^asrc^frJU cLjl jfuillt) Às$ ^V? FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA. % íj 00 íür. 3oaquiui Cavíiojo íie JHello Vim. X 1871 /) l/L^ /} n FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA DISSERTAÇÃO CANCRO DO ESTÔMAGO (SECÇÃO MEDICA). PROPOSIÇÕES ELEPHANTIASIS DOS GREGOS (secção medica). TRATAMENTO DA HÉRNIA ESTRANGULADA (secção cirúrgica). PODE-SE EM GERAL 01 EXCEPCIONALMENTE DIZER QIE HOUVE ESTUPRO? (secção accessouia). APRESENTADA EM 21 DE SETEMBRO DE 1891 E PUBLICAMENTE SUSTENTADA HBÜD GJDOWIliiaiBlã® ®@ BÜOHiBlfl® MÜE© BSiO '**. c7&ao:atm &aèacma c/e k Natural desta ProTincia ífyffio f«jiltmp Do Ü)t. 1'oão 3"tauciico Do* SUió t ~òt 2). u'taiici6ca, Joacjulua CatSoso 3e «Abcfío meu Os nossos triumphos não os obtemos na praça ou no theatro diante da multidão que applaude; mas lá, no recôndito de uma casa, no aposento silencioso, onde geme a creatura. Só Deus os contempla, só elle os recompensa. 0 mundo e aquelles mesmos à quem salvamos, nos pa- gam, mas nem os agradecem as vezes. Foi a natureza, dizem elles. Mas os revezes, esses pezam sobre nós. Cons. J. de Alencar—Diva. É abi no lar da angustia onde o coração se confran- ge procurando embalde ensurdecer aos gemidos, mas onde a intclligencia se enriquece, é abi que havcis de encontrar os materiaes necessários e indispensá- veis aos que se destinam á arte de curar. Dr. A. J. de Faria—Lição Clinica. BAHIA TYPOGRAPHIA DE J. G. TODRINHO 18*1 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA. DIRECTOB O Ex.mo Snr. Conselheiro Dr. Vicente Ferreira de Magalhães. OSSKS. DOUTOniSS l.'ANNO. MATÉRIAS QUE leccionam .,..„. j»«„„„.i,s.„ f Physica em geral, eparlicularmente em suas Cons. Vicente Ferreira de Magalhães . [ apolicaçõrs a Medicina. Francisco Rodrigues da Silva.....Chimica e Mincralogia. Adriano Alves de Lima Gordilho . . . Anatomia descriptiva. a.° ANNO. Antônio de Cerqueira Pinto.....Chimica orgânica. Jeronymo Sodré Pereira .... . Physiologia. Antônio Mariano do Botnflm.....Botânica e Zoologia. Adriano Alves de Lima Gordilho. . . . Repetição de Anatomia descriptiva, õ.° ANNO. Cons. Elias José Pcdroza......Anatomia geral epathologlca. José de Góes Sequeira.......Palhologia geral. JeronymoSodié Pereira......Physiologia. 4.» ANNO. Cons. Manoel Ladisláo Aranha Dantas . Palhologia externa. Demelrio Cyriaco Tourinho.....Pathologia interna. ,. . „ „„n,i„„un™:r,c,mn,iA S Partos, moléstias de mulheres pejadas e de meninos Conselheiro luathias Moreira Sampaio j recemnascidos. S.» ANNO. Demelrio Cyriaco Touiinho.....Continuação de Pathologia interna. . a. , „■„ ,„D,„i„t i Anatomia topographica, Medicina operatoria.e José Antônio de Freitas.......j appanMuos. Luiz Alvares dos Santos......Maleria medica, e therapeutica. G.° ANNO, Rozcndo Aprigio Pereira Guimarães . . Pharmacia- Salustiano Ferreira Souto......Medicina legal. Domingos Rodrigues Seixas.....Uygienc, e Historiada Medicina. JoséAlTonsode Moura........ Clinica externa do 3.* e 4.° annoi Antônio Januário de Faria......Clinica interna do 5.* e 6.» anno, igriacio José da Cunha......./ Pedro Ribeiro de Araújo. .... ./ Secção Accessoria. José Ignacio de Barros Pimenlel. . .\ Virgílio Clymaco Damazio.....) Augusto Gonçalves Martins. . . . Domingos Carlos da Silva. ...... .\ Secção Cirúrgica. Antônio Pacifico Pereira..... liamiro AfTonso Monteiro......> Secção Medica. Egas Carlos Moniz Sodré de Aragão . \ Claudemiro Augusto de Moraes i.aldas .- O íír. 8>r. Cincinitato l*iuto cia Silva. ©OTlHâlL 0)& SaiI&lBJÍÍiSlIlü O Sr. Dr. 'SThomaz d'Aqnino Gaspar. A Faculdade não approva, nem reprova as opiniões emittiüas nas thcscs que lhe suu aprreentauus. ;0\ M. R. Á MEU EXTREMOSO PAE E VERDADEIRO AMIGO í wbhi idolatrada iíae Non é 1'affezione mia tanto profonda Che baste à render voi grazia per grazia. (Dante.) Raiou emfim a manhan dourada de minhas aspirações 1 Depois de laboriosas fadigas e de incessantes vigilias, era justo, era natural que despontassem no horisonte os raios fulgu- rosos d'esta manhan esplendida de glorias no presente, e fecunda de esperanças no futuro. A' vós, meus Paes, a quem, sobretudo, devo a coroa entretecida de louros que hoje descança em minha humilde fronte, o que posso, porventura, dizer n'estc momento mais solemne talvez de minha vida?... Na difficuldade, na quasi impossibilidade de traduzir em palavras a sublimidade dos sentimentos grandiosos que me assoberbam o coração, quando, d'este ponto terminal da minha carreira acadêmica, contemplo não só os marcos milliarios do passado que já ficara vencidos, como ainda a estrada immensa que diante dos olhos me offerece o futuro; nada, meus extremosos Paes, nada vos pôde dizer em lin- guagem humana a gratidão de um filho estremecido que transborda de extremos, que se entumece de affectos, que palpita de saudades! Infelizmente para mim, no dia de hoje, entre as flores que me cercam, em meio ás eíTusões de minha alma, vem o espinho da saudade misturar-se a estas flores, vem uma gotta de fel confundir-se na taça de minha felicidade. Não é preciso dizer-vos que esse espinho pungente, que essa gotta de fel amargosa, é a separação forçada em que me vejo, por força das circumstancias, d'aquelles a quem devo a vida, a quem devo mais do que a vida,—a conquista de minha educação. N'este momento solemne, como não seria completa a minha felicidade, quanto não me julgaria ditoso, si podesse, mudos os lábios, os olhos merejando a lagrima do ygradeci- mento, n'um estreitíssimo amplexo, dizendo-vos tudo de grande, de nobre, de sublime, que borbulha em minha alma, depositar em vossas mãos o titulo honorífico que acaba de conferir-me uma das mais fulgurantes estrellas da constellação medico-scientifica! Agora, meu Pae, permitti que especialmente vos dirija estas palavras, que são, nada mais, nada menos do que um importante pedido de minha parte, e da vossa—um rele- vante obséquio, urn inapreciavel favor. Bem o sabeis: vós que cedo vos afiliastes a esse tipostolado sublime; que tantas provas de verdadeira abnegação, de um stoicismo não vulgar tendes exhibido á par d'essa illustração que vos é geralmente reconhecida; bem o sabeis, dizia eu, quanto espinhosa e difficil é a vereda que vou trilhar, quão rudes e es- cabrosos os obsiaculos que se me hão de antepor! Por isso peço-vos encarecidamenle que me continueis a aclarar essa vereda com a luz dos vossos sábios conselhos, fortale- cendo meu espirito, já com o poderoso incentivo de vossos exemplos, já com a ineíTavel influencia das vossas bemfazejas bênçãos—vossas e de minha santa Mãe—bênçãos quo são para mim, afinal, uma das glorias mais bellas da minha mais legitima aspiração! A MINHA QUERIDA IRMà JD. üloria ira floria Ü00 Im ^orinlljo Adeus, minha irman! A pagina uova da vida que se abrio hoje seja tão feliz quanto a que se fechou hontem. 0 dia seja bello como a aurora, o futuro tão suave como a saudade é doce. Adeusl (Alvares de Azevedo.) Pertencem lambem a ti as flores que me exornam, são teus também os seus perfumes. Embalados no mesmo berço, crescemos, e comnosco igualmente o nosso amor foi cres- cendo, ao influxo da mais pura intimidade. Jamais a nuvem negra da discórdia empanou o céo límpido e diaphano de nossa estreita amisade. Soará em breve o doloroso momento da nossa separação! Pois bem. Quando, distante, eu não poder mais ouvir tua voz doce e consoladora, lembra-te sempre de um irmão que nunca te poderá esquecer, lembra-te sempre de mim!.....  MEÜIKNOCENTE E CBAROIRMÍOSINHO lawoiôco òoó c)\,eus c/YE»< *?0O0 CM Ne cliercüons Ia felicite Que dans Ia paix de 1'innocenee. RacJnc.—Estber, act. HI. Tu que és uma das fibras mais sympathicas de minha alma, acceita igualmente uma das flores de minha grinalda, que é tua, como teu não pode deixar de ser também o meu futuro. Á MEU DISTINCTO CUNHADO E BOM AMIGO Mas hoje que vos deixo, a despedida Aos sentimentos meus dá mais relevo; Minha alma de tristeza enternecida Sem pôde agradecer quanto vos devo. Dr. P. de Calasans.—Echos da jur. Sinto que um vácuo extraordinário vae abrir-se em minha alma: tu facilmente bem o podes comprehender. De ha muito habituado ao bem-estar da tua convivência, fortemente ligado aos encantos de tua amisade, que allinge, para mim, á eminência do mais perfeito amor fraternal; agora que, terminado o meu tirocinio acadêmico, tenho de seguir a der- rota que o meu destino marcar-me, demandando outras plagas e vendo sumir-se de minha vista a terra em que abri os olhos á existência; bem vês que não exagero quando te digo aquillo que me comprazo de repetir-te: « Sinto que um vácuo extraordinário vac abrir-se em minha alma.» Na verdade, meu amigo, por mais felicidades que me prodigalise o porvir, por mais plácidos e serenos que tenha de encontrar os mares do futuro, hei de sempre, como os captivos de Sião, volver os olhos atraz, para lembrar saudoso d'esta vida que termina. Revolvendo essas flores do passado, esse livro intimo de minhas recordações, teu nome ahi resplandecerá como uma das mais gratas, das mais indeléveis lembranças. Crè na espontaneidade d'estas sinceras palavras. AOS 5IEUS INOCENTES SOBRINHOS è^ec/io ccod aibeid ifíoic/i&io Svc/tiano c/od asbeid 'uote/ieno Um dia quando, crescidos, porventura lançardes mão de minha lhese, conhecereis que já, desde vossa infância, eu vos sabia muito estimar e bem-querer. Só então podereis apreciar a verdadeira significação d'estas linhas, demonstrativas do meu affecto, e que ao mesmo te.íipo representam o ardente voto que faço pela prosperidade do vosso futuro. Crescei e sede muito felizes. £H12â (& (D ÜHD a IL S (D E SUA EXM. SRA. D. Maria Augusta Blenard Bouchiné Gordilho Teu nome, que na historia da sciencia medica brasileira assignala uma das glorias mais pujantes do nosso paiz; teu nome que, nas paginas intimas do meu coração representa um dos mais legítimos credores da minha subida e eterna gratidão; não me era possível deixar de inscrevel-o era áureos caracteres n'este insignificante documento de minhas fadigas escholares. A.O MEU INTIMO E SINCERO AMIGO Lembra-te os dias que passei comtigo, Não te esqueças de mim, que te amo tauto. F. Varella. Deixa que eu te chame de irmão. Não é a consangüinidade que consagrou esse paren- tesco. Nem por isso eu o considero menos importante, mais passageiro, menos intimo, mais transitório! A confraternisação das idéas, essa unificação, por assim dizer, de duas almas em uma só, tem um poder igual ao da natureza, crêa d'esses phenomenos psycologicos, que se traduzem no sentimento que nos aproxima, na amisade que nos une, na fraternidade que nos estreita. AO MEU ILLUSTRADO AMIGO O EWl. SR. CONSELHEIRO JERONYMO JOSÉ TEIXEIRA JÚNIOR E SUA EXM. FAMÍLIA Meu charo Conselheiro: V. Ex., que tem merecidamente conquistado o titulo de um eminente parlamentar, e cuja palavra autorisada sempre se faz ouvir no rostro popular, quando se agitam as ques- tões de mais vital interesse, como ainda não ha muito presenceou o paiz na magna questão do elemento servil; V. Ex. que á esses títulos sabe perfeitamente alliar a emi- nencia^de sua posição, as maneiras distinctas de um perfeito cavalheiro; V. Ex., finalmente, que sempre me tem tão generosamente distinguido com a sua amisade e consideração, ha de me permittir, sem duvida, que abra uma das primeiras paginas d'este meu imper- feito trabalho scientifico, para n'ella inscrever satisfeito o nome de V. Ex. Assim procedendo, não faço mais do que seguir os impulsos do meu coração agrade- cido, que nunca poderá olvidar obséquios da natureza d'aquelles, para os quaes não pode haver indemnisação possível, e nem ao menos uma demonstração compatível. ÀOS MEUS DILEGTOS AMIGOS E COMPANHEIROS DE INFÂNCIA OS SRS. DOUTORES Domingos Rodrigues Guimarães Francisco Rodrigues Guimarães José Dias de Almeida Pires e suas Exnias. Famílias Amitié! que ton nom couronne eet ouvrage! Voltaire.— Hél. de poés. Desde a infância ligou-nos o estreito laço da mais devotada amisade. O tempo, cuja esponja inexorável costuma lavar ainda os mais bem pronunciados, ainda os mais bem radicados sentimentos, tem sabido, entretanto, respeitar aquelle que em nossos corações é alimentado pelo influxo poderoso da reciprocidade intima, da mutua sinceridade. Não ha de ser por sem duvida, eu o espero, a ausência que vae interpôr-se entre nós; não hão de ser as diversões da vida real, em que entramos.hoje, meus amigos; nem tão pouco os mephiticos miasmas de um egoísmo sem nome; nem o ambiente corrompido da sociedade, largo scenario de acções e aberrações; não ha de ser, finalmente, a separação dos corpos que possa fazer estalarem os laços da alma, tão consolidados, tão firmes, que o mesmo tempo até hoje os tem respeitado. Assim, pois, o apertado abraço que hoje nos estreita, o cordial aperto de mão que íveste momento solemnemente vos dou, si não é o prognostico seguro da inalterabilidade de nossa intensa amisade, é pelo menos—e eu quero que para vós tenha pelo menos esta significação—o sello precioso d'esta epocha incoraparavel que hoje finda, a nossa vida acadêmica, tão cheia para nós de flores, de espinhos, descuidada, cheia de cuidados, fácil e amena, tormentosa por vezes ! Em meio de todas essas contradicções que, não obstante, tinham o seu lado aprazível; que, como os céus e os mares tem suas variantes poéticas c deleitaveis; nós vivemos sempre como irmãos. E' por isso, meus amigos, que na hora das despedidas saudosas, ainda quando me animava o intuito de deixar esta, da minha these uma das mais intimas paginas, em branco, não o pude. Ex abundantia cordis os oritur. E ahi vos deixo des- alinhadamente, como cahiram-me da penna, essas palavras que certamente não poderão ter dito tudo quanto dizer quizera, quanto devera de dizer. Adeus. E SUAS DIGNÍSSIMAS IRMÃS AS EXMAS. SRAS. 2). fe(W JtiuMtóta %a.Hò 3e ífoasa 2). 05tu;a £Dt. Joôé Hleoucio 3c JlWeitod João 3guaáo 3c JbsewDo £Dt. Guôtaco íB. 3c Jlbouta c Cautela, E suas Exmas. Famílias Lembrança de amisade, consideração e estima. AO EXM. SR. CORONEL José Lopes Pereira de Carvalho E SUA VIRTUOSA CONSORTE A Exma. Sra. »• Francisca Alina Dias tle Carvalho E seus charos filhos Demonstração de amisade e gratidão. AO EXM. SR. CONSELHEIRO Homenagem de consideração e elevado apreço que merecidamente lhe grangeiam seus talentos e virtudes. AO ABALISADO PROFESSOR © wew âmm© EX.M. SR. DR. DEMETRIO CYRIACO TOURINHO Reconhecimento, distincção e respeito à proficiência do mestre; lembrança, dedicação e sympathia ao amigo. A MUITO ILLUSTRAM CONGREGAÇÃO DA FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA Solemne manifestação de profundo respeito, acatamento e veneração. MS 1WS (EflMKlS MITOIJUWDS Saudosa recordação da vida acadêmica. ENDO escolhido o ponto—Cancro do estômago—para a these que temos de apresentar e sustentar nesta Facul- dade, julgamos opportuno fallar na discussão suscitada na Capital da Província de S. Paulo, a propósito de um caso de estreitamento permanente do cardia conseqüente a um cesophagismo chronico. O assistente do doente, que deu motivo á discussão,—sem dar impor- tância á symptomatologia manifestada no paciente durante a vida, e tor- cendo á seu bel prazer o exame anatomo-pathologico praticado no cadá- ver por ordem da Policio,—veio imprimir á discussão um caracter todo particular, pelo qual se evidenciou, que elle collocava acima da sciencia o seu desmedido orgulho de Pratico inffallivel; quando íicou aliás de- monstrado pela necropsia o amesquinhado dos seus conhecimentos, na parte que diz respeito não só as deducções symptomatologicas, mas, prin- cipalmente, as anatomo-pathologicas. Convictos, com a pleiade illustrada dos Médicos presentes á autópsia, de que a lesão encontrada nenhuma significação tinha como demonstra- tiva de cancro do estômago ou de ulcera de typo chronico, para que viesse tão desembaraçadamente dizer em um Jornal o assistente, que o seu diag- nostico de ulcera tinha sido rigorosamente correcto, e vendo que aliás o mesmo Sr. Dr. assistente primou pela oscillação em seu juizo, quer du- rante a vida do doente, quer mesmo depois da morte, fizemos altos es- forços com a mira de ver si conseguíamos achar a razão de ser do pre- M. R. 1 — 2 — tencioso diagnostico. Infelizmente, porem, o que ficou demonstrado á luz da evidencia pela analyse do exame microscópico procedido no Rio de Janeiro na peça pathologíca, para ahí remettída occultamente, foi que desta vez ou o microscópio não foi manejado com a imparcialidade que exigia imperiosamente a sciencia, ou que o famoso e inimitável diagnos- ticador mystificou os microscopistas, preparando o terreno conveniente- mente por meio de pinças, isto é, arrancando, lacerando de ante mão a mucosa do ponto do cardia, onde pretendia haver uma ulcera de typo chronico. (Esta havia de ser certamente a que o distincto pathologista allemão — o illustre Niemeyer denomina « ulcera chronica redonda, perfurante do estômago, » mas não o foi, como veremos depois, apezar da chronicidade dos soífrimentos que datavam de 16 annos pelo menos, limitando-se o estrago, como se limitou, á uma superfície oval de 0,05 centímetros de extensão e de 0,04 de largura, comprornettendo somente a mucosa, úni- ca das túnicas onde chegou por tão larga successão de tempos o estrago alcunhado necrobiosi!!!) Por essa occasião se quiz, sophismando, fazer carga ao Pratico,—que se encarregou de destruir, pela analyse, o exame procedido no Rio de Janeiro, e dado á publicidade nos jornaes,—de um disparate na sciencia, attribuindo-se-lhe haver dito que «com pinças se poderia fabricar a vontade uma ulcera. » O sophisma, porém, pequenino como era, cahio diante da argumentação, provando o Medico supra citado—o Dr. João Francisco dos Reis—que « á pinça não se faz ulcera, mas que com este instrumento se destroe a mucosa de uma peça anatômica, que se tenha conservado em maceração em álcool concentrado por espaço de não pou- cos dias, dando em resultado o ficar á descoberto a túnica subjacente ao ponto questionado. » Parece incrivel que a ulceração, sendo a conseqüência do trabalho irri- tativo da parte, segundo o Sr. Virchow, trabalho que é para este sábio e eminente histologista a condição primitiva e essencial de toda a inflam- mação, e devendo crer-se que a irritação, que deu em resultado a forma- ção da ulcera, tendo continuado por 16 annos pelo menos, sua acção não se limitasse somente á mucosa, única das túnicas da parte aífectada; por que é corrente com Cruveilhier, que não ha tecido que opponha por largo e indeterminado tempo obstáculo ao trabalho ulcerativo, nem mesmo o tecido fibroso que é o que por maior espaço offerece resistência seria, e — 3 — que a ulcera tivesse invadido, alem da túnica mucosa no pequeno espaço achado pelos microscopistas Fluminenses,—as de mais subjacentes ao ponto de eleição—o que não se verificou, e nem se poderia verificar pelas razões adduzidas. Cumpre notar, alem de tudo, que todos os Médicos presentes, inclusi- ve o Sr. Dr. Antônio Caetano de Campos—assistente do paciente, cujo cadáver foi examinado, não descobriram pela autópsia nenhum dos cara- cteres inherentes ás ulceras, o que no cadáver fresco difficilmente pode- ria passar desappercebido á tantos e tão illustres indagadores. Em conseqüência, se tendo levantado a discussão sobre qual seria a causa que produzio a morte do distincto e inspirado pianista Emilio do Lago,—tivemos occasj,ão de tomar parte nella; e por isso offerecendo-se- nos agora occasião de tratar mais largamente da matéria, julgamos correr de nossa parte o dever de applicar áquella discussão o que dissermos em relação ao ponto, que escolhemos para a dissertação de nossa these, tanto mais quando á isso então nos compromettemos pela imprensa. Ditas estas palavras, entremos logo em assumpto, porventura, um dos mais importantes da pathologia medica,—assumpto que colloca muitas vezes o Medico na difficil posição de não poder precisar o seu diagnos- tico diíferencial. SECÇÃO MEDICA En Médecine toute pratique qui n'est pas éclairèe |>ar une théorie savante redeseend elle incme au niveau d'un métier deploraMe aussi funest á Ia yie du malade qu'a 1'hon- neur du Médecin. Auber. ak /?*, m W% OW Gtfy0 (£*> ç^i (í-\> CANCRO DO ESTÔMAGO. DuranBty&D o idii8V(diiuí PEZAR da difficuldade confessada por notabilidades médi- cas, como sejam:—Denman, Copland, Clarke, Barras, Halla, i^v Carswell e muitos outros, para definir o cancro, e procurando \# filiar-nos ás doutrinas modernas e geralmente aceitas, dire- mos que o cancro do estômago é a manifestação da hyperpla- sia do tecido conjunctivo, produzindo a degenerescencia nas túnicas que formam suas paredes, conseqüente á um vicio especial nascido no seio da organisação por uma causa occulta, ainda não conhecida na sciencia, e que se pode transmittir á vários membros de uma mesma família, mo- dificando sua espécie nos diversos pontos do órgão, sem respeito immediato á naturesa dos tecidos que formam as diversas túnicas de que elle se compõe,degenerescencia devida á aberração dos elementos anatômicos. — 6 — Desde Schenckius, Forestus e Zucutus Lusitanus é conhecido o cancro do estômago como uma das variadas moléstias chronicas de que pode ser affectada a raça humana, e que gosam da propriedade de destruir a organísação ao ponto de degenerar a espécie, de fazer que pela herança seja communicado o vicio productor á uma geração inteira, aninhado sob a forma de diathese. Mal estudada, porem, esta affecção na infância da Medecina, quando o veu tenebroso da ignorância envolvia ainda nas suas dobras espessas, e a rede do mysterio cercava com suas estreitas malhas a sciencia, que dormitava á sombra do mais frio indifferentismo, careceu que os traba- lhos dos séculos se fossem succedendo em ordem a trazer luz ao diag- nostico e conhecimentos á sciencia, para que se tornasse ella mais fami- liar á geração medica actual. Deve-se contar como preciosidades na nosologia medica desta parte do curso medico-cirurgico, alem dos trabalhos anatomo-pathologicos de vários observadores illustres, á frente dos quaes estão Grisolle, Lebert, Cruveilhier, Paulo Broca, Robin, Recamier, Bayle, W. H. Walshe, Paget, Copland, Lisfranc, Bourdon, Andral, Jaccoud e Virchow, as luminosas memórias de Maurice Treille, Prus, Chardel, Petzold, Capelle e Brinton. Do grupo aclarado pela fiam ma da gloria no splendido Pantheon do século XIX, se destaca um vulto enorme, ante cuja grandeza e magestade pára extasiada a humanidade inteira, e marcha orgulhosa a sciencia, mo- vida pela varinha mágica do gênio. Quem é esse Memnon gigante coroa- do pelo sol radiante do talento? Esse príncipe da sciencia, esse propheta, á quem todos escutam e admiram? É o escriptor do Tratado dos tumores, —é o auctor da Pathologia cellular,—é Virchow, o distincto chefe da doutrina allemã. A voz inspirada da águia, desprendendo-se portentosa da Universidade de Berlin, innundou de luz a sciencia medica, e echoou no mundo como um oráculo. E a pathogenesia do cancro, que até então era uma sphinge na mede- cina, encontrou o iEdipo moderno, que a fez entrar esclarecida no domi- nio da sciencia. — 7 — De todos os órgãos internos é o estômago um dos mais sujeitos a ser preza do cancro; o que não deixa de merecer reparo, tendo-se em vista a propriedade de que gosa o sueco gástrico em relação á esta espécie de moléstia. Merece reparo, dissemos nós, que seja o estômago tão freqüentemente sujeito á degenerescencia cancerosa, quando é corrente hoje na sciencia que o sueco gástrico é empregado como meio quasi especifico nas curas das diversas espécies de cancros dos órgãos externos. O sueco gástrico é inseparável desse órgão, porque é sua feitura; e como até hoje ninguém poude provar que, por oceasião do desenvolvi- mento do cancro no estômago, sua fabricação fosse interrompida, ou mesmo que adquirisse propriedades que o tornassem inapto para os tra- balhos da digestão, merece reparo, dissemos nós, que elle não oppozesse sua acção especifica para que, ao menos, o órgão entrasse como o ultimo dos aptos á ser affectado. A verdade, porem, é que o cancro do estômago é menos freqüente que o do utero, e da mama, porem mais freqüente que o de todos os outros órgãos da economia. Na classificação dos sexos e das idades, a despeito da opinião dos Srs. Le- bert, Chardel e Espine é o homem o mais freqüentemente atacado, eisto entre 40 e 60 annos de idade; não respeitando a classe da sociedade que goza de melhores condições da vida e da fortuna, onde faz mais estragos do que na que soffre mais privações, que é mais numerosa e sujeita á todas as enfermidades. Ainda as emoções moraes, os pezares vivos e por muito tempo prolongados, uma alimentação má e insufficiente, e o temperamento lymphatico são causas, que predispõem de alguma forma a moléstia, pon- do em acção a diathese, e localisando-a. Taes são as causas predisponentes da moléstia. Haverá condição etiologica que possa determinal-a? O cancro do estômago terá causas efficientes propriamente ditas? Sem entrarmos na apreciação da luta travada entre as escholas fran- cesa e allemã, tendo á sua frente os seus eminentes chefes Robin e Wir- chow, sem entrarmos na apreciação das brilhantes e seductoras theorias — 8 — dessas escholas, abraçaremos, comtudo, a que nos parece melhor expli- car a gênesis da moléstia. Não data de hoje essa luta: foi em 1848 que Robin, o illustre chefe da eschola francesa, creando um curso, derramou na França o estimulo para o estudo do microscópio—fonte perenne de descobertas importantes—; e quinze annos mais tarde echoava no seu laboratório a palavra autorisa- da de seus discípulos Laboulbène, Béraud, Bigelow, Hiffelsheim Luys, Lorain, George Pouchet, proclamando a doutrina do seu mestre—anta- gonista da eschola allemã—como a única verdadeira, como a ultima pa- lavra da sciencia, sanccionada pela experimentação, legitimada pela observação. Dir-se-hia que o veu que esconde os insondaveis mysterios da vida, sepultada nas profundezas da economia, seria rasgado pela hábil mão do illustre microscopista francez. Infelizmente, porem, sua theoria—da ge- ração espontânea—recuou diante da esplendida doutrina do grande pa- thoíogista allemão—da endogenesia,—que mostrou o erro em que labo- rava a eschola franceza, sustentada out'rora por Lebert e hoje pelo dis- tincto Robin. E o mundo inteiro leu estupefacto a demonstração luminosa dessa ver- dade, e a cellula cancerosa especifica de Lebert baqueou desprestigiada, envolvida no sudario do aniquilameuto, baqueou ante a evidencia da theoria de Virchow, que, aclarando os horisontes nublados pelas bru- mas da superstição, pelas nuvens da ignorância, veio inscrever nos an- naes da Medecina uma pagina, talvez a mais brilhante de quantas tem sido compulsadas por aquelles que, ávidos, buscam no labyrintho do organismo a vereda que os conduza ao descobrimento da verdade n'uma das questões mais difficeis, mais importantes da pathologia medica. E hoje sobre as ruinas da eschola francesa, no seio da Universidade que o distingue, Virchow dieta leis, que a Medecina recebe convicta, e que a humanidade acolhe com o riso da alegria ou a lagrima do infortú- nio, conforme a palavra desse oráculo é de morte ou de vida! E Virchow, sem descançar á sombra das palmas da gloria, sem deixar-se adormecer aos sons inebriantes da orchestra da victoria, pro- segue laborioso e incansável, enriquecendo mais e mais a sciencia com uma nova experiência, coroada muitas vezes de um êxito feliz. E, escutando a palavra da posteridade, que segreda-lhe ao ouvido: — — 9 — avante, gênio!—o seu espirito não recua espavorido ante as provanças e as fadigas do estudo. Fendei um átomo, disse um poeta pérsico, e vós encontrareis um sol. Eis ahi um vôo da imaginação do poeta, que bem pode ser traduzido em uma realidade pelo amestrado canivete do sábio pathologista allemão, que, escalpellando o elemento anatômico, e perscrutando-o nas suas pro- fundidades, nos dará o espectaculo grandioso da vida. E não ha negal-o; senão, ouçamol-o sobre esta importantíssima questão: (I) « Éa herança que se apresenta com um valor considerável na pa- thogenia do cancro, o que é demonstrado pelos quadros genealogicos de certas famílias, e por grandes estatísticas. Esta disposição hereditária, que faz o cancro manifestar-se, se apresenta ou immediatamente depois do nascimento, e é congênita propriamente dita, ou não se apresenta ou se desenvolve senão depois deíle, ou em um período ulterior da vida; trinta annos e mais tempo pode se passar sem que o mal se de- clare. » Continuando a historia da patbogenia ainda se nos revela sua brilhan- te erudição nas seguintes palavras: « A historia da vida de um tumor nos mostra uma mudança continua, muito mais considerável do que a que observamos no corpo inteiro, ou em seus difTerentes órgãos: ha constan- temente um renovamento continuo. Começa por uma incitação particular dotada de uma grande actividade —verdadeira irritação—que occasiona um accumulo exagerado de mas- sas de tecido novo, incitação que pode ser externa ou interna; quando interna, pode ser dyscrasica, porque exprime a presença no sangue de uma substancia, que exerce sobre as partes do corpo uma acção incitan- te, critério de sua actividade, e que era designada precisamente como uma substancia acre ou acrimonia por causa desta propriedade. Uma mesma origem pode dar productos homólogos e heterologos; o que se explica porque em um caso a irritação foi mais enérgica do que no outro, porque neste ultimo a irritação não poude se manifestar cora seus caracteres especiaes. Supponhamos agora que a irritação local se tenha produsido de uma ou de outra maneira, externa ou internamente, sua acção será naturalmente (1) Virchow—Pathologie des tumeurs—Tradulion deP. Aronssohn—Paris—1867. M. R. 2 — 10 — mais forte e seus resultados maiores nos pontos em que existirem as circumstancias locaes as mais favoráveis á irritação, ou ainda n'aquelles em que ella se reproduz mais freqüentemente. Si a causa irritante é pouco intensa, não dará logar senão ás simples conseqüências da irritação, conhecidas sob o nome de inflammação, de inftammação chronica, de hy- pcrtrophia, de hyperplasia. Ser-lhe-ha preciso um caracter especial e uma certa intensidade para chegar a produzir formas especificas. A irri- tação varia na sua natureza, segundo ella é produsida por uma substancia chimica particular—uma acrimonia—como nós julgamos que se da nas moléstias infectuosas, nos estados dyscrasicos, ou segundo é devida á uma causa mechanica. A direcção que toma o desenvolvimento do novo tecido depois desta irritação, varia por sua vez quando os tecidos sobre os quaes produz a irritação, differem notavelmente uns dos outros, e quando a substancia irritante exerce uma acção chimica toda particular, que, se- melhante a acção do sperma sobre o ovo, communica ao tecido irritado qualidades todas especiaes. É uma verdade, reconhecida á muito tempo, que a naturesa particular do tumor primitivo deriva-se da do tecido em que se desenvolve. Hoje vê-se que cada producção nova procede, pela proliferação, de um tecido preexistente; os differentes tecidos primitivos fornecem uma base sufficiente para explicar as differenças tão considerá- veis dos tecidos, que se desenvolvem novamente. O desenvolvimento histologico mesmo pode ser acompanhado com uma perfeita exactidão nos seus differentes estados. Em cada ponto em que sobrevém uma destas irritações, vê-se o phenomeno seguir logo a mesma marcha que nas irritações inftammatorias. Não ha nem exsudação livre, nem producto de nova formação em um cytoblastema livre, como se admittia até hoje; o ponto de partida do desenvolvimento existe nos elementos cellulares do tecido primitivo. Todas as pesquizas tendentes a ligar a histogenesia dos tumores a um outro ponto de partida são infru- ctiferas; a nova theoria de Rokitansky (1) mesmo repousa sobre um en- gano desde o principio, como a antiga de Hodgkin. (2) Proseguindo na marcha indagadora da gênesis desta neoplasia, vemos, (1) Rokitansky, Ueber die Entwickelung der Krelsgerüste mit Hinblick auf das Wesenu. die Entwickelung anderer Maschenvverke. Seitzungsberichte der math, naturw. Classe der k. Akadcmie der wissensch. zu Wien, 1852, t, VII. p. 391. (2) Hodgkin, on the anatomical characters of some adventitions struetures Men. chi- rurg. Transáctions, 1829. vol. XV. — II -- segundo o mesmo pathologista, que os tecidos, que devem dar logar ao desenvolvimento do tumor, augmentam de volume, seus elementos absor- vem mais materiaes—se intumecem. Ha depois a segmentação dos nú- cleos ou nucleação, seguida da multiplicação das cellulas—cellulação—que, attingindo a um grau elevado e fazendo-se rapidamente, de maneira a di- minuírem de tamanho quando augmentam em numero, constituem o te- cido em estado de granulação, tecido que é indiferente, tornando-se fre- qüentemente o ponto de partida dos desenvolvimentos novos. É sempre no tecido connectivo propriamente dito que se formam as mais das vezes os tumores. Até a epocha em que as cellulas indifferentes de granulação se formam, e mesmo durante o período caracterisado pela sua presença, é impossível reconhecer si é um cancro ou um tuberculo, etc, que se está engendran- do. D'ahi em diante é que começa a differenciação, quando os differentes tecidos revestem-se dos seus caracteres distinetos, dividindo-se em duas grandes classes. Nesse caso ha uma perfeita analogia do tumor que produz tecidos determinados com a planta que floresce; ha, pois, um perfeito es- tado de florescência, em que os differentes elementos attingem a um grau typico, cumulo de sua perfeição. Quando o tumor é primitivamente a conseqüência de uma acção pro- duetora do organismo, de uma verdadeira proliferação activa, ha uma tendência á destruição, porque tudo que é produzido novamente sedestroe sempre. O que caracterisa o tumor canceroso não é a presença deste ou daquelle elemento anatômico, mas, somente, o seu desenvolvimento, que se opera em um tempo ou em um logar insólito, isto é, por heterochronia ou he- terotopia. Não ha elemento algum de formação pathologíca que se não desenvolva segundo as leis da histogenia physiologica, e não encontre seu similhante no organismo são. Jaccoud, na sua ultima e importantissima obra de Pathologia, assignala como causa única efficaz do cancro do estômago a predisposição, em opposição á Lebert. O cancro é uma moléstia hereditária: e ahi está, para nos revelar esta verdade, a galeria fúnebre da historia, onde passeia o vulto sympathico e glorioso do grande prisioneiro de Santa Helena, que, empunhando a sua -- 12 — espada flammejante, destruirá mais de um exercito, abatera mais de um throno! E quando mais tarde a águia que avassalára o mundo, impellida pela fatalidade, foi cahir ferida nas fragas de Santa Helena, de onde desprendera o seu vôo ás regiões da eternidade, derramou-se em ondas tumultuosas o povo deParizem 11 de julho de 1821, dia em que chegou a triste e sentida noticia do infausto passamento do illustre prisioneiro, produzindo a duvi- da sobre a causa de sua morte, que era attribuida, segundo uns á veneno propinado pelos seus inimigos, segundo outros á um verdadeiro suicídio. Mais tarde então apparece Héreau, medico da casa da imperatriz Maria Luiza, procurando explicar a verdadeira origem de sua morte pela gastrite chronica, em uma bella monographia publicada em Pariz em 1829, dis- suadindo assim a opinião,que circulava até nas cortes européas, de vene- no propinado pelos seus inimigos, o que difficilmente poderia ter logar, cercado como estava sempre por seus amigos e companheiros de exilio; e muito menos de suicídio, que muitas vezes fora combatido pelo próprio Napoleão, até em ordens do dia ao seu exercito, como se vê das seguintes palavras: « S'abandonner au chagrin sans résister, se tuerpour s'y sous- traire, cest abandonner le champ de bataille avant d'avoir vaincu. » As razões de Héreau, porém, querendo attribuir á gastrite o que foi de- vido ao cancro, são destruidas pela autópsia procedida no cadáver, a pe- dido do próprio Napoleão, para preservar a vida de seu filho, autópsia que revelou claramente massas de affecções cancerosas no estômago, onde existia uma grande quantidade de fluido similhante a borra de café, além da symptomatologia manifestada durante a sua vida e revelada pelos mé- dicos que o trataram Antomarchi e Arnott, e também pelos Drs. Schort e Mitchell, que foram consultados. Ainda é o próprio Napoleão quem vem fornecer mais uma prova para se juntar á autópsia, robustecendo assim a opinião dos illustres médicos citados, que viam no seu soffrimento o cancro occasionado pela herança, quando nos diz:—« Les vomissements que se succedent, prèsque sans in- terruption, me font penser, dit il, que 1'estomac est celui des mes organes que est le plus malade; et je ne suis pas éloigaé de croire qu'il est atteint de Ia lésion qui conduisit mon père au tombeau, je veux dire d'un squir- rheau pylore.... » (1) (1) Héreau—Napoleon a Sainte Hèléne. Paris 1829. — 13 — Ê ainda a fria lapide do túmulo, onde está gravado o nome brilhante e immorredouro do grande clinico francez—Trousseau—um dos astros mais scintillantes da constellação medico-franceza, que nos vem patentear a influencia terrível da herança no desenvolvimento pathogenico desta terrível enfermidade, quando nos diz—que a morte, que roubara ao mun- do scientifico uma de suas glorias, foi a produzida pelo cancro do estô- mago. E aqui ainda a moléstia foi a conseqüência sempre funesta da herança, por quanto sua mãe succumbira aos estragos de um cancro em uma das mamas. Pelo que, acha-se sufficientemente demonstrada a hereditariedade do cancro como causa mais importante de sua origem. São principalmente três as espécies ou formas de cancros que têm cos- tume de atacar o estômago, e são as seguintes, por ordem de sua fre- qüência: O scirrho, o encephalóide, e o alveolar, colldide ou gelatiniforme. O cancro melanico, o cancro villoso e o cancro de cellulas cylindricas (cancroíde—epithelial de Forster) podem ser considerados segundo Roki- tansky, como variedades do cancro medullar ou encephalóide. (I) Umas vezes, e é o mais freqüente, cada uma das espécies ataca isola- damente, o que todavia não impede que, outras vezes, duas das formas se combinem e façam o estrago de parceria. Os que se unem mais com- mumente são o scirrho e o encephalóide. O illustre ex-professor de Tubingue—o distincto Sr. Niemeyr—de quem tiramos a descripção anatomo-pathologica, assim se exprime a respeito destas espécies de cancro: « O cancro alveolar, colldide ou gela- tiniforme raramente se apresenta sob a forma de nodosidades isoladas, de ordinário tem a forma de degenerescencia diffusa. Este cancro começa no tecido sub-mucoso, depois dá origem á degenerescencia de todas as membranas. A parede do órgão torna-se muitos millimetros mais estreita, podendo mesmo adquirir um centímetro e meio de espessura, ao ponto (1) Jaccoud—Path. int. 1871 _ 14 — de deixar perceber apenas alguns vestígios de sua structura primitiva. Elle consiste quasi exclusivamente em uma infinidade de pequenos espa- ços (alveolos) nos quaes existe um liquido gelatinoso. O exame microscó- pico deixa ver neste liquido os elementos cellulares característicos do cancro colloide. A mucosa acaba nestas circumstancias por destruir-se: o conteúdo dos alveolos se esgota, a superfície lisa parece mais villosa e embaciada, entretanto a perda de substancia só muito raramente vae além, porque a medida que na superfície a destruição se vae fazendo, novas producções se succedem na parte mais profunda. O scirrho começa também no tecido sub-mucoso, determinando ora no- dosidades, isoladas ora espessamento diffuso, o qual toma aspecto bosselado pela desigualdade de seu crescimento. O producto heteroplastico denun- cia as propriedades características do cancro duro, e é formado por massa branco-suja, densa e de dureza ordinariamente cartilaginosa. A mucosa logo em principio se confunde com o producto subjacente de nova for- mação; mais tarde, amollecendo-se, reduz-se á uma papa negra que se elimina e deixa nua a superfície cancerosa. A musculosa se hypertrophia de ordinário em grande extensão, adquirindo o aspecto de tabiques; mais tarde pode atrophiar-se por efleito da pressão do neoplasma, ou desappa- recer inteiramente, identificando-se com elle. A sorosa augmenta de es- pessura, e adquire aspecto turvo, devido á uma peritonite parcial, o que faz com que ella contraia adherencias, cobrindo-se freqüentemente de depósitos, que formão placas duras e leitosas. Após a destruição da mu- cosa, o cancro posto á nú começa a ulcerar-se, dando logar em principio á erosões superficiaes, depois a fossetas mais profundas. Assim nasce a ulcera cancerosa de forma irregular, de bordos duros e callosos, e simi- lhante ás ulceras cancerosas dos tegumentos externos. Algumas vezes se percebe também sobre o fundo e os bordos da ulcera scirrhosa uma ve- getação de massa encephalóide. cancro encephalóide.—Si o cancro desde o começo é de forma ence- phalóide, sente-se logo no tecido sub-mucoso a mollesa própria das no- dosidades, e o espessamento diffuso, que se produzem na parte, reconhe- cendo-se nella a matéria similhante á substancia branca do cérebro, que, quando é incisada, deixa transudar em abundância sob a pressão dos de- dos um liquido particular, semelhando leite, que caracterisa estas espécies de tumores. O encephalóide tem uma marcha invasora muito mais rápida que o scirrho, e vegeta desde logo sobre a face interna do estômago sob — 15 — a forma de excrescencias molles e fungosas, que sangram com facilidade. De ordinário o producto neoplastico se reduz a retalhos molles e negros na sua parte media, emquanto que no contorno ou circumferencia a ve- getação progride. Quando as massas mortificadas se têm eliminado, forma-se uma ulcera com o aspecto de cratera, e circumdada de bordos levantados e virados para fora, similhantes á cabeças de couve-flor. A circumferencia da ulcera pode attingir o volume duplo da mão, e as excrescencias tornam-se as vezes tão consideráveis, que diminuem notavelmente a cavidade do es- tômago. Freqüentemente a degenerescencia cancerosa invade os órgãos visi- nhos, maximè as glândulas lymphaticas, o pancreas, o fígado, o colon transverso e o epiploon. A destruição do neoplasma pode igualmente ir além do estômago, e comprometter os órgãos, que acabamos de referir, fazendo-se communi- cações entre o estômago e o intestino, e depois da adherencia antecedente delle com a parede interior do abdômen, mesmo uma perfuração para fora. Os logares de predilecção do cancro do estômago são ordinariamente em primeiro logar o pyloro, em que Brinton descobriu em 360 casos 219 vezes, e Lebert 34 em 57, o cardia, depois a pequena curva, etc, etc, não sendo freqüente a invasão em todo o órgão, e sim em uma ou outra destas porções: quando se desenvolve na grande curva é ordinariamente consecutivo á um cancro do epiploon. Ha um facto notável nos cancros do estômago: é a hypertrophia de que partecipam os gânglios mesentericos, os do epiploon-gastro-hepatico, tendo, porém, immunidade para estas alterações os gânglios das curvas do estômago. A outra particularidade á notar-se, e característica dos cancros do es- tômago, segundo Louis, é a modificação, que se observa nas diversas ca- madas de que se compõe o órgão, e é a seguinte: incisado o estômago, a membrana mucosa em conseqüência de sua alteração tem uma cor branca acinzentada; o tecido sub-mucoso a cor branca leitosa; a túnica muscular, a cor azulada com urn brilho particular, e finalmente o tecido cellular, existente entre a parede muscular e o peritoneo, que é poucas vezes ac- commettido nestas affecções, e só consecutivamente, a mesma cor branca leitosa, semelhante a do tecido sub-mucoso. — 16 — Bien observcr une maladie est uu art, Ia bien reeonnaitre est une science Bouchut. A symptomatologia é a luz que illumina aos olhos do clinico o campo, onde se debatem os dous antagonistas—a vida e a morte—, fazendo-lhe conhecer o agente estranho, que tenta absorver a natureza do doente: é a chave da nosologia medica, é delia que o diagnostico surge, differen- ciando entre si as diversas moléstias, que atacam a espécie humana. É assim que nos cancros do estômago não só a symptomatologia serve de guia ao diagnostico differencial entre ellas e as demais moléstias, que se lhes podem semelhar pela identidade de symptomas, sendo os de maior confusão os que apresentam as ulceras perfurantes redondas de typo chronico, e as gastrites chronicas, mas até pode determinar as diversas partes do órgão, onde o cancro tenha plantado o seu germen destruidor. Em geral os symptomas communs ás diversas espécies de cancros, e aos diversos pontos, onde elles existam assentados, são os seguintes: Dor epigastrica, quasi sempre viva, outras vezes, porém, com o caracter de nevrálgica; peso no epigastrio depois da comida; appetite diminuído, raramente augmentado; em começo da moléstia eructações ácidas ino- doras, ou com o cheiro de ovos podres; do meio da moléstia em diante, vômitos que se tornam cada vez mais freqüentes, fatigantes e depressivos apparecendo ordinariamente nos seguintes espaços:—um quarto de hora, vinte e quatro e trinta e seis horas depois da comida; matérias vomita- das glutinosas, ácidas, as vezes negras, tendo o aspecto de borra de café, raramente sanguinolentas ou biliosas, e o mais ordinariamente das bebi- das e dos alimentos; a distensão da região epigastrica por effeito da dila- tação do estômago, o qual pode sentir-se desenhado como em relevo, tumor epigastrico, dando um som massiço á percussão, e com a pro- priedade de mudar de logar, situando-se ordinariamente perto do umbigo ou em seu nivel, antes á esquerda do que á direita, ou á direita da linha branca de preferencia, conforme é o pyloro ou o cardia o ponto affecta- do; umas vezes bosselado, de volume variável entre o de um ovo e o pu- / — 17 — nho; abdômen normal retrahido ou meteorisado; som massiço á percus- são; lingoa pallida, humida ou secca. Em epocha mais avançada emmagrecimento notável, tez amarello-pa- Iha; vomito negro, sanguinolento cor de borra de café; languidez geral e depereciménto; pulso fraco e demorado; resfriamento; cedema das extremidades. Destes symptomas os mais geralmente reconhecidos como caracterís- ticos do cancro do estômago, e que em conseqüência mais seguro dei- xam o diagnostico, são: os vômitos e a dor epigastrica, com os signaes de cachexia cancerosa, maximè si o paciente contar 46 annos de idade para mais. As vezes é freqüente faltarem os vômitos ou o tumor, o que fazvacillar o diagnostico, até que a anatomia pathologíca nos venha revelar a exis- tência da lesão. Si se manifestam vômitos pretos, sem que a apalpação deixe perceber o tumor, si o doente tem mais de 46 annos de idade, si a saúde ou o es- tado geral se altera progressiva e rapidamente, si os symptomas gástri- cos não diminuem por qualquer espaço de tempo, ainda nestas circums- tancias o diagnostico é—cancro do estômago. Si existe um tumor sem vômitos negros, pode-se quasi affiançar que o estômago não é a sede do cancro. O quadro clinico, que nos apresenta o indivíduo affectado de cancro no estômago, desenha-se muita vez aos olhos do observador de um modo claro e preciso, em outras, porem, manifesta-se sem esse conjuncto de symptomas, que caracterisam definitivamente a moléstia. Conhecida a symptomatologia da moléstia, procuramos indagar da physiologia moderna a explicação para cada um de seus symptomas. Assim no cancro do estômago a anorexia ou perda de appetite, que é um dos symptomas mais freqüentes da moléstia, passaria algumasi vezes desapercebida, sinão fosse acompanhada de signaes pathognomoniéos, que a denunciam, muitas vezes quando a moléstia já tem percorrido quasi todas as suas phases. A anorexia, acompanhada de dor violenta e continua de vômitos ou finalmente de cachexia, é a base do diagnostico (Brinton). m. r. 3 - 18 — A anorexia ê um resultado da moléstia. Parece filiada á mesma influen- cia nervosa que as sensações normaes da fome e da sede: manifesta-se mui caracterisada nos indivíduos ainda moços, massacrados pelo cancro propriamente dito encephalóide. O sexo do doente não goza de immu- nidade, e parece não ter influencia sobre a ausência ou presença da anorexia (I). A dor é mais freqüente e característica do que a anorexia; comtudo nem sempre indica a sede da lesão, ao menos no principio da moléstia. Ella é sempre lancinante, remittente, mas nunca intermittente; reveste-se de diversas manifestações, passando da forma lancinante á dor surda, corroedora ou abrazadora, sensação de peso, de oppressão, de constricção ou de inchação do epygastrio, manifestações que parecem devidas ás con- dições locaes da lesão. A dor surda corroedora parece ser antes a conseqüência da ulceração do estômago affectado do neoplasma, do que do próprio deposito cance- roso, simulando então a dor característica da ulcera gástrica. É ainda a ulceração que explica a sensibilidade á pressão: ha, porém casos em que á inflammação adhesiva, que se dá constantemente nos cancros, mais do que nas ulceras do estômago, devemos attribuir o seu caracter excessivo. Finalmente as sensações de constricção, de oppressão ou de inchação de- notam mais freqüentemente o estreitamento do estômago do que depo- sito de matéria cancerosa no órgão. A dor é determinada pela applicação de um estimulo na extremidade peripherica de um nervo—é a irritação produzida pela compressão das radiculas nervosas que se distribuem no órgão. Quando ramos volumosos do nervo pneumogastrico são atacados pela matéria cancerosa, uma dor atroz, intensa e despedaçadora não se faz esperar. Quando nos indivíduos moços manifesta-se a dor muito in- tensa, ella é devida aos estragos consideráveis, que arrasta na sua mar- cha rápida o cancro encephalóide que costuma atacal-os de preferencia. Algumas vezes também observa-se que massas fungosas enormes não produzem senão dores bem pouco apreciáveis (2). O vomito é devido a uma irritação local, como querem alguns physio- logistas, dos nervos deste órgão—irritação resultante do amollecimento (1) British and Foreing Medico-Chirurgical Review 1857 pag. 475" e 476 Cone câncer of lhe stomach.) (2) British Medicai Journal-1857 pag. 493. — 19 - e da ulceração do deposito canceroso, que destroem logo a membrana mucosa dos tecidos normaes ou de nova formação. Alem disto a physiologia nos ensina que cortados os nervos vagos, e irritadas suas extremidades centraes, o vomito se apresenta; e sendo aqui o nervo vago irritado pela compressão do tumor canceroso, o vomito ne- cessariamente se ha de apresentar. O vomito, pois, é o reflexo ou a manifestação de um phenomeno puramente nervoso. Quando ha dilata- çâo do estômago, e o vomito se manifesta, elle contém quasi sempre sarcinas e torulos. Ha quatro espécies deste symptoma, cada uma com sua interpretação pathogenica:—vomito por irritação, vomito por indigestão, vomito mecha- nico por stenose e vomito mechanico por inércia muscular. A freqüência do vomito é sem duvida alguma subordinada a sede da lesão e ao grau de stenose pylorica.—Jaccoud. A hemorrhagia, que só pode faltar quando os doentes succumbem antes da ulceração e do amollecimento da neoplasia, é o resultado necessário da erosão que soffrem os grandes e pequenos vazos pela evolução mórbida do mal, são estas perdas continuas de sangue que muitas vezes appressam de modo espantoso uma terminação fatal, por que demonstram o grande desenvolvimento do processo neoplasico. O aspecto cachetico, um dos caracteres mais importantes e de subido valor para o diagnostico desta affecção, produz a cor de palha na pelle dos doentes, principalmente no ultimo período do mal. Esta enterpreta- ção pathogenica não nos é difficil explicar, porque todos os auctores es- tão de accordo ser ella devida á própria cachexia cancerosa, que, tra- zendo em resultado uma perda considerável da parte globular do san- gue, imprime na pelle destes indivíduos a côr amarella toda sui generis; alem de que as hemorrhagias, a supuração, os vômitos freqüentes, a ali- mentação insufficiente, o repouso forçado, a diarrhéa e finalmente a al- buminuria muito concorrem para aggravar estes symptomas; ou ainda é a manifestação clara da marcha do tumor, que é devida ora á grandes con- sumpções orgânicas, que abi se fazem, ora á hemorrhagias consideráveis, e a abundantes perdas de suecos ou á estados pútridos, que reagem so- bre o organismo inteiro, como quer Virchow. A constipação do ventre, tão freqüentemente observada, é dependente de circumstancias todas accessorias:—na maioria dos casos é devida ao - 20 — estreitamento do estômago, ao vomito e á dor, que de alguma sorte im- pedem a distensão e o movimento do canal intestinal. A diarrhéa ao contrario manifesta-se no fim da moléstia, e então é ella filiada aos perniciosos effeitos da presença da matéria cancerosa, do pus ou do sangue, arrastados nos intestinos, dando logar á uma irritação; dabi este fluxo immoderado e incoercivel, que enfraquece e debilita em ex- cesso os doentes, apressando-lhes muitas vezes a morte. A ascite, que também observa-se algumas vezes, é o resultado da com- pressão exercida sobre o tronco da veia porta pelo tumor canceroso, é, como sempre, o embaraço mechanico de toda circulação abdominal, 98 vezes sobre 100 (Brinton). Temos ainda os symptomas febris, que fazem parte do cortejo cauda- tario desta terrível enfermidade; ora é a febre symptomatica ou de irrita- ção, ora é a febre de consumpção pela combustão continua das substan- cias orgânicas, e também pelo esgotamento produzido pela moléstia pri- mitiva. É ella que vem marcar muitas vezes o termo da vida. A ictericia, derramamento thoracico, motivado por uma simples con- gestão passiva, annuncia quasi sempre a morte, como diz Brinton. Finalmente o soluço é produzido por certas causas locaes, que obram sobre o diaphragma. A marcha do cancro é fatalmente progressiva e rápida. De ordinário todos os symptomas se vão exasperando, á proporção que a degeneres- cencia progride. Si alguns dos symptomas parece ceder ao emprego dos meios apro- priados, a recrudescencia não se faz esperar; parece que esse descanço concedido á victima servio para multiplicar as forças do agente des- truidor, o qual por isso mesmo redobra de intensidade, accelerando os es- tragos e trazendo a morte do indivíduo. A duração é mais ou menos considerável, segundo a espécie do cancro de que está affectado o estômago. Si o neoplasma é um encephalóide, se- gundo Niemeyer, a moléstia percorre seus períodos no espaço de alguns mezes, emquanto o scirrho e o alveolar podem existir por um ou muitos annos, e Brinton dá como o máximo de duração três annos. — 21 — A única terminação é a morte, que pode ser devida ora a uma perfura- ração intestinal, ora ao esgotamento trazido pelo marasmo, e finalmente pelos próprios estragos do cancro, que communicando-se á outros pontos do organismo, arrasta complicações ou moléstias secundarias. Nenhum medico, por mais illnstrado que sfja, poderá ter a prelenção de precisar sempre os dia- gnósticos de semelíiautes affecções (cancro do es- tômago, ulcera simples e inflammação chroniea) de allirmar, que n'um caso tratar-se-ha de cancro, ifoutro de ulcera simples. Dr. Peçanha da Siha—These de Concurso de 1870. Plus les maladies sont graves, plns il importe de ne pas les confondre, plus celte partie de leur his- toire, quou appelle le diagnostic doil être étudié avec soin. P. Louis. Ê o diagnostico a palavra da sciencia sobre a moléstia; o olhar do me- dico que investiga e procura desvendar o mysterio, que envolve o princi- pio mórbido e a parte do organismo em que elle se localisa. O diagnostico do cancro do estômago, para ser perfeito, deve assentar: 1 .o sobre o grupo dos symptomas apresentados pelo doente durante a vida; 2.« sobre o grupo dos symptomas peculiares á esta espécie de lesão, de maneira á differencial-a da ulcera simples e da gastrite chronica, com que se pode confundir; 3.° nos symptomas que apresenta o paciente es- peciaes á cada ponto do órgão, onde pela autópsia se reconheceu im- plantado o cancro; 4.o finalmente em alguma particularidade como seja a cellula cancerosa (si ella existe!) encontrada quer nas matérias vomitadas, quer no cadáver, particularidade que a necropsia possa revelar á luz da evidencia, descriminando-lhe a natureza de outra qualquer lesão, com que se possa assemelhar. l.o É infelizmente uma verdade na sciencia, ainda mesmo para os mais autorisados—como sejam Trousseau, Niemeyer e Jaccoud que o diagnostico differencial do cancro do estômago é uma das muitas difficuldades, que en- contra o pratico consciencioso no seu affanoso lidar á cabeceira dos doen- tes. Existem casos nos quaes é impossível diagnosticar com certeza o — 22 — cancro do estômago durante a vida (1). Podemos sem receio de exagerar dizer que em alguns casos é impossível fazer-se com certeza o seu diagnos- tico differencial (2). Trousseau, com a franqueza que caracterisa as eminências nas scien- cias, não se amesquinha, confessando um erro commettido em sua prati- ca, quando confundiu uma gastrite chroniea com um cancro, erro que lhe foi demonstrado pelo microscópio, applícado pela hábil mão de Carlos Robin. O que seria de nós, apenas iniciados nos segredos da sciencia, si qui- zessemos precisar, com a certeza que convém na medicina, um diagnos- tico, que reconhecemos tão difficil para os mestres ! Verdade é que de- monstraríamos ter aprendido na discussão levantada na Capital de S. Paulo entre os Drs. Reis e Camera de uma parte, e Caetano de Campos da outra, que a sciencia é uma verdade, quando se presta á nossos ca- prichos, mas que deve soffrer interpretação acommodada á nossos fins, quando nos dá um solemne desmentido, igual ao que a anatomia patho- logíca deu no caso, objecto da discussão, onde, em logar de ulcera sim- ples de typo-chronico do estômago, como affirmára o Sr. Dr. Campos, ficou provado que a lesão era demonstrativa da produzida pelo estreita- mento orgânico do cardia, conseqüente á um cesophagismo chronico. 2.o O diagnostico deve assentar no grupo de symptomas durante a vida. Os symptomas são os seguintes: dor viva, lancinante no epygastrio, manifestando-se especialmente depois da digestão estomacal, vomito de matérias sanguinolentas côr de borra de café, cachexia com a cor da pelle amarello-palha, tumor epigastrico movei, o qual para Andral é a condição indispensável 4a existência do cancro; estes symptomas, porém, apparecendo em um indivíduo de mais de 46 annos de idade, seguindo uma marcha não interrupta, e reunidos nas condições acima, estatuem quasi a certeza do cancro do estômago. A reunião destes symptomas differencía o cancro da ulcera simples, porque nesta, embora haja vômitos sanguinolentos, elles são antes verda- deiras hemorrhagias de sangue vermelho e rutilante, do que pequenas perdas de sangue, produzidas pela destruição dos vasos, que cavalgam o cancro, e são por elle alterados e destruídos. Estas hemorrhagias e todos (1) Niemeyer—Eléments de Pathologie Interne—Traduction de Paris 1870. (2) Dr. Peçanha da Silva—These jâ citada. — 23 — os soffrimentos teem na ulcera o caracter intermitteute, isto é, apresen- tam alternativas de melhoras e peioras, podendo mesmo cessar comple- tamente pelo effeito da cicatrisação, terminação muito freqüente da ul- cera simples do estômago, emquanto que no cancro a marcha é progres- siva e fatalmente mortal. Na gastrite chroniea ainda é o estado geral do indivíduo, a cachexia e o tumor epigastrico que a differenciam do cancro do estômago. 3.o Quando o cancro do estômago tem a sua sede no pyloro, os sym- ptomas seguintes são os elementos do diagnostico:—gargarejo, distensão considerável do estômago, até que sejão regurgitadas as matérias con- teúdas, vômitos mais abundantes, voltando com intermittencia.. Sendo o cardia—epigastrio—fortemente deprimido, som massiço, im- possibilidade da alimentação, que só pode passar para o estômago em diminutissimas porções, vômitos inodoros algumas horas depois. Sendo a totalidade do órgão, não ha tumor, mas também não ha vo- mito. Sendo a pequena curva, hemorrhagias, vômitos e ictericia, e sendo a grande curva, tumor mobil, estendendo-se as vezes ao epiploon. Na parede superior não ha signaes característicos. 4.o Em que particularidade deve assentar-se para que o microscópio possa firmar o diagnostico? É aqui a oceasião de fallarmos do diagnostico feito na Capital da pro- víncia de S. Paulo pelo Sr. Dr. A. C. de Campos. A autópsia procedida no cadáver de Emilio do Lago por ordem da Po- licia diz o seguinte: «Pela delegacia,procedeu-se a autópsia no cadáver de Emilio Eutichia- no Corrêa do Lago, a requerimento da promotoria publica, altribuindo-se a morte a lesão traumática, proveniente de sondagem do oesophago. Requereu o Dr. Antônio Caetano de Campos para ser presente á autó- psia, visto ter sido o medico assistente do finado: foi deferido. Presentes os peritos nomeados, Drs. Polycarpo Cesario de Barros e Al- fredo Ellis, não puderam trabalhar por se acharem cada um com uma das mãos ferida, sendo nomeados os Drs. Gustavo Baldoino de Moura e Ca- mera e Luiz Lopes Baptista dos Anjos, que praticarão as operações, sen- do assistidas pelos Drs. João Francisco de Paula Souza, João Francisco dos Reis, Alfredo Ellis,Polycarpo Cesario de Barros, o estudante do sexto an- no medico da faculdade da Bahia, Joaquim Cardoso de Mello Reis e o Dr. — 24 — promotor publico: opinaram os peritos que não havia em todo o trajecto do órgão oesophago lesão alguma traumática, requerendo o Dr. Caetano de Campos, assistente do finado, que respondessem se o diagnostico do attestado de óbito era ou não exacto—disserão que responderião o que- sito em a nota detalhada que do exame feito tinhão de apresentar. O at- testado de óbito dava a morte resultante dos progressos de uma ulcera no estômago. Extrahiu-se copia do attestado que juntou-se aos autos. O exame feito na peça pathologica com o soccorro de fortes lentes, como complementar do auto da autópsia, revelou o seguinte: «Auto complementar do exame anatomo-pathologico feito no oesophago de Emilio Eutiquiano Correia do Lago. Aos quatorze dias do mez de Ja- neiro do anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil oito- centos e setenta e um, nesta imperial cidade de S. Paulo, casa da residên- cia do doutor delegado de policia Francisco Maria de Souza Furtado de Mendonça, onde eu escrivão abaixo assignado fui vindo, estando presentes os peritos anteriormente nomeados, e juramentados doutores Gustavo Baldoino de Moura e Camera, morador á rua de S. Bento, e Luiz Baptista Lopes dos Anjos, morador á rua Direita, e o Dr. Antônio Caetano de Campos, assistente do finado Emilio Eutiquiano Correia do Lago, e as tes- timunhas João Alves de Souza, e capitão Antônio Benedicto Coelho Netto, passou-se a lançar o auto complementar de autópsia feita, o qual foi re- mettido em nota que se acha á folhas vinte verso dos autos, pelo Dr. Gus- tavo Baldoino de Moura e Camera, e que é do theor seguinte: O exame anatomo-pathologico feito no cadáver de Emilio do Lago demonstrou o seguinte: Aberta a caixa thoracica, e a parle anterior do pescoço, e exa- minando-se com attenção o tubo digestivo, do pharinge ao pyloro, encon- tramos, além das manchas cadavericas, grande dilatação do oesophago, que ia-se augmentando, a proporção que se descia para o cardia, onde ha- via uma forte constricção. Neste ponto somente notava-se espessamento do órgão, e um accumulo de granulações formando prega, que tapava a luz do cardia semelhando um paquete de veziculas adipozas. Deve-se no- tar que a metade inferior do oesophago apresentava uma dilatação de tal forma considerável que simulava um estômago supplementar. Toda mu- cosa que tapetava o estômago, outra cousa não tinha de anormal além das manchas cadavericas. O laringe estava no seu estado normal desde sua abertura superior até as ramificações bronchicas. O exame microscópico do oesophago e estômago não pode ser feito satisfactoriamente para com* — 25 - plemento da descripção, pelo estado de alteração em que se achava a peça escolhida, a qual constou da parte mais inferior do oesophago com o cardia, e da parte superior do estômago, provavelmente pela maceração a que esteve ella submettida. Em conseqüência dão por findo o exame. S. Paulo, trese de Janeiro de mil oitocentos e setenta e um. € Dr. Gustavo Baldoino de Moura Camera, Dr. Luiz Lopes Baptista dos Anjos, Dr. Polycarpo Cezario de Barros, Dr. João Francisco dos Reis, dou- torando Joaquim Cardoso de Mello Reis. Nada mais se continha na referida nota. E notando o juiz a necessidade da resposta promettida ao segundo quesito, feito pelo Dr. Campos, responderam—quanto ao segundo quesito, apresentado pelo Dr. Antônio Caetano de Campos—que, conforme a des- cripção feita no exame anatomo-pathologico, não é exacto ter fallecido Emilio do Lago aos progressos de uma ulcera no estômago. E são estas as declarações que em sua consciência e debaixo do juramento prestado tem a fazer. E por nada mais haver a declarar, deu-se por findo o presente exame, e de tudo se lavrou o presente auto, que vae por mim escripto, rubricado pelo juiz, assignado pelo mesmo, peritos e testimunhas, commigo Antônio Dias, digo Antônio Archanjo Dias Baptista, escrivão que o fiz e escrevi, do que tudo dou fé. Francisco Maria de Souza Furtado de Men- donça, Dr. Luiz Lopes Baptista dos Anjos, Dr. Gustavo Baldoino de Mou- ra e Camera, Dr. Antônio Caetano de Campos, Benedicto Antônio C. Netto, João Alves de Souza, Antônio Archanjo Dias Baptista. Nada mais se con- tinha em o dito auto, ao qual me reporto no cartório da delegacia. S. Paulo, dezenove de Janeiro de mil oitocentos e setenta e um. Eu João Francisco de Paula Carmo, escrivão da subdelegacia do Braz, escrevi, conferi e as- signei.—João Francisco de Paula Carmo.—Conferida.—Paula Carmo. » O exame microscópico feito no Rio de Janeiro diz o seguinte: « Notas sobre as alterações encontradas em um estômago remettido de S. Paulo pelo Sr. Dr. Antônio Caetano de Campos, e que nos foi apresen- tado pelo Sr. Dr. Antônio Carlos R. de Andrada M. e Silva. cc As membranas do estômago acham-se endurecidas, em conseqüência da longa demora no álcool; a mucosa apresenta-se escura, maximè em suas dobras. « Na face interna ou mucosa, nas proximidades do cardia, observa-se uma superfície oval de 0,05 de extensão, e de 0,04 de largura, de aspecto esponjoso e irregular, e na qual ha auzencia de dobras transversaes que se observam no resto da mucosa. m. r. 4 — 26 — « Nesta superfície oval não existe mucosa, nem parcellas desta poderam ser descobertas pelo microscópio; percebe-se que na peripheria terminara com bordos irregulares. « As túnicas sotopostas, excepto a serosa, tem grande augmento de es- pessura, tendo no ponto mais culminante 0,0035. (A incisão para a abertura do estômago fora feita quasi pelo centro do ponto alterado). « O augmento das túnicas fibrosa e musculosa é constituído pela pro- liferação de tecido conjunctivo em diversas phases de organísação; assim nas camadas mais profundas abundam mais as fibras e as cellulas multi- polares ou estrelladas, e na superfície os elementos cellulares, de forma variável, muitas vezes esphericos, contendo um ou mais núcleos, e tendo identidade perfeita com os corpusculos lymphaticos. « Desta exposição torna-se patente a existência de uma ulcera do estô- mago, de typo chronico. « Rio de Janeiro 25 de Janeiro de 1871. cc Pertence—Uylario S. de Gouvêa—Matheus A. de Andrade. » As firmas estão reconhecidas por tabellião. Em primeiro logar o que se chama superfície irregular de aspecto esponjoso, não passava no cadáver fresco de agglomeração de vesiculas adyposas com a cor amarella própria desse tecido. A mucosa não poderia existir, porque foi arrancada na nossa presença e da do Dr. J. F. dos Reis pelo assistente, antes de ser remettida para a corte, como foi declarado e não contestado no Diário de S. Paulo n.o 1616. Não sabemos ao que vem, para a deducção pathologica da ulcera do es- tômago, a proliferação do tecido conjunctivo, e a abundância de cellulas estrelladas ou multipolares, como também sufficientemente demonstrou o Dr. Reis no Diário de S. Paulo n.o 1621. Demais o que se chama tumor, e que dá a deducção de ulcera sim- ples de typo chronico, era uma prega, espécie de válvula, que tapava a luz do cardia, feita a custa da referida agglomeração de vesiculas ady- posas. Era esta a parte que devia ter sido examinada pelo microscópio, mas que não o foi, porque seria a demonstração exuberante do erro do diag- nostico, que se quiz encobrir, para amparar a reputação, ainda não firma- da, do medico assistente. A parte, que nestas notas se chama estômago, não passava de oesophago — 27 — dilatado, porque do estômago só foi quanto bastasse para conservar in- tacta a constricção do cardia com sua válvula anormal do tecido ady- poso. O doente soffria de cesophagismo havia dezeseis annos, para a cura do qual careceu, logo em começo da moléstia, que o illustre pratico Dr Gatkca, um dos mais hábeis da província, lhe fizesse repetidas e demoradas pas- sagens da sonda cesophagiana, para que se podesse alimentar, e para que, vencida a resistência, a dilatação permittisse a cura, e conseguintemente a vida; o que de facto foi obtido até 12 ou 15 dias antes da morte pela pretendida ulcera do estômago do Sr. Dr. Campos. Este novo accesso, não tendo sido tratado convenientemente, trouxe a morte por inanição devida á fome, como ficou exuberantemente demons- trado pelos luminosos escriptos doillustrado e distineto pratico Dr. Gus- tavo Baldoino de Moura e Camera e do Dr. João Francisco dos Reis. É de notar-se que o doente soffria dos incommodos inherentes so- mente ao cesophagismo, moléstia muito freqüente em toda província, como sejam difficuldades na deglotição e regurgitações dos alimentos; mas nunca nem dores, nem hemorrhagias, as quaes tivessem alternati- vas de melhoras ou peioras, que autorisassem a qualificação da intermi- tencia dos incommodos provenientes de ulcera do estômago. Si fosse ulcera, aberto 0 cadáver, fresco como estava, dever-se-hia en- contral-a no estômago com os caracteres peculiares á todas as ulceras, mesmo as dostegumentos externos,como diz Trousseau: (1) «de superfície deprimida, tomentosa, limitada por uma orla muito saliente e com a lar- gura pouco mais ou menos de uma peça de dous francos, tendo ainda os bordos callosos; » isto pelo menos, porque os soffrimentos tinham 16 an- nos de- duração, e por força da lei pathologica a irritação primitiva, con- tinuando o trabalho necrobiotico, não haveria de limitar-se somente á mucosa em uma superfície oval de 0,05 de extensão e de 0,04 de lar- gura. Pergunta-se:—para conhecer-se uma ulcera, qualquer que seja, quer no estômago, quer em outro qualquer ponto de um cadáver fresco, care- cer-se-ha de microscópio? O microscópio o serviço que presta é, dada a ulcera, conhecer a sua naturesa intima, para firmar o diagnostico diffe- rencial entre ellas, porque os estragos da ulceração nas mucosas não se (I) Clinica do Hotel Díeu. - 28 — occultam á ponto de carecer que o microscópio nol-os venha denun- ciar. A particularidade, que durante a vida nos revela o microscópio, en- contra-se nas matérias expellidas pelo vomito-cellula cancerosa?—sarcina e torulos, e pela necropsia, differenciando pela naturesa do tecido o can- cro da ulcera simples e da gastrite chroniea. A vaidade de um lado, que é muitas vezes o manto da ignorância, e a protecção desregrada de outro, fazem com que se percam para a sciencia factos que, descriptos e interpretados com verdade e critério, aproveita- riam na pratica para outras identidades. É de lastimar que a sciencia sirva de escudo aos que pretendem pro- teger a médicos, que muitas vezes não cumprem o juramento prestrado ao receber o seu diploma. É deplorável que a humanidade seja sacrificada ao orgulho fatuo de. quem considera vileza confessar o seu erro, curvando-se ante a luz des- lumbrante da verdade! A proliferação do tecido conjunctivo, no caso de cesophagismo que ci- tamos, é uma exempiiíicação permanente da physiologia pathologíca des- ta affecção, proliferação que não deve, nem se presta á deturpação, corno explicativa do effeito inherente á necrobiosi. A respeito ainda do microscópio, o seu officio no diagnostico differen- cial, maximè durante a vida, não sendo aceita, como não aceitamos, a eschola de Lebert, quando quer explicar a maneira de desenvolver-se e fazer seu assento na economia o principio canceroso, cahe diante da scien- cia hodierna. Segundo Virchow, que desenvolve brilhantemente a theoria Müller, o officio do microscópio só tem por fim conhecer a maneira endogena ou a segmentação especial do tecido, chamado canceroso, segmentação especial ou desenvolvimento endogeno inadmissível na ulcera simples. Nas ulceras simples haverá desenvolvimento de corpusculos lymphati- cos na sua superfície? Cruveilhier, que primeiro se apercebeu da conveniência de as familia- risar com as gerações médicas, assignalando,—para distinguil-as—os ca- racteres de cada uma dellas, e fazendo o diagnostico differencial entre as di- versas affecções do estômago (1); Virchow, que define a maneira de ser (I) Cruveilhier—Tratado de Anat—Path. Paris—1864. — 29 - das ulcerações em geral, Rokitansky, que mais tarde na Allemanha for- neceu dados á sciencia para a descripção completa das ulceras; (1) Ben- net, na Escossia, e Luton, na França, que logo após conseguiram tornar bem distinctos seus caracteres, nunca encontraram corpusculos lympha- ticos na sua superfície, e nem cellulas multipolares, como segmentação das do tecido subjacente ás ulceras simples. Fica, pois, provado que no caso de cesophagismo com constricção per- manente do cardia, dando como conseqüência a dilatação da parte infe- rior do oesophago, dilatação que poude simular um estômago supplemen- tar, e com um estômago, cuja mucosa era esbranquiçada, vazio de todo e qualquer alimento ou coágulos sangüíneos, e retrahido; só a ignorância unida ao calculo seria capaz de fazer passar semelhante lesão por uma ulcera simples do estômago de typo chronico. Fica ainda assentado que, á parte a difficuldade em alguns casos quasi insuperável para a exactidão do diagnostico, quando se encontram reuni- dos em um doente de mais de 46 annos de idade—cachexia com a pelle amarello-palha, dor viva lancinante, manifestando-se especialmente de- pois da digestão estomacal, vômitos de matérias sanguinolentas cor de borra de café—pode afiançar-se que existe cancro no estômago, princi- palmente si estes symptomas forem acompanhados de um tumor mobil^ percebido pela apalpação. I?ia(D(MÍ(DOTl®(D É sempre fatal, podendo todavia o doente viver mais ou menos tem- po, conforme a espécie de cancro, de que está atacado o estômago. Os symptomas que prenunciam a morte são: língua rubra, secca e co- brindo-se de placas aphtosas, oedema renitente e doloroso de uma ou de ambas as pernas, oedema que é o resultado do embaraço á circulação na veia crural, devido á coagulação de alguma parte do sangue. O doente também succumbe á peritonite super-aguda, conseqüência da perfuração do estômago, assim como ainda ás hemorrhagias abundan- tes que sobrevem. A morte do indivíduo é precipitada pelo soluço, delírio e coma, pheno- (l) Rokitansky—Path. Anat. - 30 — menos nervosos, que o arrastam sempre ao túmulo, e que são explicados pela hydrocephalia ou simplesmente pela anemia cerebral (Jaccoud). Nem a indicação causai, nem a mórbida podem ser preenchidas no cancro do estômago. O officio do medico limita-se á alliviar os padecimentos da infeliz victi- ma, minorando, ainda que difficilmente, os diversos symptomas, que se vão succedendo, para o que deve prescrever logo—um regimem dietetico essencialmente nutritivo, constando de leite, ovos frescos, caldos e vinho em pequena quantidade. Quanto a medicação, deve ser ella dirigida da seguinte forma: si ha predominância de ácidos no estômago, deve-se empregar os carbonatos alcalinos, águas de Vichy, Wiesbaden, Carlsbaden, Vais etc; ficando estes sem resultado, dever-se-ha usar de pílulas, que encerrem como base o creosota; em casos de constipação rebelde é conveniente o emprego de pilulas de aloes e coloquintidas, alem dos opiaceos como modificadores ou sedativos das dores e insomnia, administrando-se sempre de preferen- cia morphina. Quando o cancro tem a sua sede no cardia constringindo-o de maneira a impedir a alimentação, pode-se retardar efficazmente a ina- nição, alimentando o doente por meio da sonda oesophagiana; quando, po- rém, a stenose é pylorica, o único recurso de que pode lançar mão o medico são os clysteres propriamente nutritivos, recurso muitas vezes infructi- fero, e sempre passageiro, aconselhado pelo illustrado professor da facul- dade de Paris—o eminente Jaccoud. É esta a medicação com que o pratico deve sustentar a sua posição á cabeceira do doente, ainda que baldados sejam sempre seus esforços. É triste esta verdade, mas é forçoso confessal-a! Diante desta affecçâo, como de muitas outras, a medicina curva-se vencida, e deixa passar victorioso sobre a victima o tremendo phan- tasma, que se chama—Morte! SECÇÃO MEDICA Elephantiasis dos Gregos IPKDIMDSIÇte I. A Elephantiasis, lepra dos gregos, leontiasis, é a espécie de derma- tose chroniea caracterisada por tuberculos, tumores nodosos, com es- pessamento, difformidade da pelle e hyperthrophia de todo o apparelho tegumentar, e por manchas cutâneas com anesthesia do ponto da pelle onde ellas se desenvolvem. II. A Elephantiasis dos gregos é uma moléstia em que, segundo as ex- periências e analyses chimicas de Bech e outros observadores, ha uma discrasia mui pronunciada, e um augmento considerável de fibrina e al- bumina no sangue. III. A lepra dos gregos tem relações de similhança com a elephantiasis dos árabes, pelas alterações que experimentam todas as partes componen- tes da pelle. IV. A causa efficiente da lepra dos gregos reside nas alterações profundas do apparelho digestivo como effeito da perversão das faculdades assimila- doras e sensitivas, produzidas pela qualidade dos alimentos ingeridos. V. A farinha de milho podre e mal preparada, as carnes de porco, ba- lêa, e de certos peixes de pelle, como o peixe-boi e outros, e o uso im- moderado do café, são as causas próximas e immediatamente efficientes da leontiasis. — 32 — VI. Estas causas reunidas ás productoras do vicio bôbatico dão ora a leontasis propriamente dita, ora a elephantiasis caracterisada pelas man- chas com anesthesia da pelle. VII. A febre que antecede á erupção elephantiaca nenhum serviço presta ao estabelecimento do diagnostico. VIII. As manchas, constituindo, segundo Duchassaing, o primeiro período da elephantiasis, são o phenomeno primeiro que a observação revela no desenvolvimento da dermatose. IX. Nem a cor, nem as descamações em qualquer tempo, copia e tama- nho, differenciam as manchas elephantiacas ou leprozas dos gregos da syphilides, das ephelides ou outras quaesquer; é a anesthesia da pelle, e o subsequente apparecimento de bolhas, que rompendo-se, deixam uma ul- ceração especial,—o elemento pathognomonico do diagnostico. X. A lepra é phimatode, quando tuberculosa, e aphimatode, quando consta somente de manchas que se podem ulcerar, ou já o estão. XI. A lepra tem três períodos distinctos: no primeiro ha manchas se- guidas de psoriasis ou pityriasis, de paralyzia dos membros, de deformi- dade dos dedos, da queda das unhas pela ulceração dos bordos livres destes. XII. No segundo ha hyperthrophia do rosto com ou sem tuberculo. No terceiro ha ulcerações graves, as quaes, alem de invadirem o tegu- mento externo, estendem-se ao véo do paladar e ás mucosas dos olhos e do pharynge, produzindo cegueira e a morte. — 33 XIII. A lepra tem a marcha chroniea, ora invariavelmente progressiva, ora in- termittente, simu'ando cessação e cura dos incommodos. XIV. O prognostico, por emquanto, é inevitavelmente fatal, quer pelos pro- gressos da própria dermatose, quer pelas complicações que acarreta. XV. O tratamento, para ter rasão de ser, deve assentar: l.o em meios dieteticos, 2.o nos modificadores pharmaceuticos geraes, racionaes e em- pyricos, 3.o em modificadores locaes. XVI. A primeira indicação hygienica deve ser a proscripção absolutas das substancias que consideramos como causas capazes de desenvolvel-a. A therapeutica, além das prescripções dos emollientes, de beberagens, de ante-phologisticos, deve assentar nos meios empyricos tirados de plantas indigenas. XVIL O assacú do Pará (1) nos parece um medicamento digno de estudo. O tratamento especial do Dr. Beauperthuy, empregado e vantajosamenle reconhecido pelos Drs. Bakewel e Brassac, assentando em meios hygieni- cos e therapeuticos racionaes, até hoje é a melhor medicação com que se poderá—talvez—debellar este medonho espantalho da humanidade. XVIII. A vaccinação da lympha de vesiculas, que se desenvolvem em diffe- rentes partes do corpo dos animaes da raça suina, é um meio que para o futuro trará, senão a preservação nas famílias predispostas pela heran- ça, ao menos a cura nos casos recentes de elephantiasis dos gregos. (1) Hura brasiliensis. M. R. 5 34 — XIX. A lepra dos gregos transmitte-se por herança, seu contagio collateral não está por ora aceito na sciencia. XX. As províncias do Brasil onde a lepra dos gregos se desenvolve com mais freqüência são: S. Paulo, Minas, Goyaz, Paraná, Para, Sergipe e Bahia; (esta principalmente nas localidades onde se pesca a balêa, como a ilha de Itaparica) as demais entram para a estatística em menor pro- porção. SECÇÀO CIRÚRGICA Tratamento da hérnia estrangulada Licherurgie senle peut les guerir"(liernies etran- ülées) et il est ridkule de chercher des secours dans Ia Médecine. Franco. i. Hérnia é um tumor formado em qualquer ponto de alguma das cavida- des do corpo humano, por partes conteudas sahidas de sua sede primitiva pelos anéis naturaes ou accidentalmente feitos á custa do aftasíamento ou ruptura de fibras musculares ou albugineas. II. Não ha órgão do corpo humano contido em cavidade que não possa fazer hérnia. HI. As hérnias se dividem em gêneros, e estes em espécies. IV. Os gêneros tomam sua denominação dos anéis naturaes ou acciden- taes; as espécies tomam o nome das partes que constituem a hérnia, ac- crescentando-se-lhe a terminação—ceie; exemplo: entero-cele, epiploon- cele. V. As hérnias constam de continente e de conteúdo: este é a parte qui sabe de sua sede, aquelle é constituído pelo sacco e os demais envoltórios do tumor. — 36 — VI. As hérnias são completas e incompletas, ou intersticiacs, simples ou compostas. VII. As hérnias simples são, por exemplo: as epiploou-celes, as entero-celes, as quaes são completas quando uma porção inteira (uma anse) passa no anel, embaraçando completamente o curso das matérias no seu interior, e incompletas quando o embaraço não é perfeito. VIII. As hérnias são engasgadas ou estranguladas, reductiveis e irreductiveis. IX. As hérnias são congênitas ou accidentaes; destas as inguinaes podem ser oblíquas ou externas, directas ou médias e internas; as cruraes têm iguaes variedades. X. O tratamento das reductiveis se compõe do taxis, de meios indiretos eadjuvantes e de meios contemptivos. XI. O taxis é o meio por excellencia nas hérnias reductiveis, é, porém, per- nicioso, além de altamente deponente da falta de conhecimentos cirúrgi- cos do assistente, nas estranguladas. XII. Os meios adjuvantes aconselhados para as hérnias em geral, compostos de banhos quentes, das sangrias até produzirem syncopes, dos purgativos, dos emollientes, das fricções com pomadas fortemente belladonadas e opiadas, e outros meios, grandes serviços prestam ainda nas estrangula- das, devendo, porém, serem postos á margem, logo que symptomas de estrangulamento completo se manifestem. — 37 - XIII. Alguns cirurgiões têm aconselhado o taxis forçado, e os processos mais conhecidos pertencem a Amussat, Lisfranc, Gosselin e Seutin, para o tra~ tamento das estranguladas. A kelotomia, porém, noventa e nove vezes so- bre cem é o único meio de cura das estranguladas. XIV. Alguns práticos distinctos têm preconisado os clysteres de café e de ta- baco; mas a sua applicação pode determinar phenomenos graves de in- toxicação, e produzir a morte. XV. A indicação para a kelotomia é—dor irradiando-se para o ventre, náu- seas, vômitos biliosos e de matérias fecaloídes, tympanite, fraqueza, suor frio e viscoso, symptomas que acompanham a inflammação. XVI. Dous são os methodos principaes geralmente empregados para exe- cutal-a; o primeiro, methodo ordinário, que é mais geralmente execu- tado, pertence á Franco e Ambrozio Pare; o segundo é denominado Petit, do nome de seu autor. XVII. O desbridamento do anel pelo processo de Vidal dè Cassis offerece grandes vantagens, e é sempre preferível em todos os casos. XVIII. O processo de Marc-Girard deve ser preferido na pratica, maximè quando houver demora no emprego da kelotomia. XIX. O curativo depois da operação deve ser feito á chato, empregando-se panno (fenestrado) crivado, induzido de ceroto e pranchetas de fios. m — XX. Os laxatívos, purgativos brandos e clysteres simples são os meios á oppor ás constipações, assim como as poções opiadas e o xarope de morfina ás contracções anti-peristalticas do estômago, conseqüentes á operação. XXI. As peritonites consecutivas e as feridas intestinaes têm o tratamento especial e conveniente destas affecções. SECÇÃO ÂCCESSORI Pode-se cm geral ou excepcionalmente dizer que houve esupro? Lava se a pallidez do vicio eseuro, Mas não lava-se um criuie. (Alvares de Azevedo). i. A Medicina Legal define o estupro a copula consummada com uma mulher, virgem ou não, de qualquer condição que seja, com violên- cia ou astucia. II. O Código Criminal Brasileiro estabelece diversos graus de penalidade para o offensor, segundo a condição, o estado e a idade da oífendida—art 219, 222 e 223. III. É o casamento, senão o único Jordão para a reputação de uma virgem deflorada, ao menos a túnica que cobre a sua honra. IV. A ausência da hymen por si só não constitue sígnal de defloramento: ascarut;culasm\Ttiformes, porém, ívunidas á ausência da hymen, podem guiar o medico legista. V. A lr.men pode faltar na mulher virgem, tendo por causa a dança, a cquiuçâo, a leucorrhéa, uma queda e outras circumstancias. VI. A hymen pode deixar de existir; ella não dá elementos para o medico legista atíiiinar que houve ou não estupro. — 40 — VII. A civilisação—o Christo de todos os tempos—tem se não'acabado, ao menos diminuído a freqüência dos estupvos. VIII. O medico legista deve prestar consideração ás manchas de sangue e sperma, encontradas nas roupas da offendida, na occasião da perpetração do crime. IX. Existem dados para o juizo do medico legista, e são: as echymoses, e as contusões encontradas nas coxas e em outros pontos do corpo da offendida. X. Pesa muito em favor do estupro a intumescencia dos grandes lábios, um corrimento muco-sanguinolento, dor e a dilatação do orifício da vagina. XI. Em geral o medico legista não pode, nem deve afiançar que houve estupro. XII. Ha casos, porém, cm que reunidos todos os symptomas, e mesmo todos os signaes, fica provada a existência do crime, e então compete ao medico exigir do Tribunal a penalidade da lei. XIII. A mulher violentada pode conceber e ser também affectada dos mesmos vícios mórbidos do offensor. XIV. O Código Criminal brazileiro, estipulando a paga da honra de uma vir- gem, abre as portas da prostituição, e sustenta a libertinagem dos ricos licenciosos. XV. Não ha paga para a honra de uma mulher estuprada; não ha dote que lave a mancha atirada sobre a sua reputação. HYPPOCRÀTIS APHORISMI I Lassitudines spontè obortce, morbos denuntiant. (Sect. 2.*, Aphor. 5.o) II Quibus occulti cancri fiunt, eos non curare melius est. Curati enim cito pereunt. Non curati vero longius tempus perdurant. (Sect. 6.\ Aphor. 38.) III Sanguine multo effuso, convulsio aut singultus superveniens ma- lum. (Sect, 5.a, Aphor. 3.o) IV Herpetes autem, minimè onmium ulcerum quae depascendo serpunt, periculosi sunt; sed difficillimè tolli possunt, ut cancri occulti. (Liv. 2.o, Aphor. 76.) In acutis morbis extremorum refrigeratio, mala. (Sect. 7.a, Aphor. l.o) VI Cui persectã est vesica, aut cerebrum, aut cor, aut septum transver- sum, aut aliquod ex intestinis tenuibus, aut ventriculus, aut hepar, lethale. (Sect. d.a, Aphor. 18.) Bahia—Typographia de J. G. Tourinho—1871. M. R. 6 ^/LemeCátía â fêommetáSo £/t>evidela. £8anta e S/acu/c/aaí c/e is//edt- cenx af tíé St/ctodc"» ae sé?-/. ê/f. Sincinna/o c/finSe. Sdfá c&n/olme od SdtafufoJ. S/acu/c/ade c/e ■medecina o/a &)a/ia s< de &/aodfy c/e /<£//. <£/>*>. ê/emeãio. &*. V. W. êfiamapto. ê£p. ^/óoata. //vnÁiiwia-Jt. &aftia e Sfíxcteéc/ade c/e .s/wedtcina sp de //eicm/lo dé *éy/. ££>*. ^/óaya/ffãcd