FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA DK ASCENDI NO ANGELO DOS REIS DIAGNOSTICO DIFFERENCIAL DAS MOLÉSTIAS DO CORAÇÃO THESE PARA 0 1) 0 II T 0 R A M E N T 0 DE ASCENDINO ANGELO DOS REIS NATURAL DA PROVÍNCIA DE SERGIPE II faut nécéssalremont connattre quel- que chose de certaln avant de se porter vers les objects inconnus; c'est 1'expérien- ce des autres qui dolt nous instrulre, leur pensée nous éclairer, et, pour ainsi dire, leurs alies nous porter, avant que nous pulsslons 6tre Inventeurs. (Zimmeumanx - Traité de l'expér. cn médec. I, 57.) BAHIA IMPRENSA ECONOMICA 22 - Rua dos Algibebes - 22 18 74 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA DIRECTOR O Exm. Sb. Conbblhhibo Dr. ANTONIO JANUARIO DE FARIA VICE-DIRECTOR O Exm. Sn. Conselheiro Dr. VICENTE FERREIRA DE MAGALHAES LENTES PROPRIETÁRIOS Os Illms. Srs. Drs. 1° Anno Cons. Vicente Ferreira de Magalhães . Physica em geral, e particularmente em suas applicações ã medicina. Francisco Rodrigues da Silva Barão de Itapoan 2® Anno Chimlca mineral e mineralogia. Anatomia descriptiva. Antonlo de Cerquelra Pinto Jeronymo Sodré Pereira Antonlo Marianno do Bomflm Barão de Itapoan Chimlca organica. Physiologia. Botanica e Zoologia. Repetição de Anatomia descriptiva. 3° Anno Cons. Elias José Pedroza Jeronymo Sodré Pereira Anatomia geral e Pathologica. Pathologia geral. Continuação de Physiologia. 4° Anno Domingos Carlos da Bllva Demetrio Cyriaco Tourinho Pathologia externa. Pathologia interna. Partos, moleslias de mulheres pejadas e de meninos recem-nascidos. Cons. Mathiaa Moreira Sampaio.... 5° Anno Demetrio Cyriaco Tourinho Luiz Alvares dos Santos Continuação de Pathologia interna. Matéria medica e Therapeutica. Anatomia topographlca, Medicina operatória e Apparelhos. José Antonlo de Freitas 6° Anno Rozendo Aprigio Pereira Guimarães . Cons. Salustiano Ferreira Souto Domingos Rodrigues Seixas Pharmacia. Medicina legal. Hyglene, e Historia da Medicina. José Affonso Paraizo de Moura Antonlo Januario de Faria Clinica externa, do 3® e 4® anno. Clinica interna, do 5° e 6° anno. Ignaclo José da Cunha Pedro Ribeiro d' Araújo José Ignaclo de Barros Pimentel .... Virgillo Climaco Damasio José Alves de Mello OPPOSITORES Secção accessoria. Augusto Gonçalves MartinsI Antonlo Pacifico Pereira Alexandre Affonso de Carvalho1 José Pedro de Souza Braga Secção cirúrgica. Claudemiro Augusto de Moraes Caídas R amlro Affonso Monteiro E gas Carlos Moniz d' Aragão Manoel Joaquim Saraiva José Luiz de Almeida Couto Secção medica. SECRETARIO O Sr. Dr. CINCINNATO PINTO DA SILVA OFFICIAL DA SECRETARIA O Sr. Dr. THOMAZ D'AQUINO GASPAR A Faculdade n!o approva nem reprova as opiniOes emittidas nas lhesss que lhe sío apresentadas SECÇÃO MEDICA DIAGNOSTICO DIFFERENCIAL DAS MOLÉSTIAS DO CORACÃO o Le cceur est un orgaue pour le quel la physlologle et la pathologle 8'éclalrent mu- tuellement; aussi la première se trouve-t-el- le conflrmée par la scconde et cellc-ci est elle incertaine, cliancelante, sans des con- nalssances physiologlques précises. Auburtix-Malatlies du coeur. Antes de encetarmos o estudo das perturbações que podem ter logar no coração, e especialmente dos meios e modos de discriminal-as entre si, convém muito que aqui relembremos os factos capitaes relativos á physiologia dessa viscera; porquanto, as desordens de um orgão qual- quer não sendo mais do que a modificação de suas condições physiolo- gicas, tanto melhor serão apreciadas pelo clinico, quanto melhor conhe- cidas forem estas. Mas, é incontestável que para se poder bem avaliar um mechanismo, eomprehender o seu funccionamento, perceber e remediar seus desarran- jos, é mister conhecer-se previamente as differentes peças de que se elle compõe. Ésta lei de arte mechanica é também applicavel ao coração, como a qualquer outro orgão cujas funcções queiramos conhecer no es- tado physiologieo ou pathologico. Assim, pois, no nosso trabalho consideraremos o coração sob o trípli- ce aspecto - anatomico, physiologieo e pàthologico, e nesta ordem fare- mos o nosso estudo. 1 |rimíira ANATOMIA DO CORAÇÃO !.e coenr!..,. Un musele creux... (A. de Miissei.) Reservatório central do apparelho circulatório, agente principal da mais complexa, e, sob este ponto de vista, a mais elevada das funcções da vida organica - a circulação; roda imprescindível, nos animaes bem organisados, desse machinismo cujo trabalho incessante constitue a vida e cuja parada constitue a morte, o coração é no homem, uma bolsa essen- cialmente muscular, de compartimentos múltiplos, destinada a propellir para todo o organismo, por via das artérias, o sangue que delle recebe pelas veias. Percorrendo um a um os differentes degraus da escala zoologica, vemos o coração ir progressivamente assumindo todas as formas, desde a mais simples até a mais complicada, e confirmar assim, melhor do que qualquer outro orgão, a lei que na natureza os organismos vão se decompondo e fraccionando cada- vez mais, á proporção que se desce na escala dos seres: é o natura non facit saltus. Em algumas especies de zoophytos superiores, como nos crirvoiães, as- teroides e echnoides, notam-se já á primeiros rudimentos do coração, em um ou mais orgãos centraes, contracteis, que impellem os líquidos nu- tritivos, accelerando-lhes o movimento. Nos annelides vemos o coração 3 reduzido a uma porção do trajecto d'um vaso, onde as paredes offerecem uma estructura mais musculosa do que no resto de sua extensão, e que por uma extremidade envia ao organismo o fluido sanguineo que pela outra recebe. Nos insectos, myriapodos e arachneidos é o coração representado por um longo vaso dorsal, cuja contracção impelle o sangue para lacunas existentes entre os orgãos, em vez de artérias e veias. Á proporção que vamos subindo na gradação das classes animaes, ob- servamos que esse apparelho tão simples em sua composição e em seu funccionamento, vae se tornando mais e mais complicado. Um verda- deiro coração, muscular e contractil, apparece nos malacozoarios, tubu- loso nos molluscoides, globuloso nas especies superiores; em todos com- posto, ordinariamente, de duas cavidades superpostas, e situado no tra- jecto do sangue artcrialisado no apparelho respiratório, para onde vae directamente pelas veias. Todos os animaes vertebrados (*) possuem um reservatório sanguineo, uma especie de bomba comprimente, cujo fim invariável é expellir o sangue venoso para o apparelho respiratório, onde vae esse liquido soffrer a acção benefica do ar, e, assim artcrialisado, tornar-se proprio á manu- tenção da vida. Em alguns, como nos peixes, o sangue passa logo dos or- gãos da respiração para a economia, por força da impulsão primitiva- mente recebida do coração, que, por isso, podemos denominar venoso. Mas outros vertebrados ha, que - appenso a este apparelho, possuem um outro, no qual é recebido, para ser logo expedido pela arvore arterial até ás ultimas radiculas do systema capillar geral, o sangue elaborado nos pulmões. Nos reptis o coração tem tres cavidades; sendo a inferior destinada a receber da superior direita o sangue venoso que tem de ir para o pulmão, e da superior esquerda o sangue artcrialisado que tem de nutrir os orgãos. - Nesta classe de animaes, portanto, o liquido nutri- tivo é uma mistura do sangue arterial com o venoso. Em alguns saurios o coração possue quatro cavidades; mas o sangue venoso e o arterial se misturam por intermédio de um canal que vae do ventrículo direito á aorta descendente, depois que ella tem fornecido as carolidas, de modo que a cabeça do animal recebe somente sangue arte- rial, e o resto do corpo - sangue arterial misturado com o venoso. Nos mammiferos e passaros, o coração é composto de duas porções, (*) A' exccpçao de um peixe singular, o amphyoxus, que parece estabelecer o transição entre os vertebrados e os invertebrados, e que tem o coraçao semelhante ao dos annelides. 4 independentes entre si e no seu funccionamento: n'uma delias, a do lado direito, é recebido, para ser enviado aos pulmões, o sangue venoso vindo por corrente centrípeta, da peripheria; na outra vem lançar-se, para ser logo destribuido por todos os orgãos, por corrente centrífuga, o sangue que do systema respiratório volta hematosado. No homem o coração vem ainda provar perfeitamente a verdade d'esta lei: que nos primeiros tempos de sua formação os animaes superiores correspondem aos inferiores. Assim, no rei da creação os organismos des- envolvendo-se durante a vida embryonaria, atravessam successiva e pe- riodicamente os estados que elles nos apresentam como fixos e permanen- tes nas familias, nos generos e nas classes que formam a gradação dos seres. No embryão humano ainda novo o coração representa successivamen- te, por sua forma e estructura, a forma e a estructura do coração nos in- sectos, nos annelides, nos reptis e nos ophidios; demonstrando em sua mu- dez eloquente que a constituição desse animal que se chama o homem é a repetição da organogenia dos outros animaes de classes differentes; que o homem é, realmehte, esse microcosmo, entrevisto pelos antigos philo- sophos. Voltemos, porém dessa digressão de anatomia comparada, que de bom grado se nos perdoará, por isso que não é de todo inútil, e tornemos ao ponto d'onde partimos. Pelo que dissemos acerca do centro circulatório nos mammiferos, vemos que o homem tem uma dupla circulação, á qual está preposto um duplo coração. Nem é puramente arbitraria a distincção, estabelecida por alguns auctores, de coração direito e coração esquerdo; ella é, pelo contrario, susceptivel d'uma demonstração anatómica tão rigorosa quanto facil, como a deu Cruveilhier, disseccando cuidadosamente os septos inter- auricular e interventicular, e conseguindo por esse modo separar as duas porções, direita e esquerda do coração, sem lesar nenhuma delias. A anatomia comparada tambeiu confirma esta distincção : nos cephalo- podos, alem do coração aortico, ou arterial, existem na base dos orgãos respiratórios, no trajecto das veias bronchicas, especies de oraçoes ve- nosos, mas separadas do primeiro. Neste genero de animaes, ha, pois, como no homem, dous corações; um precedendo o orgão respiratório, o outro succedendo-lhe. 5 A independencia dos dous coraçoes, é, demais, comprovada bem cla- ramente por um facto de anatomia pathologica; é que a hypertrophia do ventrículo esquerdo coincide frequentemente com a atroyhia do ven- trículo direito, e reciprocamente. Situação - 0 coração está situado no mediastino anterior, e, por- tanto, na parte media da cavidade thoracica, mas um pouco inclinado para a esquerda; adiante da aorta e do esophago, que o separam do rachis; atraz do sterno e das costellas, que lhe formam um escudo contra as pancadas e violências externas, e aos quaes communica suas pancadas; entre os dous pulmões, excavados para'aloja-lo; e sobre o diaphragma, que o separa das vísceras do abdómen, e por cujo intermédio commu- nica suas pulsações ao epigastrio. Relativamente á totalidade do corpo, o coração corresponde á união do terço superior com os dous terços in- feriores; donde resulta, segundo Bichat, a sua maior influencia sobre as partes superiores, particularmente sobre o cerebro. O coração é mantido em sua posição pelo pericárdio, sacco membranoso que o envolve e que, por sua vez, é intimamente preso ao diaphragma ; pelas pleuras, que de cada lado do orgão se reflectem para constituir as paredes do mediastino; e, finalmente, pelos grossos troncos vasculares que saem de sua base, ou que nella penetram. Não é, porém, invariável a posição que este orgão occupa na caixa thoracica. Contido no pericárdio, mais largo do que fôra preciso para aloja-lo, o coração gosa da maior facilidade para executar seus movi- men os, quer extrínsecos, quer intrínsecos; e seus deslocamentos seriam muito frequentes, se a plenitude da cavidade peitoral não o tornasse quasi immovel em sua posição. O coração obedece ás variações numerosas que sobrevêm no thorax e no abdómen, hydro-thorax, pneumo-thorax, emphysema pulmonar, pneumatose abdominal, etc. Collocado entre os dous pulmões, é continua- mente solicitado pela retractilidade destes orgãos e pelo jogo natural da respiração. E muito sabido o facto das deslocações do coração para cima ou para baixo n'uma inspiração ou n'uma expiração profunda; deslocações que podem chegar até uma pollegada n'uma ou n'outra di- recção. Estas considerações têm algum valor quando se trata de fazer o dia- gnostico preciso de algumas lesões cardíacas. 6 Forma e (lirecção - A forma do coração é a de um cone achatado no sentido antero-posterior, e cujo eixo é obliquamente dirigido de cima para baixo, de detraz para diante, e da direita para a esquerda. Esta tríplice obliquidade é considerada por Cruveilhier como própria á espe- cie humana e em relação com a estação bipede ; porquanto nos irra- cionaes o coração é dirigido verticalmente. Volume e peso - Seria muito para se desejar que se possuísse, após a observação rigorosa de casos sufficientemente numerosos, dados preci- sos relativamente ao volume e peso normaes do coração. E' de compre- hensão intuitiva o grande passo que essa bella acquisição faria dar á ana- tomia pathologica e á pathologia do coração. In felizmente, porém, pode-se afoutamente dizer, ha uma quasi im- possibilidade de satisfazer-se a tão urgente reclamo da sciencia medica desde que o coração apresenta sob essa dupla relação, innumeras varia- ções individuaes ; isto é, segundo as diversas phases da vida, as diffe- renças do sexo, da estatura, da maior ou menor largura da caixa thoraci- ca, das condições de nutrição do indivíduo, e até segundo as raças, con- forme alguns auctores (*) : demais, é extremamente difficil estabelecer- se com exactidão, pelo estudo anatomo-pathologico, os limites que a res- peito do volume do coração separam o estado physiologico do estado morbido ; e um coração que em um indivíduo acha-se no estado normal em outro pode mui bem estar hypertrophiado. Accresce ainda que o vo- lume do coração e a espessura de suas paredes, apresentam, mesmo em condições normaes, differenças apparentes na mesa da dissecção anato- mica, segundo a occasião em que se o observa, differenças devidas ao grau, variavel, de plenitude actual do orgão e da rigidez cadavérica de suas fibras musculares, conforme o numero de horas decorridas depois da morte. Estas razões farão comprehender como até hoje têm sido improfícuos os esforços de diversos auctores que têm procurado fixar o volume e o peso do coração. Se, á respeito do volume, Laennec propõe para termo de comparação approximativa o punho do indivíduo, alguns outros apresentam, para o mesmo fim, a espessura do musculo deltoide. Mas, bem se vê, estas (•) O barão Larrcy, que professou a superioridade da raça arabc sobre as outras, cita, entre as provas de sua opinião, o volume proporcionalmente maior do coração nos arabes. 7 avaliações, estabelecidas sobre bases tão pouco seguras, servem apenas de attestar, pelo erros que originam, a verdade do nosso asserto (*). Na carência, pois, de uma avaliação exacta do volume e peso do co- ração, limitamo-nos a transcrever as cifras a esse respeito consignadas pelos observadores mais conspícuos. Cruveilhier (**) apresenta as seguintes dimensões em um coração bem conformado: altura da porção auricular, 0,lu054; altura da porção ven- tricular, 0,m08 na parte anterior e 0,"'06 na posterior; circumferencia da base dos ventrículos, 0,m27; diâmetro antero-posterior 0,'n0õ4; dia- metro transverso 0,m080 (***). Convém attender-se a que o volume do coração cresce proporcional- mente com a edade, é relativamente menor na mulher do que no homem e até certo ponto está na razão directa da estatura do indivíduo. Quanto à espessura das paredes cardíacas, os dados geralmente accei- tos como os que mais se approximam da verdade, são os deduzidos por Bizot, de mensurações que fez, sob a direcção de Louis, em 157 cora- ções sãos de indivíduos adultos de ambos os sexes. Não cabendo aqui reproduzil-os todos, apresentamos as principaes, advertindo que Bizot occupou-se somente da espessura dos ventrículos: Ventrículo direito-No homem-. 4ra, 31 na base; 2"iIU, 23 na ponta; na mulher, 3mm, 87 na base; 2mm,09 na ponta. Ventrículo esquerdo-No homem-. 9mm,96 na base; 8mni,l 1 na pon- ta; mulher-. 9""", 37 na base; 7mm,34 na ponta. Septo ventricular-No homem-. llmm,19 na parte media; na mu- lher, 10mm,03. A espessura das paredes auriculares é avaliada por Cruveilhier, Bouil- laud e Lobstein em 0,n,002 para a auricula direita e 0,ra003 para a esquerda. Das cifras que acabamos de apresentar evidencia-se: l.° que a pa- rede ventricular esquerda é mais espessa que a direita; 2.° que no homem (•J De feito, nao podemos admlttir que o homem que se entrega aos pesados trabalhos da lavoura ou dos offlclos mechanicos, tenha o coraçao de volume igual ao de sua mao grosseira, ou comparável ao seu musculo deltoide, necessariamente carnoso e espesso: nem pode a mao franzina da mulher delicada ou do homem de lettras indicar um coraçao menor que o do agricultor laborioso. (•*) Tralté d'anatomle descriptlve, 4* édltlon. Tome III, Paris, 1867, pag. 7. <»*»; Estes dous diâmetros sao medidos na base doe ventrículos. 8 qualquer das paredes dos ventrieulos é mais espessa do que a sua cor- respondente no coração da mulher. A relação entre a espessura da parede auricular direita e a da esquer- da é de 1 : 3, segundo Bouillaud, Reid, Peacock e Soemerring; Cru- veilhier eleva esta proporção a 1:4, ou mesmo 1 : 5; nós, porém, jul- gamol-a exagerada. Faremos notar que essa differençá, bem como a que existe entre a es- pessura das paredes auriculares e ventriculares, está em proporção com as funcções que tem de preencher cada uma das cavidades, e com a ex- tensão do trajecto que deve o sangue percorrer ao passar por ellas. As aurículas, que têm de enviar o sangue para um logar contíguo, para o qual, aliás, elle tende a descer pelo proprio peso, devem realmente pos- suir paredes mui delgadas relativamente aos ventrieulos, dos quaes o esquerdo, que deve impellir o sangue a todas as partes do corpo, tem o triplo da espessura e da força impulsiva do ventrículo direito, cuja func- ção é somente lançar o sangue aos pulmões, que lhe ficam perto. A respeito da capacidade, absoluta ou proporcional, dos differentes compartimentos do coração, Ch. Robin e Hiftelsheim consagram bellis- simos resultados dc suas investigações, em um artigo que publicaram no tomo I pag. 413 do Journal de Tanatomie et de la physiologie. De suas observações concluiram os sábios experimentalistas que a capacidade do ventrículo direito é de 160 a 230 centímetros cúbicos; a do ventrí- culo esquerdo 133 a 221 c. c.; a da aurícula direita, 110 a 185 c. c.; a da aurícula esquerda 100 a 130. Resalta da comparação destes dados entre si, que a capacidade do co- ração esquerdo é sempre menor que a do direito, em ambas as cavida- des. Legallois, Bizot e Bouillaud chegaram a resultado idêntico. Em relação ao peso, são também contradictorios os resultados colhidos por diversos observadores: Cruveilhier o avalia, termo medio, em 250 a 300 grammas; Clendinning, em 288 grammas no homem e 272 na mulher. Conformação - Deixando muito propositalmeute para em ultimo logar tratarmos das relações mantidas pelo coração com as diversas partes que o cercam na cavidade thoracica, nós vamos agora descre- vel-o succintamente, considerando-o no conjuucto de partes que o con- stituem e em cada uma delias. Como já vimos, o coração é achatado no sentido antero-pòsterior; 9 apresenta, conseguintemente, duas faces - denominadas geralmente anterior e posterior, limitadas por dons bordos, denominados, em re- lação á linha mediana do corpo, - direito e esquerdo. A face anterior é mais convexa que a posterior, e ambas apresentam na parte media um sulco longitudinal (*) percorrido pelas artérias e veias coronárias ou cardíacas, da nutrição especial do orgão. Esse rego indica, approxima- damente, a inserção no interior do orgão, de um septo longitudinal que o divide em duas ametades distinctas - uma direita e a outra esquerda (**). Cortando perpendicularmente a extremidade superior do primeiro sulco, nota-se um outro circular, profundo, percorrido também por vasos, e que marca a inserção de um septo interno dividindo cada uma das ametades do coração em duas porções, uma superior, aurícula, e a outra inferior, ventrículo. Os dous ventrículos são a parte mais considerável do coração, do qual constituem os dous terços antero-inferiores. Da base de cada um delles vê-se partir um vaso calibroso, que é : no ventrículo esquerdo a artéria aorta, e no ventrículo direito a artéria pulmonar. Em cada uma das aurículas, excedidas anteriormente por um pro- longamento oco, comparável à orelha do cão ( o appendice auricular ), desembocam quatro veias principaes que são: á direita - as duas cavas superior e inferior, e as duas coronárias-, á esquerda as pulmonares-duas anteriores e duas posteriores. As inserções desses diversos vasos nas ca- vidades do coração deram logar ás denominações de: ventrículo aortica para o esquerdo; ventrículo pulmonar para o direito; seio das veias cavas para a aurícula direita; seio das veias pulmonares para a aurícula esquer- da; e, segundo a natureza do sangue contido em cada uma das ametades do coração, as de coração arterial para a esquerda, coração venoso para a direita (***). (•) O sulco anterior é situado mais para a esquerda do que o posterior, que, parallelo ao eixo do coração, divide a face posterior em duas partes quasi eguacs, excepto na visinbança da ponta do orgão. <**) As cavidades do lado direito não communicam, nomialmente e no adulto, com as do lado esquerdo. No féto o eepto inter-auricuiar apresenta uma abertura (buraco de Botai), que estabelece a communicação entre as aurlculàs, e que no adulto ê obstruída, ficando em seu logar tuna depressão (fossa oval). (**•) Hemos de ver malst arde que, conforme demonstrou Odilon Lannelongue, o coração esquer- do recebe também uma pequena porção de sangue venoso, que nelle se mistura com o sangue arterial. 10 Considerado interiormente, o coração offerece ao estudo, como já dis- semos, quatro cavidades: duas superiores, as aurículas, nas quaes lança- se o sangue das veias; duas inferiores, os ventrículos, dos quaes emergem as artérias. O septo que de cada lado do coração separa a cavidade superior da inferior, apresenta um orifício circular que as faz commu- nicar entre si, dando passagem para o ventriculo ao sangue da aurícula e que em certas occasiõqs (*) é obturado por uma membrana movei, cha- mada valvula, inserta em uma parte do contorno do mesmo orifício, e abrindo-se para o lado do ventriculo. Os orifícios são denominados au- rículo-ventriculares, ou, simplesmente, auriculares, ou venosos (**). As valvulas são chamadas, em commum, auriculo-ventriculares, ou atrio-ven- triculares-, ambas têm os bordos livres recortados em forma de dentes ou bicões (festons) apresentando a do lado direito tres bicões principaes e a do lado esquerdo dous, o que lhes fez dar as denominações de val- vula trícuspide ou triglochina para a primeira, e valvula bicuspide ou mi- tral para a segunda. Estas valvulas são mais largas do que os orifícios que ellas devem obturar. A face superior de cada valvula, isto é - a face que se voTta para o lado da aurícula durante a contracção do ventriculo, é lisa: mas na in- ferior, ou ventricular, inserem-se pequenos fios tendinosos, que partem da extremidade livre de columnas carneas cylindroides presas por outra ex- remidade nas paredes do ventriculo (***), Estas columnas carneas (*) Durante a contracçao dos ventrículos. (**) Esta denominação, dada particularmente pelos auctorcs allemães e pelos anatomistas antigos, vem de que pelo orlftclo direito passa o sangue venoso da aurícula, c pelo esquerdo o sangue que, embora arterial, é conduzido pelas veias pulmonares. D<i-sc também aos orlticlos os nomes das valvulas que os fecham. (***J As columnas carneas do coração dividem-se em tres ordens; umas adherem por toda a sua extensão á parede ventricular; outras, adherem somente por suas extremidades, das quaes uma vae, ás vezes, inserir-se na parede opposta à em que se insere a outra extremidade; outras, flnalmente, prendem-ge por uma extremidade larga á parede do ventrículo, e de sua extremidade livre destacam-so pequenas tendões, cordas tendinosas, que vão inscrir-se no bordo livre da vál- vula, afim de impedir que ella se revire para a aurícula no momento em que, pela contracçao do ventrículo, o sangue faz pressão sobre a valvula, applicando-o sobre o contorno do orifício. A disposição anatómica dessas cordas é tal, que outra funeção se não pode attribuir-lhes. Effec- tlvamente, as cordas que prendem-se a um lado do bordo livre da valvula convergem para o lado opposto, e ató algumas cruzam-so em X sobre a própria valvula. A's columnas de que falíamos em terceiro logar é quo Bouillaud chamou - musculos tensores, levantaãores ou approximadorcs 11 com os seus cordões tendinosos, são chamadas pelos auctores allemães miisculos papillarcs. Os orificios que fazem communicar o ventrículo direito com a artéria pulmonar e o esquerdo com a aorta, e chamados por isso arteriaes, são também fechados por valvulas, em numero de tres para cada um, deno- minadas sigmoiães ou semi-lunares, as quaes pela sua disposição dão passagem ao sangue impellido pelo ventrículo contrahido, mas impedem- lhe a volta quando elle já tem penetrado na artéria. Estas valvulas, se- melhantes a um ninho de pombo, ou, se quizer-se admittir a comparação, a uma pia de egreja, abrem-se para o lado da parede arterial, tornando- se verticaes, e fecham para o lado do ventrículo, para cuja cavidade voltam-se por sua face convexa, tornando-se horisontaes. Na parte me- dia do seu bordo livre apresentam um tubérculo , tubérculo de Morgagni ou nodulo de Arantio, que unindo-se aos seus congeneres serve para tornar mais completa a occlusão do orifício. No interior de cada uma das aurículas abrem-se, como já vimos, qua- tro veias principaes, que, á excepção da cava inferior e da grande co- ronária, são desprovidas de valvulas. A valvula da veia cava inferior, valvula de Eustachio, semi-lunar, não faz a occlusão completa do orifício. A da grande coronaria, porem, valvula de Thebesio, fecha perfeitamente o orifício a que está apposta : disposição providencial, pois que impedindo, no momento da systole auricular, o refluxo do sangue para a veia, previne a stase desse liquido no tecido do coração, stase que perturbaria gravemente os movimentos, tão necessários á vida, do musculo cardíaco. A ausência de valvula na cava superior favorece o refluxo do sangue para a veia e para os ramos que a constituem, no momento da contrac- ção da aurícula; refluxo que se nota particularmente nos casos de dys- crasias sanguíneas e que diversos auctores pretendem se effectue mesmo em circumstancias physiologicas, produzindo o phenomeno do pulso ve- noso, apreciável principalmente nas jugulares. Independentemente dos quatro grandes orificios de veias que se abrem na aurícula direita, notam-se mais na parte antero-inferior da superfície das membranas valvulares; em razão dos usos por clle presumidos. A presença das columnas carneas, cruzando-se em todas as dlrecções, dá á superfície interna dos ventrículo, princlpal- emutc do direito, o aspecto areolar. interna desta cavidade, as aberturas de tres veias coronárias propria- mente ditas, e cuja existência, sustentada por Lancisi, Thebesio e Vieus- sens, negada por Sénac e Cruveilhier, foi posta em evidencia por Odilon Lannelongue, que na sua notável thése demonstrou existirem ainda outros orifícios mui pequenos e de numero variavel, chamados por elle foraminula, para distingui-los dos foramina, aberturas das pequenas coronárias (*). A aurícula esquerda possue também alguns foramina e foraminula. Entre outros, indeterminados, nota-se na parede postero-superior, no meio do intervallo que separa as aberturas das quatro veias pulmonares, o orifício de uma veia proveniente dos ganglios que occupam a bifur- cação da trachéa, acima da base do coração. « De maneira que, diz Lan- nelongue, effectua-se no coração esquerdo a mistura de certa porção do sangue venoso com o sangue arterialisado. » ( ** ) Quanto ás veias que terminam directamente na cavidade do ventrí- culo direito, é hoje incontroversa a sua existência. Estruetura-Estudando a estruetnra do orgão central da circulação, nós deparamos com as tres túnicas que constituem as paredes dos gros- sos vasos. A túnica externa é o pericárdio-, a túnica media, a mais es- pessa e que forma o tecido fundamental do coração, é o myocarãio; a túnica interna é o enãocarãio. Estas tres camadas são anatomicamente muito mais distinctas e independentes entre si, do que as tres das ar- térias e das veias. Essa independencia também se manifesta de modo notável, embora não constante, nas moléstias a que são ellas sujeitas. O JiYOCAnDio offerece o notável nxemplo de uma camada de fibras musculares striadas circumscrevendo uma cavidade e pertencentes ao systema da vida organica ou de nutrição. Essas fibras, da cathegoria das fibras da vida animal, difterem, toda- via, destas por muitos caracteres esscnciaes: l.° sua largura é um terço menor que a das fibras dos musculos voluntários; 2.°, apresentam strias longitudinaes mais apparentes do que as transversaes; 3.° igualmente 12 (*) Segundo Lannclongue, os foramina e foraminula se communicam por meio de canaes ra- mificados na espessura da parede auricular e verificáveis pela dissecção anatómica. (•») Esta observação, curiosissima e opposta ás idéas geralmente acceitas , mostra-nos que neste ponto, ao menos, nao distamos muito de Galeno em suas idéas sobre o movimento do san- gue no coraçao. 13 apresentam, mesmo no estado normal, mnitas granulações gordurosas amarellas, dispostas em series longitudinaes e que prodigiosamente se multiplicam nos casos, muito frequentes, de degeneração adiposa ; 4.° em seu trajecto são frequentemente bifurcadas e pelos ramos de bifur- cação anastomosadas entre si; do que resultam verdadeiras rêdes mus- culares; 5.° não são agrupadas em feixes secundários e terciários di- stinctos, mas simplesmente juxta-postas e separadas no intervallo das anastomoses, por tecido conjunctivo: G.° são facilmente decomponiveis em fibrillas e pequenos fragmentos ou discos superpostos ( sarcous ele- ments de Bowmann); 7.° o seu myolema é tão delgado, que alguns ana- tomistas, particularmente Robin, negam-lhe até a existência. Physiologicamente as fibras do musculo cardíaco approximam-se das dos musculos voluntários pela rapidez, energia e cessação instantanea de suas contracções; mas differem delias por outros caracteres importan- tíssimos. Assim, as contracções do coração fazem-se fóra do dominio da vontade, em todas as circumstancias da vida e de um modo espon- tâneo e rhythmico. Verdade é que, segundo experiencias de Remak e Brown-Séquard, também se manifestam movimentos rhythinicos analogos em certos musculos da vida animal separados do corpo: mas em nenhum outro musculo elles manifestam-se tão claramente, como no coração. As fibras musculares dos ventrículos e as das aurículas são perfeita- mente independentes umas das outras, como demonstra o exame das secções verticaes do coração feitas no nivel dos orifícios auriculo-ven- triculares e mais evidentemente ainda, a immersão do coração no acido chlorhydrico. As fibras musculares dos ventrículos terminam por duas extremidades tendinosas, que se prendem a um tecido da mesma natureza servindo de arcabouço á estructura do orgão e disposto em anneis ( círculos ten- dinosos de Loiver} que circumscrevem os orifícios auriculo-ventriculares e arteriaes. 0 annel fibroso do orifício aortico fica situado entre os dous auriculares e no mesmo plano que elles, confundindo-se todos por sua circumferencia: o pulmonar fica separado dos tres outros, e em plano diverso e um pouco superior. Os anneis arteriaes são mais estreitos do que o calibre dos vasos correspondentes; disposição mais notável no annel aortico. Por sua circumferencia interna esses diversos anneis enviam prolon- 14 gamentos, que cobertos pelo endocardio, concorrem para a formação das valvulas respectivas. As fibras dos ventrículos são de duas ordens: fibras próprias a cada ventrículo communs aos dous ventrículos, chamados por Gerdy -fibras unitivas. Não podemos occupar-nos aqui detalhadamente da questão do trajecto e direcção das fibras musculares do coração (*); esse estudo nos levaria muto longe, distrahindo-nos a attenção de questões mais importantes relativas ao nosso ponto. Basta-nos dizer que as fibras communs partindo da circumferencia externa das zonas fibrosas, dirigem-se todas para a ponta do coração, descrevendo linhas obliquas convergentes para ella, onde reflectem-se sobre si mesmas, descrevendo uma volta de spiral e formando o que se chama turbilhão ou vortex. Depois dessa reflexão, ellas penetram no interior dos ventrículos, seguem uma direcção ascen- dente, constituem as fibras profundas da cavidade, formam as columnas carneas e pela extremidade ainda livre, vão inserir-se nos círculos ten- dinosos, de onde partiram. As fibras próprias dos ventrículos formam uma camada contida entre as duas-superficial ou descendente, e profunda ou ascendente, das fibras communs. Para se comprehender bem a sua disposição, basta ler-se o que á respeito delias escreveu o dr. Fort (*): « Supposez un cercle placé horizontalement comme les zones fibreuses, si l'on étudie le cceur dans la position verticale; fixez à cercle une foule de petites cordes pen- dantes, representant les fibres propres du ventricule: relevez les extre- mités libres de ces cordes et fixez-les dans un point quelconque du cercle. Si vous avez eu soin de ne pas entre-croiser a leur partie infe- rieure ces cordes qui limitent un cylindre, vous avez exactement la di- sposition des fibres des ventricules. L'ensemble des fibres propres des ventricules réprésent donc un cylindre ouvert en haut, du coté de l'ori- fice auriculo-ventriculaire, et ouvert en bas, du coté de la pointe du (*) Esta questão, ainda actualmente controvertida, tem sido o assumpto de trabalhos impor- tantíssimos de celebres anatomistas antigos c modernos. Gerdy parecia ter Já dissipado as duvi- das que sobre ella existiam, quando Ludwig, Kielliker e principalmenie Vinklerna Allemanha o Pettigrew na Inglaterra, vieram contestar a veracidade da proposição, por tanto tempo e ainda hoje acceita, de Winslow : «O coração é cpmposto do dous saccos musculosos contidos cm um ter ceiro Igualmeute musculoso.» (**) Anatomie dcscriptivo et diasection deuxieme édition, 1868, tome II, p. 871» 15 cceur, pour recevoir les fibres communes qui pénètrent dans 1'interieur du ventricule. » As fibras musculares são mais numerosas no ventrículo esquerdo do que no direito, o que explica a desigualdade da espessura e da força impulsiva destas duas cavidades. A ponta do coração é constituida exclusivamente pelas fibras communs, que pela sua disposição nesse logar formam uma estrella de raios cur- vos, segundo a bella comparação de Cruveilhier, já anteriormente feita por Stenon e Lower. As aurículas possuem, como os ventrículos, fibras musculares com- muns e fibras musculares próprias. As primeiras formam um só feixe, que occupa a face anterior da porção auricular do coração e que se es- tende de uma aurícula a outra. As fibras próprias constituem para cada aurícula uma camada muscular mui delgada (*); todas partem dos au- neis fibrosos auriculo-ventriculares e nelles terminam. O endocardio é uma membrana fibro-sorosa, que forra interiormente as cavidades do coração, moldando-se exactamente sobre as depressões e saliências por ella apresentadas. E mais espesso nas aurículas do que nos ventrículos. A porção do endocardio que forra as cavidades direitas do coração não têm relação alguma com a que forra as cavidades esquer- das. Ha, portanto, no coração dous endocardios independentes (**). O do lado direito é continuação da túnica interna dos vasos de sangue negro. Partindo da aurícula, vemo-lo forrar esta cavidade, applicado sobre os feixes musculares (e no intervallo delles sobre a folha sorosa do pe- ricárdio), formando a valvula Eustachi e as das veias coronárias: atra- vessa o orifício auriculo-ventricular, passa por sobre os prolongamentos fibrosos que partem das zonas tendinosas de Lower, reflecte-se sobre a face inferior delles, formando a valvula tricuspide: reveste todo o ven- trículo, penetra na artéria pulmonar, forra todas as suas ramificações, depois de ter formado no orifício arterial as valvulas sigmoides. O endocardio esquerdo continúa com a túnica interna dos vasos de sangue rubro. Partindo das veias pulmonares, cujas ramificações todas reveste, forra toda a aurícula, desce para o ventrículo, formando a valvula mitral, forra toda a cavidade ventricular, penetra depois na (*) Essa camada é cotinua, uniforme na aurícula esquerda ; não o é porem, na direita onde ha uma parte não muscular ã que Cruveilhier propõe chamar-«confiento» das veias cava».» (*•) No féto elles communican-so por melo do buraco de Botai. 16 aorta forrando-lhe todos os ramos, depois de haver formado as valvulas sigmoides. O pericárdio é um sacco irregularmente conoide que envolve o co- ração e o começo dos grossos vasos: ao em vez do coração, tem a base voltada para baixo e presa ao centro phrenico do diaphragma. E con- stituído por duas membranas intimamente unidas: uma externa, fibrosa; uma interna, sorosa. A externa insere-se no centro phrenico do diaphra- gma e prolonga-se até a origem dos grossos vasos, formando uma especie de bainha em redor de cada um delles. A sorosa representa, como todas as membranas da mesma ordem, um sacco sem abertura e vasio; um barrete de dormir, na bella comparação de Bichat. Por sua superfície externa forra toda a membrana fibrosa; acompanhando-a, reflecte-se sobre a aorta, a artéria pulmonar, a veia cava superior e as pulmonares, cobro estes vasos, penetrando até certo ponto em seus intervallos e passa, fi- nalmente, por sobre toda a superfície do coração, qne ella forra em todos os pontos , á excepção dos regos intcr-auriculares e interventriculares, em cujo mivel passa por cima dos vasos e nervos que elles contém. A sua superfície interna é lisa, lubrificada por sorosidade e contigua com- sigo mesma. Vasos e nervos - No meio dos elementos constitutivos do coração existem vasos, que se pode comparar aos vasa vasorum e cujo desenvol- vimento é proporcional ao das tres túnicas que fazem o coração asseme- lhar-se aos grossos vasos. As artérias do coração provêm todas directamente de aorta, de cuja semicircumferencia anterior nascem por dous troncos, chamados artérias coronárias ou cardíacas, uma direita ou posterior, e outra esquerda ou anterior, menos volumosa que a primeira. Ambas tem sua origem immediatamonte acima do bordo livre das valvulas sigmoides, e em seu começo são perpendiculares ao tronco aortico. A coronaria direita procura transversalmente o sulco auriculo ventri- cular direito, que por ella é percorrido até a linha media posterior ; ahi, depois de receber um ramo da coronaria esquerda, ella torna-se ver- tical e desce pelo sulco interventricular posterior até-a ponta do cora- ção, onde anastomosa-se com a terminação da coronoria esquerda. Esta colloca-se logo no sulco ventricular anterior, e o percorre até anastomosar-se na ponta do coração com a cardíaca direita; no passar 17 pelo sulco auriculo-ventricular, eHa fornece um ramo que o segue da direita para a esquerda, até encontrar-se no lado posterior com a artéria cardiaca direita, na qual termina. D'esta disposição das duas artérias coronárias resulta que o coração fica cercado por dous círculos arteriaes reciprocamente perpendicula- res, comparados por Haller ao equador e ao meridiano, e dos quaes par- tem os ramos secundários que penetram, ramificando-se, no tecido do coração e cujos capillares chegam até á camada de tecido conjunctivo do endocardio. As artérias cardiacas offerecem anastomoses com as artérias bron- chicas e diaphragmaticas. As veias do coração terminam pela maior parte em um tronco prin- cipal, a grande, veia coronaria, que em sua origem occupa o rego inter- ventricular anterior ; no nivel do rego circular torna-se horisontal e vae lançar-se na aurícula direita, onde já vimos o seu orifício fechado pela valvula de Thebesio. Mas, alem da grande coronaria, vão ter ainda á aurícula direita algumas veias menos importantes, m pequenas coroná- rias. Já falíamos algures á respeito dos foramina e foraminula, aber- turas d'estas veias accessorias, e do systema de canalisação que ellas formam no tecido cardíaco. Os lymphaticos que existem no coração parecem nascer da substan- cia muscular ; não se tem podido segui-los até ao endocardio. As redes que elles formam são mais notáveis abaixo da folha visceral do peri- cárdio ; todas terminam em dous troncos principaes, que sobem pelos sulcos interventriculares até abaixo da crossa da aorta, onde lançam-se nos ganglios que occupam a bifurcação da trachéa. O pericárdio possue vasos que lhe são proprios. Suas artérias pro- vem das diaphragnjpticas superiores, das bronchicas, das esophagianas e das mediastinas posteriores. As veias marcham parallelamente ás arté- rias, lançam-se na grande azygos e algumas nas coronárias. Parece que não ha lymphaticos particulares ao pericárdio. Os nervos do coração emanam dos pneumo-gastricos e dos ganglios ccrvicaes do grande sympathico. Partindo d'esta dupla origem, os file- tes nervosos reunem-se abaixo da crossa da aorta para constituir ora um plexo, ora um ganglio chamado de Wrisberg. D'ahi saem ramúsculos muito finos, que seguindo as artérias penetram na espessura do orgão. Mas, alem d'estes nervos o coração possue em seu proprio tecido ele- s 18 mentos ou apparelhos nervosos que lhe formam um systema especial de innervação. Estes apparelhos são ganglios dispostos em uma cadeia e em numero de tres : o primeiro, ganglio de Remak, é situado na emboca- dura da veia cava inferior : o segundo, ganglio de Bidder, acha-se no ni- vel da inserção da valvula-mitral: o terceiro ganglio, descoberto por Ludwig, encontra-se na parede da auricula direita. Em 1864, Lee descreveu um plexo ganglionar existente entre a aorta e a artéria pulmonar, abaixo do pericárdio visceral, e do qual partem filetes numerosos, que se distribuem nos ventriculos. - Semelhante des- cobrimento, porém, não foi ainda confirmado por nenhum outro anato- mista. Depois de investigações com o fim de determinar ao certo a influencia do systema nervoso sobre o coração, os irmãos Cyon, na Allemanha, chegaram a admittir, em 1866, a existência de um nervo proveniente da medulla e dirigindo-se exclusivamente para o coração. Segundo E. Cyon, esse nervo, a que elle chama compressor ou moderador da circulação, emerge da medulla junctamente com o terceiro ramo do ganglio cervical inferiqj^Subjeito á acção reflexa de vários nervos sen- sitivos da economia, pWticularmente dos que existem na superfície in- terna do coração, o nervo de Cyon tem, segundo este auctor, acção especial sobre as contracções do coração, cuja frequência elle augmenta. Cyon deduziu táinbeça de suas observações que entre os nervos sen- sitivos do coração 'ha excitação influencia os nervos motores dos vasos sanguíneos da economia, particularmente os do intestino, c assim determina a depressão da circulação. No coelho, sobre o qual foram feitas as experiênciasde Cyon, esse nervo parece nascer por duas raizes do tronco do e do laryngeu superior ; acompa- nha a carotida, unido ao tronco cervical do grande sympathico, sem com elle anastomosar-se, e se une sómente a alguns filetes do primeiro ganglio thoracico, com os quaes penetra no coração. Os nervos do pericárdio provém dos nervos phrénicos edo recurrente direito ; também existem alguns ramúsculos do sympathico, acompa- nhando os vasos. Relações - E de immenso alcance pratico, indispensável até para o cardio-pathologista, o estudo minucioso e preciso das relações mantidas pelo coração, considerado no seu todo e em cada uma de suas regiões 19 roais importantes, com os orgãos circumvisinhos; porqjffito do conhe- cimento exacto dessas relações decorre muita vez a verdadeira inter- pretação a dar-se aos phenomenos physio-pathologicos que se passam nessa víscera, ou em sua visinhança, por occasião de qualquer alteração mórbida que nella se dê. Esta observação se applica especialmente á disposição do coração á respeito da parede*anterior do thorax, séde mui frequente da applicação de vários meios de exploração, como sejam: apalpação, percussão, escutação, etc. Em verdade, como proceder-se com fructo ao estudo do coração do- ente; como obter-se um diagnostico seguro, exacto, consciencioso - do uma lesão orica do coração sem que, tendo-se de applicar o ouvido ou o stethoscopio sobre a região thoracica, se saiba qual o ponto do coração, qual o orifício, que corresponde ao ponto de applicação daquelle meio explorador ? A face anterior do coração está em contacto, em grande parte de sua totalidade, com o pulmão esquerdo, profundamente excavado na face in- terna para recebcl-a, bem como ao bordo esquerdo d'aquella viscera. Essa face corresponde também ao pulmão direito, qre ã cobre em uma pe- quena extensão da aurícula direita, assim como cobre a veia cava su- perior e a aorta descendente, que obliquamcnte se dirige da esquerda para a direita. Os bordos anteriores dos pulmões, approximam-se um do outro em sua parte supérior, por detraz da forquilha do sterno, c vão a tocar-se no meio de uma linha fictícia que une as extremidades sternaes do 2.° par de costellas: desse ponto descem, o direito, segundo Luschka, ate a extremidade interna da 4.11 cartilagem costa! direita, por detraz dos dous terços direitos da largura do sterno, c segue ás vezes nesta mesma di- recção até á base do appendicc xiphoide ; outras vezes, porém, desvia- se um pouco para a direita o para traz, para unir-se com o bordo infe- rior no nivel da 6.ft articulação chondro-sternal direita; o bordo anterior do pulmão esquerdo fica situado entre a2."e a 4.tt costellas, no terço es- querdo da largura do sterno, ponto em que toca o bordo pulmonar di- reito, sobre o qual ás vezes se applica. Mas quase sempre o bordo esquerdo, no nivel do bordo superior da 4.n costella, começa a inclinar-se para baixo e para fora, afastando-so do bordo esquerdo do sterno até ao terço externo da 6." cartilagem costal, 20 onde com o bordo inferior forma um appendice de 0m,03 a 0m,05 de com- primento, que cobre a ponta do coração. A relação do pulmão esquerdo com o coração por esses dous pontos, respectivamente, indica, segundo Luschka, que tanto um como outro orgão se acham em seu estado normal. Vê-se, pois, pelo que precede, que entre os dous pulmões fica sempre livre e a descoberto uma porção, variavel em suas dimensões, ora triangu- lar e de vertice para cima, ora irregularmente quadrangular, da face an- terior do coração; porção que, assim, está em relação mais directa com a face posterior do sterno até a metade superior do appendice xiphoide, segundo alguns auctores, até a base deste appendice, segundo Friedreich; porção que é separada do osso por uma camada de tecido cell ular e que fica á direita do sulco interventricular anterior; pertencendo, portanto, exclusivamente ao ventrículo direito. Por intermédio da'pleura e dos pulmões, o coração corresponde, ainda por sua face anterior, ás extremidades internas das cartilagens das 4», 5a e 6a costellas esquerdas, um pouco das direitas e aos espaços inter- costaes correspondentes. Não sabemos por qual motivo a generalidade dos auctores, quando tratam das relações do coração com a parede thoracica, olvidam que elle também corresponde ás 2? 3.a 4.a e 5.a cartilagens costaes direitas, pois que o seu bordo direito, na porção auricular, afasta-se do sterno para a direita 2 centímetros no seu começo, e descreve uma curva que deter- mina o seu afastamento ainda maior na parte media. O proprio Friedreich, aliás tão minucioso na exposição das relações do coração, esqueceu esta circumstancia: e tanto mais é isso de notar, quanto elle diz que ao nivel da 4.a ou 6.a costella, o coração excede a linha media do sterno 8 a 9 centimetros para a esquerda e 4 para a di- reita. Ora, se, conforme Cruveilhier e outros anatomistas, a maior lar- gura do sterno é de 6 centimetros, é claro que o coração não pode passar alem da metade direita da largura do osso, ( 3 centimetros ) sem pôr-sc em relação com as cartilagens costaes direitas. Em vista das relações que acabamos de descrever, a face anterior do coração merece tanto este qualificativo, quanto o de face sternal, ou direi- ta, ou superior. A face posterior do coração, na porção ventricular do orgão, acha-se um pouco em relação, lateralmente, com os dous pulmões; mas 21 a sua maior porção repousa sobre o centro phrenieo do diaphragma, que lhe serve de pavimento e a separa do estomago e do figado, sobre o qual ella determina uma depressão notável. D'esta disposição resulta um facto digno de menção : é o dos batimentos cardíacos no epigastrio, ás vezes mais pronunciados do que os batimentos da mesma origem na parede thoracica. Quando esses batimentos são mais fortes, manifesta-se o phenomeno a que o vulgo, confundindo duas vísceras tão distinctas e até tão bem se- paradas pela natureza, denomina - dôr de estomago, quando fôra mais acertado denominal-o dôr no coração ou no fígado. A face posterior da porção auricular, convexa, corresponde á colum. na vertebral, da qual é separada pelo esophago e pela aorta : está, alem disso, em relação com o canal thoracico, as veias azygos e semi-azygos, umaíparte do bronchio esquerdo, os ganglios bronchicos, os nervos pneu- mo-gastricos e uma camada de tecido cellulo-adiposo. A face posterior de todo o coração, attentas as suas relações, merece bem as denominações de inferior, diaphragmatica, esquerda, vertebral, ou, mais precisamente, vertebro-diaphragmatica. O bordo direito da porção ventricular, a que se poderia chamar in- ferior ovi diaphragmatico, é delgado e segue uma direcção horisontal, segundo Cruveilhjer, obliqua para baixo c para a direita, segundo Fricd- reich, e n'esta direcção vae até ao 5.° espaço intercostal esquerdo, mes- mo até a 6.a costella, e ahi com o bordo esquerdo forma a ponta do coração. Este bordo acha-se collocado no angulo constituído pelo dia- phragma e a parede anterior do thorax. O bordo direito da porção auricular, ou antes, o bordo externo da aurícula direita, começa na extrèmidade interna do 2.° espaço intercos- tal direito, a 0,u,02 do bordo sternal direito ; descreve uma curva de convexidade externa, excedendo um pouco o bordo sternal, e vem unir-se ao bordo correspondente da porção ventricular, formando com elle um angulo arredondado no nivel da extremidade interna da 5a cartilagem costal direita. O bordo esquerdo do coração, convexo, espesso, figurando mais uma face do que um bordo, começa no nivel da extremidade interna do 2.° espaço intercostal esquerdo ; dirige-se para fóra, para a esquerda e para baixo, pondo-se em relação com a face interna do pulmão esquerdo, exeavada para recebe-lo, e vae terminar na ponta do coração. 22 A base do coração, considerado em sua totalidade, voltada para a direita, para cima é um pouco para atraz, e constituida pela face superior da porção auricular, corresponde ao angulo de bifurcação da trachéa, que esta como a cavalleiro acima d'ella. A ponta ou vertice do coração, ligeiramente curva para atraz, no maior numero d'individuos, e dirigida, como ja dissemos, para baixo para diante e para a esquerda, corresponde, segundo Cruveilhier, ás 5? e 6.* cartilagens costaes esquerdas, ao 5.° espaço intercostal; con- seguintemente, á região da mamma. Segundo Friedrcich, dia está si- tuada, nos casos mais frequentes, justamente por baixo do mamillo esquerdo, por detraz da 6.a cartilagem costal: outras vezes, porem, diz o mesmo auctor, cila corresponde ao 5.° espaço intercostal, para dentro d'uma linha que passe pelo mamillo esquerdo, parallelamcute ao bordo sternal. A divergência, portanto, que neste ponto se nota entre o professor de anatomia pathologica de Paris c o professor de pathologia de Ileidel- berg, está em que este considera como menos frequentes os casos que para o primeiro são mais numerosos. Como quer queé, Friedrcich ob- serva que nos moços a ponta do coração está situada em um ponto mais alto em relação ao a que corresponde nos velhos. Na indagação do ponto da parede thoracica a que corresponde a ponta do coração, devemos attender a um elemento importante, sobre o qual Vcrneuil chamou a attenção dos physiologistas e cardio-pathologistas : vem a ser o comprimento da caixa thoracica. Algumas pessoas têm o thorax allongado no sentido vertical e as costellas muito afastadas entre si; é claro que n'este caso, a ponta do coração corresponderá ao 4.° es- paço intercostal; outras têm-n'o mais curto, como as mulheres, e então a ponta do coração irá corresponder ao 5.° espaço. De tudo quanto havemos dito á respeito das relações do coração com a parede do thorax, se conclue que pode-se no exterior determinar a sua posição no interior da cavidade thoracica, determinar os seus limites, e por meio de linhas circumscrever a região chamada precordial, corre- spondente á viscera. Essas linhas são as seguintes: uma curva de conca- vidade esquerda, partindo da extremidade interna do 2.° espaço inter- costal direito a terminar na extremidade interna da 5? cartilagem cos- tal direita ; d'este ponto parte um outra linha quasi recta, que se di- rige para baixo e para a esquerda até o 5.° espaço intercostal esquer- do, ou mesmo até a 6,a cartilagem costal desse lado; d'ahi dirige-se uma curva de concavidade direita para a extremidade interna do 2.° espaço intercostal esquerdo, onde se une por um angulo arredondado com uma. recta que ligue o bordo inferior da 2.a cartilagem esquerda ao bordo correspondente da 2." cartilagem direita, ponto de partida da primeira linha. Ao encontro da l.a com a 3a linha é que corresponde a ponta do coração. Conhecida assim, com toda a minudencia, a posição do coração, rela- tivamente aos diversos orgãos contidos nas cavidades thoraciea e abdo- minal, e conhecidas as suas relações de modo geral, synthetico, iamos di- zer, - vamos entrar em um estudo mais minucioso ainda, mais analy- tico, e considerar em separado as relações das cavidades, dos orifícios e das valvulas da viscera cardíaca com a parede anterior do thorax. Neste estudo tomaremos por guia ao eminente cardio-pathologista alle- mão Friedreich, que, por sua vez, cingiu-se ás pacientes e bellas obser- vações de Luschka e J. Meyer. Dividindo por uma linha imaginaria antero-posterior que passe pelo meio do sterno, a caixa thoraciea em duas porções eguaes, essa linha, que coincide com a linha mediana do corpo, attingirá o coração divi- dindo-o em duas porções, das quaes uma, situada á esquerda, tem, mais ou menos, o duplo do volume da outra, collocada á direita. Esta é com- posta da quasi totalidade da aurícula direita, á excepção do seu appen- dice auricular; da porção inferior, mais convexa, do ventrículo direito; e, finalmente, de quasi todo o orifício da artéria pulmonar. A esquerda da linha media estão: quasi todo o ventrículo direito e todo o esquerdo, a metade da aurícula esquerda c a ponta do appendice auricular direito. A linha que reunir, no adolescente, os bordos inferiores das inserções sternaes do 2.° par de costellas, isto é - a linha que marca o limite su- perior da região precordial, corresponde exactamente ao ponto culmi- nante do coração, o qual se acha no contorno superior da aurícula esquer- da. Esta é de todas as cavidades cardíacas, a que se acha mais poste- riormente situada, de modo que olhando-se pela face anterior do cora- ção, só se distingue a ponta do appendice auricular esquerdo. Seu limite superior corresponde ao bordo inferior da 2.» cartilagem costal esquerda, ponto que é também o de partida do seu bordo externo. Seu limite inferior corresponde ao bordo inferior da 3." cartilagem costal esquerda, perto da 3.a articulação chondro-costal. 23 24 Portanto, como observa Sappey, um instrumento perfurante passando encostado ao bordo esquerdo do sterno, no nivel do 3.° espaço intercos- tal, atravessará esta cavidade passando pelo infundibulo do ventrículo direito, que a cobre em parte. Como já vimos, a auricula direita, á excepção da ponta do seu ap- pendiee auricular, acha-se toda collocada na metade direita do thorax, de modo que os seus dons terços excedem para fóra o bordo sternal di- reito, e o outro e quase toda a auricula propriamente dita, ficam por detraz do corpo do sterno. Seu limite superior corresponde á extremidade interna do 2.° espaço intercostal direito, ponto donde parte o seu bordo externo: seu limite inferior é marcado pelo 5.° espaço intercostal. O ventrículo direito tem uma terça parte de sua extensão situada por detraz do sterno, desde a extremidade interna da 2.* cartilagem costal esquerda, até a base do appendice xiphoide; os outros dous terços fica para fóra do bordo sternal esquerdo, desde o meio da extremidade interna do 2.° espaço intercostal, até a metade da extremidade externa das 5.* c 6.a cartilagens costaes. O ventrículo esquerdo, no coração não deslocado e em sua posição normal, apparece á abertura do peito e do pericárdio sob a forma d'uma facha da largura do dedo pollegar, terminado em ponta em suas duas extremidades, estendida do centro do 2." ao do 5.° espaço intercostal es- querdo, ou mesmo, segundo Friedreich, á face posterior da 6.' costella e correspondendo á reunião da 3.ft á 6 a costellas esquerdas com as suas respectivas cartilagens. A direcção do septo inter-ventricular é indicada muito approximada- mente, pela linha que unir a extremidade interna do 2.° espaço inter- eostal esquerdo á inserção sternal da 3.a costella esquerda. Vejamos agora a que pontos da parede thoracica anterior correspon- dem, mais ou menos exactaraente, os diversos orifícios do coração e as valvulas que em certas condições physiologicas, os obturam. Nesse intuito faremos a exposição succinta dos principaes resultados colhidos das observações de J. Hope, Gendrin, Harmernyck e J. Meyer, os quaes para suas experiencias fincavam agulhas em pontos determi- nados da região precordial do thorax e assim precisavam as relações re- ciprocas desses pontos com as correspondentes da víscera. l.° Orifício auriculo-ventricular esquerdo e valvula mitral - Uma agulha que atravessar horisontalmente de diante para traz 25 a parte media do diâmetro vertical do 2.° espaço intercostal asquerdo, a 1 X centímetro para fora do bordo sternal, encontrará quasi Sempra o bordo fixo da valvula mitral, situado atraz do ponto de origem da ar- téria pulmonar. O bordo livre dessa valvula será attingido exactamente por uma agulha que atravesse o 3.° espaço intercostal esquerdo a 4 cen timetros para fora do sterno; e se assim não succeder, a agulha passará um pouco acima desse bordo. 2. Orifício auriculo-ventricular direito e valvula tricus- pide. - Re introduzir-se uma agulha no terceiro espaço intercostal es- querdo encostada ao bordo sternal, e outra na 5.a articulação chondro- sternal direita, entre ellas ficará comprehendida a valvula tricuspide; o orifício venoso direito está quasi todo na metade direita do thorax - dirigido obliquamente de baixo para cima e da direita para a esquerda, 3. Orifício pulmonar e valvulas respectivas. - Estas valvulas encontram-se, na pluralidade dos casos, defronte da extremidade inter- na do 2.° espaço intercostal esquerdo: assim, a agulha que penetrar a 2 até 5 millimetros do bordo sternal esquerdo, no meio do diâmetro ver- tical desse espaço, irá tocar o bordo adherente da valvula sigmoide an- terior da artéria pulmonar. Todavia, Walshe considera como regra geral os casos, aliás frequentes, de corresponderem essas valvulas' á 3.' arti- culação chondro-sternal esquerda. 4. Orifício aortico e suas valvulas - Se fincar-se uma agulha perpendicularmente e um pouco á esquerda da linha media do sterno, defronte da articulação sternal da 3.a costella esquerda, chega-se ao ori- fício aortico, ás vezes exactamente no centro delle, tocando-se ao mes- mo tempo nos bordos livres das tres valvulas aorticas. 5. A 2 ou 3 centímetros abaixo da forquilha do sterno encontrã-se o vertice da crossa da aorta. 6. Uma agulha que penetre no 2.° espaço intercostal direito, encos- tada ao bordo sternal, encontrará não só o bordo direito da aorta des- cendente, como ainda, e muito exactamente, o orifício da veia cava su- perior. Couvem notar-se que, pela descripção que fizemos das relações reci- procas do coração e dos pulmões, e das do systema cardio-pulmonar com a parede thoracica anterior, os pontos do thorax correspondentes aos 26 orifícios e vai ralas do coração, são delles separàdos por uma porção del- gada, laminar, do pulmão. Assim acontece, por exemplo, com as aurículas, os orifícios e valvulas arteriaes, o orifício e valvula raitraes. Importa muito ter-se continuamente presenteao espirito esta observação, afim de evitar- se erros, não raros e ás vezes bem lamentáveis, de diagnostico: pois mui- tos ruidos são escutados e ouvidos na parede do thorax, que, sendo devi- dos aos movimentos cardíacos sobre a pleura e os pulmões; passando-se, portanto, no apparelho respiratório, são frequentemente attribuidos, sem prévio exame, a organopathias cardíacas. Cumpre também não esque- cer que em muitas moléstias que têm uma séde outra que o coração, esta viscera pode soffrer deslocamentos; o que pode perturbar o exame cli- nico e difficultar o diagnostico. APPENDICE - Som haço on massiço precordial. - Do conhe- cimento exacto das relações do coração com a parede anterior do tho- rax e com os pulmões, deriva a importância das indicações fornecidas pelo emprego de um meio explorador hoje muito em uso, e de precio- sas vantagens pàra o diagnostico das nosorganias cardíacas: queremos fallar da percussão. A percussão praticada sobre qualquer ponto da região precordial re- vela um som pouco distincto, obscuro, como o que se obtem percutindo um corpo solido, massiço, ou como se ella fosse feita sobre a coxa ou um qualquer dos orgãos carnosos e massiços do corpo. A este som os auctores francezes chamam matitè e os inglezes clull- ness, palavras que significam propriamente a perda de brilho dos obje- ctos naturalmente lustrosos, e que faz lembrar a ausência de um som claro ou bem pronunciado, n'uma parte que, como a parede thoraxica, devia ser bem sonora. Ao som assim qualificado pelos inglezes, podemos denominar, por imitação e mesmo pela ausência de um qualificativo mais apropriado, som baço, massiço, som femoral, ou varenchymatoso: e, ou como ouvimos ao nosso illustrado mestre conselheiro sr. Januario de Faria, som visce- ral; esta ultima expressão parece-nos bastante feliz, attendendo-se a que o som produzido pela percussão directasobre um parcnchyma cujo tecido é mais ou menos molle e compacto, é sempre pouco claro, pou- co distincto, pouco sonoro, se é permittido o pleonasmo. A superfície em que se faz perceber o som baço ou visceral é avaliada 27 geralmente em 4 a 6 centímetros, em todos os sentidos. Ella começa superiormente na quarta costella ( ponto em que começam a afastar-se, depois de tocarem-se, os dous bordos pulmonares anteriores, e esten- de-se inferiormente até á sexta (onde se acha a ponta do coração, co- berta pela lingula pulmonar de Luschka). O som baço tem seu máximo de intensidade na parte media da re- gião precordial, isto é, no meio da quinta cartilagem costal esquerda ; percutindo-se d'este centro para cima ou para os lados, elle vae gra- dualmente diminuindo, isto é, adquirindo mais resonancia, até confun- dir-se com o som cheio e claro do pulmão ; inferiormente confunde-se com o som ainda mais obscuro ou massiço do bordo esquerdo do fígado, e limita-se com o tympanico do estomago, se este está vazio. O som obscuro ou massiço precordial, apresenta graus de tonalidade ou embaciamento, conforme o ponto percutido estiver, ou não, em relação immediata com o coração. Effectivamente, das relações reciprocas do pulmão e do coração, deprehende-se que para apreciar-se pela percussão a parte d'esta viscera coberta pelo tecido pulmonar, não basta uma per- cussão moderada, como quando se quer conhecer a porção cardíaca em correspondência directa com o thorax ; é necessário que no percutir se empregue alguma força. Então, percebe-se n'aquelles pontos onde o pul- mão interpõe-se á parede thoracica e ao coração, um som massiço ou visceral profundo, indicando que logo depois da face interna do thorax não está o coração, e sim um outro corpo mais sonoro ; este som con- trasta com o som massiço superficial obtido no meio da região precor- dial, por uma percussão feita mesmo de leve. Esta circumstancia determinou a distineção feita pelos auctorcs in- glezes, de superficial dullness e deop-seated dullness, ou a que fazem os francezes - de matité absolue, e matitè relative, lègère ou submalitè. Digamos, ao terminar, qne o som da região precordial, mesmo na parte em relação directa com o coração, não é absolutameute massiço, como o som produzido pela percussão de um pedaço espesso de madeira; tem sempre um grau sensível de resonancia, e a resistência que expe- rimenta o dedo percussor não é muito considerável. No estado patho- logico é que o som torna-se completamente massiço, e sua superfície augmenta muito d'extensão, chegando até lã ou 20 centímetros de al- tura ou de largura, e então pode denunciar uma hypertrophia do co- 28 ração, um derramen do pericárdio, aneurismas da aorta, etc., aprese» tando em qualquer d'estes casos caracteres particulrres, que mais tarde estudaremos. Segunth PHYSIOLOGIA DO CORAÇÃO En physiologlc et en médeclne, nous n'avon* affairc qu'à des realltés objectives, et nous sommes en plcin dans ce qu'on appelle leu Sciences d'observation et d'experlmentatlon, parce que 1'observatlon et 1'expérimentatloiL peuvent seules établir les rialités ou les falis sur lesquels les Sciences se fondent. (Cl. Bernard - Leçons physwloírie e.x- pêrimentale, t. I, pag. 13). Nesta parte do nosso trabalho, e como condição indispensável para o desenvolvimento da terceira, vamos estudar os movimentos qne o coração executa no seu todo e em cada uma de suas cavidades, e os phenomenos que delles resultam ; isto é, as mudanças rhythmicas do orgão em relação ás partes circumvisinlias, a impulsão e curso do sangue atravez dos compartimentos cardiacos, e por ultimo, os ruidos que se fazem ouvir compassadamente durante esse percurso, que começando com a vida, somente com ella termina. Antes, porem, de entrar nesse estudo, somos levado, por considerações muito lógicas, a investigar a causa próxima dos movimentos do coração, e a procurar uma resposta conveniente á questão que naturalmente se apresenta : Qual a força que põe em acção o musculo cardiaco ? Não é nosso intento, nem poderá sel-o, que para isto nos faltam for- ças, aprofundar esta questão e estudal-a por todas as suas faces ; não a revolveremos, pois disto pouco proveito immediato viria á exposição de nosso ponto, Consideramos essa vexata qwstfo dos pbysiologistas antigos 30 e hodiernos no que ella offerece de mais positivo e de mais aeceito no es- tada actual da sciencia. Estabelecido peremptoriamente que é o systema nervoso o principio de todo o movimento, a questão acima, respondida em parte por este fa- cto mesmo, trànsforma-se na seguinte, cuja resposta é, ou deve ser, mais restricta : Qual é a parte do systema nervoso que preside aos movimen- tos do coração ? Respondamos com os dados que hoje nos apresenta a physiologia. Está geralmente admittido que os elementos nervosos donde parte a excitação que provoca immediatamente as contracções do coração acham-se encerrados no proprio tecido cardíaco e que esses apparelhos incitadores (que outro nome não merecem), encontram-se em pontos de- terminados da substancia muscular do coração e directamenle ligados por libras nervosas aos vasos cardíacos. Já terão todos previsto que se trata dos ganglios nervosos do coração, de que na pagina 18 falíamos. E por via deste apparelho que, ainda arrancado fóra do peito, o co- ração continua a pulsar algum tempo depois da morte, quando estão aniquiladas as funcções de todos os outros orgãos; e quando mesmo te- nham cessado as contracções cardíacas, pode-se ainda provocal-as, pon- do-se o coração em contacto com o oxygenio, ou projectando-lhe nas artérias sangue arterial. A anatomia ensina que o coração recebe filetes do grande sympathico e do pneumo-gastrico, e, alem destes, como querem os irmãos Cyon, um ramusculo nervoso ligando directamente o coração á medulla, e um outro oriundo ao mesmo tempo do tronco do pneumo-gastrico e do laryn- gcu superior. Mas, quaes sejam com certeza as funcções desses nervos de origem tão diversa, que influencia elles exercem sobre os movimentos do coração, é ponto este sobre que as divergências são grandes, muitas as opiniões, e contradictorios os resultados das experiencias e observa- ções allegadas pelos interessados cm vestriumphar esta ou aquella dou- trina. Examinando por partes a controvérsia, vemos que ácerca da influen- cia do grande sympathico''mui pouco sabem os physiologistas, e nada de positivo. Tem-se dicto, com alguns visos de Verdade, que este systema singular de innervação coadjuva a acção dos ganglios cardíacos, estimu- lando a actividade do coração. Sobre o papel dos pneumo-gastricos, confessemos que os physiolo- 31 gistas estão todos de accordo ein um ponto ; é querealmente esse nervo influe sobre os movimentos cardíacos. A difficuldade, a magna difficuldade reside em que os que estudam o mechanismo das íuncções vitaes, não poderam ainda entender-se Sobre o em que consiste a in- fluencia do pneumo-gastrico em relação aos movimentos do centro cir- culatório. Todavia, a mór parte dos physiologistas tendem a admittir que outra não é a acção das pneumo-gastricos, senão regular, moderar a actividade dos ganglios do coração. Assim, diz-se : « A acção dos ganglios cardiaros é gravemente compromettida, está quasi aniquilada, quando se exagera a acção do pneumo-gastrico; torna-se exagerada quando diminue a acção que lhe serve de regulador. » Considera-se en- tão os nervos como transmissores da acção reguladora da medula, desde a extremidade posterior dos tubérculos quadrigémeos até ao calamut scriptorius. Mas, conhecida, como se quer que o esteja, a acção excitadora dos ganglios, e a acção reguladora da medulla allongada por intermédio dos pneumo-gastricos, subsiste ainda uma difficuldade, não solvida até agora, a saber : quaes sejam as relações anatómicas que liguem as ex- tremidades cardíacas do vago ao systema ganglionar do coração e que possam explicar as relações physiologicas entre os dons apparelhos nervosos, de acção inteiramente opposta. Sobre este ponto as trovas pairam densas a não deixar entrever-se um resquício de verdade. Aco- de-nos então á memória o que nas suas Leçons de phgsiologie experi- disse, generalisando, o illustre Cl. Bernard (*) : « On com- prend, en effet, que 1'investigation physiologique devienne absolnment impossible à celui qui ne connaitra pas exactemept toutes les parties qui composent 1'organisme, leurs rapports, leur conformation, leur structure intime. » t Quanto ao nervo compressor de Cyon, do qual, aliás, poucos auctores faliam, o resultado de sua acção parece áquelles experimentadores e a von Bezold, ser o augmento de frequência das pulsações cardíacas. Quando o pneumo-gastrico tem demorado os movimentos do coração e determinado o accnmulo de sangue-nos ventrículos, o nervo cardíaco mo- derador activa as contracções ventriculares e desembaraça a cavidade, desembaraçando a rêdc capillar peripherica. O nervo sensitivo de Cyon parece influir, por sua excitação, sobre os (*) Tome II, 1856, pag. 3. 32 nervos motores dos vasos sanguíneos; estes dilatam-se e a tensão arte- rial diminue, havendo consequentemente uma depressão na circulação. A debatida questão da innervação motora do coração liga-se a que- stão da sensibilidade d'este orgão, questão que á primeira consideração parece não dever existir, porquanto está fóra de duvida que o coração recebe nervos sensitivos, ramos do pneumogastrico, e que também gosa do alguma sensibilidade o grande sympathico. Entretanto, ahi estão os factos para mostrar que, ao menos no estado normal, o coração é inteiramente insensível; pode-se calcar sobre elle, comprimil-o, beliscal-o, feril-o mesmo, sem que seja accusada a menor sensação de dôr. Este facto, desde muito observado e verificado por O' Richerand, foi cnidadosamente notado por Harvey na pessoa do bem conhecido visconde de Montgommery. Haller havia já dito que o coração, extremamente irritável, era muito pouco sensível e que tocando- se n'elle em um homem são, provoca-se antes um desmaio, do que dôr. Na maior parte dos casos pathologicos, o coração não apresenta uma sensibilidade manifesta. Assim, como veremos mais tarde, nas inflam- mações de qualquer das túnicas do coração, a dôr não só não é um phe- nomeno constante, como ainda raríssima vez é bem pronunciada. Por mais intensa que seja a phlegmasia, na generalidade dos casos do cardite e segundo a universalidade dos auctores, o doente não accusa uma dôr distincta; apenas falia de uma pressão, de um embaraço, um incommodo indefinível na região precordial, mas não de uma dôr aguda ; quando este phenomeno, mais do que em nenhuma outra oc- casião, devia fazer-se notar. Os melhores pathologistas affirmam até que nos casos em que a inflammação cardíaca não é complicada de pleurite, não ha nunca uma verdadoira dôr da parte do doente. O que éincontestavel, é que das phlegmasias do coração a que mais vezes traz a dôr é a pericardite, sendo aendocardite aquella em que esse phenomeno é menos intenso e falta mais vezes. Este facto, não posto em duvida mesmo pelos auctores que consideram a dôr como sym- ptoma proprio á cardite, é bastante singular quando se pensa que, se- gundo os dados fornecidos por Cyon, os nervos sensitivos devem existir em maior quantidade no interior das cavidades cardíacas, onde o san- gue possa exercer acção mais directa sobre elles, que assim provocarão, por intermédio do nervo moderador cardíaco, a depressão na circulação e o esvasiamento das cavidades, quando estiverem muito cheias. 33 Accresce que injecções de líquidos irritantes têm sido feitas no sacco pericardico, sem que tenham provocado as dores agudíssimas que deviam causar. Em 1855 Aran relatou á Academia de Medicina de Paris, que em um rapaz de 20 annos fizera a puncção d'um derramen pericar- dico e depois uma injecção iodada (15 gram. de tinctura d'iodo para 50 d'agua). « A injecção nem foi sentida ! diz maravilhado o dr. Aran. Não obstante, porém, estes e outros factos analogos, diz-se que o pericárdio possue uma sensibilidade em alto grau desenvolvida, e tenta-se proval-o, allegando a dor intensa que acompanha a pericardite ! Mas, quando tratarmos desta moléstia, havemos de ver que a dôr, surda ou forte, que então se nota, pertence não á pericardite, mas u pleuresia, que a complica muitas vezes. Somente nos casos de nevralgias do coração, especialmente na angina, pectoris, é que se mostra uma dôr vivíssima, que antigamente não se attribuia ao coração, e que hoje é geralmente localisada nesta víscera. Dizem auctores de grande peso que somente na angina ão peito é que são affectados os ramos nervosos cranianos que se distribuem no coração: em todos os mais casos em que este orgão é a séde de uma dôr muito surda, indeterminada, o caracter especial da sensação faz crer que seja affecta- do somente o systema do grande sympathico. Em resumo : pode-se dizer que a sensibilidade do coração é muito obtusa, a ponto de ser negada por alguns auctores, entre os quaes so- bresae Auburtin, e que ella se manifesta de modo apreciável somente em casos pathologicos especiaes. Vé-se, pelo que ahi fica exposto, quanta difficuldade e quanta incer- teza reinam ainda no estudo das condições da innervação do coração. Mas, deixando de parte esse estudo, que, imperfeito como está, mais tarde terá sua utilidade, vamos entrar no que é propriamente o objecto da segunda parte deste trabalho ; vamos estudar, embora per- functoriamente, os movimentos do coração e os factos delle resultantes. MOVIMENTOS DO CORAÇÃO Sob a influencia, mal determinada ainda, do systema nervoso, o cora- çao executa movimentos contínuos, dos quaes uns effectuam-se na sua totalidade, e são apreciáveis atravez da parede thoracica, e outros 34 executam-se em seus diversos compartimentos, em suas valvulas e par- tes attinentes, e se não pódem ser conhecidos pela observação directa, póde a sua existência ser logicamente deduzida da disposição anatómica dessas partes e da interpretação razoavel dos factos physiologicos e pathologicos. Estudaremos, pois, os movimentos do coração dividindo-os em movi- mentos externos e internos. l.° Movimentos externos - Deixando de parte o facto das deslo- cações do coração por causas extranhas ás funcções do orgâo, tratare- mos aqui sómente dos movimentos que elle executa por força de sua actividade própria. Vimos que o coração representa uma bomba dupla, em communicação com duas ordens de vasos: as veias e as artérias: a bomba do lado direito recebe o sangue das veias, expelle-o para os pulmões, donde volta elle, depois de hematosado, á bomba esquerda, que o lança para o organismo. Vimos também que cada ametade do coração é composta dc duas cavidades; uma situada na base da viscera, e a outra inferior á primeira. Esta, a auricula, recebe antes da outra o sangue que o cora- ção deve transmittir, quer para os pulmões (auricula direita), quer para o systema vascular geral (auricula esquerda). A cavidade inferior, ou ventriculo, recebe da auricula uma quantidade determinada de sangue, e a envia, quer á circulação pulmonar (ventriculo direito), quer á grande circulação (ventriculo esquerdo). Desde as primeiras manifestações da existência individual ate o seu momento ultimo, cada uma das cavidades do coração é a séde de dous movimentos oppostos e alternativos: a contracção e a dilatação. Do pri- meiro movimento, chamado systole, resulta a expulsão do sangue; durante o segundo, a diástole, tem logar a repleção da cavidade. Em um c outro lado do coração as contracções e dilatações das cavidades homologas são isochronas (*): em ambos os lados, os movimentos similares das cavi- dades superiores e inferiores são alternados. A mesma serie de movimentos repete-se regular e constantemente em intervallos determinados e mui curtos. O curso duma serie completa de (•) O conhecimento (Veste isochronismo é <le grande importância, porque permltte, quando se quer estudar os movimentos cardíacos em si mesmos, considerar o coração duplo como um cora- ção simples. movimentos constitue o cyclo dos movimentos, batimento, pancada ou revolução do coração, a qual é justamente igual ao tempo que decorre entre duas pulsações sensiveis d'uma artéria. A ordem em que se suc- cedem os movimentos chama-se rhytlimo dos movimentos cardíacos. Vejamos agora como se faz uma revolução completa do coração. É indifferente começar o estudo desta questão por um ou por outro dos factos isolados que constituem o batimento cardíaco ; qualquer que seja o ponto de partida que tomemos, havemos de tornar a elle, e então o cyclo estará percorrido. Todavia, como a coutracção da aurícula deve naturalmente preceder a do ventrículo, pois tem por fim fazer a reple- ção deste, condição necessária para o seu funccionamento regular (*), nós, para maior precisão do estudo, e seguindo o conselho de Chauveau e Faivre, partiremos da systole auricular. Em cada revolução cardíaca, um momento ha em que o orgão todo se acha em repouso absoluto ; é o estado da diástole geral, ou pausa do coração. Dá-se então a coutracção repentina da aurícula, a qual em certos indivíduos revela-se por uma pequena ondulação na região do thorax correspondente á base do coração. (Comprehende-se que, segundo as relações mantidas pelo coração com as partes circumvisinhas, as ondulações da aurícula esquerda serão pouco perceptiveis, ao passo que se-lo-hão muito as da aurícula direita.) Quasi immediatamente começa a systole ventricular, que é revelada exteriormente pelo levantamento do quinto espaço intercostal. Segue-se depois a diástole geral do coração, finda a qual recomeça o jogo das aurículas e dos ventrículos, Maurice Raynaud (**) formula do modo seguinte a lei geral do rhy- thmo dos movimentos cardíacos e da duração de cada um delles : « Uma revolução cardíaca comprehende dous períodos, um d'activi- dade e um de repouso. No período d'actividade se vê succederem-se a coutracção da aurícula e a diástole do ventrículo, que são isochrohas ; depois a systole ventricular, que alterna com o tempo precedente e que faz-se acompanhar do choque do coração contra o peito. No periodo de repouso ha relaxamento completo do coração, affluxo de sangue para suas cavidades pelas veias que desembocam nas aurículas, e jogo das 35 (•) No dizer de Haller a systole auricular representa a roda d'escape do mechanlsmo do coraçao. (**) Art. Ç<xut du Dictlon. de méd, et chlr, prat. de Jaccoud. 36 valvulas sigmoides arteriaes. O periodo d'actividade e de repouso têm duração sensivelmente igual: se, por exemplo, o pulso marca um se- gundo (no homem), o coração move-se durante um meio segundo e des- cança igual tempo ; no meio' segundo de actividade, a contracção auricular leva pouco mais de um decimo de segundo, e a do ventriculo cerca de quatro décimos. » Estão de accordo com esta divisão as mensurações de Landois e Lu- tou. A medida apresentada por Jaccoud (*) e Friedreich (**) pouco differe da divisão de Raynaud. Ligando demasiada importância á musculatura e força contractil da aurícula, Beau divide assim o cyclo dos movimentos cardíacos : 1. tempo : Systole auricular, dilatação, repleção e logo contracção do ventriculo 2. tempo : diástole da aurícula e systole do ventriculo ; 3. tempo : fim da diástole auricular, da systole ventricular e repouso dos ventrículos. Mas, digamos uma vez por todas, as idéas de Beau acerca das func- ções do coração resentem-se de um certo atrazo do auctor no que diz respeito á anatomia do centro propulsor do sangue. Assim, ellas têm hoje curso muito limitado. Adoptando os resultados apresentados pelos auctores em primeiro lo- gar citados, podemos distinguir tres tempos n'uma revolução cardíaca : 1. tempo - Systole da aurícula e diástole do ventriculo ; 2. tempo - Systole do ventriculo e diástole da aurícula ; 3. tempo - Pausa ou repouso do coração, e no fim deste tempo, con- tracção das aurículas. O tempo de descanço de coração é, pois, igual ao durante o qual elle trabalha. Essas alternativas de repouso e trabalho são necessárias e provi- denciaes. Cada contracção traz a exhaustão da força contractil do musculo cardíaco; cada repouso dá-lhe o tempo para adquirir nova po- tência. Se o coração não descançasse depois de cada contracção, cessaria de bater, e aniquilada estaria a vida. E o que vemos nos casos em que o enfraquecimento das paredes cardíacas, consequente á sua degeneração (*) Leçons de clinique faltes à 1'hôpital de la Charlté. Paris, 1869. (**) Traité des maladica du çceur, traductiou des drs. Lorber tt Doyon, Parts, 1873. ou á miséria de sua nutrição, conduzem ao estado desde o tempo de Beau chamado asystolia. A systole dos ventrículos ó um movimento activo do coração (*) ; a diástole, porém, é um facto passivo, dependente de circumstancias diver- sas, como sejam: o relaxamento puro e simples das paredes ventricula- res, sem esforço muscular; a systole das auriculas e. como causa indi- recta, a retractilidade pulmonar, fazendo vezes de potência diductora. Quanto ao papel das auriculas, alguns auctores, como Barry, Brodie, Ilope e d'Espine, negam a sua influencia na repleção dos ventrículos, a qual póde effectuar-se, dizem elles, pela tensão venosa nos aífluentes do coração. Mas, para tirar-se o fundamento a esta opinião, basta lembrar- se a estructura musculosa da parede auricular. Comtudo, resta ainda por decidir esta questão : A contracção auricular é destinada a expellir para o ventrículo toda a onda sanguínea, ou sómente parte d'ella ? Aqui começam as dissidências que á respeito da cardio-physiologia existem entre Beau e a maior parte dos physiologistas. Hoje, porem, se póde admittir como certo que a contracção auricular não c tão com- pleta como a imaginava Beau : posto que energica, ella ó tão rapida, incompleta e pouco duradoura, que não c possível uma evacuação total. A anatomia comparada, a delgadez das paredes auriculares e as medi- das manometricas auctorisam-nos a dizer que o papel das auriculas no funcciouamcnto do coração é muito secundário. Segundo Ludwig, o papel principal das auriculas é tornar a cavidade ventricular independente da pressão sanguínea no systema venoso e pro- duzir a occlusão das valvulas atrio-ventriculares : e sua contracção só faz completar a repleção do ventrículo, no qual o sangue tem caido, du- rante o repouso do coração, pelo grande orifício auriculo-ventricular. Uma outra questão importante relativa á systole auricular, é-se nas contracções normaes da aurícula todo o sangue evacuado d'essa cavi- dade penetra no ventrículo, ou se parte d'elle reflúe para veias que n'ella terminam. Skoda se manifesta muito positivamente contra esta ultima hypo- these, por julgar que o curso do sangue venoso para o coração não é 37 (*) A forma da contracção systolica <5 a mesma da contracção dos musculos ordinários, só- mente durando cerca de dez vezes mais. 38 impedido em momento algum da actividade cardíaca, faz-se com igual rapidez durante a systole e durante a diástole das aurículas. Esta opinião, porem, tem sido contestada por Baumgarten, Hamernyck, Waschmuth e outros auctores, que allegam que durante o repouso do coração ha um obstáculo, inda que passageiro, ao escoamento do sangue das veias c accrcscentam ser difficilmente possível que nas contracções da aurí- cula, as quaes, como demonstrou Ernst, são mais poderosas do que a força com que o sangue venoso aflflúe para a cavidade, não haja um momento em que um pouco de sangue reflúa para as veias. « Todavia, diz Friedreich (*), essa porção de sangue refluente pode, pela imperfeição e rapidez das contracções auriculares, ser muito dimi- nuta e recebida pelas veias cavas, sem que normalmente o refluxo se faça notar nas veias do pescoço, produzindo nellas a pulsação. » Acompanhando as contracções do coração, diversos outros movimen- tos externos dão-se na totalidade desse orgão : mudanças em seu volu- me, rotação em torno do seu eixo longitudinal, e seu abaixamento. Mui- tos auctores admittem uma projecção do coração, dando logar ao phenemeno chamado choque precordial. Examinaremos mais tarde c era separado esta questão. Quanto ás mudanças no volume do coração, segundo as diversas phases de seus movimentos, está hoje fóra de duvida, segundo mensu- rações de Ludwig, que durante a systole essa viscera se encurta cm todos os seus diâmetros, excepto no antero-posterior, que augmenta emquanto persiste a contracção, mas que no fim desta diminue também. Durante a diástole todo o coração se alonga. A torsão do coração em roda de seu eixo, chamada também movi- mento spiroide, ó um facto conhecido desde Harvey, c confirmado por Haller, Verneuil e outros. Esse movimento se faz durante a systole, da direita para a esquerda ; de maneira que uma parte considerável do ventriculo esquerdo torna-se anterior. Durante a diástole o coração volve-se em sentido inverso, para tornar á posição que occupava du- rante o repouso. Numerosas observações feitas sobre o homem por eminentes auctores, entre os quaes Skoda, Ernst, Prickhoffer, e Gerhardt, e sobre animaes por Donders, Koelliker e Bamberger, converteram em um facto positivo a idéa d'um abaixamento do coração durante a systole ventricular. (*) Op, cit, 39 Em todos os movimentos de que acabamos de fallar, o coração se con- serva sempre encostado á parede thoracica; e este facto é bem digno de nota, pois tem uma influencia decisiva sobre as theorias destinadas a explicar o phenomeno do choque precordial, de que havemos de occupar- nos dentro em pouco. 2.° Movimentos internos - Estes movimentos, que correspondem ás diversas phases da evolução cardíaca, têm por fim dirigir o curso e regu- lar a distribuição do sangue. Quando as aurículas se contrahera, impellem o sangue para duas direc- ções : d'um lado, paia as veias ; cio outro, para os ventrículos. Do lado das veias ha uma resistência ao refluxo, produzida principalmente pela massa do sangue que se dirige para o coração ; da parte dos ventrículos não ha resistência ; comprehende-se, pois, como o sangue deve passar para estas cavidades, se não todo, ao menos na sua maior parte. Quando os ventriculos se contrahem por sua vez, as valvulas que os separam das aurículas fecham-se pela pressão do sangue, cujo retrocesso ellas impedem, ao passo que se abrem as valvulas sigmoides, dando ao sangue saida pa-ra as artérias. Vejamos como as valvulas do coração fecham os orifícios ventriculares a ponto de impossibilitar, normalmente, o refluxo do sangue - quer para a aurícula, quando elle está no ventrículo, - quer para esta cavidade, quando elle está na artéria correspondente. No estudo deste phenomeno, a que Skoda attribue muita simpli- cidade, acompanharemos a Baumgarten, Purkinje, Nega, Kúrschner e Friedreich, em suas bellas investigações. Na diástole ventricular, á proporção que o ventrículo vae recebendo o sangue que para elle afflue da aurícula, sob a pressão normal, as membranas valvulares começam a levantar-se, porque sendo muito leves tendem a nadar no liquido, formando um funil circumdado de san- gue e cuja base é representada pelas inserções valvulares. Em cada valvula a porção central é abobadada para o meio do ventrículo, mas os bordos ficam voltados para as paredes ventriculares e os tendões in- sertos no bordo livre da valvula continuam frouxos. Tsto se dá imme- diataniente antes da systole auricular. Logo que esta começa e impelle uma certa porção de sangue para o ventrículo, este se dilata, e suas paredes afastando-se, distendem toda a valvula, tornando-a horisontal e desenrolando-lhe os bordos. 40 Principia a systole ventricular. Então, as valvulas são rapidamente po- stas em estado de considerável tensão, já pela pressão do sangue de- baixo para cima, já pela contracção dos musculos papillare», cujo en- curtamento progressivo repucha de tal modo para baixo, isto é, para o interior do ventrículo, a valvula fechada, que, continuando a pressão sanguínea a ter applicados os bordos valvulares sobre a circumferencia do orifício venoso, forma-se um cone ôco, um verdadeiro funil, com o vertice para o ventrículo, em cuja cavidade é recebido o sangue que vae caindo na aurícula. Esta disposição, que é consequência da disposição dos cordões tendi- nosos das valvulas auriculo-ventriculares, nos dá a razão de ser de muitos factos, que até ha pouco tempo não tinham explicação satisfac- toria. O sangue contido no ventrículo durante a systole não é comprimido somente pelas paredes ventriculares que se conchegam; o é também pelas denteações das valvulas, que o forçam a mover-se para o orifício arterial, onde encontra menor resistência sua saida, e que assim lhe dão ao curso a direcção conveniente. (*) Alem disso, a disposição em funil per- mitte que o sangue que vae affluindo das veias para a aurícula conser- ve uma corrente continua, e não soffra uma stagnação devida á systole. Demais, esta disposição explica porque, sem contrahir-se até ao ponto do fazer desapparecer sua cavidade, o ventrículo pode expellir de si todo o sangue que contem. Finalmente, sem ella tornavam-se inúteis as grandes dimensões da valvula relativamente ao diâmetro do orifício que ella deve obturar. Terminando a systole ventricular, cessam as contracções dos múscu- los papillares e a força que ofunila a valvula venosa. Pela contracção da aurícula o sangue abre o funil valvular, penetra de novo no ventrí- culo e á proporção que este vae se enchendo, a valvula vae de novo na- dando na superfície do liquido, e logo recomeça o jogo que acabamos de descrever. Menos complicado é o movimento das valvulas artérias. A contracção do ventrículo tem a vencer não só o peso da columna ventricular, (**) como o peso, ainda maior, da columna sanguínea arte- (*) A direcçao que apresentam as fibras musculares <Jos-ventrículos, o ponto de apoio que ellas tomam nas zonas fibrosas dos orifícios auriculo-ventrlculares, e a solidariedade que as une no mesmo esforço, concorrem para attrahir a massa do sangue para o orifício que deve dar-lhe salda. (**J Wolkmann calcula em 175 grammas o peso da massa de sangue introduzida na aorta a eada svxtole ventricular. Isto dá uma Jdéa da força muscular dos ventrículos. 41 rial que descança sobre as valvulas sigmoides (*), como ainda a ela- sticidade das paredes arteriaes. Mas estes obstáculos são vencidos pela força da systole, e o sangue impellido pelo ventrículo abre as valvulas semi-lunares. Relaxando-se, porém, o ventrículo, cessa a pressão de baixo para cima, e a porção de sangue contida nas artérias tende, pelo proprio peso c comprimida pela elasticidade arterial, a voltar para o ventrículo ; mas fica presa nos bolsos das valvulas arteriaes, que, recebendo a pressão de cima para baixo, dilatam-se, encontrando-se e comprimindo-se re- ciprocamente por seus bordos. D'estc modo, continuando a acção da força elastica arterial, o sangue procura a direcção da menor resistência, isto é, - segue o trajecto da artéria. CHOQUE PRECORDIAL Dentro das raias da normalidade, a inspecção, a palpação, e melhor- mente a escutação, percebem n'um certo ponto do 4." e ás vezes do 5.° espaço intercostal esquerdo, um pouco para dentro e para baixo do mamillo, a elevação rhytlimica desse ponto, devida, necessariamente, aos movimentos do coração. Esse phenomeno foi por muito tempo considerado e ainda hoje o é geralmente, como o resultado de um choque ou pancada da ponta do co- ração sobre & região precordial-, d'ahi o nome, que se lhe deu - de choque precordial, designando-se o effeito pelo nome da supposta causa producto- ra. Dentro em pouco examinaremos a veracidade da explicação. O levantamento ou impulsão precordial se faz em uma area de 2 a 3 centímetros quadrados, comparável, em extensão, ao tamanho de uma unha (**); é breve, começa e acaba subitamente, levantando levemente o dedo que se collocar no ponto correspondente; é mais apreciável nos me- ninos e nos indivíduos magros do que nos adultos e nas pessoas gordas, bem como em certas mulheres de mammas desenvolvidas; torna-se mais sensível na posição vertical do tronco, ainda mais se elle estiver incli- nado para afronte, ou, o que será melhor, para o lado esquerdo: em (*) É considerável a resistência das valvulas signioides, porque sustentam nina columna rxugulnes cujo peso é avaliado em 1700 grauimas. (**) Bacio - Trai té de dlagnostlc médical Pari.-, 1854 - #46. 42 qualquer destes dons casos, a sua séde torna-se ao mesmo tempo mais descida ou inferior em relação á séde mais commum; finalmente, a sua força e a sua séde podem variar com os movimentos respiratórios: por exemplo, durante a expiração, o diaphragma se arqueando levanta o co- ração, e, pois, a impulsão prccordial será em um ponto mais elevado; durante a inspiração, quando os dous pulmões, enchendo-se de ar, adi- antam-se por seus bordos para a face anterior do coração, cobrindo-a em maior extensão, a força ou intensidade do choque diminue. É preciso conhecer-se bem todas essas condições de variabilidade de um phenomeno cuja observação serve de muito no diagnostico, simples ou diíferencial, das organopathias do coração. Não discutiremos a questão de saber-se com qual das phases de uma revolução cardíaca, a systole ou a diástole das cavidades, coincide a im- pulsão do coração, esse ictus cordis. A questão está hoje sabiamente julgada, e foi em vão que Corrigan, Stokes, Burdach, Baumgartner, Pigeaux, Beau, Verneuil e outros, afa- digaram-se por demonstrar ser esse phenomeno, para elles devido á sy- stole auricular, coincidente com a diástole dos ventrículos: foi baldado o intento de Beau defendendo pertinazmente pela imprensa ou no seio da Academia de Sciencias de Paris uma tal opinião; porque contra ella protestavam e protestam o iso- hronismo da impulsão cardíaca com as pulsações das artérias mais visinhas do coração; a lentidão da repleção auricular contrastando com a rapidez, a instantaneidade, do levantamento precordial; a fraca consistência da parede auricular durante a systole, já observada por ílarvey e mais recentemente posta em evidencia por Ernst, que fez observações directas na pessoa do famoso hamburguez Groux, e fina]mente, a pouca força com que o sangue cae das auriculas nos ventrículos durante a diástole destas cavidades. Actualmentc o consenso quase unanime dos melhores auctores é para fazer coincidir o choque precordial com a systole ventricular, e ligar aquelle a este phenomeno. Apreciemos agora o mechanismo por meio do qual se effectua o levan- tamento do 5.° espaço intorcostal. Já teve muita voga uma theoria, emittida primeiramente por O'Brian, depois por Gutbrod (*), e calorosamente adoptada por Hiffelsheim e (*) Segundo Herbert Davies (Lectures on the physieal dlagnosis of the lunga and the haart.- London,1854 - 248), esta theoria pertence ao dr. Alderson, que apresentou-a eml 82 J no «Quar- terly Journal of Science». Skoda, segundo a qual dá-se no choque do coração o mesmo phenomeno que nas armas de fogo por occasião do tiro, - o recuamento. Quando os ventrículos se retrahem, a pressão exercida pelo sangue sobre a parede opposta ao orifício de saida produz um movimento no sentido opposto á abertura do escoamento, e assim produz-se o choque precordial. Mas numerosas objecções tem-se feito a esta theoria, ás quaes ella não tem podido resistir. Aqui apresentamo-las, em resumo: 1?- Como fazem notar J. Miiller e Kiirschner, no coração a parede que, segundo Skoda, soffre a pressão do sangue, é a mesma que energi- camente se contrahe para expelli-lo; e então, quando muito, só se poderá conceder que a pressão seja equilibrada pela contra-pressão. 2.a-Á ponta do coração não é a parte deste orgão que fica directamente opposta ao orifício arterial de cada ventrículo: e, pois, a querer-se admittir a theoria de Skoda, o choque devia ter logar na face inferior do coração, um pouco lateralmente para a esquerda, no ventrículo esquerdo; um pouco para a di- reita, no ventriculo direito: e, então, as duas pressões compensar-se-hiam, e o recuamento do coração devia ser para baixo, sobre o diaphragma. 3? - A ponta do coração não fazendo angulo com a parede thoracica, mas sendo-lhe quaseparallela, não pode, por maior que seja a sua força de re- cuamento, bater de encontro ao thorax. 4.a- Chauveau mostrou, por ex- periências feitas sôbre burros, que ligadas as veias cavas e comprimidas as artérias aorta e pulmonar, continua a dar-se o choque systolico, não de- vendo ter logar o recuamento. 5.a-Finalmente, o que destroe totalmente a theoria de Skoda, é a observação de Friedreich, que em alguns casos de hypertrophia do coração se nota o choque ou impulsão deste orgão em uma serie de espaços intercostaes superpostos. Ha uma outra theoria, que á primeira consideração parece razoavel: é a que attribue á impulsão systolica o choque precordial. Mas é de observação que tanto na systole como na diástole, o coração fica juxta- posto á parede thoracica; e tanto um como outro movimento não poderia dar-se, sem que tivéssemos uma sensação subjectiva, do mesmo modo que, segundo a bella comparação de Kiwisch, a mãe sente no utero os movi- mentos do filho. A opinião de Bouillaud é apenas uma modificação da precedente : para elle o choque thoracico é devido ao levantamento systolico da ponta do coração. Mas, nós já vimos que se póde perceber o choque do coração em uma superfície mais extensa do que a ponta d'este orgão. 43 44 Demais, Kiwisch e Hamernyk estabelecem como certo que a ponta do coração não corresponde normalmente ao ponto do 5.° espaço intercostal em que se nota o choque precordial; e quando estudamos as relações d'este orgão, vimos que ella corresponde á 6." cartilagem costal, sendo coberta por uma lingula do nulmão esouerdo, que certamente amortece- ria muito o rlioqua. Para não prolangarmos demasiado a discussão sobre este assumpto, declaramos acceitar como razoavel, a theoria emittida por Fr. Arnold, acceita depois por Kiwisch, mais tarde por Chauveau e Friedreich e mais modernamente ainda, por Jaccoud. Já dissemos que durante qualquer das phases de seus movimentos o coração está sempre encostado á parede anterior do thorax. Se durante a systole elle torna-se duro, esta mudança de consistên- cia não poderia ser percebida se não existisse o augmento, que já fizemos notar, do diâmetro antero-posterior, permittindo que e coração levante as partes molles e pouco resistentes da parede thoracica. Se normalmente este levantamento se dá em um ponto limitado do 5.° espaço intercostal, apezar do endurecimento systolico ser muito ex- tenso, é isso devido ás relações do pulmão e do coração precedentemente descriptas: pois é mui claro que o ictus cordis só poderá ser bem per- cebido n'aquelles pontos da parede thoracica em quc*não houver entre ella e o coração alguma lamina de tecido pulmonar contendo ar, ou n'aquelles que forem rigidos e incapazes de ceder á pancada do coração, ou, ainda, quando os espaços intercostaes não forem bastante largos para cederem de modo apreciarei á impulsão cardíaca. Ora, estas condições negativas encontram-se todas na parte do thorax correspondente ao co- .ração. Capaz de ceder ao impulso do coração, somente é o 5.° espaço inter- costal esquerdo, desde o bordo sternal até ao mamillo. Acima deste ponto estão a 5.* cartilagem costal e uma parte do pulmão esquerdo; abaixo delle a 6." cartilagem, que corresponde á ponta do coração; á esquerda o pul- mão; a direita o steruo ; e tudo isto impede que se estenda muito a sen- sação do impulso cardíaco. O 5.° espaço intercostal se estreitando para o lado interno, só pode ser levantado fórada linha mamillar. Este modo de explicar a producção do choque precordial no estado physiologico é muito applicavel ao estado morbido. Nas retraeções do bordo pulmonar esquerdo, ou nas hypertrophias cardíacas, nas quaes o 45 pulmão é recalcado, o phenomeno em questão deve de ser bem perceptivel em muitos espaços intercostaes superpostos. Correspondendo a ponta do coração á face posterior da 6.a cartilagem costal, claro está que o ponto do thorax em que se nota ordinariamente o choque precordial deve corresponder ao ponto mais elevado da face anterior da viscera, ou do ventrículo esquerdo. Como se acaba de ver, a explicação, que acceitamos, do levantamento systolico do 5.° espaço intercostal torna imprópria, mesmo no sentido fi- gurado, a denominação que se deu a esse facto: não ha um choque do coração sobre a região precordial; ha somente uma impulsão da parte mais elastica dessa região, em virtude do augmento súbito do diâmetro antero-posterior do coração e do endurecimento deste orgão sempre en- costado á parede thoracica. Não tendo, porem, a pretenção de corrigir a terminologia da sci- encia, em que somos pouco mais que hospede, usaremos uma ou outra vez da expressão choqueprecordial, embora seja ella mal cabida. A sciencia é muitas vezes subjeita a essas incoherencias, consagra- das pelo tempo e pelos mestres, as quaes devemos respeitar, e não to- car sacrilegamente. RUIDOS 1)0 CORAÇÃO « A percepção dos ruidos e pulsações do coração, diz o dr. Felix An- dry (*), data, sem duvida alguma, do proprio berço da humanidade. « Desde que o primeiro esposo descançou a cabeça sobre o seio de sua esposa, ponde ouvir esse tic-tac continuo e regular da principal mólade nossa economia ». Não pareça, entretanto, que os ruidos do coração fossem bem conhe- cidos, bem analysados em seus caracteres distinctivos, bem estudados pelos physiologistas antigos, como o têm sido modernamente. É que para conhecer-se bem os ruidos do coração, differença-los entre si, não basta ouvir, é mister escutar e saber ouvir. Preenchida esta condição e applicando-se o ouvido á região precor- dial, percebem-se regularmente de 60 a 80 vezes por minuto, dous (*) Recherches bui- le coeur et le foie consideres aux poiuti» de vue littéraire, módlCo-hirtori. «iue, «ymbolique, etc. - Paris, 1858 -, 31. 46 ruidos distinctos e successivos, separados por um intervallo curto e aos quaes segue-se um momento de silencio, para depois reproduzirem-se na mesma ordem. D'esses ruidos o que primeiro nos impressiona é surdo, profundo, forte e prolongado, coincide com o levantamento systolico do 5.° espaço intercostal; é, portanto, synchrono com a systole: o segundo, que se nota depois do pulso radial, é secco, claro e superficial em relação ao outro; assemelha-se mais a um estalo, do que a um ruido de pancada ou choque, como o primeiro, que é sonoro. O tom do primeiro ruido fez dar-se-lhe a denominação de ruido surdo-, o do segundo, a de ruido claro ; e como se notasse que o máximo d'in- tensidade do ruido surdo é percebido, no thorax, dois a tres centímetros acima do logar correspondente á ponta do coração, ao passo que o do segundo o é no nivel da 2.° articulação costo-sternal esquerda, con- veiu-se em denominar a este - ruido superior, áquclle - ruido inferior. A coincidência do pimeiro ruido com a contracção e do segundo com a dilatação dos ventriculos, mereceu a este o nome de ruido diastolico, e áquelle o de ruido systolico. A successão d'esses ruidos imita, segundo os auctores francezcs, o tic-tac d'um relogio de parede. O par de ruidos com as pausas intermé- dias constituem o que se chama batimento ou pancada completa do co- ração. A ordem com que succedem-se os batimentos chama-se rhythmp dos ruidos. Qual a relação existente entre os ruidos e os movimentos do coração ? Sem demorarmo-nos na discussão d'este ponto, sómente diremos que, segundo .Taccoud (*), a revolução completa do coração póde ser dividi- da em tres tempos iguaes, tanto em relação ás phases do movimento, como cm relação aos ruidos, d'este modo : Primeiro tempo : Primeiro ruido, coincidindo com o primeiro tempo dos movimentos (systole ventricular). {Segundo tempo-, d) Curto intervallo do primeiro ao segundo ruido {pequeno silencio), coincidindo com a persistência da contracção ven- tricular ; b) segundo ruido, coincidindo com a cessação repentina da systole e começo da diástole, do ventrículo. Terceiro tempo : Intervallo do segundo ao primeiro ruido, (grande (♦) Op. cit. 47 silencio), coincidindo com o relaxamento completo dos ventrículos, e a systole auricular. Como ha tres tempos no cyclo motor do coração, é claro que a cada um d'elles não póde corresponder um dos dous ruidos ; entre es- tes, pois, e os tempos dos movimentos não póde haver coincidência completa. E como o primeiro ruído abrange todo o primeiro tempo e o grande silencio corresponde a todo o terceiro tempo dos movimentos' restam o segundo ruido e a pausa que o precede para serem distribuí- dos pelo segundo tempo. Cada um d'esses tres tempos póde ser representado por uma figura musical uniforme, a seminima, com esta differença ; que a seminima do segundo tempo dos movimentos decompõe-se em uma colcheia, que representa o segundo ruido e na pausa que lhe é relativa, correspon- dendo ao pequeno silencio. A seminima do terceiro tempo do cyclo mo- tor é representado no cyclo dos ruidos pela pausa correspondente, re- presentando o grande silencio. Dividindo em seis partes o tempo de duração d'uma pulsação com- pleta do coração, como fez Jaccoud, o primeiro ruido occupa um terço do tempo ; o pequeno silencio um sexto ; o segundo ruido um sexto, o grande silencio um terço. A maior ou menor frequência das pulsações cardíacas, variavel con- forme diversas condições physiologicas, fazendo variar a relação entre os ruidos c as pausas que lhes suçcedem, diminue o valor dos cálculos e da notação musical acima apresentados. Como se produzem os ruidos do coração ? Questão é esta que desde Laennec ha preoccupado a todos os physio- gistas e sobre a qual, entretanto, a seiencia não pronunciou-se ainda de modo peremptório. No campo da discussão muitas theorias, mais ou menos habilmente sustentadas, plantadas umas sobre as ruinas das outras, hão surgido a disputarem-se a excellencia. Mas, das lactas renhidas que se têm tra- vado entre os mais distinctos physiologistas, do embate de tantas in- telligcncias privilegiadas, não irradiou-se ainda a luz brilhante que deve illuminar esse ponto importantíssimo da cardio-physiologia, escla- recer os espíritos sedentos de saber, e, d'envolta com o prazer que dá a curiosidade satisfeita, trazer-lhes o conhecimento da verdade. Apresentar aqui todas as explicações que têm apparecido relativas ao modo de producção dos ruidos cardíacos, seria revistar, com per- da 'injustificável de tempo e espaço e sem proveito para o desenvol- vimento ulterior do nosso ponto, uma longa serie de erros e absurdos, que hoje só encontram logar na historia da medicina ; discutil-as, seria recordar o choque reciproco de nomes venerandos ou ruidosos, e de concepções brilhantes para os tempos em que seus auctores atiram-n'as aos combates das idéas, mas que hoje dormem, na generalidade, o somno pacifico do olvido. Não tomaremos aos hombros uma tarefa improba, e a cujo desempe- nho se oppõe o sabio principio do mavioso cantor dos Metamorphoses : « Nisi utile est quod feceris, stulta est gloria ». Assim, pois, esquivando-nos a fazer uma apreciação comparativa das theorias até aqui emittidas sobre o assumpto em questão, sómente di- remos que o resultado da apreciação collectiva das mais dignas de at- tenção é que, permitta-se-nos a liberdade, nenhuma d'ellas se acha nas condições de satisfazer cabalmente o espirito curioso de penetrar no mysterio do mechanismo dos ruidos cardíacos. Todavia, na contingência de acceitar, dentre tantas, uma tneoria que ao menos provisória ou parcialmente nos dê a solução desejada, e que nos auxilie na exposição e na discriminação dos factos morbidos que de- vemos estudar, nós vamos, balbuciante, é verdade, - pronunciar-nos sobre a escolha, basêando-a na preferencia que merece aquella explica- ção que seja egualmente applicavel ao estado physiologico e ao estado pathologico, e comprchenda o maior numero de phenomenos deste ultimo dominio. Quanto á justificativa da opção no que nos é pessoal, temo-la nas se- guintes palavras de um sabio moderno, Velpeau: « Formam as sciencias uma vasta republica, onde a cada um assiste o direito de inquirir, in- vestigar, ter suas opiniões e dizer o que pensa. » Usando do nosso direito com toda a reserva, diremos que cada ruido do coração é um phenomeno complexo, devido aumconjuncto de causas numerosas e differentes, actuando simultaneamente. Por não reconhe- cerem esta verdade, ja proferida por Barth e Roger (*), é que os phy- siologistas antigos divergiram de modo tão notável quanto ás causas a que devessem attribuir esses ruidos; por ligarmos-lhe toda a importância, é que não podemos acceitar, por exclusivista e deficiente, a theoria de 48 (*) « Traíté pratique d'aysoultatlou » ; - Paris, 1870 - 323. 49 Rouanet (*), tal e qual formulou-a o sen auctor, com quanto seja ella a mais geralmente adoptada. Conforme aos nossos princípios, vamos expor a theoria da desassociação dos ruidos apresentada por Skoda, e ligeiramente modificada por Jac- coud; theoria que julgamos acceitavel no que diz respeito aos factos, mas que no que é relativo á interpretação delles - nos parece precisar, para sua admissibilidade, de modificações ainda mais profundas do que as de Jaccoud, indispensáveis em vista do que sabemos acerca dos mo- vimentos do coração. Segundo a theoria a que acabamos de referir-nos, oito ruidos di- stinctos, produzindo-se em oito pontos differentes, formam, por sua co- incidência ou combinação quatro a quatro, os dous ruidos que normal- mente podem ser ouvidos em qualquer ponto da região precordial. (**) Desses oito ruidos, quatro se passam durante a systole e quatro du- rante a diástole: e em cada uma das phases da evolução cardíaca um ruído se dá cm cada ventrículo e um em cada artéria. O 1." ruido ven- tricular e o l.° arterial, duplos e isochronos, formam o ruido systolico do coração; o 2.° ruido ventricular e o 2.° arterial, também duplos e synchronos, constituem o ruido díastolico. Esses ruidos desassociados são perfeitamente audíveis gous à dous em pontos determinados da região precordial. (***) Desses pontos, em numero de quatro, dous correspondem á ponta e dous á base, do coração. Os dous pontos fixos da base, estão ambos no 2.° espaço intercostal, um de cada lado do bordo sternal; o do lado direito corresponde ao orifício aortico e o do lado esquerdo ao orifício pulmonar. Dos pontos fixos da ponta, um, correspondente ao orifício mitral, esta sobre o trajecto da vertical que passa pelo mamillo esquerdo e no 5.° es- paço intercostal ou 6.a costella, isto é, no logar em que se dá o maior (*) A theoria do estalo valvular foi apresentada por (larlswel antes de so-lo pelo dr. Rouanet, cujo nome, entretanto, é o que figura, talvez por tor sido o physiologlsta francez quem a de- fendeu mals fortemente contra os ataques de Beau. (**) Segundo Skoda, são nove os ruídos, contando-se o produzido pelo choque precordlal e que concorre para a formação do primeiro ruído. Mas Jaccoud nao falia desse nono ruído, quo se não pode admittir, desde quo não é admissível o pretendido choque precordlal. (*•*) Devemos, comtudo, não esquecer que esses pontos falham nos casos do deslocamentos coração, qualquer que seja a sua causa. Era cada ponto so percebe um ruido durante a systole e outro durante a diástole, 50 levantamento da parede thoracica pela face anterior do coração, ou o pretendido choque precordial; o outro ponto, correspondente ao orifício tricuspide, está ao nivel da base do appendice xiphoide. Nestes pontos o primeiro ruido, o que coincide com o ictus cordis, é mais accentuado, mais forte e rnais prolongado que o segundo, que in- dica o começo da diástole, de maneira que, segundo a comparação de Jac- coud, o rhythmo dos dons ruídos representa um trocheu, (uma syllaba longa e uma breve.) Nos pontos de eleição da base, ao contrario, o rhy- thmo dos ruidos representa um pé jambo, (uma breve e uma longa) por isso que o primeiro ruido é curto, fraco e pouco sonoro, ao passo que o segundo é claro, forte, accentuado. Isto prova que os ruidos da ponta são independentes dos da base e vice-versa. Sobre a immensa vantagem de serem conhecidos esses quatro pontos, chamados geralmente pontos de eleição para a escutação dos ruidos, não podemos exprimir-nos melhcr do que o fez o dr. Torres Homem (*), nestas palavras: « 0 conhecimento destes quatro pontos de eleição, onde são percebidos distinctamente os ruidos dos quatro orifícios car- díacos, que lhes são correspondentes, é de grande importância para a pratica da cardio-pathologia... Conhecidos os pontos cm que se percebem os ruidos physiologicos e pathologicos do coração; conhecidos os tempos da evolução cardíaca em que se manifestam os ruidos do estreitamento e os da insufficiencia, estão vencidas as maiores difficuldades do diagnostico das atfecções or- gânicas do coração, v Quanto ás causas productoras dos ruidos em separado, Skoda as expõe deste modo : O primeiro ruido ventricular é devido ao choque do sangue sobre asvalvulas mitral e tricuspide e ao choque precordial: o primeiro ruido arterial resulta do choque do sangue sobre as artérias aorta e pul- monar, na oecasião da systole ; o segundo ruido ventricular é devido á impulsão do columna sanguínea contra as paredes ventriculares no mo- mento da diástole, e o segundo ruido arterial ao choque retrogrado da columna sanguínea arterial sobre as valvulas sigmoides. Este modo d'explicar dá espaço a mais de uma objecção seria. Em primeiro logar já vimos que valor temo phantasiado choque precordial. Em segundo logar, lembraremos que, conforme dissemos anteriormente, ç*) a Elementos de clinica mçdica » - Rio de Janeiro, 1870 : 51 ao começar a systole ventricular já as valvulas venosas estão applica- das sobre os respectivos orifícios, banhadas pelo sangue que tem desci- do para a cavidade, quer, pelo proprio peso, durante o periodo de re- pouso do orgão, quer durante a systole auricular. E, portanto, pouco admissível esse choque sobre a valvula atrio-ventricular, o qual possa produzir um ruido que entre na formação do primeiro ruido cardíaco (*). Em terceiro logar, não se pode conceder que o segundo ruido ventricular seja produzido pelo choque do sangue sobre as paredes do ventrículo durante a diástole, (elemento nascido in loco de Jaccoud) , porque a ser assim, como o sangue nunca está em repouso no coração, a duração dos ruidos cardíacos devia ser mais longa do que realmente o é; devia estender-se até durante o tempo de pausa absoluta dos movimentos. Além disso, já vimos que as cavidades do coração se distendem á proporção que n'ellas vae penetrando o sangue ; não ha, portanto, no ventrículo um espaço vasio, no qual se precipite o sangue, produzindo um ruido ; nem a passagem do sangue para o ventrículo pelo facto da contracção auricular, se faz com tanta força quanta suppunha Beau, para produzir um ruido. Uma outra razão para não admittirraos o elemento nascido in loco apresentado por Jaccoud para a formação do segundo ruido ventricular, é que , como veremos mais tarde, na insufficiencia aortica, quando falta o elemento propagado, isto é, a transmissão do segundo ruido arterial esquerdo, o segundo ruido ventricular esquerdo falta inteira- mente ; quando era natural que elle soífresse apenas uma diminuição da força, mas não dessapparecesse, pois persistiria o elemento in loco alludido. Feitas estas restricções á theoria de Skoda, as quaes somente versam sobre o modo de producção dos ruidos ventriculares, examinemos que ampliações ou outras explicações pode ella admittir, ou deve-se fazer-lhe. Partindo do principio, enunciado por Magendie, de que todo ruido suppõe um movimento contrariado, e recordando-nos dos phenomenos que se passam no coração nas diversas phases d'uma revolução cardíaca, vejamos quaes d'entre ellcs são canazes de produzir ruidos. Durante o periodo systolieo do coração, realisam-se os factos seguintes : a contracção muscular dos ventrículos, o choque da onda (*) Entretanto esta é a causa unica ou principal assignalada para o primeiro ruído cardíaco por grande numero dos physiologistas modernos, desde Rouanet ! 52 sanginea de cada ventrículo sobre a base da columna arterial, atravéz das valvulas sigmoides ; a tensão violenta e súbita das valvulas auricu- lo-ventriculares; a collisão mollecular do sangue comprimido; o attrito do sangue nas paredes ventriculares, principalmente no nivel dos ori- fícios arteriaes ; o levantamento das valvulas sigmoides, e, finalmente, o choque do sangue sobre as paredes das artérias aorta e pulmonar, ao fazer a sui irrupção n'estes vasos. D'cstes phenomenos, o que mais tem attrahido a attenção dos physio- logistas modernos é o da tensão das valvulas atrio-ventriculares. Acompanhando ao illustre Friedreich, nós consideramos como causa principal do primeiro ruido'ventricular a tensão e vibração repentina, energica da valvula auriculo-ventricular, direita ou esquerda, pelo facto mesmo da contracção do ventrículo e das cordas tendinosas que se in- serem na valvula ; e não o choque da columna sanguínea ventricular sobre essa valvula, como pretendem Skoda e Jaccoud (*). Dizemos caitsa principal, porque a tensão rapida, e curta vibração das membranas valvulares e de seus cordões tendinosos não pode explicar'só por si o primeiro ruido ventricular, profundo e resonante, que sem interrupção continua durante quasi toda a systole. Outras causas, portanto, devem concorrer para dar ao estalo valvu- lar o tom, a força e a duração com que se nos apresenta o primeiro ruido ventricular. Acreditamos que a contracção das paredes musculares do ventrículo, energica e duradoura como ella é, possa originar um ruido particular, analogo e mais intenso que o ruido rotatorio dos musculos voluntários, cuja contracção c menos energica e dura menos tempo que a do mús- culo cardiaco. Esta crença mais firme se torna em presença das experiên- cias de Williams e da commissão de Dublin, e da observação directa, que nos mostra a persistência d'um ruido no coração arrancado fóra do peito, cortado e vasio de sangue, ruido que se dà em quanto se contrahe o musculo. Os factos pathologicos também coufirmam a nossa idéa, pois que, segundo lemos em Friedrich (**), nos casos de degene- ração da valvula mitral, ou de seus tendões, quando não pode mais dar-se a vibração da membrana, continua-se a ouvir na parte do thorax corre- (*) Suppomos que essa tensão será augmentada pela pressão exercida sobre a valvula pelo sangue fortemente comprimido. (»*) Op. Cit. - 149 53 spondente ao ventrículo esquerdo, um ruído ventricular systolíco em- quanto a contracção do ventrículo não é embaraçada por lesões do myo- cardio ; ruído que se não póde attribuir á transmissão do ruído ventri- cular direito. Accresce que nos casos de dilatação simples das paredes do coração quando ellas se acham enfraquecidas, ou enfraquecendo-se a im- pulsão cardiata, o primeiro ruído, segundo observaram Laennec e Hope, torna-se mais claro e breve, converte-se em um ruído suco, como é o segundo. Tem-se querido negar a parte que tem a contracção ventricular na formação do primeiro ruído, allegando-se que nos casos de hypertro- phias não acompanhadas de lesões valvulares a intensidade dos ruidos diminue, devendo angmentar. Mas não é isso o que dizem Niemeyer, Jac- coud e outros notáveis pathologistas, nos quaes lemos que nas hyper- trophias simples o primeiro ruido cardíaco torna-se estridente (éclatant), e adquire um tom differente do normal, o tinido metallico (cliquetis mètallique) : acha-se, portanto, modificado em sua força e em seu tom. A collisão mollecular do sangue comprimido no ventrículo, póde produzir a vibração do liquido, e esta um ruido ; mas nos parece que este não terá bastante força para alterar de modo apreciável o ruido sonoro e profundo que se produz no ventrículo, pelas duas causas de que acima tratamos. O mesmo diremos do attrito do sangue na parede ventricular, o qual, se póde prpduzir algum ruido, este, que deve ser muito fraco, terá logar no orifício arterial, e então com mais propriedade fará parte do primeiro ruido arterial. O primeiro ruido arterial nos parece depender de mais de uma cir-* cumstancia tendo sua sede no orifício em que elle se produz, bem que Skoda o considere como formado sómente pelo choque do sangne sobre as paredes da artéria na occasião da systole, e Friedreich, que profun- damente reformou as idéas do clinico viennense, só ajunte a essa causa a transmissão do primeiro ruido ventricular á base dos vasos arteriaes. Quanto á causa apresentada por Skoda, não podemos deixar de admit- ti-la; desde que as paredes de todos os grossos vasos arteriaes, por sua tensão e vibraãço sob o impulso da onda sanguínea, produzem um ruido que coincide com a pulsação delles, isto é, com a sua diástole. Mas, além dessa causa, nos parece haver uma outra, que deve influir poderosamente na força do primeiro ruido arterial, e da qual Friedreich não se lembrou. Ao começar a systole ventricular, c sangue comprimido com força por 54 todos os lados, deve exercer uma forte pressão sobre as valvulas sigmoi- des, que sustentam a pesada columna do sangue contido na artéria, e que por um momento impede a subida do sangue ventricular. Mas, con- tinuando a systole e vencido, pela força da cóntracção, o obstáculo of- ferecido pelas valvulas semilunares, o sangue deve, irrompendo violen- tamente na cavidade arterial, produzir no orifício de passagem, mais es- treito que o diâmetro do vaso, e do que a cavidade ventricular, um ruido de attrito, que deve entrar na formação do primeiro ruido arterial. Se nos recordarmos de que o orifício ventriculo-arterial direito está situado em um plano superior de um centímetro ao plano dos outros ori- fícios ventriculares, nio podemos admittir que no começo da systole o sangue do ventrículo, violentamente comprimido, vá bater de encontro ás valvulas sigmoides da artéria pulmonar, e sobre a columna de sangue que ellas sustentam ? E esse choque não produzirá uma ruido, que inter- venha na formação do primiero ruido arterial direito ? E se nos fosse per- mittido aventurar mais alguma cousa a respeito dos ruidos do coração, diriamos que essa causa de reforço para o primeiro ruido arterial direito seria compensada no primeiro arterial esquerdo pela constricção do ori- fício aortico, a qual é muito mais considerável do que a do orifício pul- monar: asssim, o ruido que se dá no orifício aortico durante a systole deve ser mais forte, e tanto mais quanto é mais energica a contracção do ventrículo direito. Diz Friedreich que não se pode negar que a transmissão do primeiro ruido ventricular aos vasos arteriaes deve influir na producção do pri- meiro ruido arterial. Estudemos agora as causas do segundo ruido, tanto ventricular, como arterial. No periodo diastolico da evolução cordial - todos os movimentos que se executam, podem resumir-se em um só : affluxo do sangue para o coração, por todos os canaes que se prendem a este orgão. Pelo lado das veias o sangue não encontra resistência a vencer, cae nas aurículas e d'estas nos ventrículos, distendendo-os á proporção que vae chegando. Aqui, portanto, não é applicavel o principio de Magendie. Mas, tendendo a refluir das artérias para os ventrículos ao findar a systole, o sangue encontra um obstáculo nas valvulas sigmoides, que em virtude do proprio peso da columna sanguínea, abaixam-se, conchegam- se e interceptam-lhe a passagem. 0 sangue, pois, caindo com força sobre as valvulas, deve distende-las, e d'aqui deve resultar um ruido, que deve ser claro e secco, pela natu- reza membranosa das valvulas, e breve, pela instantaneidade do choque. Esse ruido, verdadeiro estalo, será o segundo ruido arterial. Friedreich admitte, e antes d'elle ensinavam Grabau, Rapp c Joseph, que o segundo ruido arterial de um dos lados do coração possa trans- mittir-se ao ventrículo do lado opposto, reforçando assim o segundo ruido ventricular, e vtce-vvrsa qaanto ao primeiro ruido ventricular para a formação do primeiro arterial; e mais que o segundo ruido ar- terial de um lado se propague ao vaso do lado opposto. Quanto ao segundo ruido ventricular, sendo inadmissível, como vi- mos, a causa apontada por Skoda, parece-nos razoavel considera-lo, com Friedreich, como resultante da transmissão do segundo ruido arterial que lhe é idêntico, sendo apenas mais forte. Isto se póde verificar, fa- zendo subir no thorax o stethoscopio até ao nivcl dos orifícios arteriaes, e então se vê que esse ruido vae pouco a pouco augmentando d'inten- sidade. As relações intimas existentes entre as valvulas sigmoides de cada artéria e o ventrículo correspondente, justificam esta explicação, que, demais, encontra apoio nos factos pathologicos. Effectivamente, se tem observado que uma alteração qualquer no segundo ruido arterial em ambas as artérias ou em nma só, coincide sempre com alteração idêntica no segundo ruido ventricular, em ambos os ventrículos, ou no correspondente ao vaso cujo ruido se altera. Resta-nos elucidar o por que - sendo os ruídos do coração produzidos principalmente no nível dos orifícios ventriculares, os quatro pontos de eleição para a sua escutação não correspondem exactamente aos orifícios. A razão d'esse facto nos é fornecida pelo estudo da disposição ana. tomica dos orifícios venosos e arteriaes dos ventrículos, e das relações do coração com as partes circumvisinhas. No nivel das origens das artérias pulmonar e aorta, os quatro orifícios ventriculares são contíguos e muito achegados entre si ; d'aqui resulta que os ruidos originados n'esses ori- fícios devem confundir-se, a ponto d'o ouvido o mais fino e o espirito o mais attento não poder desassocial-os. Accresce que justamente n'essa parte, a face anterior do coração é coberta pelas laminas anteriores dos dous pulmões, as quaes chegam a tocar-se; e como o tecido pulmonar seja mau conductor do som, a intensidade dos ruidos deve diminuir muito n'esse ponto. Para, portanto, perceber-se j> máximo d'intensidad 55 56 dos ruidos valvulares, preciso é afastar o ouvido do centro de produc- ção, onde são más as condições de transmissão e discriminação dos sons. Os ruidos arteriaes propagam-se na direcção da corrente sanguínea, de baixo para cima ; e melhor e mais distinctamente serão ouvidos nos pontos em que o pulmão embarace menos a sua transmissão, e não pos- sam elles ser confundidos com os ruidos ventriculo-auri cu lares. Eis por que os pontos correspondentes ao máximo dos ruidos arteriaes correspondem aos cylindros aortico e pulmonar, e não aos orifícios valvulares. O ruido aortico é ouvido á direita do sterno porque essa artéria, na- scendo no ventriculo esquerdo, vae logo em sua origem inclinando-se para o lado direito, até á altura de 3 a 5 centímetros, pondo-se em relação com o base do ventriculo direito e a origem da artéria pulmonar. A direcção da artéria pulmonar para a esquerda e para cima explica o porque o seu primeiro ruido se deixa perceber no bordo esquerdo do sterno. As mesmas razões são applicaveis aos ruidos ventriculares, cujo má- ximo d'intensidade é ouvido nos pontos em que os pulmões não cobrem os ventrículos, e em que esses ruidos são insulados dos arteriaes. |arte DIAGNOSTICO DIFFERENCIAL DAS MOLÉSTIAS DO CORAÇÃO We may say that, by the improved nicans of dlagnoels, the maladlea under conridera- tlon may be reeognisad, not only in thelr advanced, but in thelr incipient stages, and even when so sllght as to constitute littlc more than a tendancy. (Hopk, « A treatlse of the dlseases of the lieart and great vessels » XXIX.) ESBOÇO HISTORICO Ao percorrer as paginas da historia dos progressos médicos, sofirerá decepção amarga quem houver anteriormente supposto que é de longa data o estudo e conhecimento das moléstias do coração, ou que, pelo menos, começou elle a ser feito com ardor logo depois de conhecido o mechanismo verdadeiro do coração e da funcção circulatória. Entre os antigos cultivadores da medicina era opinião corrente que o coração, o mais nobre de todos os orgãos, origem da vida, o primum vw&ns et ultimum moriens (*), séde d'alma e das paixões todas, ou das paixões nobres, como queria Platão ; o fóco do calor innato, emfim, não devia soffrer lesão alguma. Hippocrates, no livro 4." numero 16 de seu tratado De morbis, disse muito formalmente: «Cor ita solidum ac densum est, ut ab humore no cegrotat, propterea nullus nwrbus in corde oritur. » (*) Aristoteles «De general, aniiu.» livro II,cap. 6,' 58 Menos de 50 annos depois, Aristoteles escreveu : « Cor solum visce- rum at omnium partiam corporis nullum vitium patitur.» E o echo repetiu por muitos séculos successivos : « O coração não pode soffrer doença ! » Dissera-o primeiro, não um mestre, mas o pae da medicina : e qual o fillio que se rebella contra aauetoridadc do pae; ou o discípulo que ousa rejeitar uma doutrina do mestre, quando não se oppõe a ella a difficilis experwntia e o fallax judiciwn; quando o mestre é Hippo- crates; quando a doutrina versa sobre o coração, e quando a verificação de sua veracidade é impossível em epochas nas quaes a sciencia anatómi- ca não é bem cultivada e até as dissecções cadavéricas são consideradas como uma profanação á memória dos mortos, em cujos despojos não se pode tocar sem inspirar-se todo o horror de um sacrilégio ? As idéas hippocratieas repercutiram com força e império absoluto durante a idade media, e ainda em tempos ulteriores á doutrina de ITar- vey. Galeno e depois delle a eschola arabe, de que eram representantes Avicenna e Averrhoes, foram seus propagadores. Paracelso lembrou-se uma vez de comparar o coração humano ao sol no systema planetário: « Cor est sol in microcosmo. « Ora, diz Riolano, assim como o sol do mundo não pode soffrer alteração em sua natureza, nem parada em seu movimento, assim também não pode o coração ser affectado de doenças longas ou graves. » Era, pois, a noção, aliás verdadeira, da magna importância do coração relativamente ás suas funeções, que devia immobilisar os observadores no estudo das moléstias deste orgãó : paradoxo inacreditável, mas rea- lisado ! Morgagni analysa como é que affecções tão frequentes como os aneu- rysmas do coração não foram mencionadas pelos auctores antigos desde Galeno, Paulo de Egina, Oribaso e Avicenna. « A causa deste silencio, é, diz o auctor citado, que os animaes que se costumava dissecar em logar dos corpos humanos, são raras vezes ata- cados de moléstias do coração t>. Corvisart explica o facto pela ignorân- cia necessária da anatomia humana, a qual se prolongou até a epocha da Renascença. Qualquer, porem, que seja a razão do facto, elle subsistiu por grande numero de annos, em quanto dominava a opinião do patriarcha da me- dicina, tão positivamente expressa. É verdade que algumas vozes levantaram-se dissonantes nesse concento em considerar o coração como inviolável e sagrado no meio dos demais orgãos. Coelio Aureliano foi o primeiro que se oppoz á auctoridade hippocra- tica, affirmando que o coração é susceptivel de contrahir diversas affecções. Paulo d'Egina, medico grego do VII século, estudou com especiali- dade as lesões traumaticas do musculo cardíaco, e modificou o seu prognostico, considerado até então como infallivelmente mortal. Fernel, medico do rei Henrique II de França, que viveu entre os annos 1493 e 1558, também contribuiu para o esclarecimento da patho- logia cardíaca. Lourenço, primeiro medico de Henrique IV, procurou demons- trar, contra a opinião, diz elle, dos mais graves observadores, que o coração pode ser a séde de todas as moléstias, omnes affectus tolerat. Igual tarefa desempenhou Zacutus Lusitanus, medico lisbonense morto em Amsterdam em 164L Os immortaes trabalhos de Harvey, á respeito da physiologia do coração, abriram á pathologia um caminho quasi inexplorado até então, mostrando-lhe novos e mais dilatados horisontes. Derocando ar- raigados prejuízos de dous mil annos dexistencia, illusões sagradas, se assim podemos exprimir-nos, o medico de Folkstone conquistou o direito a ser considerado como o fundador da pathologia racional do coração, quando não de toda a pathologia medica. Mas as bases tão solidamente estabelecidas por elle somente com o andar do tempo foram aproveitadas. Largos annos decorreram antes que a nova doutrina chegasse a ser firmada e acceita sem contestação : e durante esse tempo a atten- ção geral estava absorta quasi inteiramente na questão physiologica, em prejuízo das investigações pathologicas, que não podiam progredir. Assim se explica porque até o meiado do século XVIII era tão imper- feito o conhecimento que se tinha das moléstias do coração. Factos isolados e explicações vagas, pela maior parte falsas, contituiam o cabedal scientifico relativo a essa ordem de padecimentos. Muitos auctores acreditam hoje que o libertino imperador Adriano, de Roma, o qual sofiria de hydropisia, morresse de repente em um jantar lauto, em virtude da existência de uma lesão do coração, não suspeitada naquella epocha. Ha também auctores que affirmera ter sido a morte de 59 60 Attila, rei dos Hunos, devida á ruptnra de um aneurysma in coitu, quando passa por certo, nos livros de historia, que elle fôra assassinado no leito conjugal por sua ultima mulher. Segundo Plinio, o naturalista, foram encontrados no coração de um messenio, por nome Aristomenes, cabellos, nos quacs os athenienses e lacedomonios, que o tinham preso, viam o segredo da sua coragem e as- túcia. O mesmo facto, segundo Aristides, se notou no coração de Leo- nidas, a quem Xerxes o tinha feito arrancar. Citam-se casos analogos em muitos salteadores celebres. Todos estes factos são exemplos daquellas pericardites a proposito das quaes dizia flaller : Liquor pericardii in fila, laminasque abit, et cordi adherescit, ut omninò pilosum videatur. Os anatomistas antigos até o século XVII viam no coração vermes de forma especial, que hoje é sabido serem vegetações e coalhos sanguineos de configurações diversas. Um outro estado do coração, conhecido desde muito tempo, mas er- radamente interpretado, é o de ossificações e depositos calcarios nos ori- fícios de entrada ou saida do sangue. É assim que se pode comprehender os cálculos que Lourenço encontrou no coração de uma mulher e o ossiculo que existia na origem da aorta, na pessoa do presidente Nicolai, velho octogenário, e no coração da rainha de França Maria de Medieis, mãe de Luiz XIII. Deixando, porém, á margem esta parte da historia das moléstias do coração, em que vemos serem tão incompletos os conhecimentos anato- mo-pathologicos, vamos entrar no período em que o estudo das cardio- pathias começa a tornar-se mais positivo e mais racional. Em 1669, quando ainda vacillava sobre os alicerces em que devia as- sentar, a grande verdade demonstrada por Guilherme Harvey, um phy- siologista inglez, Mayow,. deu á estampa uma obra em que se encontra a observação mais completa e mais racional da hypertrophia do coração. Nessa observação o seu auctor, Thomaz Millington, que a communi- cara a seu amigo Mayow, dá provas de uma perspicácia admiravel, at- tendendo-se ao modo judicioso por que é interpretada a lesão, n'uma epocha em que reinava o atrazo sobre os principios fundamentaes da pa- thologia, especialmente da pathologia do coração. Na mesma epocha saiu á luz um tratado especial sobre moléstias do coração escripto por Lower, que se pode considerar como o conti- nuador dos trabalhos de Harvey. Seguiu-se um periodo de 59 annos, no fim do qual (em 1628), ap- parcceu uma obra sobre os aneurysmas do coração, devida a um medico romano, J. Lancisi, fallecido havia já 7 annos, e que soubera estabe- lecer a mais feliz alliança entre a anatomia e a pratica da pathologia. Mais ou menos pelo mesmo tempo, o celebre anatomista Raymundo Vieusscns publicava escriptos concisos na forma, porem fecundos nas applicações praticas c preciosos pela originalidade e acerto das idéas nelles contidas. No medico de Rouergue, que professava em Mont- pellier, são para admirar a justeza das considerações sobre as conse- quências das alterações da valvula mitral, e a exactidão em descrever a variedade tão caracteristica do pulso, a que mais tarde Corrigan devia jigar seu nome, apontando-a como própria á insufficiencia aortica. Muito faltava, porém, para que se convertessem em corpo de doutrina esses elementos que, numerosos, ahi estavam dispersos a pedir que al- guém os colligisse, os cotejasse, os contraprovasse e lhes desse, por fim, o cunho scientifico. Por outras palavras: o estudo das moléstias do co- ração não tinha attingido ainda o caracter de um estudo racional, sci- entifico; os que a elle se entregavam faziam-n'o, pela maior parte, empi- ricamente. Foi neste periodo que appareceu, em 1747, o Traité de la structure et des ma ladies dn coeur, no qual Sénac já consigna alguma cousa de pre- ciso á respeito dos soffrimentos do coração. E elle o primeiro que su- speita e denuncia o importante papel da inflammação nas moléstias do coração, e desenha a largos traços a historia da pericardite. Mas, como não podia deixar de succeder, em vista da insufficiencia manifesta dos meios de exploração, o primeiro medico de Luiz XV, ape- zar de haver tratado longamente, como bem gascão que era, da patho- logia cardíaca em todos os seus pontos, calou os mais importantes por menores relativos ao assumpto, e á falta de conhecimentos para explicar os phcnomenos physio-pathologicos por elle observados, enxertou de ex- plicações engenhosas, mas hypotheticas e gratuitas, algumas de suas descripções; de modo que, actualmente, da leitura de suas obras pouco proveito se poderá colher. Não havia começado ainda a desenvolver-se o gosto pelo estudo da anatomia pathologica, sciencia, aliás, importantíssima e que para a pa- thologia representa o mesmo papel que a anatomia normal para a physiologia. 61 62 D»ndo largo impulso ás investigações anatomo-pathologicas, Morga- gni aclarou muito os cônhecimentos da pathologia do coração, publican- do, em 1761, o seu Traitè du siège et des causes des maladies, no qual falia de todas as alterações, conhecidas em sua epocha, que o coração podia apresentar, descrevendo-as com sorprendente verdade. No começo deste século, Corvisart, vulgarisando em França, e levan- tando do esquecimento em que caira, o novum inventum do medico vien- nense Awenbrugger, - a percussão; juntando este meio de explora- ção aos outros anteriormente conhecidos e ás noções mais adiantadas da anatomia pathologica, veiu dar mais exactidão ao estudo das cardio-pa- thias. No seu Essai sur les maladies du coeur, o primeiro medico de Na- poleão faz importantes e judiciosas considerações acerca das lesões val- vulares. Todavia, não tendo ainda noticiada auscultação, Corvisart havia de, necessariamente, ignorar os signaes mais importantes das moléstias cardíacas. O proprio Laennec, o inventor e preconisador da escutação mediata, estudou um pouco superficialmente a questão, não applicando nos soffri- mentos cardíacos o mesmo cuidado e profundo discernimento que tivera com as moléstias da pleura e do pulmão. De 1824 até esta data tem sido immenso o impulso dado ao estudo das moléstias do coração, e para este resultado muito tem contribuído o emprego de vários meios physicos de exploração, entre os quaes so- bresae a escutação. O descobrimento deste utilíssimo e seguro meio de exploração tem dado ao diagnostico das cardio-pathias uma precisão admiravel, e certesa quase mathematica, de sorte que hoje não tem mais razão de ser a pungente exclamação de Baglivi: Oh .' quantum difficile est morbos cordis cognoscere ! O tratado sobre moléstias do coração, publicado em 1821 por Bou- illaud, tornou-se clássico e, bem que um pouco antigo a certos respeitos, pode ainda fornecer importantes dados a quem quer que se dedique a esse ramo da pathologia medica. Fazendo conhecer os signaes physicos da endocardite, Bouillaud indi- cou o meio de diagnostica-la desde o seu periodo inicial, seguir sua evo- lução ulterior e, conseguintemente, oppor ás affecções que delia derivam a unica medicação razoavel, a que ataca o mal desde seu começo. 63 Incontestavelmente cabe a esse antigo professor de clinica da Faculdade de Paris a gloria de ter dado a primeira descripçao minuciosa e fiel de uma doença que, importante por si mesma, o é ainda mais pelas graves e difficilmente remediáveis consequências que acarreta. Nem vale o protesto dos auctores allemães (entre os quaes Friedreich) querendo reivindicar para o seu compatriota Kreysig semelhante honra, deixando a Bouillaud, como se fôra demasiada, a de haver dado o nome á moléstia. Quando mesmo Bouillaud tivesse conhecimento de escriptos anteriores á sua descripçao, que differença não vae dessas affirmações sem baso atiradas ao risco de um desmentido, para o conjuncto de provas sobre que o medico francez estabelece a existência e a frequência de uma affecção tão pouco conhecida antes delle, que nem se tinha cuidado em dar-lhe um jiome particular ? ! Mas, não é este o titulo unico de gloria, nem é o maior, que recom- menda á veneração dos posteros a memória de tão notável talento. De- ve-sc ao genio investigador de Bouillaud o haver descoberto, firmado e proclamado a lei da coincidência do rheumatismo com as inflammações do coração, das quaes resultam ordinariamente as mais graves lesões organicas dessa viscera. Chamando a attenção para essa coincidência, quase inevitável, Bouillaud apontou o meio de restringir-se o circulo das manifestações mórbidas do coração, dando o grito de alerta ao me- dico, que, prevenido, preparar-se-ha para minorar os effeitos da invasão infiainmatoria rheumatica e prevenir gravíssimas complicações, que des- presadas tornar-se-hão de funestas consequências. Continuando, porem, neste rápido esboço, indicaremos que em 1831, Piorry deu á luz uma obra sobre moléstias do coração, na qual, occupan- do-se do mesmo assumpto, procura propagar a plessimetria, como seguro meio de diagnostico. Dous annos mais tarde Gendrin começou a publicar uma obra de grande valor scientifico, da qual saiu somente o primeiro volume, pro- vavelmente pela morte prematura de seu auctor. Em 1839, o distincto medico e cardio-pathologista inglcz Hope, pu- blicou o seu Treatiseof diseases of tke heart and great vessels, obra justa- 64 mente apreciada, e que se recommenda pelo seu estylo didactico e pelas descripções conscienciosas. Pigeaux, em 1843, enriqueceu o catalogo dos livros sobre moléstias do coração com uma obra, ainda estimada. Em 185), Forget, de Strasburgo, apresentou ao mundo medico um excellente trabalho sobre lesões organicas de coração, no qual discutia com profundo saber as questões mais importantes do diagnostico, con- sideradas hoje como factos positivos. Nestes últimos 20 annos tem-se succedido uma pleiade notável de emi- nentes cardio-pathologistas, que alliando sabiamente a physiologia com apathologia, têm elevado a sciencia das. affecções cardíacas ao alto grau de esplendor em que se acha collocãda. Entre outros nomes, citaremos Aran; Racle, cujo Traitè de diagnostique medicai, reflexo das doutrinas de seu mestre Bouillaud, contem exccllentcs e aproveitáveis conselhos para a exploração do coração, e bons dados para o diagnostico de suas affecções; Beau, cujas vistas profundas e sa- bias deducções sobre as moléstias do coração deviam fazel-o mais conhe- cido e mais estimado do que a sua theoria dos movimentes e ruidos do coração, hoje reconhecida irrevogavelmence como errónea ; Stokes, cuja obra é consultada com proveito ; Bucquoy, que em suas leções de cli- nica apresenta bellos lances de vista sobre as organo-pathias do coração. Botkin, que em seu opusculo sobre um caso notável de moléstia com- plexa de coração, ajialysa um por um e explica d? modo satisfactorio e de accordo com as leis physicas e physiologicas, os symptomas importantes das alterações organicas do centro da circulação ; Jaccoud, que na sua Clinica da Caridade vulgarisou em França a theoria da desassociação dos ruidos cardíacos, que tanto facilita ao medico o caminho que deve conduzi-lo a um bom diagnostico; Maurice Raynaud, que no seu artigo Coeur do Dictionnaire de méãicine et chirurgie pratiques, publicado sob a direcção do dr. Jaccoud, compendia, por assim dizer, os melhores tra- balhos existentes sobre o coração, anatómica, physiologica- ou patholo- gicamente considerado, enriquecendo-os de idéas originaes e recom- mendaveis. Finalmente, citaremos em particular dous nomes: Friedreich o Al- varenga. O primeiro, distincto clinico allemão e professor em íleidelberg, pu- blicou em 1866 um tratado, que, abandonando discussões stereis e apre- 65 sentando, com tanta fidelidade quanta concisão e claresa, o estado actuai da sciencia das moléstias do coração, pode ser considerado como a obra moderna mais completa nesse genero. Quanto ao segundo, occupa lugar distincto entre os médicos de Lisboa' de cuja Eschola medica é professor. Por seus numerosos trabalhos e mo- nographias de subido mérito scientifico sobre diversos pontos da cardio- pathologia, o dr. Alvarenga é contado entre as maiores notabilidades medicas européas, e suas obras têm sido vertidas da lingua vernacula para diversas estrangeiras. Entre ellas apontaremos, como mais notáveis no assumpto de que nos occupamos : Memória sobre a insufficiencia das valvulas aorticase considerações geraes sobre as doenças do coração; Apon- tamentos acerca das ectocardias, a proposito de uma variedade não descripta, a trochocardia, lidos na Academia Real das Sciencias de Lisboa ; Estudo sobre as perforações cardiacas e em particular sobre as communicações entre- as cavidades direitas e as esquerdas do coração, a proposito de um caso notável de terato-cardia. Actualmente, graças aos brilhantes progressos da anatomia patholo- gica, que liga os symptomas aos orgãos e as anomalias de funeção ás anomalias de estructura; graças á fecunda applicação das leis da mecha- nica aos actos physiologicos do coração ; graças ao conhecimento mais preciso das relações anatómicas do coração; graças ao emprego bem combinado de meios diversos de exploração physica deste orgão; graças á palpação, que nos permitte apreciar as anomalias de séde do coração e da força ou energia de suas funeções; graças á percussão, que nos re- véla as mudanças de volume e nos confirma as indicações do meio pre- cedente relativas á séde; graças á escutação, que, confirmando os resul- tados obtidos pelos dous meios antecedentes, dá-nos de uma vez idéa completa á respeito do padecimento cardíaco, e nos permitte diagnos- ticar com segurança as moléstias do pericárdio das do endocardio, e estas das dos apparelhos valvulares, e ainda nas affecções desta ultima ordem, nos diz com precisão qual o apparelho lesado; graças á applica- ção de apparelhos registradores ao pulso, e dos traçados graphicos á clinica, trazendo a confirmação aos resultados colhidos da escutação, ou o desmentido, quando esta não tenha sido praticada regulamente : graças, antes de tudo e acima de tudo, a essa cohorte immensa de ho- mens dedicados á sciencia, que não param ante os labores de investi- gações diffivilimas, quasi impossíveis, e com todo o afan vão con- 66 quistando palmo a palmo um terreno sempre novo para as applicações physio-pathologicas; graças a tudo isso, pode-se dizer actualmente, sem temer contestação razoavel, que o diagnostico das moléstias do coração acha- se elevado á cathegoria de uma sciencia, tendo suas leis fixas e in- variáveis, suas regras inattacaveis, e cuja applicação dará sempre re- sultado idêntico no tempo e no espaço. Podemos repetir hoje o que ha 21 annos dizia em um curso de lec- ções o chefe de clinica da Faculdade de Paris, Racle, o auctor do Traité de diagnostique médical, e que tão profundamente estudou com Bouillaud as moléstias do coração: « Mais felizes do que nossos predecessores, nós possuímos hoje meios de exploração que permittem chegar com grande precisão ao diagnostico destas aflfecções; é somente necessário que se tenha no emprego delles uma attenção constante, muito habito, e pro- fundo conhecimento da pathologia. E difficil que empregando-os convc- nientemente, não se consiga indicar a natureza, o grau e a extensão das lesões que se observa. » Se muita vez nos iIludimos em nossas conclusões sobre os factos que observamos, é que nos falta alguma cousa no estudo das moléstias cm geral, saber o modo de examinar, de interrogar o orgão doente, de, por assim dizer, faze-lo fatiar-, é que não temos ainda bem educados os sen- tidos que mais necessários tornam-se nas explorações physicas dos orgãos, e então será iniquidade levar á conta da arte a culpa ou defeito que só cabe ao artista. Mas, como sciencia e sciencia de observação, o diagnostico cardio-pa- thico tem ainda seus pontos obscuros, que, portanto, merecem attrahir a attenção acurada dos homens competentes, e que somente á força de muito estudo, de muita paciência e de muita pratica, virão a ser diluci- dados. Assim, a atrophia do coração, moléstia problemática para alguns auctores, pode hoje ser apenas suspeitada em um indivíduo excessiva- mente magro, marasmatico; a infiltração adiposa igualmente faz descon- fiar da sua existência somente quando com ella coincidir uma obesidade geral; os aneurysmas ou dilatações parciaes do coração, a sua ruptura, somente por signaes duvidosos serão denunciados; os tumores hetero- morphos, tuberculosos, cancerosos, hydaticos, os polypos, o endurecimento das paredes, do coração, existenr sempre no estado latente, como se ex- 67 prime Woillez (*); o diagnostico differencial entre a inflammação do myocardio e a do endocardio, constituo ainda hoje um dos cachopos em que naufraga muita vez a pericia a mais consummada e o tino me- dico o mais previdente. Mas, apontando estas difficuldades de diagnostico, as quaes, temos fé, irão pouco e pouco perdendo de insuperabilidade, é nosso proposito apre- sentar como que o sombrio de quadro, em que se desenham em relevo as brilhantes conquistas dos tempos modernos no attinente á diagnose cardio-pathica. DAS MOLÉSTIAS 1)0 CORAÇÃO EM GERAL DIVISÃO Duas classes distinctas de alterações podem perturbar o funcciona- mento regular do coração; umas aflfectam especialmente o tecido proprio do orgão; são as moléstias organícas do coração; outras são inherentes - não a lesões materiaes do cardia, mas a estados pathologicos da inner- vação cardíaca dependentes quer do sangue, quer do systcma nervoso geral; são as moléstias anorganicas, ou puramente funccionaes, ou nervosas do coração. A ultima classe pertencem: 1." - todas as perturbações cardíacas de- vidas ás dyserasias sanguíneas, em consequência de hemorrhagias co- piosas, ou, o que é mais commum, dessas cachexias que profundamente alteram as funeções dos orgãos; ao lado deste grupo se poderá, talvez collocar a plethora, caracterisada pelo augmento dos globulos rubros do sangue, *com quanto não esteja ainda demonstrado que este facto constitua um estado morbido particular; 2.° - os estados hypersthenicos ou hyposthenicos da innervação cardíaca, ligados a modos de ser par- ticulares da innervação geral, como na hysteria, hypochondriu, ou de- pendentes de uma excitabilidade ou depressibilidade nervosa especial e limitada á funeção do centro circulatório. As moléstias organicas ou lesões próprias do coração, podem ser di- (•) « Dlctionnalre de diagnostique médical » -Paris, 1870. 68 vididas em dons grupos : lesões de ordem vital, ou limitadas á nutrição do orgão ; lesões organicas propriamente ditas, ( com alteração na estructura intima dos tecidos.) No primeiro grupo collocam-se os processos inflammatorios, quer do myocardio, quer do endocardio, quer do pericárdio. Do segundo fazem parte todas as perturbações permanentes da textura do orgão. Mas esta divisão c de applicação difficil na pratica, quando se desce ao estudo especial das inflammações e de seus resultados, pois que é im- possível traçar-se a linha divisória entre a lesão puramente nutritiva c a lesão estructural que se estende á espessura de todo o tecido; não se podendo assignalar onde termina a desordem exclusiva do acto nutritivo e onde começa a perturbação organica que delia deriva. Para maior facilidade do desempenho de nossa tarefa, adoptaremos o uso geral de expôr as moléstias do coração segundo a ordem anatómi- ca, e estudaremos em primeiro logar as affecções do pericárdio, depois as do endocardio e com ellas as lesões valvulares, e terminaremos o nosso estudo com as nevroses do coração. Como affecções do pericárdio que mereçam nossa attenção, estudare- mos a pericardite e sua consequência ordinaria, adherencias do peri- cárdio ao thorax e das duas folhas ( visceral e parietal ) do pericárdio entre si: estudaremos ainda o hydropericardio simples, não inflamma- torio, o hydropneumo-pericardio, e o hemo-pericardio. Tratando das affecções do myorcardio, estudaremes a inflammação, (myocardite), a dilatação, total ou parcial, das cavidades eardiacas; a hy- pertrophia e a atrophia, em suas diversas formas, das paredes cavitari- as; as degenerações gordurosa e amylaoea, as únicas que se tem obser- vado no coração; as producções heteromorphas, neoplasmas e tumores, c as moléstias parasitarias ; e finalmente, as lesões mechanicas, feridas c rupturas do coração. Passando ao endocardio, trataremos da endocardite em suas diversas formas ; as lesões anatómicas consequentes á inflammação, particular- mente as lesões valvulares ; c por fim as concreções polypiformes. Finalmente, encerraremos o nosso trabalho com o estudo diagnostico das nevroses, considerando-os sob o ponto de vista da motilidade, ;w7- pitações nervosas eparalysia do coração, e da sensibilidade, anyina do peito. Alguns auctores faliam de uma diminuição da sensibilidade do coração. Mas isto quer nos parecer effeito de suppor-se que o coração tenha uma 69 sensibilidade manifesta, desenvolvida, quando é certo, como já vimos, que bem obtusa é ella e que do grau em que se acha normalmente só é possível uma elevação e não diminuição apreciável. Quanto á moléstia de Basedow, que muitos auetores descrevem no meio das moléstias do coração, adoptamos a opinião de M. Raynaud, que nisso vê um abuso de linguagem, pois que os phenomenos cardíacos que nessa affecção se encontram não podem constituir uma entidade mórbida es- pecialmente localisada no coração, como não forma uma moléstia di- stincta a hydropisia symptomatica das lesões cardíacas. f ETIOLOGIA Não será fóra de proposito que estudemos aqui, cm ligeira synopse, as circurnstancias que as lições da experiencia têm mostrado serem fa- voráveis ao desenvolvimento das moléstias do coração em geral. O co- nhecimento dessas condições etiologicas é muita vez um dos fios con- ductores para o diagnostico, principalmente quando se trata de molés- tias cuja symptomatologia é obscura e da qual deriva a pouca lucidez da diagnose. Sem usarmos de uma hyperbole, podemos dizer que infinito é o nu- mero das causas a que se pode filiar as moléstias do coração. Entretanto, analysando o valor de cada uma delias, veremos que todas podem redusir-se a dous grupos, bem desiguaes no numero de seus ele- mentos : causas externas e causas internas, em relação ao coração. Entre as causas externas contaremos os casos de traumatismo, de que existem alguns exemplos. Sabe-se que as quedas e pancadas sobre a re- gião precordial podem determinar a manifestação de symptomas de uma hypertrophia, de um estreitamento dos orifícios, ou insufficiencia de valvulas, de phlegmasias mesmo das paredes do coração. É conhecida a triste e recente historia do joven Cirne Lima, barba- ramente açoutado a bordo de um navio de guerra no Amazonas. Das contusões que sobre o peito lhe fez o pesado látego de bordo, resultou- lhe uma endo-arterite, de cujos effeitos gravíssimos escapou graças so- is mente á sua constituição vigorosíssima e á força do reacção vital de seu organismo. (*) J. H. Bennet (**) conta um caso de ruptura das valvulas aorticas em consequência de um couce de cavallo, e um outro de estreitamento mitral e tricuspide em um homem que caira de uma escada com um sacco de trigo sobre si. Demme cita factos analogos. Como causas externas das moléstias do coração, podemos ainda contar as que dependem das relações anatómicas deste orgão. A inflammação dos pulmões e das pleuras, muitas vezes propagam-se ao pericárdio, com- plicando-se de pericardite. Os grandes derramens nas pleuras, o empliy- sema pulmonar muito desenvolvido, podem comprimir o coração a ponto de impedir-lhe a liberdade de acção, embaraçar-lhe a nutrição, e até produzir a degeneração ou a atrophia das paredes cardíacas : o mesmo effeito poderá produzir o derramen pericardico, mesmo pouco abundante. Afóra os casos, pouco frequentes, de traumatismo, os agentes que nos cercam não têm influencia directa sobre o coração, que ainda sob este ponto de vista se afasta da maioria dos demais orgãos. É assim que, differentemente dos pulmões, o coração não soffre o con- tacto do ar ambiente, que a cada momento varia em sua temperatura e hygrometricidade, e combina-se de modos diversos com gazes hetero- geneos, ás vezes maléficos ; elle não é, como o tubo digestivo, atraves- sado por substancias diversas, muita vez irritantes e nocivhs; não sofire, como a pelle, as impressões de calor e de frio, de seccura ou de humi- dade do ar. Sem relações com o exterior, o coração corresponde-se internamente apenas com dous elementos: o sangue e o systema nervoso. Tudo quanto elle pode soffrer é ordinariamente o resultado da acção directa de algum destes dous agentes, ou de ambos. Na etiologia das moléstias do coração não temos, pois, que ver com o calor ou o frio, a seccura ou humidade do ar, a sua puresa ou impu- resa, a boa ou má alimentação, consideradas como causas eíficientes de taes moléstias. Se alguma destas causas actúa sobre o coração, o faz de 70 (•) Reportamo-nos ao corpo de delicto que sobre a pessoa desse moço fizeram dous médicos distinctos do Pará. (**) «Lêçons cliniques sur les principcs et Ia pratique de la médlciue» - Traduction fran- caisc par le dr. P. Le Brun - Paris, 1873 - II, obs. 109 et 120. 71 modo indirecto, mediante uma modificação sobrevinda nó sangue que atravessa essa viscera, ou no systema nervoso, que a move. As relações de coração com o sangue são de ordem mechanica, e podem ser modificadas pelo estado physico-chimico deste liquido. A plethora determina nas funcções do coração perturbações não bem definidas ainda, mas que a alguns aiictores parecem alterar os ruidos nor- raaes, transformando-os em ruidos de sopro mais ou menos forte. Phenomeno analogo, em grau mais elevado, se nota em estado opposto do sangue, a hypo-globulia. E assim que se explicam os ruidos de sopro anorganicos devidos á chlorose, os que se observa no rheumatismo, nas febres graves, infectuosas, ou não; nas cachexias diversas, em todos os casos, emfim, em que está alterada a crase do sangue. Quer na plethora, quer na dyscrasia sanguínea, a explicação que se dá do ruido de sopro é a mesma : attrito maior da onda sanguínea nos orifícios arteriaes, pela celeridade maior da circulação e, segundo alguns anctores, pelo augmento da massa do sangue. Friedreich faz a justa observação que muitos dos sopros que se notam nas moléstias agudas graves e que são attribuidos á anemia ou á febre dependem antes de uma insufficiencia temporária das valvulas, por uma perturbação na nutrição dos musculos papillares. Uma coagulabilidade particular do sangue dá origem á formação de concreções stratificadas e polypiformes no interior das cavidades de coração, embaraçando-lhe os movimentos. Este estado não é raro nas moléstias febris intensas, principalmente q,a pneumonia, na febre ty- phoide, no rheumatismo, acompanhado, ou não, de endocardite ou myocardite. O espessamento do sangue na cholera-morbus e seu estado grumoso, pela perda excessiva de sorosidade, podem ser considerados como uma das causas perturbadoras das contracções cardíacas durante o período de algidez, c coadjuvante do enfraquecimento das paredes cardíacas. O sangue exercendo uma acção sobre os movimentos do coração, com- prehende-se como os andarilhos, estafetas, os arautos e pregoeiros, os tocadores de instrumento de sôpro e todas as pessoas entregues a pro- fissões semelhantes, em que são precisos grandes esforços musculares, estão predispostas a contrahir affecções do coração. A mesma razão nos leva a admittir a influencia predisponente da dansa, das carreiras, do salto, da esgrima, da declamação, do canto, dos actos venereos repetidos, 72 dos esforços, emfim, de qualquer genero, tudo isso levado ao excesso, sobro as moléstias do coração. Na verdade, nos esforços desta natureza o sangue afflue em grande abundancia e> com força maior para o coração, que só pode se desem- baraçar do excesso de conteúdo contrahindo-se mais energica e frequen- temente. Desfarte produzem-se as hypertrophias, dilatações e rupturas do coração. Parece-nos também que é pela influencia dos esforços musculares sobre as moléstias do 'coração, que o sexo masculino, entregue a pro- fissões mais laboriosas do que o feminino, é mais disposto ás lesões or- gânicas, principalmente á hypertrophia e ás lesões valvulares. Talvez seja igualmente a influencia dos esforços musculares repetidos que determine a frequência maior da hypertrophia primitiva nos indi- víduos de edade avançada. Os obstáculos existentes em qualquer ponto da arvore arterial, dimi- nuindo a velocidade natural do sangue e obrigando os ventrículos a maior somma de trabalho, determinam mechanicamente a sua dilatação e logo a sua hypertrophia. A esta classe pertence a hypertrophia temporária do ventrículo es- querdo na gravidez, conforme as observações de Larcher, Ménière, Du- crest e Béraud. Pode-se também collocar no mesmo grupo a hypertrophia que complica a moléstia de Bright, e cujo mechanismo foi tão bem de- scripto por Traube. • Uma moléstia chronica nos pulmões difficultando a pequena circula- ção, pode originar moléstias cardíacas, especialmente a hypertrophia, quo se localisa no coração direito. Effeito mui pronunciado produz o emphysema, que pode ser até considerado, como o foi por Louis, como causa efficiente da hyper-sarcose. Cruveilhier acredita que o grande nu- mero de moléstias do coração na idade avançada deve ser attribuido ao grande numero de moléstias pulmonares nesta epocha da vida. Os estreitamentos dos orifícios, ou as insuíficiencias das valvulas do coração apresentam-se como a causa mais frequente da hypertrophia. Bouillaud admitte ainda como causa da hypertrophia do ventrículo direito a perfuração, congénita ou accidentál, do septo interventricular para essa cavidade, permittindo a passagem de uma certa quantidade de sangue arterial a cada systole. 73 Em uma palavra, todas as circumstancias capazes de embaraçar o curso do sangue em qualquer ponto da arvore circulatória, é causa mais ou menos efficaz de hypertrophia e suas alterações consecutivas. Pelo contrario, as circumstancias que embaraçam a circulação do proprio coração (atheroma, incrustações ou obturação das artérias co- ronárias) são causas frequentes da atrophia ou degeneração gordurosa desta víscera. Quanto ás alterações na composição do sangue, não se póde deixar de considera-las, bem que mal conhecidas na generalidade, como causas de moléstias do coração, quando nos lembramos de que as diversas dia- theses complicam-se frequentemente de affecções d'este orgão. D'entre essas diatheses, a que tem influencia mais decisiva e, por assim dizer, fatídica sobre o coração, é a rheumatismal, que se manifesta por inflam- mações agudas ou chronicas das túnicas d'aquella viscera, especialmen- tc a externa e a interna. Efíectivamente, é tão frequente a coincidência entre o rheumatisrno e as cardites, que H. Roger a considera como uma lei fatal c diz que nos meninos, se um escapa a essa complicação uma ou duas vezes, quasi sempre com certeza ha de soffre-la no terceiro ou quarto ou outro ulterior ataque. (*) Thomaz Watson, em sua obra classica, havia já dicto o seguinte : «I have observed, also, that when a patient has come under my care, who has had repeated attacks of acute rheumatism in him, I have generally found reason to believe that some organic afícction of heart vvas present ». (**) Alguns anctores admittem a existência de uma endocardite aguda primitiva idiopathica ; outros a negam e dizem que toda a endocardite aguda primitiva reconhece por causa o rheumatisrno. Os factos apresentados em prova da endocardite aguda idiopathica provocada pelo frio, são para M. Raynaud devidos á diathese rheuma- tismal ; e sabe-se que o frio é a causa occasional por excellencia das manifestações rheumaticas. (•) Henri Rogcr - Recherches cliniquei sur la cliorée, sur 1c rhumatismc et sur les maladle du cceur - Paris, 18GC - 4G. (**) Lectureson the principies and practice of physlc - London, 1848 - II, 294 74 Este modo de ver está de perfeito accordo com as observações de Roger. Se o coração é atacado pelo rheumatismo depois das articulações, este facto nada tem de necessário, diz Raynaud. Jaccoud (*) considera como exacta a proporção estabelecida por Bouilland, de 50:100 para a frequência da pericardite e do rheuma- tismo articular agudo coincidentes, e accrescenta que a pericardite rheumatismal é, por assim dizer, a que se apresenta quasi exclusiva- mente á observação diaria. Bamberger assignala a proporção de 20:100 para as complicações cardiacas no rheumatismo ; Jaccoud eleva essa proporção de 25 a 28:100 ; Bali a eleva a 37,373 : 100 ; Desguin (**) em 132 observa- ções que colheu ou encontrou nos auctorcs, notou 69 casos de coinci- dência d'uma affecção do endocardio, do pericárdio, das valvulas ou do proprio tecido do coração, com o rheumatismo ; isto é, a proporção de 50:100. Fuller encontrou em 246 casos de rheumatismo articular agudo intenso 75 ue endocardite recente; e 14 casos d'esta mo- léstia em 133 de rheumatismo articular sub-agudo. Ormerod observou em 100 casos de pericardite 71, 7 dorigem rheumatismal. Taylor diz ter observado a mesma coincidência 54, 3 vezes em 100 casos da mesma moléstia. A predisposição diathesica rheumatismal, que é hereditária, expli- ca-nos4sufficientemcnte a razãouda hereditariedade das moléstias do cora- ção ; particularmente das lesões organicas. Não se herdam as lesões organicas do coração, os estreitamentos de orifícios, as insufficiencias valvulares ou as hypertrophias ; mas sim a diathese rheumatismal, que origina as inflammações agudas ou chroni- cas do tecido do coração e das quaes resultam muitas vezes essas lesões. Talvez também a diathese rheumatismal nos dê a razão de ser da influencia que se tem notado no temperamento lymphatico e nos climas frios e húmidos sobre a apparição das moléstias, agudas ou chronicas, do coração. (») Traité de pathol. int. - Paris, 1873 -, I, 540. (**) Du rhumatlamc et de la dlathèse rhumatlsmale, par le dr. Victor Denguln -Gand, 1869 - 156. 75 A influencia do rheumatismo arthritico podemas associar a da gotta, ou rheumatismo nodoso, que, todavia, tem acção differente d'aquelle. O rheumatismo poly-articular ataca de preferencia ás duas sorosas do coração, principalmente a interna ; o rheumatismo nodoso tem acção mais particular sobre o myocardio, trazendo-lhe ordinariamente a de- generação gordurosa. Mas os gottosos não estão isemptos da endocar- dite, ou de lesões valvulares : o dr. Begbie, que estudou minuciosa- mente o rheumatismo nodoso, observou varias vezes depositos athero- matosos ou de urato de soda desenvolvidos nas valvulas. Comtudo, Garrod, que dá uma completa descripção da podagra, diz muito positivamente : « No conclusive evidence has been advancing proving the existence of true gouty inflammation of the heart It must be also remembered that the causes which lead to the produ- etion of gout, are such as are likely to induce chronic valvular dis- eases of the heart. » (*) Ao fallar do rheumatismo, não devemos esquecer a choréa, como uma das molesttas que mais influem na manifestação de affecções car- díacas. Kirkes, Bright, Henri Roger e outros auctores, referem muitos factos de coincidência entre a choréa e a cardite, sob qualquer de suas fôrmas. Trousseau na sua Glinica também cita casos de dansa de 8. Guido complicados de affecções cardíacas. « A dansa de S. Guido, diz Roger, deve ser considerada como uma causa mais que predisponente das moléstias do coração. » Verdade é que Roger considera a choréa como uma das formas de manifestação da diathese rheumatismal ; e a endocardite como uma affecção rheumatismal grave. « O rheumatismo, diz Roger, engendra não só a phlegmasia do coração, como a dansa de 8. Guido, quer succes- sivamente por muitas vezes, quer simultaneamente e, por assim dizer, d'um só jacto » Em seu apoio esse auctor cita factos em que ura violento rheumatis- mo polyarticular agudo acompanhou-se da pleuresia e endo-pericardite, e na convalescença, d'um ligeiro ataque de choréa. Trousseau refere também casos de choréa precedida de rheumatismo, antes de se fazer seguir de affecções cardíacas. (*) A system of medicine, edited by J. R. Reynolds - I, London 1866 - Gout by Alfred Barlng Garrod, 822. 76 São resultado d'uma alteração chimica do sangue as phlegmasias cardíacas que tão intensa, quão frequentemente declaram-se nas mo- léstias infectuosas graves, como no typho, searlatina, na febre ama- rella, na cholera-morbus, na diphteria, na pyohemia, na febre puerperal, nas affecções geraes febris, como nas febres exanthematicas e erupti- vas, na nephrite, paren chymatosa, no garrotilho, etc. Indicamos um caracter particular a estas influencias cardiopathicas: é que, differentemente do rheumatismo articular agudo, ellas têm acção mais determinada sobre a musculatura cardíaca, produzindo as myocardites parenchymatosas diffusas, com amollecimento rápido das paredes musculares, dilatação consequente das cavidades, permanente ou temporária, e até paralysias repentinas do coração. Vem a proposito lembrar que a influencia morbigena das moléstias que acabamos de referir, parece depender também da alta temperatura que adquire o sangue nas moléstias febris intensas, como demonstrou Aubernier, e antes delle o havia feito Liebermeister. Segundo Niemeyer, depois da moléstia de Bright a que produz mais complicações do iado do coração é a febre puerperal; segundo Wund- erlich, é o sarampão. O que é verdade, é que as febres exanthematicas têm uma influencia incontestável sobre a producção das moléstias cardíacas, particularmen- te as inflammatorias. Os drs. Desnos e Huchard, em um trabalho que publicaram recentemente (*), fazem notar a coincidência muito fre- quente das lesões cardíacas, especialmente da myocardite, nos casos de variola, e citam a este respeito 21 observações, das quaes concluíram que as modificações impressas ao organismo pelo virus varioloso podem determinar lesões inflammatorias do coração, e que as complicações cardíacas nunca se mostram na varioloide ; são frequentes na variola confluente e na discreta em corymbcs, ou confluente benigna de Bor- sieri. Nesta ultima forma da variola são mais frequentes as pericar- dites e endocardites. Uma alteração chimica do sangue nas tliatheses cancerosa, tubercu- losa, syphilitica e scorbutica explica a apparição de moléstias do coração complicando os accidentes d'estes estados diathesicos. E' para notar-se (*) Des complieatlons cardiaques dans la variole, et particulicrement de la inyocardite va- rioleuse - Paris, 1871 77 que, da mesma forma que no rheumatismo nodoso, a affecção cardíaca que mais frequentemente acompanha estas diatheses, é a myocardite, ao passo que a pericardite e a endocardite parecem privilegio da diathe- se rheumatismal arthritica. Notaremos ainda que a manifestação litica no coração reveste sempre a marcha chronica e a forma de cal- losidades ou vegetações valvulares e de tumores gommosos no myo- cardio. O sangue pode acarretar em sua massa corpos extranhos, que tenham influencia sobre a nutrição do coração, perturbando-a, e alterando a estructura da viscera. Sabe-se que a degeneração gordurosa ou steatose do coração, como a do fígado, a do rim, etc., resulta muitas vezes da acção do álcool, do phosphoro, do arsénico, do chumbo, do antimonio, do oxydo de carbono, do ether, do chloroformío, dos ácidos cáusticos, etc. Os princípios alimentares que o sangue conduz também podem in- fluir sobre o estado do coração, alterando-lhe a nutrição e a força con- tractil. Assim, o excesso das substancias gordurosas e amylaceas na alimentação, produz muitas vezes, a par da polysarcia adiposa geral, a obesidade ou sobrecarga gordurosa do coração. A deficiência, ou insuíficiencia de materiaes nutritivos no sangue, tem um resultado previsto e infallivel sobre a nutrição do coração, pro- duzindo ordinariamente a atrophia e a degeneração gordurosa desta vi- scera. E o que se dá nas cachexias, principalmente na tuberculose, cancro, diabetes, catarrho intestinal chronico, dysenterias, qualquer obstáculo á digestão, hemorrhagias repetidas. Quanto á influencia do systema nervoso sobre as moléstias de cora- ção, não precisamos dizer que ella não pode ser negada. A influencia de uma excitação viva sobre os nervos moderadores do coração permitte comprehender como as emoções podem determinar a demora ou a su- spensão dos movimentos cardíacos. Se a emoção é ligeira, a demora do coração é pouco duradoura e seguida de uma hyperestesia dos nervos ac- celeradores provenientes da medulla e do grande sympathico; é então que augmentando a velocidade da circulação, todos os tecidos recebem mais sangue em um tempo determinado; e a pelle enrubesce. Se a emoção foi mais viva, a demora prolonga-se mais, o sangue não chega na quantidade sufficiente aos tegumentos, e estes impallidecem. Quando a acção nervosa é muita intensa, o coração pára completa- . 20 78 mente. Então, o cerebro não recebendo mais sangue para entreter suas funcções, manifesta-se a syncope. Durante este tempo o sangue não indo aos pulmões, carrega-se de um excesso de acido carbonico, que estimula o coração e produz depois o renovamento de suas contracções. Se o indivíduo é muito impressionarei, pode a syncope ser mortal. Vê-se, pois, que não são idênticos em todas as paixões os effeitos das emoções moraes sobre o coração, bem que o mechanismo seja sempre o mesmo. Vê-se também que se o cerebro actúa sobre o coração por intermédio dos nervos, o coração, por sua vez, actúa sobre o cerebro pelo sangue que lhe envia. Não é, pois, tão illusorio como se poderia suppor, o papel que os poetas e litteratos fazem representar ao coração. Indubitavelmente este orgão, insensível, é extranho ao prazer ou á dôr; mas soffrc a acção immediata do cerebro, que percebe as sensações, e é somente depois de exercerem sua acção sobre o coração, que as paixões imprimem á face essas mudanças rapidas que as denunciam. Comprehende-se que as irregularidades repetidas da acção nervosa sobre o coração, perturbando-lhe as funcções, obrigando-o a uma hy- perkinesia, um excesso de actividade, determinará por fim uma hyper- trophia, e dilatação daquelle orgão. Antes, porém, deste resultado, o in- divíduo sentirá fortíssimas palpitações do coração, as quaes podem chegar ao ponto de incutir o receio de que se trate de uma lesão organica. Os factos demonstram a não soffrer contestação, a - influencia do sy- stema nervoso sobre as lesões organicas, hypertrophia, dilatação, etc. E talvez esta influencia uma das causas de se manifestarem frequente- mente as lesões organicas na edade avançada, ou quando o homem está entregue á toda a força das paixões. Fundando-nos no conhecimento dessa influencia, julgamos não ser infundada a crença de que a civilisação tem grande parte no augmento do numero das lesões do coração. Eftéctivamente, alem das causas physicas e das lesões vitaes, estas aífec- ções têm muitas vezes uma origem em causas moraes, que se tornam ac- tivissimas em uma sociedade como é a sociedade moderna, em que agi- tam violenta e continuamente, e ás vezes aniquilam a vida dos indivíduos. O choque dos interesses, a excitação e collisão das ambições, a des- illusão de esperanças quiçá bem fundadas, as privações, a miséria, os ex- cessos, as emoções extremas, alegres ou tristes ; a contenção ou os desre- gramentos, a cólera, o furor, o medo, o ciume, o terror, o amor, o desespe- ro, as paixões mais nobres, como as mais ignóbeis, são verdadeiras cau- sas de moléstias do coração. E se pode ser negada a sua influencia na producção das lesões organicas, ao menos ella é muito manifesta na marcha dessas lesões. Como laço entre a acção das causas physicas e a das emoções mòraes, podemos considerar a acção de certas substancias que têm a propriedade de accelcrar ou diminuir as contracções cardíacas, e que actuam por in- termédio do systema nervoso: taes são o café, as bebidas alcoólicas, a dedaleira, etc. E antes por um estado de friesa que adquire o sangue posto em contacto com o ar frio no pulmão, do que por acção nervosa directa, que se pode explicar uma falta de coordenação dos movimentos do co- ração sob a influencia do frio. Em quanto no coração direito chega o sangue em uma temperatura determinada, o coração esquerdo recebe um sangue que sob a acção do ar frio que penetra no pulmão, resfria- se um pouco durante sua passagem no apparelho da hematose. Bem se vê que as incitações nos dons lados do coração sendo differentes, o rhy- thmo dos movimentos ha de soffrer uma ligeira alteração. 79 SYMPTOMATOLOGIA Estudando os symptomas geraes das moléstias do coração, nós temos a mira em um fim, que esperamos conseguir : facilitar a tarefa de que nos incumbimos, e facilita-la evitando, a proposito de cada uma das moléstias cujo diagnostico vamos estudar, a repetição de symptomas que lhe não pertençam exclusivamente, mas que sejam communs ás moléstias do coração, e concorram para diagnostica-las todas de afíec- ções de outros orgãos que com ellas possam confundir-se por sympto- mas particulares. Acceitando por emquanto a divisão que no paragrapho antecedente apresentamos, de moléstias nervosas, ou puramente funccionaes, molés- tias inflammatorias e moléstias organicas propriamente taes, nós va- 80 mos analysar quaes sejam os phenomenos communs ás affecções de cada um destes grupos. % § Io - Nevròses As perturbações anorganicas do coração, ou as cardio-nevroses, qual- quer que seja a sua causa provocadora, são caracterisadas por pheno- menos puramente funccionaes da innervação cardíaca : uma excitabili- dade maior, uma acceleração nos movimentos e um augmento na força contractil do coração. Estas moléstias distinguem-se entre si, mais pelos phenomenos geraes de que são acompanhadas as causas que as produ- zem, do que por phenomenos especiaes ao coração ; em outros termos : nas nevròses do coração nada ha de mais do que a sensação objectiva de haverem augmentado em força e rapidez as contracções cardíacas ; sensação commum a todas ellas, e mais ou menos intensa conforme a susceptibilidade nervosa do indivíduo. Isto quanto á motilidade. Quanto, porém, á sensibilidade, só é conhecida e acceita como deste genero uma cardio-nevrose, a angina pectoris, cujos symptomas caracte- risticos serão descriptos em logar proprio. Todavia, póde-se approximar deste sub-grupo as sensações dolorosas obtusas, a dôr surda, indeterminada, de que se queixam as pessoas que soffrem de palpitações, e que sentem o seu eoração. A muitos auctores esse phenomeno parece resultado d'uma exacerba- ção na actividade das fibras sensitivas do grande sympathico, como indica o caracter obtuso da dôr. § 2o - Moléstias inflammatorias As moléstias inflammatorias do coração, se têm caracteres que as distinguem entre si, também os apresentam que lhes são communs, e conduzem o espirito do clinico á certeza de sua existência, antes que clle as discrimine. Assim: um movimento febril mais ou menos intenso, com o séquito de symptomas que o acompanham sempre, ( displiscencia, al- quebramento de forças, cephalalgia, zumbidos, agitação) junto á dôr na região precordial, ás vezes diminuta, ás vezes intensa, simulando a da pleurite ; actividade exagerada do coração, suas palpitações irregu- lares, tumultuosas e iutermittentes, com anciedade e oppressão ; acção exagerada dos vasos do pescoço e, contrastando com ella, acção enfra- quecida dos mais vasos arteriaes do corpo (*); ausência de moléstias do apparelho pulmonar : tudo isto reunido induz facilmente á descon- fiança da existência de uma cardite, qualquer que seja, das túnicas do coração, a séde do processo inflammatorio. Virá firmar o diagnostico a historia pregressa do doente. Se esses phenomenos manifestarem-se de- pois de um resfriamento, de affecções organicas reconhecidas do coração e principalmeute, depois de um ataque de rheumatismo ar- ticular agudo, ou de choréa, póde-se, com pouca probabilidade de errar, filia-los á uma inflammação cardíaca. A diagnose de cada uma destas affecções, que muitas vezes confun- dem-se a tornar quasi impossível a distincção, é só estabelecida por seus symptomas objectivos, que mais adiante e a proposito de cada uma, estudaremos. 81 §3° - Lesões organicas As lesões organicas do coração, quasi sempre resultantes de proces- sos inflammatorios, podem ter sua séde nas paredes do orgão ou nos seus orifícios. Quer a resistência dessas paredes tenha diminuído por um acci- dente qualquer, como na dilatação simples e nas degenerações; quer seja augmentada a sua força de contracção, ao mesmo tempo que o seu volume, como na hypertrophia ; quer os orifícios se achem estreitados, diffícultando a passagem do sangue de uma para outra cavidade ; quer sejam incompletamente obturados pelas valvulas que os guarnecem -sempre e necessariamente a circulação do sangue será mal feita : e se essas lesões tendem a produzir em principio eífeitos differentes, modi- ficando a natureza e o resultado das perturbações circulatórias, com o seu progresso, e porque vão umas provocando a manifestação das (*) Este signal é notado per Stokes, e para Graves tem Importância capital 82 outras, as funcções organicas vão de tal maneira se perturbando, que as lesões cardíacas acabam por apresentar um quadro symptomatico com- mum a todas ellas, qualquer que seja a sede e natureza da lesão pri- mitiva, e differindo apenas conforme o grau de adiantamento de cada uma. Esse quadro, vamos passa-lo em revista, analysando-lhe detalhada- mente os perfis, e investigando a razão de ser de cada um ; porque somos de opinião que se é util fazer conhecer os symptomas d'uma affecção, de utilidade ainda maior é estuda-los em sua origem, á luz dos conhecimentos physiologicos. Neste proposito vamos acompanhar a marcha d'uma lesão organica do coração, desde o seu periodo inicial até o seu ultimo termo, acom- panhando também as lesões concomitantes. O ponto de partida das lesões organicas do coração é, quasi sempre, uma alteração de seus orifícios e das valvulas respectivas. Raras vezes uma hypertrophia mostra-se isolada e primitivamente, sem uma lesão orica ou valvular anterior, produzindo o estreitamento do orifício ou a insufficiencia da valvula. Friedreich diz não conhecer um só facto de hypertrophia idiopa- thica do ventrículo direito ; e quanto ao ventrículo esquerdo, elle considera muito raros os casos da mesma natureza. Poucas também ha um enfraquecimento primitivo nas paredes do coração, devido á insufficiencia da nutrição local ou a processos in- flammatorios chronicos. As affecções valvulares complicam-se muito frequentemente entre si. Assim, o estreitamento mitral acompanha-se de insufficiencia aortica ; este d'um estreitamento mitral. Quasi nunca as lesões dos orifícios direitos existem sem lesões nos orifícios esquerdos, bem que estas pos- sam ser independentes d'aquellas. Quando é normal o diâmetro dos orifícios cardíacos e as valvulas destinadas a fecha-las em certos momentos funccionam regularmente, o sangue passa facilmente d'uma cavidade para outra na quantidade precisa e n'um espaço de tempo determinado : não ha no organis- mo perturbação alguma no curso do sangue, e o ouvido applicado sobre o peito percebe durante a revolução cardíaca os ruidos normaes de que já nos occupamos. Mas se a torrente sanguínea encontra um orifício apertado ou rugoso, difficultando-lhe a passagem, ou se o jogo 83 imperfeito da valvula permitte-lhe regorgitar para a cavidade d'onde saiu, então dar-se-ha uma destribuição defeituosa do sangue, da qual em bre- ve se manifestarão signaes bem positivos e o ouvido perceberá n'esses ruidos alterações notáveis, caracteristicas de qualquer dos generos de lesão, denunciando até a séde da lesão existente, e cujo conhecimento perfeito bastará para firmar o diagnostico differencial entre ellas. Tomando por ponto de partida para o nosso estudo uma lesão orico- valvular, unica ou múltipla, nós supporemos as paredes do coração em toda a sua integridade d'estructura e com a sua força elastica normal. Tres períodos clínicos podem ser estudados na serie de phenomenos geraes devidos á existência das lesões cardíacas : o primeiro, período inicial, em que sob a influenciado causas diversas, inflanimação das tú- nicas do coração consecutiva a um rheumatismo, herança, affecções pul- monares, etc., a lesão se manifesta; o segundo, no qual, por meio desfor- ços energícos, o coração consegue vencer o embaraço apresentado ao li- vre curso do sangue pelo facto da lesão : é o período de lucta ou reac- ção ; o terceiro, é o periodo impotência, no qual, extenuado por seus esforços incessantes, o coração perdeu a força necessária para superar os obstáculos, e no qual se manifestam os symptomas geraes que provêm do embaraço n'uma funeção tão essencial á vida, como é a circulação. Primeiro periodo - De curtíssima duração, este periodo só pode ser apreciado pelos signaes physicos, principalmente pelos que fornece a escutação. Manifestando-se a lesão no orifício, estreitamento ou insufficiencia, o seu effeito immediato deve ser a distribuição irregular do sangue no coração e a dilatação consecutiva das cavidades correspondentes á lesão; porquanto, se na insufficiencia uma certa quantidade de sangue affine para uma cavidade, augmentando-lhe o conteúdo, e na stenose elle não pode seguir todo a sua marcha, e a parte que fica augmenta a porção de sangue que deve affluir normalmente, a cavidade que precede ini- mediatamente ao orifício lesado deve soffrer uma dilatação, pelo excesso da massa sanguinea que contem. Neste facto nós não vemos mais do que a applicação ao organismo, da lei de mechanica chamada lei da retro-dilatação, assim concebida: « Toda vez que em um systema de tubos elásticos houver um obstáculo ao curso de um liquido que nelle circule, a paite do tubo collocada antes do obstáculo se dilatará » 84 A dilatação pode ir se estendendo gradualmente ás cavidades anterio- res áquella onde tem logar, como succede com as cavidades do coração direito nas lesões mitraes,. (stenose ou insufficiencia) em consequência da demora do sangue em seu curso nos pulmões, consequente, por sua vez, ao augmento da quantidade de sangue e sua demora na aurícula esquerda. Por outro lado, ao em vez da dilatação, dá-se a diminuição na cavi- dade que succede ao orifício lesado, principalmente quando se tracta d'um estreitamento, por isso que, se n'essa cavidade penetra uma pe- quena quantidade de sangue, a sua contracção é maior, sem ser mais energica, pela 'contractilidade tónica de seus musculos e assim dimi- nuirão as suas dimensões. 0 resultado d'essas anomalias do curso do sangue no proprio orgão e na circulação, será a má distribuição do sangue no organismo, com dimi- nuição de tensão na arvore arterial geral (se a lesão é no orifício aortico ou no mitral) ou na pequena circulação (se ella tem logar no coração di- reito). Coincidindo com este resultado, um outro, notável e necessário, deve apresentar-se: é a depleção incompleta e a turgencia das veias pul- monares, no primeiro caso, e das veias da grande circulação, no segundo. As consequências destes dons factos, de facil previsão, serão por nós estudadas quando tratarmos do terceiro período, no qual ellas re- velam-se de modo tão claro, quanto assustador. Entretanto, digamos desde já que a causa e ponto de partida de quasí todos os phenomenos consecutivos ás lesões valvulares chronicas, são as perturbações mechanicas que ellas produzem sobre a circula- ção c que pouco a pouco vão se fazendo sentir sobre os diversos orgãos e suas funeções. Este primeiro periodo não chega a estabelecer-se de todo, por uma disposição concurrente com as dilatações cavitarias e cujos effeitos con- stituem o segundo periodo clinico, de que vamos occupar-nos. Segundo periodo. - O primeiro eflfeito dynamico de qualquer em- baraço na cirgulação cardíaca ou geral, será obrigar o coração, todo ou uma parte delle, ao emprego de um excesso de força e de trabalho, para vencer esse obstáculo á sua acção regular. 85 « Como os apparelhos nervosos do coração, diz Botkm, accommo- dam-se á maior ou menor quantidade de sangue contido em suas cavi- dades, a stase e a dilatação devem ser seguidas d'um reforço proporcio- nal das contracções das fibras musculares. » Mas todo musculo submettido a contracções repetidas e energicas, augmenta de volume, hypertrophia-se. E, pois, obrigado a empregar maiores esforços, afim de expellir a sobre-carga sanguínea que contém, ou porque a cavidade não possa esvasiar-se com a rapidez precisa, ou porque, o sangue reflua para ella -, o coração acaba por hypertrophiar- se, suas paredes augmentam de volume e assim, e só assim, tornam-se susceptiveis de energia maior e mais durável. Essa nova lesão consecutiva á primeira, mas produzindo effeitos in- teiramente oppostos, poderá compqjisa-la por um tempo mais ou menos longo ; d'ahi o nome de hypertrophia compensadora, que se lhe dá ge- ralmente. Para termos uma idéa do mechanismo dessa compensação, basta-nos ler o que, a proposito das hypertrophias compensadoras nos casos de le- sões dos orifícios esquerdos do coração, escreve o profundo Niemeyer : <t Em quanto as anomalias valvulares demoram a circulação e tor- nam o sangue mais venoso, a hypertrophia accelera o movimento cir- culatório e torna o sangue arterial; ao passo que as anomalias das válvu- las diminuem o conteúdo da aorta, a hypertrophia tende a.augmenta-lo; em quanto as anomalias das valvulas se oppõem á depleção das veias pulmonares e exagerara o conteúdo dos vasos da pequena circulação, a hypertrophia torna mais facil a depleção das veias pulmonares e dimi- nue a massa de sangue na pequena circulação. » Convém notar-se que a compensação é mais completa nos casos de insufficieneia valvular, do que nos de estreitamento de um orifício, porque neste caso a cavidade hypertrophiada não tem só que expellir uma quan- tidade maioi' de sangue, que se accumulou ; tem ainda que vencer o ob- stáculo permanente á passagem desse liquido em um tempo dado; pre- cisa, portanto, de empregar mais energia do que no caso da insufficieneia, em que a onda sanguínea, embora crescida, encontra desembaraçada a sua passagem. Sabe-se que um orgão contractil se enfraquece tanto mais depressa, quanto mais energia desenvolve em seu trabalho. Naturalmente a hypertrophia compensadora, da mesma forma que a dilatação, se estabelecerá na cavidade que estiver em relação mais di- 86 recta com a séde do obstáculo que ella tem a vencer; ás vezes, porém, ella tem sua séde bem longe da lesão orica. Um estreitamento mitral ou tricuspide produz a hypertrophia da aurícula correspondente; mas, a insufficienciá mitral, por ex:, produz, além da hypertrophia da aurí- cula esquerda, a hypertrophia do coração direito. Este facto, por mais extraordinário que pareça, tem ainda, como o das dilatações, a sua razão de ser na lei da retro-dilatação, que appli- cada ao systema vivo, pode se chamar - retro Jiypertrophia. É segundo esta lei que se dão as hypertrophias cardíacas secundarias. Em quanto dura a hypertrophia compensadora, o doente não se queixa de moléstia do coração; e bem que o seu estado seja bastante grave para que seus dias sejam contados, nelle os phenomenos da circulação não apresentam modificação apreciável. Apenas uma ou outra vez o indiví- duo sente palpitações, que se mostram sem causa apparente, ás vezes depois de ter caminhado rapidamente, depois de haver tomado um pouco de vinho, café, chá, ou depois de uma excitação moral. Estas palpitações, attribuidas pelo doente ou pelas pessoas a quem se queixa, á ura estado nervoso particular do coração, desapparecem no fim de poucos dias, para apparecerem de novo em muitos casos. Muitas vezes o seu desapparecimento coincide com uma melhora da nutrição, do estado physico ou moral do indivíduo, ou com a regularisa- ção das funeções digestiva, geradora, etc. Segundo a generalidade dos cardio-pathologistas, as palpitações nas moléstias organicas do coração dependem de uma excitabilidade maior que então adquire esta viscera a cada systole. Eis como explica Botkin (*) essa maior excitabilidade na hypertrophia: - «O coração possue um apparelho nervoso particular que regnlarisa a frequência de suas contracções; o nervo vago, que regularisaos movimentos de um musculo de certo volume, não bastará provavelmente para regularisar as contrac- ções de um musculo cujas fibras têm augmentado consideravelmente de numero. » Para o professor de S. Petersbourg este phenomeno é seme- lhante aos que se dão nos musculos das extremidades; pessoas que em consequência de um augmento de trabalho têm desenvolvidos e hypertro- phiados os musculos das extremidades, não podem governa-los bem, prin- cipalmente nos pequenos movimentos. É quasi impossível a um ferreiro (*) Des nmladles du cceur, 68. 87 executar um trabalho manual delicado; seus musculos contrahem-se mais do que é necessário, e para um trabalho que não seja grosseiro, é preciso que esse homem concentre toda a sua attenção, afim de regular bem seus movimentos. A sensação subjectiva das palpitações não está em proporção com o grande desenvolvimento da hypertrophia; depende principalmente da irritabilidade nervosa do indivíduo. Pode-se explica-la pelo estado hy- peresthesico dos nervos intercostaes, que se acham collocados adiante do coração e aos quaes estende-se o abalo produzido pelas contracções cardíacas. A excitabilidade d'estes nervos pode ser tal, que os doentes cheguem a perceber as contracções que habitualmente são percebidas pelo exame physico, ainda quando o coração não esteja sensivelmente hypertrophiado. Por outro lado, ha casos em que, apezar da existência de palpitações objectivas fortíssimas, o doente não tem a sensação subjectiva delias; phenomeno este que Friedreich explica por um costume já estabelecido no doente. Á excepção d'essas palpitações intermittentes, com intervallos um tanto longos e raras vezes incommodas ao doente, estb não sente altera- ção alguma outra, que o leve a chamar attenção do medico sobre o seu coração. Infelizmente, porém, não é duradouro esse estado de cousas. O hoRret lateri lethdlis arundo, do cysne de Mantua, tão bem evocado por Corvisart, encontra aqui sua inteira applicação ! A hypertrophia, que a principio era providencial e conservava-se nos limites precisos para a compensação, começa - ou a exagerar-se, ou a tornar-se insufficiente para preencher o seu fim salutar. As vezes nem mesmo existe a hypertrophia compensadora. Isto suc- cede quando, por um concurso de certas circumstaucias anteriores ao estabelecimento da lesão valvular, as paredes de coração têm soffrido uma transformação gordurosa, ou têm-se tornado impotentes para qual- quer esforço. , No caso em que começa a ultrapassar os limites da compensação, a hypertrophia torna-se mais perigosa para o doente, do que a lesão pri- mitiva: produz os mesmos phenomenos que produziria se tivesse uma existência independente da lesão, se fosse primitiva. A principio o indivíduo apresenta os siguaes de um acceleramento 88 na circulação geral, e de um augmento na tensão sanguinea arterial, se a hypertrophia é total ou do ventrículo esquerdo, e na circulação pulmonar, particularmente, se a hypertrophia interessa o ventrículo direito: seu pulso apresenta-se mais frequente e cheio, as carotidas batem mais fortemente; a face torna-se corada, principalmente nos pom- mulos; a physionomia mais animada, os olhos mais vivos e mais bri- lhantes: o enfermo sente o rosto afogueado, as orelhas abrasadas: qual- quer pequeno esforço que faça, a subida de uma escada, de uma la- deira, o andar apressado, um salto que dê, a ingestão de uma sub- stancia quente, ou excitante, (café, álcool); uma refeição mais abundante; impressões moraes as mais ligeiras, tudo isso provoca no infeliz fortes palpitações cardíacas, um sentimento vago de plenitude, de pressão, na região precordial, celeridade nos movimentos respiratórios, peso na cabeça, cephalalgia pulsativa, ruido incommodo no ouvido, vertigens. O doente tem insomnia, ou somno agitado, despertar em sobresalto, etc. Continuando a sua marcha progressiva, a hypertrophia occasiona todos os effeitos da tensão exagerada nas artérias: as congestões ac- tivas determinam,a imminencia para as apoplexias, principalmente no cerebro e nos pulmões, j Todas as causas que tendem a augmentar o poder contractil, já con- siderável, do coração e que normalmente não teriam eífeito desagra- dável (impressões psychicas, excitações physicas, a plethora passageira devida a uma refeição copiosa, o augmento artificial da massa de san- gue pela suppressão de algum fluxo habitual; a suppressão da trans- piração, accessos de tosse,) bastam para dar logar a essas terríveis com- plicações. Quanto mais irritável é o coração hypertrophíado, tanto maiores são as suas perdas materiaes; por isso, mais cedo ou mais tarde elle se fa- tigará, como outro qualquer musculo que executa um trabalho excessivo. As observações clinicas e anatomo-pathologicas induzem a admittir-se um enfraquecimento na actividade cardíaca independente de uma alte- ração das paredes musculares, e semelhante á perda temporária de con- tractilidade que soffrem os musculos das extremidades, cm consequência de contracções fortes e repetidas. Esse enfraquecimento das contracções cardíacas, a principio tem- porário, torna-se depois permanente, quando a excitabilidade, a que 89 elle succede, se tem elevado a um alto gráu e se tem repetido com fre- quência. A tensão exagerada e prolongada do sangue nas artérias, por effeito da hypertrophia, comprimindo às paredes destes vasos, origina uma insufficiencia na nutrição delias, com de elascidade a principio, e depois com degeneração. De qualquer dos casos resulta a perda da for- ça contractil, auxiliar poderoso do movimento do sangue nas artérias, e, portanto, em toda a arvore circulatória. Esta alteração, que começa a desenvolver-se ainda cedo, traz ao co- ração a necessidade de se contrahir ainda mais energica e repetida- mente do que o tem feito até então, afim de por si só fazer chegar o sangue ás ultimas partículas da organisação. Comprehende-se, pois, que ainda mais rápido e considerável se tornará o enfraquecimento da actividade cardíaca. Mais tarde, o enfraquecimento, que a principio é expressão d'uma simples exhaustão da força contractil, é o resultado d'uma alteração anatómica nas paredes das cavidades - a degeneração gordurosa ; alte- ração que resulta das condições de nutrição do proprio coração. Ex- pliquemo-nos. A systole dos ventrículos tem por effeito comprimir os vasos conti- dos na espessura das paredes ventriculares, c lançar com força o sangue desses vasos na aurícula direita pela veia coronaria ; quer dizer - durante a systole, o coração desembaraça-se ao mesmo tempo do sangue que o alimenta e do que recebe em as suas cavidades. Durante a diástole dá-se a irrigação do coração pelo sangue proprio a nutril-o, por isso que é nesse tempo que o sangue afflue em maior quantidade para as artérias coronárias e seus ramúsculos, favorecido pelo relaxa- mento das fibras musculares, pelo obstáculo que as valvulas sigmoides oppõem á refluencia do sangue que durante a systole penetrara na aorta. Com effeito, é nestas condições, como faz notar notar Jaccoud, que a onda sanguínea retrograda só encontra caminho para o lado do coração nos orifícios das artérias coronárias, largamente abertos para recebe-la. Sendo assim, na hypertrophia o coração, posto que obrigado a tra- balhar mais, ou antes, por isso mesmo que trabalha mais, é affectado em sua nutrição ; porque as systoles, repetindo-se a miúdo, não dão 90 tempo a que se eltectuem as trocas nutritivas entre o sangue arterial e as moléculas com que elle se põe em contacto ; além disso, as diástoles durando muito menos tempo do que no estado normal, a repleção das artérias coronárias não é completa, e a quantidade de materiaes nutri- tivos diminue, quando devera augmentar, para supprir as perdas orgâ- nicas do coração, que se tornam maiores. A receita, portanto, tem diminuído, ao passo que a despesa tem augmentado, e continúa a augmentar com os progressos da lesão val- vular. Ha, portanto, um déficit na nutrição, e deste resulta - a principio, a fraqueza das contracções; depois, a degeneração fibro-gordurosa das pa- redes do coração, e em qualquer dos casos - falta de compensação, mais completa no segundo que no primeiro, da hypertrophia. Assim, gastas pela própria actividade, as paredes hypertrophiadas do coração perdera gradualmente sua energia, e ao em vez de reagirem contra a pressão da onda sanguínea, deixam-se distender por ella, e suas contracções tornam-se insufficientes para desembaraçar as cavida- des de sangue que as sobrecarrega. O coração cansado, crescendo os obstáculos á proporção que diminue a sua força, e diminuindo esta á proporção que crescem os obstáculos ; o coração extenuado, dizemos, fa- zendo inúteis esforços para conservar a sua autonomia, vae tombar na lucta. Começa o Terceiro período- O primeiro effeito do enfraquecimento da acção cardíaca é o desequilíbrio entre a tensão arterial e a venosa; isto é, reco- meçam os effeitos immediatos c directos da affecção valvular, como se não tivesse havido compensação. As artérias recebendo mui pouco sangue, já pelos obstáculos existen- tes nos orifícios, já pela fraqueza das contracções do orgão encarrega- do de suppril-as desse liquido, a diminuição do seu conteúdo implica necessariamente o augmento de conteúdo das veias. Effectivamente, faltando um dos elementes mais poderosos da circu- lação venosa, a vis a tergo arterial, a marcha do sangue nas veias deve ser mui demorada, tanto mais, quanto nestas condições a acção do peso se exerce mais livrememente. 91 É facil prever-se as terríveis consequências dessa oligohemia : pulso pequeno, fraco, deprimido ; extremidades frias ; ás vezos, notavelmen- te na insufficiencia aortica, syncopes, vertigens e outros symptomas as- sustadores de anemia cerebral. Diminuindo a tensão na aorta e seus ramos, deve diminuir a activida- de nutritiva c das diflferentes secreções. D'entre estas a que primeiro diminúe, é a da ouriua: e convém aqui dizer que Traube liga muita im- portância á diminuição da diurése, considerando-a como um dos primei- ros signaes da falta de compensação na hypertropliia, e dizendo que ella continúa até aos últimos dias da lesão organica, mesmo com a albumi- núria. Conforme as observações de Goll, a diminuição da quantidade normal da ourina, quando ha diminuição da tensão sanguínea arterial no rim, faz-se notar principalmente na quantidade d'agua, ficando quasi na mesma porção os elementos solidos da ourina, que assim fica mais con- centrada do que no estado normal, e de peso especifico maior. Uma outra secreção que deve também diminuir, em consequência di ischemia arterial, é a da bilis, e d'aqui resultarão perturbações diges- tivas, que mais tarde encontrarão outras cansas productoras. Por outro lado, accumulando-se o sangue nas veias, dar-se-hão as congestões passivas dos diversos orgãos da economia, começando pelo pulmão, situado entre o coração direito e o esquerdo, e onde a pequena circulação é, consegnintemente, a primeira que solfre embaraço; seguin- do-se depois o figado, orgão eminentemente distensivel c que resente- se logo do engorgitamento da veia cava inferior. Como uma das consequências mais frequentes das congestões repe- tidas para certos orgãos, apontaremos a sua inflaramação, que quasi sempre reveste o caracter de chronicidade, terminando raríssimas vezes por suppuração, mas também apresentando pouca tendencia para a resolução e muita para as reincidências: talvez porque a con- gestão que precedeu e produziu a inflaramação, continua a determinar o derramen de sorosidade nos interstícios do parenchyma, sorosidade que oppõe-se á re-absorpção dos productos inflamraatorios. O carater clinico d'essas inflammações é a pouca intensidade das reacções febris. 92 A's vezes resulta dessas inflammações, quando ellas são repetidas, a proliferação do tecido conjunctivo. que comprimindo os elementos proprios e activos do orgão, os destrúe gradualmente, produzindo nma ' sclerose. Este phenomeno se dá principalmente no fígado, nos rins, e no baço. Uma outra consequência directa e frequente das congestões venosas nas vísceras, é a hemorrhagia passiva, das quaes a mais importante, por sua gravidade, é a do cerebro. Algumas vezes é salutar a manifes- ção de uma dessas hemorrhagias ligadas ás moléstias do coração, por- que produz uma depressão, que allivia os mais incommodos sym- ptomas. Mas essas perdas de sangue, quando repetidas, podem con- duzir mais depressa o doente á morte, precipitando a apparição da cachexia cardíaca, de que adiante nos occupparemos. Um outro effeito das congestões sanguíneas, é o augmento gradual e lento, a hypertrophia, dos orgãos em que ella se manifesta. Com as stases sanguíneas repetidas, altera-se a nutricção do orgão ; o sangue faz corpo com o seu parenchyma, que não póde mais tor- nar ao volume primitivo, e assim vae se hypertrophiando pouco a pouco. Este facto é mais notável no fígado, sem duvida por ser esta viscera muito vascularisada e de tecido compacto : e quando a hy- perrrophia no fígado tom chegado a certo grau, é uma causa mais para as perturbações respiratórias e digestivas, e annuncia que nma ascite não tarda a manifestar-se. As hyperemias venosas constituem a causa immediata e essencial do maior numero das perturbações secundarias e dos symptomas longiquos das aflfecções organicas do coração. Effectivamente, a stase venosa ge- ral produz directamente esses graves desarranjos de ordem physica, chi- mica ou dynamica, que successiva e fatalmente vão se manifestando, durante o curso d'uma lesão organica adiantada do coração, nas func- ções da hematose, da hemato-poiése, e da nutrição dos tecidos. O coração e o pulmão, assim como as funeções d'estcs dons orgãos» acham-se cm tão intima connexão, que não deve admirar a circumstan- cia de nas moléstias do coração, ser o pulmão o primeiro orgão do corpo que se resinta da influencia d'ellas. As perturbações do pulmão por motivo de moléstia do coração, tor- nam-se mais frequentes nas aífecções valvulares do lado esquerdo, par- ticularmente nas lesões da mitral. 93 Sobrecarregadas as veias do apparelho pulmonar, difficultada a pe- quena circulação, ahi temos um embaraço mechanico á respiração; por- que, con gesto o tecido do pulmão, diminuída a capacidade dos alvéolos pulmonares, nelles só poderá penetrar uma pequena quantidade de ar. Produz-se, como effeito o mais natural, a dyspnéa, que a principio intermittente e manifestando-se depois de um exercício um pouco longo, vae começando a ser experimentada mesmo no estado de repouso, au- gmentando por qualquer esforço. Esse cansaço vae ganhando proporções excessivas, aterradoras, a ponto de impossibilitar o decúbito; vê-se então o pobre dyspneico sentado sobre a borda do leito, com as mãos apoiadas sobre ella, os membros inferiores pendentes; a principio em orthopnéa, depois com o tronco inclinado para a frente, - tudo isso para facilitar mais a acção dos musculos inspiradores e a dilatação do thorax. O doente precisa de ar, desse ar que lhe vae faltando no pulmão, e a que elle, nos últimos períodos de sua moléstia, procura dar mais larga entrada entre-abrindo a boccapara sorve-lo; então se o vê com os mus- culos da face em contracção convulsiva, as narinas dilatadas, as azas do nariz em contínuos movimentos, os lábios tumefeitos, os olhos proemi- nentes, como saindo das orbitas. E mesmo um facto notável que nas moléstias pulmonares a dyspnéa se faça sentir menos do que nas affecções do coração. Assim, como diz Littré (*), pessoas affectadas de pneumonia extensa, bem que respirem com grande frequência, respondem muitas vezes, quando se lhes per- gunta se têm a respiração embaraçada, - que não o sentem; ao passo que nas moléstias do coração, o symptoma de que mais se queixam os do- entes, é a suffocação. O engorgitamento e distensão dos vasos pulmonares dispõem a uma infiltração oedematosa do parenchyma do pulmão, assim como a hemor- rhagias neste oigão. Pelo despedaçamento de grossos ramos vasculares formam-se na espessura do tecido proprio do pulmão, nodulos hemorrha- gicos volumosos e enfartes da mesma natureza, que durante a vida rc- velam-se pela presença de sangue puro nos escarros e que, se não dão logar a hemoptises copiosas, podem occasionar desaggregações ulcerativas e grangrenosas ou, quando são superficiaes, pleuresias extensas. Da stase venosa no pulmão, facto puramente mechanico, resulta o facto chimico da incompleta oxygenação do sangue, o qual não vindo (*) «Dlctionnaire de médecine», eu 30 vol., vol. 8C, art. cceur. com a precisa rapidez por-se em contacto com essa pequena porção de ar que ainda chega ao apparelho respiratório, fica em parte no estado venoso, como revela a injecção violeta dos tegumfentos do enfermo, prin- cipalmente nos lábios e nas palpebras. A incompleta oxygenação do sangue, que a principio é resultado do obstáculo mechanico á respiração, torna-se por sua vez uma causa chi- mica das dyspnéa, augmentando a imperfeição da hematose: o sangue pobre de oxygeneo e rico de acido carbonico, exerce sobre o apparelho nervoso peripherico da respiração e sobre os centros nervosos, princi- palmente sobre a medulla allongada, uma excitação anormal, que pro- duz um reforço nos musculos respiradores, a acccleração e falta de am- plitude dos movimentos respiratórios. O que é singular, é que o accele- ramento da respiração, eífeito da oxygenação incompleta do sangue, é, por sua vez, causa de que o doente receba uma quantidade insufíicicnte de oxygenio e assim diminua mais a oxydabilidade em todo o organismo. Da hyperemia dos bronchios resulta a hypersecreção bronchica, esse catarrho branco, em geral pouco espesso, que costumam expellir os do- entes do coração, que o attribuem muitas vezes a uma bronchite aguda mal curada e que se tem tornado chronica. Sendo os vasos pulmonares mais sugeitos do que os bronchicos, á stase venosa, nem sempre a dyspnéa é acompanhada de catarrho bronchico. Mas como as artérias bronchicas se anastomosam com as pulmonares, conforme demonstrou Rossignol, a dyspnéa pouco a pouco se complica de catarrho dos bronchios, o qual por sua vez a torna mais grave. A congestão da mucosa bronchica, estreitando o calibre dos canaes aeriferos, difficulta ainda mais a respiração, produzindo accessos de suífocaçãO semelhantes aos da asthma nervosa. Esse accessos constituem a asthma cardíaca. A congestão do figado, além dos desarranjos que produz neste orgão, também determina, pela turgencia consecutiva do systema venoso porta, hyperemias dos outro sorgãos abdominaes, modificando-lhes as funcções. A stase nas veias hepaticas determina um catarrho chronico das vias biliares, em consequência do qual o corrimento da bilis, tornada espessa e viscosa e ás mais das vezes misturada com productos mucosos, faz-se com difficuldade. Quando exagerada, a stase produz a compressão dos conductos bilia- res, estorvando a passagem da bilis, já diminuída em sua quan- 94 95 tidade pelo facto de chegarem pelas artérias poucos materiaes para o seu fabrico, e também pela compressão do apparelho cholé- geno. Não podendo sair a bilis pelos seus canaes de excreção e stagnan- do-se, acaba por passar para o sangue {icterícia hepatogenica)'. e como no tempo em que se dá essa icterícia, o sangue já está em alto grau de des- oxygenação, a côr amarella da bilis, combinando-se com a côr azu- lada do sangue, produz essa côr esverdinhada, que se nota na pelle nos últimos tempos da lesão cardíaca. Alem disso, pela ausência de bilis no tubo intestinal, não pode se dar a saponificação da parte gordurosa dos alimentos; e assim estará prejudicada em parte a digestão, que encontra uma outra causa de im- perfeição no catarrho do estomago e dos intestinos, consecutivo á con- gestão habitual destes orgãos. O catarrho gastro-intestinal, que pode chegar, com quanto raramente, a tornar-se uma diarrhéa colliquativa, tem por effeito difficultar simul- taneamente a digestão dos alimentos, a absorpção e assimilação dos pri- cipios alimentares; e assim não pode se fazer a recomposição do sangue, que por outras causas já se tem empobrecido tanto; e, em ultima analyse, a nutrição não pode ser perfeita. Muitas vezes dá-se no tubo intestinal, em resultado da sua hyper- emia, uma preguiça em consequência da qual as fezes accumulam-se em grande quantidade, demorando-se por dias, augmentando assim a con- gestão venosa nos ramos e troncos da veia porta e no ligado, e a ten- dência para o catarrho intestinal. A forte hyperemia das veias rectaes, alem do catarrho e atomia dessa parte do intestino, occasiona as hemor- rhoides, tão constantes nas lesões cardíacas; hemorrhoides que trazem um allivio ao doente quando sangram, e que se tornam um supplicio para muitos indivíduos, que nellas veem a sua lesão primitiva, essencial, ori- gem de todos os outros incommodos, como tonteiras, cephalalgia e até palpitações desordenadas do coração. As congestões do baço, do ligado e dos ganglios vasculares, tríade a que se attribue o fabrico ou a destruição dos globulos do sangue, deve trazer como resultado uma perturbação nessa dupla funcção, nma anhe- matia ou, melhor, uma dyshematia: e assim apparece mais uma causa para o depauperamento sanguíneo. Além disso, sendo, como se sabe, os globulos rubros do sangue os con- ductores, o vehiculo do oxygenio para as combustões organicas, é claro 96 que essa anhematia diminuirá consideravelmente o movimento nutri- tivo nos tecidos e a dysoxydação do sangue, que se tornará cada vez mais escuro e carregado de carbono. Congestas as veias uterinas, necessariamente hão de apresentar-sc anomalias na menstruação, o catarrho das trompas, do utero e da vagina, com um corrimento leucorrheico, menorrhagias copiosas e perdas de sangue pseudo-menstruaes. Nos rins, as hyperemias repetidas devem trazer como resultado final uma degeneração das cellulas epitheliaes dos tubuli; estes descamam- se interiormente e deixam passar atravez de suas paredes, d'envolta com os principios constituentes da ourina, uma parte da albumina exi- stente no sangue. Assim apresenta-se muitas vezes, nas lesóes cardíacas, a albuminú- ria. Este symptoma, que é um dos últimos a manifestar-se e que cm alguns casos falta completamente, tem grande influencia sobre as hy- dropisias, de que dentro em pouco nos occuparemos. A hyperemia passiva do cerebro e de seus invólucros tem principal- mente por consequência um cedema chronico e accumulo de sorosidade nos ventrículos lateraes ; podendo-se também observar processos itt- flammatorios chronicos do ependymo e das membranas cerebraes e mo- dificação ou espessamento da pia-mater. O engorgitamento das veias cerebraes explica, portanto, o peso na cabeça, as cephalagias pouco intensas, os zumbidos, tendencia para as liphothymias, vertigens, phosphenas e outros phenomenos devidos á congestão retiniana: accidentcs estes de que tanto se queixam os doentes do coração. A perturbação produzida pela lesão valvular, a tensão venosa coinci- dindo com uma diminuição do affluxo do sangue arterial, como nas stenoses mitraes, essas perturbações cerebraes podem ser consideradas em parte como devidas á diminuição do sangue arterial no cerebro e á difficuldade que d'ahi resulta para as trocas nutritivas. Alguns auctores dizem que no curso das lesões organicas do coração as faculdades mentaes modificam-se; mas desse facto não existem provas. O que é certo, é que as alienações mentaes apresentam-se, com quanto raramente, e sem que se possa filia-las directamente á lesão cardíaca. Finalmente, a stase do sangue não oxygenado nas veias e capillares da delle é causa dessa côr, á principio vermelho-escura e depois 97 azulada, dos tegumentos, dessa cyanose que se manifesta principal- mente na face, (onde se distingue mais nos lábios e nas palpebras) nas extremidades e nas superfícies mucosas externas, durante o curso das moléstias graves do coração. Ainda mais : este engorgitamento ve- noso da face, entumecendo-a, dá-lhe aquelle aspecto vultuoso, peculiar às lesões adiantadas do coração e que se tem denominado de modo expressivo - fácies cardíaca. Neste estado o volume da face é crescido, os lábios azulados e es- pessos, caido o inferior ; as palpebras, principatmente a inferior, in- chadas ; os olhos como que saindo das orbitas ; as venulas dos lábios, das bochechas e do nariz entumecidas, e seus ramos cruzaudo-se, formam em certos pontos como que raios d'uma estrella. O dr. Jadilot affirma que o sulco, que começa na eommissura dos lábios e termina na parte inferior da face, é muito visivel nas moléstias do coração, bem como nas graves affecções dos orgãos respiratórios. Perturbada a circulação no systema lymphatico e no venoso, a func- ção absorvente d'estes vasos deve soffrer grandes perturbações ; o que augmentará mais a difficuldade da reconstituição do sangue, e sua de- generação. As dyspepsias frequentes ; o embaraço da absorpção no systema ve- noso porta ; a difficuldade de chegaram ao sangue os materiaes necessá- rios á nutrição, em consequeneia de communicar-se ao canal thoracico a stase venosa ; a dyshematia, ou diminuição dos globulos rubros do sangue ; todas estas causas juntas, dão em resultado a imperfeição da reparação do liquido nutritivo. Incompletamente regenerado, o sangue altera-se profundamente em sua composição, em sua crase, torna-se menos denso, mais fluido ; dimi- nuem de dia a dia os seus globulos e a sua albumina, que, demais a mais vae muitas vezes perdendo-se pela ourina. ' A'diminuição na pressão das artérias renaes, de que em principio fal- íamos, diminuindo a quantidade da ourina excretada, faz que a porção d'agua existente no sangue, que devia ter saida pela diurése, fique na massa sanguinea, augmentaudo-lhe a fluidez. O estado de hydremia e hypo-albuminose do sangue explica a palli- dez geral da pelle, apreciável mesmo quando exista uma ligeira cya- nose dos lábios e das bochechas, o aspecto terreo e leuco-phlegmasico, 98 a côr de cera, do doentenos últimos períodos das moléstias chronicas do coração. E' também o empobrecimento do sangue a origem d'esse emmagreci- mento e d'essa cachexia, que tantas vezes manifestam-se nos períodos adiantados da moléstia (cachexia cardíaca de Andral). Deve-se ainda considerar esse estado anormal do sangue como occa- sionando chimicamente graves alterações nas differentes e mais impor- tantes secreções, já perturbadas por causas mechanicas. Da dyscrasia sanguínea, c da grande turgencia venosa e capillar ge- ral com enfraquecimento das paredes vasculares, resultam infiltrações de sorosidade cm todos os orgãos c derramens nas cavidades splan- chnicas. A infiltração deve, necessariamente, começar pelo pulmão, constitu- indo o oedema pulmonar. Isto é de facil intuição, attenta a natureza cellulosa d'aquelle orgão e porque elle é o primeiro onde começa a stase. Depois a sorosidade vae infiltrando o figado, o baço, a mucosa gastro- intes tinal, os rins, o tecido conjunctivo subcutâneo dos membros inferiores, o da cavidade abdominal, do scroto, o das outras partes do corpo, e as sorosas. Externamente a infiltração se manifesta primeiramente no contorno dos malleolos e no dorso do pé (*), depois vai successivamente estenden- do-se á perna, á coxa, ao scroto, ao abdómen, ao resto do tronco, aos membros superiores, á face, e assim converte-se n'um anasarcha. Mais tarde, o liquido soroso transsudando atravez do tecido das vis- ceras e caindo nas cavidades splanchnicas, onde se accumula, fórma as diversas especies de hydropisia. Esta começa pelo peritonio (ascite) depois invade as pleuras (hydro-thorax), o involucro do coração (hydro- pericardio) e por fim, mas não sempre, a arachmoide (hydro-cephalo) e os ventrículos lateraes dp cerebro. É bem facil de comprehender-se que estes derramamentos vêm per- turbar ainda mais a acção dos orgãos que elles cercam, comprimindo-os e augmentando assim a gravidade das desordens organicas, d'essa anar- cliia de todas as funeções. Particularmente a hydropisia abdominal, ou ascite, distendendo os musculos abdominaes, que já têm começado a soffrer em sua nutrição, (*) Nilo 8c esqueça que o peso influo muito sobre as stases venosas. como os demais tecidos, inutilisa-os, impedindo que auxiliem os mús- culos encarregados da respiração, os quaes, também infiltrados, não po- dem prestar-se á dilatação do tliorax. Demais, recalcando para cima o figado, augmentado de volume, e o diaphragma, deve a ascite embaraçar ainda mais a respiração, embara- çada já por tantas causas anteriores e que mais tarde ainda o será pelo hydro-thorax e hydro-pericardio. Quando a tensão resultante do cedema geral é muito forte, pode oca- sionar na pelle gangrenas parciaes, ou a formação de bolhas ou fe- ridas pelas quaes mareja, ou mesmo corre em abundahcia, sorosidade. E por este processo que ás vezes desapparece o excesso da tensão oedematosa. Da anoxemia, devida a tantos elementos accumulados, é consequên- cia um phenomeno notável do lado da innervação. O sangue carregado de acido carbonico em excesso, exerce sobre o cerebro, cuja nutrição é defeituosa, uma acção irritante, que se traduz por jactitação, cc- phalagia, delirio, etc. Mas, chegando ao seu mais alte grau a anoxemia e continuando os phenomenos asphyxicos, o acido carbonico em excesso produz um effeito narcotico, uma especie de embriaguez, somnoleneia c coma ; e neste estado suavisa os últimos momentos do enfermo, que já não pode mais perceber a curta distancia que o separa do tumulo ! Da nutrição incompleta dos centros nervosos resultam ainda pheno- menos nevrálgicos, manifestando-se em diversos orgãos e que fazem desconfiar de um lesão adiantada do coração; a oppressão sub-sternal, sensação de peso na ponta do coração, aiixiedade epigastrica, (que pode também ser explicada pela compressão do estomago devida ao augmento do figado e do baço) ; dores vagas em diyersos orgãos, con- stituindo a cardiodynia organopathica, a sternalogia, a angina do peito; a aphasia etc., são os principaes indícios d'uma perversão na innervação geral. Da dyserasia sanguínea resulta um facto que constituo a phase ter- minal das moléstias do coração : alludimos 'Ácachexia earãiaca. Empobrecido cada dia mais, o sangue preenche mal ou acaba por não preencher, uma de suas mais importantes funeções, a nutrição dos tecidos. Assim, vae diminuindo gradualmente a vitalidade organica; diminuição que cedo começou nas artérias e no proprio coração, enfra- 99 100 quecendo-lhe a acção e collocando o misero doente em um circulo vi- cioso fatal, de que só a morte o livrará,! Mal nutrido o organismo todo, começa a degeneração atrophica ou phlegmasica de todos os tecidos. A degeneração que começara nos vasos arteriaes, estende-se aos ventrículos produzindo os phenomenos da Asy- stolia, phenomeno estudado por Beau, que lhe quiz dar o caracter de uma protopathia. (*) Neste estado ha uma fraqueza, uma irregularidade e intermittencia notáveis nas contracções cardíacas. Muitas vezes uma systole mais com- pleta e forte é seguida de duas ou tres contracções muito rapidas, pequenas e incompletas, separadas da systole seguinte por uma pausa mais prolongada. Bouillaud denomina este estado-passo falso do coração. Nessas occasiões parece que o coração está manquejando, ou faz lem- brar uma pessoa que escorrega a todo o instante. E bem de ver que este phenomeno se fará notar de preferencia na hypertrophia com dilatação do ventrículo esquerdo, da qual, quando é bem pronunciada, constituo um bom signal diagnostico. Comtudo, não é um phenomeno necessário; ha exemplos de hypertrophia e dilatação do ventriculo esquerdo, em que a actividade do coração tem diminuído muito, e nas quaes, entretanto, não ha falsas contracções. Com os progressos da moléstia, algumas contracções tornam-se tão cartas e incompletas, que não têm força bastante para projectar con- venientemente o sangue que se accumula na cavidade; assim, a onda que penetra nas artérias não chega á radial com a força necessária para tornar sensível o pulso. Então este ultimo desapparece e vê-se que o numero de suas pancadas torna-se inferior ao das do coração, num mesmo tempo. E a este phenomeno que se dá o nome de pulso intermittente. Em alguns casos, tomaudo-se o pulso nas duas radiaes ao mesmo tempo, nota-se differença no numero de pulsações dos dous lados. Botkin observou este phenomeno quando existia uma induração adiantada das artérias e quando este processo estendia-se desigualmente ás duas. As vezes a falta de rhythmo nas pulsações cardíacas é tal, que nem mesmo pela escutação pode-se distinguir facilmente a systole da dia- (*) A degeneração fibro-gordurosa do coração é um dos phcnoinenos mais constantes, e que mais cedo se apresentam na InsuíHclencla aortica: o que explica a frequência da morte súbita n'este genero de lesão. 101 stole, principalmente quando os movimentos cardíacos são accelerados. É a este caso que se pode applicar a expressão pittoresca de - loucura do coração, dada por Bouillaud, ou delírio cardíaco de Riihle. É no estado de asystolia que os doentes têm a sensação subjectiva mais clara das pulsações de seu coração, sentem-n'o debater-se dentro do peito contra a onda sanguínea que tende a assoberba-lo. Os doentes accusam uma pressão, uma angustia, indescriptiveis na re- gião precordial; sentem que um corpo volumoso faz um esforço para contrahir-se, e contrahe-se a custo, dentro em seu peito, para depois dilatar-se de súbito. «Não são as contracções de um coração hypertrophiado,-diz Niemeyer, contracções sem esforço, e pelas quaes a parede thoracica parece muitas vezes abalada por verdadeiras pancadas de martello, mas sim as con- trações acompanhadas de grandes esforços e produzindo-se em um co- ração não hypertrophiado, que provocam a sensação subjectiva dos ba- timentos do coração. Os indivíduos anémicos e chloroticos accusam mais as palpitações do que os que soffrem de moléstia do coração, e entre as diversas affecções deste orgão, são principalmente a dilatação e a inflam- mação da sustancia muscular que dão logar a esse symptoma. » Progredindo a degeneração e a falta de nutrição nos orgãos da func- ção circulatória, dá-se a asthemia cardio-vascular, a asynergia geral; e a morte é inevitável. Este ultimo periodo clinico das moléstias do coração, em geral não se manifesta subitamente, mas por evoluções intermittentes. Quando chega o momento em que o coração começa a fatigar-se da lucta, a menor causa capaz de exigir delle uma energia maior, (esfor- ços musculares, pesares, emoções moraes vivas, excessos, algum padeci- mento, mesmo ligeiro, do pulmão) produz o desequilíbrio entre a tensão arterial e a venosa, e todas as consequências de que já falíamos: con- gestões pulmonares, cedemas, hydropisias. Todavia, não vencido ainda, o coração faz um esforço; depois de alguns dias, os accidentes desapparecem e o doente julga-se curado ! Engano! Sob a influencia de causas cada vez mais ligeiras, os accidentes come- 102 çam a repetir-se, cada vez mais graves, mais duradouros, menor o in- tervallo entre eiles. D'antes podia-se liga-los a causas determinadas: agora apparecem por qualquer motivo, ou antes - sem causa apparente. As congestões se multiplicam; obstruídas por um sangue viciado, as vísceras tornam-se a séde d'engorgitamentos chronicos, que por nenhum esforço da divina arte podem resolver-se ou minorar; as secreções tor- nam-se imperfeitas, supprimem-se ou se alteram; tornam-se lentas, in- completas, as funcções digestivas; alteram-se profundamente as funcções assimiladoras; fica abolida a reacção salutar nos orgãos, que não mais respondem ás provocações therapeuticas; pela superfície livre das sorosas poreja incessantemente um liquido carregado de albumina, que impre- gna todos os tecidos, cerca todos os orgãos, e cuja evacuação é em breve seguida de reproducção. Como diz o dr. Mauriac, « a economia parece submergir-se n'uma inundação continua, cuja fonte é inexhaurivel » ; e tudo isto revela que o coração extenua-se cada vez mais; que clle já não pode mais resistir; que a lucta vae terminar, e ainda mal ! que cora ella termina a vida, que é também a lucta constante da organisação contra todos os elementos que a cercam, e que tendem a aniquila-la. Como se acaba de ver, o coração é um orgão cujos padecimentos re- percutem sobre todos os outros orgãos, fazendo-os soffrei' igualmente; e os phenomenos physio-pathologicos devidos ás lesões cardíacas concate- nam-sc lógica e fatalmente, sendo uns causa e ao mesmo tempo clleito de outros; assim, a sua evolução vae apontando ao clinico o caminho que deve seguir em busca de meios com que, na impossibilidade de cura-las, quando adiantadas, possa ao menos prolongar a vida de doentes de aflec- ções cuja marcha e desenlace fatal a medicina antiga não fazia se não accelerar Todas as vezes que a physiologia se remontar - não ás causas pri- meiras dos phenomenos morbidos (ellas nos escaparão sempre), mas ás suas causas próximas, ás condições que as determinam, esclarecerá bri- lhantemente a marcha e o tratamento das moléstias e terá prestado á hu- manidade serviços reaes, condignos de sua importância. 103 RESUMO-Tendo traçado o quadro dos symptomas geras communs ás moléstias organicas do coração, dando ao mesmo tempo uma idéa da sua genese e de sua marcha, vamos agora reunir os traços desse quadro dispersos e dispostos diversamente, conforme as necessidades do esboço, considera-los em grupo, afim de melhor serem elles apprehendidos. Ha nos indivíduos affectados de molestius graves do coração, um estado particular do habito externo, que desde logo chama a attenção do medico para aquelle orgão: é o typo cardíaco, a fácies própria, de Corvisart. Se no caso de uma moléstia chronica organica do coração, o medico observar o preceito de Baglivi « in magnis malis semper faciem inspice » ha de encontrar nessa parte do corpo uma congestão d'um vermelho vivo ou d'uma côr vinosa, e depois azulada; lábios e palpebras lividos, grossos, dilatações varicosas e stelliformes das veias dos lábios do nariz, das bochechas e das conjunctivas; no grau mais adiantado da lesão, a face vultuosa torna-se pallida, de côr de cera; as palpebras, principalmente a inferior, tumefeitas e semi-transparentes, cedemaciadas; as veias do pescoço estão dilatadas e mais flexuosas que normalmente ; signaes de grande embaraço na respiração; olhar á principio vivo, inconstante, depois fixo e embaciado ; narinas dilatadas e movendo-se com rapidez: nos últimos períodos, - somnolencia, torpôr, modorra continuada. A estes signaes acompanham outros, simplesmente subjectivos ou objectivos: Respiração curta, frequente, anciosa : esta dyspnéa, a principio inter- mittente, torna-se depois constante ; accessos de suffocação com agitação ; palpitações muito fortes, angustiosas e irregulares ; impos- sibilidade para qualquer esforço, pela dyspnéa e pelo incommodo das palpitações: catarrho bronchico habitual, com ou sem tosse; ás vezes aphonia; accessos de asthma; congestões cerebraes com phenomenos de excitação, (spasmos, jactitação, cephalalgia pulsativa, -a principio e de- pois gravativa, zumbido incommodo no ouvido, insomnia); ou phenome- nos de anemia e depressão cerebraes (syncopes, lipothymias, formigamen- to e entorpecimento nos membros); hemorrhagias pulmonares, nasaes ou intestinaes; pulso irregular, muito forte ou muito fraco, nunca em relação com o volume apparente do coração: extremidades frias e muita sensibilidade ás impressões do frio; oedema nas extremidades inferiores, propagando-se gradualmente de baixo para cima, até as extremidades 104 superiores, até constituir um anasarcha ; abdómen muito desenvolvido, pela ascite; hydro-thorax, hydro-pericardio; congestões passivas, dolo- rosas a pressão, do figado e do baço; signaes de oedema pulmonar; diminuição na quantidade e augmento no peso especifico da ourina, que é de cor escura e carregada de saes; albuminúria e ás vezes hematúria; dyspepsias; constipação intestinal; hemorrhoides seccas ou sanguinolen- tas; ás vezes diarrhéas; dejecções revelando a ausência de bilis no intes- tino; em consequência do oedema, ás vezes, - gangrenas parciaes, bolhas ou ruptura na pelle, com inflammação erisypelatosa dos pontos lesados ou gangrenas profundas e mortaes consecutivas. Taes são os phenomenos communs ás lesões adiantadas do coração, e que devem induzir todo o medico pratico a, sem demora, examinar este orgão pelos diversos meios d'exploração que a sciencia põe a nosso alcance. Estes phenomenos offerecem alguma differença em sua inten- sidade e frequência, conforme o mal reside especialmente no coração direito, ou no esquerdo. O coração direito sendo o regulador da circulação pulmonar, qualquer moléstia que nelle tenha séde exerce uma influencia immediata sobre os pulmões, fazendo que lhes chegue muito ou pouco sangue ; em qualquer dos casos ha sempre uma dyspnéa, que é continua e augmenta progressivamente, ao passo que nas moléstias do coração esquerdo a dyspnéa é intermittente. Estes symptomas geraes têm algum valor para o diagnostico quando se apresentam reunidos ou successivamente; desligados, elles dariam motivo a erros graves; além de que muitos manifestando-se somente quando a moléstia já têm uma certa duração, segue-se que elles podem ser pouco apreciáveis pela maior parte quando a moléstia é muito grave, porém muito recente. Finalmente, os signaes que acabamos de indicar não dão idéa clara c positiva da natureza, nem da séde da lesão. Para adiantar alguma cousa no diagnostico, devemos recorrer ao exame physico da região, toda vez que os symptomas geraes nos façam desconfiar da existência d'uma lesão organica do coração. E o que vamos fazer, generalisando este principio ás moléstias car- díacas, e estudando-as parcial e separadamente. 105 DAS MOLÉSTIAS DO CORAÇÃO EM PARTICULAR MOLÉSTIAS DO PERICÁRDIO Pericardite Lembrando que, como quasi todas ínflammações, a pericardite deve ser dividida em aguda e chronica, muito convém que insistamos aqui sobre uma circumstancia : vem a ser que a phlcgmasia aguda do pericárdio é, segundo rigorosas observações modernas, mais frequentemente con- secutiva ou concomitante a outras affecções, do que primitiva ou idiopathica ; sendo esta forma considerada como excepcional. Os phe- nomenos proprios ás outras moléstias misturando-se com os especiaes da pericardite, difficultam o estudo e o conhecimento desta moléstia. Assim, desde Taylor, Bartholomé e Leudet, até Niemeyer, Jaccoud e Woillez, todos os auctores têm chamado a attenção para a facilidade com que a pericardite pode passar desapercebida ou incompletamente conhecida em um doente, quando não é idiopathica, principalmente quando complica uma outra affecção, que não o rheumatismo. Effectivamenie, só os symptomas locaes objectivos poderão fazer conhecida uma pericardite coincidente, que não é denunciada pelos phenomenos geraes de reacção febril, caracteristica das perturbações primitivas. Mesmo quando essa coincidência é com o rheumatismo, (caso mais commum), a febre que anteriormente existia não se exacerba pelo facto da inflammação do pericárdio, nem é apreciável a sensação d'oppressão thoracica, um dos symptomas subjectivos locaes que sc attribue á pericardite. Nos casos, muitos raros e para alguns aucto- res - duvidosos, de pericardite aguda primitiva,"é que se manifestam os phenomenos inflammatorios geraes (febre, acceleração da respiração e da circulação, palpitações cardíacas, etc. ) ajuntando-se-lhes uma dôr surda precordial ou submammaria, que indica a localisação do processo morbido no lado anteio-esquerdo do peito. Assim revelada, a pericardite aguda acha-se diagnosticada, attendendo-se aos phenome- nos physicos subsequentes. 106 Quanto á pericardite chronica, sob duas fôrmas pôde ella apresentar- se, que não differem eseencialmente entre si: uma é a pericardite aguda cujos syptomas primitivos têm-se dissipado para dar logar a symptomas de marcha chronica; a outra é a inflammação que começa lenta e surda- mente, é chronica desde seu prinpicio; esta especie é quasi sempre coexistente com outra affecção do coração, e ordinariamente ligada á existência de tubérculos no pericárdio. Em qualquer dos casos, os symptomas da pericardite chronica só se evidenciam a uma exploração completa da região precordial, e são elles os mesmos symptomas phy- sicos da pericardite com effusão, cuja chronicidade é estabelecida por sua marcha lenta. Quanto aos symptomas locaes subjectivos, apenas uma sensação de embaraço, antes do que uma verdadeira dôr, fazem ao doente de pericardite chronica chamar a attenção do medico para a porção de seu peito que corresponde ao coração. Ora, como a pericardite aguda secundaria, infinitamente mais com- mum do que a primitiva, é de começo insidioso, e como a pericardite chronica primitiva é igualmente muda em seu periodo inicia], - segue- se que, em regra geral, a pericardite é uma moléstia que só se revela a um exame detido c que, na phrase de Jaccoud, quer antes que a pro- curem, do que denunciar-se. Assim justifica-se o conselho dado por todos os práticos, de interro- gar diariamente o coração do indivíduo atacado de rheumatismo, mo- léstia de Bright, pneumonia, pleuresia, lesão organica do coração, tu- berculose, de qualquer moléstia, emfim, capaz de, em um momento fa- vorável, complicar-se de uma inflammação aguda ou chronica do peri- cárdio. Isto posto, estudemos de perto o diagnostico differencial da pericar- dite, examinando quaes sejam os elementos que concorrem para esse re- sultado, e o valor de cada um delles. Elementos para o diagnostico - Os signaes da pericardite são de duas ordens: uns fuccionaes, os outros physicos. Os primeiros são os phenomenos febris que formam o cortejo infal- livel dc symptomas geraes mais ou menos pronunciados de qualquer phle- gmasia visceral: febre, no caso em questão raramente precedida de ca- lefrios; augmento das pulsações e de-frequência da respiração, ce- phalalgia, zumbidos, agitação, injecção da face, etc. Mas esses phenome- 107 nos só se manifestam claramente na forma agudã primitiva da moléstia e ainda neste caso podem faltar, se a inflammação é ao mesmo tempo ligeira e limitada. Portanto, fracos indícios, não podem ser tidos em grande consideração, se apresentarem-se desacompanhados dos signaes locaes da moléstia. E se o professor Chomel affirma, com todo peso de sna auctoridade, que um pulso tornado subitamente e sem causa conhecida - fraco, oscil- lante, intermittente ou desigual, no curso de symptoraas de uma molés- tia febril, é uma das melhores provas da existência d'uma pericardite, por outro lado tem-se notado essa modificação do pulso em certas pneu- monias sem complicação de pericardite; e no periodo inicial da peri- cardite com derramen, ou durante uma pericardite secca, o pulso conserva-se regular, apenas exagerado no seu dicrotismo normal. E principal mente na pericardite, segundo Graves, que se nota o contraste entre a pulsação exagerada dos vasos cervicaes e a pulsação fraca das demais artérias do corpo. A observação, porem, não deu ainda a este signal todo o valor inculcado. Alem dos symptomas febris, e mesmo antes dellcs, manifestam-se na pericardite aguda outros, que pela sua variabilidade e inconstância não pódem por si sós tornar conhecida a moléstia : são a dôr na região precordial e a alteração nos batimentos e ruidos cardíacos. A dôr, que segundo Boillaud, Hughes, Eutenberg e Bennet, falta na maior parte dos casos, segundo Louis apenas na metade e segundo Bamberger 4 vezes sobre 12, pode ser, e é ordinariamente, moderada, ou somente limitada a um simples incommodo, um peso, um embaraço na região precordial ou localisado por baixo do mammillo ; ou pode ser uma dôr bem determinada, intensa, violenta, pungitiva, lancinante, como a da pleurisia. Em todo caso, augmenta pelos movimentos, pela pressão ou percussão, pelos esforços da tosse, na respiração larga, pela força das pancadas cardíacas e pelo decúbito sobre o lado esquerdo. Auburtin, Cornil e Jaccoud negam que a dôr seja phenomeno proprio á pericardite, e consideram-n'a, quando sobrevém nesta molés- tia, como indicando uma comparticipação das pleuras no processo inflammatorio. Mas a maioiia dos bons auctores acceita esta explica- ção somente nos caso em que a dôr é muito intensa, quando tem o caracter lancinante e pungitivo, e attribuem á pericardite a dôr surda, indeterminada, na região precordial. 108 Do facto de não ser constante a dôr precordial da pericardite, nâo segue-se que esse phenomeno não tenha certa importância quando se manifesta, e principalmente quando é intenso : porque, neste caso, ex- cluirá desde logo a idéa d'uma endocardite, tão facil de confundir-se, pelos symptomas subjectivos, com a pericardite. Effectivamente, a en- docardite sendo pouco sujeita a complicar-se de pleurisia, não dará ao doente a sensação de dôr distincta, determinando apenas uma sensação de plenitude, de peso, na região do coração. Se nas moléstias inflammatorias de outras regiões, o coração resente- se a ponto de tornarem-se mais fortes e frequentes suas pancadas, por maioria de razão tal augmento deve manifestar-se quando al- guma de suas túnicas fôr a séde da inflammação. Não deve, pois, admirar que os batimentos cardíacos tornem-se irregulares, tumultuo- sos e precipitados, dando-se accessos de palpitações, que podem elevar- se ao numero de 8, e até 16 em 24 horas Este symptoma, porém, não póde por si só conduzir nem mesmo á desconfiar-se de uma pericardite, porque, como já temos dito, as palpi- tações acompanham vários estados morbidos, quer do coração, quer do organismo em geral. Em summa, os symptomas funccionaes que acabamos de recordar, - isolados de nada valem para o diagnostico d'uma pericardite; reunidos são insuflicientes para esse fim, constituindo apenas signaes prováveis da moléstia: mas adquirirão subido valor se forem precedidos de aigumas d'essas moléstias que ordinariamente complicam-se de pericar- dite, e principalmente se forem acompanhados ou seguidos de certos signaes physicos, que são os que verdadeiramente decidem da existência de uma phegmasia pericardica, tornando-se os dados mais seguros para diagnostica-la. Mas estes signaes, que são os que colhemos do exame local da região que suppomos affectada, se apresentarão de modo diíferente, segundo a pericardite é, ou não, acompanhada de derramen, e segundo este é mais, ou menos abundante. Pericardite sem derramamento -> Quando a pericardite é secca, ou peuco apreciável a effusão, mesmo no periodo de simples congestão, ouve-se na região precordial um ruido de fricção ou de attrito, que é, por assim dizer, a chave do diagnostico desta fórma da moléstia e que 109 tem sua origem nas condições anatomo-pathologicas cm que então se acha a sorosa pericardica. Effectivamente, no começo da pericardite ha uma fluxão dos vasos sorosos e sub-sorosos, que se desenham em finas arborisações; a membrana é modificada, principalmente na folha visceral; perde o epithelio e a sua lisura, tornando-se aspera e secca. Depois o seu tecido torna-se mais túrgido, menos coherente, forma-se nelle um exsudato parenchymatoso; os feixes conjunctivos dissociados, entume- cidos, começam a proliferar; dão origem a prolongamentos em fórma de villosidades, papillas, franjas e membranas, que eriçam a superfície livre do sacco pericardico, e que são o ponto de partida de adherencias viciosas. < Limitando-se á formação desses novos elementos, a pericardite é realmente secca. Nesse estado de rugosidade mais ou menos considerável, não estando as superfícies oppostas da sorosa separadas por corpo algum, continu- am a mover-se rhythmicamente uma sobre a outra. Mas, então, o brando resvalamento que se dava antes do processo morbido, é substi- tuído por um attrito mais ou menos forte, segundo o grau de aspereza das superfícies attritantes, e a espessura, consistência e organisação dos exsudatos. Esse attrito produz um ruido, que, variando d'intensidade, é analogo ao que produz o esfregar dos fios de cabello uns contra os outros junto ao ouvido, ou o amarrotar do papel fino chamado paquete; ao roçagar do tafetá, ao farfalhar d'um vestido de seda, ao agitar violento d'uma folha de pergaminho, ao ranger d*uma sella nova sob a pressão do caval- leiro (*). Geralmente se denomina esse ruido - ruido de couro novo; mas como o couro velho ou já usado é também susceptivel de ranger, talvez fosse melhor dar ao ruido uma denominação mais generica: ranger do couro. Os auctores francezes têm-lhe applicado diversos nomes, con- forme a sua intensidade : frólement, froissement, frottement doux, lape- ment, grattement, frottement rude, craquement, bruit de cuir neuf, racle- ment. Mas. nos parece que se pode denominar todas estas denominações (*J Collin foi o primeiro que assignalou, n'uma these em 1823, o ruido de cuir-neuf como um dos maia notáveis symptomas da pericardite aguda. 110 - um luxo de nomes. É, com effeito, tão subtil, tão imperceptivel, mes- mo theoricamente, a distincção que se tem querido fazer entre dous termos visinhos d'essa gradação de ruidos, que não se pode comprehen- de-la bem, e muito menos fazer uso d'ella na pratica. Assim, podemos dar aos ruidos pericardicos as denominações mais modestas, porem mais ao alcance de todas as comprehensões, de attrito brando, ou attrito áspero, conforme a intensidade do ruido. Jaccoud affirma que esse ruido pode ser imitado em todas as suas gradações pela expiração aphona das lettras lerr, com tanto que se faça variar a força expirativa e o numero dos rr. Alguns o comparam á pro- nunciação das duas syllabas francezas frou-frou. Stokes, Sydney-Ringer e Sibson estabeleceram que o ruido pericar- dico é notavelmente reforçado por uma pressão exercida sobre o epi- gastrio ou sobre a região precordial por meio do stethoscopio ou do ouvido. O tempo em que elle é percebido, em relação aos movimentos car- díacos, é variavel; ás mais das vezes esse ruido abrange todo o tempo do revolução, modificando os ruidos normaes; mas é sempre mais accen- tuado na systole, do que na diástole ; ás vezes coincide exclusivamente com a systole, mas excedendo em duração aos ruidos systolicos ; outras vezes, mas raras, coincide com o segundo ruido normal, abrangendo, ou não, o grande silencio: outras vezes ainda revela-se entre o primeiro e o segundo ruidos normaes, substituindo o pequeno silencio. Neste caso, percebendo-se os dous ruidos normaes do coração e, entre elles, o ruido pericardico (de mui curta duração, pois que o é o pequeno silencio), se é levado a considerar tal successão como um tríplice ruidp, a que Bouillaud chamou ruido de gallope ou de rebate, considerando-o como pathognomonico da existência de falsas membranas, recentes ou antigas, no pericárdio. O ruido de attrito pericardico pode ser confundido por um observa- dor pouco attento com o attrito que se ouve na pleurisia secca do lado esquerdo, ou com algum dos ruidos intracardiacos nos casos de endo- cardite, de lesões dos orifícios ou das valvulas; e a confusão d'esta ul- tima classe de ruidos com o do pericárdio é tanto mais facil, quanto em um e outro caso a circulação sendo accelerada, o ouvido custa a apre- ciar ruidos rápidos e a differençar sensações muito semelhantes : effecti- vamente, o frôlement ou attrito brando do pericárdio tem muita analogia 111 com o ruido de sôpro intracardiaco da endocardite, ou de alguma lesão do orifício, e o attrito áspero muitas vezes imita o ruido de grosa ou de serra das lesões valvulares. Watson conta um caso desta ordem. No diagnostico differencial d'esses ruídos é que baseia-se o diagnostico differencial da pericardite secca, ou com pequeno derramen, cujo signal pathognomonico é, como já dissemos, o ruido de attrito pericardico. Aguardamos para logar proprio este estudo. Não terminaremos o assumpto do attrito pericardico, sem advertir que nem sempre este phenomeno está ligado á existência de exsudatos no pericárdio. As observações de Pleiscb e de Mettenheimer provaram que quando o pericardo apresenta uma seccura insólita e ao mesmo tempo o coração conserva uma energia conveniente, pode-se ouvir ruidos de attrito pericardico independentemente de um exsudato. Este pheno- meno singular tem sido principalmente notado nos cholericos. Jaccoud mostrou que esse mesmo facto pode-se dar depois de superpurgações, e o verificou também n'um caso de myocardite com fóco purulento na ponta do coração, em um homem que soffria d'endocardite ulcerosa e de hepatite parenchy matosa. Mas esses casos, muitíssimo raros, pouco poderão difficultar o dia- gnostico, tendo-se o cuidado de estudar as circumstancias que os pre- cederam. É frequente ouvir-se na pericardite secca um sôpro systolico, ao nivel da ponta do coração ou da origem da aorta. Este sôpro é estranho á pericardite ; intracardiaco, elle só pode annunciar, ou uma endocardite concomitante, ou uma anonalia valvular antiga, ou uma anemia, ou qualquer modificação de sangue produzida pela febre. A pericardite secca também se revela á apalpação por phenomenos tactis, que lhe são proprios e a distinguem, não só da pericardite com graude derramen, como ainda de outras moléstias do coração. Por menos abundante e solidificado que seja o exsudato, que se deposita na superfície interna da sorosa pericardica, a palma da mão> applicada sobre a região precordial, sente um estremecimento, um frémito indicador de que um attrito mais ou menos rude se está dando sob ella. Sensação analoga percebe-se quando, em vez de uma pericardite, ha um estreitamento de orifício cardíaco dando logar ao frémito felino. Mas 112 n'este caso ha, mesmo apreciáveis pela mão, caracteres especiaes a cada uma das duas sensações tactis, as quaes estudaremos mais longe. Uma outra sensação táctil se percebe na pericardite secca, pela apal- pação precordial. Como o coração continua a movcr-se dentro do peri- cárdio, cuja folha parietal está em contacto com a face anterior do or- gão, principalmente com aponta, esta, em vez da superfície lisa normal encontrando uma superfície coberta de exsudato em via de coagulação, uma superficie agglutinativa, deve, depois da impulsão systolica, retrahir- se lentamente, custando a despegar-se da superficie que tende & prende-la. Muitas*vezes, quando na pericardite secca a impulsão do coração é exagerada, os ruidos normaes tornam-se mais claros, stridentes, com um tom metallico (*) . Não podemos esquecer aqui um phenomeno que, embora não constan- te, pode, pela sua precocidade, revelar a existência d'uma pericardite, e adquirir assim grande importância : queremos fallar da dysphagia no- tável, muitas vezes observada por Jaccoud, mesmo sem haver derramen de liquido no pericárdio ; phenomeno que esse auctor explica pela ex- citação anormal dos pneumo-gastricos. Os symptomas da pericardite secca se conservam até o fim da mo- léstia, enfraquecendo-se gradualmente, se não sobrevém um derramen : faltam, se a efíusão apparece desde o começo da inflammação ; ordina- riamente, porem, no fim de alguns dias cedem o logar aos signaes do derramen ; e quando este é pequeno, elles soíTrem modificação pouco apreciável. Pericardite com derramen - Esta forma de pericardite pode co- meçar de dous modos differentes : ora se observa durante um ou dous dias os signaes da pericardite secca, os quaes desapparecem pouco a pouco, á proporção que se faz o derramen ; ora este começa quasi com a moléstia, e o periodo secco escapa á observação. O primeiro effeito da effusão de liquido, é modificar o som obscuro ou abafado precordial, que, occupando normalmente uma superficie de qua- tro centímetros, augmenta mais ou menos consideravelmente de exten- são e de intensidade, segundo a maior ou menor quantidade do liquido derramado. (*) rodc-sc explicar esta modificação pela existência de falsas membranas, permittlndo uma transmissão mais facll dos ruídos, ou pela energia dos movimentos cardíacos communicando uma impulsão mais forte á onda sanguínea. 113 0 máximo d'esse som abafado corresponde á extremidade interna da 3a e 4a costellas; neste ponto os bordos pulmonares, que no estado nor- mal encobrem, por sua sonoridade, o som parenchymatoso proprio do coração, deixam, afastando-se pelo recalcamento do liquido, percebel-o claramente. Se o derramen é considerável, e não havendo adhcrencias, a superfície do som anormal tende a tomar a forma do pericárdio, isto é, - a tornar-se pyriforme, de vertice para cima, podendo chegar, segun- do Corrigan, até a Ia costella : e se ella tem chegado ao seu máximo, diz Friedreich que o vertice do triângulo que a representa pode chegar ao manubrio sternal, d'onde o bordo direito desce obliquamente até per- to do mamillo direito, e o bordo esquerdo em direcção á linha axillar até o 7o e mesmo ao 8o espaço intercostal. Piorry, que' primeiro indi- cou a forma triangular da superfície do som baço precordial, observa que cila muda de logar quando se faz variar o decúbito. Para que, porem, o som baço anormal tenha valor, é preciso que a sua extensão corresponda exactamente á quantidade do liquido. Mas isto não se dá sempre ; e duas causas principaes de erro são assignala- das por Duchek e Skoda, que a este respeito fizeram estudos interes- santes. Quando entre o pericárdio e os pulmões dão-se adhorencias que de- terminam a retraeção d'estes orgãos, afastando-os da parede thoracica, o coração entra em relação immediata com uma porção maior do thorax: d'aqui resulta um augmento proporcional da superfície de som baço, sem haver derramen. Reconhece-so esta circumstancia, medindo com- parativamente a superfície do som anormal no fim da inspiração c no fim da expiração. Se os pulmões estão adherentes, não vem cobrir a face anterior do cardia na inspiração, e o som abajado persiste na mesma extensão, sem provar, comtudo, que haja derramen, o qual só por outros signaes pode ser conhecido. Se, porem, o som parenchymatoso é menos extenso no fim da inspiração, para augmentar na expiração, isto indica que o pulmão está livre e que um derramen existe. A outra causa de erro dá resultado opposto ao precedente: o som baço é menos extenso que o derramen. Este facto depende quer da adherencia dos pulmões em sua posição normal, sem retraeção, quer da falta de adherencias entre o pericárdio e a pleura. Em qualquer dos casos, o co- ração, calcado para a columna vertebral pela pressão do liquido derra- mado, cuja densidade é menor, vae occupar uma posição profunda; e 114 estando os pulmões adiante delle, a percussão pode dar o mesmo resul- tado que daria no estado normal, por maior que seja a quantidade do liquido. O mesmo resultado se encontra quando um derramamento pe- ricardico coincide com o emphysema da parte anterior dos pulmões. Em casos extremos, a abundancia do liquido pode ser tamanha, que o diaphragma seja recalcado para o abdómen, dando ao epigastrio a forma d'uma saliência resistente; e Graves admitte até o recalcamento do pulmão para cima. O que ha de positivo, é que o pulmão esquerdo com- primido pela grande massa de liquido - de encontro á parede postero- lateral do thorax, esvasia-se de ar, perde a sua sonoridade, não dei- xando ouvir-se o murmurio respiratório, e a percussão pode verificar na parte correspondente do thorax o mesmo abafamento de som que se mostraria num derramen pleural. Nesse caso, a differença unica entre as duas eventualidades, é que na segunda as vibrações vocaes enfraque- cem-se ou desapparecem, o que não succede com o derramen pericardico, por mais abundante que seja. A obscuridade, do som na região anterior e esquerda do thorax é um dos phenomenos caracteristicos da pleurisia com derramen, da endocardite, da hypertrophia, da dilatação do coração e também dos aneurysmas da aorta e tumores do mediastino anterior; c observada com pouca atteução, pode induzir a um erro de diagnostico entre estas moléstias c a pericardite com derramen. Veremos adiante quaes os meios de evitar esse erro. De tudo isto resulta que para diagnosticar uma pericardite com der- ramamento, não devemos ater-nos somente á percussão ; devemos prin- cipalmente attender ás deformações thoraco-epigastricas, ao enfraque- cimento dos ruidos do coração, ás irregularidades do pulso, e a outros dados que se originam da presença do liquido no sacco pericardico e dos seus effcitos mechanicos. Quando o derramen tem attingido certa quantidade (500 gram- mas,segundo Racle) e adherencias não têm fixado anteriormente o coração, * produz-se na região precordial uma saliência ovalar, um abaúlamento, tanto mais pronunciado, quanto mais abundante é o liquido, menos rigida a parede thoracica (como no adolescente e nas mulheres) (*). Esta saliência, cujo máximo corresponde ao espaço entre a 2a e a 4a costella esquerda, pode ter por limite superior a 2a (») Já assignalado por Corvlsart, este slgual foi rigorosamente estudado por Louis na pag. 255 da sua memória sobre a pericardite. 115 costella e por limite inferior a 8a ou 9a. Nos casos em que é pouco con- siderável, sua superfície apresenta os espaços intercostaes alargados pelo levantamento das costellas e sua convexidade é diminuída ou mesmo substituída por uma concavidade. O abaúlamento precordial só tem verdadeiro valor diagnostico quando coincide com os outros signaes da pericardite, porque, como veremos depois, diversas affecções podem produzi-lo, embora com circumstancias variaveis próprias a cada uma. Convém não confundi-lo com as saliências physiologicas que apresentam alguns indivíduos na região precordial, nem com certas deformações rachiticas d'esta parte do peito. Se o derramen separa as duas folhas do pericárdio, não permittindo que se toquem, é claro que deve desapparecer o ruido de attrito pericar- dico. Conforme a quantidade do liquido derramado, esse desappareci- mento será total, ou parcial; e neste caso começará da ponta para a base do coração. Ao mesmo tempo, estando o coração recalcado para longe do thorax pelo derramen, os seus ruídos normaes se enfraquece- rão, ou mesmo desappareccrão, bem como o choque sysiolico normal, que diminuindo a principio, vae sendo gradualmente substituído por um abalo ondulatorio, o qual por fim desapparece se vae augmentando o derramen. Quando é mediocre a quantidade de Jiquido contido no pericárdio, para percebe-la é preciso que o doente esteja sentado, porque estando elle deitado sobre o dorso, a pequena quantidade de liquido alojan- do-se por detraz do coração, este fica nadando sobre cila, e pode haver um ruido de attrito bèm pronunciado, ao mesmo tempo que se tornam superficiaes e fortes as pancadas e ruidos do coração; e tudo isso pode fazer crer n'uma pericardite secca. Esta observação, feita por Bouil- laud, é de muito alcance para o diagnostico das duas formas da peri- cardite. Por isso, quando se procura signaes stethoscopicos n'um indivíduo que se snppõe affectado de pericardite, convém faze-lo sentar-se com o thorax fortemente inclinado para diante. Se, nestas condições, reappa- recem o choque e os ruidos normaes ou pathologicos, isso denota que o derramen é pouco considerável; quando não, ou o derramen é muito abundante e recalca para traz o coração, não o deixando approximar-se do thorax ; ou, então, se têm estabelecido adherencias entre o coração e a folha posterior do seu envolucro. Quando o derramen é muito considerável, pode comprimir o coração, enfraquecendo-lhe os movimentos, tornando intermittentes e irregula- res, alem de menos sonoros, os seus ruidos, produzindo os phenomenos já conhecidos de asystolia, e stases venosas visceraes. Essa compressão influindo sobre a circulação geral, só ella pode explicar a pouca ampli- dão do pulso, tão bem observada por Marey e outros, nos casos de peri- cardite com grandes derramens, e o traçado sphygmographico dado en- tão pelo pulso, é considerado por Jaccoud como pathognomonico da grande abundancia de liquido (*). Pode haver também uma compres- são das veias cavas, produzindo a stase do sangue apreciável nas jugu- lares, e até, como observaram Testa, Stokes e Friedreich, o pulso ju- gular. A compressão exercida sobre os nervos phrenicos traduz-se ás vezes por um soluço persistente, que se torna um dos mais afflictivos symptomas da pericardite com grande derramen ; bem que o mesmo phenomeno resulte d'uma inflammação do diaphragma. Ha também um outro phenomeno que se tem observado na pericar- dite com derramen : é uma dysphagia, que não depende de modificação alguma apreciável no pharynge ou nas fauces, e que parece devido a uma excitação anormal '-dos pneumo-gastricos, independente do derramen, pois que se manifesta igUalmente na pericardite secca. Temos estudado até aqui os signaes positivos das duas formas clinicas da pericardite, estabelecidas pelas modificações anatomo-pathologicas : apericardite secca e a pericardite com derramen. Ha, porem, uma terceira forma, que embora consecutiva, ordinariamente, a uma das duas prece- dentes (■**'), merece ser considerada á parte, porque imprime á moléstia uma physionomia particular, ao mesmo tempo que espantosa gravidade: queremos fallar da pericardite paralytica, tão bem descripta por Jaccoud na sua Clinica e na sua Pathòlogia. Nessa forma de pericardite ha uma diminuição da força contractil do coração, produzida, quer pela forte compressão exercida pelo derramen, quer por uma myocardite concomitante, quer pela degeneração gordu- 116 (»j A esse pulso assim enfraquecido Jaccoud denomina pulso abortado. **J A fórma paralytica da pericardite pode manifestar-se de um só jacto, rrfjio acontece na costa do norte da Rússia, sob a influencia da diathese scorbutica. 117 rosa aguda das paredes cardíacas (descoberta por Wirchow), quer por uma simples paralysia do musculo, sem alteração de sua substancia. Diminuindo a contractilidade cardíaca, se-enfraquece a impulsão do orgão, e a intensidade dos ruidos: segundo Stokes, somente o primeiro ruido é que diminue de força, ficando o segundo quasi normal, o que ó de grande valor para o diagnostico; o pulso torna-se pequeno, depres- sivel, irregular, desigual, intermittente; ha dyspnéa intensa, tendencia para as lipothymias, entumecencia das jugulares, stase venosa geral, cyanose; os phenomenos consequentes terminam pela morte em poucos dias. As vezes a marcha da moléstia é tão rapida, que succedem-se as syncopes quasi sem intervallo, e em poucas horas succumbe o doente, que pode morrer até na primeira syncope que tiver. Diagnostico differencial - Tendo assim apreciado os signaes po- sitivos da pericardite em suas formas principaes, devemos agora exami- nar quaes as moléstias com que ella pode confundir-se, e os seus ca- racteres descriminativos. Para maior facilidade do estudo, e tomando por typo uma forma de intensidade media, distinguiremos na pericardite tres períodos anatomo- pathologicos: o l.° período, de simples congestão, caracterisado clinica- mente pelos symptomas febris mais ou menos intensos, pela dor precor- dial, palpitações do coração fortes, mas regulares, percepção clara dos ruidos; o 2.°-período, de exsudação de lympha plastica e organisação de pseudo-membranas, com derramen soroso pouco abundante; clinica- mente, caracterisado pela persistência dos phenomenos precedentes, por um ligeiro augmento do som parenchymatoso precordial, pelo frémito pericardico, pela demora na retracção do coração, pelo ruido de attrito em suas gradações encobrindo os ruidos normaes do coração, e desen- volvendo-se spontaneamente ou sob a pressão do stethoscopio; o 3.° pe- ríodo, de eífusão de liquido no sacco pericardico, caracterisado clinica- mente pelos phenomenos que devem resultar da presença de um liquido mais ou menos abundante separando as folhas da sorosa e comprimindo os orgãos circumvisinhos: diminuição gradual e desapparição do ruido de attrito e do murmurio respiratório na parte correspondente ao der- ramamento ; longinquidade dos ruidos normaes, seu enfraquecimento, bem como o da impulsão cardíaca ; irregularidade do pulso ; dyspnéa, que pode ir até a orthopnéa. No período congestivo, quando é pouco intensa a dor precordial, a pericardite pode ser confundida com a endocardite, tanto mais quanto as mesmas causas concorrem paia esta moléstia e os mesmos pheno- menos geraes annunciam-n'a. Então, convém não esquecer que, quasi sempre, a endocardite acom- panha-se desde principio por um prolongamento do primeiro ruido, logo convertido em sôpro, que não se propaga aos vasos cervicaes, Mas este caracter pode faltar. Então, convém, á imitação de Sibson, escutar se a pressão do stethoscopio sobre a região precordial faz appa- recer o ruido de attrito pericardico, o qual, como já vimós, é um dos primeiros symptomas da phlegmasia pericardica. Se não apparecer este signal, convém esperar pela marcha ulterior da moléstia. Se a dôr é intensa, já se tem uma probabilidade em favor da peri- cardite, contra a endocardite. Mas a dôr pode ser muito viva e fazer confundir a pericardite cora a angina do peito, confusão tanto mais facil, quanto na pericardite a dôr se exarceba pelos accessos de palpitação, e seu caracter pungitivo é raro, como o é a angina pcctoris. Para evitar-se o erro, basta considerar-se que a irrupção da angina é súbita, e não traz o apparelho febril intenso inicial da pericardite que determina essa dôr tão forte ; que a pressão ou a percussão augmen- tam a dôr pericarditica, e não a da angina ; que na angina as panca- das do coração, são pequenas, surdas, não ha verdadeiras palpitações, nem dyspnéa propriamente dita, phenomenos que não pódem faltar na pericardite capaz de uma dôr tão intensa. Ffeito assim o diagnostico mesmo no momento do paroxysmo nervoso, a marcha da moléstia virá em breve confirma-lo. Também a dôr forte da pericardite pode confundir-se com as dores nervosas que accusam certas mulheres chloroticas, principalmente quando soffrem de hysteria. O que dissemos da angina pectoris é applicavel a este caso, accrescendo que muito auxiliará ao clinico que se vê embara- çado, a existência de ruidos vasculares na região cervical. A dôr da pericardite incipiente pode também confundir-se com a pleurodynia. Neste caso, dissipará as duvidas a ausência de movimento febril e de tom metálico dos ruidos cardíacos. No segundo período, a pericardite pode ser confundida com uma pleurisia secca, tanto mais facilmente, quanto o apparelho febril é 118 119 idêntico no perido congestivo de cada uma das moléstias, e o ruido pleural tem um tom analogo ao do attrito pericardiaco, podendo, como este, ser modificado pelas mudanças de posição do doente ; e mesmo quando, por outros signaes, tenha-se reconhecido uma pleurisia, ó sabido com que frequência a inflammação da pleura esquerda propa- ga-se ao pericárdio. Entretanto, esses mesmos ruidos apresentam caracteres differen- ciaes muito notáveis, que constituem a base do diagnostico entre a pleurisia secca do lado esquerdo e a pericardite secca. Já o erro será difficil, se attender-se para a séde do ruido de attrito, o qual tem seu máximo dhntensidade na parte posterior ou lateral do peito, se é pcricarditico; alem d'isso, estando em relação com os movimentos car- díacos, o attrito pericardico é muito rápido em sua producção ; ao passo que o ruido pleuritico, produzindo-se pela distensão do pulmão, é mui demorado, é um ruido arrastado em, relação ao primeiro (*). O que, porem, terminará qualquer duvida que haja sobre a proveniência do ruido de attrito, é que o pericardico é isochrono com os movimentos do coração e o pleural é ischrono com os movimentos respiratórios, tornando-se mais claro no fim de largâs inspirações; d'onde se infere que fazendo suspender ao doente a sua respiração, o ruido pleuritico des- apparecerá, persistindo o que fôr pericardico. Ha, porem, um ruido pleural difficilimo de se distinguir do ruido pericardico; é o proveniente da inflammação da porção de pleura que reveste o pericárdio. Neste caso o rhythmo do ruido é o mesmo do cora- ção, porque a ponta deste orgão encurtando-se no momento da systole, determina um attrito Jrew entre a porção pericardica da pleura e a porção que reveste o bordo anterior do pulmão. Para Skoda, que consagra algumas linhas a esta variedade de ruidos precordiaes, é impossível differençar-se esses ruidos pleuraes dos verda- deiramente pericardicos. Niemeyer professa a mesma opinião. Entretanto, nos parece que, com um exame rigoroso, pode-se conhe- cer se trata-se d'uma pericardite ou d'uma pleurisia. Sendo produzido pela systole do coração, o ruido pleural é unico em cada revolução cardíaca, e não pode dar ao ouvido a sensação de um (•) Sabemos que uma revolução respiratória abrange normalmente o tempo de quatro revo luções cardíacas, e esta proporção augmentará n'um casa do inflammação do pericárdio, em que os moYimentoB do coração accclcram-sc mals do quç o» respiratórios. 120 duplo attrito de vae-vem, desse frou-frou, proprio do verdadeiro attrito pericardico. Alem disso, segundo Barth e Roger, escutando-se fora da area da região precordial, pode-se ouvir, principalmente nas grandes inspirações, indícios de attrito isoclirono com os movimentos respirató- rios. O dr. Prosper Choyau, em sua these inaugural (*), tratando desse ruido pleural, diz que elle é quasi sempre acompanhado d'uma dôr viva, e ouvido na parte media da região precordial, longe do sterno; mui perto desse ruido, ou mesmo no ponto em que elle é percebido, acha-se uma sonoridade manifesta, revelando a presença do pulmão; e em muitos casos sua apparição é seguida d'um dcrramen na cavidade pleural. Diremos, pois, com o dr. Choyau: « Quando um attrito synchrono á contracção ventricular se mostrar sem outros phenomenos de pericardite, com os caracteres e nas condições que acabamos de indicar, deve-se crer antes na existência d'uma pleurisia, do que na de uma peri- cardite. » Um grupo de moléstias do coração pode ainda confundir-se com a pericardite no segundo periodo, assemelhando-se-lhe por um ruido mais ou menos analogo aos de um attrito no pericárdio, e por uma ligeira obscuridade do som, ligada á hypertrophia que ordinariamente as acom- panha. Essas moléstias são as lesões organicas dos orifícios, quer ventriculo- arteriaes, quer auriculo-ventriculares, e das valvulas correspondentes; a ellas pode-se ajuntar a enãocardite, para cuja confusão com a pericar- dite tantas causas concorrem, antes que cm uma e outra phlegmasia se manifestem esses rui dos tão semelhantes na apparencia. O diagnostico a estabelecer-se entre a pericardite secca (ou com dcrra- men pouco apreciável) e qualquer das lesões que se passam no interior das cavidades cardíacas, repousa principalmente no estudo dos caracteres differenciaes dos ruidos proprios a uma e outra ordem de moléstias. Esses caracteres dizem respeito ás qualidades acústicas, á sede, modo de propagação, persistência e modificações artificiaes de cada classe de ruidos. Em geral, o ruido pericardico é um ruido áspero, claro, superficial, peripherico relativamente ao coração (**), desigual, com recrudescências, como o que produz a fricção reciproca de dous corpos rugosos, ou como (*) « Dos brults pleureux et pulmonaires dus aux mouvements <lu coeur. » Paris, 1869. (**) Os patliologistas iuglezes chamam ao attrito friction soiinil. 121 o rolar d'um corpo globuloso sobre uma superfície desigual, cheia de altos e baixos; é um verdadeiro estalido, successão rapida de muitos es- talos: o ruido intracardiaco é um ruído brando, uniforme, unisono, sem recrudescências, profundo, ou central em relação ao coração; é um ruido de sôpro mais ou menos macio. Mas não bastam, para estabelecer a diíferença, estes caracteres acus- ticos. Um attrito do pericárdio pode ser tão brando, que imite o sôpro intracardiaco da endocardite, ou de uma lesão orico-valvular: um sôpro intracardiaco pode chegar a ser tão áspero, que simule o ruido de uma grosa ou serra, confundindo-se com o attrito áspero do pericárdio. Os outros caracteres são mais positivos e não deixam a desejar-se cousa alguma para a claresa do diagnostico. Correspondendo aos pontos onde se coagulam exsudatos, o attrito pe- ricardico não apresenta em sua séde relação com algum dos orifícios cardíacos; pelo contrario, occupa mais frequentemente o ponto em que a face anterior do coração está em relação mais estreita com a parede thoracica, isto é, o 3.° espaço intercostal de cada lado do sterno, e a parte correspondente do osso: é um ruido circumscripto, não se propaga em direcção determinada, morre no ponto em que se produz e é perce- bido; não é regularmente isochrono com os ruidos do coração, sendo quasi sempre duplo em relação aos movimentos de systole e diástole; começa repentinamente, variando de extensão e intensidade de um dia para outro; pode mudar de séde, sendo mais notável um dia no lado es- querdo, no dia seguinte, - no lado direito, do sterno; modifica-se ra- pidamente sob a influencia do tratamento derivativo, ou antiphlogistico; apresenta-se mais forte ao ouvido, quando se calca com o stethoscopio no thorax, (Sibson) ou se faz o doente sentar-se com o tronco inclinado para a frente. Em opposição a tudo- isso, tendo logar em algum dos orifícios do co- ração, o ruido de sopro intracardiaco tem séde fixa; por mais extenso que seja, tem um ponto de maxima intensidade correspondendo a algum dos fócos de escutação dos ruidos cardíacos; geralmente simples, coin- cide com algum dos ruidos normaes, systolico ou diastolico; e quando fôr duplo, reproduzirá o rhythmo delles; começa lentamente a ser per- cebido, e somente depois de longos intervallos é que muda de tom: pro- paga-se em direcção determinada, para a base ou para a ponta do co- ração; das observações de Sydney-Ringcr se deduz que o ruido de sô- 122 pro torna-se mais forte, mais áspero na posição horisontal do doente, e que a pressão do stethoscopio não o modifica. A apalpação também permitte verificar uma differença entre os dous ruidos que nos occupam; é que o frémito que acompanha o ruido de attrito pericardico não tem o caracter vibratório do frémito felino das lesões valvulares, não é, como este, isochrono com a systole nem com a diástole, nem o seu máximo de intensidade corresponde aos pontos do thorax em relação com os orifícios cardíacos. Falíamos do ruido de golpe formado pelo ruido de attrito pericar- dico intercallado aos dous ruidos normaes do coração, substituindo, portanto, o pequeno silencio. Sendo este de curta duração, o tríplice ruido de galope, formado pelo primeiro ruido normal do coração, pelo ruido postsystolico do pericárdio e pelo segundo ruido normal cardíaco, pode ser apresentado por uma figura de rhetorica constante de uma syllaba breve entre duas longas. Nestas condições, o ruido de galope é realmente pathognomonico da existência de pseudo-membranas no interior do pericárdio. Mas ha duas outras variedades de ruido de galope, que podem con- fundir-se com a precedente, e que, entretanto, denunciam estados pathologicos differentes do que estamos estudando. Uma delias resulta do desdobramento de um dos ruidos normaes, quasi sempre do segundo; e então o ruido de galope é assim formado: primeiro ruido normal, pequeno silencio, dous segundos ruidos que se succedem. Este ruido de galope distingue-se do primeiro por dous caracteres principaes: persistência do pequeno silencio, e o tom do ruido addicio- nal, inteiramente semelhante ao do segundo ruido physiologico, um verdadeiro estalo, um tom solidio. Quando é bem manifesto e persi- stente, e sendo ouvido na nivel da ponta do coração, este ruido é um signal, embora não constante, de estreitamedto mitral. Em alguns casos o desdobramento tem logar no primeiro ruido e então pode haver completa semelhança entre o ruido de galope assim produzido e o galope pericardico, porque o ruido addicional pode invadir o tempo do pequeno silencio. Todavia, basta attender-se á qualidade e ao tom das duas variedades de ruidos, para distinguil-as: na segunda ouvem-se ties ruidos da mesma força, tres estalos, tres ruidos de percussão; não ha um ruido de attrito, como no relate peri- 123 cardico. Esta subvariedade do ruido de galope não tem ainda valor se- meiotico determinado. A terceira especie de galope, a mais rara, é produzida pelo choque anormal do coração sobre a parede thoracica, durante a diástole; é, por- tanto, um ruido diastolico, mas não devido ao desdobramento do segun- do ruido normal, com o qual se o tem confundido, e do qual se di- stingue, por alternar quasi sempre com a depressão rapida e pronunciada da região precordial na occasião da systole. Nesta especie particular do ruido de rebate, este se acha na seguinte relação para com os movimen- tos visíveis e os ruidos normaes do coração: depressão systolica, pri- meiro ruido normal, pequeno silencio, saliência diastolica, segundo ruido normal, ruido anormal resultante da impulsão diastolica e correspon- dendo a uma parte do grande silencio. Esta forma de ruido é indicio d'uma adherencia geral do pericárdio, como demonstram casos de au- topsia referidos por Fricdreich. Em resumo: o primeiro ruido de galope ou rebate é devido á addição d'um attrito ao primeiro ou, mais raramente, ao segundo ruido normal do coração: o segundo ruido de galopo resulta da addição d'um estálo ao segundo, ou, mais raramente, ao primeiro dos ruidos normaes; o ter- ceiro é produzido pela addição de um ruido de choque ao segundo ruido normal, e coincidindo com a depressão diastolica precordial. O primeiro é pathognomonico da pericardite com falsas membranas, recentes ou an- tigas; o segundo é quase sempre indicio de uma insufficiencia mitral; o terceiro é pathognomonico de adherencias extensas ou geraes do pe- ricárdio. No período de derramen, quando se manifesta a obscuridade ano- mala do som, o enfraquecimento e afastamento das pancadas cardíacas, e o abaúlamento, a pericardite pode ser confundida com a pleurisia esquerda com derramen, o hijdro-pericárdio, a dilatação do coração com adel- gaçamento de suas paredes, e principal mente com a hypertrophia. Quanto á pleurisia, se a distinguirá da pericardite tendo presentes á memória os seguintes dados : na pleurisia o som parenchymatoso re- vela-se na região postero-lãteral do peito, formando uma especie de el- lipse de convexidade superior, mui bem assignalada por Damoisean; ao passo que na pericardite limita-se á parte anterior do peito e tem a for- ma pyramidal; na pleurisia, elle é acompanhado de ausência dos rui- dos respiratórios e das vibrações vocaes, em uma larga extensão da par- 124 te esquerda do thorax; este phenomeno não se dá na pericardite sim- ples, e quando se-enfraqueça ou desappareça o murmurio respiratório, é somente na região precordial; alem d'isso, na pleurisia os ruidos do co- ração continuam a ser ouvidos claros, superficiaes, c a impulsão cardía- ca se conserva regular, ainda mesmo que o derramen pleuritico tenha invadido a região precordial, porque neste caso o coração é apenas des- locado pura a direita, ouvindo-se distinctamcnte as suas pancadas por baixo do sterno, ou á direita d'este osso ; o que não se dá na pericardi- te, cm que o derramen recalca o coração para a columna vertebral. Segundo diz Wpillez, basta este ultimo signal para estabelecer o diagnostico differencial entre a pleurisia esquerda e a pericardite, am- bas com derramen considerável. As mesmas differenças offerece, em um e outro caso, o abaúlamento, que, demais, na pericardite pode chegar até o epigastrio. Pode succeder que o pratico se ache em presença de uma pleurisia esquerda e de uma pericardite, que se desenvolveram simultaneamente. Neste caso ainda, a analyse minuciosa dos signaes e da marcha da affecção e principalmente a falta de recalcamento do coração para o la- do direitb, farão reconhecer e distinguir os dous accidentes. A ausência dos signaes, mesmo ligeiros, de inflammação em algum ponto da região precordial ; a coincidência de outros derramamentos analogos, e presença de algumas das causas que ordinariamente o pro- duzem, farão distinguir um hydro-pericardio fuma pericardite com der- rainen, com a qual se confunde pelos symptomas physicos locaes. A confusão da pericardite com a dilatação não hypertrophica das paredes de coração é devida á diminuição da impulsão cardíaca com o augmento do som parenchymatoso: a differença é estabelecida pela ausência de phenomenos febris na dilatação e principalmente pelo augmento de sonoridade e clareza dos ruidos, que tornara-se mais seccos e stridentes, notavelmente o primeiro, segundo Hope e Laennec, e que são perceptiveis em maior extensão. Mais diflicil é diagnosticar a pericardite com derramen não muito abundante de uma hypertrophia do coração; porque em um e outro caso ha um abaúlamento medíocre, obscuridade extensa de som precordial, frequência maior do pulso, embaraço na respiração, fraqueza d'impulsão e abafamento dos ruidos, se a hypertrophia é limitada aos ventrículos. Walshe, Hache e Sibson insistiram sobre um signal distinctivo impor- 125 tante: é que na pericardite com derramen, os batimentos do coração são ouvidos em um ponto superior ao em que se deixam perceber no es- tado normal, e tanto mais elevado quanto maior é o derramen; o que não se dá na hypertrophia. Alem disso, nesta moléstia, á parte a acceleração do pulso, não ha phenomenos febris, como ás vezes na peri- cardite. Na hypertrophia a obscuridade do som tem a marcha rapida que apresenta na pericardite; não se desloca com a mudança de posição do doente, cessa no ponto em que dá-se o choque precordial e onde sente-se a ponta do coração, o que não succede com a pericartite. Na pericardite o abaulamento precordial, bem como o som massiço muitas vezes desapparece rapidamente, com a absorpção do liquido, quer spontanea, quer por effeito d'um vesicatório; na hypertrophia esses phenomenos são permanentes, tendendo sempre a augmentar, e coincidem ordinariamente com o deslocamento da ponta do coração, a qual bate para fóra do mamillo. Quando trata-se de uma pericardite com grande derramen, e de uma hypertrophia considerável, alem dos signaes differenciaes precedentes, podemos apontar mais os seguintes: o aiigmento da superfície da som baço na hypertrophia nunca é tão considerável como na pericardite, e predomina, ora no sentido do comprimento do orgão, ora na largura, ora em todos os sentidos, lembrando mais ou menos exactamente a forma do coração, cónica de vertice inferior-esquerdo; na pericardite, o derramen abundante dá ao som obscuro uma grande extensão, e a forma triangular de vertice para cima. Na hypertrophia o limite da obscuri- dade do som não passa inferiormente da séde dos batimentos cardíacos; caracter sobre cujo valor Gubler insiste muito, e que não se encontra na pericardite. Na pericardite com grande effusão de liquido, o abaula- mento é mais pronunciado na parte inferior da região precordial; na hypertrophia, ora estende-se a toda a região, ora tem sua séde na base, acompanhando-sc mesmo d'uma depressão relativa no nivel da ponta do orgão. Na hypertrophia Considerável ha o exagero da impulsão cardíaca e a resonancia maior dos ruidos, contrastando com phenomenos oppos- tos na pericardite. Finalmente, se não ha signaes de lesões valvulares que possam explicar a irregularidade, intermittencia e pouco desenvol- vimento do pulso, n, um caso de duvida entre a hypertrophia e a peri- cardite, devemos decidir-nos pela existência desta ultima affecção. 126 Um aneurysma da aorta ou um tumor intrathoracico de qualquer natureza, principalmente no mediastino anterior, dálogar á obscuridade do som na região precordial, ou nas suas immediações, e esta eircum- stancia pode fazer hesitar-se entre uma pericardite e qualquer d'esses tumores. A duvida desapparecerá attendendo-se a que no caso que figu- ramos, o som baço deve limitar-se á base do coração, ou ao bordo sternal direito, pontos a que ordinariamente correspondem esses tumores, que, demais, têm symptomas proprios, que não perinittem facilmente a confusão. Accrescentemos que provavelmente n, um d'esses casos, o coração será rcpellido lateralmente, ou então para baixo do tumor, e assim os seus ruidos augmentarão d'intensidade, reforçando-se, em vez de enfraquece- rem-se, como na pericardite com derramen. Pode-se com certeza reconhecer a natureza do exsudato de uma peri- cardite ? Não; mas pode-se adquirir fortes presumpções á respeito, pelo exame stethoscopico e pelo conhecimento dos antecedentes do doente. Se ha ruidos de attrito fortes e persistentes, o exsudato éfibrinoso ou soro-fibrinoso; porque só tendo esta natureza é que pode coagular e organisar-se em pseudo-membranas, para dar logar a esses ruidos. lias se os ruidos de attrito são nullos ou fugaces, e se o exsudato se faz em pouco tempo, augmentando com muita rapidez, então é de natureza ' ' l>6// * j l' , ' sorosa, cumprindo notar que elle parece estar mais em relação com as dyserasias do sangue por causas de acção lenta, como a cachexia palus- tre, a chlorose, moléstias longas e debilitantes, etc. Se o doente soffre de scarlatina, d'infecção purulenta, ou, se é uma mulher, d'infecção puerperal, ou se existe ao mesmo tempo que a pe- icardite uma pleurite purulenta bem conhecida, tem-se motivos para acreditar que o exsudato pericardico seja purulento; e essa probabili- dade se mudará em certeza, se pouco depois observar-se um começo de hydropneumo-pericardio, que é quasi sempre o resultado da decompo- sição pútrida do exsudato purulento no indivíduo que soffreu anterior- mente, ou soffre de infecção purulenta. Como se conhecer se o derramen pericardico vae augmentando, ou diminuindo ? Sem duvida pelo progresso ou diminuição do abaulanaento precordial; mas este meio só pode ser applicavel nos derrames consideráveis, por 127 que, como já vimos, não menos de 500 grammas de liquido são precisas, segundo Racle, para determinar o abaulamento. A percussão não deve inspirar-nos grande confiança, pelo que já dissemos da variabilidade dn obscuridade do som precordial em relação ao liquido derramado. Segundo Woillez (*), que allega observações próprias, o melhor meio de acompanhar os progressos crescentes ou decrescentes do derramen, é a mensuração cyrtometrica. Adhcrencias cardio-pericardicas, symphyse pericardica, obliteração do pericárdio As adhcrencias entre as duas folhas do pericárdio constituem uma das consequências mais communs da pericardite. A adlicrencia pode ser total, ou parcial, formada por uma soldadura ■intima entre as duas folhas, fazendo até crer na ausência da folha externa, ou incompletamente por fios mais ou menos longos que as unem, ad- herencia funiforme. Elementos para o diagnostico - Todos os auctores estão accordes com Eutenberg e Kennedy em admittir que não ha signal univoco, probatorio, da existência de uma symphyse pericardica. Comprchende-se que as adhcrencias parciaes, limitadas, e feitas por meio de cordões que liguem as duas folhas do pericárdio, deixem aos movimentos cardíacos a liberdade e amplidão normaes, e não produzam symptomas subjectivos, ou geracs, de perturbação circulatória. Elias serão, quando muito, denunciadas por um ruido de attrito, devido á rugo- sidade das folhas que se tocam; e esse ruido será naturalmente attribuido pelo clinico á presença de exsudatos organisados e livres na superfície da sorosa. Quando, porem, se derem condições oppostas, ellas provocarão os ac- cidentes que traz todo o embaraço á acção cardíaca: o coração esvasia- se mal; suas cavidades dilatam-se passivamente; e, em consequência da maior demora que nellas tem o sangue, os vasos afferentcs não se des- engorgitam do sangue que contêm ; d'ahi, torna-se defeituosa a circu- (•) «Dictlon. de diagnostique», art, Péricardite, 128 lação hepato-pulmoiiar e manifestam-sc, por fim, todos os symptomas da stase capillar e venosa geral. Mas estes symptomas insulados dos signaes objectivos, serão attri- buidos a lesões do tecido cardiaco, tanto mais quanto frequentemente ellas coincidem com as adherencias pericardicas. Somente os meios phy- sicos poderão revelar que genero de lesão determina essas anomalias da circulação e distribuição do sangue. Bellingham registrou os seguintes signaes como proprios para carac- terisar a adherencia cardio-pericardica: ausência de impulsão cardiaca em sua séde normal e sua presença n'um ponto mais elevado, sendo a impulsão causada pela base, e não pela ponta do coração: sonoridade á percussão no ponto em que devia estar a ponta do coração; um movi- mento ondulatorio no epigastrio, acima da cartilagem xiplioide, duplo, e tão forte durante a diástole, como durante a systole. Convém ajuntar aos signaes precedentes, um indicado por Testa, San- der, Heim de Berlin, Kreysig e Jaccoud: é a existência de uma de- pressão no epigastrio, a qual augmenta com a systole. Skoda assignala também uma depressão que se manifesta no espaço intercostal correspondente á ponta do coração, e ás vezes estendendo-se a um ou dous espaços intercostaes superiores. Segundo Kennedy, pode-se crer n'uma adherencia quando o ruido de attrito cessar de repente, sem augmento notável do som baço, e com a manifestação de movimentos violentos do coração, irregularidade e in- termittencia do pulso. Estes signaes, realmente, merecem attenção; por quanto o ruido de attrito pericardico só desapparece, ordinariamente, com a producção de um derramen considerável; e não augmentando a extensão do som massiço precordial, excluida está a idéa de um derra- men: se ha irregularidade do pulso indicando embaraço nos movimentos cardíacos, é claro que uma adherencia se deu, impedindo que se exerça regularmente o jogo do coração. Aran falia de um signal, para elle importante, que indica uma adhe- rencía generalisada do pericárdio: é a diminuição ou desapparecimento completo do segundo ruido normal, quer na região precordial, quer mesmo em todo o peito, e ao mesmo tempo enfraquecimento do primeiro ruido, que torna-se mais prolongado, bem como o grande silencio. Ha também um phenomeno que, segundo Racle, serve para o diagnos- ico das adh erencias do pericárdio. Sabemos que no estado normal a 129 ponta do coração desloca-se um pouco sob a influencia da posição do in- divíduo, principalmente no decúbito lateral. Comprehende-se então que n'um caso de adherencia cardio-pericardica esse desvio não se effectue e a ponta do coração bata constantemente no mesmo ponto do thorax. Mas também se comprehende que esse signal perca todo o seu valor quando deixar de ser perceptivel o choque precordial. D'entre todos estes signaes, podemos distinguir, como de significação mais positiva, tres, a que Jaccoud dá um valor immenso, consideran- do-os como excellentes para o diagnostico. São elles: a ondulação epi- gastrica de Bellinghain e Sander; a depressão systolica da região pre- cordial, mais notável no nivel da ponta; e a projecção diastolica desse mesmo ponto, alternando quasi sempre com o signal precedente, e as- signalada principalmente por Friedreich. Quanto ao primeiro signal, que, aliás, não foi observado por Laennec, Ilope, Bouillaud, Skoda e muitos outros auctores, tem sido encontrado sem adherencias do pericárdio, e, segundo Friedreich, tem grande valor somente quando coincide com a depleção súbita e diastolica das veias jugulares. O juizo emittiúo por Friedreich funda-se em dous casos por elle observados em 1864, e de que fez autopsia. Quanto á depressão systolica de Skoda, ella póde dar-se mesmo quando a adherencia é funiforme e embaraça o movimento spiroide e a descida do coração, conforme observou Traube. Por outro lado, a depressão no nivel da ponta do coração pode ser observada em casos nos quaes não exista symphyse do pericárdio, como provam uma observação de Bahr e uma outra, muito notável, de Friedreich. É, portanto, um symptoma que só tem valor quando reunido a outros de significação mais positiva. Quando, porem, a depressão systolica estende-se a uma grande parte ou á totalidade da região precordial, ao scrobiculo e ao hypochondrio esquerdo, e ao mesmo tempo faz-se com violência, então é que ella ad- quire a importância semeiologica que lhe quiz dar Jaccoud em todos os casos, e pode ser considerada, segundo Friedreich, como pathognomonica de uma adherencia pericardiaca extensa; cumprindo notar-se que a de- pressão do scrobiculo e do hypochondrio revela que a adherencia esten- deu-se á face postero-inferior do coração. Segundo Skoda, Jaccoud e outros auctores, essas retracções assim extensas, não podem se effectuar, senão quando, alem da adherencia reciproca das duas folhas pericardicas, houver também adherencia do 130 pericárdio ao sterno, ao thorax ou á columna vertebral, directamente ou por interrnedio da pleura. Mas, diz Friedreich que, ainda mesmo admit tiiido esta clrcumstancia, ella não é indispensável; por isso que clle observou uma forte retracção systolica de toda a região precordial, costellas e sterno, sem que o pericárdio estivesse anormalmente nnido ao thorax ou á columna vertebral. O que, na opinião desse cardio-patbo- logista, é necessário, é que o coração esteja unido por sua face inferior ao diaphragma, de modo que encurtando-se pela systole, repuxe para cima o musculo, e com elle suas inserções fixas no thorax; movimento que os segmentos visinhos desses pontos d'inserção seguem forçosamente em certa extensão. Uma outra condição, segundo Friedreich, necessária para a retracção systolica, é que a energia da contracção cardíaca seja suíficiente para vencer a resistência que oppõe a elasticidade do thorax. A projecção diastolica pode, bem como o signal precedente, faltar envcasos de symphyse pericardiaca. É um phenomeno produzido pela ponta do coração, que, voltando subitamente á sua posição normal depois do encurtamento systolico, impelle adiante de si a parte do espaço intercostal que se tinha deprimido, repuxada pela ponta do coração a ella adherente, ou calcada pela pressão atmospherica. A projecção pode sei acompanhada de um ruido particular, que talvez faça crer n'um desdobramento do segundo ruido normal, do qual, entretanto, se distingue por alternar quasi sempre com a depressão rapida e pronunciada da região precordial na occasião da systole. Esse ruido, produzido pelas vibrações da parede thoracica, pode imitar o ruido de galope ou relate que se nota em certas pericardites seccas com falsas membranas espessas. Quando tratamos do galope pcricardico mostramos as diíferenças que o distinguem do galope da adherencia pericardica. Não insistiremos, pois, nesta distineção. Tem-se indicado um phenomeno que acompanha a retracção systolica do thorax, á qual é synchrono, e que alterna com o pulso carotidiano: é a depleção rapida, um collapso, como chama Friedreich, das veias do pescoço. Attribue-se este phenomeno, por alguns considerado pathognomonico á súbita mudança de posição do diaphragma, produzida pela impulsão diastolica sobre a parede thoracica. O diaphragma tornando-se plano, ou quasi plano, pela distensão rapida das costellas e da parte inferior do sterno, puxa para baixo o coração, que lhe está preso; então, allon- 131 gam-se os grossos vasos da base do coração, principalmente a veia cava superior e distendem-se rapidamente as cavidades do coração; e assim o curso do sangue venoso é subitamente accelerado nos vasos muito visinhos ao orgão, de que são affluentes. Havendo, alem da obliteração do pericárdio, adherencias á parede anterior do thorax e ao mesmo tempo aos bordos pulmonares anteriores, é claro que o coração ficará immovel, não se prestando a deslocações; e os pulmões não podendo nas inspirações profundas, adiantar-se mais para cobrir a face anterior do coração, os limites do som massiço pre- cordial serão os mesmos na inspiração ou na expiração. Diagnostico differencial - Da analyse rapida que acabamos de fazer, evidencia-se que nem mesmo os melhores meios d'exploração physica (a escutação e a apalpação), podem offcrecer-nos dados seguros e infal- liveis para o diagnostico, simples ou differencial, da adherencia do pe- ricárdio. Se a presença de muitos dos symptomas que referimos revela claramente a existência d'uma symphyse do pericárdio ao coração, a sua ausência não exclue a possibilidade, muitas vezes convertida em realidade, do facto pathologico. O proprio Jaccoud, que os considera de muito valor, observou casos em que adherencias geraes do pericárdio tinham passado desapercebidas, vindo a ser descobertas somente pelo exame necroscopico. Isto parece realisar-se principalmente quando a moléstia é observada em um periodo no qual acha-se diminuída a ener- gia contractil do coração. Hydro-periçarclio, kydro-ccirdio. Independentemente d'um processo inflammatorio, dá-se, sob a influen- cia de certas circumstancias, um augmento na transsmjação normal d'esse liquido soroso que lubrifica as paredes do pericárdio, como as de qualquer sorosa : é o hydro-pericardio, ou a hydropisia do pericárdio. Quaesquer que sejam as causas remotas que o produzam, sempre o hydropericardio é a expressão de um embaraço ao curso do sangue veno- so nas paredes do coração ou no seu involucro (como se dá em todas as moléstias que têm por effeito a stase do sangue no coração direito) ou de uma crase hydropica (nas moléstias que trazem uma hydremia com depauperamento em albumina, como nas cachexias chronicas). 132 0 hydropericardio é, pois, o resultado d'um transsudato, e não d'um exsudato. Elementos para o diagnostico - Os symptomas reveladores da pre- sença de um derramen não inflammatorio na cavidade pericardica, va- riam segundo a abundancia d'elle. A transsudação de sorosidade sendo a unica alteração material n'essa moléstia, vè-se desde logo que quando o derramen fôr medíocre, não haverá symptomas subjectivos ou objectivos particulares á sua existên- cia. A natureza do liquido não lhe permittindo a coagulação e a orga- nisação em falsas membranas, não se pode produzir o ruido de attri- to que o denuncie : e a sua pequena quantidade não dando logar a symptomas subjectivos, não pode provocar a attenção do medico. Quando, porém, o derramen de sorosidade é abundante, manifestar- se-hão todos os symptomas physicos proprios da pericardite com gran- de derramen. O liquido pode ser em quantidade sufficiente para comprimir o pul- mão e produzir uma dyspnéa intensissima, que ameace suffocar o do- ente, quando elle procura deitar-se, e o obrigue a estar noite e dia sen- tado com o tronco inclinado para a frente. Alem deste symptoma de compressão, manifestam-se outros: palpitações, fraqueza e intermittencia do pulso, lipothymias. Se ha hydropisia geral, então o hydrocardio é uma de suas manifestações. Diagnostico (lifferencial - Os caracteres physicos locaes desta mo- léstia só permittem confundi-la com o derramen resultante d'uraa peri- cardite. Já vimos, tratando do diagnostico diíferencial da pericardite com derramen, o modo de distinguir as duas moléstias: vimos que o diagnostico é facil, quando os phenomenos que aqui recordamos mani- festam-se n'um indivíduo que esteja sob a influencia de uma moléstia que ordinariamente se complique de albuminúria e de hydropisias e que não apresente signaes locaes de phlegmasia. A differença tornar-se- ha mais saliente ainda, se attender-se á marcha da moléstia em um ou outro caso. Jaccoud (*) faz notar que os phenomenos de compressão, principal- (*) « Tralté de patbologie interne » - Paris, 1873 - I, *6U. 133 mente sobre o diaphragma e o pulmão esquerdo, são menos incommodos no simples hydro-cardio do que na hydropericardite, suppondo-se iguaes as quantidades do liquido derramado. Mas nos parece difficil em siunmo grau fazer o estudo comparativo entre os phenomenos de compressão pulmo-diaphragmatica em um hydro-pericardio actual e os que obser vamos ha certo tempo na hydropericardite, ou vice-versa. Pneumo-pericardio - Hydro pneumo-pericardio * y. O pneumo-pericardio, isto é, a diffusão de ar ou de gazes na cavidade do pericárdio sem a presença simultânea de um liquido qualquer na mesma cavidade, não existe, ou, pelo menos, a sua existência não foi ainda comprovada por facto algum. A presença desses fluidos coincido sempre com um derramen de liquido, resultado de uma pericardite, an- terior ou posterior á apparição do ar. O mixto do liquidos e de . . í no pericárdio constitue o hydro pneumo-pericardio, que, aliás, é um? lestia rara. Os factos de pneumo-pericardio até hoje observados podem ser divi- didos em dous grupos: em um - os gazes resultam da decomposição do? liquidos derramados no sacco pericardiaco ; no outro elles provem de cavidades visinhas (pulmões, esophago, estomago) passando os fluidos gazosos para a cavidade do pericárdio, por uma perforação na membrana Esta divisão apresenta utilidade sob o ponto de vista do diagnostico, co- mo veremos adiante. Elementos para o diagnostico - Quanto aos signaes indicadores d'um derramen hydro-aereo no pericárdio, Laennec, Bricheteau e Bouil- laud assignalaram dous principaes : um fornecido pela percussão, a resonancia tympanica no nivel do pericárdio ; e um apreciável pela escutação, o ruido de fluctuação, determinado pelos movimentos car- díacos e simulando o que produz a agua agitada pela roda de um moi nho, ou, segundo Morei Lavallée, o ruido d'uma roda hydraulica. Este som pode estender-se a toda a região precordial, ou somente li- mitar-se á base d ella, e neste caso ha sempre um som baço em relação com a abundancia de liquido derramado. O tympanismo varia de séde segundo a posição do doente e em ra- 134 zão dos deslocamentos de coração, ou do liquido que existe no pericár- dio ; pode mesmo desapparecer quando o doente inclina fortemente o corpo para diante, começando sempre por perder sua intensidade. Este phenomeno indica que a quantidade de liquido existente é considerável. No decúbito dorsal, o coração sendo mais pesado que os gazes, occu- pa uma posição profunda no pericárdio, e o som tympanico revela-se melhor. A estes signaes, já por si caracteristicos, devemos juntar, em vista dos factos referidos por Jaccoud, o enfraquecimento ou mesmo desappari- ção do choque normal do coração no decúbito dorsal ; bem que em al- guns casos este choque torne-se ruidoso, e, adquirindo um tom metallico se converta em um verdadeiro tinido metallico. Os ruidos normaes apresentam a mesma variedade, podendo ser me- nos intensos, ou substituídos pelos ruidos anormaes, ou tornar-se cla- ros, metallicos, perceptiveis á distancia. Diagnostico differencial - A exposição que fizemos dos symptomas que acompanham o hydropneumo-pericardio, basta para fazer destin- gui-lo de outro qualquer estado pathologico com o qual quizesse con- fundi-lo um espirito pouco observador. O som tympanico obtido pela percussão afasta a idéa de um derrmen no pericárdio; pois que, onde o som não é baço, no caso de simples derramen, é normal, claro, mas não tympanico. O som baço coincidindo com o tympanismo, provaria contra a existên- cia de um pneumo-pericardio propriamente dito, ainda quando esta moléstia podesse ser admittida. Quanto ao meio de se conhecer qnando os gazes, cuja presença no pericárdio se nos revela, provêm da decomposição progressiva de um liquido preexistente na cavidade sorosa, ou quando elles provem de cavidades visinhas, - podemos adquirir grandes probabilidades de um ou outro caso. No hydro-pericardio por perforação, o momento preciso em que esta se faz é indicado, segundo Graves, por palpitação e uma dôr viva, e segundo muitos auctores, é somente nesta forma que se produz o tinido metallico. Além disso, a perforação do pericárdio é seguida immediata- mente de pericardite ; ao passo que o hydro-pneumo-pericardio sim- 135 pies, sem perforação, é prewdido sempre de uma pericardite, da qua existirão signaes, se não actuaes, ao menos anamnesticos. Demais, quando o pericárdio não tem abertura, os gazes, que se desenvolvem no liquido derramado, distendem com força o sacco peri- cardico e comprimem o coração e o pulmão, e assim originam os pheno- menos já conhecidas de compressão cardio-pulmonar; entretanto que existindo perforação, quando se der a dilatação pulmonar, os gazes com- primidos no pericárdio escapam, ào menos em parte, pela abertura, c d'est'arte jamais dar-se-hão os phenomenos á que acabamos de re- ferir-nos. f Hemo-pericardio Em consequência de degenerações do tecido cardíaco, ou muito fre- quentemente, do seu amollecimento agudo por effeito da inflammação ; ás vezes como resultado de aneurysmas da aorta ascendente, de aneu- rysmas ou d'uma degeneração das artérias coronárias, dá-se a solução de continuidade d'um ramo vascular, o extravasamento e o accumulo de sangue no sacco pericardico. Se a ruptura do vaso não é tão considerável que produza logo a morte, se a hemorrhagia se faz com alguma lentidão, é denunciada por signaes d'uma oligohemia aguda, pallidez, resfriamento do corpo, suores frios, pequenez e fraqueza de pulso, que ás vezes torna-se imperceptivel, desmaio, movimentos convulsivos, etc. Sendo, porém, estes symptomas communs a todos os casos de hemor- rhagia, qualquer que seja a Sua séde, somente do exame physico é que podemos colher algumas luzes para o diagnostico local do acci- dente. Havendo liquido sanguíneo derramado no pericárdio, a sua presença é revelada pelos mesmos signaes objectivos que notamos a proposito do hydropericardio : extensão maior do som baço precordial ; enfraqueci- mento e longinquidade. ou desapparecimento dos ruidos do coração. Diagnostico differencial - Com os elementos citados não é pos- sível conhecer-se a natureza do liquido de que se mostra existente no pericárdio, se em soccorro delles não vêm os symptomas geraes, que então adquirem valia immensa. O diagnostico differencial será estabele- 136 eido com segurança pela anamnese, ajudada dos elementos etiologicos que no principio deste artigo referimos. Por outra : Se n'um indivíduo que mostre soffrer de uma degeneração gordurosa do coração, ou de um aneurysma na primeira porção da aorta, appare- cem os symptomas d'uma hemmorrhagia interna ; e se na região pre- cordial notam-se os signas da existência de liquido extra-normal no pericárdio, existência não revelada anteriormente aos signaes geraes, tem-se todo o direito para concluir que o derramen pericardico é de natureza sanguínea, que se trata, emfim, d'um hemo-pericardio. MOLÉSTIAS DO MYOCARDIO Myocardite A myocardite, ou simplesmente cardite, inflammação das fibrillas musculares do coração, é uma das moléstias desta viscera menos conhecidas e de mais obscuro diagnostico. Entretanto, não é uma moléstia rara, e em muitos casos em que as alterações valvulares tcm-se desenvolvido em consequência de uma endocardite, encontram- se vestígios da inflammação do myocardio. O conhecimento desta circumstancia não é indifferente para o dia- gnostico, do mesmo modo que o não é esfoutro facto : que ás mais das vezes a myocardite coincide com a inflammação do endocardio ou do pericárdio e parece d'ella depender; o que não admira, desde que o myocardio está collocado entre estas duas sorosas, e sabe-se com qué facilidade propaga-se o processo inflammatorio d'uma men- brana ás camadas sub-jacentes, que a sustentam. Ha mesmo neste sentido uma lei, expressa por Stokes, a qual raríssi- mas vezes é infracta pela evolução do processo inflammatorio. Em relação á sua marcha, a myocardite deve ser dividida em aguda e chronica, e por estes dons pontos de vista é que vamos estudar os meios de conhecel-a. 137 Myocardite aguda A cardite muscnlosa aguda, como moléstia primitiva, é rara ; quasi sempre ella é secundaria, coincidindo com as moléstias febris muito in- tensas do proprio coração, ou geraes : circumstancia importante para o diagnostico. É sempre uma moléstia parcial, limitada á pontos circumscriptos da carne cardiaca. Effectivamente, comprehende-se que não possa apresentar-se uma myo- cardite aguda generalisada em todo o coração, porque as perturbações funccionaes que d'ahi resultariam, necessariamente, ao centro propul- sor do sangue, seriam sempre seguidas de morte, antes que a affecção ganhasse intensidade. Sob o ponto de vista anatomo-pathologico, os auctores distinguem duas formas de myocardite aguda: forma parenchymatosa e forma suppu- rativa. A myocardite parenchymatosa encontra-se mais frequentemente na substancia do ventrículo esquerdo, de preferencia na ponta e na parede anterior da porção inferior da cavidade, ou do septo interventricular, ordinariamente na parte superior ; muito raramente no ventrículo di- reito ou nas aurículas. A myocardite que se desenvolve na parte superior do septo interven- tricular, merece menção especial, porque a destruição do tecido n'este ponto póde originar communicações anormaes entre os dous ventrí- culos, como observou Dittrich, ou entre o ventrículo esquerdo e a au- rícula direita, como diz Buhl ter encontrado em um caso. A myocardite pode ainda, desenvolvida no ponto de que tratamos, destruir em parte as inserções de uma ou mais valvulas aorticas ou pul- monares, ou de um dos véos da tricuspide, produzindo a insufficiencia d'estas valvulas. Ás vezes o processo inflammatorio parenchymatoso pode tornar-se dif- fuso, estender-se a uma grande parte da musculatura cardiaca, princi- palmente ao ventrículo esquerdo, produzindo o amollecimento agudo do coração, e os phenomenos funccionaes consecutivos a este estado, que 138 até pouco tempo era descripto como uma individualidade mórbida di- stincta. A myocardite purulenta, ou suppurativa, provêm principalmente da suppuração dos elementos do tecido conjunctivo. Seus limites ora são regulares, com a forma d'um abscesso circumscripto (abscesso do cora- ção ) mais ou menos arredondado , ora são irregulares, insinuando-se o pus em uma certa extensão por entre os feixes musculares ( infiltração purulenta} . O abscesso pode romper-se para o lado das cavidades nor- maes ; partículas do tecido amollecido penetram na circulação e pro- duzem embolias, ou fócos inflammatorios e abscessos metastaticos no pulmão (se o abscesso abriu-se no coração direito), no baço, nos rins, nas sorosas, (se a abertura é no coração esquerdo) ou pode abrir-se no pericárdio, dando origem a uma inflainmação d'esta membrana. Elementos para o diagnostico- Pode-se dizer d'um modo geral que o diagnostico positivo da myocardite é impossível durante a vida. Em um ou outro caso, e empregando-se o methodo d'exclusão, poder-se-ha chegar a admittir, com alguma verosimilhança, a existência d'uma myo- cardite aguda. Em muitos casos a moléstia desenvolve-se de modo la- tente até ao ponto em que de repente declara-se uma serie de pheno- menos gravíssimos, ou no curso d'uma saúde apparentemente perfeita, uma ruptura ou umaparálysia aguda do coração põe termo á vida. Em outros casos, phenomenos morbidos indeterminados dão a conhecer que o coração soffre, ou, mais positivos, indicam um estado de fraqueza d'este orgão. Apenas em um numero diminuto de casos, um conjuncto de symptomas analogos, nenhum d'elles tendo caracter pathognomoni- co, permitte até certo ponto formular-se um diagnostico provável, atten- dendo-se á combinação, ao modo de desenvolvimento e á marcha d'esses symptomas, e a possibilidade d'excluir outros processos morbidos. Friedrcich, que consagra um bello artigo á myocardite aguda, ana- lysando observações de Cazeneuve, Salter, Simonet, Stallard, Burrows, Heslop e Herzfelder, e de uma observação própria mui notável, pro- cura deduzir os phenomenos proprios»da myocardite pura. Estes phenomenos dependem, pela maior parte, do estado da fraqueza aguda do coração. A fraqueza paralysiforme, que se desenvolve rapi- damente, produz uma perturbação na pequena circulação; d'ahi os es- 139 tados dyspneicos de intensidade notável e podendo chegar ao grau mais elevado da orthopnéa, apresentando-se sob a fórma de paroxysmos. Com a dyspnóa combinam-se muitas vezes sensações anómalas na re- gião precordial, sentimento de pressão, de constricção, de angustia; ou uma dôr obtusa, lenta. As sensações dolorosas e a falta de respiração muitas vezes exacerbam-se por uma emoção forte, ou pelos movimentos do enfermo. A diminuição na força propulsora do ventrículo esquerdo, o mais comumente affectado, dá em resultado a pequenez, fraqueza, e irregularidade do pulso arterial, que, todavia, é frequente; a pallidez e lividez do corpo, friesa das extremidades, diminuição da secreção ou- rinaria, syncopes, delirio e convulsões, symptomas de anemia arterial do cerebro. A exploração physica descobre uma diminuição na força da impul- são cardiaca, podendo até o choque precordial tornar-se imperccptivel. Não havendo anteriormente á moléstia uma hypertrophia ou um der- ramen abundante no pericárdio, não se encontra augmento no som baço precordial; salvo se, como succede em casos raríssimos de myocardite muito extensa, houver uma dilatação aguda do coração. Um enfraquecimento ou desapparição completa dos ruidos normaes do coração tem sido observado cm alguns casos. Junto aos outros symptomas que temos indicado, este phenomeno tem algum valor para o diagnostico. Um ruído de sopro pode fazer-sc ouvir quando se formam depositos íibrinosos no ponto do endocardio corre- spondente á parte doente, quando se desenvolve uma endocardite secun- daria, quando a inflammação invade os musculos papillares, ou (pando um fóco myocarditieo derrama-se na cavidade do coração, como observou Friedreich. Diagnostico differencial - Com elementos tão incertos e de valor tão duvidoso, o medico só poderá desconfiar da existência d'urna myo- cardite aguda, attendendo a todas as circumstantias que precederam ou acompanham a apparição delles. Assim, ligeiros graus da myocardite complicando quasi sempre a endocardite ou a pericardite, *tem-se alguma razão para suppôr-se uma participação mais forte da carne do coração na inflammação, quando na região precordial houver uma dôr surda ou viva com auciedade, o que raras vezes acontece na endocardite pura, e mais ainda quando o pulso 140 tornar-se muito fraco e pequeno, e, antes de tudo, quando os movimen- tos cardiacos tornarem-se irregulares. - Segundo Hope, deve-se reunir a estes signaes o desaccordo entre os batimentos cardiacos e as pulsa- ções arteriaes. As probabilidades em favor da myocardite augmentarão quando no curso d'um rheumatismo articular agudo manifestarem-se phenomenos que façam suspeitar a existência d'uma moléstia do coração, e ao mesmo tempo a exploração physica não revelar signaes positivos da pericar- dite ou da endocardite. Assim chega-se, por exclusão, a fazer o diagnostico differencial entre a myocardite, d'um lado, e a endocardite ou pericardite, d'outro lado. Quanto á distinguir o estado de fraqueza do coração na myocardite de estado idêntico em outra moléstia, - na infiltração gordurosa, por exemplo, a marcha que tiverem seguido os phenomenos reveladores d'esse estado, nos esclarecerá muito o caminho para um diagnostico verosímil. Myocardite chronica - Endurecimento do coração - Aneurysma verdadeiro ou parcial do coração Stenose verdadeira do coração Analoga ás inflammações intersticiaes chronicas do figado, dos rins, dos pulmões, a myocardite chronica, também chamada fibrosa, é caracterisada anatomicamente pela hyperplasia do tecido intersticial dos musculos. Formam-se assim callosidades de tecido conjunctivo, ora locaes e circumscriptas, ora estendendo-se ao interior de toda a sub- stancia muscular, e que, segundo a sua séde e dimensões, estorvam em grau variavel a acção do coração. Nos pontos em que se faz essa pro- liferação, a substancia muscular é progressivamente destruída pela atro- pina gordurosa e substituída por tecido conjunctivo. A myocardite chronica tem por séde mais frequente as .extremida- des terminaes dos musculos papiliares, principalmente do ventriculo esquerdo, e ordinariamente succede a urna endocardite chronica da val- vula mitral. Pode também desenvolver-se em outros pontos do musculo cardíaco, mas ainda predominando no ventriculo esquerdo, onde, to- mando grande extensão, produz o adelgaçamento das paredes ventricu- 141 lares, nem só pelo desapparecimento da substancia muscular, senão também pela retracção do tecido conjunctivo de nova formação. Nestas condições, perdendo-se cada vez mais a tonicidade do inusculo cardíaco, uma parte da cavidade se dilata e manifesta-se assim o que se chama aneurysma verdadeiro ou aneurysma parcial, do coração. John Thurnam, que analysou minuciosamente 84 casos de aneurysma parcial do coração, admitte duas formas desta affecção: na primeira a dilatação não forma saliência no exterior; é uma simples excavação que limita-se a uma parte da espessura da parede ventricular; na segunda ha na superfície externa do coração um tumor de tamanho variável entre o de uma noz e o do proprio coração, e cuja cavidade communi- ca-se com a do ventrículo por uma abertura mais ou menos estreitada. A séde predilecta da dilatação parcial do coração é a ponta do ven- trículo esquerdo ou as suas imraediações, depois o septo inter-ventri- cular, muito raramente o ventrículo. Falíamos, em principio deste artigo, das callosidades que se formam no tecido muscular do coração. Elias podem dilatar as paredes da cavi- dade sem produzir um aneurysma, ou podem accumular-se em certos pontos, como na origem da aorta, diminuindo a capacidade do coração e constituindo o estreitamento verdadeiro do coração, de Dittrich. O musculo cardíaco affectado em grande extensão,ípode soífrer uma dilatação simples. Em alguns casos de aneurysma parcial, a musculatura pode conser- var-se normal, ou hypertrophiada, como para compensar a falta que na acção cardíaca faz a porção affectada. O «verdadeiro estreitamento do coração » origina sempre a hypertrophia excêntrica nas cavidades que o precedem. Diagnostico differencial, seus elementos - Os symptomas da myo- cardite chronica são tão obscuros, quanto a sua etiologia. Quando ella se limita ás extremidades dos musculos papillares, sua fôrma ordinaria, não ha symptoma que a refele; mas em um grau mais adiantado, ella pode produzir perturbação na coutracção destes musculos e, consequen- temente, uma insufficiencia valvular. Mas a insufficiencia assim produzi- da, não pode no vivo ser distincta da que é devida á lesões endocardi- ticas da própria substancia valvular. 142 Quando apresenta-se sob a forma da stenose verdadeira do coração, é impossível distinguil-a da stenose de orifícios arteriaes. Quando a myocardite clironica reveste a forma de induração fibrosa do ventrículo esquerdo, ou de um aneurysma cardíaco considerável, os phenomenos que se observam são os da fraqueza das contracções do co- ração, com as suas consequências : desequilíbrio entre a tensão arterial e a venosa e perturbação da grande e da pequena circulação. Segundo Friedreich, só se pode pensar na existência d'uma myocar- dite clironica com degeneração callosa extensa, quando com os sympto- mas a que nos referimos, faltarem os ruidos intra-cardiacos; e com uma probabilidade sufficiente, quando se puder excluir a existência de outra8 degenerações do tecido muscular do coração acompanhadas de fraqueza, como a degeneração gordurosa. A probabilidade d'este diagnostico augmentará muito, se houver um augmento do som baço do coração sem ruidos pathologicos e com ru- idos normaes fracos, e se este augmento não puder ser explicado por um emphysema pulmonar ou por um derramamento pericardico. Aran, em um facto que observou com todo o escrúpulo, indica sym- ptomas importantíssimos, que a darem-se em todos os casos de aneurys- ma parcial, seriam bastantes para estabelecer, com certa probabilidade, o diagnostico d'esta moléstia, mas que, infelizmente, só apparecem raras vezes. Comtudo, podendo apresentar-se algum caso analogo ao de Aran, re- feriremos esses symptomas, que são : um som obscuro alongado trans- versalmente, não propagando-se, ou propagando-se pouco, para cima ; differente, por conseguinte, do som baço da pericardite e da hypertro- phia excêntrica ; uma demora nas contracções do coração, com a par- ticularidade de diminuir e desapparecer pelo repouso ; uma impulsão cuja força varia nos diversos pontos do som baço ; mais fraca no lado esquerdo, onde produz um simples levantamento, e mais forte na cir- cumvisinhança da parte media do coração, produzindo um verdadeiro choque e contrastando de modo notável com a grande fraquesa dos rui- dos normaes e o caracter filiforme e intermittente do pulso : finalmen- te, ruidos anomalos ou murmurios no ponto em que a impulsão car- díaca chega ao seu máximo de força. Breschet e Prust assignalam como symptoma importante para o dia- gnostico do aneurysma da ponta do coração, a ausência de choque na 143 parte do thorax correspondente á esta região, ao passo que sente-se a impulsão communicada á parede tlioracica pelos dous terços superiores do ventrículo. Mas o valor d'este signal precisa de ser verificado por outros observadores. Em dous casos de aneurysma bilocular do ventrículo esquerdo, referidos por Little e Halliday-Douglas, ouvia-se um ruído de sopro no primeiro tempo ; e em outros casos citados por Todd e Hanna havia um ruido de sopro duplo substituindo os dous ruidos normaes. Como se vê, os symptomas de que faliam esses diversos auctores ma- nifestam-se em casos insulados e nenhum valor podem ter, porque quan- do existirem, ao clinico será mais facil attribuil-os a outras lesões mais frequentes do coração. O diagnostico, pois, do aneurysma verdadeiro do coração, se é ás ve- zes estabelecido com a maior verosimilhança, não pode, em these, ser feito com a segurança necessária para que se tenha consciência de não haver caido em erro. Quanto á «stenose verdadeira de Dittrich», esta affecção deve, quando as paredes do coração não tocadas pelo processo de induração se con- servam sem alteração em sua estructura, provocar o desenvolvimento do uma hypertrophia compensadora, que terá os mesmos caracteres physi- cos de uma hypertrophia simples. O estreitamento tendo sua séde ordi- nária na parte superior do ventrículo esquerdo, produzirá um ruido do sopro, que não diferirá do sopro devido ao estreitamento aortico. Não podendo estabelecer-se a hypertrophia ou tornando-se ella insufficiente por enfraquecimento das paredes do ventrículo, os phenomenos resul- tantes serão os, que tantas vezes temos assignalado, de enfraquecimento na actividade cardíaca. Não, ha, pois, um symptoma que faça distinguir-se o estreitamento fibroso das cavidades cardíacas, do estreitamento dos orifícios. Dilatação, aneurysma passivo, aneurysma verdadeiro do coração. No estado normal existe uma certa proporção entre a força con- tractil própria ao coração eo peso da columna sanguínea que este or_ gão tem a mover dentro em si e em todo o organismo. Mas, se, por uma 144 circumstancia qualquer, augmentar o peso da massa sanguínea a expel- lir, a pressão lateral que ella exerce sobre as paredes do coração torna-sc considerável, a ponto de vencer a resistência que ellas lho oppõem, e distendel-as, produzindo-se a dilatação permanente das ca- vidades. Este augmento da força distensiva do sangue pode depender de um augmento real da circulação, por obstáculos que se apresentem ao curso do liquido, ou pode ser relativo, por uma diminuição da potência mus- cular do coração, sua debilidade congénita, ou superveniente por. effeito da insufliciencia de nutrição, da imbebição sorosa ou da doge neração da musculatura cardíaca. No primeiro caso, as paredes muscu- losas em sua integridade empregam maior esforço para neutralisar a causa que as distende e para expellir essa porção augmentada de sangue : d'ahi resulta a hypertrophia dos elementos musculares. No segundo caso, a dilatação não é acompanhada de hypertrophia; é uma simples dilatação, que vai augmantando á proporção que vai diminuindo a elasticidade das paredes, porque o acumulo de sangue nas cavidades é mais facil, visto não haver /orça que impeça-lhe a formação. É somente desta especie de dilatação que aqui nos occupamos, reser- vando a dilatação com hypertrophia para quando tratarmos desta mo- léstia, de que ella pode ser considerada como a especie mais frequente- mente observada, sob o nome de hypertrophia erccnlrica ou com dilata- tação. E tanto mais razão nos assiste para procedermos assim, quanto a hypertrophia segue de mui perto, se não acompanha desde o princi- pio, a dilatação por obstáculo mechanico á circulação, com integridade do coração. A dilatação simples do coração, anwrysma passivo de Corvisart, não pode se effectuar sem o adelgaçamento das paredes da cavidade cm que ella tem logar. Pode-se encontrar espessadas as paredes d'uma cavidade dilatada, mas este espessamento não provem de um augmento da substancia muscular normal ; é devido ao desenvolvimento de elementos heterogeneos em sua espessura, ao que se chama uma hypertrophia falsa. Pode também uma hypertrophia excêntrica degenerar em uma dilatação, quando ha um enfraquecimento nas paredes cardíacas proveniente da alteração d'ellas. Neste caso as paredes das cavidades podem achar-se espessada,s 145 mas acham-se também alteradas em sua estructura, condição necessá- ria para que com o augmento dos elementos musculares, deixem de produzir-se os effêitos da hypertrophia : é ainda o caso da hypertrophia falsa. A dilatação simples é uma moléstia rara, tão rara, que Louis refere apenas um caso, Burns, Lancisi, Corvisart e Laennec citam poucos exemplos, e os auctores modernos parece terem-n'a encontrado poucas vezes. Ella pode occupar de uma até todas as cavidades cardíacas, sendo para notar-se que são mais frequentes as dilatações n'aquellas cavidades cujas paredes normalmente são mais fracas: assim, a dilatação das au- rículas é mais frequente que a dos ventrículos, e destes a mais frequente é a do direito. O contrario se dá na dilatação hypertrophica, mais frequente nas cavidades que têm paredes mais musculares e energicas. Elementos para o diagnostico - É difficil precisar os symptomas proprios á dilatação, tanto mais quanto ella ás mais das vezes coincide com um obstáculo á circulação dependente de outras causas. Todavia suppondo uma dilatação simples por effeito de um enfraque- cimento na aoção das paredes cardiaças, os phenomenos geraes por ella produzidos naturalmente serão os da pouca energia e morosidade na circulação do sangue, pulso fraco, molle e depressivel, embaraço na respiração, resfriamentos das extremidades, stase de sangue no systema venoso e todas as suas consequências. Estes phenomenos têm um valor duvidoso, porque pertencem ao en- fraquecimento das contracções cardíacas, estado qué se manifesta em diversos generos de alteração deste orgão, degeneração ou atrophia de suas paredes. O incommodo ou sensação de peso e embaraço que sentem os doentes, por effeito do augmento da circumferencia do coração, nada tem de especial. Nesta moléstia ainda notam-se as palpitações, que se tornam mais intensas sob a influencia da menor excitação moral, e que incommodam mais ao doente, do que as da hypertrophia. Como, ao passo que é maior a area do coração, este desenvolve menos energia em suas contracções, a sua impulsão, ao mesmo tempo que faz-se em superfície mais larga do que a normal, é fraca, não pode levantar 146 nem abalar, como na hypertrophia, a mão ou a cabeça da pessoa que apalpe ou escute na região precordial. A percussão descobre um som massiço em uma extensão considerável. Segundo Friedreich e Niemeyer, os ruidos normaes soffrem uma diminuição na sua força e clareza; mas os auctores francezes, entre elles Woillez e Valleix, dizem que estes ruidos tornam-se mais claros e distinctos e são ouvidos em maior extensão. Laennec e Hope dizem até que esta modificação é mais notável no primeiro ruido, cujo tom, breve, claro e secco, muito se approxima então do tom normal do se- gundo ruido, que é menos sensivelmente modificado. Estamos, pois, em presença de duas affirmativas contradictorias sobre um mesmo facto. A ultima parece ter sua razão de ser na menor espes- sura da parede cardiaca, o que torna mais facil a transmissão dos ruidos, que assim devem ficar mais claros e distinctos: o augmento de volume do coração augmentando as relações deste orgão com o thorax, faz que os ruidos transmittam-se em uma extensão maior. Por outro lado, cre- mos mais acertado dizer-se que as valvulas auriculo-ventriculares e as paredes arteriaes não vibrando com força, pela fraqueza das contracções cardiacas, é natural que os ruidos do coração produzam-se e sejam ouvidos mais fracos, a menor espessura das paredes cardiacas não com- pensando a menor energia de suas contracções, quanto á modificação dos ruidos. Diagnostico differencial - A dilatação simples do coração pode ser confundida com os exsudatos pericardicos, com a hypertrophia e com a degeneração gordurosa do coração. O derramen pericardico, que, quando é abundante, pode produzir sym- ptomas funccionaes idênticos aos da dilatação, differe delia pela pre- sença do abaulamento precordial e pela forma triangular da superfície do som massiço. Pode, porem, uma extensão mais considerável dos bordos pulmonares anteriores difficultar muito o diagnostico, tirando ao som massiço do derramen a sua configuração triangular. Nem poderão esclarecer-nos os antecedentes da moléstia; porque, se muitas vezes pelo exame delles o medico tem razão para desconfiar de uma pericardite com derramen, em outros casos o hydro-pericardio pode não ser devido a um processo in- flammatorio; e de mais, muitas vezes a uma inflammação aguda do en- 147 docardio ou do myocardio, ou ainda do pericárdio, segue-se uma dila- tação por enfraquecimento das paredes cardíacas, como seguem-se a in- flammação de todas as túnicas do coração ou de qualquer delias e uma dilatação aguda, a certas febres graves e eruptivas. Quanto á hypertrophia, a comparação entre os symptomas physicos des- ta moléstia e os da dilatação simples, estabelece que ellas differom es- sencialmente entre si pela maior energia das contracções na primeira e fraqueza destas mesmas contracções na segunda; assim - um som mas siço com impulsão fraca e ruidos também enfraquecidos, revela uma di- latação ; o mesmo som massiço com impulsão forte e ruidos mais in- tensos, denota uma hypertrophia: alem disto, ha na hypertrophia pheno- menos de acceleração circulatória e depleção rapida do systema venoso, e turgencia arterial: na dilatação, ha os phenomenosde lentidão no curso do sangue, fraqueza de tensão nas artérias e turgencia venosa. Se a hypertrophia fôr concêntrica, os phenomenos geraes e as altera- ções dos ruidos serão analogos aos da dilatação ; mas ainda nesta mo- léstia a apalpação mostrará o augmento na superfície, da impulsão car- díaca, embora esta seja fraca, e a percussão- um augmento na exten- são do som baço ; circumstancias que não existem com a hypertrophia concêntrica, em que o augmento da espessura das paredes, feito para o lado da cavidade, não traz o augmento da superfície externa do co- ração. Notaremos, finalmente, que se a dilatação simples é rara, mais o é ainda a forma concêntrica da hypertrophia. A degeneração gordurosa do coração, trazendo os mesmos symptomas de enfraquecimento da acção cardiaca produzidos pela dilatação sim- ples, não serão elles que indiquem-nos o caminho para o diagnostico entre os dous generos de lesão ; nem tão pouco poderemos colher dados valiosos dos symptomas physicos, pois que em ambas as afíecções elles resultam de um augmento da area do coração e da fraqueza das con- tracções. Todavia, podemos distinguir, com certa probabilidade, a dilatação simples da degeneração gordurosa do coração, quando fóra deste orgão reconhecermos a existência de obstáculos mechanicos á circulação ca- pazes de explicar a existência d'uma dilatação ; quando esta é ainda acompanhada de hypertrophia, e quando, por outro lado, não se reve- lam essas alterações que a experiencia tem mostrado serem causas fre- 148 quentes da degeneração gordurosa do coração ; ou ainda, quando a marcha da moléstia em questão fizer reconhecer nella um desenvolvi- mento rápido e apparição repentina da dilatação, o que ordinariamente não succede com a degeneração gordurosa do tecido cardíaco. Quanto a saber-se qual das cavidades acha-se dilatada, quando' a dilatação não é total, o que raramente succede, a esntação- e a percus- são nos fornecem algumas indicações úteis para o diagnostico. Quando a dilatação occupa a metade esquerda do coração, princi- palmente o ventrículo esquerdo, todo o orgão augmenta no sentido lon- gitudinal, tornando-se oval, toma uma posição mais próxima da ho- risontal e mais prçfunda, e corre para a esquerda, resvalando por sobre o diaphragma ; podendo sua ponta chegar até a linha axillar no 5o ou 6o espaço intercostal. Desta mudança de relação resulta que se o som massiço prolongar- se verticalmente do bordo esquerdo do sterno para o mamillo e nesta direcção forem ouvidos rnidos mais surdos do que os normaes, ter-se- ha motivos para diagnosticar uma dilatação do coração esquerdo. O diagnostico ficará confirmado, se a estes symptomas juntarem-se os de morosidade na circulação geral, stase de sangue venoso, hy- perhemias passivas, ischemia cerebral, dependentes da fraqueza das contracções cardíacas. Mas se a dilatação tem sua séde exclusiva ou principal no coração direito, especialmente no ventrículo, o augmento da viscera faz-se notar principalmente no seu diâmetro transverso, to- mando ella a forma globulosa. O coração torna-se quasi horison- tal, a ponta desvia-se para a esquerda* mas não desce, como na dilata- ção do lado esquerdo. Nestas condições, o som massiço precordial é mais pronunciado na parte inferior do sterno, prolongando-se trans- versalmente para a direita, onde os rnidos normaes serão menos in- tensos e mais seccos: o levantamento devido á impulsão cardíaca, em- bora fraca, é perceptivel mais para a esquerda da séde normal, po- rem não se desvia para baixo. O coração direito tendo sob seu dominio a circulação pulmonar, a sua dilatação simples, não hypertrophica, trará mais depressa, que a do coração esquerdo, a stase do sangue nos vasos do pulmão e todas as suas más consequências. Esta consideração pode auxiliar-nos no diagnostico da séde especial da dilatação. Não se conhece signal proprio á dilatação das aurículas e que a 149 difference da dos ventrículos. Todavia, das relações da aurícula direita com a parte anterior do thorax deve-se concluir que quando ella se achar dilatada, notar-se-ha um som massiço por baixo do sterno e no bor- do direito deste osso, no espaço comprenhendido entre a 2a e a 5a cos- tellas. Quanto á aurícula esquerda, ficando ella afastada da parede tho- racica, sua dilatação não pode ser descoberta pela percussão, nem pela escutação. Bem que seja caso raro, convém saber-se que a dilatação da aurícula esquerda pode chegar ao ponto de comprimir o bronchio esquerdo, di- minuindo-lhe até metade do calibre. King e Friedreich citam factos d'esta ordem. No caso de Friedreich, observado em 1850, havia um so- pro respiratório ruidoso, fazendo-se ouvir na inspiração e na expiração em toda a metade esquerda do thorax, com uma intensidade particular perto da columna vertebral e no nivel da raiz do pulmão. Sobre estes da- dos Friedreich estabeleceu o diagnostico, que foi confirmado, cm 185J, pela autopsia feita por Wirchow. Hypertrophia, aneurysma actwo oufalso do coração Ha hypertrophia do coração ( hyper sar cose do coração, dos auctores allemães ), todas as vezes que a media da espessura de suas paredes tem augmentado, quer em toda a extensão do orgão, quer somente em uma de suas partes, e sem alteração real de sua estructura intima. Esse augmento da substancia muscular é produzido por um augmento da nu- trição e do volume das fibras carnudas primitivas, e, como diz Frie- dreich, talvez por uma multiplicação numérica d'essas fibras. E difficil determinar-se rigorosamente as condições anatómicas que constituem a hypertrophia do coração. Como algures dissemos, a espes- sura e dimensões d'esta viscera variam naturalmente nos diversos in- divíduos ; e sabe-se que differenças, mesmo grandes, a esse respeito não perturbam necessariamente as funcções cardíacas « Nas aífecções d'esta viscera, dizia Bichat, referindo-se ao coração, não ha um typo a que se possa comparar o volume anormal, principalmente se examinar-se o or- gão em sua totalidade. > 150 Cruveilhier, que esforçou-se por dar muita precisão á avaliação d'uma hypertrophia, diz que o ventriculo esquerdo só estará hypertrophiado, quando suas paredes tiverem 7 a 8 linhas d'espessura, e o ventriculo di- reito, quando a espessura do parede fôr de 4 a 5 linhas ; e todo o cora- ção, quando o seu peso, que normalmente é de 6 a 7 onças, elevar-se a 10 ou 12. Digamos, todavia, que toda a avaliação em que não entrem como ele- mentos a edade, a força, e a estatura do indivíduo, não pode ser admit- tida como regra. A hypertrophia do coração mostra-se sob formas variadas,' segundo é geral ou parcial, com ou sem augmento das cavidades, ou, conforme ad- mittem ulguns auctores, com estreitamento das mesmas cavidades. A hypertrophia geral é pouco frequente, segundo Friedreich, mas não tão rara como a queriam Corvisart e Bertin. Ella é quasi sempre acom- panhada de augmento das cavidades. , A hypertrophia parcial, muito mais commum, pode affectar isolada ou juntamente os dous ventrículos ou as duas aurículas, ou o ventri- culo ou a aurícula de um só lado; mas este ultimo caso raras vezes dá- se. Ordinariamente quando a aurícula começa a hypertrophiar-se, já o ventriculo correspondente está hypertrophiado; e quando a hypertrophia da aurícula existe só, é sempre em virtude d'um estreitamento no ori- fício auriculo-ventricular. O ventriculo esquerdo é mais exposto á hypertrophia do que o direito, talvez por que sendo proporcionada á espessura de suas paredes a re- sistência que as fibras musculares oppõem á distensão da cavidade pela onda sanguínea, e o acto da resistência estimulando a actividade da circulação, estas duas causas determinam uma irritação nutritiva maior, a hypernutrição das paredes. Segundo alguns auctores, a hypertrophia pode também se limitar ao septo ou mesmo ás columnas carnudas. Mas outros pathologistas não admittem essa hypertrophia tão 'limitada. Entretanto, as observações de Bertin e outras posteriores, não permittem duvida a este respeito, e se diz até que é de preferencia no ventriculo direito que se observa a hy- pertrophia parcial. Conforme as mudanças nas dimensões das cavidades hypertrophiadas, admitte-se geralmente tres formas de hypertrophia: a hypertrophia sim- ples, quando as cavidades conservam as dimensões naturaes; hypertro- 151 phia excêntrica ou com dilatação, quando ellas têm augmentado: hypor- trophia concêntrica, quàndo ellas têm diminuído. Esta divisão, estabele- cida segundo os trabalhos de Bertin, não é a adoptada por todos os auctores. A existência da hypertrophia concêntrica é negada por Cruveilhier e grande numero de auctores,inclusiveF riedreich. Segundo Cruveilhier, o estreitamento das cavidades na hypertrophia é o resultado do genero de morte que sorprende, em toda a sua energia de contractilidade, co- rações mais ou menos hypertrophiados, aos quaes é sempre facil resti- tuir a sua capacidade, introduzindo os dedos entre suas paredes. Mas observações de Louis, Bouillaud, Boisson e Grisolle, nas quaes a morte dos indivíduos foi precedida d'um enfraquecimento progressivo e d'uma agonia longa, estabelecem como real a existência da hypertro- phia concêntrica, sustentada por Corvisart, Louis e Hope e moderna- mente por Law, Bamberger, Rokitansky e Jaccoud. Quanto á introduc- ção do dedo restituindo á cavidade suas dimensões normaes, podemos perguntar, com Chomel (*), se este facto não tem sua explicação na mollesa do tecido cardíaco, que se pode distender por uma injecção ? Quanto á hypertrophia simples de Bertin, isto é, sem augmento nem diminuição da cavidade, a falta de mensurações exactas faz nascerem duvidas sobre sua existência, ao menos em alguns casos. Demais, é uma forma rara. Segundo as observações de Bouillaud, a hypertrophia excêntrica é de todas as formas à mais commum, e segundo Friedreich, a unica exi- stente. Depois delia, a que mais se apresenta é a concêntrica. Vejamos agora quaes são os signaes que nos podem revelar a exi. stencia d'uma hypertrophia e faze-la distinguir de outras affecções do coração. Elementos para o diagnostico - « É difficil, diz Niemeyer, traçar um quadro symptomatico da hypertrophia pura do coração, por isso que esta moléstia raras vezes existe só, e coincide, por assim dizer, constan- temente, com outras moléstias importantes do coração e dos vasos. Mui- tas vezes mesmo as complicações neutralisara os effeitos que produziria a hypertrophia se ella tivesse uma existência independente. Uma grande parte dos phenomenos mencionados entre os symptomas da hypertro- (*) Dicion. de médicine, en 30 vol., VIII, p. 288, 152 phia não dependem delia mesma e seriam muito mais pronunciados se ella não se desenvolvesse concurrentemente com a moléstia primi- tiva. Deste numero, continua Niemeyer, são a cyanose e a hydropisia, que nunca dependem da hypertrophia pura e symplesmente devida a um augmento da substancia muscular normal. » Realmente, é difficil de comprehender-se que uma moléstia cujo ef- feito immediato, quando ella existe só, é accelerar o movimento'circula- torio em toda a arvore vascular, seja capaz de dar logar á cyanose ou á hydropisia, phenomenos que dependem d'uma lentidão do curso do san- gue, e d'uma stase d'este liquido nas veias. Todavia, na hypertrophia concêntrica do coração, pode-se admittir a producção da cyanose e hy- dropisia, porque tendo diminuído a capacidade do coração, a quantida- de do sangue impeilido para as artérias deve diminuir, ao passo que se tornará mais difficil a chegada de sangue venoso ao coração estreitado. Mas para este resultado é preciso que a diminuição das cavidades seja muito notável, o que succederá raríssimas vezes; e então a cyanose e a hydropisia na hypertrophia, constituirão a excepção da regra. Isto dito, entremos desassombradamente no estudo dos symptomas da hypertrophia. Examinaremos primeiramente os que pertencem á varie- dade mais commum, a hypertrophia excentrica-total, e suppondo-a livre de toda complicação ; e depois os que são proprios ás outras for- mas, em relação á sede e á capacidade das cavidades. E raro que a hypertrophia do coração se desenvolva rapidamente ; cm geral, ella começa de modo latente e desapercebido, ou com palpi- tações intermittentes a principio, provocadas por alguma emoção viva ou esforços, c depois continuas, quando se manifestam os outros signa- es da moléstia. Em alguns casos os doentes têm palpitações muito for- tes, a ponto de abalarem o thorax, sem que soffram grande incommodo; podendo fazer um exercício violento, nadar etc., e entretanto no fim de pouco tempo apparecem e seguem o seu curso ordinário os symptomas positivos da hypertrophia. As carotidas batem com força, a face cora- da, o olhar brilhante, as funeções normaes, nas grandes artérias ouve- se durante a systole um ruído distincto ; ha sensação das pulsaçÇes nas artérias cerebraes, com cephalalgia pulsativas, e outros symptomas da tensão arterial muito forte e acceleramento da circulação. Se não é exces- siva a distensão do coração, não ha incommodo sensível na respiração; apenas ella é mais activa e frequente. Quando, porém, o volume do coração 153 tem augmentado ao ponto de recalcar para os lados o pulmão e abaixar o diaphragma, o doente pode ter uma sensação de plenitude, como que uma pressão de dentro para fora, no peito, um peso no epigastrio, e um certo grau de dyspnéa. Mas, dos symptomas funccionaes, o que mais seguramente pode guiar- nos, é o estado do pulso, que, semelhante aos ponteiros d'um relogio, nos revela fielmente as modificações da acção cardíaca. O coração con- trahindo-se com muita força na hypertrophia, e esta moléstia reves- tindo ordinariamente a forma excêntrica ou a simples, e tendo sua séde mais commum no ventrículo esquerdo, o pulso é ordinariamente amplo- forte, duro e vibrante. Os signaes locaes ou directos da hypertrophia são os que mais impor- tam no diagnostico d'esta moléstia. Pela inspecção vemos que os batimentos cardíacos manifestam-se alem da extensão em que normalmente se produzem. Como já dissemos, no es- tado physiologico a ponta do coração bate no 5° espaço intercostal, abaixo de mamillo ; mas na hypertrophia, segundo o seu grau de adian- tamento, percebe-se o elevamento do thorax no 6o e 7° e até no 8o es- paço intercostal. Alem disso, ha um desvio na ponta do coração, que se vê bater para fóra do mamillo. As vezes a impulsão cardíaca é tão forte, que se vê levantar-se rhythmicamcnte a roupa do doente na porção de peito correspondente ao coração, e um abalo na parte supe- rior do corpo, communicando-se até á cabeça. Quando a hypertrophia é exagerada, nota-se nos indivíduos moços a saliencita mais ou menos pronunciada da região precordial, saliência que não se observa nos velhos, qualquer que seja o grau da hypertro- phia, em razão da ossificação das cartilagens costaes. Pela apalpação verificamos o que a inspecção já nos havia revelado ; a impulsão exagerada do coração, estendendo-se a uma area excedente á normal. Skoda distingue dous graus da impulsão reforçada do cora- ção : uma impulsão que abala, sem levantar, o peito do doente, e com elle a mão ou a cabeça da pessoa que apalpa ou escuta ; e uma impulsão que levanta visivelmente a parede thoracica durante a systole e a deixa cair durante a diástole. E a este genero d'impulsão que os cardio- pathologistas inglezes dão o nome de back sirolce ; este phenomeno é pathognomonico da hypertrophia, segundo Nimeyer ; não se encontra 154 em nenhuma outra moléstia. Quanto á impulsão com abalo, é signal de uma hypertrophia, quando é um phenomeno persistente. Pela percussão notamos que o som massiço precordial tem augmen- tado em sua intensidade e na extensão de sua superfície para todos os lados ; de modo que a superfície do som obscuro normal sendo de 0,in04 a 0,'"06, pode chegar a 0,ra12 e mais na hypertrophia exageradis- sima. Ao mesmo tempo o dedo percursor sente uma resistência á de- pressão nos pontos do som obscuro. Convém saber-se que nem sempre a ausência do som baço exclue a existência de hypertrophia. Na hypertrophia concêntrica, a circumfe- rencia do coração pode não augmentar a ponto de ficar este orgão em relação mais intima e extensa com a parede thoracica. O pulmão pode ainda collocar-se por diante do coração hypertrophiado, como acontece no emphysema pulmonar, impedindo d'est'arte a apreciação da obscur- idade do som, em superfície maior que a normal, e até tornando-a menor e mais claro o som massiço. O mesmo se pode dizer da impulsão e do choque cardíaco. A escutação é o guia mais seguro no reconhecimento da hypertrophia do coração. Quando a percussão nos pode induzir em erro a respeito da condição mórbida que, porventura, produziu o augmento do som baço precordial, é a escutação que vem decidir a questão, e dizer-nos se tracta- se, ou não, de uma hypertrophia. Nesta moléstia, sem complicação, os ruidos cardíacos nunca soffrem alteração em seu tom e no seu rhythmo, nem são transformados em ruidos anormaes. Pelo contrario, elles tor- nam-se mais fortes e sonoros, porque a hypertrophia das paredes tende a reforçar as vibrações das valvulas auriculo-ventriculares, distenden- do-as mais energicamente, em virtude da contracção mais forte dos mús- culos papillares. Também é causa do augmento da sonoridade dos ruidos, a sua mais facil transmissão ao ouvido e a vibração do thorax, em consequência da mais intima e extensa juxta-posição do coração á parede thoracica pela distensão das cavidades. Além d'sso, sob a influencia de um affluxo mais considerável e enesgico de sangue, a aorta e a pulmonar, mais fortemen- te distendidas, vibram mais energicamente, e columna sanguínea d'estes dous vasos torna mais forte o choque sobre as valvulas sigmoides, quan- do ella tende a retrogradar para o ventrículo. Neste ponto os auctores modernss estão em divergência com os antigos, principalmente com 155 Hope, que diz que os ruidos normaes do coração, e principalmente o pri- meiro, são surdos, abafados e ordinariamente prolongados em todas as formas de hypertrophia ; mas estas modificações só podem dar-se na hypertrophia concêntrica, sem augmento da circumfcrencia do co- ração. Quando p, hypertrophia é muito considerável e os batimentos do cora- ção muito fortes, pode-se ouvir na região precordial um ruido particu- lar, chamado por Laennec - tinido metallico (cliqiietis métallique) e que Filhos denomina - ruido auriculo-metallico, comparado por Bouillaud ao que se pode obter applicando a palma da mão ao ouvido e percutin- do-se ligeiramente a face dorsal cora o dedo da outra mão. Para Nie- meyer e outros auctores, este ruido parece devido ás vibrações do tho- rax em virtude do choque precordial ; mas para Friedreich é devido á uma tensão particularmente energica das vibrações regulares não só das valvulas auriculo-ventriculares, como das cordas tendinosas. Partilha- mos esta opinião, por parecer-nos mais consentânea com a theoria da formação dos ruidos por nós adoptada. Alguns auctores faliam também de um ruido de sôpro, alias muito ligeiro, no primeiro tempo da revolução cardíaca ; e explicam-n'o j)cla grande violência com que o sangue é lançado na aorta, de modo que a velocidade do liquido compensa a largura do orifício que elle atravessa, e o ruido se produz como se, com as comtracções normaes do coração, o orifício estivesse estreitado. Todavia, esse ruido, muito brando, não é comparável ao de um estreitamento ou insufficiencia do orifício. Talvez convenha lembrarmos a observação feita por Skokes, que muitos dos symptomas de que acabamos de fallar, como a impulsão exagerada do coração, a força e plenitude do pulso, e o ruido metallico, pertencem antes á actividade da contração cardíaca, do que ao facto mesmo da hypertrophia : assim, estes symptomas faltam nos casos, muito communs, em que não augmenta a energia do coração, e em que até ha enfraquecimento da contractilidade do orgão, como succede quando as suas paredes começam a degenerar ou ser mal nutridas. Tendo assim estudado os symptomas da hypertrophia de fórma excêntrica e total, vamos ver que diftérenças fazem-se notar na hypertrophia com capacidade normal, ou com diminuição das cavida- 156 des hypertrophiadas, e na hypertrophia limitada a uma das cavidades cardíacas. Diagnostico differencial - Relativamente aos symptomas, a hyper- trophia simples de Bertin não differe sensivelmente da hypertrophia excêntrica. Entretanto, havendo um augmento de espessura nas paredes cardíacas, e augmentando pouco a superfície externa do coração, a es- cutação feita com bem cuidado, deve mostrar que os ruidos normaes são mais surdos, menos claros e retumbantes que no estado normal e menos ainda que na hypertrophia excentriea considerável. Alem d'isso, em iguaes condições de desenvolvimento, os outros symptomas, quer physi- cos, quer funccionaes da hypertrophia excentriea, devem ser na forma simples menos pronunciados. Mas a hypertrophia simples só poderia ser, durante a vida, discriminada da hypertrophia com dilatação, se neste houvesse um typo para a menor intensidade dos seus sympto- mas proprios em relação com o pouco desenvolvimento da dilatação hypertrophica, typo abaixo do qual os phenomenos observados po- dessem ser com segurança filiados á forma simples da hypertrophia. Esse typo não existe, e assim não se pode saber, clinicamente fal- lando, onde termina a hypertrophia simples e onde começa a hyper- trophia com dilatação. E, portanto, pouco possível o diagnostico differencial entre estas duas formas da hypertrophia. Quanto, porem, á forma concêntrica, pode-se difíerençal-a das duas outras, tendo-se em vista as suas condições anatómicas. O coração conservando o seu volume normal, e até este podendo diminuir, os pontos de relação entre este orgão e o thorax não aug- mentam, e assim conservar-se-ha normal, quando não diminua, a ex- tensão do som baço e da impulsão cardíaca ; e, portanto, a obscuri- dade do som apenas será mais intensa do que no estado normal no ponto correspondente ao coração espessado. Pela mesma razão, não sendo mais intimo do que normalmente o contacto entre o coração e o peito, e por outro lado, as paredes espessadas do mu seu lo transmit- tindo mais diíficilmente o som, os ruidos cardíacos normaes não po- dem chegar ao ouvido que escuta, com a mesma força e rapidez com que são produzidos. Parece-nos também, consinta-se-nos dize-lo por nossa couta, que as 157 cavidades estreitadas contendo uma menor quantidade de sangue, este não poderá concorrer para que se produzam com a mesma intensidade os ruidos de reforço, que normalmente se originam de sua passagem dos ventrículos para as artérias; isto quanto ao primeiro ruido: e quanto ao segundo, sendo uma das causas mais poderosas da acção retrograda da columna sanguínea arterial, cujo choque nas valvulas sigmoides pro- duz o segundo ruido, - a retracttlidade da parede arterial; e sendo esta tanto mais pronunciada quanto mais o tiver sido a distensão da mesma parede sob o impulso da onda sanguínea ascendente, (a reacção estando na razão direeta da acção) comprehende-se como a pequena quantidade de sangue expulsa pelo ventrículo será causa de que o segundo ruido normal seja, na hypertrophia concêntrica, menos intenso que normal- mente. Pela mesma razão o pulso deve ser concentrado, limitado, pe- queno e pouco desenvolvido, comquanto seja accelerado o movimento do sangue pela actividade maior das contracções. Poderamos dizer, com- parando estes symptomas com os da hypertrophia excêntrica, especic a mais conhecida, que na hypertrophia concêntrica de Bertin ha hyper- trophia anatomicamente fallando, mas não symptomatologicamente. Tal- vez seja esta a razão de muitos auctores não admittirem a divisão das hy- pertrophias tão bem estabelecida por Bertin. Vejamos agora como se conhecer a sédeda hypertrophia, quando esta não é total, como a descrevemos. Sc a hypertrophia tem por sede unica, ' ou principal, o coração esquer- do, especialmente se occupa o ventrículo, dão-se no coração as mesmas mudanças de posição e de forma que este orgão soffre na dilatação li- mitada ao ventrículo esquerdo. D'aqui se segue que a impulsão cardíaca far-se-ha sentir mais para a esquerda, e em maior extensão na direcção vertical; o choque precordial mostra-se para baixo e para fora do ponto em que normalmente tem logar. O bordo anterior do pulmão esquerdo sendo recalcado para traz e para a esquerda, a impulsão do coração abala muitos espaços intercostaes superpostos desde o 4.° até o 6.°, e bem assim as costellas intermediárias; a percussão dá um augmento da matité precordial, tanto para cima e para baixo, como para a esquerda. Sc as valvulas estão sans, ouvem-se os ruidos normaes claros, reforçados transmittindo-se facilmente em muitos espaços, e podendo até ser per- cebidos muito distinctamente na região dorsal do doente. É particular- mente á hypertrophia do ventrículo esquerdo que se deve attribuir o 158 tinido metallico, de que já falíamos, e que adquire o primeiro ruido ventricular: o segundo ruido aortico normal é reforçado, principalmente quando a hypertrophia complica um embaraço do curso do sangue fóra do coração. O ventrículo esquerdo sendo preposto á grande circulação, a sua hy- pertrophia deve especialmente trazer os phenomenos de acceleramento da circulação e de maior tensão na arvore arterial geral, phenomenos que revelem um estado fluxionario dos diversos orgãos no domínio dessa parte do circuito percorrido pelo sangue: fortes batimentos da carotida com vermelhidão e calor da face, obnubilações, vertigens, pulsações abdominaes frequentes, etc. 9e a hypertrophia tem logar mais pronunciadamente no lado direito, particularmente no ventrículo, o coração, como na dilatação das cavi- dades direitas, augmenta notavelmente no diâmetro transverso, tornan- do-se globuloso, e a sua ponta é em grande parte, ou toda, formada pelo ventrículo direito, que repelle e afasta da parede anterior do thorax o ventrículo esquerdo, tomando-lhe o logar, particularmente quando o ul- timo está atrophiado, como ás vezes succede. Nestas condições o cora- ção torna-se quasi horisontal, mas não tanto quanto na hypertrophia esquerda. D'aqui resulta que a impulsão do coração abala a parede tho- racica, principalmente na parte comprehendida entre a ponta do coração e a metade inferior do sterno, communicando-se esse abalo a todo o sterno. O coração direito repousando em grande parte sobre o diaphragma e estando em relação com a parte inferior do sterno, succede que em cada systole as suas pulsações energicas levantam a ponta do sterno e abalam visivelmente o scrobiculo ou bocca do podendo até chegar ao lobulo esquerdo do figado, produzindo a pulsação hepatica. Ainda na hypertrophia do lado direito a ponta do coração acha-se um pouco desviada para a esquerda, mas não para baixo. O recalcamento do pulmão direito para traz c para o lado, alem de favorecer o augmento da impulsão, favorece também o augmento da su- perfície do som obscuro, augmento que faz-se notar-se no sentido trans- verso e para a direita do bordo esquerdo do sterno. E se ha simulta- neamente dilatação e hypertrophia da aurícula direita, o som baço ex- cede mesmo o bordo sternal direito, podendo chegar até a linha mami- Ihar direita. Quando estão normaes as valvulas direitas, verifica-se pela escutação 159 que o segundo ruído pulmonar é mais accentuado; todavia este reforço do som pode passar desapercebido quando, em um caso de emphysema pulmão, o ponto do coração correspondente ao orifício ó coberto por uma lamina espessa do tecido pulmonar. Como a differença d'intensidade nos ruídos do coração aprecia-se me- lhor nas artérias e no segundo tempo, o reforço do segundo ruido da artéria pulmonar constitue o mais importante symptoma da hyper- trophia do ventrículo direito. Esta cavidade sendo o distribuidor do sangue no pulmão, os effeitos da sua hypertrophia far-se-hão notar especialmente sobre a pequena circulação, produzindo as hyperemias pulmonares e os catarrhos bron- chicos, emfim os symptomas de uma actividade maior na circulação pul- monar, com turgencia dos vasos artérias. O pulso arterial não é sensi- velmente modificado na hypertrophia pura do ventrículo direito. Quanto á hypertrophia das aurículas, Bouillaud, que tão minuciosa- mente tratou das moléstias do coração, não falia d'ella, e, segundo Hope, não ha signal que possa fazer destingui-la da hypertrophia dos ventrí- culos correspondentes. Mas, se nos lembrarmos das relações estreitas que ha entre a aurícula direita e a parede thoracica, poderemos talvez diagnosticar uma hypertrophia d'essa cavidade do coração quando obser- varmos um augmento do som baço por baixo do sterno e no bordo direito d'este osso, no espaço comprehendido entre as cartilagens das 2.a e 5.a costellas. Além d'isso, a aurícula hypertrophiada contrahindo-se com muita for- ça, relativamente ao estado normal, deve fazer refluir o sangue que lhe vem da veia cava superior, a qual, como se sabe, não tem na sua em- bocadura valvula que obste a esse refluxo ; e a anotomia nos ensina que é preciso subir-se pela cava superior até á confluência da jugular in- terna e da subclavia, para achar valvulas que a elle se opponham ; ora, dizem todos os anatomistas que as valvulas dos grossos troncos venosos são pequenas em relação ao calibre do vaso ; donde se conclue que ha- vendo uma força que faça refluir o sangue para a veia cava superior, as valvulas existentes no ponto de formação dos troncos venosos brachio -cc- phalicos não podem oppor á onda um obstáculo efíicaz; o san- gue passa por ellas c vai até a veia jugular, produzindo o pulso venoso. Quanto, porém, á hypertrophia da aurícula esquerda, o seu diagnos- 160 tico é impossível, em vista da falta derelaçõe§ directas d'esta cavidade com a parede anterior do thorax. Apenas em um ou outro caso, em que a aurícula esquerda esteja ao mesmo tempo enormemente dilatada, como nos dous observados por King e Friedreich (V. Dilatação} é que se pode desconfiar d'uma hypertrophia da aurícula esquerda quando houver uma compressão tão forte do bronchio esquerdo, que produza um sopro res- piratório intenso, tanto na inspiração, como na expiração. Em resumo : A hypertrophia do ventrículo esquerdo revela-se polos seguintes signaes, que lhe são proprios : pulsação apparente das caro- tidas, ruido systolico nas grossas artérias, pulso cheio e forte, mesmo nas pequenas artérias ; impulsão cardíaca augmentada em força e ex- tensão, propagando-se principalmente no sentido longitudinal do cora- ção ; descida da ponta desta viscera ; augmento de intensidade do som obscuro precordial, e de sua extensão no sentido longitudinal, e accen- tuação maior do primeiro ruido ventricular esquerdo e do segundo aortico. A hypertrophia do ventrículo direito caracterisa-se pelos seguintes symptomas objectivos : augmento da impulsão cardíaca c sua propa- ção ao sterno, ao epigastrio e mesmo ao iobulo esquerdo do figado ; deslocamento da ponta para fóra, mas nunca para baixo; augmento do som baço no sentido da largura do coração : reforço do primeiro ruido ventricular direito e principalmente do segundo pulmonar. Sommem-se os symptomas objectivos das hypertrophias direita e esquerda, ter-se-ha os signaes physicos da hypertrophia total : impul- são augmentada e propagada em todos os sentidos, choque precordial em um ponto inferior e para fóra do normal, obscuridade do som augmentada no sentindo da largura e do comprimento do coração ; reforço de todos os ruidos cardíacos. Diagnostico differencial -Indicando resumidamente estes sympto- mas positivos da hypertrophia, temos apontado os meios dc reconhe- ce-la, e o distingui-la das outras moléstias que com ella possam con- undir-se, como a pericardite com derramen, a endocardite, o aneurysma da aorta, a sobrecarga gordurosa do coração, a cachexia exophthalmica ou moléstia de Basedow, e finalmente, as palpitações nervosas. Só um exame muito superficial poderá fazer confundir a hypertro- fphia com a pericardite com derramen. A observação, ou narração da 161 marcha da moléstia, o som obscuro mais extenso c pyrifbrme da peri- cardite e a circumstancia de nesta moléstia, serem profundos e afasta- dos do ouvido os ruidos cardíacos, são bastantes para estabelecer a distineção entre as duas affecções, cujos signaes differenciacs já com- paramos, a proposito da pericardite com derramen. Para que se possa receiar uma confusão entre a endocardite aguda c a hypertrophia, é preciso que com esta lesão coincida uma aílecção febril. Sc assim succeder, o conhecimento dos symptomas anteriores á moléstia em duvida, a extensão do som massiço, a ausência de ruidos anormaes na hypertrophia simples, esclarecerão o diagnostico, de que, aliás, trataremos no artigo Endocardite, ao qual nos reportamos. Mais difficil é o diagnostico differencial entre a hypertrophia c os aneurysmas da aorta. Todavia, ajudados pela percussão e escutação, nós chegaremos a formula-lo. A percussão mostra-nos a obscuridade do som precisamente no logar correspondente á séde do tumor aneurysmal. A escutação revela- nos uma forte impulsão arterial synchrona aos batimentos do coração em pontos differentes dos que correspondem normalmente á impulsão car- díaca. Ha, portanto, dous centros dhmpulsão, correspondentes - uin ao coração e outro ao tumor aneurysmal.- Escutando o coração na ponta, onde está o seu verdadeiro centro dhmpulsão, é claro que á proporção que formos nos desviando desse ponto, os batimentes cardíacos irão se enfraquecendo gradualmente, e chegaremos a um outro ponto onde uma impulsão mais forte nos reve- lará a evistencia d'um tumor aneurysmal. Com estes dados não é difficil o diagnostico differenaial; mas um outro signal existe ainda, que no-lo confirmará : é o ruido de sôpro, proprio do aneurysma, e que na hypertrophia pura não se encontra. O excesso de gordura no coração, sendo causa d'um augmento da su- perfície do som massiço, pode simular a hypertrophia desse orgão ; mas a distineção é feita desde logo pela obesidade geral exagerada e pelo enfraquecimento da impulsão e dos ruidos normaes, em razão da pouca energia das contracções cardiacas e da pouca transmissibili- dade da gordura, cuja existência em porção exagerada e envolvendo o coração constituo a lypomatose. Na anemia ou cachexia exophthalmica, a excitacão cardíaca e vascular sendo elevada a um grau extremo, pode o medico suppor, somente por esta circumstancia, que se trata d'uma simples hypertrophia; mas dissi- par-lhe-hão o engano a saliência dos globulos oculares e o desenvolvi- mento insolito da glandula thyreoide. O clinico lucta ás vezes com immensa difficuldade para diagnosticar uma hypertrophia e distingui-la das palpitações puramente nervosas, ou ligadas a um estado choloro-anemico : muitas vezes tem-se annunciado lesões organicas, e particularmente a hypertrophia do coração, quando existem simplesmente palpitações nervosas, um estado de erethismo na innervação cardíaca; isto succede principalmente quando, sem a precisa cautela, se examina o doente sob o dominio da emoção, que sempre des- perta nas pessoas nervosas a presença de um medico e o exame que elle faz em uma região tão importante como o peito, maxime quando o doente ja persuadiu-se de que soffre profundamente do coração. Entre- tanto, nada mais importante do que esse diagnostico, nem só por bem do credito do filho da medicina, e da tranquilidade do indivíduo cujo coração é supposto hypertrophiado, senão também porque o juizo, acertado ou erroneo, que sobre a moléstia fizer o medico, vai influir poderosamente no tratamento. As palpitações nervosas são intermittentes; sob a influencia de emo- ções moraes desagradaveis, ou mesmo sem causa apreciável, tomam de repente um desenvolvimento extraordinário, para em breve diminuí- rem notavelmente de força ou de todo desapparecerem : n'ellas não se observa o augmento do som massiço, nem o abaulamento precordial que mencionamos na hypertrophia; n'ellas faltam ainda os phenomenos de turgencia arterial e celeridade na circulação, proprios da hypertro- phia ; n'ellas ainda, uma vez que o coração não tem augmentado de volume, não pode dar-se a impulsão que abale o thorax, fazendo-o vibrar em muitos espaços intercostaes superpostos, a qual é pathogno- moninca da hypertrophia excêntrica. Em uma palavra : nas palpitações nervosas nada ha de notável senão os batimentos insolitos do coração, que, demais, são observados ordinariamente nas pessoas de temperamento muito nervoso. Nas palpitações de pessoas chloroticas observa-se, além dos sympto- masgeraes c funccionaes proprios a esta moléstia, (pallidez e descora- mento da pelle, pulso cheio, porém molle, depressivel, gastralgia, inappc- tencia, ou depravação do appetite; se trata-se de uma mulher, amenor- rhéa, dysmenorhéa, ou menorrhagias abundantes, de sangue muito des- 162 163 corado ); ruidos de sôpro, mais ou menos brando, macio, no primeiro tempo, propagando-se constantemente para as artérias. Esses ruidos, que nunca se encontram na hypertrophia sem complicação, cessam desde que por um tratamento apropriado se tem modificado os outros symp- tomas e quando nada mais resta d'essas palpitações, que pareciam tão assustadoras. Alguns auctores procuram distinguir a hypertrophia, do enphysema pulmonar e da pleurisia esquerda com derramen. Suppomos que uma vez conhecidos os symptomas e a marcha das duas ultimas affecções, não será possivel confundil-as com a primeira. Por ultimo, lembraremos que, em condições que se não pode consi- derar pathologicas, e sob a influencia da gestação, o coração hypertro- phia-se ao mesmo tempo que o utero. Esta hypertrophia physiologica, assignalada era 1828 por Larcher, tem sua séde exclusiva no ventrícu- lo esquerdo, cresce e decresce com a hypertrophia do utero, e persisto ainda algum tempo depois do parto. Ella consiste no augmento de um quarto pelo menos, ç de um terço quando muito, do volume normal do ventrículo. Convém não esquecermos este facto notável, confirmado por muitos auctores, para que não nos incommodemos muito cm presença de um caso de hypertrophia moderada coincidindo, n'uma mulher, com o es- tado de gravidez. Atrophia do coração Esta moléstia caracterisa-se pela diminuição do peso e do volume do coração; mas como se tenha estabelecido duas fôrmas de atrophia, concêntrica e excêntrica, só á primeira é que se applica o que dissemos relativamente ao volume. Jaccoud nega a existência da atrophia excên- trica e diz que ella não é mais que a mesma dilatação do coração; porem Friedreich procura distinguir as duas formas de moléstia, e diz ser a distincção real. Dá-se o nome de atrophia cardíaca, também ápequenhez congénita do coração, a qual, dizem, coincide com uma falta de desenvolvimento de todo o corpo, e particularmente do apparelho genital. Bem se vê, não é realmente uma atrophia. 164 0 marasmo, que resulta de cachexias, que alterão demasiado a nutri- ção da economia, ou a insufliciencia de nutrição limitada ás paredes car- díacas em consequência d'um obstáculo local á circulação, eis a causa próxima da atrophia cardíaca. Elementos para O diagnostico - Os phenomenos que mais chamam a attenção nesta moléstia, induzindo o espirito a desconfiar de sua existência, são: magrez resultante da insufliciencia de nutrição geral; a chlorose, a anemia, os batimentos de coração, a fraqueza excessiva de toda a musculadura e, segundo Laennec, também syncopes frequentes. Enfraquecida a força de impulsão cardíaca, o pulso será pequeno e fraco; mas este symptoma nada tem de caracteristico. A percussão revela, na atrophia concêntrica ou centrípeta de Bouillaud, a diminuição na superfície do som baço; mas não se poderia dizer se esta diminuição seria o resultado da atrophia mesma, ou se o pulmão fa-la diminuir em consequência de um emphysema vicariante. Nos pa- rece mesmo provável que ainda no estado normal o pulmão vá occupar o espaço que o coração deixa vasio pela reducção de seu volume. Neste caso, a diminuição do som baço é de importância para o diagnostieo. Por outro lado, Bamberger diz que na atrophia se acha no pericárdio um derramen soroso, cuja significação é a da hydropisia ex-vacuo-, mas neste caso a extensão do som baço não devia diminuir, como dizem mui- tos pathologistas. Na atrophia excêntrica ou centrífuga, o som baço é mais extenso; mas este facto não tem grande valor, pois que já vimo-lo em outras moléstias do mesmo orgão. O choque do coração diminue consideravelmente de intensidade, bem como os ruidos, em consequência da diminuição da força contractil do orgão. Não fallaremos nos symptomas fornecidos pela irregularidade e des- equilíbrio da circulação a repercutir em outros orgãos, principalmente quando a atrophia dá-se em uma porção do coração ficando normal a outra, porque.sobre este ponto ja temos por mais de uma vez insistido. Diagnostico differencial - O que levamos dito torna de facil deduc- ção a difficuldade do diagnostico simples, e ainda mais do differencial, da atrophia cardíaca. Não nos valem aqui os elementos etiologicos e 165 symptomatologicos de que estivermos de posse quando observamos os signaes de uma fraqueza do coração. Jaccoud diz que é apenas presumível a existência da atrophia do co- ração, c que só a autopsia revela esta forma mórbida. Por aqui ve-se quanta diíficuldade ha no distinguir o estado atrophico do estado da de- generação, do estado de dilatação, da hypertrophia concêntrica, do co- ração; estados caracterisados todos pelos phenomenos de dyssystolia. Degeneração gordurosa, Sobrecarga adiposa do coração Muitas vezes, examinando-se o tecido do coração, acha-se este orgão não somente cercado, mas ainda recheiado d'uma quantidade mais ou menos considerável de gordura. Ha duas formas de excesso de gordura no coração, as quaes no estudo anatomo-pathologico, distingiur. Na primeira encontra-sef por baixo da folha visceral do pericárdio, uma camada de gordura en- volvendo o coração, e mais espessa nos sulcos interventriculares e no trajecto das artérias coronárias, ou ao longo dos bordos do coração. Por baixo da camada gordurosa a massa muscular pode apresentar- se normal, ou atrophiada e adelgaçada sob a pressão da gordura. Em alguns casos a vegetação gordurosa pròpaga-se por entre os feixes pri- mitivos da substancia muscular, atrophiando-a, e sem augmentar a es- pessura da parede cardiaca. E a proliferação gordurosa intersticial de Wirchow, a lypomatose, ou obesidade do coração. Esta hyperplasia gordurosa, como a denomina Wirchow, encontra-se nos graus adiantados da polysarcia adiposa geral do corpo, como a que se desenvolve nos indivíduos que se entregam á embriaguez e nos que fazem uso de alimentos excessivamente carregados de gordura, de as- sucar, ou de substancias amylaceas, sem fazerem exercício, ou airrda sob a influencia de uma aptidão individual; pode uiuitas vezes também acompanhar a moléstias chronicas com emmagrecimento geral e desap- parecimento da gordura sub-cutanea. •A segunda fórma de carregar-se de gordura o coração consiste na transformação successiva das fibrillas musculares em granulações gor- durosas, que acabam por encher o sarcolema e formar grossas gottas do 166 gordura. Esta é a degeneração gordurosa ou adiposa propriamente dita, infiltração adiposa do coração. Esta metamorphose pode estender-se a grandes superfícies, ou limi- tar-se a certos pontos ; e neste caso desenvolve-se de preferencia no ventrículo esquerdo, depois no ventrículo direito, e muito raramente nas aurículas. Nos ventrículos, sua séde predilecta são os musculos pa- pillares, d'onde se propaga ao resto do tecido muscular : seguindo assim esta segunda fórma uma marcha inversa da primeira. A infiltração gordurosa é frequente no marasmo senil, ou no maras- mo pathologico, consequente a moléstias chronicas, constitucionaes ou ocaes ; pode-se desenvolver de modo agudo e muito rápido nas mo- léstias zymoticas, septicemicas, exanthematicás; nas moléstias chroni- cas do endocardio e das valvulas, principalmente aorticas; pode desenvolver-se por uma insufficiencia do sangue que tem de nutrir o coração, por thrombose, embolia ou degeneração atheromatosa das artérias coronárias. Mas, se tanto differem nas suas condições anatómicas e etiologjcas as duas fôrmas de"augmento de gordura no coração, não se pode sepa- ra-las clinicamente, por isso que são idênticos os seus eífeitos sobre o organismo e sobre as funeções mais importantes. E assim mesmo, para que as duas formas se traduzam de modo analogo por symptomas, é preciso que ellas estejam em grau adiantado. Portanto, ao tratar dos phenomenos clínicos proprios do coração adi- poso, não distinguiremos as duas formas d'esta alteração, á qual daremos o nome generico de « alteração, ou degeneração gordurosa ». Elementos para o diagnostico - Stokes, que muito desenvolvida- mente tratou da degeneração adiposa do coração, baseia sobre tres pontos capitaes o diagnostico d'esta moléstia; são os symptomas fornecidos pelos tres grandes apparelhos da innervação, da respiração e da circu- lação, e todos dependentes da diminuição da força contractil do orgão Cita-se como um dos phenomenos communs do coração gorduroso, a sensação subjectiva de embaraço na respiração, ás vezes sob a forma de paroxysmos agudos, junto á angustia e oppressão, sem que o exame phy- sico dos pulmões possa fornecer a explicação desse estado, e sem que o doente revele exteriormente uma acceleração ou difticuldade dos movi- mentos respiratórios. 167 Ha também frequentemente vertigens, sensações de syncope, ou mes- mo perda completa dos sentidos. Stokes dá muita importância a esses ataques pseudo-apoplecticos que se apresentam com intensidade, duração c frequência variaveis, e transformam-se muitas vezes em coma, pondo um termo inesperado á vida. Fazem-se notar frequentemente accessos de pressão surda, ou de dor precordial, que, segundo Friedreich, irradia-se ás vezes para todo o peito e para o braço esquerdo e combinando-se com os phenomenos anteriores, representa o quadro da angina pectoris. Neste caso, pergunta Woillez, tratar-se-ha de factos em que a dege- neração gordurosa do coração é devida ao estreitamento das artérias coronárias, lesão que os auctores antigos consideravam e modernamente Lancereaux considerava, como origem da angina do peito? Os trabalhos até hoje publicados não resolvem a questão. Pelo lado da respiração, Stokes chama a attenção para uma especic particular de asthma, se manifestando por uma serie de inspirações que succedem ao periodo de suspensão da respiração, e que progressivamente vão augmentando até ao máximo de suas força e profundesa, e depois diminuem gradualmente de largura e de força, até que se tenha restabe. Iccido a apnéa, que pode durar muito tempo. Segundo Stokes, no mo- mento de violência do accesso, o murmurio vesicular torna-se eminen- temente pueril. Segundo Friedreich, posto que esta perturbação no modo e no rhythmo dos movimentos respiratórios não tenha significação pa- thognomonica, possuo, comtudo, um certo valor para o diagnostico, como elle proprio verificou. Quanto á funeção circulatória, os phenomenos observados dependem todos da fraqueza das contracções cardiacas e da dilatação passiva do coração degenerado e sem força para resistir ao peso do sangue. Rc- lativamente a estes phenomenos, Quain insiste sobre a dôr na região precordial (*), irregularidade, fraqueza e lentidão da impulsão e dos ruidos cardiacos, e do pulso. Stokes considera como um dos signaes de transformação adiposa o enfraquecimento do primeiro ruido no nitel do ventrículo esquerdo com ruido de sopro e conservação do segundo ruido. Mas, como reconhece (•) A raspelto da dôr precordial, lembraremos que as pancadas do coraçao fazem-se sentir tanto mais dolorosas, quanto mais fraca é a força de contracçao das paredes cardíacas. 168 mesmo o distincto cardio-pathologista inglez, este facto só dá-sc quando a degeneração se tem estendido ás valvulas, o que para Kennedy é uma excepção de regra, e não a generalidade, como pensava Stokes. Friedreich diz que essa alteração do primeiro ruido é devida á de- generação gordurosa dos musculos papillares, produzindo a tensão in- sufíiciente ou mesmo a insufficiencia das valvulas venosas. Um signal verificado por Quain em muitos casos e pouco assignalado pelos auctores, é a grande extensão do som baço cardiaco, proveniente da dilatação excessiva do coração, sob o peso da columna sanguínea. Diagnostico differencial - Os symptomas subjectivos e objectivos que temos indicado com tanta minuciosidadc não bastam, entretanto, para fazer reconhecer-se a existência d'uma degeneração gordurosa do coração; sendo uma das primeiras difficuldades o não serem clles encon- trados reunidos todos n'um mesmo caso. Assim, os auctores têm procura- do elementos para o diagnostico em outros signaes que não dependem das funeções cardíacas, e principalmente nas alterações múltiplas que soem manifestar-se em outros orgãos, acompanhando a degeneração adiposa do coração. Edwin Canton indicou, como signal visivel exterior da degeneração Gordurosa do coração, a infiltração gordurosa da peripheria da cornca transparente, constituindo o que se chama o arco senil. Segundo este auctor, este signal deve fazer temer-se como imminentes, accidentes graves do lado do coração, em consequência d'uma degeneração ana- loga e comcomitante do musculo cardiaco. Quain, Reid, Richardson e outros também ligam um valor patho- gnomico á existência do arco senil. Entretanto, Haskins demonstrou por factos a inconstância da coin- oidencia das infiltrações ocular e cardíaca : e Samuel Wilks não en- controu essa coincidência nos individos moços ; observou-a somente nos velhos ; o que certamente diminue a importância do signal em questão. Todavia, nos indivíduos velhos a presença do arco senil junta á outros symptomas de enfraquecimento da acção cardíaca, é um signal que merece a attenção do pratico. Aran considera como de grande importância semciologica o aspecto exterior dos doentes ; as palpebras, o contorno dos olhos e das boche- chas, as dobras naso-labiaes, corados de amarello-canna; olho embaciado C olhar sem expressão, semblante pallido e abatido. 169 Resumindo : os phenomenos indicados até agora nada têm de ca- ractcristico da degeneração : indicam apenas uma actividade insuffi- ciente deste orgão, estado que acompanha a muitas outras lesões desta viscera. Somente as circumstancias concurrentes com essa fra- queza cardíaca, a constituição, os hábitos, o genero de vida, a alimen- tação, a edade do enfermo e os anamnesticos, poderão ajudar-nos a for- mular, por exclusão, como indicam Friedreich e Kennedy, o diagnos- tico desse estado de usurpação (jordnrosa, se assim nos permittem chmar a moléstia em questão. Degeneração amyloide do coração A alteração amyloidc do coração, collocada por Friedreich entre as formas da atrophia deste orgão, é uma affecção tão pouco frequente que de sua existência só ha nos annaes da sciencia um caso authentico registrado por Wirchow, em 1857. Esta moléstia, cujos caracteres histologicos são analogos aos da atro- phia sclerosante dos auc ores allemães, não pode ser conhecida por symptoma algum que lhe seja proprio. As modificações por ella im- pressas ao organismo, não podem difierir das que produzem a degene- ração gordurosa, a atrophia, a dilatação passiva, e outras moléstias que trazem a fraqueza contractil do coração. Ainda mesmo que com os phenomenos de asystolia coincidam mani- festações de degeneração amyloide cm outros orgãos, não se pode, durante a vida, formular um diagnostico, mesmo provável, de seme- lhante alteração no centro circulatório. Só a reacção, bera conhecida, de acido sulphurico iodado sobre as sub- stancias amyloides, poderá offerecer bases para se conhecer post mortem a degeneração amyloide do coração. Tumores e neoplasmas do coração Entre os factos pathologicos mais raros, não já relativamente ao co- ração, mas em relação a todo o organismo, conta-se a existência dc tu- mores no coração. Do limitado numero de casos que a este respeito existem observados conscieuciosamcnte, pode-se fazer a divisão dos tumores cardiacos cm 43 170 dez classes, que são : carcinoma, cancroide, sarcoma, fibroma, lipoma, myoma, tubérculo, gomma syphilitica, echinococos e cysticercos, kystos. De todas estas especics a mais frequente é o cancro, que quasi sem- pre existe secundariamentc. Neste caso desenvolve-se no coração, por metastase ou propagando se por contiguidade, como raiz de tumores cancerosos dos pulmões, do mediastino, do esophago, dos ganglios bronchicos, etc. Ordinariamente situado na espessura da carne do coração, proemina para a superfície externa ou interna das paredes cavitarias, produzindo na ultima liypo- these, o estreitamento da cavidade. Pode também vegetar no interior das cavidades, produzindo ulcerações endo-myocardicas e determinando embolias. Os fibromas são raros, e mais ainda os lipomas, de que a scieneia conta só um exemplo, referido por Albers. Os tubérculos apresentam no coração a forma miliar, c coincidem com esta mcsnyi forma cm outros orgãos. As gommas syphiliticas podem se-desenvolver em todas as partes musculosas do coração : podem reunir-se em grupos consideráveis e at- tingir dimensões taes, que, proeminando o tumor para as cavidades, de- terminem perturbações funccionaes do coração e de toda a circulação. Quando situados logo abaixo do pericárdio ou do endocardio, originam inflammações chronicas d'estas membranas, com callosidades. São nco- plasias frequentes, que ordinariamente coincidem com outras manifes- tações do syphilis constitucional. Os vermes vesiculares raramente existem no coração, sem a exi- stência de vermes idênticos em outros orgãos. Os kystos do coração apresentam-se tão raramente, que para al- guém sua existência é problemática. Os tumores cardíacos não possuem signaes caracteristicos, que con- duzam a um diagnostico seguro de sua existência, nem de sua natu- reza. Somente em alguns casos excepcionaes pode-se desconfiar de que existe no coração um tumor neoplasico, quando, em vista dos sym- ptomas observados, da historia progressa do doente, e de outras cir- cumstancias accidentaes, puder-se excluir outras affecções mais frequen- tes do mesmo orgão, e ao mesmo tempo se observar em outras regiões do corpo tumores idênticos aos que se suppõe existirem no coração, 171 uma generalisação carcinomatosa, um tumor de echinococos em algu- ma parte visível do corpo, ou cysticercos no tecido cellular subcutâ- neo, etc. Ruptura do coração, cardàorhexia Este accidente, segundo as circurnstaucias que o precedem ou o acom- panham, apresenta-se sob duas formas : ruptura espontânea e ruptura traumatica. Rigorosamente fallando, a cardiorhexia é sempre espontânea ; por- quanto ainda quando uma violência externa seja seguida de ruptura, é sempre necessário que as paredes do coração se achem n'um estado de fraqueza ou degeneração adiantada, de modo que sob a acção de um traumatismo rompa-se facilmente a cohesão dos elementos estructuraes do tecido, e dê-se a solução de continuidade. A divisão, portanto, acima indicada só pode ser feita relativamente á causa occasional do accidente : a ruptura espontânea é determinada pela actividade própria do coração; a ruptura traumatica o é por violências e abalos externos. Com esta restricção é que vamos estudar as duas formas supra- citadas. • Ruptura espontânea Produz-se esta solução de continuidade em consequência d'uma dege- neração gordurosa, da myocardite chronica e aguda com amolleci mento rápido do tecido cardíaco, ou um adelgaçamento excessivo das paredes cardíacas. A ruptura spontanea é muito frequente no ventrículo esquerdo, sem duvida pela maior frequência da degeneração gordurosa nesta cavidade, cuja face anterior, principalmente na sua união com a ponta, é a sede ordinaria da lesão. A ruptura pode ser completa ou incompleta, conforme se estende a toda a espessura da parede, ou somente a uma parte delia. Pode ainda, limitar-se a uma columna carnuda ou só a uma corda tendinosa valvular. Elementos para o diagnostico - Variam os symptomas da ruptura do coraçao. Ordinariamente a morte é a consequência immediata á sua producção, 172 Quando assim succede, o individno sente, no momento mesmo da ru- ptura, uma sensação extranha na região precordial, uma dôr súbita como se alguma cousa se rompesse dentro em seu peito: então dá um grito, ou previne as pessoas que o cercam (Friedreich). Muitas vezes o accidcnte sobrevem sem algum phenomeno morbido anterior, em pessoas apparentemente sans. Em outros casos, porem, o doente apresentava symptomas d'uma degeneração e fraqneza das paredes do coração. Como a séde ordinaria da ruptura é o ventrículo esquerdo, a morte súbita pode ser explicada por uma anemia arterial repentina do cerebro. Pode o doente sobreviver algum tempo á ruptura, 10 a 14 horas, quando esta se faz por um canal sinuoso e estreito, porque então é im- possível uma hemorrhagia abundante; o mesmo succede quando a prin- cipio incompleta, a ruptura torna-se completa depois de algum tempo- Nestes casos ainda se faz sentir uma dôr violenta e angustiosa, na região do coração. Ha, em todo o caso de ruptura cardíaca, os symptomas geraes de toda hemorrhagia interna, desfallecimento, syncopes, pulso fraco, suores frios. Continuando o collapso, succede a morte. As vezes ha também vomitos e contrações convulsivas das extre- mides e da face. Se a effusão se faz pouco a pouco, a percussão demonstra a dis- tenção crescente do pericárdio ; ao mesmo tempo vão enfraquecendo- se os ruidos do coração. Diagnostico differecial - Com os symptomas subjectivos e obje- ctivosque acabamos de indicar, e com o auxilio dos anamnesticos, se tem grandes probabilidades da existência d'uma ruptura espontânea do coração. Comtudo, não se pode assegurar que se esteja fora do um erro. Quanto á ruptura limitada ao septo, a um musculo papillar, ou nos vasos coronários, não se pode ter d'ella conhecimento perfeito, nem distingui-la da que tem séde na própria parede do coração. 173 Ruptura traumatica Este genero de ruptura só pode produzír-se sob a i nfluencia d'uma violência externa muito energica, ordinariamente abalos ou percussões mechanicas muitos fortes na região thoracica. Ao em vez da ruptura espontânea, este accidente tem sua séde ordi- nária no ventrículo direito, sem duvida pelas suas relações com o thorax e pela pouca espessura de suas paredes; o mesmo succede com a aurí- cula esquerda em relação ao ventrículo correspondente. Somente em casos raros é que a morte não é a consequência ímme- diata da ruptura traumatíca, pois que esta é ordinariamente bastante extensa para produzir uma hemorrhagia copiosa no pericárdio. Os symptomas da cardíorhexia traumatíca, quando a morte não é immediata, são os mesmos, geraes e objectivos, da ruptura espontânea. O diagnostico do accidente é estabelecido sobre a symptomatologia secundada. poderosamente pelos anamnesticos, isto é, o conhecimento das circumstancias que precederam os signaes d'um derramamento sú- bito no pericárdio. MOLÉSTIAS DO ENDOCARDIO Endocardite Para o estudo do dignostico simples e differencial da endocardite não podemos deixar de acceitar a divisão clinica d'esta moléstia, conforme a sua marcha, em duas formas : aguda e chronica. Tratando da primeira forma, não devemos esquecer que os modernos de Senhouse-Kirkes, Wirchow, Vulpian e Charchot, Louis Vast, Hérard e Feltz, acerca das phlegmasias da sorosa interna do coração, têm demonstrado a necessidade de considerar-se na endocar- te aguda duas formas distinctas por suas lesões anatómicas e por seus symptomas ; a endocardite simples e a endocardite ulcerosa. E' seguindo estas divisões que vamos estudar o modo de conhecer-se uma endocardite. 174 Endocardite simples A endocardite, da mesma forma que a pericardite, raríssima vez é uma moléstia primitiva, idiopathica. Complicando ordinariamente um rheu- matismo articular agudo, ou outras moléstias febris, a endocardite é uma affecção insidiosa, traiçoeira em sua invasão. Effectivamente, os sympto- mas geraes febris que existem no curso d'essas moléstias que soem pro- vocar a inflammação do endocardio, não lhe pertencem, nem mesmo se exacerbam quando ella se estabelece, não obstante a opinião contraria de Friedreich. Mesmo quanto aos symptomas subjectivos locaes, no maior numero dos casos elles não são accusados pelo doente. Somente em alguns casos, manifestam-se, mais ou menos claramente, perturbações funccionaes, que podem fazer desconfiar de que uma phlegmasia se localisa no coração. D'entre ellas distinguiremos, por mais notável, a sensação que têm os doentes, dos batimentos cardíacos e que exprime que o processo inflammatorio tem-se estendido á substancia muscular do coração, produzindo-lhe a infiltração sorosa e difíicultando as contracções das fibras. Esta mesma infiltração e a fraqueza das contracções, que delia deriva dando em resultado a depleção incompleta do orgão, produz a hype- remia passiva do pulmão. Um outro phenomeno funccional é o augmento na frequência das pulsações, que iornam-se irregulares, desiguaes, intermittentes; au- gmento attribuido por bons auctores á parte que na inflammaçãó tomam as fibras musculares (*) e á irritação dos glanglios nervosos existentes na espessura das paredes cardíacas. Uma dôr ás vezes agu- díssima, porem no maior numero dos casos pouco intensa, póde o doente sentir na região precordial. Como se vê, estes phenomenos não podem ser elevados á cathegoria de signaes indicadores, nem mesmo prováveis, d'uma endocardite. Pode-se, pois, dizer queijo diagnostico da endocardite, como o da pe- ricardite, não pode ter por base, senão o exame physico. (•) Reallsa-se aqui a lei formulada por Stokes: Toda vez que uma sorosa estiver inílammada. • procwso morbldo Ua de estender-se í camada muscular, subjacente. 175 Elementos para o diagnostico -Tela apalpação vê-se que muitas vezes o choque do coração é reforçado e se faz sentir cm uma exten- são maior, com abalo visivel da região precordial e frémito vibratório notável. A percussão denuncia no fim de poucos dias um augmento transversal na extensão do som baço precordial. Bouillaud attribue este pheno- meno á turgencia inflammatoria das paredes cardíacas; Skoda e Nic- mcyer explicam-no pelo esvasiamento incompleto e dilatação consecu- tiva do coração direito, em consequência da difficuldade na circulação pulmonar. Quanto a nós, parece admissível para todos os casos a ultima expli- cação, reconhecendo, comtudo, que em alguns casos pode ajuntar-se- lhe a que deu Bouillaud. Quando a phlegmasia do endocardio é ligeira, ou, sendo intensa, é limitada ás paredes cardíacas e poupa as valvulas, a escutação não poderá revelar anomalia nos ruidos do coração, ou denunciará simples- mente uma aspereza no primeiro ruido, quasi sempre nivel do ventrícu- lo esquerdo. As vezes, como notou Bellingham, ha também um des dobramento do primeiro ruido, que torna-se triplice. Pode-se attribuir este phcnomeno á não simultaneidade na vibração das valvulas' atrio- vcntriculares na occasião da systole ou ao atraso das causas adjuvantes do primeiro ruido de cada ventrículo, umas em relação ás outras. Se a inílammação amollece o tecido das valvulas e as torna mais es- pessas, é impossível que ellas vibrem do mesmo modo que no estado normal, quando são duras c delgadas. Conseguintemente, os ruidos mo- dificar-se-hão do modo o mais apreciável, convertendo-se em ruidos de sôpro. E como é sobre a valvula mitral e suas cordas tendinosas que sobrevem primeiro e mais commumente a inílammação, segue-se que no maior numero de casos de endocardite o ruido anormal será systo- lico e terá seu máximo de intensidade no nivel da ponta do coração. Alem d'isso, as denteações da valvula mitral, tornando-se mais es- pessas, não se expandem, como normalmente; as cordas tendinosas amol- lecidas, não fixam completamente a valvula e podem até partir-se, dei- xando que se revire para a aurícula o bordo inferior da membrana: sob estas condições, a valvula torna-se insufficiente, e esta circumstancia concorre para a producção do ruido anormal. Succede ás vezes, na endocardite, que a face auricular da valvul 176 esquerda, a maís ordinariamente affectada, cobre-se de excrescencias verrugosas, ou, então, dá-se uma stenose aguda do orifício mitral: em qualquer dos casos, a passagem por uma superfície desigual ou pot um orifício apertado, produz um ruido anormal, que se deixa perceber durante a diástole e na ponta do coração. Em casos raros as anomalias precedentes manifestam-se no ventrí- culo direito, e o ruido anormal será ouvido no ponto do thorax cor- respondente á valvula tricuspide. Como as valvulas aorticas são menos sujeitas á invasão do processo inflammatorio, os ruidos que n'ella se produzem são quasi sempre nor- maes. Quando porém, em casos raríssimos, a face ventricular das val- vulas sigmoides cobre-se de vegetações, produz-se um sopro aortico systolico, percebido no nivel do segundo espaço intercostal direito junto ao sterno, e propagando-se para as carotidas. Segundo Nie- meyer, somente em casos excepcionaes dá-se n'essas valvulas uma alte- raçãs capaz de torna-las insufficientes, e se produzirá o ruido de sopro aortico diastolico. Todavia, Friedreich diz que os casos d'esta ordem não são tão raros. Quanto á artéria pulmonar, o phenomeno que n'ella se observa com tanta frequência quanta a das alterações da valvula mitral, é o au- gmento de força e sonoridade do segundo ruido arterial. Este pheno- meno é devido a que, estando insufficiente a valvula mitral, a artéria pulmonar soffre uma tensão maior do sangue, pelo embaraço na cir- culação pulmonar, e assim o choque produzido sobre suas valvulas pela columna sanguínea retrograda, ao cessar a systole do ventrículo direito, deve ser muito energico. A accentuação maior do segundo ruido pulmonar, em virtude das condições em que se produz, tem grande valor na pratica, porque mostra que o ruido de sopro systolico ventricular esquerdo deve ser considerado como um ruido orgânico, e esclarecerá o diagnostico. Este phenomeno é seguido, cedo ou tarde, de um outro, que á per- cussão se mostra mais ou menos apreciável, segundo o grau da insnffi- cicncia mitral, e segundo o estado da parede muscular do coração di- reito; queremos fallar do augmento de volume da metade direita do coração, fazendo-se notar particularmente no sentido transverso. A endocardite quasi nunca chegando ás valvulas sigmoides direitas, o ruido systolico pulmonar conserva-se quasi constantemente normal. 177 0 ruído de sôpro, "fle que tanto nos temos occupado, é considerado como um dos melhores signaes, talvez o mais importante, para o dia- gnostico da endocardite e da sua marcha e terminação. Entretanto, dei- xando de parte a facilidade com que em certas condições, pode ser con- fundido com o attrito pericardico, o sôpro se manifesta em muitos esta- dos pathologicos diversos da endocardite: mostra-se nas lesões chronicas das valvulas e dos orifícios do coração; nos casos de concreções sanguí- neas e vegetações nas cavidades cardíacas; nos estados chloro-anemicos do sangue e até, segundo o dr. Parrot, em simples perturbações da in- nervação do centro circulatório, como na hypochondria, hysteria, etc. Segundo Niemeyer, este symptoma pode também resultar da tensão exa- gerada d'um valvula san, quando ha um movimento febril e contrac- ções irregulares do coração. Vê-se, pois, que em qualquer d'estas condições, podendo haver com- comitancia de um movimento febril, não será difficil a confusão entre a endocardite e qualquer das alterações pre-referidas. Mesmo no caso em que se observe um rheumatismo articular agudo, quando não se queira admittir a diminuição da crase sanguínea, pode esta moléstia complicar uma lesão valvular antiga, e assim difficultar muito o diagnostico, cuj a certeza só poderão fornecer os anamnesticos e observações ulteriores á manifestação do ruido de sôpro, concernentes ao seu tom, constância ou variabilidade, coincidências com os ruidos naturaes do coração, séde, força e direcção. Sabe-se, alem d'isso, que nem sempre que houver uma endocardite, haverá ruido de sôpro, porque nem sempre a inflammação do endo- cardio será bastante intensa ou se estenderá ás valvulas, alterando-as a ponto de não mais vibrarem como normalmente, ou de tornarem-se in- sufficientes para os fins a que são destinadas. Em summa: a presença do ruido de sopro, mesmo coincidindo com um movimento febril no rheumatismo articular agudo, não denuncia necessariamente a existência de juma endocardite: a sua ausência não exprime fatalmente a ausência da moléstia. A importância d'este signal depende, pois, de outros de que pode ser precedido, acompanhado, ou seguido. Diagnostico (iiíFerencial - Se nos lembrarmos de que & pericardite aguda secca é annunciada pelos mesmos symptomas locaes e subjectivos 46 178 que a endocardite, variando de intensidade n'um ou n'outro caso; se nos lembrarmos de que o signal pathognomonico da pericardite secca, isto é, o attrito pericardico, pode ser tão brando, que se confunda com um sôpro endocardiaco, ou que este pode ser tão áspero, que se confunda com aquelle, teremos desde logo comprehendido a difficuldade em esta- belecer-se o diagnostico. Todavia, elle não é impossivel em caso algum, é mesmo facil em a maioria dos casos, fazendo-se cuidadosamente o estu- do comparativo dos dous signaes mais positivos em ambas as moléstias: o ruido de sôpro, de um lado; e o ruido de attrito pericardico, do outro lado. Esse estudo já o fizemos minuciosamente, a proposito da pericardite; e, pois, não o repetiremos aqui, contentando-nos com recordar que na endocardite o ruido de sôpro tem no thorax um ponto fixo para a sua escutação, correspondente á séde, também fixa, de sua producção (ori- fício ventricular, quasi sempre o mitral); é um ruido que se propaga em uma direcção certa, segundo o orifício em que se produz; é isochrono com algum dos movimentos do coração, systole ou diástole, e com algum dos ruidos normaes, encobrindo-o, ou substituindo-o. Estes caracteres são inteiramente oppostos aos que apresenta o attrito do pericárdio. Faremos notar ainda que somente na pericardite secca existem aqucl- las circumstancias capazes de causar a demora da systolica, o arrastamento da ponta do coração no ao cessar a systole. Ao lado deste phenomeno collocaremos o do frémito, em um e outro caso, perceptivel á palpação, mas diflferente por alguns caracteres, como vi- mos, segundo acompanha uma pericardite secca, dando idéa do attrito que então se passa, ou segundo revela um ruido de sôpro da endocar- dite ou de uma lesão valvular com pyrexia co-existente. Accrescentaremos que, ao passo que na endocardite não ha frequên- cia do phenomeno ãôr, este é mais communi na pericardite. Se trata-se de uma pericardite com derramamento medíocre, na qual ainda não tenha dcsapparecido o attrito pericardico, basta, para distin- gui-la da endocardite, a lembrança de que quando é intracardiaco, o ruido que examinamos não deixa de ser percebido em qualquer posição cm que se colloque o doente; ao passo que o ruido pericardico, bem claro e manifesto no decúbito dorsal, é nullo estando sentado o doente. Mesmo quando na pericardite com pequeno derramamento se mani- feste um augmento no som baço precordial, fazendo lembrar o que se nota muitas vezes na endocardite adiantada e intensa, não devemos es- quecer que na pericardite este phenomeno manifesta-se principalmente no sentido longitudinal do coração ou do pericárdio, com tendencia a tomar a forma triangular, ao passo que na endocardite elle se revela notavelmente na sentido horisontal. Quando a pericardite é acompanhada de um derramamento considerável, não poderá nunca ser confundida com a endocardite ; a isso oppor-se- hão o abaúlamento precordial, crescente ou decrescente com o derra- mamento ; o som massiço pyriforme de base inferior na região precor- dial ; o enfraquecimento dos ruidos cardíacos, que tornam-se profundos, longínquos e surdos ; a difficuldade ou impossibilidade de sentir-se pela apalpação o choque precordial; a ausência de ruido anormal (sôpro, ou attrito que com elle se confunda), e do murmurio respiratório na região precordial; condições que nunca se manifestam na endocardite pura e simples. Dissemos que o ruido de sôpro pode manifestar-se no curso de uma moléstia febril, quando o sangue tem soffrido uma diminuição em sua crase, e sem que haja lesão alguma do endocardio (sôpro anorga- nico): dissemos também que um movimento febril independente d'uma phlegmasia do endocardio, pode manifestar-se, havendo uma alteração pre-existente em alguma das valvulas ou em algum dos orifícios do co- ração, com um ruido de sopro (sôpro orgânico}. Como, pois, distinguir-se esses diversos estados pathologicos, d'uma endocardite ? É muito difficil fazer-se a distincção ; mas a difficuldade não é in- vencível. Primeiramente tratemos de differençar o sôpro da endocardite, do sô- pro de uma lesão valvular antiga, quando com ella coincidem phenome- nos inflammatorios, mesmo os de uma endocardite que se estabeleça so- bre um terreno já arruinado. Torna-se essencial ao medico, no caso vertente, informar-se cuidado- samente dos signaes anamnesticos ; indagar se o doente, depois de ac- cessos anteriores de rheumatismo articular, soffreu algum embaraço na respiração, ficou com o folego curto, como se diz vulgarmente ; se apre- sentou, emfim, esses symptomas, que já conhecemos, de embaraço na circulação pulmonar. Cumpre depois não perder de vista a judiciosa observação de Fried- reich : que as lesões anatómicas da endocardite aguda, pela rapidez 179 180 com que se desenvolve a hypertrophia e desorganisação das válvulas, não podem apresentar a mesma constância que se nota nas lesões val- vulares antigas. » O amollecimento e destruição no nivel das valvulas e das cordas tendinosas, diz Friedreich (*), soffrem rapidas mudanças ; no espaço de poucos dias pode se-dar uma insufficiencia : é um aneu- rysma vulvular agudo que se perfura, uma valvula que se desprende em parte de sua inserção, ou uma corda tcndinosa que se quebra ; de outro lado, formam-se nas regiões doentes depositos fibrinosos, que po- dem diminuir a insufficiencia. » « A successão tão rapida d'esses processos, diz ainda o professor de Heidelberg, faz comprehender-se como os caracteres, a duração e a in- tensidade dos ruidos anormaes podem soffrer mudanças innumeras; mu- danças que se não pode explicar senão por uma inflammação aguda no nivel das valvulas. » Assim : a rapidez com que se manifestam e se modificam os ruidos de sôpro n'uma moléstia inflammatoria que se localisa no coração, di- stingue a endocardite aguda das lesões valvulares antigas, quando sobre- vêm phenomenos inflammatorios fóra do coração, ou os de phlegmasia endocardiaca. Quanto á distineção entre o ruido de sôpro da endocardite e o sôpro inorgânico, ella é mais facil. Começando pelo tom do ruido de sôpro, podemos dizer que, em geral, os ruidos determinados por alteração de textura das valvulas são mais fortes e accentuados, que os ruidos sanguíneos ; e quando estes che- gam a imitar o ruido de grosa ou serra, o fazem momentaneamente; readquirem logo o seu verdadeiro caracter para dar ao ouvido a sen- sação de um attrito muito ligeiro, um sôpro brando. Mas, somente peia qualidade das duas especies de ruido não podemos distingui-las sempre, pela impossibilidade de determinar até que ponto pode tornar-se áspero um sôpro inorgânico, ou brando um sôpro orgânico. - Examinemos, pois, outros caracteres differenciaes. Pode-se, cora Barth e Roger, erigir em lei que o sôpro inorgânico é sempre synchrono ao primeiro ruido cardíaco, e nunca ao segundo; e se durante o sôpro orgânico da endocardite muitas vezes produz-se a systole, não poucas também se faz ouvir durante a diástole. (*) Op. Cit., 367. 181 Demais, já vimos que o ventriculo esquerdo sendo ordinariamente o primeiro affectado, e então a valvula mitral tornando-se insufficiente, o ruido de sópro que se produz tem seu máximo de intensidade no nivel do orifício auriculo-ventricular esquerdo, e não no nivel do orifício aortico, como succede com os ruidos anorganicos. Accresce ainda que a dilatação do lado direito do coração, alem de augmentar o som massiço em certa dirccção, traz o reforço e sonoridade maior do segundo ruido pulmonar. Este signal por si só permitte distinguir-se com certesa o sopro endo- carditico do sopro anorganico. Podemos accrescentar ainda que o sopro orgânico tem ordinariamente o seu tom brando, quaesquer que sejam as modificações de sua in- tensidade; o sopro orgânico da endocardite, soffre, como vimos, trans- formações notáveis e rapidas, ás vezes de um dia para o outro. Final- mente, o diagnostico, já tão claro, se firmará mais pela indagação dos anamnesticos, que denunciarão sempre um estado anémico ou chlorotico do individuo em que no curso de uma pyrexia, se manifesta um ruido de sôpro que se suppõe anorganico. Segundo Valleix (*) uma affecção febril sobrevinda a um individuo que soffra de palpitações nervosas, pode fazer acreditar na existência de uma endocardite. Neste caso os antecedentes, o estado chloro-anemico, em que, segundo a maioria dos auctores, se acha um individuo que soflfre de palpitações, a existência delias desde o começo da moléstia, esclarecerão ao pratico. O som obscuro que apresenta a hypertrophia do coração e a existência simultânea de ruidos de sôpro, podem fazer confundir essa moléstia com a endocardite, quando com a hypertrophia houver um apparelho febril. Neste caso ainda, a analyse dos antecedentes da moléstia dissi- pará as duvidas em que se veja o clinico. A endocardite pode ainda confundir-se com a myocardite, ou inflam- mação da musculatura cardíaca, tanto mais facilmente quanto muitas vezes estas duas moléstias coincidem, sendo a segunda consequência ordinaria da primeira. Entretanto, deve-se notar que na myocardite o choque e os ruidos são menos fortes, mais surdos e mais abafados do que na endocardite; e assim deve de ser, pela séde especial da lesão. Pela mesma razão na myocardite o pulso é fraco, as syncopes frequentes, (*) Guide du médécin pratique - Paris, 1866 - ni, 22. 182 prolongadas e acompanhadas de uma angustia indefinível, que annunci- a approximação da morte. A não haver inflammação simultânea do en- docardio e das valvulas, não haverá na myocardite ruido algum anormal. Formam-se não raras vezes no endocardio, nas paredes do coração, e mais frequentemente nos orifícios, concreções fibrinosas, que podem de- pender do processo inflammatorio da endocardite, ou ser independentes delle, tendo uma existência anterior. Em qualquer dos casos, a endocar- dite denunciando-se ainda pelos symptomas physicos, que temos visto, reveste uma physiognomia particular, pela apparição de symptomas devi- dos mais à coagulação do sangue e à difficuldade de sua passagem pelos orifícios cardíacos, do que á própria inflammação endocardiea : ao passo que os batimentos do coração tornam-se violentos e tumultuosos pela, necessidade da expulsão dos coágulos sanguíneos, o pulso é pequeno miserável, irregular, intermittente, pela difficuldade extrema da circu- lação ; o rosto, pallido a principio, mostra-se depois cyanosado, entu- mecido ; ha uma oppressão e dyspnéa indescriptiveis, anxiedade, jacti- tação continua, insomnia absoluta, suores frios e, finalmente, oedema nas extremidades. Estes symptomas bastam para caracterisar a endocardite complicada de concreções fibrinosas, e differença-la da endocardite simples. Passemos agora a tratar da segunda forma que admittimos na en- docardite, isto é a Endocardite ulcerosa Sob a influencia de condições não conhecidas ainda sufficientcmente, pode-se desenvolver no coração uma forma especial de destruição agu- da do endocardio, sem a existência apreciável da vascu]aridade, elemen- tos plasmaticos ou de pus, que caracterisam a inflammação. Este facto morbido, estudado pela primeira vez em 1852 por Senhouse-Kirkes, é chamado impropriamente endocardite ulcerosa, qúando bem se poderá dar-lhe o nome, proposto por Vulpian e Charcot, de affecção ulcerosa, do endocardio ; nome que, a nosso ver, se não dá idéa da natureza, mal conhecida ainda, do processo morbido, também não adianta um juizo, porventura erroneo, á respeito d'ella. Effectivamente, a lesão principal n'esta moléstia é a desaggregação, como que a fusão, da membrana interna do coração, podendo chegar até 183 á perfuração e destruição parcial ou completa das valvulas arteriaes ou venosas. Assim amollecido e desaggregado o endocardio, seus detritos são carregados pela torrente sangninea e vão obliterar os vasos ca- piliares, arteriolas c artérias, produzindo embolias e enfartes nas dif- ferentes vísceras, principalmente no baço, figado e rins, e gangrenas circumscriptas ou diffusas, manchas ecchymoticas na espessura da pelle e sorosas, ou na espessura das vísceras. Lancereaux, Charcot e Vulpian, na Gazeta medica de Paris de 1862, Vast cm sua these de 1864, negam que na endocardite ulcerosa haja uma ulceração inflammatoria, baseiando-se em que n'esta moléstia não se encontra nas valvulas alteradas, vestígio de pus. Wirchow examinou com o microscopio esses detritos e n'elles encontrou elementos gordurosos em grande numero. Submettendo-os a reacções chimicas, viu que elles resis- tiam aos ácidos mineraes e ás soluções alcalinas, que destroem os pro- ductos inflammatorios (*). Outros, porem, em cujo numero contam-sc Fritz, Béhier, Hardy, Dupuy e Woillez, admittindo a existência de detri- tos das (valvulas nos pontos onde se formam êmbolos, sustentam que a presença do pus nos enfartes, é real em muitos factos de endocaidite ul- cerosa, e que se na superfície ulcerada das valvulas não se pode ver o pus, depende isso de que ellas são continuamente varridas com força pelo sangue que as banha, ao passar por ellas ; e, mais, que esse pus não podendo ser levado aos orgãos senão por quantidades diminutissimas, não é facilmente encontrado. Fritz affirma que em alguns casos pode-se ver sobre as soluções de continuidade das valvulas, botões carnosos evi- dentemente inflammatorios. Seja, porem, como fôr, a questão da nutureza da endocardite ulcerosa ainda não está resolvida satisfactoriamente ; parecendo-nos razoavel ad- mittir-se, em vista dos factos trazidos á discussão por auctorcs crite- riosos, que a ulceração aguda do endocardio pode ser, on não, inflam- matoria, acompanhada, ou não, da formação de pus. Jaccoud (**), attendendo principalmente aos caracteres clínicos da en- docardite enamada ulcerosa, propõe para esta moléstia a denominação de endocardite séptica, ou infectuosa. Mas, assim, este pathologista attribuo- Ihe a natureza inflammatoria, que ella não tem sempre : e se o clinico (*) Wlrchow -« Pathologle cellulalre » - Pari», 1868 -182 (»») a Tralté dc pathol, int, » - Parte, 1873 - I, 640 184 da Charité rejeita o qualificativo de ulcerosa, somente porque na endor. cardite simples pode-se dar igualmente a ulceração, pela gastura resul- tante dos progressos do amollecimento inflammatorio, nos parece tam- bém que se não pode acceitar sem restricções a sua denominação de en- ãocardite séptica ou infectuosa. Se, na humildade de nossa posição, nos fosse permittido propôr, ao menos, um nome para uma moléstia, nós, considerando o estado actual da questão sobre a natureza do facto mor- bido cujos symptomos e diagnostico vamos estudar, procuraríamos con- ciliar as denominações propostas - de um lado, por Vulpian e Charcot, e de outro, por Jaccoud, e chamaríamos affecção, ou ulceração, séptica ou infectuosa do endocardio, a moléstia de que nos occupamos. Elementos para o diagnostico - Os symptomas locaes d'esta mo- léstia pouco differem dos que sè observa na endocardite ordinaria de marcha aguda rapidamente crescente : palpitações, dyspnéa, ancicdade viva, ás vezes augmento do som baço precordial e principalmente um ruido de sopro intenso no segundo tempo com pulso saltitante. Este sym- ptoma, pathognomonico, indica a producção de uma insufficiencia aorti- ca, cujo desenvolvimento rápido só se pode explicar por uma ruptura ou perfuração da valvula. Estes signaes, pela rapidez com que se mostram, constituem já um indicio vehemente da forma anatomo-pathologica do processo morbido. Mas o que imprime á moléstia o seu cunho caracteristico e converte em certesa as probabilidades do seu diagnostico differencial, são os sym- ptomas geraes, mui diversos dos da endocardite simples, e que podem se apresentar sob duas formas distinctas : a forma typhoide e a forma pyohemica. Na forma typhoide, a mais commum, observa-se o conjuncto de symptomas que caracterisam o estado typhoide: febre intensa com pulso frequente e muitas vezes dicroto ; pelle quente, tendo em alguns loga- res manchas ecchymoticas ou sudamina, mas nunca petechias ; ventre tympanico, com ou sem diarrhéa ; ás vezes, catarrho bronchico ou si- gnaes de pneumonia limitada ; desenvolvimento do baço ; lingua ver- melha e secca, sêde viva ; narinas pulverulentas ; cephalalgia com sub- delirio ou mesmo delírio violento ; prostração extrema de forças, abati- mento e stupor da face. 185 A fórma pyohemica apresenta-se com quasi todos os phenomenos da infecção purulenta: o doente cae em adynamia profunda, ha um verdadeiro collapso ; febre ardente e continua ; calefrios violentos, vindo por accessos irregulares e seguidos de calor intenso e suor rela- tivamente pouco abundante ; pulso frequente, mesmo no intervallo dos accessos, e variando entre 100, 120 e 140 pancadas por minuto. Alem d'estes symptomas, manifestam-se especialmente nesta forma outros que também apparecem na fórma typhoide: vomitos e diarrhéa, dyspnéa com signaes de bronchite e pneumonia, ictericia mais ou menos pro- nunciada, augmento doloroso de volume do baço, dôres renaes e testi- culares, hematúria, albuminúria, paralysias mais ou menos limitadas e de súbita apparição, como hemiplegia (por embolia cerebral), e amau- rose (por embolia dos vasos choroidianos). Estes symptomas dependem de lesões visceraes secundarias. Diagnostico differencial - Reunidos assim os symptomas locaes aos geraes, torna-se facilimo o diagnostico nem só da endocardite ulce- rosa em relação á endocardite simples, como o de qualquer das suas formas principaes, como ainda o diagnosZico diíferencial entre essa .moléstia e a febre typhoide, ou a febre intermittente, ou a ictericia, moléstias com as quaes foi por muito tempo confundida, e ainda moder- namente o tem sido. Para distinguir a affecção ulcerosa do endocardio, da febre typhoide, basta a consideração de que nesta moléstia os phenomenos cardía- cos faltam, ou são muito menos pronunciados, menos rápidos em seus progressos, do que na endocardite ulcerosa, e não produzem os phenome- nos de embolia e enfartes visceraes. Além disso, ainda quando em uma endocardite ulcerosa as perturbações do lado do coração não sejam muito notáveis, a ausência de manchas róseas lenticulares, e principalmente a dos phenomenos abdominaes proprios da febre typhoide, farão re- jeitar a idéa da existência d'esta moléstia. Os violentos accessos febris da forma pyohemica da endocardite ulce- rosa, podem ser confundidos com uma febre intermittente. Entretanto, a differença é facil de apreciar-se, porque na endocardite ulcerosa não ha intervallos apyreticos, como na febre intermittente. A ictericia, que se manifesta ás vezes na affecção ulcerosa do endo- cardio, pode fazer crôr que se trata d'uma ictericia grove hematoge- 186 nica. Mas n'esta moléstia os phenomenos ictéricos apparecem desde que ella começa ; na endocardite ulcerosa, elles só revelam-se quando a moléstia se acha adiantada e, por assim dizer, conhecida. Alguns auctores faliam também da possibilidade de confundir-se uma endocardite ulcerosa com a pericardite aguda em suas duas formas, (com derramamento, e sem elle), com a hypertrophia ou as palpitações nervosas, em moléstias febris ; mas entendemos com Woillez que basta citar-se os nomes d'estas moléstias para evitar a confusão. Uma difficuldade que alguns auctores apontam no diagnostico da endocardite ulcerosa è distinguir-se a sua forma pyemica da pyohemia propriamente dita ; e, antes de tudo, é ponto ainda controvertido, se a endocardite ulcerosa pode occasionar uma reabsorpção purulenta, com os phenomenos que caracterisam a forma pyohemica, ou se estes dependem d'uma infecção do sangue devida, não ao pus, mas aos detri- tos das valvulas cardíacas desagregadas em suas molleculas, e carrega- dos pela torrente sanguínea, ao passar pelo coração. O que parece deci- dido, é que em certo numero de casos existe a pyohemia dependente da endocardite ulcerosa da forma pyohemica, e em outros falta esta complicação. Em todo caso, pensamos que se pode estabelecer uma distineção entre a pyohemia e a endocardite ulcerosa de forma pyemica. N'esta affecção, os phenomenos geraes que a caracterisam, apparecem depois dos phenomenos locaes de lesão profunda no coração ; este orgão accusa um soffrimento por meio dos movimentos precipitados que executa dentro do peito, e mais ainda por meio dos ruidos intensos que faz ouvir ; e somente depois destes avisos do coração, pelos quaes ainda não se pode conhecer qual a especie de lesão que o affecta, é que começam a desenvolver-se rapidamente os phenomenos pyohemi- cos, quer se admitta uma verdadeira pyohemia consecutiva, quer so- mente uma inffecção do sangue de naturesa differente, quer ainda, como pensam Behier e Hardy, uma simples coincidência entre a lesão do endocardio e um estado geral grave. Ná pyohemia, porem, os symptomas proprios desta affecção mani- festam-se primeiro por calefrio violentisssimo, repetido depois irregular- mente, seguido, ou não, de suores. Por estes accessos de calefrio é que o estado do doente se aggrava cada vez mais, é que sobrevem a dyspnéa intensa, a anciedade, a agitação, o delirio, 187 0 coração é poucas vezes affectado ; e quando o seja, não ha pro ducção dos ruidos coracteristicos de uma alteração profunda nas vál- vulas. Também virá em auxilio do diagnostico a indagação das circumstancias que precederam aos phenomenos observados actualmcnte, e com os quaes elles possam ter ligação immediata. As feridas suppurantes traumati- cas, ou cirúrgicas, a metrite puerperal, são as causas ordinárias da pyo- hemia, que também pode ser dependente d'uma phlebite ou de abcessos não circumscriptos por uma induração dos tecidos visinhos inflamma- dos, ou por adherencias protectoras. Na endocardite ulcerosa, as condi- ções que precedem são differentes, não fali ando na febre puerperal, que para Wirchow pode ser uma de suas causas. É muito para considerar- se â frequente coincidência entre a endocardite ulcerosa e o rheuma- tismo articular agudo, como notou Walshe. Jaccoud erige em proposição que esta forma de moléstia do endocar- dio é própria aos debilitados, mal nutridos, cachecticos, e alcolisados Com estes elementos, cremos não haver difficuldade no diagnostico differencial entre a forma pyohemica da endoeardite ulcerosa o o ver- dadeira pyohemia. Endocardite chronica A endocardite chronica pode ser consecutiva a uma endocardite agu- da, cuja marcha se torna muito lenta, ou pode apresentar-se como tal desde principio. Esta distineção, porem, não interessa muito á seraeiotica, porque em caso algum podoso assignalar um symptoma que pertença propriamen- te a uma inflamraação chronica do endocardio. É antes por seus effeitos consecutivos, do que pelos phenomenos que occasiona actualmcnte, que a endocardite chronica se revela ao observador. A inflamraação aguda degenerando na inflamraação chronica, ou esta começando mesmo de natureza chronica, o trabalho morbido vae progre- dindo lentamente, de modo imperceptivel ao doente e ao medico, que muitas vezes suppõe ter-se concluído felizmente uma endocardite, cujos symptomas, a principio manifestos e positivos, desappareceram em certa epocha. Entretanto, du rante essa marcha chronica, insidios e continua do endocardite, vão se dando alterações mais ou menos pro 188 fundas, que, afinal, quando menos se espera, chegam a embaraçar o curso do sangue, produzindo perturbações diversas na economia. Então, somente então, é que nos lembramos de que em algum tempo o nosso doente soffreu de rheumatismo, ou teve uma endocardite que terminou pela cura (apparente, bem se vê); então é que sabemos filiar estas per- turbações á existência d'uma endocardite chronica anterior. Mas esta já tem desapparecido, só restam os signaes indeleveis de sua passagem lenta, impressos na membrana interna do coração, especialmente nas valvulas ou nos orifícios, e constituindo outras tantas moléstias particulares, e differentes em seus effeitos immediatos. Abandonando, pois, por irrealisavel, a pretenção de dar uma de- scripção symptomatica da endocardite chronica e de estabelecer o seu diagnostico differencial, vamos estudar as alterações da membrana in- terna do coração, com ou sem alteração dos orifícios, e consecutivas a processos inflammatorios, agudos ou chronicos, que nella se deram. Essas alterações, digamos uma vez por todas, aninham-se nas cavi- dades esquerdas do coração, de preferência ás outras. Este facto, que não é estranho a pessoa alguma da sciencia, e a rari- dade das alterações organicas notáveis no córação direito, induziram Bichat a pensar que havia uma differença na estructura das membranas internas do coração direito e do coração esquerdo. É um grande erro escapo a um grande homem. Parece que toda a differença está na qualidade do sangue que as banha, sendo razoavel pensar-se que o sangue arterial, mais oxygenado e de propriedades mais excitantes que o venoso, determina a predis- posição particular do coração esquerdo a contrahir a endocardite, e a tendencia de sua membrana para alterar-se consecutivamente. Alterações consecutivas do endocardio Vegetações e excrescencias valvulares - As inflammações chroni- cas do endocardio, mais do que as phlegmasias agudas, provocam muitas vezes a producção de vegetações e excrescencias cónicas, verrugosas ou papillares, ás vezes semelhante a couve-flores, cristãs de gallo, etc. de aspecto ora avermelhado e transparente, ora cinzento ou branco opaco, semelhante ao tecido das valvulas, sobre o qual se desenvolvem frequentemente. 189 Ás vezes formadas de um tecido molle, quasi gelatinoso, essas vege- tações apresentam-se outras vezes, formadas de nm tecido duro e quasi cartilaginoso. A sua séde habitual são as valvulas, e d'estas a face que se volta para o orifício, e d'esta face ainda os pontos que se põem em contacto durante a occlusão. A face inferior das valvulas auriculares ou a face côncava das arte- riaes, não é nunca a séde d'essas vegetações, que alias só excepcional- mente formam-se em outros pontos do endocardio. No adulto encontram-se commummente no ventrículo esquerdo, par- ticularmente sobre a valvula mitral, com ou sem outra alteração d'ella. Devidas incontestavelmente a uma irritação inflammatoria, essas ve- getações e excrescencias são da mesma cathegoria que certas vegetações papillares e condylomatosas da pelle, formadas por hyperplasia do te- cido conjunctivo. Bem que Friedreich duvide que essas vegetações possam, na ausên- cia de outra alteração valvular, produzir ruidos anormaes, nós, diver- gindo respeitosamente do professor de Heidelberg, cremos que elles deverão produzir-se, embora com pouca intensidade. Se normalmente a onda sanguínea, resvalando pela superfície lisa da face auricular das valvulas auriculo-ventriculares, ou da face ventricular das valvulas arte- riaes, não soffre attrito algum, nos parece que o mesmo não poderá suc- ceder quando a superfície valvular estiver eriçada de rugosidades e sa- liências, de encontro às quaes deverá quebrar-se a onda sanguínea, di- vidindo-se em pequenas porções, e com uma força proporcional à com que é impellida de uma cavidade para outra. Assim, acreditamos que se deem ruidos anormaes, embora não muito intensosj quando uma valvula tiver excrescencias e vegetações n'aquella de suas faces por onde resvala o sangue em seu movimento progressivo no coração ; e acreditamos ainda que esses ruidos sejam mais fortes quando as rugosidades estiverem nas valvulas arteriaes, em virtude da força de impulsão communicada ao sangue pela systole, do que quando ellas existirem nas valvulas venosas, por onde o sangue passa impelli- do por força menor. Admittindo-se o que acabamos de dizer, o ruido anormal coincidirá com o primeiro tempo quando as rugosidades forem situadas nas val- vulas arteriaes ; no segundo tempo quando estiverem nas valvulas ve- nosas. Todavia, esses ruidos não poderão elucidar o diagnostico das vegeta- ções valvulares, desde que mais promptamente serão attribuidos a qual- quer das outras lesões mais conhecidas nas valvulas ou nos orifícios. Hypertropllia simples das valvulas - Uma das consequências não pouco frequentes dos processos inflammatorios chronicos do endocardio é a proliferação, que se localisa especialmente nas valvulas, em cujos bordos livres determina a formação de orlas pequenas e estreitas. Neste estado as valvulas estão hypertrophiadas. Essa hypertrophia simples, quasi sempre limitada à valvula mitral, deixa intactas as expansões finas do bordo livre da membrana, cuja ten- são, necessária para a occlusão perfeita do orifício, se faz ainda como normalmente. Assim, pois, a hypertrophia simples das valvulas, não dando origem a facto algum anormal, não pode ser conhecida durante a vida. Adelgaçamento das valvulas - Ás vezes, em logar da hypertro- phia, dá-se na valvula o augmento de diâmetro, com adelgaçamento da membrana, isto é, augmenta o comprimento á custa da espessura. Ordinariamente este facto coincide com o alargamento do orifício rc- spectivo, e então podemos consideral-o como providencial, pois que, a não ser elle, dar-se-hia uma insufficiencia relativa da valvula com todas as consequências de alterações desta ordem. Outras vezes, o orifício conserva-se no seu diâmetro normal. Em todo caso, porem, do au- gmento de largura da valvula não resulta perturbação alguma na circu- lação, nem a producção de symptomas physicos notáveis que o denun- ciem; pelo que esta especie de alteração da valvula não pode ser co- nhecida durante a vida, tendo apenas importância anatómica. Fendas e orifícios valvulares - Também podem ser encontradas na« valvulas fendasinhas ou lacunas pequenas, que não prejudicando ao mechanismo dessas membranas, não se fazem annunciar durante a vida. Mas quando taes soluções de continuidade tomam um certo desen volvimento, causam perturbações na circulação permittindo o refluxo do sangue para a cavidade anterior á valvula perfurada. Espessamento e induração, manchas tendinosas do endocardio - Das inflam inações, por menos intensas que sejam, do endocardio, re- 190 191 sulta muitas vezes o espessamento desta membrana, tendo logar prin- cipalmente nas valvulas, que adquirem um aspecto leitoso. Esse espessamento não é devido á formação de uma falsa membrana, e os pontos opacos, manchas tendinosas do enãocarãio, por elle constitui- dos, só podem ser arrancados com o proprio endocardio. O endurecimento pode resultar da transformação do tecido inflam- mado, tumefeito, molle e imbebido de lympha plastica, em um tecido compacto e duro, ou pode este começar a formar-se desde logo com seus caracteres. Em todo o caso, da hypertrophia do tecido conjunctivo das valvulas resulta que estas tornam-se espessas, notavelmente nos seus bordos livres, e apresentam uma superfície desigual. O mesmo processo morbido se estende ás cordas tendinosas, que, a principio entumecidas, transformam-se mais tarde em uma substancia sclerosa; dá-se uma retraeção do tecido valvular assim espessado, e as valvulas tornam-se incapazes de obliterar completamente os orifícios. Alem dessa causa poderosa de perturbação nas funeções valvnlares, as cordas tendinosas retrahindo-se por sua vez, oppõem-se á adaptação das valvulas, difficultando ainda mais a occlusão do orifício. Se, como succede ás vezes, a hypertrophia e sclerose estendem-se aos pontos de inserção da valvula, estas perdem a sua mobilidade, formando uma sa- liência mais ou menos notável para a area do orifício, e determinando assim o estreitamento delle. Adherencias, degenerações e iiicrnstações das valvulas - Succede também que entre os bordos das valvulas formem-se adherencias pelo contacto mais intimo qne entre elles existe, em razão do processo hy- pertrophico. As cordas tendinosas também podem agglutinar-se c adhe- rir entre si formando cordas espessas e nodosas. Assim desenvolvido, o tecido scleroso ou indurado pode soffrer, com os progressos da alteração endocardiaca, duas modificações principaes. A mais frequente e a que mais cedo apparece, é a degeneração gordu- rosa, que começa na espessura do tecido e se estende progressivamente até a superfície livre, produzindo soluções de continuidade e perda de substancia das valvulas e cordas tendinosas espessadas. É assim que nas valvulas apparecem perfurações, fendas e destruições ulcerativas. A outra principal modificação das laminas valvulares endurecidas, é a deposição de saes calcareos na espessura do tecido scleroso, dando- 192 leh a consistência ossea ou cartilaginosa, e augmentando assim a mi- mobilidade das valvulas espessadas e endurecidas. Esta alteração é pró- pria da velhice, e foi até pouco tempo considerada em relação com os progressos da edade, e dependente d'uma modificação especial na nutri- ção das valvulas, sem processo inflammatorio. As alterações valvulares chronicas trazendo comsigo adherencias, deformações, ou immobilidade das valvulas, dão em resultado oú um estreitamento dos orifícios, ou uma insufiiciência valvular, e são estas consequências que se manifestam por meios de symptomas variados e variaveis, conforme a natureza de cada genero de lesão, a sua sede e as suas complicações. Lesões das valvulas e dos orifícios do coração Como temos visto no decurso desta parte de nosso trabalho, todas as alterações que tenham logar na estructura do tecido proprio das valvulas, ou no era que ellas inserem-so, dão em resultado final uma de duas perturbações funccionaes, ou ambas ao mesmo tempo : a in- capacidade da valvula para obturar perfeitamente o orifício rcspectivo (insufficiencia valvidar} e o estreitamento do mesmo orifício ( stenose ou stenochoria dos auctores allemães, coarctação, aperto - do orifício). Elementos para o diagnostico - Entrando na apreciação dos elementos que se nos podem offerecer para o diagnostico das lesões valvulares, começaremos pelos mais falliveis e de valor mais incerto, terminando pelos mais constantes e de significação mais positiva. As lesões valvulares são as moléstias mais frequentes do coração. E, com effeito, natural que as partes deste orgão continua e mais particu- larmente expostas aos attritos e repuxamentos, isto é, as valvulas, sejam as mais accessiveis aos processos inflammatorios e ás suas varia- das consequências. Poderemos ainda lembrar que, sendo uma das condições mais fre- quentes das lesões orico-valvulares as concreções ósseas ou cartilagi- nosas dos orifícios e valvulas, e estas desenvolvendo-se de preferen- cia no tecido fibroso, a estructura das valvulas e do anncl dos orifí- cios pode explicar a frequência dos estreitamentos e insufficiencias. 193 Mesmo absolutamente fallando, as lesões orico-valvulares são muito frequentes. M. Raynaud, analysando os resultados de 7,347 autopsias lei tas por diversos observadores, encontrou 678 casos de moléstias das valvulas e orifícios cardiacos, isto é, a proporção de 11:100; Foorster assignalou a mesma proporção ; Chambers encontrou 17:100. As valvulas do coração esquerdo são as mais commummente affecta- das. A razão deste facto Fajvre a encontra na pressão que soffrem as valvulas esquerdas, cinco vezes mais forte que a do coração direito. Quando falíamos da endocardite chronica, e da sua localisação, disse- mos como se pode considerar este facto ligado á natureza do sangue que banha as cavidades esquerdas. Littré (*) diz que o coração direito sendo a continuação das veias e o esquerdo a continuação das artérias, e estas sendo mais sujeitas do que aquellas, ás incrustações cartilagi- nosas ou calcareas, as lesões vaivulares devem ser mais frequentes no coração esquerdo, que, demais, tem organisação fibrosa mais pro- nunciada e faz mais esforço que" o direito. Quasi sempre, quando no coração direito existe uma lesão nos orifícios, no coração esquerdo ha uma lesão analoga, sem que, comtudo, a reci- proca seja verdadeira. Mas ainda no coração esquerdo a valvula auri- culo-ventricular é mais vezes lesada, do que as valuulas arteriaes. Todavia, Corson affirma que as valvulas aorticas são atacadas mais vezes do que a mitral; o que para Friedreich não é a expressão da verdade. O que é certo, é que as valvulas mitral e aorticas têm grande tendên- cia para serem invadidas simultaneamente, talvez porque estando em contacto as suas inserções, o processo pode propagar-se facilmente de um a outro apparelho. A respeito das circumstancias etiologicas que se possam considerar como capazes de esclarecer o diagnostico difíerencial entre as lesões vai- vulares, as estatísticas estão de accordo somente nestes pontos : 1. As affecções auriculo-ventriculares são mais frequentes nas mu- lheres do que nos homens; reciprocamente, as lesões vaivulares arte- viaes são mais frequentes nos homens do que nas mulheres. 2. As lesões da valvula mitral são mais frequentes nos indivíduos de idade até 30 annos, conforme Bamberger, até 32 segundo Corson; (*) « Diction. de médéc., en 30 vol.; VIII, 32. 194 as affecções das valvulas aorticas são mais frequentes nos indivíduos de mais de 30 annos, segundo Bamberger, e de roais de 40, segundo Corson. Esta diíferença de sede da lesão, segundo a edade, parece fundada em que o atheroma da aorta, que se produz principalmente nos velhos, in- vade facilmente as valvulas arteriaes, ao passo que a eudocardite rheu- matismal, causa ordinaria das lesões valvulares nos moços, ás mais das vezes começa pela valvula mitral. Quanto aos resultados immediatos das lesões valvulares, elles são de duas ©rdens, como o são as mesmas lesões. Tornando-se insufficiente a valvula, o effeito directo e necessário d'csta irregularidade na sua funcção, é que a onda sanguínea comprimi- da em uma cavidade, em vez de seguir toda o seu curso, regorgita em parte, atravez do orifício incompletamente fechado, para a cavidade donde tinha saido : eis porque J. C. Williams denomina a insuffificien- cia valvular - lesão de refluxo, ou regorgitante. Se, porém, o orifício está estreitado {lesão de obstrucção de Williams), acorrente sangninea, tendo de seguir a direcção natural, é obrigada a passar por uma abertura obstruída em parte ; e então é preciso que a cavidade que tem de ex- pellir o sangue tenha mais força do que normalmente deve ter, afim de que, vencendo essa resistência em um tempo dado, expilla todo o liquido que contem. Em outro logar tratamos dos symptomas geraes e communs das mo- léstias organicas do coração, e expuzemos succintamente o mechanismo de sua producção e os effeitos das insufficiencias e estreitamentos em geral sobre as cavidades do coração e sobre todo o funccionalismo. Ora, os symptomas funccionaes das lesões valvulares simplices, não compen- sadas, são os mesmos que então descrevemos como os das lesões orga- nicas em geral, passado o periodo de hypertrophia compensadora, se alguma vez elle existiu ; symptomas que revelam uma oligo-hemia em todo o organismo. Não tornaremos, pois, a este ponto, cujo estudo, se aproveita muito para o diagnostico dos moléstias de estructura do cora- ção, consideradas em abstracto, não pode esclarecer muito quanto ao ge- nero do padecimento cardíaco, dándo apenas idéa da grande força ou fraqueza da actividade do centro propulsor do sangue. Somente o emprego dos meios physicos de exploração poderá servir- nos de guia seguro não só para o diagnostico das lesões valvulares em 195 relação ás outras especies de lesões organicas, senão também para o diagnostico differencia] dessas mesmas lesões entre si, conforme o gru- po a que pertençam e a séde que occupem. Examinemos, pois que dados, em relação á existência das lesões val- vulares, podemos colher da exploração physica da região precordial. Estabeleçamos, antes de tudo, que uma insufficiencia valvular não é mais do que um estreitamento em sentido inverso ao da direcção natural da corrente sanguínea. ' Effectivamente, a valvula estando insufficiente, obtura incompleta- mente o orifício ; isto é, este continua aberto em uma parte de sua area ; mas como essa parte, (pie dá passagem ao sangue retrogrado, é menor do que iodo o orifício, podemos considerar este como estreitado pela porção de valvula que ainda resta applicada sobre elle. (*) Havendo uma desproporção entre o volume da onda sanguínea e o orifício por onde tem esta de passar, em movimento progressivo ou retrogrado, e suppondo-se normal ou augmentada a força das con- trações cardíacas, um attrito com vibração nos pontos estreitados, deve perceber-se, produzido pelo sangue comprimido em sua passagem. Este attrito se traduz no exterior por um movimento ondulatorio, um estre- mecimento, sentido pela mão applicada sobre a região precordial, e por um ruido percebido por quem escuta n'esta região. Esse ruido, chama- do ruido de sopro, ruido de folie, ou simplesmente sopro, varia muito de força e intensidade; ora, é o simples prolongamento de um dos ruidos normaes do coração; ora é um verdadeiro sopro brando-, ora c uma sim- ples aspiração; ora simula um jorro de vapor d'agoa; ora imita o ru- morejar das ondas, podendo então ser-lhe applicados estes quatro ver- sos, que fielmente descrevem o que se passa no ouvido da pcssôa que o escuta: Shake one, and it awakens; then apply Its polished lips to your attentive ear, And it remembers its august abodes, And murmurs as the ocean murmured there. As vezes o sopro é mais áspero, imitando os ruidos produzidos pela (*) Escusado é dizer que n'estas condições o estreitamento é intenntttente; só se dii durante o tempo cm que todo o orifício devia estar fechado. 196 grosa ou lima attritando na madeira; em. outros casos torna-se tão a- gudo, que imita o ruido da serra. Finalmente, pode ter um tom musical, mas de uma modulação simples e monotona, imitando um grito mais ou menos agudo, ou um assobio, urn piado. 0 ruido de sôpro pode coincidir com a systole ou com diástole do coração, encobrindo ou substituindo os ruidos normaes que nestes tempos produzem-se. As vezes manifestam-se também nos intervallos entre esses ruidos, iste é, no grande ou no pequeno silencio. O frémito sentido pela mão faz experimentar a sensação que pro- duz o rosnar do gato, quanndo se o afaga; eis porque é esse estre- mecimento chamado geralmente frémito ou murmurio felino, rosnadura de gato. Os inglezes chamam-n'o purring tremor. Este phenomeno táctil não é perceptivel á escutação ; sua intensida- de, ao em vez de augmentar, diminue, sendo substituída por um ruido de sôpro. Pode ser geral ou parcial, e n'este caso tem seu máximo de intensidade no nivel da base onda ponta do coração, em um ponto da região pcrcordial correspondente ao orifício em que se dá o attrito e acompanhando um dos dous tempos ou propagando-se ás artérias. E, portanto, o frémito vibratório ura phenomeno importante, que in- dica sempre que um liquido acha um obstáculo em passar por um ori- fício, isto é, que ha um estreitamento no coração. Convém, entretanto, para, que elle tenha todo o valor diagnostico, saber distingui-lo do fremi- to exocardiaco, produzido pelo attrito das laminas perirardicas entre si. Apezar de já termos feito essa distincção quando tratamos da peri- cardite, vamos re-indicar aqui as differenças capitaes : O frémito pericardico é mais superficial que o outro, ás vezes sacu- dido, mais intenso á escutação do que á apalpação, e não tem o caractcr vibratório uniforme da rosnadura de gato, nem, como ella, coincide com algum dos tempos activos da evolução cardíaca. Alguns auctores observam que o frémito do attrito pericardico não desapparece pela es- cutação, torna-se até inais intenso, ao passo que o do estreitamento con- verte-se em sôpro quando se o escuta. Os caracteres differenciaes das duas variedades de frémito são confir- mados pela escutação, que estabelece os signaes distinctivos dos ruidos anomalos que então acompanham o murmurio vibratório. F aliando do ruido de sôpro, dissemos que este phenomeno é o resui- tado de um attrito. Couvem agora observarmos que esse attento, 197 capaz dc produzir um ruído de sopro, nem sempre é resultado de uma lesão valvular ou do orifício, nem ha relação constante entre essas lesões matcriaes e o sopro que se ouve : isto é, nem todo ruido de sopro é devido a uma insufficiencia valvular ou estreitamento orico ; muitas vezes a escutação descobre ruídos de sopro manifestos, sem que pela autopsia se encontre a presumida lesão physica ; por outro lado, no exame cadavérico tem-se encontrado as valvulas e orifícios lesados, sem que d'essas alterações se tivesse percebido sopro algum durante a vida.. Assim, uma insufficiencia aortica, um estreitamento auriculo-ventricular, nem sempre são denunciados durante a vida por um ruido de sopro. Eis como se explica este facto, singular á primeira consideração. Os dous sopros devem produzir-se durante a diástole ventricular; mas esta é um movimento passivo; o sangue cae no ventrículo antes pelo proprio peso, do que por uma impulsão energica. Se ha um estreitamento auri- culo-ventricular, no ventrículo entra somente a porção de sangue que o orifício pode admittir; a força da contracção auricular não é tão grande, que faça o sangue forçar ou alargar o orifício estreitado: o mesmo succc- de com a insufficiencia aortica, em que a systole arterial não tem a ener- gia bastante para produzir um ruido, fazendo regorgitar o sangue para o ventrículo. Quanto aos estreitamentos aorticos, ou insufficiencias auriculo-ven- triculares, o sopro se produzindo durante a systole, deve ser forte e intenso, como a contracção que determina o movimento do sangue. O ruido de sopro é encontrado também na hypertrophia com di- latação, e em todos as condições em que, augmentando a energia do coração, os orifícios por onde o sangue tem de passar, embora estejam normaes, tornam-se estreitos em relação á força com que a onda san- guínea é expellida; assim nas aífecções febris intensas de qualquer na- tureza. Nota-se ainda o ruido de sopro nas moléstias em que ha uma dys- crasia do sangue, chlorose, anemia, etc; e segundo alguns auctores, em certos estados nervosos do coração, ou geraes, como as palpitações ner- vosas, hypochoftdria, hysteria, papeira exophthalmica, etc. Alguns auctores, entre elles o dr. Parrot, consideram que nestes estados nervosos ha sempre uma anemia, que pode explicar o ruido de sopro. 198 0 sopro anorganico parece dever ser attribuido a modificações na tensão e vibração das valvulas, modificações que por sua vez devem ser filiadas - de um lado, u uma innervação anormal do coração, e doutro lado, a perturbações de nutrição, perceptiveis ou não, do musculo car- díaco, das valvulas e das paredes arteriaes, como pode se desenvolver em todas as anomalias do sangue. Friedreich procura despertar a attenção sobre a frequência da dege- neração gordurosa parcial dos musculos papillares, que pode passar des- apercebida e que se acha em todas as dyscrasias chronicas do sangue ou que acompanham, como perturbação passageira da nutrição, as mo- léstias febris graves. Estas causas, assim uma innervação anormal como alterações reaes da musculadura cardíaca, concorrem para produzir contracções irregu- lares, que se communicam ás valvulas e cordas tendinosas e que pro- duzem um ruído de sopro. Mesmo nas moléstias typhoides graves, na chlorose adiantada, podem se formar dilatações atonicas do coração, e, portanto, na valvula mitral insufficiencias passageiras relativas, dando origem a ruídos de sopro. Assim, conforme Friedreich, fica muito limitado o grupo dos sopros anorganicos propriamente ditos. Se, pois, o ruído de sopro se pode ligar a tão numerosas e differentes alterações, como se conhecer se n'um caso dado, o sopro que se ouve é, ou não, devido a uma lesão organica doapparelho valvular? A dístineção se baseia sobre a consideração que se prestar ao tom do sopro que se ouve, ao tempo em que elle se mostra, à sua persistência á sua marcha, aos phenomenos que o acompanham. Ao tratarmos do diagnostico differencial entre a endocardite aguda e uma moléstia dys- crasica ou nervosa acompanhada de movimento febril, expusemos lar- gamente como, attendendo-se ás circumstancias referidas acima, chega- se a distinguir um ruido de sopro orgânico, de um anorganico. Todavia, recordemos aqui o que então dissemos. Os ruídos do segundo tempo da evolução cardíaca, dependentes in- variavelmente d'uma lesão organica, não podem occasionar engano. A confusão a evitar-se está entre os ruidos orgânicos def primeiro tempo, o os anorganicos, que todos apresentam-se neste mesmo tempo, por isso que é uma condição essencial de sua producção a contracção energica do coração, Sendo assim, o sopro anorganico far-se-ha ouvir sempre na base do coração, onde se achão collocados os orifícios de saida dos ven- trículos, e se prolongará na direcção da artéria em cujo orifício se origina. ; Portanto, um sopro ouvido no primeiro tempo e na direcção da ponta do coração, é indubitavelmente orgânico. Ora, os ruidos orgânicos intracardiacos do primeiro tempo far-se-hão ouvir de preferencia no nivel dos orifícios auriculo ventriculares, e devem propagar-se para a ponta do coração, porque é nesses orifícios que se localisam mais frequentemente as alterações anatómicas valvulareS ; como estas lesões uma vez declaradas, são permanentes, não desappare- cem, o sopro orgânico devo de ser também permanente, durar mezes e annos; o que não suceede com os ruidos anorganicos, que podem desap- parccer cm breve tempo sob a influencia de um tratamento apropriado; e quando mesmo persistam por muito tempo, conservarão seu caracter brando, macio, avelludado, como diz Woillez, ainda que se modifique a sua intensidade; ao passo que podendo, com o decorrer dos annos, ir se tornando cada vez mais graves as lesões orico-valvulares, os ruidos que cilas produzem devem soflrer transformações graduaes, percorrendo a escala ascendente dos tons, desde o sôpro Irando ate ao sibilo ou piado, ultimo grau dos ruidos musicaes. As lesões do apparellio valvular trazendo graves perturbações ás di- versas funeções organicas, o ruido de sopro a ellas devido, é cercado de uma turba de symptomas, locaes e geraes, de padecimento orgânico do coração; os ruidos anorganicos não apresentara taes symptomas; são acompanhados de phenomenos graves mui difícrentes, proprios das per- turbações que lhes dão origem. Mas, conhecido que um ruido de sôpro é ligado a existência d'uma lesão organica valvular, precisa-se reconhecer a natureza delia; se é um estreitamento do orifício, ou se uma insufficiencia da valvula. Para resolver-se a questão, precisa-se determinar o tempo dos movi- mentos cardíacos em que se ouve o ruido anomalo, isto é, se elle pre- cede ou acoiqpanha a systole ou a diástole; ou antes, o primeiro ou o segundo ruidos normaes. Antes, porem, de começarmos o trabalho dessa determinação, vejamos o que diz um dos mais conscienciosos auetores modernos a respeito da sua difíiculdade: « Os batimentos cardíacos são ás vezes tão irregulares tumultuosos ou obscuros, ou tão frequentes, que é impossível analysa-los; 199 200 e outras vezes o ruído anomalo encobre de tal modo os ruídos naturaes, que uão podemos formar o nosso juízo. « O emprego da dedaleira para demorar e regularisar os movimentos cardíacos, n'esses casos de batimentos tumultuosos e precipitados, pode ser muito util, e quando os ruidos normaes são obscurecidos por sopros, deve-se escutar successivamente no epigastrio, onde podem ser ouvidos os batimentos do coração direito (menos vezes affectado que o esquer- do), depois á esquerda, para fóra da região precordial, afim de ouvir-se mais particularmente o coração esquerdo. « Mas o exame do pulso, ao mesmo tempo que se escuta, é o melhor meio de determinar bem o tempo da evolução cardíaca, occupado pelo sopro anomalo. A exploração simultânea do pulso permittirá, muitas vezes, nos casos difficeis, distinguir o primeiro ruido, do segundo (*). Friedreich aconselha que em vez do pulso radial se tome o pulso carotidiano, isochrono com a systole do coração. Effectivamentc, o pulso radial é sentido depois da systole, de modo que quando os movi- mentos do coração tornam-se rápidos e tumultuosos, elle pode indu- zir-nos em erro. Com o fim de precisar mais exactamente a duração dos ruidos nor- maes do coração e compara-los, bem como as suas pausas, com os ruidos anormaes, Gendrin dividiu em muitos tempos as diíferentes phases do cyclo dos movimentos. Assim, esse pathologista chama sy- stole, o tempo de duração do primeiro ruido; perisystole, o pequeno silen- cio ; e denomina ruidos systolicos os ruidos anomalos que occupam so- mente o tempo do primeiro ruido normal ; os que occupam nem só o tempo do primeiro ruido, como a pequena pausa que lhe succedc, são chamados perisystolicos. Continuando na sua divisão, Gendrin chama diástole, o tempo em que se dá o segundo ruido normal; e a pausa entre este ruido e a repeti- ção do primeiro é dividida em duas partes : a primeira, abrangendo dous terços do grande silencio, ó chamada peridiastole; a segunda, me- tade da outra, é a presystole. D'este modo Gendrin divide os ruidos anormaes que se dão no grande silencio, em ruidos peridiastolicos e ruidos presystolicos. Da divisão de Gendrin podemos conservar, alem dos ruidos systolicos (*) Woillçz - Op. cit.» art. Swflc. 201 e diastolicos, admittidos universalmente, os ruidos presystolícos; porque estes, caindo no fim do grande silencio e precedendo mui poucos ■nstantes á systole ventricular, formam-se no momento da contracção rapidada aurícula, contracção que só se effectua no fim do periodo de r epouso completo do coração. Ajudados pelas considerações que precedem., vejamos agora como di- stinguir-se a natureza d'uma lesão qualquer nos differentes orifícios. Se o ruido de sopro precede immediatamente o primeiro ruido nor- mal, ou ruido systolico, dá-se no fim da diástole dos ventriculos e no momento da contracção das aurículas, quando o sangue destas cavida des passa para os ventriculos. Ora, este sôpro não pode ser produzido, senão havendo um estreitamento do orifício ; logo, um sôpro presysto-, lico indica um aperto nos orifícios auriculo-ventriculares. Este sôpro anormal presystolico pode cessar logo que começa o pri- meiro ruido normal, ou pode prolongar-se de modo a encobri-lo mais ou menos completamente. Se o ruido anormal acompanha o primeiro ruido normal, produz-se durante a systole. Ora, neste movimento eífectua-se a passagem do sangue para as artérias, e a occlusão dos orifícios venosos; logo um sôpro systolico só se pode dar estando estreitados os orifícios arteriaes, ou insufficientes as valvulas auriculo-ventriculares (estreitamento do ori- fício obturado em parte). Alguns auctores fazem uma distineção entre o tempo em que preci- samente se produz o sôpro da imsufliciência valvular venosa, e o do es- treitamento arterial, dizendo que o sôpro devido á insufficiencia auri- culo-ventricular dá-se logo depois do primeiro ruido, durante o pequeno silencio, produzindo-se durante o primeiro ruido o sôpro da stenose ar- terial. Com effeito, comprehende-se que se possa attribuir ao primeiro ruido um sôpro que lhe succede, para cessar logo á apparição do se- gundo ruido. Nos parece muito subtil e pouco proveitosa na pratica esta di- stineção. Convém saber-se que ha casos em que o estreitamento do orifício au- riculo-ventricular dá origem ã um ruido de sopro no primeiro tempo Beau, Fauvel e Filhos publicaram factos deste genero, e julgaram de- struir com elles a theoria dos ruidos do coração que faz coincidir o ruido surdo com a systole, e o ruido claro com a diástole. 202 Mas Racle demonstrou que, nesses casos, a valvula auriculo-ventricu- lar, coberta de vegetações e soldadas pela 'base as snas laminas, fôrma um funil com o vertice para o lado do ventrículo: neste estado, a val- vula constitue um estreitamento para o lado da aurícula; mas adaptan- do-se imperfeitamente ao orifício e apresentando aquelle funil aberto sempre á passagem do sangue, constitue também uma insufficiencia do lado do ventrículo. Ora, correndo o sangue atravez do estreitamento durante a diástole do ventrículo, impellido por um orgão pouco enér- gico, e havendo sempre, apezar da rigidez das valvulas, um ligeiro afas- tamento delias, que facilita a passagem do sangue - concebe-se como não possa dar-se um ruido de sopro diastolico : ao passo que havendo durante a systole, tendencia da valvula para fechar o orifício normal, que assim fica inais estreitado, o sangue, o atravessando com força, produz um ruido de sôpro. Se o ruido de sôpro coincide com o segundo ruido normal, isto é, com o começo da diástole dos'ventrículos, não pode deixar de ser devido a uma insufficiencia das valvulas sigmoides, pois é neste tempo que o sangue tende' a refluir para o ventrículo, e a systole auricular ainda não começou, para produzir um ruido que se possa attribuir a um estreita- mento auriculo-ventricular. Pelo que precede, já podemos distinguir um estreitamento orico, quando o rfíido faz-se perceber durante a diástole ventricular. Quanto á significação do ruido anormal systolico, elle indicará um estreitamento arterial, ou uma insufficiencia auriculo-ventricular, se outros signaes revelarem a existência d'uma lesão n'nrn orifício arterial ou n'um orifício venoso. Ora, a séde da lesão é reconhecida pela apreciação do ponto do tho- rax a que corresponde o máximo de intensidade do ruido, e pela direc- ção em que este se propaga. E aqui é que mais se faz sentir a utilidade que vem de conhecer-se a theoria da desassociação dos ruidos e da adopção dos quatro pontos do audição propostos por Jaccoud, para os ruidos normaes desdobrados. Um ruido anormal que tem seu máximo de intensidade no ponto em que se faz notar a ponta do coração e na parte do thorax correspondente ao ventrículo esquerdo, irradiando-se d'ahi em força decrescente, indi- ca uma anomalia da valvula mitral, ou do orifício rcspectivo. Se o ru- ido anomalo tem seu máximo de intensidade na parte inferior do sterno, 203 e diminue á proporção que desse ponto affastamos o stethoscopio, de- nuncia uma lesão do orifício tricuspide, ou de sua valvula. 0 ruido do sôpro que tiver sua maior intensidade na terceira arti- culação chondro-sternal esquerda, e d'ahi se propagar para o segundo' espaço intercostal, e transversalmente em direcção á clavícula direita com intensidade maior do que para a ponta do coração, ou para o se- gundo espaço intercostal direito, - denuncia uma lesão no orifício pul- monar ; lesão, aliás, muito rara. Mas se o ruido anormal é percebido na articulação da terceira cartilagem costal direita com o sterno, e pro- paga-se transversalmente no segundo espaço intercostal direito em procura da parte superior do sterno, na direcção da aorta, deve-se at- tribui-lo a uma anomalia do orifício aortico ou de suas valviilas. Fried- reich faz notar que são-principalmente os rnidos anormaes systolicos do orifício aortico, que se propagam com intensidade particular na di- recção da corrente sanguínea, pela aorta ascendente até as carotidas : ao passo que os rnidos diastolicos produzidos no mesmo orifício, propa- gam-se notavelmente na direcção da corrente sanguínea de refluxo para a ponta do ventrículo esquerdo, e estendem-se mesmo com alguma in- tensidade sobre todo o comprimento-do sterno; o que se deve attribuir á naturesa vibratória deste osso. Afim de simplificar e tornar mais seguros os processos empregados para determinar a séde precisa da lesão, para conhecer qual dos quatro grandes orifícios cardíacos é lesado, Barth e Roger indicam o seguinte meio : Pela percussão determine-se a posição e direcção norinaes ou ac- cidentaes do coração. Estabelecidos os limites do orgão, trace-se urna linha do vertice ao meio da base da superfície que o figura no thorax, e uma outra linha perpendicular á primeira, na altura da base da porção ventricular ; obter-se-ha quatro ângulos, a abertura de carda um dos quaes correspon- de a um dos orifícios, e assim determinar-se-ha com precisão qual o ori- fício lesado, segundo o angulo a cuja area corresponde o ruido que se ouve. Ainda podemos contar como elementos de subido preço para o dia- gnostico differencial da séde des alterações valvulares, a presença ou ausência de hypertrophias secundarias e a sua séde. A este respeito lem- braremos a lei da retro-dilatação ou retro-hypertrophia, cm outro logar citada. Assim, um ruido systolico, tendo seu máximo d'intensidade no 204 ventrículo, só poderá ser attribuido com certeza a uma insufficiencia mi- tral, se ao mesmo tempo se poder reconhecer a dilatação e a hypertrophia do coração direito, assim como um reforço do segundo ruído pulmonar, sem que anteriormenta existisse nos pulmões uma alteração que se po- desse considerar como de per si só tendo produzido essas anomalias no lado direito do coração. Um ruido de sopro presystolico no ventrículo esquerdo será signal do uma stenochoria do orifício mitral, quando se demonstrar a stagnação do sangue no coração direito e nas veias peri- phericas, e o estado de plenitude nas artérias. Um sopro presystolico ou diastolico, ouvido na parte inferior do sterno, será symptoma infallivel de estreitamento ou insufficiencia tri- cuspide, se houver também uma dilatação da aurícula direita, e somente d'esta cavidade, e uma turgencia nas veias periphericas. Um ruido anormal systolico ou diastolico no nível do orifício aortico, indicando um estreitamento ou uma insufficiencia n'esse orifício, coin- cidirá com a dilatação hypertrophica do ventrículo esquerdo. A stenose ou insufficiencia no orifício pulmonar, denunciados por um ruido de sopro na base do coração, trazem comsigo a dilatação e hypertrophia do ventrículo direito. Uma fonte fecunda de valiosos dados para o diagnostico é o exame da circulação vascular. E de toda a evidencia que as moléstias do co- ração esquerdo modificam mais rapida, profunda e constantemente os caracteres do pulso arterial, do que as moléstias do coração direito. E também de facil comprehensão que nas coarctações do coração es- querdo, a pequena quantidade de sangue que pode passar pelo oYificio estreitado tornará o pulso pequeno, embora forte pelo facto da hyper- trophia secundaria; e que o mesmo succederá na insufficiencia mitral, em que -a onda sanguínea, que devia ir toda para a aorta, é repartida em duas porções, soffrendo um desfalque a columna de sangue arterial. Na insufficiencia das valvulas aorticas não complicada de estreitamento, o pulso é resultante, ou dicroto oa capricante, em virtude da força com que o sangue é impellido pelo ventrículo ordinariamente hypertro- phiado n'estes casos, e do refluxo que faz o sangue para a cavidade ven- tricular. Nas moléstias do coração direito, o exame dos ruidos, principal- mente os do pescoço, fornece phenomenos que se não observam quando a moléstia existe somente no coração esquerdo. 205 Ora são simples distensões das jugulares; ora, são verdadeiras pulsa- sões, mais ou menos notáveis, devidas ao refluxo do sangue das auricu- las para estes vasos; refluxo produzido pela força da contracção da aurí- cula dilatada e hypertrophiáda, se o ventrículo acha-se estreitado, e revelando que uma demora existe no curso do sangue venoso. Se o refluxo é presystolico, denuncia um estreitamento no orifício auriculo-ventricular, porque é na occasião em que se contrahe a aurícula que o sangue, não podendo passar todo para o ventrículo, reflue em parte para a v«ia cava superior, que, como já dissemos, não possue val- vula que se opponha ao regurgitamento. Se o pulso venoso coincide com a systole ventricular, com a pulsação carotidiana, só pode revelar uma insufficiencia triscupide, permittindo que o sangue fortemente comprimido pelo ventrículo escape em parte por aquella abertura que lhe offerece a incompleta adaptação da val- vula, e vá ter á aurícula, abalando a onda sanguínea ahi contida e fa- zendo-a subir pela veia cava até as jugulares. Se, finalmente, a turgencia das veias do pescoço coincide com um sôpro no trajecto da artéria pulmonar, sem propagar-se para as caroti- das, ha fortes motivos para pensar-se que existe uma lesão nas valvulas sigmoides pulmonares, ou no orifício correspondente. Se, porem, apezar dos meios que acabamos de expor, com o intuito de facilitar o diagnostico differencial entre as lesões orico-valvulares, o medico sentir-se ainda embaraçado, e vaciliar na duvida, deve recorrer ás lições da experiencia sobre a frequência relativa da moléstia n'esta ou n'aquella metade do coração. A este respeito referimos no começo deste capitulo os dados mais positivos, dos quaes evidencia-se que as lesões das valvulas e orifícios direitos, são incomparavelmente mais raros que os do orifício esquerdo. Se, portanto, tem-se diagnosticado a presença d'um estreitamento, ou d'uma insufficiencia e não se pode, pelos symptomas observados, conhe- cer qual o lado affectado, tem-se muita probabilidade de não errar di- zendo-se que a séde da lesão é á esquerda. Até agora temos tratado dos sopros como se n'um orifício tivesse logar somente um desses ruidos anomalos, correspondendo a um dos dous ruidos normaes. Mas, pode succeder que n'um mesmo tempo da revo- lução cardíaca, ou antes, coincidindo com um mesmo ruido normal, fa- çam-se ouvir dous ruidos de sôpro. 206 Neste caso, haverá uma lesão em dons Orifícios, ou uma dupla lesão n'um só orifício. A estas duas hypotheses são applicaveis as conside- rações que temos feito sobre a séde dos sopros, sua propagação, seus symptomas concomitantes ou consecutivas pelo lado da circulação, e sobrei localisação das modificações das paredes do coração (dilatação, hypertrophia). Assim podemos determinar qual o genero, e a séde pre- cisa da lesão combinada. Alem deste meio de diagnostico, ha o facto, estabelecido pela observa- ção, que as alterações valvulares capazes de produzir um estreita- mento, muitas vezes determinam também a insufficiencia; donde se segue que um duplo ruido de sopro indicará mais vezes uma lesão du- pla em um orifício auriculo-ventricular, e outra em um orifício arterial. Ora, os estreitamentos ventriculares muitas vezes existem sem ruidos; logo, um duplo ruido de sopro indica antes um estreitamento do orifício arterial e uma insufficiencia das valvulas sigmoides, do que uma lesão nos orifícios venosos; e, como se acha estabelecido que a frequência das lesões valvulares é maior no coração esquerdo do que no direito, a dupla lesão que figuramos, terá logar no orifício aortico, de preferencia ao orifício pulmonar. Cumpre não perder de vista que os ruidos que produzem-se em ura só e mesmo orifício do coração podem ser separados um do outro por um intervallo imperceptivel, ou podem succeder-se de modo que pa- reçam um só ruido prolongado, abrangendo o tempo da systole e o da diástole. Temos dito quanto é necessário sobre os meios physicos de que po- demos dispor para chegarmos ao diagnostico exacto e preciso de uma lesão valvular, qualquer que seja sua natureza e sua séde. Vamos agora, e para terminar o assumpto, expor succintamente o conjuncto de signaes positivos de cada uma das affecções valvulares do coração, começando pelas mais frequentes. Lesões vcdvidares do coração esquerdo InsuflicieiiCia mitral - Moléstia rara no estado de simplicidade, a insufficiencia mitral ás mais das vezes, para não dizer sempre, acompa- nha ©"estreitamento do orifício mitral; e sob esta forma complexa pode- 207 se dizer que é, não só uma das lesões valvuláres mais frequentes, como também uma das moléstias mais communs do coração. Dando em resultado o refluxo do sangue para a aurícula esquerda, a turgencia desta cavidade e consecutivamente a das veias pulmonares, que nesta terminam, a insufficiencia auriculo-ventricular esquerda de- termina um exagero na tensão dos vasos pulmonares, um accrescimo de trabalho para as cavidades direitas, e assim a dilatação, e logo depois, ou concomitantemente, a hypertrophia delias. D'ahi as mudanças de fórma e das relações do coração, e todos os signaes da hypertrophia do coração direito, verificáveis pela inspecção, apalpação, percussão e escutação, signaes que aqui não repetiremos. Quanto ao ventrículo esquerdo, tornando-se mais facil a saida do sangue por dous orifícios, do que por um só, esta cavidade não tem que dobrar de esforços para vencer uma resistência, que não existe, á sua funcção; por tanto, conservar-se-ha com as suas dimensões e força nor- maes, salvo se a insufficiencia é muito antiga e pronunciada; porque, então, a aurícula esquerda hypertrophiada e repleta expellirá para o ventrículo, durante a diástole, uma quantidade maior de sangue, que ha de obrigal-o a empregar mais energia em suas contracções. Neste easo a hypertrophia do ventrículo esquerdo junta á da aurícula es- querda e do coração direito constituem a hypertrophia total do coração, com os seus symptomas proprios. Quando começa a tornar-se insufficiente essa hypertrophia compensa- dora, a insufficiencia mitral se revela por phenomenos de stase venosa geral, distensão excessiva das veias, cyanose, catarrho chronico do esto- mago e dos intestinos, hemorrhoides, catarrho bronchico, com todos os seus signaes objeetivos e subjectivos. Este ultimo, qnando muito inten- so e prolongado, pode provocar um emphysema pulmonar, que então difficultará a determinação exacta, pela percussão, do volume do co- ração. É principalmente na insufficiencia mitral que se notam modificações importantes no rythmo dos movimentos do coração; assim, são frequen- tes as intermittencias, falsas ou verdadeiras, nas contracções ; falta de isochronismo ; series de contrhcções tumultuosas succedendo a outras muito calmas. Quanto ao pulso peripherico, só não soffrerá modificação notável, se a insufficiencia for moderada ; mas em geral elle é pequeno, porque é di- 208 minuta a quantidade de sangue que entra nas artérias ; irregular, quando o são as contracções cardíacas : intermittente, porque as vezes as contracções abortam. Mas o symptoma pathognomonico da insufficiencia mitral é o ruido de sôpro systolico, que tem a sua maior intensidade no nivel da ponta do coração, justamente no fóco de escutação do orifício mitral: elle não se propaga para os vasos arteriaes, o que o distingue sufficientemente do sôpro devido ao estreitamento aortico, que se produz no mesmo tempo, e dos sopros anorganicos; é acompanhado de frémito felino ou sensação de rosnadnra de gato, ás vezes muito intensa, sensível á pal- pação. O sôpro ás vezes existe só, ás vezes acompanhado d'um ruido normal, que pode resultar da propagação do primeiro ruido tricuspide, ou de- pender da própria valvula, quando ella não está completamente alte- rada e restam ainda partes susceptiveis d'uma vibração. As vezes o ruido anormal é curto, e então se observa o pequeno si- lencio que o separa do ruido normal; outras vezes prolonga-se, ligando- se ao segnndo ruido normal, ou mesmo chegando a cobril-o em parte. Por ultimo, não esqueçamos que o sôpro da insufficiencia mitral pode faltar alguma vez, por uma excepção rara, e então uma de duas con- dições produzirá esse resultado: primeira, intensidade medíocre da in- sufficiencia, estando normal o orifício aortico, de sorte que o refluxo se faça em pequena quantidade ; segunda, insufficiencia da força contra- ctil do ventrículo esquerdo. Stenose mitral - Uma das lesões mais frequentes dos orifícios car- díacos, esta moléstia raramente existe isolada ; ordinariamente é acom- panhada da insufficiencia mitral, o que certamente complica o diagnos- tico, sem, comtudo, impossibilita-lo. É uma consequência necessária do estreitamento mitral, que uma quantidade de sangue fica detida na aurícula, pela impossibilidade de passar toda a onda sanguiuea em um tempo dado , para o ventrículo. D'ahi, os mesmos resultados para a circulação pulmonar e para o cora- ção direito, que se dão na insufficiencia mitral; mas no estreitamento» mesmo pouco considerável, estas alterações secundarias e seus effeitos ulteriores são muito mais pronunciados que na insufficiencia. Em quanto se desenvolvem as dilatações e hypertrophias nas outras 209 tras cavidades do coração, o ventrículo esquerdo, tendo uma menor quantidade de sangue sobre que reagir, diminue sua cavidade propor- cionalmente á diminuição de seu trabalho, por força da contractilidade tónica. Esta circumstancia torna mais salientes os signaes physicos da hypertrophia das cavidades direitas. Pelo lado da circulação geral, a consequência que deriva do estrei- tamento mitral é a ponca tensão do sangue no systema arterial, engor- gitamendo e distensão exagerada do systema capillar geral e venoso, com todas as suas consequências sobre todos os orgãos e suas funcções. A tensão venosa pode chegar a tal ponto, que tornando-se um obstáculo á circulação arterial peripherica, determine uma hypertrophia no ven- trículo esquerdo. Mas estes casos são exccpcionaes. A fraca tensão arterial, consequência da menor porção de sangue ex- pedido pelo ventrículo esquerdo, e a irregularidade e arhythmia dos batimentos cardíacos, não podem deixar de imprimir no pulso as mes- mas anomalias que produz a insufficiencia mitral : pequenez, irregula- ridade e intermittencia. Diz Marey que quando o estreitamento é mui pronunciado para ori- ginar um sôpro diastolico, (Marey diria melhor - presystolico) não ha irregularidade do pulso. Comprehende-se que a força da aurícula sendo bastante enérgica para produzir o ruido do sopro, o seja também para enviar ao ventrículo uma quantidade de sangue sufficiente para não se darem anomalias notáveis no pulso. Até agora, porem, os symptomas a que nos temos referido não podem dar-nos a certeza de que se trate d'uma stenose no orifício mitral. Esta moléstia tem o seu signal pathognomonico no ruido de sopro mais ou menos forte que se percebe na presystole de Gendrin, com o máximo de intensidade no fóco do orifício mitral, e que é acompa- nhado do frémito vibratório, mui pronuneiado. Segundo as condições da formação do ruido de sopro presystolico, vê-se que não havendo outra complicação no orifício mitral, o pri- meiro ruido normal do coração se fará ouvir distinctamente na ste- nose mitral : apenas elle soffrerá uma ligeira modificação em seu tom, ficando mais ou menos surdo, abafado, em consequência da diminui- ção da cavidade ventricular e do conchegamento de suas paredes, e de nao ser a contracção do ventrículo bastante energica para fazer vibrar fortemente a valvula. 210 O ruido de sôpro pre-systolico não é symptoma infallivel, com quanto seja pathognomonico, da coarctação mitral.. A sua ausência, facto raro aliás, tem sido notada somente em dous casos: Io quando o estreita- mento é mui pouco considerável; 2o quando é pouco euergica ou nulla a contracção auricular, o que succede no ultimo periodo da asystolia. D'aqui infere-se que da intensidade do ruido de sopro não se pode concluir bem para o grau do estreitamento. É facto muito commum encontrar-se um desdobramento do segundo ruido do coração no estreitamento mitral, quando nenhum ruido anor- mal denuncia esta lesão. O desdobramento é ouvido na ponta do cora- ção; ahi percebem-se tres ruidos, cuja successão faz lembrar o galope do cavallo, ou o rufar do tambor, ou ainda as puncadas do malho sobre a bigorna. Tratando do ruido do galope que ás vezes se ouve na pericardite, estabelecemos as differenças entre este e o da stenose mitral. Disse- mos então que no caso vertente o ruido de gallope é assim formado : primeiro ruido normal; pequeno silencio; segundo ruido normal; um ruido addicional inteiramente semelhante ao segundo physiologico, um estalo. Para explicar a producção desse galope, auctores conside- ram-n'o como resultado da vibração successiva e não mais simultânea, das valvulas semi-lunares dos dous corações, as quaes soffrem pressões desiguaes depois da systole, quando o sangue tende a refluir ; sendo que a pressão mais fraca, que no caso em questão é a da aorta, retarda a vibração das valvulas semi-lunares. Mas então, perguntamos nós, porque esse desdobramento é percebido com toda clareza na ponta do ventrieulo esquerdo ? Outros admittem a falta de isochronismo ná contracção dos dous ventriculos, dependente, por sua vez, da falta de isochronismo na ro- plecção das duas cavidades. Mas esta explicação não é sufficiente, por- que, como observa Jaccoud, muitas vezes ouve-se o ruido de galope na ponta do coração, ao passo que se ouvem no fóco da escutação do ori- fício tricuspide, ruidos normalmente rhythmicos. Jaccoud explica a apparição do ruido de galope no segundo tempo, dizendo que o desdobrameoto effectua-se mesmo dentro do ventrieulo. O segundo ruido ventricular esquerdo, diz elle, é composto de dous elementos: um propagado, que é a vibração das valvulas sigmoides aor- 211 ticas, e outro nascido in loco, que é o choque do sangue sobre a parede do ventrículo no começo da diástole. No estado physiologico estes dous elementos são perfeitamente fundidos em um só ruido ; mas se o orifício está estreitado, o segundo elemento pode atrasar-se ao primeiro, que não soffre influencia da parte da lesão, e encontra-se então um duplo ruido, emquanto no ponto de escutação do ventrículo direito se nota somente um. Mas esta explicação faz suppor que a entrada do sangue no ventrículo seja acompanhada normalmente d'um ruido ; o que não succede, como já vimos, quando mostramos não ser admissível o ele- mento nascido in loco apresentado por Jaccoud, para o segundo ruido ventricular. r A questão acerca do mechanismo do desdobramento acha-se ainda sbujudife. As explicações apparecem, mas as duvidas subsistem de pé. Se nos fosse permittido aventurar uma idéa sobre este assumpto, nós diríamos : A rectractilidade natural da parede auricular, fortemen- te distendida no caso de estreitamento mitral, poderá talvez, indepen- dentemente e antes da contracção, fazer que durante a diástole, quando abaixa-se a valvula auriculo-ventricular, o sangue existente em grande quantidade na aurícula penetre no veutriculo com uma força maior que no estado normal, e capaz de produzir um ruido de choque, que se manifesta depois da propagação de segundo ruido arterial do ventrículo. O que nos parece apoiar este modo de considerar, é que em muitos casos em que se ouve no nivel do ventrículo esquerdo o ruido dia- stolico desdobrado, nota-se que elle transforma-se em um ruido de sôpro perfeitamente distincto quando as contracções cardíacas têm sido acceleradas e reforçadas por movimentos rápidos. Nestes movi- mentos a respiração accelerando-se, o coração direito trabalhando com actividade maior, a turgencia na aurícula esquerda deve augmentar, e a retractilidade manifestar-se mais notoriamente pela' queda mais rapida do sangue atravez do orifício coarctado. Não temos a pretenção, que seria stulta, de apresentar nas palavras que balbuciamos a medo, a explicação de um facto que constitue um dos problemas de mais diíficil solução das moléstias organicas do cora- ção. Apenas emittimo». um modo de pensar todo individual, e por cuja veracidade não pugnamos. 212 Insufficieneia com estreitamento mitra] - Já tivemos occasião de fazer notar a extrema frequência da combinação d'estas duas mo- léstias, e dizer que ella constitue a grande maioria das lesões val- vulares. Pode-se dizer, em geral, que os phenomenos funccionaes determina- dos por uma d'estas lesões são aggravados pela outra. Se a stenose mitral produz a stagnação do sangue na cavidade que precede o orifício, a insufficieneia a reforça, produzindo o refluxo de sangue para a aurícula; d'esse poucó sangue, que tem chegado ao ventrí- culo; e assim existe uma dupla causa de diminuição na tensão arterial e augmento na venosa. Felizmente, por uma disposição que não sabemos se será providen- cial, ha em geral, entre o grau da stenose e o da insufficieneia, uma relação tal, que quanto mais considerável é a primeira, tanto menos o é a segunda, e reciprocamente. Não ha lesão alguma cardíaca em que as pancadas do coração sejam mais irregulares e tumultuosas, do que na insufficieneia com estreita- mento mitral. O pulso conserva os caracteres do estreitamento simples, porem exagerados. Os phenomenos physicos d'essa dupla lesão do orifício mitral são a reunião dos que se encontram em cada lesão isolada; isto é, os signaes da hypertrophia secundaria; podendo o ventrículo esquerdo ser ou não atrophiado, ou até hypertrophiado com as demais cavidades, conforme o grau da stenose. Além disso, no nível da parte inferior do ventrículo esquerdo se perceberá, pela apalpação, um duplo frémito vibratório, ao qual cor- responde, pela escutação, um duplo ruido de sopro, um systolico e outro diastohco, ou antes - presystolico; o primeiro, mais prolongado, mais forte que o segundo, e denunciador da insufficieneia. O sopro presystolico, annunciador do estreitamento, às vezes continua dire- ctamente com o sopro systolico, podendo ambos formar um só ruido de sopro : de modo que um sopro começando um pouco antes da systole e acabando com o segundo ruido normal do coração, é sym- ptoma quasi pathognomonico da insufficieneia mitral com estreita- mento. 213 Ás vezes falta o ruido presystolico e só se ouve o systolico : isto depende da pouca energia com que o sangue é lançado da aurícula para o ventrículo. Outras vezes o sopro que falta no estado de re- pouso se manifesta sob a influencia de excitações vivas e esforços violentos. Insufficiencia das valvulas aorticas, doença de Corrigan - Na insufliciencia aortica o ventrículo esquerdo é a séde das primei- ras alterações consecutivas, dilatação e hypertrophia, podendo ambas chegar a um grau considerável. Quanto á aurícula esquerda e á circulação pulmonar, sobre a qual vimos a influencia decisiva e fatal que exercem as lesões mi- traes, a insufliciencia não influe de modo notável sobre essa parte do apparelho da circulação, porque o escoamento do sangue da aurícula es- querda e das veias pulmonares, durante a diástole do ventrículo, não é essencialmente embaraçado. Em consequência da dilatação da cavidade ventricular esquerda, o septo inferventricular, que constantemente participa da hypertrophia, az uma saliência para o interior do ventrículo direito, cuja cavidade ffica estreitada em grau elevado. D'aqui resulta um obstáculo à depleção da aurícula direita e das veias cavas. Notam-se então os phenomenos de uma stase venosa com dilatação das veias periphericas. Todavia, estes phenomenos não attingirão nunca uma intensidade comparável á que habitualmente apresentam nos casos de stenose mitral adiantada. Por este rápido esboço pode-se já prever quaes sejam os symptomas physicos e funccionaes da insufficiencia aortica confirmada. Serão todos os signaes da hypertrophia excentríca do ventriculo esquerdo, verificá- veis pelos meios diversos de exploração. Alem dos symptomas da hypertrophia, a apalpação faz descobrir em alguns casos, e na base do coração, o importante phenomeno vibratório denominado rosnaãura de gato ou frémito felino. Segundo alguns auctores, esse symptoma é raro na insufficiencia aorti- ca; tão raro, que Hope não o observou em caso algum desta moléstia. Segundo o dr. Alvarenga, esse phenomeno existe em dous quintos dos casos. Os mais importantes symptomas da insufficiencia aortica e sobre os quaes baseia-se o diagnostico, são os fornecidos pela escutação. 214 Nesta moléstia ouve-se, no foco do orifício aortico, istoé, no segundo espaço intercostal direito, junto ao bordo sternal, um sopro diastolico, que se propaga principalmente na direcção da aorta. Na generalidade dos casos, ó um sopro brando de caracter aspirativo, variando de inten- sidade e duração; mas, em geral, prolongado. Friedreich faz notar a grande uniformidade que apresenta o sopro da insufficiencia aortica relativamente, ao seu tom e ao seu caracter. Assim emquanto o ruido anomalo da- insufficiencia mitral apresenta, sob este ponto de vista, notável diversidade, sendo, ora um sopro brando, ora sibilante, o sopro da insufficiencia aortica representa, quasi constante- mente, um ruido surdo, bem prolongado, de modo que um ouvido exercitado pode, em geral, diagnosticar a séde da lesão somente pelo caracter do ruido, abstrahindo do ponto a que corresponde o seu má- ximo de intensidade. Não havendo estreitamento concomitante, o primeiro ruido conser- va-se normal, salvò se houver ao mesmo tempo, como não é raro dar-se nos indivíduos velhos, uma dilatação da aorta ascendente com atheroma de suas paredes. Quanto ao segundo ruido normal aortico, elle pode faltar inteira- mente, ou ser ouvido no começo do ruido de sopro. Tem-se dito que no primeiro caso as valvulas sigmoides estão alte- radas em sua totalidade e incapazes de vibrar produzindo um ruido; e que no segundo somente uma parte delias está modificada, podendo vibrar como normalmente. Mas esta explicação não satisfaz, porque no primeiro caso pode o ruido normal ser coberto pelo ruido de sopro; e no segundo pode o ruido normal das valvulas pulmonares propagar-sc ao orifício aortico. A explicação poderá ser acceita quanto á segunda parte, quando o ruido normal fôr ouvido nas cavidades, porque nunca o segundo ruido pulmonar se propaga até ás artérias do pescoço. Muito importantes, como auxiliares para o diognostico, são os dados colhidos do exame dos vasos arteriaes. Quando a aorta ascendente está dilatada, pode-se muitas vezes apre- ciar, pela vista e pelo tacto, suas pulsações no nivel do bordo superior do manubrio sternal acima da forquilha do sterno. Nas carotidas ouvem-se dous ruidos de sopro : o primeiro, prolon- gado, systolico relativamente ao coração ; o segundo, diastolico ; o pri' 215 meiro, devido á falta de relação entre o calibre da artéria e a onda superabundante lançada pelo ventrículo excessivamente hypertrophiado; o segundo, devido á propagação do sopro cardíaco diastolico. Este sopro duplo pode ser mesmo observado em artérias mais afas- tadas do coração ; e, não lia muito, Duroziez (*) chamou a attenção dos práticos sobre um ruido sonoro, intenso, ouvido sobre a artéria crural no momento de sua pulsação, o qual se transforma em sopro muito distincto, quando com o stethoscopio se exerce uma pressão ligeira sobre o vaso. Augmentando-se a pressão, pode-se ouvir um sopro curto, sonoro, correspondente á systole vascular ; de modo que a artéria torna-se então a séde de um ruído de sopro duplo, chamado por Duroziez duplo sopro intermittente crural, e que para este auctor tem importância pathognomonica para o diagnostico da insufíicieneia aor- tica. Segundo Friedriech, este phenomeno se observa em toda sua pu- reza quando a insufíicieneia aortica é isenta de complicações, e quando é sufficiente a energia das contrações cardíacas. Para Dnroziez, como para Friedreich, o segundo ruido crural não é ruido propagado da aorta, como pensam outros pathologistas ; é, sim, devido ao movimento retrogrado do sangue no interior do vaso, movi- vimento tanto mais facil quanto mais pronunciada é a insufíicieneia. Para o professor de Heidelberg o duplo sopro crural é pathognomo- nico da insufíicieneia aortica. Elle affirma também ter encontrado o duplo ruido de sopro nas artérias axillares. Vem aqui a pello fazer conhecida a opinião de um dos mais distinctos cardio-pathologistas modernos, o dr. Alvarenga. Segundo este clinico, o primeiro ruido crural manifesta-sc em muitas aífecções ; é frequente nas convalescenças longas e mesmo no estado de saude, comprimindo-se a artéria ; a observação clinica mostra que elle falta ordinariamente no começo da insufíicieneia aortica. Dando maior valor ao segundo ruido crural, do que ao primeiro, no diagnostico da insufíicieneia aortica, o dr. Alvarenga julga-o, comtudo, inferior ao segundo ruido das caroti- das e da subclavia nesta moléstia, o qual, alem de ser espontâneo, não precisa, para ser ouvido, da compressão sobre o osso eé sempre mais in- tenso do que o segundo ruido crural. Finalmente, para o dr. Alvarenga, o duplo sopro crural de Duroziez é um symptoma importante, significa- (*) Archives générales de médécine, Avril et mal- 1861. 216 tivo, em razão do segundo ruído arterial; mas não é um signal patho gnomonico, em todo o rigor da palavra, da insufficiencia aortica. Outro facto notável na insufficiencia aortica, é que a polpa do dedo applicada sobre os troncos arteriaes volumosos, principalmente os do pescoço, sente, muitas vezes, um frémito vibratório analogo ao frémito felino da região precordial. Querem alguns auctores que este phenome- no dependa de rugosidades na superfície interna das artérias doentes ; outros, do volume excessivo da onda sanguínea e do attrito exagerado, que d'ahi resulta ; outros, finalmente, o attribuem á rigidez das artérias a qual difficilmente lhes permitte acompanhar a diminuição repentina da columna sanguínea, e as faz por isso vibrar. Um phenomeno também importante é a disposição sinuosa das arté- rias, notável, principalmente nos ramos superficiaes, como a temporal, a radial, etc. A esta disposição ajuntam-se pulsações intensissimas Este phenomeno é muito pronunciado nas carotidas, que mu itas vezes batem com tanta força, que todo o pescoço e até a cabeça soffrcm um abalo. Este signal, segundo Friedreich, póde fazer diagnosticar com certeza a natureza da lesão cardíaca. As pequenas artérias dilatam-se tanto, que seu volume é quasi duplo do normal, e as pulsações tornam-sc muito apparentes. É o que succede com a pediosa, as collateraes dos dedos, etc. Todos estes phenomenos dependem da extraordinária força de impulsão do ventrículo esquerdo hypertrophiado. Além do exagero da força e dureza do pulso, facto assignalado por. Kreysig como um symptoma da insufficiencia aortica, ha no pulso uma outra particularidade caracteristica e que merece um logar ao lado do sopro diastolico da base. O pulso é cheio, largo, desenvolvido, porem molle. Apenas é disten- dida, immediatamente a artéria deprime-se ; depois de bater violenta- mente nos dedos do observador, a onda sanguínea como que foge ; c a queda do pulso parece tanto mais profunda, quanto mais forte tem sido a impulsão. Este phenomeno, que constitue a retrocedencia do pulso, é chamado pulso de Corrigan, nome do primeiro]medico que lhe de- screveu os caracteres. Elle tem sua razão de ser na perturbação funccio- nal das valvulas aorticas. Estando estas insufficientcs, a resistência que ellas oppõem á regorgitação do sangue, durante a cliastole, desapparecc toda, ou em parte. Com o refluxo do sangue diminue rapidamente a 217 tensão forte arterial, e com a masma rapidez dá-se a retracção elastica das paredes arteriaes. O traçado sphygmograpnico reproduz fielmente os caracteres do pulso de Corrigan: muitas vezes só elle basta para que se possa diagnos- ticar com certeza a insufficiencia aortica. A linha de ascensão, vertical, exprime a espontaneidade da pulsação. A linha de descida, muito obli- qua, indica a rapidez da retracção arterial. A reunião das duas linhas superiormente, em angulo muito agudo, representa a rapidez com que a retracção succede á dilatação da artéria. A grande distancia entre a linha que une os vertices das nulsações, e a que une as bases, indica a amplidão do pulso. Convém saber, entre- tanto, que o traçado sphymographico da insufficiencia aortica pode ser modificado por mais de uma circumstancia - debilidade do indivíduo, ligeiro estreitamento acompanhando a insufficiencia, coincidência de uma insufficiencia mitral ou tricuspide. Estreitamento aortieo - Como na insufficiencia do mesmo orifício, os symptomas d'esta lesão ou dependem directamente do estreitamento, ou resultam de alterações secundarias. Tendo por efieito necessário a depleção incompleta do ventrículo esquerdo, o estreitamento aortieo produz necessariamente a dilatação e a hypertrophia das paredes dessa cavidade: portanto, encontraremos ainda na stenose aortica todos os symptomas physicos da hypertro- phia excêntrica do coração esquerdo. Mais tarde, tornando-se a hypertrophia insufficiente para compen- sar o obstáculo que o sangue encontra- ao seu curso no orifício arterial estreitado, a repleção exagerada do ventrículo esquerdo trará uma di- latação e hypertrophia secundarias da aurícula esquerda e do coração direito, com stase venosa na pequena e na grande circulação, diminuição no conteúdo da arvore arterial, cujos ramos se estreitam, c todas as consequências já sabidas d'esta oligohemia. Estas perturbações são muito mais pronunciadas na coarctação do orifício aortieo, do que em nenhum outro caso de lesão orico-valvular, porque sempre, na que nos occupa, a compensação da hypertrophia é muito menos completa. Effectivamente o ventrículo esquerdo, isto é, a porção mais importante do coração, tem que luctar não só contra o excesso de sangue que contém, como ainda contra um obstáculo perma- nente ao seu esvasiamento completo. Quanto aos signaes proprios do estreitamento aortico, elles são for- necidos pela escutação e pelo exame das artérias. Escutando-se na terceira articulação chondro-steinal esquerda, corre- spondente ao orifício aortico, assim como no segundo espaço intercostal direito junto ao bordo sternal, ponto que corresponde á aorta ascendente, ouve-se um ruido de sopro systolico, variavel em sua duração, ordinaria- mente muito intenso, áspero, imitando o ruido da grosa sobre a madei- ra, ou estridente, sibilante, analogo a um canto monotono, propagando- se com intensidade notável nas grossas artérias do pescoço e até em arté- rias mais afastadas do coração (**) As vezes é tão forte esse ruido, que faz-se ouvir no nivcl dos outros orifícios cardiacos, mesmo em toda a extensão do thorax, e chega a substituir completamente o primeiro ruido aortico normal, podendo até ser ouvido á distancia. Esse ruido aortico é acompanhado, ás vezes, pelo frémito felino. O segundo ruido aortico ordinariamente é indistincto, fraco, podendo até desapparecer quando se produz immediatamente o sopro systolico. Isto depende de que as mesmas alterações que determinam a stenosc, impedem as valvulas de vibrar como normalmente. Como, em geral, existe uma insufficiencia concomitante, ouve-se mui- tas vezes um ruido do sopro diastolico. O segundo ruido ventricular esquerdo é fraco, ou não existe quando ha uma insufficiencia aortica. Segundo o grau do estreitamento, as artérias apresentam um pulso pequeno e ao mesmo tempo duro, em quanto a hypertrophia mantém a tensão arterial. O pulso é também regular, porque sendo livre o afíluxo do sangue da auricula para o ventrículo, e passando sempre uma certa quantida- de de sangue pelo orifício aortico, não ha condições productoras da ir- regularidade do pulso ; isto é, nem o ventrículo se contrahe vasio, nem aborta contracção alguma. Além d'este caracter, o pulso tem o da lentidão, devido a que o ven- trículo esquerdo levando algum tempo em vencer o obstáculo opposto pelo estreitamento, a diástole arterial faz-se progressivamente. 218 (*) Segundo Niemeyer. essa propagação nem sempre se produz. 219 No traçado sphymographico a linha de ascenção, em vez de ser ver tical, como na insufliciencia, é curva e obliqua, exprimindo o tempo que a dilatação do vaso gastou para chegar ao seu máximo. Em logar do- angulo agudo dos vertices de ascenção, ha um angulo curvelineo muito aberto, a que-Marey chama-plafeav. Quando a compensação torna-se incompleta, desapparece a dureza do pulso, que torna-se então molle, pequeno, filiforme, tanto mais quanto mais considerável é o estreitamento. Insufliciencia com estreitamento aortico - Estas duas alterações encontram-se mais vezes insuladas do que as correspondentes do orifí- cio mitral: todavia, sua existência não é rara. Felizmente, verifica-se ainda aqui a lei de physio-pathologia que ci- tamos a proposito da dupla lesão do orifício mitral: quanto mais con- siderável é a insufliciencia, menos pronunciado é o estreitamento, e re- ciprocamente. Os symptomas physicos desta lesão dupla representam a somma dos symptomas physicos de cada uma delias. Alem dos signaes de hypertrophia muito pronunciada, principal- mente á esquerda, ha um duplo ruido de sopro, ruido de fluxo e refluxo, tendo ambos o seu máximo d'intensidade no fóco de escutação do orifício aortico : o primeiro ruido é curto, semelhante ao de grosa; propaga-se nos grossos vasos e é acompanhado de uma rosnaãura de gato bem pronunciada ; o segundo ruido é brando, prolongado, aspira- tivo, e propaga-se ás diversas artérias : o primeiro sôpro, que é systo- lico, indica a stenose; o segundo, a insufliciencia. O pulso offerece os caracteres reunidos do estreitamento e da insuf- ficiencia, predominando aquelles cuja causa fôr mais pronunciada. Sc o grau do estreitamento é superior ao da insufliciencia, o pulso é pequeno e lento ; se predomina a insufliciencia, elle é rápido, saltitante, re- trocedeu te. Lesões complexas dos apparelhos ralvulares esquerdos Tendo ordinariamente por ponto de partida uma endocardite, as lesões complexas dos apparelhos valvulares mitral e aortico, são factos muito 220 frequentes. Sempre fataes as consequências finaes de todas essas com- binações, algumas vezes ellas se corrigem e outras se aggravam reci- procamente. Não se deve perder de vista que por mais complexa que seja a asso- ciação das lesões valvulares entre si, cada uma d'ellas conservará os caracteres acústicos pelos quaes se revelará ao medico. Particnlarisemos o estndo d'estas combinações. Iiisufficiencia mitral com estreita mento aortico - A combinação d'estas duas lesões forma o typo d'aquellas em que as affecções valvu- lares se aggravam reciprocaraente. Os effeitos nocivos da insufficiencia mitral ajuntam-se aos da stenose arterial esquerda, porque a regorgita- ção do sangue do ventrículo para a aurícula se fará em tanto maior es- cala, quanto maior fôr o obstáculo que á sua passagem offereça o orifí- cio aortico ; e tanto mais difficil será esta passagem, quanto mais facil- mente o sangue refluir para a auricula. Accrescente-se a tudo isto a força do ventriculo esquerdo, sempre hypertrophiado nestes casos, e ter-se-ha o porque na combinação mórbida de que tratamos as pertur- bações secundarias se declaram com rapidez maior. Como symptoma physico da insufficiencia mitral com aperto do ori- fício aortico, ouvem-se, na região precordial, dous ruidos de sopro systolicos, que se distinguem bem pelos pontos em que se faz perce- ber sua maxima intensidade, e por seus caracteres difíerentes ; indi- cando ura d'elles a insufficiencia do orifício auriculo-ventricular es- querdo e o outro a coarctação do orifício aortico. A esses dous sopros podem corresponder dous frémitos, também distinctos por sua sede. A força do pulso varia segundo o grau do estreitamento aortico. Sc este é pronunciado, o pulso torna-se muito pequeno, e tanto mais, quan- to o refluxo para a auricula fôr mais facil. Stenose mitral com insuflicieiicia aortica - Esta combinação, que não é rara, serve de typo áquellas em que uma das lesões compensa, até certo ponto, os effeitos da outra, tornando-se salientes os symptomas da lesão predominante. Quando ellas se acham em proporção, o estrei- tamento mitral, tendendo a produzir uma atrophia concêntrica do ven- trículo esquerdo e a insufficiencia aortica, pelo contrario, tendendo a pro- duzir a hypertrophia excêntrica do mesmo ventriculo, estes dous ef- 221 feitos se neutralisam mutuamente. Não se desenvolve uma atrophia notável, nem'uma hypertrophia considerável do ventrículo esquerdo* Se a stenose'mitral chega a um grau elevado, a hypertrophia do ventrículo esquerdo, não poderá, apesar da insufficiencia aortica, attin- gir consideráveis proporções, porque a aurícula correspondente enviará pouco sangue; mas se a stenose mitral é pouco notável, os effeitos de uma insufficiencia aortica predominante traduzem-se por uma hyper- trophia excêntrica, bem manifesta, do ventrículo esquerdo. O signal caracteristico desta dupla lesão deve ser theoricamente de- duzido da presença de dous ruídos de sopro, tendo seu máximo de in- tensidade em dous pontos differentes da região precordial: um d'elles diastolico, denunciando insufficiencia aortica com os caracteres preceden- temente descriptos ; o outro, presystolico, denunciando o estreitamento mitral, correspondendo a secção inferior do ventrículo esquerdo. Mas, na pratica, ao passo que o sopro aortico diastolico existe sempre, os phe- nomenos acústicos do estreitamento auriculo-ventricular esquerdo fal- tam muitas vezes, e em outras são de muito difficil apreciação. Acompanhando os dous ruidos de sopro, percebem-se algumas vezes dous frémitos nos pontos correspondentes aos dous orifícios lesados. Quando as duas lesões compensam-se, o pulso não tem a amplidão nem a depressibilidade do pulso de Corrigan, nem tão pouco, a pequenez e a irregularidade do pulso do estreitamento. Quando não ha compen- sação reciproca das lesões, o pulso apresenta os caracteres que tem na lesão predominante. Dupla insufficiencia aortica e mitral - Esta combinação pertence ao numero d'aquellas em que as lesões combinadas se aggravam reci- procamente. O ventrículo esquerdo é constantemente a séde de uma hy- pertrophia considerável, bem como a aurícula esquerda e o coração direito. O sopro mitral systolico offerece, como sempre, seu máximo de in- tensidade no nivel da base do coração. Applicada sobre estes dous pontos, a mão percebe em muitos casos um frémito felino duplo e inter- mittente. Como, em geral, nesta combinação predominam os caracteres da in- sufficiencia aortica, o pulso apresenta todas as particularidades ja in- dicadas a proposito desta ultima affecção. 222 Dupla stenose aortica e mitra] - Esta associação é ainda do nume- ro das cm que as lesões aggravam-se reciprocamente, por isso que nelln em vez de um, existem dous obstáculos ao livre curso de sangue. O ventrículo esquerdo é a séde de uma atrophia concêntrica nos casos cm que o estreitamento mitral é o que predomina; mas se o mais- pronun- ciado é o estreitamento aortico, ou se elle chega a um certo grau, o ventrículo esquerdo pode hypertrophiar-se excentricamente cm certos limites. Os effeitos produzidos sobre a aurícula esquerda e o coração direito, dependem principalmente do grau do estreitamento auriculo-ventricular. A escutação descobre o sopro diastolico da stenose mitral e o systo- lico da stenose aortica nos focos de escutação habituaes dos dous orifícios. O pulso apresenta os caracteres do pulso do estreitamento mitral ou do estreitamento aortico, segundo a lesão mais pronunciada. Lesões valvulares do coração direito Muito menos frequentes do que as do coração esquerdo, as affecções valvulares do coração direito localisam-se principalmente na valvula tri- cuspide e são muito raras nas valvnlas pulmonares. Estas lesões têm, de mais, a particularidade de se desenvolverem, em geral, depois de estarem affectadas as valvulas esquerdas. Segundo Friedreich, é rarismo encontrar-se uma ou outra das val- vulas do coração direito affectada insuladamente. Insufficiencia (la valvula tricuspide - O resultado immcdiato desta lesão é a dilatação da auriculadireita, e como é imperfeita, pelo refluxo do sangue, a evacuação das veias cavas, ha um exagero de pressão no systema venoso, com todas as suas consequências naturaes. O ven- trículo direito debilita-se e hypertrophia-se, sob a influencia da lesão valvular, do mesmo modo que o esquerdo na insufficiencia mitral. Como, na generalidade dos casos, uma lesão da valvula mitral coincide com a insufficiencia tricuspide, é impossível determinar-se em um caso dado, a qual das duas lesões, direita ou esquerda , é devida a hypertro- phia do coração direito. É principalmente no orifício tricuspide que se dá a insufficiencia chamada relativa, a qual se desenvolve quando por uma grande dilata- ção do coração direito, o annel de inserção da valvula dilata-se a ponto de não poder mais ella obturar completamente o orifício. O diagnostico da insufíiciencia tricuspide basêa-se na percepção de um sopro systolico, acompanhado ou não de um ruido normal, tendo seu máximo de intensidade na parte inferior do sterno, no foco de au- dição do ruido ventricular direito. Um outro symptoma que se tem querido considerar como caracteris- tico da insufíiciencia tricuspide, é a pulsação das veias do pescoço; mas Fricdrcich nega-lhe esta importância, dizendo que uma insufíiciencia tricuspide pode existir sem pulso venoso, quando as valvulas das veias cervicaes têm conservado a sua faculdade normal de impedir o refluxo do sangue. Por outro lado, um verdadeiro refluxo para as veias do pes- coço póde muito bem se dar, quando mesmo se faça normalmente a oc- clusão do orifício tricuspide. Neste caso, o abalo que soffre a onda san- guínea ventricular, durantS a contracção, communica-se atravez da val- vula á onda auricular, podendo estender-se até á columna de sangue da veia cava superior. Comtudo, Friedreich não nega que sejam de grande valor para o diagnostico da insufíiciencia tricuspide as pulsações intensas das velas jugulares, porque pulsações tão violentas só podem ser deter- minadas pela força de impulsão directa do ventrículo direito. Bamberger insiste sobre a dilatação do pulso venoso da jugular e o estado das valvulas jugulares, como tendo o mesmo valor que o bulbo venoso do pescoço, antes do qual apparecem aquelles signaes. As valvulas das veias jugulares estão collocadas, ordinariamente, por detraz da articulação sterno clavicular ; o bulbo venoso é situado ain- da mais profundamente, pois é formado pela porção do vaso que fica abaixo das valvulas. Para que o bulbo possa chegar até a região super-clavicular, é pre- ciso que soffra a pressão de uma onda retrograda, e se alongue. As val- vulas venosas necessariamente seguem este movimento ascencional: en- tão, pode-se ver o bulbo entumecer-se, c pode-se ouvir o estalo das vai vulas venosas á cada systole. Este phenomeno, tem pois, grande valor, porque só pode annunciar uma insufíiciencia da valvula tricuspide. Um dos signaes mais certos da existência de uma insufíiciencia tri- cuspide, é a pulsação das veias hepaticas, produzindo o phenomeno cha- 223 224 mado pulso venoso hepático, em consequência do refluxo sanguíneo para a veia cava inferior, pelas contrações do 'ventrículo direito. Os auctores que têm tratado dos batimentos do fígado, indicam como causa unica desse batimento a insufficiencia tricuspide. Mas, segundo o dr. Mahot, que sobre este assumpto escreveu uma boa monographia, o estreitamento do orifício tricuspide, moléstia rara, aliás, pode produzir batimentos do fígado, apreciáveis pela mãb. « Todavia, accrescenta o auctor, parece-nos indispensável, para que os batimentos tenham uma certa energia, que haja-ao mesmo tempo que o estreitamento auriculo- ventricular direito, uma dilatação da aurícula com hypertrophia consi- derável de suas paredes (*) » Neste caso os batimentos do fígado serão presystolicos e assim farão distinguir o estreitamento da insufficiencia tricuspide. Segundo Mahot, (**) na insufficiencia tricuspide os batimentos hepá- ticos, que são ordinariamente simples, podem ser duplos e dicrotos; em alguns casos, manifestam-se antes da appanção do pulso venoso das ju- gulares: o que se explica pela maior facililidade do refluxo do sangue para as veias super-hepaticas, nas quaes não existem valvulás, como não existem na cava inferior , ao passo que as valvulas existentes na embocadura das jugulares internas, impedem por algum tempo a regor- gitação do sangue da veia cava superior até ás cervicaes. Diz ainda Mahot, que o pulso da veia hepatica apparece mesmo antes da pul- sação do bulbo da veia jugular interna ; pulsação a que Bamberger deu importância pathognomonica, e Friedreich, em escriptos que publicou em 1865 e 1866 nos Archives génèrales de clinique mèdicale, em Lcipzig, affirma que os batimentos hepáticos são um signal da insufficiencia tri- cuspide, quando esta affecção não revela-se ainda por nenhum dos si- gnaes bem significativos que mais tarde caracterisam-n'a. De um caso que observou, Mahot conclue admittindo a possibilida- de de um pulso hepático presystolico, no estreitamento tricuspide, quãn do ha uma contracção exagerada da aurícula direita. Os outros ruídos do coração não apresentam na insufficiencia tricus- pide, anomalia notável ou essencial, senão quando existe uma altera- ção simultânea das outras valvulas, ou quando o sopro tricuspide pro- (•) Dos battements du fole dans 1'insuffisance tricuspide-Thèse pour le doctorat, par Maurice Françols Mahot -Paris, 1869-pag, 41. (**) Op. Clt. 49. 225 paga-se até os outros orifícios do coração, encobrindo os ruidos normaes que n'elles produzem-se. Não deve admirar o ouvir-se n'uma insufficiencia tricuspide, sem com- plicações, o segundo ruido arterial direito mais ou menos fraco do que normalmente, segundo o grau da insufficiencia e a quantidade do san- gue refluente. Este phenomeno constitue um signal importante para o diagnostico da insufficiencia tricuspide, quando existe uma stenose mi- tral e ao mesmo tempo um ruido de sopro systolico no nivel do ventrí- culo direito. Em alguns casos, quando ha simultaneamente no pulmão ou no coração esquerdo affecções que determinem uma stase considerável do sangue no tronco da artéria pulmonar e no coração direito, 'ha ordi- nariamente um reforço do segundo ruido pulmonar, apesar de uma in- sufficiencia tricuspide. Terminando este assumpto, diremos que a hyperemia venosa geral com as suas consequências, por demais sabidas, attinge rapidamente na insufficiencia tricuspide o seu mais alto grau de intensidade, abrevian- do de modo notável a existência. Stenose (lo orifício tricuspide - Da mesma forma que na insuffi- ciencia do orifício mitral em relação ás lesões valvulares esquerdas a stenose tricuspide coincide quasi sempre com alteração idêntica no orifício mitral; e da mesma sorte que o estreitamento do orifício mitral é acompanhado ordinariamente de insufficiencia da valvula correspon- dente, a stenose tricuspide acompanha-se, ás mais das vezes, da insuffi- ciencia da valvula auriculo-ventricular direita. O estreitamento considerável do orifício venoso esquerdo neutralisa os effeitos do estreitamento tricuspide, quando o acompanha. O resultado é que se desenvolve uma hypertrophia das duas aurículas e do ventrículo direito, e somente o ventrículo esquerdo atrophia-se concentricamente; isto é, as differentes cavidades do coração ficam no mesmo estado que no estreitamento mitral simples; e em todos os casos da combinação das duas lesões, a aurícula direita é a parte do coração que mais se dilata. A base do diagnostico de estreitamento tricuspide, é a presença de um sopro preystolico com o máximo de intensidade no nvel do ventrí- culo direito; mas, como ordinariamente ha coincidência de uma affec- ção valvular esquerda, o diagnostico, assim como a localisação precisa dos diversos ruidos de sopro que então se ouvem, apresenta summa 226 difficuldade. Accresce que o sopro do estreitamento tricuspide não é constante, pelos mesmos motivos porque não o é o sopro preystolico mitral; c a insuíficiencia pode facilmente passar desapercebida durante a vida. Um signal precioso para o diagnostico da atresia tricuspide sem complicação, é o enfraquecimento do segundo ruido pulmonar, devido á pequena quantidade de sangue que por este vaso envia o ventrículo direito, em consequência mesmo do estreitamento de seu orifício venoso. Conforme deixamos entrever, é principal mente no estreitamento tricus- pide que a aurícula direita chega á sua maior dilatação, denunciada pela percussão. Se, em consequência da stase na veia cava superior, as valvulas das veias jugulares tornam-se insufficientes, a contracção da aurícula direita na stenose tricuspide pode produzir n'aquellas veias uma pulsação, que e.m todo caso será mais fraca do que a produzida pela insuíficiencia da valvula triglochina. Na stenose tricuspide, ainda mais do que na insuíficiencia, os pheno- menos devidos á stase venosa em todos os orgãos devem manifestar-sc, naturalmente, muito cedo. Insufficiencia das valvulas sigmoides pulmonares - De todas as affecções valvulares, é esta amais rara; o que é uma circumstancia adju- uante do diagnostico defferencial das lesões valvulares eutre si. A insuíficiencia arterial pulmonar deve fazer sentir seus effcitos, antes de tudo, sobre o ventrículo direito, cuja hypertrophia cila determina pelo mesmo mechanismo por que se dilata e hypertrophia o ventrículo esquerdo na insufficiencia aortica. Na auricula direita e no systema venoso a influencia d'esta lesão é pouco pronunciada; e igualmente o é no coração esquerdo, que apresen- tará modificação essencial, somente quando as suas valvulas, forem a séde de uma alteração concurrcnte. O mesmo mechanismo que faz dilatar a aorta e seus ramos na in- suíficiencia das valvulas sigmoides esquerdas, determina a dilatação da artéria pulmonar e de seus ramos na insuíficiencia das sigmoides direitas. O diagnostico desta lesão é fundado sobre os signaes physicos da hy- pertrophia do ventrículo direito, e principalmente sobre a percepção de um sopro diastolico tendo seu máximo de intensidade no segundo es- 227 paço intercostal esquerdo, junto ao bordo sternal, e enfraquecendo-se ara o lado direito na mesma linha transversal. Em alguns casos tem-se mencionado o frémito felino; em outros no- ta-se um ruido de sopro systolico no nivel da artéria pulmonar, sem haver estreitamento do orifício arterial; facto semelhante ao das ano- malias do ruido aortico na insufficiencia pura do orifício arterial esquerdo. Mas neste ultimo caso, como no do sopro systolico da insufficiencia aor- tica, o ruido normal é curto, e não se faz acompanhar do frémito felino devido ao verdadeiro estreitamento pulmonar. Com o sopro diastolico pode-se fazer ouvir o segundo ruido pulmonar. Este facto tem explicação analoga á que demos sobre um facto seme- lhante na insufficiencia aortica. Os outros ruidos do coração conser- vam-se normaes, ou são encobertos pelos sopros propagados do orifício pulmonar. Um caracter importante do sopro da insufficiencia pulmonar e que o distingue do da insufficiencia aortica, é que elle não se propaga nunca aos troncos arteriaes do pescoço, nos quaes o segundo ruido nunca falta. Indubitavelmente o tronco e os ramos da artéria pulmonar serão a séde de pulsações rapidas e vibrantes, como as que fazem-se notar nos grossos troncos arteriaes quando ha uma insufficiencia das valvulas aorticas: entretanto, essas pulsações não poderão manifestar-se exte- riormente, pela posição e direcção da artéria pulmonar. O pulso peripherico não soffre modificação apieciavel, como succede na insufficiencia das valvulas aorticas. Stenose (lo orifício pulmonar - Esta lesão pode ser dividida em : congénita e accidental. As coarctações do primeiro grupo são excessiva- mente raras; as do segundo, mais frequentes relativamente áquellas. No estreitamento do orifício pulmonar esquerdo apresenta-se como eífeito necessário, a hypertrophia do ventrículo direito e consecutiva- mente da aurícula direita. Nas stenoses adiantadas e sem complicações, as cavidades esquerdas, a aorta e seus ranos diminuem de diâmetro : todavia, o ventrículo es- querdo, em algumas circumstancias, é a séde d'uma hypertrophia mode- rada analoga á que se produz em certas stenoses mitraes. O diagnostico da stenose pulmonar adquirida tem por base principal 228 a manifestação de phenomenos morbidos em indivíduos que tinham an- tcriormente boa saude. D'este modo é que se pode distingui-la das stenoses congénitas, nas quaes os symptomas morbidos manifestam-se logo depois do nascimento. Os signaes objectivos são os que pertencem á hypertrophia do cora- ção direito, cora ou sem abaúlaraento precordial. Depois, a percepção de um rnido systolico de força e aspereza notáveis, tendo seu má- ximo de intensidade no segundo espaço intercostal direito, junto ao bordo do sterno, ou no nivcl da terceira articulação chrondro-sternal esquerda. Em alguns casos tem-se notado um frémito systolico com o máximo de intensidade nos mesmos pontos. O caracter distinctivo d'es- te ruído de sopro é que elle propaga-se raais fortemente para o lado es- querdo do sterno e para cima do ponto de sua maior intensidade; mas .não apresenta vestígios nas artérias cervicaes. Elle propaga-se também para a ponta do coração, para o ventrículo direito, onde pode abafar os ruidos systolicos. O segundo rnido pulmonar é mais fraco, ou pode faltar inteiramente no estreitamento não complicado de insufficiencia das valvulas. O pulso na stenose pulmonar é pequeno, porque o ventrículo direito projectando pouco sangue para os pulmões, d'estes orgãos não pode ir para o coração esquerdo uma porção de liquido capaz de fazer vibrar com força as artérias. Este symptoma é de importância para o diagnos- tico, quando não coincidem com elle signaes de estreitamento aortico. A stenose pulmonar congénita, muito mais frequente que a stenose adquirida, pode ter sua séde no orifício arterial, ou, um pouco acima, no tronco mesmo do vaso ; este ponto é o mais commum. Entretanto, os symptomas de uma ou de outra variedade de estreita- mento são inteiramente idênticos, porque ambas produzem os mesmos effeitos sobre o coração e sobre a circulação. E raro que a stenose pulmonar congénita, qualquer que seja a sua variedade, não se já acompanhada de anomalias no desenvolvimento do coração. Ordinariamente observa-se a falta de desenvolvimento do septo interventricular, de maneira que os dous ventrículos communicam-se por uma abertura de largura variavel, quasi sempre situada na parte superior do septo. 229 A falta dc desenvolvimento do septo pode chegar até a sua ausência completa, confundindo-se as cavidades dos dous ventrículos. Modifica- ções analogas dão-se no septo inter-auricular, o qual pode faltar com- pletamente, ou apresentar a persistência do buraco de Botai, que pode ser obturado cm parte, ou ficar totalmente aberto. Esta falta de desenvolvimento deve modificar um pouco os sympto- mas precedentemente descriptos, do estreitamento adquirido. No estreitamento congénito da pulmonar ha, mais pronunciada que em qualque.i outra lesão valvular, uma cyanose da pelle, notável prin- cipalmente no rosto, nos lábios e nas extremidades dos dedos, podendo, em grau adiantado da moléstia, tornar-se geral, acompanhando-se d'uma turgencia e dilatação notáveis dos troncos venosos subcutâneos. A cya- nose congénita augmenta em consequeneia de excitações, exforços mus- culares, mesmo pouco exagerados. A cyanose sendo devida á difficuldade de passar o sangue venoso do ventrículo direito para o esquerdo, pela artéria pulmonar, - a persis- tência do buraco de Botai ou a existência de communicações inter-ven- triculares podem faze-la desapparecer ou diminuir até certo ponto, compensando os effeitos da stenose ; e assim explicam-se os casos em que, no estreitamento considerável da pulmonar, a cyanose não se ma- nifestou durante a vida inteira. Os symptomas physicos da stenose congénita são os mesmos que os da stenose accidental, apenas com ligeiras modificações. Assim, á par dos symptomas de dilatação e hypertrophia do ventrículo direito, far- se-ha ouvir um ruido de sopro systolico, retumbante, prolongado, acom- panhado d'um estremecimento felino. Este sopro, no caso em questão, pode ser produzido pela passagem do sangue, quer atravez do ponto estreitado da artéria, quer atravez das aberturas existentes nos septos cardiacfts. Na primeira hypothese o sopro apresenta todos os caracteres que tem na stenose pulmonar adquirida. Lesões complexas dos apparelhos valmlares direitos As combinações das lesões orico-valvulares do coração direito, num mesmo orifício ou em dous orifícios simultaneamente, dão logar, caderis 230 paribus, ás mesmas reflexões que fizemos a respeito das lesões valvu- lares esquerdas associadas. Assim, não insistiremos sobre effeitos que julgamos ter exposto suíficientemente. NEVROSES DO CORAÇÃO Um dos estudos mais diffiçeis da pathologia do coração é, por sem duvida, o das nevroses d'este orgão. Nem poderia ser outro o juizo que se deve fazer d'esse estudo, desde que a innervação cardíaca é ainda mal conhecida em suas condições anatómicas e physiologicas. As relações que unem o systema nervoso proprio do coração, ainda não estão ainda elucidadas convenientemente, de modo a fornecer-nos uma explicação das alterações pathologieas da innervação cardiaca, de suas causas e do mechanismo de seus effeitos. O que se tem adiantado, nor meio de experiencias methodicas e repe- tidas, á respeito da acção de certas partes dos centros nervosos sobre as funcções do coração, não permitte ainda referir todas as anomalias da innervação cardiaca aos factos conhecidos de physiologia. Aqui, mais do que em qualquer outro caso, se-faz sentir notoriamente a importância da physiologia, base inabalavel da pathologia, e cuja marcha, rapida ou demorada em certos pontos do seu dominio, impri- me á sciencia das moléstias, rapidez ou morosidade proporcionaes em seus progressos. A ignorância que ha sobre o modus facienãi da actividade physiologica do coração, sobresae quando se trata de explicar seriamente, à luz da razão, as anomalias que sobrevêm na innervação cardiaca. Assim, a pathologia conscienciosa vê-se obrigada a seguir a maxi- ma profundamente sabia de Gaubins: «Melius est sistere gradum, quam progredi per tenebras» ; a pathologia deve, para não esgarrar desnor- teada pelos paramos infindos da imaginação, limitar-se á apreciação ob- jectiva, empírica, dos factos que se apresentam no leito do doente, em que está pervertida a funeção nervosa do coração. Como nevroses do coração consideramos, com o sabio Niemeyer, 231 somente as perversões dos movimentos ou da sensibilidade deste orgão independentes de alterações materiaes, desenvolvendo-se sem canse apreciável, ou ligando-se a circumstancias que na maior parte dos entes humanos não produzem modificação sensivel da actividade car- díaca. Ficam assim excluídas as nevroses que têm origem n'uma lesão or- gânica do coração, ou n'um estado febril qualquer. Estudaremos as nevroses do coração dividindo-as em nevroses da motilidade e nevroses da sensibilidade. As primeiras comprehendem as palpitações e a paralysia do coração ; as segundas limitam-se á hyper- esthesia dos ramos cardíacos do grande sympathico, ou angina do peilo. Palpitações nervosas Dá-se este nome á actividade exagerada do coração, tendo por causa uma anomalia na innervação do orgão e apresentando-se sob a forma de contracções mais rapidas e ordinariamente mais intensas. Admit- tindo-se como certa a acção reguladora o sedativa do pneumogastrico sobre o coração, pode-se considerar as palpitações nervosas como depen- dentes ou d'uma excitação mórbida dos glanglios existentes na espes- sura do musculo cordiaco, e contra a qual não basta a influencia do nervo vago; ou d'uma diminuição nesta influencia, havendo, então, um augmento relativo da excitação dos ganglios motores cardíacos. No primeiro caso, as palpitações podem ser consideradas como o re- sultado de um spasmo nervoso localísado no coração, e merecem o nome, que lhes deu Romberg, de hyperkinèse ou hyperkinesia do cora- ção; no segundo, é um phenomeno de paralysia, de alcinesia. Acontece que em muitos casos as palpitações nervosas são um phe- nomeno puramente subjectivo, não podendo ser apreciado um exa- gero na actividade do coração; e, então, as palpitações constituem antes um phenomeno se hyperesthesia, ou augmento da sensibilidade, do que um augmento da motilidade. Sob a influencia de condições diversas, que importa conhecer, mani- festam-se as palpitações. Podemos, entretanto, filia-las a tres grupos, como o fez Jaccoud: 1. Causas niechanicas, diminuindo ou augmentando a tensão vascular, ou embaraçando a acção regular do coração. No primeiro caso augmenta não a força, mas a frequência, das con- tracções cardíacas. Nos dons últimos, augmenta a velocidade, e mais ainda, a energia dos movimentos do coração. 2. Causas de natureza nervosa - Emoções moraes e impressões psy- chicas, tanto as deprimentes, como, e pnncipalmente, as excitantes; al- terações organicas ou simplesmente funccionaes do ccrcbro ou da medulla; alterações no trajecto dos troncos nervosos do pescoço; traba- lhos intellectuaes excessivos; estados morbidos particulares, actuando por acção reflexa sobre o apparelhó nervoso do coração (moléstias utero- ovarianas, helminthiase, aífecções dentarias, cálculos biliares); um es- tado d'irritabilidade nervosa particular. 3. e Alterações do sangue - Hypoglobulia e hydremia, diminuindo pro- porcionalmente o oxygenio do sangue, a actividade funccional, a toni- cidade vascular, e a força moderadora das contracções do coração; ple- thora geral, estado em que as trocas nutritivas e a innervação fazem-se com grande energia. Elementos para o diagnostico - As palpitações nervosas manifes- tam-se por accessos mais ou menos duradouros, espaçados; ora espon- taneamente, ora sob a influencia de uma causa occasional apreciável, c que pode ser sempre a mesma (esforços musculares, emoções, ingestão de bebidas excitantes, etc.). O primeiro phenomeno do accesso, e que o constitue essencialmente, é a acceleração dos movimentos cardíacos; todavia, pode èste pheno- meno ser precedido de oppressão e d'uma dor vaga na região precordial. As contracções cardíacas acceleradas e reforçadas, são ora apreciáveis pelo doente só, ora perceptiveis também á mão applicada sobre a re- gião precordial, sob a forma de uma impulsão reforçada, que ás vezvs levanta o peito, e imprime-lhe um abalo violento. As palpitações incommodam principalmente o indivíduo, quando elle está deitado sobre o lado esquerdo; elle experimenta então na cabeça e nos ouvidos uma sensação analoga á de martelladas, que se lhe desse n'aqucHas partes: a face torna-se vultuosa e quente; muitas vezes ele- va-se a temperatura do corpo, ainda que de modo passageiro. Em alguns casos, observa-se durante o accesso uma alteração do 232 233 rhythmo das contracções cardíacas, que tornam-se irregulares e intermit- tentes; algumas vezes não ha isochronísmo na acção dos dous cora- ções; a frequência das contracções é tal, que dcsapparccem os intervallos entre os ruidos, e as pulsações succedem-se sem interrupção, de sorte que não se pode analysa-las. E o estado de loucura do coração, de Bouil- laud. Em muitos casos nota-se ao mesmo tempo que a frequência das pan- cadas do coração, uma dyspnéa mais ou menos considerável, segundo a intensidade do accesso; o doente tem necessidade de fazer inspirações profundas, sente uma angustia e oppressão indefiníveis, escurecimento da vista, zumbidos; durante o paroxysmo do accesso apparecem cephal- algia, vertigens e tremores. A percussão nada descobre de notável nas palpitações simples, não complicadas de affecção organica. Pela escutação percebe-se ruidos indistinctos, surdos, principalmente os ventriculares, se são frequentes e pouco energicas as contracções; mas so estas tornam-se fortes, os ruidos são claros, vibrantes, sonoros e ad- quirem o caracter de um tinido metallico, devido á tensão anormal das valvulas auriculo-ventriculares e ftas paredes arteriaes. Nos fócos de escutação dos ruidos ventriculares ouve-se um sopro systolico, indicio de uma insufficiencia mitral ou tricuspide passageira, devida á con- traeção defeituosa dos musculos papillares. O pulso é cheio, forte, vibrante, difficilmente depressivel. Em alguns casos o accesso manifesta-se mais pela sensação subjectiva de batimentos violentos, soffreados, ondulatorios e irregulares, do que pela percepção objectiva de um reforço na intensidade das contracções cardíacas. O doente accusa as sensações mais extravagantes; parece-lhe que seu coração vae aniquilar-se, que elle se despedaça, que vae saltar do peito ou que está preso apenas por um fio, etc. As contracções car- díacas, embora mais rapidas, fazem-se de um modo incompleto. A estes accidentes junta-se, nos graus mais elevados de intensidade, um senti- mento de angustia inexprimível, como se estivesse imminente a morte. As feições decompostas exprimem os tormentos do mais profundo sof- frimento; o rosto frio e pallido, ás vezes até um pouco livido, banhado de um suor gélido; os membros trémulos e vacillantes, annunciam que o doente vae cair em sycope. Terminado o accesso, ainda fica no doente uma profunda melancolia, 234 uma languidez e abatimento pronunciados. O pulso mostra-se pequeno, depressivel, desigual e intermittente. O temor de um novo accesso e a ancicdade que d'ahi resulta, con- stituem um tormento constante para o doente, e convertem a sua vida em um supplicio. Conhecidos os caracteres das palpitações nervosas, façamos o seu Diagnostico differencial - Os intervallos livres entre os accessos, durante os quaes não se observa exagero na actividade funcciònal do co- ração; os paroxysmos, que se declaram sem causa conhecida, a combi- nação com outros ataques nervosos; o estado geral do doente; o seu tem- peramento, - permittem estabelecer sem difficuldade o diagnostico differencial entre as palpitações puramente nervosas, e as que estão sob a dependencia d'uma lesão organica do coração. O exame objectivo dissipará todas as duvidas, que ainda restarem. Se a esse exame apresentarem-se, durante o intervallo dos accessos, anomalias nas relações, no movimento e nos ruidos do coração, com certeza haverá uma lesão organiea, explicando a apparição das palpi- tações. < Paralysia do coração As paralysias dos movimentos do coração, dependentes do systema nervoso, só excepcionalmente se apresentam como affecções primitivas. Ao em vez disto, as hemorrhagias, amollescimentos ou tumores cerebraes ou da medulla allongada, são as causas provocadoras da paralysia cardíaca. O mesmo effeito determinam as commoções cerebraes, as syncopes, e certos venenos de acção directa paralysante sobre o cerebro; taes são: a digitalina e a nicotina. A respeito desta ultima substancia, Décaisne attribue ao abuso do charuto a apparição de contracções cardíacas fracas e irregulares nos fumantes. Outras substancias actuam directamente sobre o coração, paralysando-lhe os movimentos; taes são: amancenilha e a veratrina. Os obstáculos na circulação puhnonar, interrompendo o curso do sangue nos vasos proprios do coração e impedindo a acção estimulante do oxygenio sobre os apparelhos ganglionares cardíacos, exercem uma acção paralysadora sobre o centro impulsor do sangue. E a opinião de Wirchow. A compressão dos elementos nervosos motores dispersos no tecido cardíaco, em consequência da dilatação excessiva do coração nas coar- ctações de orifícios, são causas da paralysia do coração, e explicam certos casos de morte repentina. Elementos para o diagnostico - O enfraquecimento ou morosidade das contracções, apparecendo de um modo rápido em algumas circum- stancias, e em consequência de certas affecções anteriores; ruidos car- díacos fracos e até imperceptiveis; pulso pequeno, muito depressivel, mesmo insensível; movimentos respiratórios tão fracos, que podem deixar de ser apreciáveis: taes são os phenomenos ohjectivos sobre que se funda o diagnostico da cardio-paralysia. Ajunte-se á elles a sensação que tem o doente de que o seu coração deixa de pulsar, e o estado de syncope mais ou menos completa, e dependente do anemia arterial. Estes symptomas são ás vezes passageiros, mas renovam-se em intervallos mais ou menos proximos. A morte súbita ou successora a uma morte appa- rente, é a consequência ordinaria d'esta affecção. Diagnostico differencial - Elle se acha estabelecido pela sympto- matologia precedentemente exposta e pelos anamnesticos, de poderoso auxilio n'este caso. Angina do peito Conhecida sob os nomes de « sternalgia, sterno-dynia, sterno-cardia, apnéa-cardica, nevralgia cardíaca, syncope anginosa», esta moléstia é caracterisada essencialmente por dôres, que manifestam-se por accessos, que parecem partir da ultima porção do sterno e do lado esquerdo do thorax, e estender-se d'ahi profundamente para a columna vertebral. A natureza d'esta moléstia é indicada pelo nome que lhe deu Rom- berg «hyperesthesia do plexo cardíaco», e comprovada pela forma dos accessos, separados por intervallos livres, a natureza e caracter das dôres, a sua irradiação frequente para outras regiões, a integridade muito frequente das funcções respiratórias e circulatórias, e a coexistência 235 236 constante de outras nevralgias. É esta, pelo menos, a opinião mai® moderna. Distinguem-se duas formas do angina-pectoris : a « forma dynamica» essencial, idiopathica ou funccional », e a « forma organica j>. A primeira, é própria dos indivíduos moços; a segunda particular á edade avançada, é mais frequente do que a primeira, preferindo para a sua manifestação o sexo masculino, ao feminino. A forma dynamica é uma simples hyperesthesia, uma nevralgia pri- mitiva do plexo cardíaco, sem alteração somatica. A forma organica tem relações estreitíssimas com as diversas degenerações, e com oblite- ração das artérias coronárias. Elementos para o diagnostico - Qualquer que seja a sua causa de- terminante e a sua forma, as dores sub-steínaes da angina, que por sua séde e extensão correspondem aos plexos cardíacos, são acompanhadas d'aquellas sensações particulares, excessivamente penosas, que cara- cterisam as nevralgias do systema do grande sympathico. Uma oppressão e angustia inexprimíveis, uma constricção das mais angustiosas no epigastrio, uma dor pungente na região do coração, uma sufocação imminente, uma immobilidade absoluta estando o do- ente sentado on de pé, uma p;il!idez assustadora; tal é o quadro pelo qual se desenha a angina pectoris. Parece, como diz a vida é atacada em suas raizes mais profundas. O doente sente em si, na expressão de um notável auctor, como que a pausa universal das operações da natureza; e, aterrado, espera o termo desse ataque, que lhe ameaça a vida. Com quanto exista a sensação subjectiva de dyspnéa, a respiração é livre e profunda, e não se accelera, se a angina é protopathica ou es- sencial. Sendo a angina secundaria, nota-se dificuldades na respiração, mas dependentes da moléstia primitiva. O que é notável, é que, com a regularidade da respiração, os bati- mentos cardíacos são fracos, ás vezes imperceptiveis, sempre desiguaes c intermiteentes; e essas anomalias sãc reflectidas pelo pulso. Terminado o accesso, desapparecem todos estes phenomenos. Se o caracter da dôr é sempre constrictivo e angustiante, a sua séde póde variar. Assim, ella pode occupar a metade direita da região precordial; 237 seguir uma linha transversal que reúna os mamillos, ou atravessar de diante para traz o lado esquerdo do peito. Os phenomenos dolorosos não se limitam á região precordial : irra- diam-se, ora para o pescoço, para o mento e para a maxilla inferior, seguindo os ramos superficiaes do plexo cervical, ora para as inserções do musculo peitoral no humerus, d'onde se estendem aos cotovelos, ás vezes até o lado interno do antebraço e do punho, podendo chegar até os dedos; seguindo assim o trájecto dos nervos thoracicos anteriores, e dos ramos do cubital. Essas irradiações cervico-brachiaes são caracte- risticas da moléstia de que nos occupamos. Mas a dôr pode ainda, por excepção, irradiar-se para o epigastrio, o testiculo e até as coxas, como observou Freidreich uma vez. FTAs vezes ha hyperesthesia cutanea na região thoracica anterior ; outras vezes ha dysphagia, por constricção do pharyrige; pode haver nauseas e vomitos, pela invasão dos ramos gástricos do plexo, e soluços pela extensão ao nervo phrenico. A pressão, os movimentos respiratórios e os do braço, não augmentam a dôr da angina. O accesso termina subitamente como começou, e é ca- racterisado pela cessação da dôr. Então alguns phenomenos notáveis podem ser observados : eructações gazosas, vomiturações, em alguns ca- sos necessidade irresistível de ourinar, inchação notável do testiculo, apparição de uma nevralgia ilio-scrotal. Terminado o accesso, só resta ao doente uma fadiga e alguma triste- za e anciedade, pelo temor de novo ataque. A duração dos accessos é variavel entre alguns minutos ou instantes, e algumas horas. O intervallo entre elles é também de variavel dura- ção ; ora separados por mezes e annos, os accessos reproduzem-se ás vezes todos os dias, ou de hora em hora. Em geral, quanto mais repe- tem-se os ataques, menor vae sendo o intervallo entre elles. Não sendo organica a angina, o doente não apresenta nos intervallos perturbação notável na saude. Diagnostico dififerencial - A dôr precordial, lancinante, constncti- va, pungitiva, não augmentando pela pressão ; a angustia e sensação puramente subjectiva de suffocação; a irradiação da dor para o pescoço, e para o braço e ante-braço esquerdos; a marcha paroxystica dos acci- dentes; a sande perfeita no intervallo dos accessos; - eis as bases cm que solidamente se firma o diagnostico differencial da angina do peito; são outros tantos testemunhos eloquentes da natureza da moléstia, e que não permittem a confusão d'ella com outros padecimentos, mesmo exclusivamente nervosos, do coração. 238 SECÇÃO MEDICA PHYSIOLOGIA Theoria dos ruidos do coração PROPOSIÇÕES I. Quem applicar o ouvido á região precordial d'um indivíduo em estado de saíide, ouvirá dous ruidos, separados por uma pequena pausa, seguidos d'outra pausa maior, e repetindo-se por pares. II. O primeiro ruido é surdo, profundo, prolongado e mais in- tenso no nivel da ponta do coração: o segundo é mais claro, mais breve e mais superficial que o primeiro, e mais forte no nivel da base do coração. III. Ha synchronismo entre a systole ventricular e o primeiro ruido, entre a diástole e o segundo. IV. Da verdadeira interpretação a dar-se aos ruidos physiolo- gicos do coração, depende o valor dos symptomas que fornecem dados mais positivos para o diagnostico das affecções orico-valvula- res do coração. V. Das theorias até hoje apresentadas para explicar a producção dos ruidos do coração, nenhuma satisfaz cabalmente e espirito inda- gador da verdade. VI. A theoria da desassociação dos ruidos apresentada por Skoda e Bamberger e modificada por Jaccoud, merece acceitação, feitas n'ella algumas modificações. VII. O conhecimento dos fócos de escutação propostos por Jaccoud para a audição dos ruidos, segundo o orifício em que se pre- 240 (luzem, é de summa importância para o estudo das lesões valvulares e seu perfeito diagnostico. VIII. Ambos os ruidos são compostos e decomponiveis ; re- sultam da fusão de phenomcnos auditivos semelhantes e sycnhronos produzindo-se nos dons lados do coração. IX. Alem de composto, o primeiro ruido é complexo em sua genese. X. A sua causa principal é a tensão rapida e violenta da valvula auriculo-ventricular de cada ametade do coração. XI. As causas adjuvantes ou de reforço, são diversas, sobresaindo a contracção fibrillar do musculo cardiaco. XII. A causa do segundo ruido é unicamente a tensão das vál- vulas sigmoides pela onda sanguinea retrograda. XIII. O primeiro ruido do coração esquerdo é mais forte que o seu correspondente do coração direito. XIV. O poder do ouvido influe muito sobre a percepção mais ou menos clara dos ruidos. XV. O estado anatomico das valvula? influe poderosamente sobre o caracter dos ruidos. XVI. O estado pathologico d'estas valvulas modifica o tom do ruido ou produz outros ruidos, chamados sopros, que podem abafar os ruidos normaes. ■XVII. Certos estados do sangue e do systema nervoso ou modos de ser da actividade cardiaca, modificam muito o caracter d'esscs ruidos. XVIII. Se houver entre a séde de producção do ruido e o ouvi- do escutador, um meio mau conductor do som, os ruidos perdem sua intensidade. XIX. O conhecimento dos ruidos e de seus caracteres pode ser um elemento precioso para a apreciação do grau de vitalidade do coração. XX. Somente pela percepção dos ruidos do coração pode o me- dico diagnosticar algumas lesões organicas d'esta viscera, indicando o ponto lesado. SECÇÃO CIRÚRGICA OBSTETRÍCIA Hemorrliagia uterina durante o delivramento e suas indicações PROPOSIÇÕES I. A causa essencial das hemorrliagias do delivramento é a inércia do útero. II. As causas predisponentes são : o temperamente sanguíneo e constituição forte, a menstruação precoce e abundante, o tempe- ramento lymphatico e constituição fraca, as perdas em partos an- teriores. III. As causas determinantes são: o parto muito rápido ou muito prolongado, o volume excessivo do utero, as adherencias anómalas e parciaes da placenta com o utero. IV. Symptomas geraes e symptomas locaes manifestam-se na liemorrliagia uterina. V. Os symptomas geraes são: pallidez, peso no estomago, ba- timentos nos ouvidos, vertigens, syncopes, calefrios, perturbações da visão, dores nos rins, sensação semelhante ú da fome, accessos de hysteria, dilatação das pupillas e movimentos oscillatorios d'ellas. VI. A hemorrhagia pode ser interna ou externa. Os symptomas locaes variam nos dous casos. VII. A perda externa caracterisa-se pela ausência do tumor duro, globuloso, que se observa no hypogastrio durante e depois do delivramento, e pela maior quantidade de sangue que corre da vulva. 242 VIII. Na perda interna observa-se o augmento de volume do ventre; pela introducção da mão na vagina, se reconhece que o collo está obstruído pela placenta ou por coágulos sanguíneos, desviado para traz ou contrahido espasmodicamente. VIII. A perda externa é facilmente reconhecida; a interna, porem, só póde ser com certeza diagnosticada, depois da introducção da mão na cavidade do utero. IX. Para o prognostico se deve ter em consideração o estado da mulher e a quantidade de sangue que ella perde. A morte, violentas inflammações do utero, ou um estado chloro-anemico, são sempre as consequências das hemorrhagias uterinas. X. O tractamento preventivo tem por fim destruir a acção das causas predisponentes. O curativo combate o accidente depois que elle se manifesta. XI. Os meios aconselhados como capazes de prevenir a hemor- rhagia, são os seguintes: ligeiras sangrias, ou um regimem debili- tante, durante a gravidez, nas mulheres sanguíneas, de constituição forte; nas lymphaticas e de contituição fraca são indicados os meios capazes de manter ou despertar a contractilidade uterina. XII. Para o tratamento curativo têm sido aconselhados os se- guintes meios: excitação directa, cravagem de centeio, frio, injecções intra-uterina, applicação das paredes uterinas uma contra a outra. XIII. A compressão da aorta tem sido aconselhada não só para suspender a perda, até que os meios proprios para produzir a retracção do utero manifestem sua acção ; mas também para com- bater a anemia profunda que taes hemorrhagias determinam. XIV. A transfusão sanguínea é um poderoso meio, não só para sustar as perdas, como para levantar as forças organicas, que tendem a diminuir nas hemorrhagias copiosas. SECÇÃO ACCESSORIA BOTANICA Respiração vegetal PROPOSIÇÕES I. A absorpção de acido carbonico e a exhalacão de oxygenio, ao inverso do que se dá nos animaes, constitue o phenomeno da re- spiração nos vegetaes. II. Duas condições tornam-se necessárias para a execução d'esta funcção : a luz solar e as partes verdes das plantas. III. O acido carbonico absorvido é decomposto sob a influencia d'esses dous agentes; o carbono é assimilado e o oxygenio expulso. IV. A respiração nos vegetaes é uma funcção nutritiva. V. As partes vegetaes que não têm cor verde, e as plantas que não a têm igualmente, exhalam acido carbonico e fixam oxygenio. VI. Este phenomeno dá-se com actividade notável nas flores. VII. Os orgãos respiratórios nas plantas aereas são os stomatos das folhas. VIII. Nas plantas aquaticas a respiração faz-se como nas plan- tas aereas: somente os orgãos respiratórios occupam posição difíe- rente da que têm nas plantas aereas. IX. A respiração vegetal purifica a atmosphera viciada pela grande quantidade de acido carbonico. X. A respiração vegetal faz equilibrio á respiração animal no que diz respeito á composição normal do ar atmospherico. XI. Acreditamos que a disposição das folhas e dos ramúsculos, submettida a uma verdadeira lei, está em relação com a sua func- Ção respiratória. XII. O gaz respirado pelas plantas tem proveniências diversas. 244 RIPPOCRATIS APHORISMI I • Vita brevis, ars longa, occasio proeceps, judicium fallax, experi- entia difficilis. Sect. I, Aphor. 1. II Senes facillimè jejunium terunt, secundò astate consistentes, minimè adolescentes, omnium minimè pueri; ex his autem qui inter ipsos sunt alacriores. Sect. I, Aphor. 13. III Morborum acutorum nom omninò tutae sunt proedicationes, neque mortis, neque sanitatis. Sect. II, Aphor. 19. IV Morbi autem quilibet fiunt quidem in quibuslibet anui tempori- bus ; non nulli verò in quibusdam ipsorum potius et fiunt, et ex- acerbantur. Sect. III, Aphor. 19. V Si quis febricitanti cibum det, convalescenti quidem, robur; oegro- tanti verò, morbus fit. Sect. VII, Aphor. 65. VI Tabes maximè fiunt ab anno octavo decimo, usque ad quintum et tricessimum. Sect. VIII, Aphor. 7. a avríaoz da/ài JO' OÍ aí féantMwea/a (§aáz oázfc ed/a aaa e aí JO' aí OÍ aí OÍ Jfán/íaína-íte 6 OÍ JO' OÍ OÍ