preto decomposto, parecendo- se algumas vezes a uma apoplexia pulmonar, lesão que não se pode tomar por eífeito cadaverico, porque núcleos da mesma natureza se encontrão al- gumas vezes ilhados em partes não declivcs (Dutroulau). Apparelho cérebro-espinhal.—Quanto a este apparelho, diz o Sr. Alva- renga ter encontrado quasi sempre infiltração sorosa no tecido cellular sub- arachnoidiano, e cúmulo de soro nos ventriculos, coincidindo com o amol- lecimento da massa encephalíca; hyperhemia freqüente na substancia corti- eal e medullar, nunca hemorrhagía; nenhuma alteração do lado da medulla espinhal. Saint Vel diz que, quando se abre o cráneo, a duramater prende a at- tenção pela sua cor amarella. Sempre achou normal a consistência da substancia cerebral; augmento de sorosidade, límpida ou sanguinolenta na cavidade da arachnoide, nos ventriculos do cérebro e do cerebello; o ne- vrilema da medulla espinhal e dura-mater arachnoidiana sempre coradas de amarello. Apparelho digestivo.—O estômago é quasi sempre augmentado em seu volume por uma substancia preta de quantidade variável, que o distende, e análoga á matéria do vomito. A única alteração encontrada no estômago pelo Sr. Alvarenga foi a cor vermelha da sua mucosa, devida ora á hyperhemia, ora á imbibição meca- 60 nica dos líquidos nelle derramados por uma exhalação ou hemorrhagía. Diz mais, que esta cor não pode ser causada por inflammação, como se sup- poz, porque bem poucas vezes elle encontrou espessamento ou amolleci- mento da mucosa. Na observação 4." do Sr. Dutroulau vêm-se durante a vida todos os ac- cidentes de uma gastrite intensa; pela autópsia, porém, não encontrou-se lesão justificativa daquclle cortejo de symptomas graves. Nunca o Sr. Alvarenga viu erosões ou gangrena desta membrana. O Sr. Griesinger escreve o contrario de tudo isto: que a mucosa gástri- ca é muitas vezes pálida e mostra numerosas erosões profundas e hemor- rhagicas; mas é mais authorisada neste assumpto a opinião do Sr. Alvaren- ga, porque o Sr. Griesinger não escreve sobre factos de observação própria, apezar do bom senso, da lógica e erudição com que discorre acerca das moléstias infectuosas. O Sr. G. Alvarenga, cujo tratado acerca da anatomia pathologica da fe- bre-amarella é um dos mais completos que tenho lido, era medico em che- fe do hospital de SanfAnna e do Desterro por occasião do flagello que em 1857 assaltou Lisboa, e praticou então mais de 200 autópsias. O Dr. Rufz de Lavison diz que na epidemia da Martinica a mucosa gás- trica não era nem espessa nem amollecida; rompia-se apenas com mais fa- cilidade. Segundo Luiz o estado inflammatorio da mucosa do estômago era qua- si tão constante, quão a alteração especifica do fígado. Este author encon- trou esta membrana ulceradasó num caso. Para Dutroulau a exhalação do sangue alterado, representado pela me- teria negra, e a cor sempre anormal da mucosa, cuja conseqüência é, são as lesões mais constantes que se achão no estômago. Nas observações do Sr. Alvarenga os intestinos não apresentaram outra lesão além da hyperhemia da sua mucosa. As glândulas de Pcyer e os ganglions mesentericos não tinhão alteração nenhuma; nem havia invagina- çâo do intestino delgado, que o Dr. Ch. Delery diz que fora phenomeno freqnente na epidemia da Nova-Orleans, O Sr. Griesinger diz com Hastings e Blaír que os folliculos intestinaes e as glândulas de Peyer são tumefeitas, e que o grosso intestino pode ofíe- recer alterações. Os ganglions mesentericos raramente são de volume normal; estão quasi sempre hypertrophiados e engorgitados de sangue (Cornilliac.) 61 Luiz encontrou sempre sãs as placas ellipticas de Peyer, e a mucosa do intestino ulcerada em dous casos. Rufz na epidemia da Martinica não viu nunca as glândulas de Peyer al- teradas. Dutroulau diz que são extremamente raras as lesões das placas de Peyer e das glândulas de Brunner, de tal sorte que nestes casos excepcionaes não devem ser attribuidas á fébre-amarella. Não parece todavia mui balda de razão a opinião do Sr. Griesinger quando pensa que antes da morte ha uma lesão do apparelho digestivo, porque tudo quanto o doente ingere provoca vômitos, exaspera a dor epi- gastrica, e a pressão neste ponto lhe é insuportável. Pelo menos parece ha- ver uma secreção ácida, abundante e de natureza particular sobre a muco- sa gástrica e que nella exerce uma acção corrosiva. Figado.—O fígado ordinariamente augmenta muito de volume; nunca foi visto atrophiado. Sua cor é sempre mais ou menos alterada. O exame microscópico apresenta sempre as cellulas hepaticas repletas de glóbulos de gordura, mas privadas de seus núcleos e granulações, que são talvez absorvidos ou convertidos em gordura. A degeneração gordurosa do figado é pois facto constante na febre-ama- rella; facto confirmado em todas as epidemias, em que foi anatomicamente observado: em Gibraltar em 1821 por Luiz; em Philadelphia por Bache e La Roche; em Lisboa por Costa Alvarenga e por Figueira Coutinho; por Dutroulau que fez mais de 100 autópsias na Martinica e por Catei em mais de 150 observações. Pode-se portanto dizer que a degeneração gordurosa do figado é um dos caracteres anatomo-pathologicos da febre-amarella, sem constituir to- davia o cunho da natureza da moléstia. O Dr. Alvarenga vio um figado degenerar-se em gordura no espaço de três dias de moléstia. Em dous casos da rua do jardim, que mandou para o Hospital os doentes mais graves, encontrou o figado redusido á uma massa como borra de vinho. Baço e panchreas.—Estas glândulas apresentão-se apenas hyperhemiadas (Alvarenga, Dutroulau, Saint-Vel, Chapuis etc). Bennet Dowlen diz ter visto, na epidemia da Nova-Orleans em 1861, o baço constantemente hypertrophiado. E' isto inteiramente excepcional e parece até duvidoso. Talvez o elemento palustre tomasse então grande parte neste effeito; —16 62 porque, como já vimos, não é raro o encontro do miasma palustre com o miasma especifico do typhus icteroide, e está provado que o engorgita- mento e o amollecimento do baço são caracteres da intoxicação paludosa. Rins.—Os rins, como todos os outros órgãos, mostrão-se hyperhemiados e augmentados na sua substancia cortical, e o microscópio mostra grande quantidade de gordura (Alvarenga). O microscópio revela grande numero de granulações misturadas com o epithelio dos tubos uriniferos e de substancia cortical (A. D. Pellerin). Os rins são mais ou menos alterados em seu volume, consistência, e cor; mas não de maneira que possa isto constituir um caracter importante (Dutroulau). Algumas vezes, ligeiramente hyperthrophiados, ou atrophiados, esta vão amollecidos ou seccos e friaveis (O Saint-Vel). Bexiga.—A bexiga é quasi sempre retrahida, vasia, de paredes espes- sas. Em alguns casos estava cheia de ourina amarella ou sanguinolenta (Al- varenga, Cornilliac, Chapuis, S. Vel.) Dutroulau nunca achou sangue na bexiga. Vesicula biliaria.—Esta vesicula continha sempre alguma bilis, de cor um pouco escura e de consistência de xarope; sua mucosa era sã, mas um pouco espessa. Na observação 12 de Dutroulau a vesicula estava dis- tendida por bilis espessa como alcatrão. SECÇÃO UNDECIMA, DO TRATAMENTO. A therapeutica não é, como quer Bouillaud, uma deducção, um corolla- rio das idéias que se tem acerca da natureza e causa da moléstia. A historia da Medicina registra conseqüências funestas d'esses desvios do espirito, quando, fundando escholas dogmáticas, traçaram uma regra universal de tratamento, de accordo com suas idéias, suas deducções e seus caprichos. Hoje porém vae a experiência lançando bases mais sólidas á therapeutica, sem saber muita vez qual a natureza e causa da moléstia. E assim vae-se a pouco e pouco e mui naturalmente organisando o verda- deiro systhema da arte de curar, chamem-no embora methodo irracional. Foi por ventura por deducções do espirito acerca da natureza e causas da moléstia que chegamos ao conhecimento de que o sulfato de quinina cura as febres intermittentes, que o mercúrio cura a syphilis? Não ha entretanto em Medicina muitas verdades semelhantes á estas já repassadas pela prova clinica, que é, que deve ser a ultima ratio da arte de curar. Houve tempos em que todo tratamento era subordinado ás theorias phi- siologicas, ás idéas que dominavão acerca da natureza e causas da molés- tia, de modo que não se dava um passo em therapeutica que não fosse apoiado nestas bazes. Era o methodo racional de Haller, de Rasori, de Broussais, de Brown etc. Erão as escholas dos hypocraticos, dos chimicos, dos mechanicos, dos solidistas, dos humoristas, dos vitalistas, dos animistas, dos orgaoicistas etc. Ainda assim, succedia que partindo muita vez da mesma noção divcr. gião no tratamento da moléstia, segundo o modo porque querião interpre- tar o facto phisiologico ou pathologico primordial. Para Brown, por exemplo, a vida era um eífeito do stimulo, que obra- va em toda a economia; o seu excesso de acção ou sua fraqueza produzia a moléstia, que tinha por campo o organismo inteiro. Razori, partindo do mesmo principio de excitarão, localisava sua acção sobre tal órgão, tal te- cido. Aquelle empregava os excitantes ou deprimentes geraes. Este apphcava os modificadores da sua irritabilidade segundo o órgão a que era destinado. 64 Todas estas bellas theorias, todos estes vôos da intelligencia nenhum re- sultado obtiverão á cabeceira do doente, que continuou a soffrer. O perpassar dos séculos tem demonstrado que a razão por si só, aban- donando o caminho da observação, é incapaz de fundar a verdadeira pra- tica da medicina. Forão comtudo menos prejudiciaes á humanidade esses processos the- rapeuticos, em que a razão era o guia único, do que o moderno systhema do visionário Samuel Hahnemann, era que a imaginação e só a imaginação dá as regras do tratamento. Systhema, em que se diz que as moléstias são alterações immateriaes de um principio vital immaterial, e que portanto de- vem ser combatidas por forças da mesma natureza, isto é, pela virtude es- piritual dos medicamentos. O próprio auctor da homeopathia, que começa declarando que a verda- deira medicina é de sua natureza uma sciencia simplesmente empirica, em que o espirito unicamente especulativo não deve ter voz decisiva, é o pri- meiro entretanto a arvorar o domínio dos paradoxos, da imaginação desre- grada das suas entidades mórbidas e das virtudes espirituaes dos seus áto- mos medicamentosos! Grande e manifesta contradicçãol Porém maior o orgulho do seu author, que, á todo transe, ainda calcando sua consciência, queria plantar novo sys- thema, queria ser o chefe de uma eschola, queria celebrisar-se por uma idéa extravagante. Triste e funesta celebridade. Maior ainda a cegueira dos que o acompanhão; e ainda maior a dor da- quelles que soffrem e pensão achar conforto nesses aberrados systhemas de curar, que os abandonão ao único esforço da natureza orgânica em luta com um elemento de destruição muita vez mais forte do que ella! EJ a medicina expectante; é a medicina inútil, é a medicina prejudicial. Os vitalistas ao menos tem sobre estes a vantagem de ajudar a natureza na sua reacção contra a affecção do organismo .vivo, porque intervém acti- vamente quando essa reacção, que constitue a moléstia, augmenta ou dimi- nue mais do que convém ao organismo para tornar ao seu estado normal, procurando o seu equilíbrio natural por meio da suppressão da causa mor- bosa. 65 Os vitalistas não põem na verdade embaraços á marcha e desenvolvi- mento da moléstia já manifesta; pelo contrario favorecem-na, porque para elles é a moléstia uma reacção salutar; mas quando a natureza è fraca, quando é preciso aíTastar circumstancias más, ou provocar circumstancias boas, provocar crises salutiferas, combater uma complicação etc, elles ahi se apresentão fazendo pela arte aquillo, que o poder medicador da natureza não podia obter. Medicus naturoe minister et interpres, eis sua divisa. O vitalismo absoluto é hoje um anachronismo. Entregai um doente de febre palustre; entregai um doente que luxou uma articulação e etc. á simples força da natureza e dizei-me depois qual o resultado obtido. Admitto e comprehendo que nos tempos da infância da arte não houvesse outro recurso senão ser vitalista; era necessário; hoje porém não tem razão de ser; é um systhema condemnado e muito prejudicial. De que nos servem as glorias obtidas pela phisiologia experimental, pela anatomia pathologica, pela matéria medica, pelos estudos chymicos, micros- cópicos etc? Não ha especifico contra a febre-amarella. A experiência ainda não con- sagrou a excellencia de nenhum medicamento. E' portanto de balde que se tenta atacar a moléstia em sua essência, como para vencel-a de uma vez, combatendo a synthese dos symptomas. Tem sido um esforço inútil. O melhor methodo a seguir por ora é o analítico, isto é: decompor a moléstia em um certo numero de elementos e dirigir o tratamento apro- priado contra cada um delles em particular. E' este o processo de quasi todos os práticos da febre-amarella. No periodo de invasão empregão as sangrias, os evacuantes, purgativos, sudorificos e revulsivos cutâneos. No ultimo periodo os tônicos, os adstrin- gentes, os excitantes reconstituintes, os antispasmodicos. A plasticidade phlegmasica do sangue nos primeiros períodos, a activida- de da circulação, o processo inflammatorio, as congestões sangüíneas são antes os motivos que levão o pratico ao uso das sangrias do que a preten- ção de por este meio ajudar a natureza no trabalho da eliminação do miasma. 66 A sangria convenientemente empregada, attendendo a constituição do doente e a marcha da moléstia, pode ser de muito proveito em certos casos. O seu abuso systhematico é um erro de funestas conseqüências. As ventosas sarjadas sobre os lombos fazem muitas vezes cessar a dor dos rins. As compressas frias e os sinapismos são aconselhados por Dutroulau para combater a dor epigastrica. As bebidas geladas, as limonadas, a água gazosa, a infusão de chá, as bebidas temperantes são empregadas contra a sede e para provocar a transpiração. O vômito é um dos symptomas que mais prendem a attenção do clinico. Contra elle empregão as bebidas gazosas, os sinapismos e vesicatorios no epigastrio, os narcóticos, o ether, o chloroformio, os saes de morphina. O vômito é um symptoma que convém desde o principio suspender para que o doente supporte a ingestão dos medicamentos. Uma pratica coroada de bons resultados vi no Mont-Serrat e era: ape- nas o doente começava a vomitar, o Dr. Gomes appücava-lhe um largo vesicatorio sobre o estômago. Bem poucas vezes vi falhar o seu bom ef- feito; o vômito desapparecia; o medicamento ingerido podia então ser conservado. Esta pratica tinha além d'isto a vantagem de previnir e im- pedir o vômito negro; ainda contra este symptoma grave vi casos em que o vesicatorio pareceu o meio de salvação. As poções de perchlorureto de ferro, de ergotina, as limonadas mine- raes, todos os adstringentes em fim têm sido mais ou menos seguidos de resultados ephemeros na sua applicação contra as hemorrhagias. As ap- plicações tópicas do mesmo modo. Já vimos que as hemorrhagias são devidas á dyscrasia, á desfibrinação e á deluição do sangue: seria preciso vencer este estado geral para obstar ás hemorrhagias; mas não é cousa de momento reconstituir o sangue alterado por esta forma pelos nossos actuaes meios therapeuticos. A suppressão das ourinas combatte-se por fricções ácidas ou there- bentinadas sobre os rins e por chlysteres nitrados e çamphorados. O soluço é combatido peloS mesmos meios que o vomito. A strychnina empregada por Dutroulau contra as perturbações da res- piração não obteve effeitos satisfatórios. Parece que, havendo vantagem manifesta de prevenir, evitar e sus- 67 pender o vômito, deve ser contra indicado o emprego do tartaro emetico ou de outra substancia qualquer, que possa facilitai-o ou provocal-o. Pode com tudo haver necessidade de combater uma complicação, um embaraço gástrico por exemplo, e então deve ser preferida a ipecacuanha. O tartaro emetico foi muito applaudido pelos seus bons resultados na epidemia da Baxa-Terra em 1852; mas me parece que todo tratamento aproveita na forma benigna da moléstia, e em ligeiros períodos epi- dêmicos. Os purga ti vos formão a base do tratamento seguido em toda parte: o óleo de ricino principalmente, dado em grande dose (seis onças e mais ainda), tem obtido grandes resultados. Os calomelanos tem sido inutil- mente empregados. Tem-se abusado do sulfato de quinína, a ponto de se dar ao periodo de transição o nome de periodo de quinína, como o fez o sábio Professor Barão de Petropolis. Na verdadeira febre-amarella, nos casos bem caracterisados, é impotente o sulfato de quinina. Nada é mais commum nas Antilhas, nas Cayennas, no Brazil do que a complicação palustre. Nas Antilhas principalmente ten- dem todas as moléstias a revestir o typo da periodicidade. Não é também difficil tomar-se por febre-amarella a febre remittente biiiosa: E' de certo por isto que o sulfato de quinina tem sido tantas vezes applaudido. O próprio Sr. Dutroulau, o grande pratico das Antilhas, que muito usou e abusou do sulfato de quinina nas primeiras epidemias em que se achou diz que o sulfato de quinina não faz mais do que aggravar os acci- dentes dos últimos períodos da moléstia; o sulfato de quinina predispõe á hypofihenia geral e á adynamia. Não deve portanto ser empregado nos casos graves bem caracterisados de febre-amarella. Pode comtudo ser empregado como tônico no periodo adynamico com o vinho, o caffé, a tintura de quina composta etc. Contra os accidentes cerebraes aproveitaram os vesicatorios nas espadoas, os clisteres purgativos, os opiaceos em doses fraccionadas, o ether, o almiscar, a camphora. Do mappa annexo n. 3 vê-se qual o tratamento empregado este anno no Hospital do Mont-Serrat. -------**»■------- PARTOS. hemorrhagía puerperal e seu tratamento. * Alguns autores chamão hemorrhagía puerperal não só aquella que tem lugar nos órgãos genitaes durante o estado de prenhez, no feto e seus an- nexos, como também aquella que é determinada em outras vísceras pelas modificações que a prenhez imprime á circulação geral. A hemorrhagía puerperal pôde se fazer nos primeiros seis mezes, nos últimos três mezes, durante o trabalho do parto e depois do parto. A hemorrhagía que acompanha o aborto ovular passa muita vez por menstruação retardada. A abundância de uma hemorrhagía torna as vezes o aborto inevitável; outras vezes ella é conseqüência d'el!e. As mudanças que sobrevem na estruclura doutero na gestação, o grande trabalho de organisação vascular que n elle se opera, e além d'isto o estado geral de plethora que a prenhez occasiona, são causas predisponentes da he- morrhagía puerperal, maxime nos primeiros mezes da gestação. As impressões physicas e moraes são Umbcm causas de hemorrhagia 3868 70 A inserção da placenta no segmento inferior do utero, a ruptura do cor- dão ou de um dos vasos d'este, a retracção brusca do utero, são causas especiaes de hemorrhagias uterinas. A hemorrhagía puerperal nem sempre é causada pelo descollamento da placenta. * Pôde também ser devida á uma exhalação sangüínea da mucosa do utero, principalmente nos primeiros mezes da gestação quando o ovo não occupa ainda todo o utero, e a mucosa d'este está muito tumefeita e vascular. A posição horisontal, o socego, a calma do espirito, as bebidas frias e aciduladas, os clysteres laxativos com o fim de combater uma constipação, evitando assim esforços que poderião ser prejudiciaes, são os meios the- rapeuticos geraes, empregados contra a hemorrhagía puerperal de fôrma ligeira. A sangria também pôde ser utilmente empregada nos casos de plethora. * O centeio espigado é usado com vantagem quando faltão os meios pre- cedentes e torna-se grave a hemorrhagía. * Quando a hemorrhagía é rebelde contra todos estes meios, o cirurgião lança mão da rolha como um poderoso recurso. * Quando apesar de todos os esforços torna-se inevitável o aborto, o ci- rurgião deve tratar de levantar as forças da mulher e evacuar o utero. Quando a hemorrhagía é mui abundante e a prenhez está nos seus úl- timos mezes, a ruptura das membranas deve ser preferida á applicação da rolha. SECÇÃO Dl SUMAS ACCESSORIAS. ZOOLOGIA. espécie humana. Os homens e os animaes superiores são constituídos sobre o mesmo plano geral; sua organisação é análoga; suas funcções são quasi idênticas. * N'estas condições phisiologicas o homem se confunde com o animal. Querem alguns naturalistas que a espécie humana não foi uma e única em sua origem. *" De outro modo, dizem elles, como explicar a presença de habitantes na America por occasião do seu descobrimento? Nas ilhas da Polynesia? Por onde se fez esta emigração? . * Alguns autores não sabem ainda com certeza se os Pongos, os Mandrils, os Orang-Otangs, os Chimpazês e outros anthropomorphos são ou não são homens. * O homem Troglodylos de Linneu parece formar a passagem quasi insen- sível entre o homem e o macaco. As antigas divindades, Satyros, Faunos, Silvanos parece que erão da espécie humana. 3868 72 O angulo facial é tanto mais aberto quanto mais perfeita é a organisação do animal: assim, o angulo facial do homem varia desde 70.° do negro até 85.° do europeu; o do macaco pôde chegar a 60.° somente. O numero de circumvoluções do cérebro do animal varia também na razão do melhoramento e perfeição da espécie. A intelligencia do animal está na razão directa de sua perfeição orgânica. Os Hottentots, os Ethiopes, os Cafres parece que marcão a passagem da intelligencia do homem para a do animal. Para que a intelligencia do animal se podesse elevar á altura da do homem, seria preciso elevar até á perfeição humana sua organisação material. * O homem se distingue de todos os seres creados pela faculdade de ar- ticular sons, isto é, pelo poder de communícar seus sentimentos por meio da palavra. Assim como a hybridez transforma as espécies vegetaes, do mesmo modo o crusamento das raças transforma alguns caracteres da espécie humana. * A differença de cor entre os homens é inteiramente accidental; varia segundo é maior ou menor a secrecção do apparelho pigmentario. Entre os differentes povos que cobrem a superfície da terra ha diffe- renças importantes, sem comtudo concluir-se d'ahy que ha typos original- mente distinctos, como querem alguns naturalistas. 73 E' principalmente entre os habitantes d'África que este facto é mui caracteristico. O albinismo pode existir entre todos os povos e em qualquer latitude. E' sobre tudo entre os negros que se nota commummente esta disposição anormal. * Os negros albinos tem a pelle de cor branca opaca, mui differente da cor do europeu. *<■ Nem por isso estes negros brancos se distinguem dos negros pretos. Algumas vezes esta anomalia só ai tinge certas partes do corpo. #- A falta de pigmento nos olhos dos albinos torna estes órgãos mui sen- síveis á luz; de modo que só com o crepúsculo ou com a luz da lua elles vêm bem. Aífirmão alguns authores . (Wafer, Wankapong, Du Mas) que o albi- nismo é hereditário. A pelle do albino humano diííere da dos outros homens somente na falta de pigmento, porque a secreção não se faz, ou porque o producto cfesta fique sem côr, como querem Breschet e Roussel deVanzême. # O erythrismo, que se observa em muitas espécies animaes, existe tam- bém na espécie humana, formando o caracter de certas raças. f —19 74 O melanismo congenial e perfeito me parece impossível na espécie humana. Assim, não dou razão ao grande medico de Cós quando salvou a adul- tera com o prestigio de sua palavra de sábio. A estatura da espécie humana parece ir diminuindo com o augmer^o dos séculos e das gerações. Os gigantescos ossamentos fossis, tantas vezes encontrados em terrenos diluvianos; as armas, como capacetes, escudos, adagas, elmos, visciras. braçaes, cossoletes, guantes da antigüidade, que ainda hoje se conservão em alguns museos; as rasgadas portas dos antigos monumentos da Baby- lonia e do Egypto indicão que outriora a estatura do homem era superior á da nossa actual espécie. • * O cráneo do homem offerece muita mudança na fôrma segundo as va- riedades da espécie humana. E' ordinariamente de fôrma globulosa. * . Entre os Mongols sua forma é quasi piramidal. O nariz também apresenta muita variedade na espécie humana sejimdo as raças. E' mais ou menos recto e saliente na raça caucasiça. Na raça ethiopica é geralmente curto e achatado. 75 Os olhos são oblíquos na raça mongolica. Nas outras raças os ângulos, interno e externo, estão em linha hori- sontal. * O pavilhão da orelha é também muito variável em sua fôrma. Ha povos, como os Hottentots e os Cafres, que apresentão as vezes as orelhas largas e inclinadas como alguns animaes domésticos. Segundo um historiador, o imperador Justiniano tinha as orelhas moveis. O hermaphrodismo da espécie humana só é completo na apparencia: nunca é real. *- No hermaphrodismo predomina sempre um sexo. * E' a presença dos testículos, ou dos ovarios que determina o sexo do hermaphrodíta. * Um hermaphrodíta não pode portanto fecundar a mulher e ser igual- mente fecundado pelo homem. * Ha moléstias especiaes de certos climas, que só atacão, portanto, certas raças da espécie humana. PATHOLOGIA INTERNA ELEPHANTIASE DOS GREGOS As modernas investigações dos mais distinctos dermatologistas demons- trão que a elephantiase não é moléstia local. A chimica e a microscopia, revelando alterações dos elementos liema; ticos, demonstraram a existência de uma dyscrasia do sangue. Os centros nervosos, as vísceras thoracicas e abdominaes são, como a pelle, sede de manifestações da cachexia elephantiaca. A elephantiase pode ser phymatoide ou aphymatoide, Poucas vezes a elephantiase mostra-se extreme de complicações, As manchas, os tuberculos e sua anesthesia ou hvpersthesia são valiosos meios do diagnostico. 77 Certas espécies de alimentação, de herança e de localidade são as prin- cipaes causas de elephantiase. O prognostico é quasi sempre fatal. Os meios Irygienicos são auxiliares mui poderosos no tratamento d'esta moléstia. -*- O óleo do fígado de bacalhau, o arsênico o iodo e o mercúrio são os medicamentos mais vantajosamente empregados. * As cauterisaçoes com o óleo da castanha do caju forão ultimamente empregadas pelo Dr. Beaupertluiy para destruir os tuberculos e promover a exsudação. As fricções sobre todo o corpo pela manhã c á noite com o azeite de coco fazem parte do excellente tratamento de Dr. Beauperthuy. HIPPOCRATIS Ad extremos morbos, extrema rcmedia exquisite optima. Ubi igitur peracutus est morbus, statim extremos habet labores. Cúm morbus in vigore fuerit, tunc vel tenuissimo victu ubi necesse cst. Exacerbaciones autem et constitutiones índicabunt morbi, et annis têm- pora et periodorum collata inter se incrementa, sive longiore liant têmpora. # His, quo non secundum rationem levant, credere non oportet, neque limere valdè quo propter rationem prava fiunt. Lassitudines spontè obortce morbos denunciant, 6152 e^ne/Zee/a d comtn/féão te&cjola. anta e (Úracu/c/ac/e ais t^Wee/tc/na Y^£ e/e Q/e/emÁo e/e y. QrmÀitma-Je. <^//an/a /& e/e (yu/u&io e/e aaa/*iãe o C/3 o 53 H O C/J 1853 74 34 40 A epidemia foi sempre mais intensa e mais exten-sa nos mezes de Março, Abril e Maio, e acabava em Setembro. Em relação á idade foi maior a mortandade dos doentes de 20 até 30 an-nos. 1854 325 196 129 1855 614 420 194 1856 284 212 72 1857 354 223 131 1858 8 8 0 1859 201 164 37 Total...... 1860 1257 603 ANNEXO N. 2 MAPPA DAS PESSOAS FALLEC1AS DA FEBRE EPIDÊMICA M CIDADE DA BAHIA DESDE 01.° DE MEMBRO DE 1849 Al 1% MIEYEREI10 Dl ESCRAVOS - cO O a CS CD co O o cs "G •CO £3 co P > CO O CS co O ' 'cd ■ 'nj CS co cs ■ "co t/5 CD CO O a CD t/3 CU SI PT1 S-. CS a -cS SP CO O .2 "3 Cm >-» 00 CD SI CD O a cs CO CD S3 CD pi CJD S-. pi a CS CO CD ' O a cS (O, CO CD CO CD SI 0^ a ca "o CO CD SI CD T3 a CS CO o a CO 13 CO CD S3 CD i. CS CO CD SI (D ■4-» Sm O • CO O CJ _C3 "co CO CO O CO CO pi CO O a CS a CO O Sm es CO O o CD Pi CO O -cs CO O co-■MM o CO o C3 CO O .2 < -ai 6 124 604 6 M ' Q 1 " 36 17 SC 8 1—1 1—< 8 1—1 S5 ■a. Pm H«H es W 00 72 Ert -■« OBSERVAÇÕES SYMPTOMATOLOGICAS SOBRE OS CURADOS OBSERVAÇÕES SYMPTOMATOLOGICAS SORRE OS FALIECIDOS OBSERVAÇÕES THERÂPELTICAS Inglezes........ 111 60 29 21 22 5 0 1 0 2 3 D'estes entrarão graves no 2.° periodo 54. Estiverão graves 46. Entrarão duvidosos 26, e no pe-riodo invasor 136. Dos graves ti-verão vômitos e dejecções negras e symptomas ataxico-adyàamicos 21. Epistaxis e hemorrhagias múl-tiplas 18. Suffusão e cyanose-icte-rica, adynamia sem apresentarem vomito negro 16. Entrarão no 1.° periodo, mas depois apresentarão todos os symptomas graves 45; tendo 3 d'estes, na terminação da moléstia, parotidites suppurantes. Dos duvidosos tiverão suífusão icte-rica, symptomas adynamicos, delí-rio asthenico, raras vezes, hyper-sthenico 16. Apresentarão sym-ptomas uremicos e typhicos 6. Ti-verão hemorrhagias e soluços 4. Dos entrados no periodo invasor tiverão ligeira suffusão icterica e symptomas amyosthenicos 49. Ti-verão ligeiro movimento febril, cephalalgia enephrites 72. Tiverão a moléstia tão benigna que se po-deria chamar ephemera 15. D'estes recebeu-se morto 1; en-trarão agonisantes 4; graves e já no periodo hemorrhagico 45; en-trarão no 1.° periodo 11. No morto observou-se a côr cyano-icterica mais pronunciada na face anterior do thorax do que nas outras partes da superfície cutânea. Durarão poucas horas.e succumbi-rão sem apresentarem os sympto-mas graves da moléstia, parecendo assim terem sido affectados da fe-bre amarella siderante 4. Dos gra-ves tiverão vômitos e dejecções ne-gras, hemorrhagias múltiplas, suf-fusão icterica e nephrite icterico-albuminosa 23; entrarão já com symptomas icterico-adynamicos 13; tiverão symptomas ataxico-adyna-micos, soluços e dejecções ne-gras 9. Dos entrados no 1.° periodo ti-verão vomito negro 5; e 6, bem que não o tivessem, succumbirão depois de manifestarem-se todos symptomas graves da moléstia. 4 A etiologia e pathogenia da febre amarella, não estando ainda bem estudada nem Ia, sua therapeutica não é invariável, não tem agentes específicos, nem methodo uniform ipções: pelo que empregamos n'este hospital uma therapeutica phidente e symptomatica, pn bellar, pelos meios mais racionaes, as manifestações pathologitjas mais predominantes. Pre ao pri-meiro periodo diaphoreticos, laxativos, revulsivos cutâneos e emeto-catharticos, tira iltimos grande resultado, devido talvez a hypersecreção substituitiva, ou a eliminação, pela sente-nças, do germen pathogenico, e fazendo assim abortar ia moléstia no seu periodo invasor, ou modi-ficando-lhe a intensidade dos symptomas ulteriores. No periodo hemorrhagico empregamos adstrin-gentes enérgicos como tannino, monesia, rathania, etc. 0 emprego do perchlorureto de ferro em doze de algumas gottas em vehiculo tônico, nos vômitos e dejecções negras, bem como em muitas hemor-rhagias internas, deu resultados profícuos, principalmente quando ministrado com anticipação, isto é, logo que a lingua do doente, de branca e humida que é no periodo invasor, torna-se de bordos rubros, árida, amarella ou negra no centro, os dentes raliginoso^, as gengivas hemorrhagicas, alterações estas que constituem o prenuncio do vomito negro, é nesse momento, dizemos, que émister obrar prom-pta e energicamente ministrando a citada poção, e estabelecendo-se logo a tolerância do estômago por meio de um vesicatorio na região epigastrica. Ainda qtje os vômitos cessem o uso do perchlorureto deve ser continuado até que o vesicatorio suppure. Nas outras alterações mórbidas características do segundo periodo, como na choliemia, cyano-ictericia resultantes de suffusão biiiosa e dissolução hepa-tica, seguidas de queda do pulso, adynamia, algidez, etjc, empregamos o vinho do Porto com água ingleza e serpentaria. Nos cyano-ictericos, quando a queda do pulso se achava em desaccordo com a ascenção thermometrica, prescrevemos, com proveito, o vinho quinado em altas doses com infusão de serpentaria e camphora. Nos phenomenos resultantes de perturbações funccionaes da innervação geral, bem como no delirio hypersthenico ou asthenico, na aíaxo-adynanica prescrevemos os calmantes e sedativos associados aos tônicos, bem como os clysteres cj)m sulfato de quinino e de soda com infusão de macella. Nas uremias e nephrites icterico-albuminosas tirou resultados o uso do nitrato de potassa, água de Vichy com vinho do Porto, etc. Alguns doentes-apresentarão no decurso da moléstia sym-ptomas analgésicos, hyperesthesicos e amyosthenicos, bem como parotidites suppurantes. Bahia 30 de Setembro de 1871.—Dr. Manuel Ribeiro Gomes da Silva, Medico Interno. 15 14 13 11 9 7 6 6 11 7' 4 Italianos......... 2 4 3 2 4 2 1 0 0 61 Norte-americanos .. 4 2 Dinamarquezes.... Hespanhoes....... 1 323 1 262 Somma.......... A mortalidade regulou quasi 19 %