/ ) THESE DE COXCÜRSO r l»0 DOUTOR mlljcrme fjmtra gfhtllo ytf&> FACULDADE DE MEDICIXA DA BAHIA CONCURSO PARA 0PP0SIT0R DA SECÇÃO MEDICA SEMELHANÇAS E DIFFERENÇAS ENTRE A FEBRE AMARELLA ESPECIFICA E A FEBRE REMITTENTE BILIOSA: DEDUCÇÕES THERAPEUTICAS SUSTENTADA EM JUNHO DE 1872 «$?> <4g> G^B <$í <4£> TYPOGRAPHIA DO «DIÁRIO;» 1872 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA DIRECTOR VICE-DIRECTOR O EXM. SR. CONSELHEIRO DR. VICENTE FERREIRA DE MAGALHÃES. LENTES PROPRIETÁRIOS. Os Srs. Doutores Io anno Matérias que leccionão r ,T. . „ , ,, „. i Phvsica em geral, e particularmente em suas Cons. Vicente Ferreira de Magalhães . . j £pçlicaç0e8s á Medicina. Francisco Rodrigues da Silva.....Chimica e* Mineralogia. Adriano Alves de Lima Gordilho . . . Anatomia descriptiva. S° anno Antônio de Cerqueira Pinto.....Chimica orgânica. J^ronymo Sodré Pereira......Physioiogia Antônio Mariano do Bomfim.....Botânica e Zoologia. Adriano Alves de Lima Gordilho . . . Repetição de Anatomia descriptiva. 3° anno Cons. Elias José Pedrosa......Anatomia geral e pathologica. José de Góes Siqueira.......Pathologia geral. Jeronymo Sodré Pereira......Phisiologia. 4o anno Cons. Manuel Ladislau Aranha Dantas . . Pathologia externa. Demetrio Cyriaco Tourinho.....Pathologia interna. Cons Mathias Moreira Samnaio I Partos' molestias de mulheres PeJadas e de i.ons. Matnias Moreira Sampaio . . . \ meninos recemnascidos. 5o anno Demetrio Cyriaco Tourinho.....Continuação de Pathologia interna. I.uiz Alvares dos Santos......Matéria medica e therapeutica. José Antônio de Freitas......j Anrf^to^raphica, Medicina operatòría 6o anno Rozendo Aprigio Pereira Guimarães . . . Pharmacia. Salustiano Ferreira Souto.....Medicina legal. Domingos Rodrigues Seixas.....Hygiene e Historia da Medicina. José Affonso Paraizo de Moura .... Clinica externa do 3.° e 4.° anno. Antônio Januário de Faria.....Clinica interna do 5.° e 6.° anno. OPPOSITORES. Ignacio José da Cunha....... Pedro Ribeiro de Araújo......J José Ignacio de Barros Pimentel . . . ( Secção Accessoria. Virgílio Climaco Damazio......í Augusto Gonsalves Martins Domingos Carlos da Silva. Antônio Pacifico Pereira......} Secção Cirureica. R a miro Affonso Monteiro..... Egas Carlos Moniz Sodré......J Secção Medica. Claudemiro Augusto de Moraes Caldas . SECRETARIO O SR. DR. CINCINNATO PINTO DA SILVA. OFFICIAL DA SECRETARIA O SR. DR. THOMAZ DE AQüINO GASPAR. A Faculdade não approva nem reprova as opiniões emittidas nesta these. A QUEM LER DISSERTAQÃO SORRE AS SEMELHANÇAS E DIFFERENÇAS ENTRE A FEBRE AMARELLA ESPECIFICA E A FEBRE REMITTENTE BILIOSA, E SOBRE AS DEDUCÇÕES THERAPEUTICAS É este um dos muitos pontos, que me forão officialmente offerecidos para d'entre elles escolher o que deve ser o objecto de uma dissertação, que constitue a primeira prova do concurso. Todos são próprios para inspirarem o mais elevado interesse scientifico; e por este lado a nossa escolha ficaria sem razão de ser por lhe faltar o motivo de determinação, Ainda que porém se nos não exija a exposição das razões de nossa deter- minação, pede o respeito, que devemos áquelles, que nos tem de julgar, e que devemos aos que nos lerem, que lhes não recusemos a revelação de nossos motivos, revelação, que se por um lado é destituida de importância, é ao menos uma prova de nossa lealdade. Collocados entre os trópicos, vivendo sob a influencia de um clima quente, e respirando um ar, que nos traz de mistura com os aromas das flores as continuadas emanações vaporosas de nossos rios, de nossos lagos innumeros, ha entre as diversas manifestações mórbidas, que nos atacâo mormente em uma certa e determinada epocha do anno, uma, que sem duvida entra com a maior quota nas estatísticas médicas: a febre inter- mittente e remittente de nosso clima acompanhadas do caracter biliososão sem duvida alguma moléstias muito freqüentes entre nos, aquellas, a cuja influeucia bem poucos podem felicitar-se de terem escapado. Entre os grandes flagellos que perseguem a humanidade com a crueldade tenaz e desesperadora, com que sóe obrar um inimigo invisível, e que por sua invisibilidade mesma zomba de nossos esforços, como o sicario, que cosendo-se com as sombras da noite deslisa-se pelas trevas rindo-se das eoatorsões dolorosas de sua victima, devemos contar a febre amarella, que se não é indígena de nossos climas, tem entre nós assentado seos arraiaes, e adquirido carta de naturalisação, e cidadoria. Moléstia de gênio, de Índole differente, differente no seo modo de invasão e desenvolvimento, differente em seos períodos, na filiação e successão de seos simptomas, em seo resultado final, em seo prognostico, e em seos meios curativos, a febre amarella especifica apresenta por outro lado toques taes de semelhança com as febres remittentes biliosas que espíritos mesmo de vasto e perspicaz descortino podem enganar-se na descriminação de casos tão diversos, e ser conseguintemente levados ao emprego de meios thera- peuticos, que longe de debellarem o mal, dão-lhe maior vulto e impor- tância e concorrem para que a morte ardilosa e má lhes arrebate as infelizes ffl victimas, que uma therapautica apropriada poderia disputar á sua cholera devastadora. Sendo pois estas duas espécies mórbidas freqüentes em nosso paiz, pare- ceo-nos que nunca seria por demais uma discussão tendente a esclarecer este ponto de doctrina ao qual se prende o mais aquilatado interesse pra- tico da sciencia medica. Tal foi o motivo de minha determinação na escolha deste ponto de pre- ferencia a outros, que ou não são ligados á sciencia medica, senão de uma maneira accessoria, ou que revelão mais ura interesse especulativo, du que pratico. ^'^T^M":%C^ de um modo tão intimo a estas alterações mórbidas, que antes de entrarmos na matéria especial do assumpto, de que vamos tratar, nos não podemos furtar ao desejo de entrar em alguns desenvolvimentos preliminares, que farão reflectir sua luz sobre o objecto deste escripto. A vida é sem duvida um dos mysterios mais estupendos da creação: nella o philosopho vae encontrar os mais fecundos assumptos de contemplação; nella a philosophia religiosa vae ler os mais fervorosos hymnos em louvor deste Ser Supremo, que governa os elementos, e que sopesa em suas mãos vigorosas esta immensa cadeia, que prende e harmonisa o mundo physico e o mundo moral; nella o physiologista, transportado de um fervoroso zelo, vae descobrir estes arcanos imperceptíveis ás demais sciencias, e, por assim dizer, apanhar a natureza em flagrante em sua própria officina. Com effeito, a Sciencia Medica, que tem por fim especial e por sagrada missão acudir aos soffrimentos da humanidade e restabelecer a harmonia das funcções vitaes, da qual depende a saúde: ella, que tem por dever luctar corpo a corpo com as alterações mórbidas e aniquilal-as, como po- deria cumprir seo mandato sem o pleno conhecimento do organismo, sem. í a noção completa da serventia e prestimo dos instrumentos orgânicos, do modo como elles por sua acção synergica concorrem para o exercício com- pleto das funcçõej da vida? Gomo, finalmente, poderia ella progredir em sua marcha humanitária sem o perfeito conhecimento das leis, que pre- sidem ao nascimento, ao desenvolvimento, á degradação e á morte dos corpos organisados, das causas destas alterações, e do modo por que os ap- parelhos orgânicos funecionão sob a influencia de alterações e princípios, que, dando-lhes um novo modo de ser, os desvião de seo exercício normal nos actos constitutivos da vida? Graças aos trabalhos incansáveis de tantos investigadores perspicazes; graças ao descortino de tantos ger;os notáveis por seo infatigavel trabalho, e pelo alcance de suas deducções; graças ao seo amor das Sciencias huma- nitárias por excellencia, as Sciencias Médicas, um de seos ramos, a Physio- logia, que até épocas ainda bem próximas de nós não era mais do que o romance da vida, tem-se avantajado aos demais ramos, ajudada das luzes da Chimica e da Hisíologia, e tem revelado ao mundo scientifico estes im- portantes segredos da vida, até então encobertos nas sombras espessas de graciosas hypotheses. É, pois, á Physiologia, que tem sabido tão discretamente aproveitar-se dos progressos e aperfeiçoamentos da Anatomia mycroscopica e das Sciencias chimicüs e physicas, que descobrio a estrada real da verdade no methodo experimental, que vae seguindo com religiosa pontualidade: é á ella, que, prudente e severa em seos processos, calculada e conscienciosa em seos próprios desvios, mais completa, mais real, mais pratica e menos imagina- tiva em suas theorias, cumpre reparar os males, que se tem feito em seo nome, creando-se para explicar a vida uma theoria, que por ser obra de pura imaginação não podia ter nem o direito, nem a missão de revelar os segredos da organisação e da vida, e muito menos pretender a gloria de aprofundar raysterios, que se não poderião revelar por meras abstracções nem collocando-se fora do terreno da observação e da experiência, que de- verião ser a garantia essencial de sua própria existência. Certamente nas questões, que respeiíão á organisação e á vida, só a Phy- siologia moderna, marchando de frente com a Chimica, a Physica e a His- íologia na trilha experimental, que já tem percorrido com tanto brilhan- tismo, pôde pretender a honra de ter formulado uma theoria da vida não chimenca, mas real, própria a formular os factos, que se ofTerecem á ob- servação; só cila, emíim, pôde pretender a gloria de separar no homem nesta dualidade, segundo a bella expressão de Mr. de Bonald, a porção, que pertence ao túmulo, d'aqueH'outra invisível, ímpalpavel, immaterial a que o homem deve todos os sentimentos generosos, e que o tornão grande, nobre e immortal. O homem foi feito para a verdade e para a justiça: e por certo ao menos no mundo scientifico ha em todos os espíritos sérios uma verdadeira sede de verdade. Esta tendência honra o nosso século, c é um feliz presagio de gue se quer de boa fé achar nas inducções tiradas de uma observação at- tenta c conscienciosa as verdades da vida, que em vão se procurarião nas theorias forjadas no silencio do gabinete e fora do terreno experimental; theorias, cujo mérito consiste em arrastar a Sciencia Medica ao abysmo de questões insoluveis, ao cahos de hypotheses arbitrarias, ou ao mais ferre- nho scepticismo, que é a negação de toda sciencia. Deixemos porém de parte esta questão, como um caso julgado; sem que comtudo receiemos que espíritos tímidos nos aceusem de nos collocarmos fora da esphera da Sciencia Medica, ou de fazermos sacrilegas usurpações a outros ramos dos conhecimentos humanos. Mas o que é a vida? O que é a morte? É esta uma conseqüência d'a- quella? O que determina a duração da vida? Ha para esta duração um teimo fixado na natureza dos seres organisados e vivos ? É este termo incerto e impossível de ser determinado? Que causas influem sobre a terminação da vida, ou sobre as alterações mórbidas, que entorpecem a sua marcha nor- mal? Qual a natureza destas causas? São causas naturaes e ordinárias, ou são causas especificas, violentas, extraordinárias? Eis aqui questões da maior gravidade e do mais elevado interesse medico, questões, que se ligão de um modo muito positivo ao assumpto, que é objecto desta dissertação. Deveremos passal-as cm silencio, ou expor nossas particulares opiniões sobre este ponto de doctrina? Eu de bom grado inclino-me á segunda hy- pothese, para não jar voto symbolico sobre questões de tamanha magnitude, que certamente merecem ser desenvolvidas por uma penna mais hábil. A vida é um phenomeno demonstrado pelo senso intimo, é uma verdade de sentimento; mas esta asserção não tem o caracter de uma definição; pois não poderia distinguir a vida de tantos outros phenomenos demonstrados pelo senso intimo, de tantas outras verdades de sentimento. É certamente bem custoso dar uma boa definição craquillo, que melhor se sente; porque a definição fica sempre abaixo do sentimento, que traz comsigo a evidencia, que pócte faltar á definição. Mas pois que é preciso dar uma definição, di- remos que a vida é o lodo harmônico das funcções exercidas pelos appare- lhos orgânicos sob a influencia de um principio, de uma força, de um quid incognitum, cuja essência escapa a todos os nossos meios de investigação, e cuja existência não é menos reconhecida pelos cálculos da razão. Para explicar este maravilhoso phenomeno, não recorreremos, por certo, â fábula de Promethêo: a sciencia moderna reconhece no oxigeneo, no hy- drogeneo, no carbono o no azote os elementos principaes dos corpos orga- nisados e inorgânicos: reconhece a matéria inorgânica como sendo mais geralmente o producto de compostos binados, ao passo que os corpos or- ganisados são constituídos em sua maior generalidade por compostos ter- narios e quaternários, sob a influencia indispensável e essencial desta força, deste quid incognitum, que os vivifica, mantendo-os nesta harmonia de dependências reciprocas em suas funcções, harmonia de que resulta a vida. Emquanto esta influencia actúa mantendo inalteráveis estas aggregações de elementos morphicos, ou emquanto causas naturaes ou accidentaes não obrão sobre estas aggregações produzindo novas affinidades, que tendem a produzir a decomposição destes compostos organisados, a vida se mantém; mas se esta influencia vital é vencida, se a harmonia dos princípios imme- diatos se rompe, se os elementos tendem á formação de compostos binarios, então a morte é a conseqüência inevitável da dissolução da matéria orgânica. Se causas poderosas e inevitáveis durante o trafego da vida não contra- riassem a influencia desta força, que mantém o equilíbrio e harmonia das funcções dos apparelhos orgânicos, o homem não conheceria a doença, elle seria iromortal, e a Medicina não seria mais do que um flatus voeis, um nome vazio de sentido e sem razão de ser. E isto seria no ser organisado uma perfeição só comparável á perfeição do ser infinito. Mas não: a morte não é um accidente: ella é uma conseqüência da vida. Se os órgãos são instrumentos indispensáveis á vida, o simples exercício das funcções' mesmo -o exercício mais regular, influenciado por causas inevitáveis de uma acção mais ou menos lenta, é sufíiciente para no termo de um prazo mais ou me- nos longo produzir o enfraquecimento dos órgãos, diminuindo a cohesão de suas moléculas, afrouxando a rigeza das fibras, precipitando a decom- posição dos elementos orgânicos, e tendendo ás combinações binadas, que são a morte da matéria organisada, quando a força vivificadora vencida pe- jas novas affinidades não pôde mais ter mão a esta decomposição, que se precipita. Por mais assustadora que se nos apresente a idéa da morte, por maior que seja a estranheza com que a encaramos, ella é inevitável, como a fata- lidade, é uma lei da natureza, cujo cumprimento é indispensável á ordem e harmonia do Universo, e á perpetuidade da espécie. Se o egoísmo ou o individualismo é repellente na ordem social e moral, não o é menos na ordem physica. Na ordem do Universo, segundo os cálculos da Providencia, o indivíduo e constantemente sacrificado á espécie. Lancemos a vista sobre este maravilhoso espectaculo do Universo: enca- remos estas florestas sempre viçosas e fragrantes, vejamos pullular cheias de vida, de mocidade e de prazer estas gerações novas, que surgem para os gosos da vida ao lado de uma outra geração a quem também já sorrirão as alegrias da vida, e eme vae ser devorada pelos abysmos da morte, e con- vencer-nos-hemos de que é á esta continuada hecatombe que é devida a juventude perpetua do Universo. A vida renasce das ruinas da morte, como a phenix renasce de suas pró- prias cinzas: assim também a morte é o ultimo e inevitável termo da vida: é um estado novo dos elementos da vida, que só esperão o momento de re- comporem-sc por novas aggregações sob a influencia da força desconhecida da vida para darem nascimento a novos seres. A vida e a morte formão um circulo vicioso, que abrange em sua im- mensa área todos os seres a quem a natureza deo a organisação e a vida. « Os seres vivos podem morrer, diz o sábio Sr. Longetí; mas a vida se « continua de uma geração que se aniquila á geração que a segue: e se de- « pois da morte os elementos dos seres voltão á matéria inorgânica, esta « por sua vez entra na vida, fornecendo os elementes dos seres novos, que « a vida anima: e se fosse possível idealisar os seres em uma existência « única, poder-se-hia de algum modo encarar a morte, como uma funeção « ultima da vida. » Esta opinião, de uma verdade e exactidão incontestável, é o desenvolvi- mento do bello pensamento de Mr. de Keratry 2, quando diz que as gera- ções são anthropophagas umas das outras. Mas o que determina a duração da vida? Ha para ella um termo fixado na natureza dos seres organisados e vivos? 1 jj01loCt—Tiaité de Phisiologic—Tit. Io, Introduction. 2 Lüductions morales d phisiologiques. 3 Eis uma questão complexa, cuja resolução está intimamente ligada ás nossas idéias precedentemente expostas. O ar, que nos cerca, e que respiramos, a água, que bebemos, os ali- mentos sólidos ou líquidos, que ingerimos, o calor, que nos aquece, a luz, que nos alumia, as paixões, que nos agitão, são causas poderosas, que exer- cem uma acção constante sobro o organismo vivo. Receber a influencia destas causas na justa medida seria o único meio de determinar a duração da vida; mas esta justa medida é tão difficil ao homem, como o descobrimento da pedra philosophal, ou tão impossível, como descobrir ou resolver o problema da quadratura do circulo. A nossa sensibilidade, as nossas paixões, os nossos appetites, os innu- meros estímulos, com que a nossa razão insciente ou obsecada pelas pai- xões soe despertar a nossa sensibilidade, são sufficientes para que jamais possamos receber na justa medida a influencia das causas, que actuão sobre nós: donde provém mesmo, sob a influencia destas causas ordinárias, altera- ções varias, que rompem o equilíbrio das funcções, que occasionão as mo- léstias, ou que arrastão a dissolução da matéria organisada, e com ella a morte. Entre as causas, que actuão sobre a matéria organisada, e a mesma maté- ria ha um intermediário, que resente a influencia destas causas, na ausência do qual ellas não obrarião, senão ao modo das forças mortas da natureza. Este intermediário é a vida considerada como causa dos phenomenos vitaes, força cuja receptividade não é sempre a mesma, o que faz que não seja sempre a mesma a opportunidade de acção das causas, que actuão sobre ella. A influencia das causas varia, pois, e esta variabilidade torna para sem- pre impossível a determinação da duração da vida. Mas o exame attento da matéria organisada e viva, o conhecimento plene da influencia das causas, que, por assim dizer, conspirão de continuo contra a matéria organisada para leval-a á dissolução, levão-nos á convicção de que ha na natureza da matéria organisada e viva um termo fixado á su? duração, embora seja impossível determinar este termo. Queremos dizer que os seres organisados e vivos não são eternos, que em sua mesma na- tureza trazem os marcos desconhecidos, que lhes limitão a durarão. Querer saber o como, e porque modo esta força se fixa sobre* a matéria organisada para vivifical-a, e o como esta força, que temos appellidado um quid incognitum, força, que escapa a todos os nossos instrumentos de ana- )yse, que o anatômico por mais que se esforce jamais será capaz de apresen- tar na ponta do seo escalpello, querer saber o como os infusa e os cir- cumfusa obrão sobre ella, é um mysterio impenetrável á razão humana, e cujo conhecimento só é dado á razão superior d'Aquelle que creou o Uni- verso. O mysterio é sagrado e inviolável, e será imprudente e néscia toda scien- cia, que pretender ter uma janella aberta sobre o mysterio. Aliás, que importa á sciencia este mysterio? Não é preferível esta sabia ignorância ao systema de emaranhar-se em hypotheses absurdas ou chime- ricas, donde jamais pode surgir a luz da verdade? Nesta questão, segundo a opinião de um sábio professor da Universidade de Urbino 1, basta á Scien- cia Medica verificar o facto da existência, desta força, seu modo de acção, suas leis emfim. Uma importante consideração nos suggerem estes pensamentos. O homem dJhoje vive menos que os das eras idas. Porque não vive elle hoje tanto como os homens d'outrJora? Porque o termo médio da existência humana tem baixado a uma cifra tão descommunal que em comparação da duração do homem nos tempos primitivos pode-se dizer que a nossa actual existência é uma duração ephemera, e que somos hoje infantes ao romper da aurora, adultos ao meio dia, velhos no crepúsculo da tarde, e cadáveres ao cahir das sombras da noite? Terá passado a organisação humana por alguma mys- teriosa transformação, de que resulte que a sua duração se tenha tornado tão curta e limitada? Abra-se o livro dos livros, e veremos no Gênesis que os homens primi- tivos contarão a duração de sua existência por centenas de annos. Adam, Seth, Cainan, Jared, Malalael, Henos, Mathuzalem, Lameth, Noé e outros durarão por muitas centenas de annos, e em companhia dos Patriarchas seos progenitores virão multiplicar-se a sua descendência como as areias do mar. Séculos depois do grande cataclismo, que submergio o Universo, ainda a duração do homem se contava por séculos, como o attesta a existência de quatro séculos de Abraham. Muitos séculos depois de Abraham a existência do homem ainda se contava por séculos; pois a Historia Santa diz-nosjque Moysés vivera duzentos annos. 1 MaurizioBufalini—Patologia analítica—Ma i chimici cercarono eglino perchè 1'aeido arrossi Ia tintura di tornasole, e il calorico dilati i corpi? Osservarono bene questo fenô- meno, e Io indagarono in tutte le sue relazioni possibili, donde poiricavarono le leggi con le quali suole accadere, e di tutto cio contenti non ardirono de ricercarlo piú addentro. A organisação do homem é certamente a mesma que a do primeiro ho- mem. Deos não reformou a sua obra, e nem deo á humanidade um outro modo de geração, nem um outro principio vivificador á matéria organisada. As condições da humanidade é que tem variado e mudado de mil diver- sas maneiras, e com estas innumeras mudanças e variações a vida do homem se tem visto circumdada e influenciada por um maior numero de causas, que a solicitão em diversos sentidos, e que, tendendo a romper as affinidades da matéria orgânica, chegão no fim de breve tempo a produzir estas des- aggregações, que afrouxão os laços de harmonia do principio da vida, e que produzem as doenças e a morte. A necessidade da vida social em que tem sido preciso ceder toda ou parte de sua liberdade a governos pouco solícitos pelos interesses collectivos, ou por ignorância ou por má fé e por egoísmo, os trabalhos forçados, que exige a acquisição dos meios de subsistência, as más bebidas, os alimentos máos ou escassos, as habitações insalubres, a respiração de um ar viciado pelas decomposições das matérias orgânicas e pelos resíduos da combustão respi- ratória, a ignorância, a impetuosidade das paixões inflam mau" as por mil in- cidentes, as contrariedades inevitáveis dos desejos e paixões desregradas, a ambição mallograda, os despeitos da inveja, as explosões da cólera, o fogo consumidor dos ódios rancorosos, os preconceitos, o fanatismo, a superstição, são causas ordinárias sempre promptas, sempre á mão para gastarem a força da vida, para produzirem moléstias inevitáveis, e para levarem a vida a seo termo antes do tempo, que lhe seria permittido durar, se tantas causas reu- nidas de todos os lados a não abreviassem. Tomando-se uma destas causas somente para considerar sua influencia sobre a vida, a alimentação por exemplo, veremos que ella em milhares de circumstancias, longe de ser uma causa de influencia benéfica, servindo para reparar as perdas continuas, que experimenta a matéria organisada e viva nos movimentos normaes de decomposição provocada pelas funcções nutri- tivas, torna-se ao contrario, ou por sua e scassez, ou por sua demasia, ou por sua qualidade, ou por sua inopportunidade, ou emfim por sua simulta- neidade com substancias alimentares incompatíveis, causa de muitas desor" dens e perturbações, que rompem a harmonia do principio da vida com a matéria organisada, e é capaz por si só de produzir as mais graves doenças, e provocar a morte. Já Seneca na sua sabia sentença: Si vis numerare morbos. cocos numera, havia reconhecido esta verdade pathologica. E para mais corroborar esta opinião sensata, abra-se o precioso livro do illustrado Fleurens i, e ver-se-ha que elle promette ao homem a dilatada vida de duzentos annos com a condição de evitar a influencia de certas cau- sas, de ter um trabalho moderado e regular, de conservar a calma de seo espirito, e muito principalmente de regular a sua alimentação. E elle, que apezar de fraco e doentio em sua mocidade, a ponto de ser considerado pe- los homens da sciencia como devendo contar poucos dias de existência, executou sobre si mesmo os preceitos, que aconselhara; si não alcançou a longevidade promettida, conseguio ao menos baixar ao túmulo depois de uma existência quasi secular. Tal é a influencia da alimentação sobre a saúde e a vida. Figure-se a in- fluencia das outras causas. Entretanto, continuando em nosso pensamento sobre a duração compara- tiva dos homens das eras passadas e dos dos últimos séculos até nós, é de rigorosa necessidade convir em que os homens primitivos não tinhão, como os que lhes forão succedendo, tantas causas perturbadoras da saúde e da vida. Até aqui tenho exposto, sem largos desenvolvimentos, minhas opiniões a respeito de certas questões de physiologia transcendente: e sem temor de que no conceito de críticos pouco benevolos possão nossas idéias ser alcu- nhadas de deliramenta luxuriantis ingenii, ahi vão ellas expostas ao modo de profissão de fé phisiologica, e como um primeiro desbravamento do sil- vado, que conduz ao objecto desta dissertação. Para complemento deste trabalho preparatório, e procurando o mais pos" sivel evitar questões de doctrina, que não estão mais na moda neste nosso século, que se inculca de eminentemente pratico e utilitário, irei considerar sob o aspecto pathologico a influencia não já das causas ordinárias, que enu- meramos; mas a influencia de outras causas accidentaes, que por sua espe- cificidade, por sua malignidade traiçoeira, abalão todo o organismo vivo com violência tal, que a mór parte das vezes rompem a harmonia do prin- cipio da vida com a matéria organisada, e a entregão com a morte ao do- mínio das decomposições e das combinações binadas. Certamente para aífligir a humanidade não bastão as causas morbificas ordinárias, não bastão o rigor e a inclemencia das estações, não bastão as 1 Longevité. 4 o 10 o impressões climatericas, as impressões das localidades, as impressões catas- taticas, as impressões moraes, a influencia das idades, dos sexos, dos tem- peramentos, das constituições, da conformação, das idiosyncrasias, dos há- bitos, das profissões, da alimentação, do exercício e do movimento, dos vestidos, da herança e dos venenos, etc. Era preciso ainda para fartar a voracidade da morte e para tornar mais completa esta hecatombe, que rejuvenece o aspecto do Universo, que ou- tras causas creadas fora ou no homem mesmo, ou nos outros animaes, em conseqüência de profundas transformações ou alterações metabolicas, viessem patentear a sua malignidade especifica. Se ao homem succede passar pelas proximidades de um lago, onde as águas estagnadas dormem tranquillas expostas aos rigores do sol, ou mesmo rodeadas dos aromas das flores; eflluvios pestilenciaes penetrão em seo seio com o ar, que respira, e lhe dão a doença e a morte talvez. Se procurando a brisa fresca da tarde tem a infelicidade de encaminhar- se debaixo do açoite dos ventos, que passão por sobre um pântano, volta para o lar doméstico com o germen de uma intermittente, que o retém por muito tempo no leito da dôr, ou que em breve dá cabo de sua exis- tência. Se circumstancias o obrigão a achar-se em lugares pouco espaçosos, mas apinhoados de muitas pessoas, que fazem longa demora nestes lugares, ex- perimenta os perniciosos effeitos do ar confinado, que pode fazel-o succum- bir promptamente pelos effeitos da asphixia. O ar é um alimento da vida, alimento indispensável, essencial á existên- cia dos seres vivos; mas em muitas occasiões, em tempos ou estações de- terminadas, o ar, que respiramos, se vicia de um modo imperceptível para o homem, e quando este pensa receber nelle a saúde e a vida, encontra ou as mais graves doenças ou a morte. Princípios de uma natureza differente da dos eflluvios, originados de emanações do corpo vivo, são ou doente, ou de matérias orgânicas em pu- trefacção, misturão-se no ar, que se respira, e o envenenão. Ás vezes estes princípios, que são emanações animalisadas particulares impossíveis de se reconhecerem por outros meios, que não sejão os seos effeitos assustadores, dotados de uma terrível virtualidade, mas imponderáveis, invisíveis, esca- pando ás investigações dos sentidos os mais delicados, a ponto de parecerem não existir comocorpos, mas somente como uma modalidade da matéria da o H o atmosphera, e da mesma fôrma, como diz o Sr. Bouchut l, que o ozona é uma modalidade do oxigênio, misturão-se ao ar atmospherico, entrão por todas as partes, e por todas ellas vão levar o terror, a devastação e a morte: taes são os miasmas propriamente dictos, taes são as moléstias especificas, miasmaticas, como o tiphus, a peste do Levante, a febre amarella, o cho- lera-morbus, flagellos terríveis, que desde séculos tem precipitado nos abis- mos da morte mais de metade do gênero humano. Mas se os miasmas propriamente dictos escapão a todos os meios de ana- lis e, e a toda investigação dos sentidos, assim não succede com certos ou- tros miasmas, que são emanações animaes mórbidas ou pútridas, cuja ori- gem são a expiração pulmonar e a exhalação cutânea, e cujos vehiculos são os vapores expirados e os suores; e comquanto estes princípios sejão des- conhecidos em sua essência, que igualmente escapa aos nossos meios de investigações, comtudo não escapão á apreciação do olphato, que nelles dis- tingue o cheiro particular dos dormitórios, dos quartéis, das prisões, dos hospitaes, etc; cheiro, que é devido ás emanações mórbidas das diversas moléstias especificas de que provém, notando-se-lhes a faculdade, que tem de se reproduzirem sempre em entidades mórbidas da mesma natureza do miasma gerador. Estes miasmas ou emanações mórbidas e pútridas revelão a presença de varias moléstias especificas, como o tiphus, a varíola, a po- dridão d'hospital, etc. As emanações, que se desprendem de matérias animaes em decomposição, seja qual fôr a sua natureza, misturão-se ao ar atmospherico, vicião-no, corrompem-no, e formão uma atmosphera de estranha constituição, cuja impressão sobre o organismo produz as mais graves e perigosas moléstias, que entretanto differem das moléstias provenientes dos miasmas propria- mente dictos e das emanações miasmaticas vivas em que lhes falta a espe- cialidade, e seos productos são effeitos especiaes pútridos. Em fim, a vida do homem está ainda sujeita á perniciosa influencia da acção dos virus, elementos mórbidos desconhecidos em sua natureza, que são o producto de uma elaboração mórbida particular, tendo por qualidade essencial a reproducção por inoculação, dotados de uma acção deleterea muito notável, podendo desenvolver-se espontaneamente no organismo, como o principio contagioso da varíola no homem, e o da raiva nos outros animaes. 1 Pathologie generale. o 11 o Alguns destes virus, como o varíolico, tem a rara propriedade de lançarem de si uma matéria miasmatica, que se mistura á atmosphera, espalha-se ao longe, e vae occasionar epidemias variolicas. São virus voláteis em oppo- sição aos outros, a que dão o nome de fixos. Poderíamos ainda apresentar como causas não ordinárias, que obrão sobre a vida, certas influencias consensuaes, nervosas, certas aberrações da intelligencia e da vontade, causas a que se poderia dar o nome de impres- sões nevrosicas, como as denomina o Sr. Bouchut. Mas é tempo de terminar esta introducção, que teve por fim o desen- volvimento, ainda que succinto, de algumas opiniões phisiologo-pathologicas de que nos serviremos no correr desta dissertação, e cujo valor convinha previamente precisar, Somos pois chegados ao assumpto, que escolhemos, como objecto deste trabalho, assumpto, que se tem alguma cousa de especulativo, é principal- mente notável pelo interesse pratico, que desperta em um paiz, como o nosso, em que tanto a febre amarella, como as febres remittentes biliosas tem atacado quasi toda a população. E como o nosso fim ultimo é tirar as deducções therapeuticas, que se derivão da semelhança ou difTerenças, que apresentão estas duas impor- tantes entidades mórbidas, deducções, que serão um verdadeiro e luminoso phanal para a pratica da medicina, nosso plano será primeiramente pôr em frente uma da outra estas duas individualidades mórbidas, representando-as com seos traços e feições características, confrontal-as, comparal-as, e de- pois notar as semelhanças, que as confundem, e as differenças, que as distin- guem. Será este o objecto da primeira e segunda parte, sendo a terceira constituída pelas deducções therapeuticas. FEBRE AMARELLA ESPECIFICA, DEFIXlflO. '^W^^ FEBRE AMARELLA, flue se tem também designado ^t?>'-W^^^ com os nomes de Causus, mal de Sião, febre pestilencial, m';-^' iTlíS' vomito preto, typhusicteroide, typhusamaril, typho ame- j^>Y^ J*;V>£ ricano, febre adeno-nervosa, febre gastrico-ataxo-adinami- ^"X^^^S*^ ca, é uma terrível moléstia, que reina epidemicamente, oriunda das Antilhas e do littoral do Golpho do México, onde reina ende- micamente, e donde se tem espalhado ha dois séculos por todas as partes do mundo com caracter epidêmico, levando por toda a parte o terror e o medo, e deixando assígnalada a sua fatal passagem pelos estragos da devas- tação e da morte. Como o typho d'Europa, como a peste do Levante, e como o cholera da índia, a febre amarella tem um gênio, uma índole especial, que é de- terminada pela natureza do miasma, que a produz. Uma vez desenvolvida em um foco, que para ella é essencial que seja um porto de mar, ella se precipita com uma carreira impetuosa, e assenta indiííerentemcnte seos arraiaes nas regiões quentes, nas temperadas ou frias, zombando dos climas, jjas estações, das correntes dos ventos, desen- volvendo ás vezes um capricho tal que, poupando quasí sempre a população indígena, ou atacando-a com menos extensão, ou com mais benígnidade, ti o li ao passo que é de uma inexorável crueldade contra os estrangeiros não aclimatados ou recém-chegados, mormente os Europeos, outras vezes deixa a estes últimos no goso de uma perfeita immunídade, ao,passo que devasta espantosamente a população indígena. Os vários nomes, que formão a synonimia da febre amarella são a sua fé de oflicio dos serviços, que ella tem prestado no mundo á causa da de- vastação. O miasma, que a produz, é tão desconhecido em sua natureza, e em sua essência, como o que produz a peste do Levante, o typho d'Europa, e o cholera-morbus epidêmico do Ganges. Elle se transporta longe de seo foco para produzir novos focos geradores de epidemias semelhantes, misturando-se com o ar atmospherico, e deixan- do-se levar sdbre as azas dos ventos. Passageiro invisível, elle embarca-se nos navios, e se transporta aos con- fins do mundo com os homens, com os vestidos, com as mercadorias. Respeitador de seos hospedes, com;) um Beduino, elle não ataca segunda vez aquellcs, que uma vez atacou. Caprichosa em extremo, e sem que possa explicar a razão deste singular phenomeno, quando todas as circumstancias meteorológicas paredão favo- recer sua continuação e desenvolvimento, esta epidemia pára de repente, e deixa a população indígena e estrangeira no goso de muitos annos de im- munidade, sem que alguma outra cousa faça lembrar a febre amarella, senão moléstias apresentadas pelos Europeos, caracterisadas pela febre, còr icte- rica, vomito preto, etc; mas taes moléstias bem estudadas são devidas a febres remittentes graves do paiz, que reinão todo o anno endemicamente, e que, aggravando-se, tomão o caracter epidêmico, e atacão a população inteira. A febre amarella não é pois uma moléstia local, é uma moléstia geral, que ataca os órgãos em sua vitalidade, que perturba as funcções vilães em seo exercido e em sua harmonia pela acção irritante e sepiica do mias- ma, que a produz, acção, que de ordinário tem como pontos principaes de manifestação a membrana mucosa gastro-intestinal. NATTHUl. Tudo quanto a sciencia ajudada da observação tem podido dizer sobre a c U o natureza dafebre amarella é justamente não o que ella é; mas o que ellíí nfio é. Sabemos que ella é devida a um miasma; porém conhecemos tanto deste miasma, como dos que produzem a peste do Levante, o typho da Eu- ropa ou o cholera aziaíico. [Iludidos por uma apparencia de semelhança entre alguns symptomas íh febre amarella com os das febres intermittentes, e principalmente com os das remittentes biliosas^ ou levados por quaesquer outras considerações relativas á nalureza paludosa dos paizes, onde teve o seo berço a febre amarella, alguns observadores tem sustentado que o miasma palustrc é o miasma gerador da febre amarella:.e assim para estes observadores e seos sectarijs a lebre amarella é uma moléstia de natureza paludosa. Por muito respeito que tiibutemos ás opiniões auetorisadas destes obser- vadores, firmados nas observações o opiniões de outros, e nas nossas pró- prias observações, pois já estivemos em posição de encarar face á face duas epidemias de febre amarella, e de ter sob a nossa direcção um hospital es- pecial para os atacados desta moléstia, além das observações feitas em nossa clinica, somos de opinião inteiramente contraria a esta, e sustentamos que a causa ou'a origem da-febre amarella não pôde ser o miasma palustre, e (jue assim a febre amarella não é' uma moléstia de nalureza palu- dosa. Vi-a desenvoíver-so na cidade de Maroim, iri^ar beira-mar, que fica a meio caminho de um rio, que a corta pelo meio, que se mistura na mór parte de sua extensão com as águas salgadas, e cujas águas não transbordão jamais de suas margens elevadas, senão por oceasião de duradouras chu- vas torrenciaes, não sendo este lugar o mais notável pela proximidade de grandes pântanos; vi-a desenvolver-se nesta cidade com todos os seos cara- cteres disiinclivos ao lado das febres intermillentes e remittentes, que cos- tumão reinar naquellas paragens nos mexes de Fevereiro, Março e Abril, ou «nas primeiras águas» como se diz no lugar. Se a febre amarella é proveniente do miasma palustre, porque se mani- lestavão em uns as intermittentes e remittentes com o seo caracter de be- nígnidade ordinária, e em outros maniíestavão-se os symptomas terríveis da' febre amarella. que dizimou a população? Vi-a também nesta mesma epocha desenvolver-se ainda com mais fero- cidade nas villas da Capella e de Itabaiana, villas quasi sertanicas, situadas em lugares muito elevados, planos e salubres, não sujeitos aos eflluvios dos pântanos, ou accidentalmente pouco sujeitos, e quando se davão casos mui o;. c 16 o raros de intermittentes c remittentes. A quinina as não curava, e curava' as intermittentes e remittentes. Desenvolveo-se, e propigou-se com mais actividade ào que na cidade de Maroim, na cidade deS. Christovão, então capital da província de Sergipe, lugar também elevadíssimo, muito ventilado, rodeado de fontes e ribeiros de excellente água, e só accidentalmente sujeita aos eflluvios pantanosos, quando reinavão os ventos do sul e suesíe, apresentando a caprichosa par- ticularidade de atacar principalmente a infância em quem fez muitas victimas. É sabido, entretanto, que o miasma paludoso não manifesta este capricho. Em apoio de nossa opinião, ouçamos a opinião muito auctorisada do Sr. O. Saint Vel ': « A moléstia, (\uc se desenvolve ao longo dolittoral, na embocadura dos « rios em que se faz uma mistura d'água doce e de água salgada, emana « de um foco marítimo, e tem uma origem orgânica? « Existem muitas regiões, mesmo as mais quentes, como a índia, em que « se achão estas condições sem que a febre amarella se desenvolva. « A febre amarella tem por origem um miasma especial, como o do cho- « lera, e como este desconhecido cm sua essência, e nas condições de sua « gênese. « A causa da febre amarella não pôde ser o miasma palustre. » Nesta incerteza desesperadora sobre a nalureza deste terrível flagello, o espirito humano em sua rcacção impotente contra a tenacidade do mysterio tem recorrido á observação; mas esta, por mais aturada e bem dirigida que tenha sido, não tem encontrado no fim de suas fadigas senão a incerteza e a duvida. As próprias causas, que favorecem a sua gênese, o seo desenvolvimento e transmissão são para nós quasí tão obscuras, como a natureza do miasma gerador da febre amarella. Sabe-se, por exemplo, que as condições meteorológicas, com quanto não tenhão o poder de produzir a febre amarella, são causas secundarias aclivas, capazes de facilitarem o seo desenvolvimento, quando ella já existe. Mas determinar de um modo certo e positivo quaes destas condições meteorológicas, quando e como ellas podem directameute contribuir para o M:iladio>; dos reglons uiíert;qp:c:il(js. desenvolvimento do miasma gerador da febre amarella. é tão diflicil. como determinar a nalureza do mesmo miasma. Sabe-se que o calor, a electricidade, a pressão atmesphcrica, os ventos, o frio, a hnmidade. ou pela atonia e languor, que produzem no organismo, ou em outras circumstaneias, dando ao organismo condições, que augmen- tão a força de resistência vital, e que a tornão insensível á influencia do miasma, podem contribuir para o seo desenvolvimento, ou para a sua in- differença, ou por outra, para servir-me de linguagem teclmica. podem pro- duzir a receptividade ou a immunidade. Mas este problema obscuro ainda não foi resolvido: ainda se não conseguio fazer a luz neste problema por demais complexo. Na província de Sergipe, em lívlO. desenvolvco-se a febre amarella com o caracter epidêmico nosmezes de Janeiro, Fevereiro e Março, epochasdos mais fortes calores; mas apezar da volta da estação fria, com o cahir das primeiras águas, ella não cedeo de sua ferocidade, c não foi sem.o no mez de Maio que ella fez tréguas naqnelfa região. Ouçamos ainda o Sr. Saínt Vel l: « Nas Antilhas a febre amarella desenvolve-se com força nos mezes de « Novembro, Dezembro, Janeiro e Fevereiro, que constituem a epocha fresca « do anno. « Nos paizes temperados a feltre amarella se tem declarado em verões « muito quentes; mas o abaixamenlo do thermemefro não tem sempre em- « pedido sua marcha. « Em Novembro de 1703, cm Philadelphia, o lhermomeíro marcava zero, « e em O dias 118 pessoas morrerão de lebre amarella. « EmBaltimore, em 171H, o tempo frio não deteve os desastres, que oc- « easionava uma epidemia de lebre amarella. « Km Gibraltar, em 18L>, ella mostrou-se na esiação mais fresca c mais « salubre. » Já se yü que o calor, o frio, a hnmidade, a pressão atmospherica, se al- guma influencia exercem sobre o desenvolvimento e propagação da febre amarella, esla influencia não é positiva, determinada, necessária. i Obra cito da. i; o 18 o Será esla influencia necessária a da electricidade? As mesmas duvidas, a mesma obscuridade: o que os íaetos nos manifeslão é que ás vezes, como pude verificar, e como o attesião observadores muito discretos e conscien- dosos, o estado eleeirieo coincide com um maior desenvolvimento e pro- pagação da febre amareiia, desenvolvimento demonstrado por um maior numero de atacados, e outras vezes este estado coincide com um notável abaixamento no furor epidêmico, e inicia um período de immunidade, a ponto de suspirar a população pelas trovoadas, como um meio de acalmar os furores do llagello. Será esta influencia a dos venms? Todos os práticos, que tem assistido á epidemias de febre amarella, são accordes em não concederem aos ventos esta influencia determinante e necessária sobre o desenvolvimento da febre amarella. Quando a epidemia está em sua obra devastadora, ella segue a sua murcha inteiramente indüíerente aos ventos, que soprão, embora as cir- cumstanuas esperiaes de certas localidades mostrem que certos ventos exer- cem uma grande influencia sobre o desenvolvimento da febre amarella, como nas Antilhas, onde, como diz o Sr. Saint Vel, os ventos quentes do Oeste e do Sul, que reinão na invernada, parecem exercer tal influencia, que logo que comerão a soprar « o aspecto das enfermarias muda, e anuvia-se, as melhoras pai ão, as convalescenças são compromettidas e todos os sympto- mas tendem a aggravar-se » . Mas nestes casos devemos crer que outras influencias, como o calor, que vem de envolta com estes ventos, contrastando deslãvoravdmenle com a temperatura ambiente sobre os corpos dos doentes, e produzindo os mãos effeitos da impressão simultânea do quente e do frio, perturbão assim a marcha da moléstia com desfavor para os doentes. Em todas estas observações, pois, tão positivas por um lado, e por outro tão contradictorias, o espirito o mais perspicaz, embrenhado em um abysmo de incertezas e de duvidas, não pode em seu enleio sahir de tantos emba- raços, senão com o estabelecimento de uma Iiypollmse, que consiste em aliinnar que nenhuma destas causas secundarias tem influencia determinada e necessária sobre o desenvolvimento e propagação da lebre amarella. e que não adquirem esta influencia, senão pelo concurso de outras causas, e dadas certas circumstaneias favoráveis á sua acção: «pie isto explica os pbe- nornenos de receptividade e de immunidade. Mas a determinação deste con- curso de causas secundarias, e das condições ou circumstaneias. que lavo- recém a sua acção combinada ou isolada, tal é a grande diíliculdade, que o 19 o colloca a questão em seo estado primitivo, a saber: que não nos é possível, no estado actual da sciencia, resolver o problema obscuro e complexo do modo por que estas causas secundarias podem influir sobre o desenvolvi- mento e propagação da febre amarella. CAUSAS OCCASIOXAES E PREDISPOSESTEV, IMMCMDADE, Seria quase escusado, no estudo desta terrível epidemia, enumerar as cau- sas oceasionaes. Quando infelizmente o homem tem concebido o miasma produetor da febre amarella, concepção inevitável; pois que elle insciente o recebe ou no ar. que respira, ou na communicação com aquelles, que tem sido atacados desta moléstia, ou nos vestidos, que tem estado em logares onde ha aflectados. ou nas mercadorias, que compra para seo uso, proce- dentes de lugares infectados, qualquer causa, qualquer alteração em suas funcções, é capaz de abrir as portas á manifestação dos symptomas desta moléstia. Comtudo, como a experiência tem mostrado que certas causas, certos desvios no rilhino normal das funcções vilães podem dar ao homem uma certa aptidão a contrahir esta moléstia, ou a augmentar a sua recepti- vidade, estas causas podem ser enumeradas, e assim se lhes tem dado o no- me de causas oceasionaes, bem que devamos crer que, quando grassa uma epidemia desta ordem, nenhum indivíduo deixa de ter recebido a acção do miasma, o qual se em alguns não manifesta os seos terríveis effeitos, é por- que encontra no indivíduo condições desfavoráveis ao seo desenvolvimento, condições, que, reunidas e concorrendo todas ao mesmo fim, produzem este precioso estado a que a sciencia dá o nome de immunidade. Em geral apontão-se como causas oceasionaes a insolação. os excessos no beber e no comer, os abusos das bebidas alcoólicas, os excessos do coi- to, as fadigas excessivas do corpo e do espirito, o medo, as paixões depri- mentes c tristes. A simples enunciação destas causas mostra que ellas, produzindo um cer- to estado de enfraquecimento e de perturbação nas funcções da vida, de- minuindo a resistência vital, augmentão a receptividade para o miasma, ou abrem a porta á manifestação de seus effeitos, se o miasma achava-se não já no estado de concepção ou de incubação, mas recebido no estado de in- differença. o 21) o Os temperamentos, as constituições, as idades, os ofíieios e profissões parecem não exercer influencia alguma, como causas oceasionaes ou pre- disponentes. A febre amarella ataca com a mesma facilidade a infância, a viriiidade e a velhice, o robusto e o fraco, o sangüíneo, o nervoso, o lim- phatico c o bilioso, os indivíduos indisíinctamente de todas as profissões e oflicios, e como a morte, segundo a bella expressão de Jíoracio: .....Aeqao pulsat pede Pauperum tabernas, rrgiuiiquc 'turres. Comtudo, devemos observar que nas duas epidemias a que assistimos e em que tomamos parte muito activa, no nosso mister de medico, a velhice ou rica ou pobre pareceo a epocha da vida mais respeitada por esta tre- menda enfermidade: poucos homens velhos forão atacados da epidemia, e dos atacados me não constou que algum chegasse aos períodos mais gra- ves de moléstia, passando logo do primeiro período á convalescença. Esta benígnidade da febre amarella para com a velhice, ou antes a me- nor receptividade dos velhos para com a febre amarella, é justificada pela consideração de que os velhos tem a sensibilidade mais embotada, nelles as reacç.ões vitaes são menos promptas, os sentidos mais amortecidos, o sys- tema nervoso menos cxcitavel; finalmente o poder do habito no longo tra- fego da vida os tem, por assim dizer, encouraçado contra as impressões de qualquer natureza que sejão. São razões sufiicientes para a explicação do fado de sua menor receptividade para o miasma gerador da febre amarella. A immunidade é um phenomeno opposto á receptividade, e deve ser considerada sob dous aspectos differentes. No meio de seo furor devastador, quando a febre amarella, de alfange alçado, parece não dever parar em sua marcha, e encontrar nas condições meteorológicas circumstaneias favoráveis ao seo desenvolvimento e propa- gação, vê-se, sem que se possa achar a razão de ser deste facto, acalmar ella a sua raiva, baixar a uma cifra diminuta o numero dos atacados, en- trarem estes em prompta e fácil convalescença, e começar um período de immunidade, que pode durar annos, durante os quaes se não dão casos de febre amarella, nem mesmo esporádicos, a ponto de fazer ella esquecer os seos terríveis estragos. Esta espécie de immunidade, que certamente não ó devida á extineção do miasma, porém sim ao desapparecimento das condições, que lhe facili- o 21 o tavão e favorecião o desenvolvimento e propagação, é uma immunidade, que affecla toda a população: é, se nos é permittida esta expressão, uma immunidade endêmica, ou epidêmica. Outras vezes vê-se um longo período de immunidade proteger a popula- ção indígena, que fica assim resguardada contra os ataques da epidemia, ao passo que esta, rompendo a trégua, atira-se com desapiedada sanha contra os estrangeiros de qualquer nacionalidade, não ainda aclimatados, ou recen- temente chegados ao paiz atacado. Na segunda epidemia de febre amarella, a que assisti na cidade de Ma- roim (província de Sergipe), onde residia, não houve uma só pessoa filha do paiz, ou nelle acclimada, que fosse atacada da febre amarella, ao passo que o meo hospital encheo-se de doentes de varias nacionalidades, ha pouco che- gados: Hamburguezes, Austríacos, Italianos, Hanoverianos, Suecos, No- rweguezes, Dinamarquezes, Inglezes e Americanos do Norte, dos quaes muitos succumbirão a esta terrível moléstia, uns por não procurarem logo os soccorros da sciencia, outros pela nenhuma cautela com que erão trans- portados para o hospital, fazendo uma travessia de mar de mais de seis lé- guas por meio de um sol abrasador, ou sem gasalhado contra os aguaceiros. Nesta outra espécie de immunidade vê-se que o concurso de circumstan- eias ou condições favoráveis ao desenvolvimento e propagação da febre ama- rella, tendo desapparecido em relação aos indígenas ou aos acelimados, não desapparecera para os recemchegados, que por não affeitos pelo habito á acção da temperatura, do ar, das águas, da alimentação, como os acelima- dos, offerecião condições francas de receptividade. O segundo aspecto, sob o qual consideraremos a immunidade, é o aspecto individual. É um facto constantemente verificado nas epidemias a promptidão e fa- cilidade com que os não acelimados, ou os recém-chegados a um paiz ata- cado de uma epidemia, a conlrahem. Para adquirir a immunidade no meio dos estragos da epidemia, são pre- cisas duas condições: primeira — que o recém-chegado já tenha em outro logar passado pela provação do mal; segunda — que no paiz atacado, em que se acha, tenha atravessado um precedente período epidêmico. Esta espécie de immunidade baseia-se na particularidade notável, que tem a febre amarella, de não atacar de novo áquelle que já soffreo a sua terrível influencia. Se em todas as epidemias aquellas condições de immunidade individual 6 o 22 o são justificadas pela observação, ellas são de uma verdade incontestável nas epidemias de febre amarella, nas quaes é constante que os Europeos mal acelimados ou recentemente chegados são gravemente expostos. A emigração é um meio de fugir á influencia da epidemia; mas não é uma immunidade, da mesma forma que fugir é evitar, mas não luetar com o inimigo,' e o que o prova é que os emigrados, a não sujeitarem-se a um longo exílio, correm os maiores riscos em sua volta, pois são prompta e mortalmente atacados logo que chegão, e mesmo quando um período de im- munidade tem, como a trégua de Deos, dissipado na população todos os terrores. O Dr. Humboldt propõe como meio prophilatico, ou como um meio de adquirir a immunidade, a inoculação do virus da vibora. Se a experiência sanecionar este achado, o Dr.-Humboldt deve ser collocado ao lado de Jem- ner e outros grandes bemfeitores da humanidade. SYMPTOMAMOGIA, A febre amarella, como todas as moléstias epidêmicas, apresenta uma se- rie de symptomas necessários ou essenciaes, que formão o próprio fundo da moléstia, symptomas, que são os mesmos sempre e por toda a parte, e outra serie de symptomas relativos ou ancosorios, que se não apresentão em todos os casos, nem em todos os indivíduos, e que podem portanto va- riar, segundo as localidades e a intensidade maior ou menor da epidemia. A marcha da febre amarella apresenta duas phases ou períodos distinetos, a cada um dos quaes corresponde um certo grupo de symptomas. Sua invasão é repentina nos fortes ataques, quando ella descarrega seos golpes com todo o vigor. Em plena saúde, a qualquer hora do dia, e prin- cipalmente á noite, o indivíduo atacado sente subitamente um quebramen- to de forças, um enfraquecimento de pernas, que lhe dá um andar vacillan- te, e cahe logo no período de reacção ou de excitação com todo o seo cor- tejo de symptomas. Outras vezes a invasão é lenta, gradual, e se faz notar durante dous ou três dias por cansaços, arrepios, indisposições, espreguiçamentos. sentimen- to de tristeza, inappetencia, mau gosto dos alimentos, dores e repuxos na cabeça, ondulações de calor com constricção das temperas. Passados assim dous e mais ordinariamente três dias, quando o doente ainda crê ter um in- commodo passageiro, abre-se a scena com os symptomas do primeiro período. Então a cephalalgia com constricção das temperas torna-se atroz, os olhos doridos a ponto de se não poder volvel-os, dores pungentes e profundas nas orbitas, rachialgia cervico-dorsal e lombar, face pálida, ás vezes vultuosa, coberta de suor, olhos humidos, scintillantes, muito sensíveis á luz, con- junctivas oculares avermelhadas, injecção das redes vasculares, phisionomia abatida, e como deslembrada, dores contusivas nos músculos dos membros, e nas articulações, contracções dolorosas nas pernas e pés, febre irregular entremeiada de passageiras exacerbações, e que algumas vezes antes de es- tabelecer-se definitivamente apresenta-se sob a forma de accessos intermit- tentes, pouco ou nenhum frio, e quando os ha são sempre de curta duração e seguidos de um ou dous vômitos, calor seeco, mordicante, mormente na testa, a pelle secca cobre-se ás vezes de alguns suores quentes, pouco abun- dantes, limitados ao pescoço, ao peito e aos braços, mas desapparecendo logo sem abrandar a temperatura, como fazem os suores nas febres palus- tres; o pulso é largo, cheio, vibrante, regular no rythmo, porém mostran- do-se ás vezes menos cheio e molle, duro e serrado nos casos graves, sua freqüência eleva-se de 90 a 130 pulsações por minuto; a respiração é nor- mal ou anciosa e freqüente, e neste estado os doentes executão de 18 a 26 inspirações por minuto, a sede é vivíssima, intolerável ás vezes, náuseas seguidas algumas vezes de vômitos de alimentos, ou de vômitos biliosos de envolta com os líquidos do estômago, as mucosas da bocca são de um ver- melho vivo, a lingua orlada de vermelho, humida, coberta de uma espessa camada de saburra brancacenta ou acinzentada: outras vezes a lingua é secca e atrigueirada no centro, ou negra e como rachada naquelles que se dão ás bebidas alcoólicas. O abdômen não accusadôr, e de ordinário é brando, o epigastrio porém é doloroso á pressão, e um sentimento de anciedade e de oppressão o não abandona jamais: as ourinas são vermelhas, pouco abun- dantes, mas claras, e por occasião da emissão produzem no canal da ure- tra uma coceira, de que freqüentemente se accusão os doentes: alguns ob- servadores dizem que um dos symptomas do primeiro período é um anel de um vermelho vivo, que circumscreve o ânus, que desapparece, se a mo- léstia se termina ao terceiro dia, quando se limita ao primeiro período, e persiste até o fim no caso contrario. Tal é a expressão desta moléstia, taes são os symptomas mais ou menos constantes, que se manifestão no primeiro período. o U o É este período que conta o maior numero de curas; é neste período que a febre amarella, acalmando a sua cólera, dá quartel a alguns daquelles a quem tem ferido. A scena vae mudar: a expressão symptomatica já é outra: aos phenome- nos de reacção e de excitação vão se seguir phenomenos de mais calma; po- rém esta calma, este silencio, são como a calma da torrente na borda do precipício. Ai daquelles que passão ao segundo período, aos quaes, pela mòr parte, podem ser applicadas aquellas tremendas palavras, que Dante vio escriptas na porta do inferno — Lasciate ogni speranza voi che entrate. Com effeito, no segundo periodo um grupo de symptomas adynamicos e ataxicos vae succeder aos symptomas de reacção e de excitação, que provo- cou a acção irritante e septica do miasma: este grupo de symptomas dis- tingue-se do primeiro pelo seo caracter icterico mais pronunciado, hemor- rhagico e cerebral. Antes de começar o segundo periodo, ha uma remissão nos symptomas: se a moléstia tem de ceder, diminuem a cephalalgia, as dores dorsaes e lombares, as dores dos membros e das articulações, a dôr do epigastrio, o sentimento de pressão e anciedade, cessa de todo ou quasí de todo a febre, a pelle torna-se brandamente quente e humida, apparecem suores abundan- tes, e volta o somno e o appetite. Mas se, passado o primeiro periodo, não se manifesta uma remissão dos symptomas, como acabamos de descrever, ainda assim entre o primeiro e o segundo periodo manifesta-se por algumas horas (de 8 a 12 horas) uma certa calma, que illude muitas vezes ao medico, e ao próprio doente, que apenas accusa um estado de fraqueza, e crê marchar para a convalescença. O primeiro symptoma notável do segundo periodo é a mudança da côr animada e viva do primeiro periodo por uma côr amarellada e pallida; as conjunctivas injectadas de vermelho tornão-se amarellas: a côr icterica es- palha-se pelo rosto, pescoço, peitos, braços e membros: esta coloração, que é completa ao quinto dia da moléstia, varia segundo os sujeitos, apresen- tando diversas gradações. Esta coloração é constante e característica. O estado do pulso apresenta circumstaneias notáveis, torna-se lento, ir- regular com a particularidade, que se conhece com o nome de pulso gaso- so, o que é sempre um mau signal prognostico. A febre é de curta duração nos casos muito graves; mas de ordinário ella desapparece nos casos terminados pela morte. As dores de cabeça, dos globos dos olhos, dos membros, das articula- U o ções, do espinhaço, dos lombos, que podem manifestar-se vivíssimas ainda no segundo periodo, cessão, logo que augmenta o estado adynamico. A lingua é normal; porém mais freqüentemente acinzentada ou gretada. Os lábios são seccos e de côr escura. As gengivas e dentes são fuliginosos. As mucosas da lingua e da bocca, exfoliadas, ensanguentão-se. O hálito é fé- tido. O ventre, retrahido ou levemente timpanico, é indolente e brando. O epigastrio é sempre doloroso. Vômitos característicos de bilis misturada com os líquidos ingeridos apresentão-se de espaço a espaço, tanto mais abundantes, quanto mais espaçados e gradualmente tornando-se cinzentos, striados de preto, escuros ou de todo pretos, alternando-se em alguns ca- sos com vômitos de sangue puro, ou misturados com sangue vivo, vômi- tos, que chegão a 30 ou 40 em 21 horas. Nem sempre, mesmo nos casos fataes, os vômitos apparecem; mas então a matéria negra especifica, que ê o resultado da hemorrhagia do estômago, é descoberta neste órgão pela autópsia. A constipação é obstinada; mas algumas vezes manifestão-se jactos diar- rheicos sorosos, ou compostos da matéria negra dos vômitos e de sangue. As hemorrhagias são phenomenos constantes neste periodo da febre ama- rella. Ellas podião por esta predominância, como diz o Sr. Saint Vel, cons- tituir por si sós um periodo nesta moléstia — o periodo hemorrhagico. Com effeito, as mucosas da bocca, da lingua, das gengivas, do nariz, do estômago, dos grossos intestinos, qualquer exfoliação, qualquer solução de continuidade, são outras tantas fontes donde mana o sangue, ás vezes de uma maneira incoercivel: até o tecido cellular, os interstícios dos músculos são a sede de hemorrhagias, donde provém echimoses na pelle, pete- chias, etc. As mulheres apresentão uma falsa menstruação, que se converte em me- tro rrhagia. Só a uretra não é sujeita a hemorrhagias, ou o é muito raras vezes, no que muito se distingue a febre amarella das remittentes biliosas, nas quaes a hematuria é um phenomeno essencial. A presença da albumina nas ourinas, ou a suppressão destas nos casos muito graves, são symptomas de alta importância no segundo periodo da febre amarella. Ella augmenta nas urinas na razão da gravidade da molés- tia, e pode servir para o diagnostico differencial entre a febre amarella e outras pyrexias, que se lhe assemelhão, e reinão ao mesmo tempo que ella; por quanto das experiências de Ballot e Cornilliac deprehende-se que o pre- o 26 o cipitado albuminoso não se encontra em fôrma alguma de febre intermiten- te, e só apparece no segundo periodo da febre amarella, apparecimento, que é devido á alteração do sangue, e não á lesões dos rins, que na autó- psia não dão signaes de alteração mórbida qualquer. Os symptomas cerebraes na febre amarella, não tendo logar senão no se- gundo periodo, em que são provocados pelas profundas alterações do san- gue e dos demais fluidos, assim como pelas alterações de todo o organis- mo, alterações a que não podem ser indifferentes os centros nervosos, são por esta mesma razão de pouca importância diagnostica, ainda que de mui- to valor prognostico. Estes symptomas cerebraes, ou nervosos, não são dependentes, nem li- gados ao estado febril pela razão mesma de que elles se manifestão no fim do segundo periodo, justamente quando a febre tem desapparecido. Elles são muito variados: entre elles avulta em primeiro logar o delírio completo, continuo, freqüentemente nocturno, alegre ou triste, tranquillo ou furioso, erótico. Depois do delírio avulta o stupor ou somnolencia comato- sa: a estes seguem, ou os acompanhão, as convulsões, a carphologia, o stra- bismo, os sobresaltos ou convulsões dos tendões, a dysphagia, o soluço e a hiperesthesia da pelle, symptoma singular e afflictivo para todos, que as- sistem a taes doentes, que se doem do menor toque sobre a pelle, e que arrancão dolorosos gritos sem saberem dizer a que parte refirão a dôr. COMPLICAÇÕES, A febre amarella, que é uma septicemia especifica, dispõe a economia á ulceração, á suppuração e á gangrena. D'ahi vem as erysipelas gangrenosas, os antrazes, os furunculos, os abcessos, as feridas de posição, as stomatites gangrenosas, as parotidas suppuratívas, que se assemelhão aos bubões na peste do Levante, e também algumas vezes a paraplegia. A estas complicações ajuntão-se em alguns casos symptomas choleroides, que chegão ás vezes a dominar a scena de modo tal a poderem fazer crer que a febre amarella transformou-se em cholera. Não consta que os que tem apresentado esta complicação tenhão escapado: isto é facilmente crivei, apezar de que não repugna crer que tal complicação não seja necessaria- mente fatal. o 27 o As febres palustres intermittentes e remittentes complicão ás vezes a febre amarella, inoculando os seos accessos francamente intermittentos: combatida pelos meios adequados, a febre amarella segue o seo caminho ordinário. MARCHA, DURAÇÃO E TERMINAÇÃO, A febre amarella é uma moléstia de marcha continua. As alterações somáticas, que o miasma septico e irritante produz no organismo, e as re- acções constantes do principio da vida ou da vitalidade dos órgãos contra esta acção, não podem produzir senão phenomenos contínuos. Gomo vimos, afora os symptomas da invasão, tem ella em sua marcha dous períodos, um de excitação ou reacção, outro de queda das forças com participação dos centros nervosos, ou adynamico cerebral. Gomo também já vio-se do que fica precedentemente dicto, uma certa trégua dos symptomas separa o primeiro do seguudo periodo, trégua, que em menos de um dia se rompe, quando a moléstia não vencida pelas con- dições felizes do doente, ou pela fortuna da medicação, tem de romper de novo as hostilidades. No segundo periodo avultão, como symptomas principaes e predominan- tes, a suffusão amarella, as hemorrhagias, o vomito preto e os symptomas cerebraes. A febre amarella regular dura de cinco a nove dias, e se por ventura ella se delonga, e se a morte sobrevem no undecimo ou decimo-terceiro dia, ou mais adiante, é isto devido a complicações typhoideas, ou de qual- quer outra natureza. Se é leve, dura de três a quatro dias. Se é muito grave, a moléstia passa quasi sem transição de uma invasão repentina ao segundo periodo, o a morte sobrevem no fim de dous dias. Outras vezes ainda a morte vem em menos de um dia, como tive oceasião de verificar nas epidemias a qu9 assisti. O capitão de um navio Hamburguez, e também Hamburguez, sentio pela manhan os primeiros ataques da febre amarella — mollesa de corpo, forte cephalalgia; metteo-se em um escaler e dirigio-se, sob a impressão de um sol ardentíssimo, para o nosso hospital: teve de transpor seis léguas de mar. Veio para o hospital acompanhado de sua mulher. Nos primeiros o n momentos em que o interroguei e examinei (erâo 7 horas da noite) ainda podia ter-se sentado, d'ahi a poucos minutos isto lhe era impossível. Dei- tou-se. Prestei-lhe logo os soccorros d'arte. Phenomenos ataxicos desenvol- verão-se com força: um delido furioso, vômitos biliosos, ás vezes sangui- nolentos, manifestarão-se com freqüência. Por muitas vezes tentou precipi- tar-se das janellas do seo aposento. Depois desta lucta appareceo a queda das forças, ou a adynamia: um soluço continuo e estertoroso, que zombou de todos os meios empregados, annunciou o seo fim próximo, que teve lugar a uma para duas horas da noite. Outras vezes ainda a febre amarella mata em poucas horas, em minutos: os doentes são atacados e morrem em cima dos pés: são os casos de febre amarella fulminante. Occasiões ha em que os symptomas adynamicos não tem tempo de se manifestarem: os symptomas ataxicos terminão a scena. Outras vezes uma calma illusoria vem suavisar os últimos momentos do doente, que morre no goso de um estado, que lhe parece a saúde, e a que dão o merecido appellido do «melhor da morte ». Não são pouco freqüentes as terminações por asphyxia, principalmente quando entre os symptomas cerebraes predomina o estado comatoso. Não são porém tão freqüentes as terminações por syncope. Nos casos leves de febre amarella, naquelles em que apenas se manifes- tão os symptomas da invasão lenta, quasi não ha convalescença. As altera- ções somáticas tem sido muito ligeiras para que a vitalidade dos órgãos não tenha tido nem a necessidade, nem o tempo de gastar-se nos esforços de reacção. Em casos mais graves, quando a moléstia tende a uma terminação feliz, a pelle torna-se humida, voltão as ourinas, a suffusão amarellada desappa- rece, a lingua perde a sua camada saburrosa, e torna-se limpa e humida, as hemorrhagias não se manifestão mais, e todas as demais funcções tendem a tomar o seo rithmo normal; ainda que algumas vezes tenhão os doentes de luctar com as complicações, que lhes deixou a febre amarella, taes como as parotidas, os abcessos, os furunculos, os antrazes, as ulceras de posi- ção, etc. Alguns doentes, que já tem chegado ao periodo da convalescença, apre- sentão mais facilidade ás recahidas do que outros. Nestes infelizes conva- lescentes a mais insignificante infracção do regimen dietetico é sufficiente para provocar recahidas, que são sempre fataes. Tive em meo hospital dous marinheiros Allemães (Hamburguezes): tinhão o 29 o atravessado o primeiro periodo, e já se achavão a três dias em convales- cença, seguindo uma dieta restricta e severa: obtiverão á tarde permissão para darem um passeio pela cidade acompanhados por um dos enfermeiros (Allemão já acclimatado), a quem forão feitas as mais instantes recommen- dações: voltarão ao escurecer, deitarão-se, e dahi a pouco fui chamado para vel-os; ambos ardião em febre com pelle secca: interrogados, assim como o enfermeiro, nada refirirão a que se podesse attribuir a recahida, e teria eu ficado na ignorância de sua causa, se não visse junto ao leito de um, um caroço de jaca: interrogando-os de novo, confessarão que na rua tinhão am- bos comido um bago de jaca: dahi a minutos vômitos freqüentes, biliosos e ensangüentados apresentarão-se, denunciando a presença de fragmentos do fructo: um estado notável de abatimento apresentou-se, sobrevierão soluços fracos a principio, e gradualmente estertorosos, e nesta mesma noite succumbirão. PROGNOSTICO, A febre amarella especifica é sempre uma moléstia grave, e pelo lado dos estragos, que pôde occasionar, nada tem a dever á peste do Levante, ao Tiphus ou ao cholera-morbus. Gomtudo, a sua mortalidade não é sempre a mesma. Seo desenvolvimento epidêmico está sob a influencia de condições desconhecidas, que lhe podem dar um gênio benigno ou maligno. Epidemias ha de febre amarella, em que é rara a passagem do primeiro ao segundo periodo, e são muito freqüentes as convalescenças, a ponto de regular a mortalidade de 12 ou 16 por cento. Entretanto, em outras ocea- siões são promptas e freqüentes as passagens ao segundo periodo, e a mor- talidade sobe á espantosa cifra de 40 a 60 por cento. Os que tem luctado contra esta epidemia estão acostumados a descon- fiarem, e a verem com maus olhos todo o ataque, que começa com grande irregularidade e freqüência do pulso, com tremor da lingua, e respiração anciosa. Estes casos tem grande tendência á passagem prompta ao segundo periodo, com predominância dos symptomas nervosos. Assim também são signaes prognósticos, que desconteníão o medico, a rapidez com que se desenvolve a suffusão amarella, a hemorrhagia, sua 8 o 30 abundância e repetição, o apparecimento prompto e a repetição do vomito especifico, a suppressão das ourinas, ou sua varidade, o progressivo augmento da albumina nellas, as hemorrhagias intersticiaes dos músculos, ou no tecido cellular subcutaneo, a irregularidade da respiração, as convulsões parciaes ou geraes, os soluços, um estado comatoso ou ataxico, as parotidas, e fi- nalmente esta sedacção dos symptomas sem razão de ser, que por isso en- cara-se como a chamada visita de saúde e a que dão o significativo appel- lido do « melhor da morte»* Em taes circumstaneias, seja qual fôr a reserva, que se deve impor o medico, esta expressão symptomatica é tal, que impõe á sua prudência, e subjuga o seo juízo, que em taes conjuneturas é sempre desfavorável; ainda que em sua pratica tenha visto casos desesperados resolverem-se em um prompto restabelecimento, e succumbirem doentes levemente atacados, ou que davão arrhas de prompta convalescença. O Sr. Saint Vel, em sua obra já citada, diz ter descoberto nas Antilhas, na epidemia de 1856, que a verdadeira ictericia, que por sua côr mais fe- chada contrasta com a côr amarella pallida da febre amarella, é um bom signal prognostico; pois que todos os doentes, que o apresentarão, não morrerão, e que ella marcava o começo da convalescença. DIAGNOSTICO, A descripção, que acabamos de fazer da febre amarella especifica, consi- derada em sua symptomatologia, em sua marcha, em seos períodos, em sua terminação, tem tão completamente desenhado esta individualidade mór- bida, que não é possível confundil-a com qualquer outra. Seo caracter continuo, seo modo de invasão ás vezes insidioso, um par- ticular abatimento de forças, mesmo no periodo de reacção ou excitação, esta constricção constante das têmporas, que acompanha a cephalalgia, a ra- chialgia cervico-dorsal e lombar, que é constante mesmo na invasão lenta, e tudo isto unido ao caracter epidêmico, faz distinguir a febre amarella de qualquer outra febre, que por ventura se desenvolva ao mesmo tempo que ella. Assim, no reinado de uma epidemia de febre amarella pode-se facil- mente estabelecer o diagnostico differencial entre ella e outras moléstias, que se lhe assemelhão ao menos apparentemente. o 31 o Os casos esporádicos mesmo, apezar de alguma semelhança nos sympto- mas com certas febres graves, com as intermittentes e as remittentes bilio- sas, distinguem-se destas ultimas pela reunião dos symptomas, pela epocha de seo apparecimento, pela determinação de seos períodos, por sua marcha e terminação, e deixão bem ver que confundir estas espécies mórbidas é impossível a uma observação attenta; porque as semelhanças são apparentes. LESÕES NECROSCOPICAS. Rigeza cadaverica considerável, coloração amarella fechada em todo o corpo, menos nas partes declives, palmas das mãos, plantas dos pés, verga e escrotos, que em conseqüência da hypostase sangüínea apresentão manchas, ou placas violaceas, que contrastão sensivelmente com a côr açafroada das demais partes.' O cadáver algumas vezes simula o cadáver de um asphixiado pelo vultuoso da face, e sua côr violacea, e pela escuma ensangüentada, que sobe á boca, e tende a sahir pelas narinas. O sangue filtra das ulcerações, e de qualquer outra abertura accidental. Na abertura do craneo admira ver a côr açafroada da dura mater, o san- gue côr de ferrugem ou de borra de vinho, que ás vezes enche a aboboda do craneo, e a sorosidade sanguinolenta, raras vezes límpida, que se encon- tra na cavidade da arachnoide, e nos ventriculos do cérebro e do cerebello. Sangue transudado atravez das paredes vasculares durante a vida encontra- se derramado sobre as circumvoluções cerebraes. A rede vascular da pia mater encontra-se injectada. A dura mater rachidiana, o ligamento dentado e o nevrileme da medulla espinhal apresentão a côr amarella, assim como o pericardio e todos os tecidos fibrosos. O coração é pallido, flacido, amol- lecido e amesquinhado, com as cavidades esquerdas vazias, e as direitas cheias de um sangue negro grudento. A aorta, as veias cavas e pulmonares são amarelladas em sua túnica interna. Pulmões sãos e crepitantes, apresen- tão em muitos casos placas negras provenientes do derramamento de sangue negro no parenchima. A trachea artéria e os bronchios apresentão um muco sanguinolento, e suas mucosas são muito injectadas. O estômago contém sempre a matéria côr de ferrugem especifica do vomito: sua mucosa atri- gueirada ou pallida apresenta arborisações de um vermelho vivo e placas echimoticas; é ou de consistência normal, ou muito espessa e dura, ou amo!* o 32 o lecida em roda das placas e manchas vermelhas, que se notão principal- mente no grande cul de sac. A mucosa intestinal, como a do estômago, ou é pallida, apresentando as mesmas arborisações vermelhas, ou é atriguei- rada, e impregnada de matéria sangüínea anegrada. A mucosa dos intes- tinos delgadas é inchada, atrigueirada, e delia exsuda sangue, que ás vezes vê-se liquido, outras vezes coalhado, e é coberta em alguns lugares de muco com bilis, matéria negra, e uma matéria molle acinzentada: o jejuno é de todos os intestinos o que apresenta menos desordens. As glândulas de Peyer apresentão-se ás vezes corroídas, ou duras e salientes, assim como as glândulas de Brunner apresentão o aspecto de uma irupção variolica, o que aliás é raro. Os gânglios mesentericos quasí sempre são hypertrophiados, e engorgitados de sangue. Somente em rarissimos casos não se notão altera- ções no fígado: pelo que respeita ao volume deste órgão, elle se mostra sempre mais augmentado do que diminuído: o tecido é mais duro, porém quebra-se facilmente, porque a cohesão diminue: outras vezes é molle, e o corte tem o aspecto de carne cortada: sua côr muda da sangüínea para a pallida, côr de gomma gutta, ou de couro velho com largas manchas azuladas nos bordos e faces: por dentro a côr é mais fechada; o tecido mostra-se re- seccado, como se tivesse sido cosido, e sendo incisado, o sangue corre so- mente dos grossos vasos. A semelhança do fígado na febre amarella com o fígado gordo dos phtisicos mostra a tendência do fígado na febre amarella para a degenerescencia gordurosa: as cellulas hepaticas sem núcleo, sem granulações, e cheias de pequenas gottas de gordura apresentão uma côr pallida, e ainda que murchas, conservão-se inteiras, caracter anatômico, quo serve ao diagnostico differencial entre a febre amarella e a ictericia grave em que as cellulas cheias de granulações gordurosas despedação-se e des- apparecem. A vesicula e os canaes biliares nada apresentão de notável: ape- nas algumas vezes a membrana interna da vesicula apresenta signaes de injecção. O baço apresenta-se são. O pancreas apenas apresenta uma côr amarellada em sua trama cellulo-fibrosa. Os vasos gastro-splenicos estão engorgitados de sangue. Os rins alterados no volume, côr e consistência, não o são tão constantemente para que isto se possa tornar um caracter impor- tante. Ás vezes são hypertrophiados ou atrophiados, amollecidos ou seccos: as substancias cortical e tubulosa são infiltradas de sangue, ou anêmicas e pallidas, o que coincide com a suppressão das urinas durante a vida: o bas- sinête e os tubos uriniferos contém uma espécie de ourina Iamosa: os cálices, os bassinêtes e a trama ü.bro«a apresentão amarellidão. A bexiga urinaria o 33 o ou se apresenta vasia e contrahida, ou contém alguma pequena porção de ourina espessa, amarella avermelhada, de forte cheiro ammoniacal: sua mu- cosa injectada é a sede de uma exsudação sangüínea. Os caracteres do sangue devem variar muito na febre amarella. Nas pri- meiras vinte e quatro horas de moléstia o sangue da veia fôrma um coalho volumoso e consistente, sem codea e envermelhecendo-se ao contado do ar. No segundo dia o coalho é mais encolhido; a codea molle, acinzentada ou branca amarellada, contrahe-se, e augmenta de espessura á medida que o primeiro periodo se prolonga. O plasma do sangue submettido áanalyse não offerece precipitado, que indique os elementos da bilis. No segundo periodo as hemorrhagias espontâneas mostrão que o sangue é negro, fluido, incoagulavel, e que não se cora de vermelho ao contado do ar. No sangue recolhido depois da morte, segundo as analyses de Walther, Chassaniol e Vardon, a fibrina varia em quantidade de 1,40 a 2,00 por 1000: áurea de 0,80 a 2,00 por 1000: a proporção da urea é tanto maior quanto de mais tempo è a suppressão das ourinas. Tratado pelo ácido azotico, o soro do sangue do morto tem denunciado a presença da bilis. Por todas estas diversas lesões encontradas depois da morte, o juizo me- dico é naturalmente conduzido a importantes conclusões: a primeira, que serve de ponto de partida ás demais, é que a febre amarella é uma se- pticemia especifica, uma intoxição especifica do sangue por um agente des- conhecido em sua natureza; mas conhecido pelo principal de seos effeitos, que é a decomposição do sangue: que esta decomposição é primitiva, isto é: que segue immediatamente a concepção do miasma, e não consecutiva às grandes e profundas desordens do organismo, como se dá nas febres palustres: que a amarellidão característica da febre amarella não é a icte- ricia; mas um effeito desta decomposição do sangue, da qual provém as hemorrhagias e o vomito preto: que ha uma grande analogia entre as alte- rações do sangue produzidas pelo miasma da febre amarella e as que pro- duz o veneno das cobras, analogias, que consistem em que nestes dous en- venenamentos ha igualmente a suffusão amarella, a mesma tendência aos vômitos e ás hemorrhagias, a mesma profunda desassociação dos elementos do sangue, que em ambos os envenenamentos não coalha mais, que escorre de qualquer arranhadura de uma maneira incoercivel: em um e outro caso as veias estão repletas: sorosidade sanguinolenta extravasa-se no tecido cel- 10 o u o lular: as cavidades do coração são vasias, ou contém sangue fluido, e coa- lhos pouco consistentes: as artérias contém uma sorosidade de um verme- lho desmaiado. TRATAMENTO, Sendo a terceira parte deste escripto dedicada ás deducções therapeuti- cas tiradas das semelhanças ou differenças, que existem entre a febre ama- rella especifica e as febres remittentes biliosas, diremos por ora a respeito do tratamento da febre amarella especifica quanto baste para completar o desenho desta individualidade mórbida. Desconhecido, como é em sua natureza, o agente tóxico, que produz a febre amarella, e traduzindo-se esta intoxicação por grupos de symptomas tão variados, parece que a medicação mais racional a oppor-lhe é a medi- cação symptomatica. No primeiro periodo ou periodo de excitação e reacção, convém os antiphlogísticos, sendo principalmente ajudados da acção dos purgativos brandos, dos diaphoreticos, dos calmantes ou antispasmodicos, quando a scena é iniciada por phenomenos nervosos, por pequenos vesica- torios nas têmporas contra as cephalalgias obstinadas, e por clisteres irri- tantes, que obrão como derivativos, e ao mesmo tempo dispertão uma dia- phorese abundante, e removem os effeitos da constipação. No segundo periodo os tônicos moderados e os antispasmodicos parecem ser a medicação mais racional e prudente. No desespero em que se fica no meio de uma epidemia mortífera, as convicções médicas se abalão, dá-se tudo, experimenta-se tudo, e como nas epidemias cholericas, até o empirismo é chamado a conselho; e as pana- ceias, os remédios das comadres vão passando com salvo-conducto atravez dos cordões sanitários dos homens da sciencia. As sangrias ainda as mais apropriadas nos phenomenos do primeiro pe- ríodo se tem mostrado quasí sempre fataes. A quinina experimentada em larga escala é um meio desacreditado na febre amarella. Alguns práticos gabão-se do emprego de meios hydrotherapicos; mas outros meios, que nada produzem, tem sido tão gabados em alguns casos, o 35 que não se pode encarar a hydrotherapia, senão como um meio tão efílcaz ou inefficaz como os outros. 2o FEBRES REMITTENTES BILIOSAS, Ponhamos frente á frente da febre amarella especifica esta individualida- de mórbida; desenhemol-a para melhor conhecermos em que ellas se asse- melhão, e em que differem. A febre remittente biliosa é uma febre miasmatica de natureza paludosa, muito freqüente nos climas quentes e temperados, e mais commum e fatal quando a acção do miasma palustre, de mistura com o ar atmospherico, a que nos pântanos pontinos e na Toscana dão o nome de Malária, é ajuda- da por uma temperatura muito elevada. O theatro de sua acção são as costas occidentaes d'África e as margens de seus grandes rios, as índias Orientaes nas margens do Ganges, os ter- renos vulcânicos das fraldas das Cordilheiras, os mangues, e muitas planí- cies cultivadas, que estão debaixo dos ventos, que soprão sobre os panta- naes, a America Septentrional e Meridional, mormente nos extensos terre- nos, que demorão entre os lagos do norte e o Golpho do México, e as Antilhas. As intermittentes são menos freqüentes nestes logares; porém as remittentes biliosas são mais communs, e sempre muito mais graves e se- rias pela elevada mortalidade, que produzem. Febre biliosa, febre remittente biliosa, febre endêmica, remittente palu- dosa, remittente gástrica paludosa, febre dos mangues, taes são os nomes, que se lhe tem dado e que revelão sua natureza. Da mesma natureza que as intermittentes, distingue-se dellas pela falta da apyrexia; pois a remissão umas vezes bem manifesta e duradoura, outras vezes momentânea, não é a cessação dos symptomas, mas um alivio, uma diminuição em sua expressão, o que prova que o que determina a pro- ducção de uma remittente, em vez de uma intermittente, é ou uma intoxi- o 36 o cação mais forte, mais concentrada do miasma pai udoso, ou a sua concepção sob a influencia de uma temperatura muito elevada. INVASÃO, Quando o miasma palustre, partindo de um foco muito concentrado, ou recebido sob a influencia de um calor atmospherico elevado, manifesta sua acção sobre o organismo, a scena começa sempre por um incommodo inex- plicável de estômago com inappetencia, náuseas, e esmorecimento do cor- po; este estado dura um dia ou dia e meio, quando a moléstia começa por ligeiros frios, antes arrepios, que são logo seguidos de febre: esta é inten- sa e forte; porém pela manhã do seguinte dia um alivio, uma remissão se manifesta, que pode durar muitas horas, ou ser ephemera a ponto de pare- cer a febre uma febre continua. As horas da remissão não são invariavelmente determinadas: ella pode mesmo manifestar-se á noite, mas de ordinário as remissões são matutinas. DURAÇÃO, Esta febre ordinariamente dura de 5 a 14 dias, podendo durar menos ou mais conforme o tratamento, as condições do doente, ou as continuadas e novas intoxicações do malária. TERMINAÇÃO. Tres são os seos modos de terminação: a passagem á forma intermitten- te, a cura e a morte. A passagem á forma intermittente tem logar, quando o doente muda de ares e evita assim as novas intoxicações, ou quando, sendo mal dirigido o tratamento antiperiodico, a doença pode tornar-se chronica, e assim passar ao typo intermittente. Se se termina por uma cura prompta, a febre é jul- o 37 o gada por uma copiosa transpirarão: ou quando a cura não é tão prompta, as exacerbações tornão-se gradualmente mais fracas, torna-se mais brando o calor da pelle, os vômitos e a oppressão epigastrica cessão, o pulso é menos freqüente, a língua limpa-se e humidece, as remissões são mais atu- radas, até que de todo a febre desapparece. Se se termina pela morte, que jamais succede antes de oito dias, esta deve ser attribuida ás profundas alterações do sangue, pelo miasma palus- tre, e a uma prompta intervenção dos centros nervosos, se'tem lugar neste prazo: se porém a morte sobrevem mais tarde, deve ser attribuida ás causas referidas, e demais á consumpção das forças. CAUSAS, E indubitavel que as febres remittentes reconhecem como causa o mias- ma palustre, da mesma fôrma que as intermittentes: e é justo suppor que a intoxicação recebida em alto gráo, ajudada da elevação da temperatura, determina uma febre miasmatica paludosa a ser antes remittente do que intermittente. A concentração do miasma, e a elevação da temperatura, influem muito sobre a duração do periodo de incubação, que por esta razão é mais curto nas remittentes do que nas intermittentes, podendo durar até quinze dias. SYMPTOMAS. O mais notável e constante dos symptomas da remittente biliosa é a op- pressão epigastrica. O frio é insignificante, de curta duração, limitado ás vezes a leves arripios, que alternão com ondulações de calor, e outras ve- zes é mesmo nullo. A sensação de frio, entretanto, como nas intermittentes, é meramente subjediva, isto é, só o doente o sente, quando o thermometro marca dous ou mais gráos acima da temperatura normal. Os vômitos, que não alivião a sensação de oppressão epigastrica, tor- não-se freqüentes á proporção que augmenta o calor febril, e o acompanhão sempre no decurso da moléstia, como um companheiro importuno. n o 38 o Com o crescimento do calor febril, a lingua torna-se saburrosa e secca. O pulso, a principio lento, pequeno e irregular, sobe com o calor febril a 100 ou 120 pulsações por minuto, cheio e forte nas pessoas de consti- tuição forte e vigorosa; pequeno, compressivel, muito freqüente nos casos adynamicos desde o principio. Rosto como inflammado, injecção das veias dos olhos, cephalalgia tere- brante, dores nos membros e nos lombos, pelle vermelha e tensa. Calor ardente e mordicante, inquietação. Depois de uma duração de seis a doze horas, estes symptomas diminuem de intensidade, desapparecem quasí, manifestando-se na testa, pescoço, peito, braços, e em todo o corpo uma branda transpiração, diminuindo a força e freqüência do pulso, o calor da pelle, a cephalalgia, os vômitos, e apparecendo um somno reparador. Eis o periodo da remissão, que nas fe- bres intensas é de curta duração, e de ordinário se não distingue senão pela manhã, sendo mesmo alguma vez difíicil reconhecel-a no meio das tempestuosas desordens da economia. Depois de algumas horas de duração nos casos leves, ou depois de alguns minutos nos casos graves, com arripiamentos de frio ou não, reapparecem os mesmos symptomas, sempre mais aggravados depois de cada remissão: esta apparição dos symptomas depois de uma remissão constitue uma ex- acerbação, a qual indica sempre um signal desfavorável todas as vezes que se delonga, a ponto de não parecer a moléstia uma febre de accessos, mas uma febre continua. As náuseas, os vômitos, e a cephalalgia, são symptomas constantes, que- se manifestão a cada exacerbação. Os vômitos constão a principio de ma- erias alimentares ingeridas, depois de um liquido a que se mistura a bilis, depois são escuros, e finalmente negros, como os da febre amarella. A ce- phalalgia, que é a principio pulsativa, torna-se depois terebrante. A côr amarellada da pelle, e as hemorrhagias pelo estômago, pelos dentes, in- testinos e rins, não falhão, quando a moléstia se vae aggravando pelas re- petidas exacerbaçoes: a hematuria é um dos symptomas mais constantes com a coloração iderica. O delírio pôde, em alguns temperamentos, apparecer logo nos primeiros accessos: este delido nunca é furioso, e nas ultimas exacerbaçoes, quando ha manifestação de grande adynamia, elle se manifesta, como um sub- delirio ou um tresvario em voz baixa. O soluço é um symptoma incommodo, que se manifesta quando a mo- - 39 o lestia vae cedendo, emquanto que este symptoma na febre amarella espe- cifica é um indicio de que a moléstia vae ter uma terminarão fatal. A constipação é mais cornmum no principio; vumtudo, ■jecaóiões ha em que no principio da moléstia apparecem copiosas evacuações. As ourinas são de ordinário raras, muito coradas, sanguinolentas. Entre- tanto, um observador audorisado, o Dr. W. C. Macleau, appellando para a lembrança do Dr. Cornish, diz que nas febres remittentes da índia encon- trou sempre as ourinas em condições oppostas, porém sempre sanguinolentas. Ellas são ácidas, não contém albumina: quando a remittente torna-se grave, o ácido urico diminue, e apparece a uréa. As febres remittentes podem complicar-se, e uma complicação freqüente em certas condições é a do escorbuto, que produz o desenvolvimento de symptomas pútridos de mistura com os symptomas próprios das remitten- tes, que assim marchão para um resultado fatal. Ha casos muito raros, mas ha, em que as febres remittentes sem alguma complicação começão logo com o caracter adynamico: estes casos são quasí sempre fataes. A hepatite é uma complicação rara, o que não se dá com a irritação gastro-duodenal. A amarellidão da pelle é constante, sem comtudo encontrar-se a ideri- cia completamente desenvolvida, o que é raro. Nas febres remittentes o engorgitamento do baço encontra-se; mas não ê tão freqüente, como nas intermittentes. DIAGAOSTICO. Não ha difficuldade em distinguir uma febre remitttente de uma inter- mittente: nesta a apyrexia é tão completa, que jamais se pôde dar a con- fusão. Nos casos mesmo em que a remissão dos symptomas é tão pouco duradoura que a febre remittente parece mais uma febre continua do que urna febre de accessos, uma observação attenta não deixa de descobrir esta remissão, e, conseguintemente, de distinguil-a de qualquer febre continua. A febre, que se desenvolve em um paiz pantanoso ou sujeito á influencia dos ventos, que soprão sobre pântanos, lagos, mangues, etc, e que começa por quebramento de corpo, fadiga, canceira, oppressão no epigastrio, e o 40 o que no fim de um dia, ou de menos, apresenta um ligeiro frio ou arrepia- mento de frio de pouca duração, e seguido immediatamente de cephalalgia pulsativa ou terebrante, de febre ardente com pelle secca e calor incommo- do, náuseas, vômitos dos alimentos, ou vômitos líquidos de insólita abun- dância, e que depois de algumas horas, oito, dez ou doze, apresenta um considerável alivio nestes symptomas, embora não completo, cobrindo-se o rosto de um ligeiro suor, que logo se apresenta também no pescoço, peito, braços e em todo o corpo: que no dia seguinte, de ordinário pela manhan alta (10 ou 11 horas do dia, mais ou menos) apresenta uma renovação dos primeiros incommodos, accendendo-se a febre de um modo descommunal, a ponto de dar o pulso até 130 pulsações por minuto, elevando-se o calor e sequidão da pelle, com incommoda cephalalgia pulsativa ou terebrante, com delírio, dores e oppressão epigastrica, vômitos amarellados, ourinas muito coradas, abundantes, ou escassas, e sanguinolentas, sensação de enchimento na região do baço: que da mesma fôrma que no dia antecedente, a uma hora mais ou menos igual, um notável alivio em todos os symptomas se mani- festa, alivio, que depois de uma duração mais ou menos igual á do dia an- tecedente é seguido de renovação de febre e cephalalgia intensa com delírio, vômitos freqüentes biliosos, sanguinolentos, ou escuros, ou mesmo pretos, forte oppressão epigastrica, ourinas sanguinolentas ou hematuria, etc, esta febre não é uma febre intermittente, não é nma febre continua, não é uma febre symptomatica, expressão do grito de dôr de um órgão inflammado, esta febre é, sem receio de errar-se, uma febre remittente biliosa. PROGNOSTICO, O prognostico da febre remittente biliosa depende das boas condições in- rlividu* ■■ 'in ™^f- *-. - '■■■■'i,r;rr.Si 0 do prompto conhecimento da na- ^vcm ..» ■/; u.-vvüde o tratamento apropriado para com- batel-a. Quando estas condições se preenchem, a morte por uma remittente bi- liosa sem complicações é rara. Quando porém as condições individuaes são desfavoráveis, quando exis- tem complicações, quando por falta de conhecimento da moléstia se tem empregado um tratamento improficuo, que a faz chegar ao estado adynamico o 41 o com os demais symptomas, que o acompanham, então o prognostico é ordi- nariamente fatal: e estes são os mais freqüentes casos de mortalidade, que offerece esta moléstia. TRATAMENTO, Na terceira parte deste trabalho occupar-nos-hemos deste ponto com mais desenvolvimento, e por esta razão diremos por emquanto somente quanto seja sufficiente para completar o quadro, ou, antes, para completar o desenho desta individualidade pathologica. Resumiremos, pois, o que diz respeito ao tratamento das febres remitten- tes biliosas na seguinte synthese: As preparações de quinina, como o sulfato, o valerianato, ou o hydroferro cyanato de quinina, são o remédio heróico, especifico contra as remittentes biliosas, assim como contra as intermitten- tes, seja qual fôr o seo typo. A quinina é o especifico contra o miasma palustre, e obra sobre elle, ou neutralisando a sua acção, como um contra- veneno, ou destruindo mesmo em sua essência o miasma palustre, ou pre- munindo o organismo de uma tal maneira desconhecida, que o miasma pa- lustre fica sem acção. De qualquer maneira que obre a quinina, é ella sempre o especifico con- tra as febres paludosas, e com o seo auxilio o medico pode quasi sempre contar com segurança o triumpho e a vidoria. Se o estado adynamico se manifesta, se complicações retardão a cura, se phenomenos nervosos, ligados á adynamia, dão a esta moléstia um caracter de gravidade assustadora, é á prudência do medico, é ao seo discernimento, que cumpre dar ao tratamento uma direcção conducente ao restabeleci- mento do doente, já prescrevendo os meios d'arte contra as complicações, que se manifestão, já espreitando a occasião opportuna de empregar o re- médio heróico, já medindo e calculando a intensidade do mal para applicar o especifico em dose sufficiente para debellal-o. Cumpre notar que um meio, que muito ajuda o tratamento, é a mudança de habitação, ou do paiz, em que a moléstia foi contrahida, o que nada me- nos importa, do que premunir o doente contra intoxicações novas, e operar uma perturbação nervosa, que não deixa de ter notável influencia sobre o modo de ser da moléstia. o 42 As diversas panaceas, os remédios secretos, as pílulas vegetaes, antípe- riodicas, as águas contra sezões e outros iguaes medicamentos de que fazem monopólio os preconisadores dos remédios occultos, não são mais do que composições, em que entrão em grande parte a quina e seos productos. SEGUNDA PARTE 1 r SEMELHANÇAS ENTRE A FERRE AMARELLA ESPECIFICA E A FERRE REMITTENTE RILIOSA. OMPARANDO-SE os dous indivíduos mórbidos, que aca- bamos de pôr em face um do outro: examinando-os no que respeita á invasão, á pronunciação dos symptomas, á natureza destes symptomas, ao gênero e natureza das al- terações somáticas, que elles revelão: collocados em dous leitos um defronte do outro dous doentes, um atacado da febre amarella especifica, e outro de febre remittente biliosa, em uma epocha em que reine uma epidemia de febre amarella especifica, ou em que reine uma endemia de intermitten. tes ou de remittentes biliosas, em um clima quente, como o nosso, e tão ex- posto á influencia do miasma palustre, o medico chamado para ver estes dous doentes ficará certamente nos seos primeiros exames bem embaraçado em fazer o diagnostico differencial; e por grande que seja o seo descortino, se não proceder a severas indagações, será levado a confundir estas duas enti- dades mórbidas. E, com effeito, taes são os toques de semelhança, que aproximão, e ten- dem a confundir estes dous casos mórbidos, nas circumstaneias acima re- feridas, que se não pôde culpar o juizo medico por ser assim arrastado por o U tantas semelhanças, que, se não são reaes, são ao menos apparentes, e muito enganadoras. Tornemos mais sensível o nosso pensamento, apresentando o quadro dos symptomas offerecídos pelos dous doentes desde o principio de sua moléstia. Ligeiros frios ou simplesmente arripiamentos de frio pouco duradouros, abatimento, molleza do corpo, indisposição para tudo, cephalalgia, pelle sec- ca com elevação da temperatura, injecção dos olhos, pulso largo e cheio, ou pequeno e concentrado com 100, 120, 130 pulsações por minuto ou mais, lingua rubra ou saburrosa, oppressão e sensação de anciedade no epigastrio, constipação ordinariamente, ou mais raras vezes diarrhéa, ourinas coradas e tendendo a tornarem-se raras, tanto já são ellas em pequena quantidade. Depois a injecção ocular cada vez mais pronunciada, as dores nos globos dos olhos cada vez mais vivas, face como crescida ou vultuosa, scleroticas amarelladas, como a pelle do rosto e do pescoço e peitos, pulso sempre elevado, calor da pelle vivo e mordicante, batimentos do pulso regulares, ou intermittentes; pela palpação nenhum augmento sensível de volume do fígado e do baço, nenhuma dôr nestes órgãos pela percussão; náuseas, vômitos mucosos e biliosos, vômitos acinzentados, escuros, entremeiados de partículas negras, como se estivessem misturados com pó de carvão, ou inteiramente negros, alternando com vômitos de sangue vivo, e freqüentes a ponto de contarem-se de 30 a 40 em 24 horas, suppressão completa das ourinas, delido passageiro, ou subdelirio, que jamais se torna completo, ou furioso e violento, faculdades intellectuaes quasí sempre sans, convulsões geraes, sobresaltos dos tendões, carphologia, resfriamento das extremidades, e finalmento côr amarellada mais viva e mais fechada depois da morte. Á vista do quadro symptomatico, que traçamos, tanto da febre amarella especifica, como da febre remittente biliosa, ninguém poderá dizer que os symptomas, que acabamos de descrever não possão ser attribuidos a uma ou a outra destas duas entidades mórbidas; de sorte que si se admittisse a hy- pothese, que a ninguém repugna, que em uma mesma localidade reinassem ao mesmo tempo duas epidemias, uma de febre amarella especifica e outra de febres remittentes biliosas, ou o caso de reinar uma destas moléstias epi- demicamente, e a outra apresentar-se sporadica, e se esta hypothese se rea- lisasse nos dous doentes, que figuramos um em frente do outro, e manifes- tando os symptomas descriptos no nosso quadro hypothetico, qualquer me- dico arrastado por esta analogia, e semelhança de symptomas, seria levado em suas primeiras impressões a confundir em uma só cathegoria os dous o 4,) o casos mórbidos figurados, e a declarar que os symptomas de um e outro doente revelavão o mesmo gênio mórbido, e provínhão da mesma causa: e sem preoccupação alguma de espirito o medico pronunciaria que ambos os doentes soffrião de febre amarella especifica, se tal fosse a epidemia reinante, ou que ambos os doentes soffrião de febres remittentes biliosas, se estas reinassem endêmica ou epidemicamente. Suas observações ulteriores, seo estudo circumsiauciado dos symptomas, suas filiações, a occasião de seo apparecimento. seo isolamento ou sua reu- nião formando grupos, serião os desperticulos do espirito do medico; elle começaria por desconfiar de seo próprio juizo. começaria em suas mudas e aprofundadas combinações a descobrir differenças, a reconhecer que os dous doentes figurados estavão sob a influencia de dous gênios mórbidos differen- tes, e suas bem fundadas observações irião achar sua saneção no tratamen- to therapeutíco empregado. A quinina dada a ambos os doentes salvou um e precipitou ou tendia a precipitar o outro, ou, vice-versa, o tratamento the- rapeutíco da febre amarella foi evidentemente proveitoso a um, arrancan- do-o das garras da morte, ao passo que foi inútil ao outro, cuja moléstia seguio sua marcha costumada, que só foi embaraçada pela applicação ade- quada de um sal de quinina. Então o medico firma e completa o seu dia- gnostico differencial, e, reformando seo primeiro juizo, reconhece que um dos doentes soffre de febre amarella especifica, e o outro de febre remit- tente biliosa. 1 f DIFFERENÇAS QUE DISTINGUEM A FERRE AMARELLA ESPECIFICA DA FEBRE REMITTENTE BILIOSA. Vimos em que consistião as semelhanças entre a febre amarella especi- fica e as febres remittentes biliosas. Vimos igualmente que estas semelhan- ças erâo mais apparentes do que reaes. Vamos, pois, ver agora o reverso do quadro, e reconhecer que realmente a febre amarella especifica, e as fe- ia 46 o bres remittentes biliosas, são duas moléstias differentes, inteiramente dís- lindas em gênio, em Índole, em marcha, em expressão symptomatica, em alterações somáticas, em prognostico, e, finalmente, em tratamento. Dissemos que era o estudo dos symptomas em relação ás suas harmonias, ao seu isolamento ou reunião, á epocha de seu apparecimento, quem des- pertava o juizo medico sobre as differenças, que distinguem estas duas en- fermidades. Não basta para que duas moléstias sejão idênticas, e revelem o mesmo gê- nio mórbido, que ellas apresentem os mesmos symptomas. Moléstias differentes, e devidas a gênios differentes, apresentão também uma marcha differente, e os symptomas estão inteiramente ligados a esta marcha, de que são o indicio e a manifestação lógica e necessária. Certos symptomas, que, isolados ou reunidos a outros, são em uma mo- léstia os symptomas da invasão, ou de um primeiro periodo, em outras se não manifestão senão como symptomas de um segundo ou de um terceiro periodo. Symptomas, que, unidos a outros symptomas determinados, indi- cão em uma moléstia um estado adiantado, não indicão em outra moléstia differente o mesmo estado adiantado ou grave senão unidos a symptomas differentes daquelles symptomas determinados. Com effeito, estudando-se, examinando-se, e comparando-se attentamente a marcha destas duas enfermidades, objecto deste escripto, descobre-se fa- cilmente entre ellas differenças, que as fazem distanciar a olhos vistos. A febre amarella especifica é uma febre continua, as febres remittentes biliosas são febres de accessos. Se na febre amarella, no primeiro periodo, ou periodo de reacção e de excitação, os symptomas febris apresentão algumas vezes alternativas de elevação e abaixamento, estas alternativas não tem a menor parecença com as remissões das remittentes biliosas, ainda mesmo aquellas remissões, por assim dizer, passageiras, que não rara vez escapão ao observador, e que parecem fazer crer que a remittente se tem convertido em febre continua: porquanto aquellas alternativas de levantamento e abaixamento nos sym- ptomas de excitação na febre amarella não trazem o menor alivio aos doen- tes, nem fazem descer os symptomas abaixo d'aquella medida de excitação, que as constitue como taes; ao passo que nas remittentes biliosas as remis- sões, ainda as mais ligeiras, fazem descer os symptomas de excitação abaixo desla medida, e produzem nos doentes um verdadeiro alivio, embora d e o 47 o pouca duração, alivio, que não é meramente subjedivo, mas reconhecido pelo observador. A febre amarella é cosmopolita: ella desenvolve-se em um foco: dali parte e se estende ao longe, viaja nos vapores e nos navios de vela: escon- de-se, e accommoda-se em toda a parte: apega-se aos homens, aos seos vestidos, ás suas bagagens, aos gêneros alimentícios, ás mercadorias, ou se faz conduzir sobre as azas dos ventos em sua romaria devastadora. As in- termittentes e as remittentes pelo contrario tem também o seo foco; mas, como servas da gleba, delle não sahem, não se estendem ao longe, não viajão com os ventos, com os homens, com as mercadorias para se repro- duzirem em novos focos além daquelle em que tiverão o berço, não passão além daquella zona, que está immediatamente sob a dependência do seo miasma gerador. Examinando-se, e comparando-se a marcha destas duas moléstias, vê-se que na febre amarella ha dous períodos essencialmente distindos, e que o segundo caraderisa especialmente a moléstia. Nas remittentes biliosas não existe realmente senão um periodo, que se assemelha mais ao primeiro da febre amarella: ellas começão com symptomas de excitação, e com sympto- mas de excitação acabão, seja qual fôr a sua terminação, embora por sua duração ajuntem-se a estes symptomas alguns symptomas de adynamia. Na febre amarella o vomito preto coincide com o desenvolvimento da suffusão amarella. Nas remittentes biliosas a côr amarellada não é constante, nem essencial; pois ás vezes se não manifesta senão depois da morte. Na febre amarella os olhos são notavelmente injectados, a coloração ama- rella dos olhos é ordinária e constante, e o vomito preto se não manifesta senão no segundo periodo. Nas remittentes biliosas, porém, os olhos são me- nos injectados: a coloração amarella pôde faltar, e os vômitos pretos podem manifestar-se logo do primeiro ou do segundo dia, e não manifestar-se senão do décimo quinto ao décimo oitavo dia, quando a moléstia passa ao typo pseudo continuo. Na febre amarella o baço mostra-se sempre são, e não apresenta o menor signal de engorgitamento. Nas remittentes biliosas o baço é sempre engor- gitado, e augmentado de volume. Na febre amarella são freqüentes e essenciaes, por assim dizer, as hemor- rhagias lingual, boccal, anal, vaginal, intersticial dos músculos e dos mem- bros. Nas remittentes biliosas estas hemorrhagias são raras. Na febre amarella, apezar da predominância do elemento hemorrhagico, o 48 o nunca se encontra a hematuria. Nas remittentes biliosas a hematuria é um symptoma constante. No segundo periodo da febre amarella as ourinas são sempre albumi- nosas. Nas remittentes biliosas este symptoma é nullo. A febre amarella somente em casos muito excepcionaes ataca as raças tropicaes e indígenas, ao passo que ataca com vigor as pessoas não acclima- tadas. As febres remittentes biliosas porém atacão, pelo contrario, indistin- damente os indígenas, e os não acclimatados. A febre amarella, principalmente aquella que na opinião do Sr. Dutroulau tem sido completa, ou que tem percorrido o primeiro e o segundo periodo, dá ao paciente uma incontestável immunidade contra novos ataques. As fe- bres remittentes biliosas, pelo contrario, como as intermittentes, dão ou creâo no paciente uma notável disposição a novos ataques; porquanto os doentes mais seriamente atacados não ficão a abrigo de recahidas leves ou graves. Na febre amarella é muito freqüente a morte no terceiro, quarto e quinto dia. Nas remittentes biliosas, porém, a se não darem graves complicações, ê raro que a morte sobrevenha antes do oitavo dia. A febre amarella traz após de si uma convaslescença prompta e completa. As remittentes biliosas trazem uma convalescença vagarosa, e deixão no indivíduo por muito tempo como um estado cachetico indicativo de sua influencia. Na febre amarella, a se não darem complicações paludosas, a quinina e suas preparações são absolutamente impotentes, e até nocivas. Nas febres remittentes biliosas porém, como sobre as febres palustres de qualquer typo, a quinina e suas preparações são remédios heróicos, cujo poder está fora de contestação. Deste exame comparativo destas duas entidades mórbidas conclue-se ri- gorosamente que se ha alguma semelhança em seos respectivos symptomas, semelhança, que á primeira vista pode impor ao próprio juizo das pessoas professionaes, logo que se aprofunda este exame, e se estuda os symptomas em relação á marcha da moléstia, ou sob a consideração de sua opportuni- dade, as semelhanças desapparecem, e começão a desenhar-se as differenças de um modo tão franco e convincente, que nenhuma duvida pode ficar no espirito a respeito do diagnostico differencial das duas moléstias, de que tratamos, vendo-se que nas duas moléstias a duração, a marcha, os perío- dos, ou phases distindas, a opportunidade dos symptomas manifestados isola- damente ou em grupo, a índole das moléstias, sua gravidade, sua mortali- o 49 o dade, seo tratamento therapeutíco emfim, tudo muda, tudo varia, tudo é diverso em uma e outra, e que estas differenças, que assentão sobre fados relativos á etiologia, á symptomatologia e ao tratamento therapeutíco, im- plicão natural e necessariamente uma differença de índole e de origem. u 11° DEDUCÇÕES THERAPEUTICAS EM RELAÇÃO Á FERRE AMARELLA. IFFERENTES, como são, estas duas moléstias em sua ori- gem ou natureza, em seos períodos, em sua marcha, na opportunidade e significação de seos symptomas, em seos effeitos produzidos sobre o organismo, é claro que o em- prego dos meios apropriados, no estado actual da sciencia, para debellal-as> deve variar na mesma razão desta diversidade reconhecida. E ainda que na primeira parte deste escripto nos tivéssemos occupado do tratamento therapeutíco correspondente a cada uma das duas entidades mórbidas, de que tratamos; comtudo, como tratamos deste ponto perfun- c tortamente, ou per summa capita, vamos agora entrar em considerações mais minuciosas, e explicitas, como parece exigil-o a epigraphe da terceira parte de nosso escripto. Assim, bem que na febre amarella especifica as indicações therapeuticas sejão tão variadas, como as opiniões, que cada um no mundo medico se tem formado a respeito da natureza e origem desta moléstia tremenda, as nossas deducções therapeuticas serão de accordo com as opiniões, que em todo o correr deste escripto temos emittido a respeito da origem e natureza desta moléstia. �841 85 o ss o Se a sciencia possuísse contra a febre amarella especifica um remédio heróico, especifico, como possue na quinina contra as febres paludosas, não estaria resolvido o problema sobre a natureza ou essência do miasma gera- dor da febre amarella; mas ao menos estaria satisfeito um grande e ancioso desideratum da sciencia medica, e a humanidade exultaria de prazer com a posse de um meio, que viria poupar á orphandade e á viuvez tantas lagri- mas sentidas. Infelizmente porém não possuímos um meio especifico, verdadeira e se- guramente curativo da febre amarella. Encerrado nas dobras do futuro, talvez que um dia os nossos vindouros, mais felizes, o possão possuir, como também o especifico contra o cholera-morbus, e outros iguaes flagellos. A credulidade humana, guiada pelo sentimento do bem, tem chegado a illudir-se sobre o poder de certos meios empregados com successo contra a febre amarella, sem attender á circumstancia seguinte: que é o gênio benigno da epidemia que tem dado estes bons resultados, e não o poder, ou a virtude dos meios empregados. Recorrer, pedir conselhos ao empirismo, que os não tem para si mesmo, é um recurso a que a sciencia jamais deve descer; porque elle offerece mais perigos do que recursos: a sciencia pode algumas vezes toleral-o; mas unicamente como meio de experimentação, jamais como regra de proceder- Cruzar os braços diante do quadro afflictivo dos soffrimentos de nossos irmãos, d'aquelles que esperão do medico a salvação, o alivio de seos sof- frimentos, é um proceder, que não está na Índole da mais humanitária de todas as sciencias — a medicina, e que não está de accordo com a nobre missão do medico, seu legitimo sacerdote. Cumpre, pois, não ficar inactivo diante do mal, e na desconsoladora igno- rância em que estamos sobre a natureza e essência do miasma gerador da febre amarella, na deficiência de um medicamento verdadeira e seguramen- te curativo, de um especifico, a medicina dos symptomas, ordinariamente tão mal vista, tão desconceituada, é a única medicina prudente e sabia, que a sciencia é condemnada a empregar, e que, se nem sempre salva os doen- tes, ao menos não precipita os fados, e, quando empregada a propósito, e com discernimento, quoad rectitadinem, segundo a sabia expressão de Hippo- crates, pode dar á moléstia uma direcção favorável, e defender o organismo contra desorganisações fataes. Assim, pois, contra os phenomenos da invasão e do periodo de excitação, ou primeiro periodo, a medicação, que tem contado melhores successos, é a 53 o medicação antiphlogistica pouco rigorosa, precedida, ou acompanhada da medicação sudorifica e derivativa. Uma diaphorese bem desenvolvida, se- guida de abundantes suores, depois um purgativo brando, produzem muito bons effeitos, acalmando a febre, destruindo ou minorando a cephalalgia, a oppressão epigastrica, as dores cervico-dorsaes e lombares, bom estado que se entretem pelo uso de bebidas refrigerantes e mucilaginosas, adoçadas e levemente aciduladas. Dissemos que a medicação antiphlogistica deve ser moderada, e não o dis- semos debalde. Tendo a febre amarella uma grande tendência á hemorrha- gia, que precede e acompanha sempre o estado adynamico, que marca o segundo periodo, as sangrias geraes ou locaes, devendo, pelo enfraqueci- mento, que produzem, apressar o segundo periodo, são por esta razão con- traindicadas, mesmo naquelles casos em que ellas parecem ter a maior applicação. E, com effeito, a triste experiência tem mostrado que se em al- guns raros casos as sangrias tem sido seguidas de bons resultados, na mór parte dos casos ellas tem sido fataes. As infusões de flores de sabugueiro, de grêlos novos de larangeira, ou de cascas de limão verde, quentes, ado- çadas, misturadas com uma colherinha de genebra hollandeza, ou 20 a 30 gottas de acetato de amoníaco ou espirito de Mindererus, e tomadas depois de um pediiuvio quente, ficando depois disto o doente bem abafado, pro- movem ordinariamente abundantes suores. Se estes sudorificos ficão sem acção, se a pelle continua quente e secca, com intolerável cephalalgia, e dores oculares, um clister irritante, preparado com o sueco de algumas pimentas, não somente combate a constipação, como faz cobrir de suores o corpo do doente, e dissipa a cephalalgia, como vi, e experimentei em mui- tos doentes. Se apezar de diminuírem os demais symptomas, a cephalalgia e dores nos olhos ficão pertinazes, pequenos vesicatorios nas têmporas são de muita utilidade. Os laxativos serão escolhidos entre os purgantes salinos, como o ei trato de magnesia; o óleo de ricino principalmente é estimavel por sua promptidão, e por estar sempre mais á mão. Muitas são as espécies sudorificas, muitos ps purgativos brandos, que escuso mencionar, e de que o medico lançará mão, como lhe dictar a sua prudência. Práticos recommendão a água de" Seltz gelada, fragmentos de gelo na boca: taes meios podem produzir al- gum alivio momentâneo nos symptomas; porém tem muito pouca ou ne nhuma influencia sobre o procedimento ulterior da moléstia. Os vomitivos, também aconselhados por outros, estão no caso das sangrias: tem o incon- 15 o U o teníenfe cTe abaterem as forças do doente e de apressarem o vomito preto* com a vinda do segundo periodo. O sulfato de quinina tem sido seguido da mais evidente inutilidade ou indifferença, quando não é evidentemente nocivo. A febre amarella tem, como o cholera-morbus, os seos symptomas premo- nitores. No cholera-morbus, quando se consegue combater a diarrhea pre- monitora, ou a cholerina, o que quasi sempre se consegue acudindo-se a tem- po, tem-se a certeza de ter curado o doente; porque se tem assim impedido a moléstia de declarar-se com o cortejo de seos symptomas constitutivos. Na febre amarella também, conseguindo-se, pelos antiphlogísticos moderados, pelos diaphoreticos e pelos purgativos brandos combater os symptomas pre- monitores, a moléstia rara vez vae por diante, pára em sua marcha, e muito freqüentemente não ataca mais o mesmo indivíduo, se este, prudente e cauteloso em seo regimen, lhe não provoca as iras. Alguma vez, logo no primeiro periodo e de mistura com os symptomas de excitação, manifes- tão-se alguns phenomenos nervosos, indicio eerto da tendência, qne tem a moléstia a passar ao segundo periodo. Cumpre combater estes symptomas. com a applicação intercürrente de alguns antispasmodicos, como o ether sulfurico, o' liquor anodyno de Hoffman, a água destillada de flores de la- rangeira, a água de melissa, as infusões de canella, de flores de tilia, etc Aconselhão também os banhos tepidos no primeiro periodo: se não fazem mal, sua influencia sobre a moléstia é nulía. Uma regra, que não deve falhar, que deve mesmo dar direcção a esta medicina dos symptomas, é poupar a vitalidade dos doentes, não lhes gastar as forças em inúteis re- acções, evitar, finalmente, que a moléstia passe ao segundo periodo, ou pe- riodo da febre amarella completa, periodo adynamico ou hemorrhagico. Se ella passa ao segundo periodo, as indicações devem variar com as fôrmas da adynamia, sem jamais perder-se de vista o dever de empregar meios de sustentar, e elevar as forças abatidas do doente. Succede não raras vezes que no meio deste abatimento geral manifestão" se graves phenomenos ataxieos: estes serão combatidos pelos calmantes, como o ether, o liquor de Hoffman, a água de melissa, algumas inhalaçoes de chloroformio, e até por fortes sinapismos nas pernas. Muito freqüentemente todos estes meios são baldados: nada é capaz de domar a inquietação, o delírio furioso e loquaz, acompanhado de cantigas alegres ou eróticas, e apenas interrompido por freqüentes e abundantes vômitos côr de chocolate ou totalmente pretos. Então- tudo se complica: Q J"S o remédios, que não tem tido o tempo sufficiente para obrarem, são substi- tuídos por outros, que tem a mesma sorte, até que, quasi de todo gasta a vitalidade do doente nestes fataes esforços, cae elle na mais profunda ady- namia já quasi cadáver. Comtudo, ainda respira, ainda vive, e o medico eontristado, pezaroso, mas sem de todo perder a esperança, tenta ainda avivar com os recursos d'arte estas forças já tão gastas: ainda tenta dar-lhe caldos com vinho do Porto ou Madeira, ainda tenta dar-lhe tônicos, d'entre os quaes prefere os preparados de quina. Mas no meio destes nobres e humanitários esforços do medico sobrevem soluços, e com estes novos e freqüentes vômitos, im- possibilidade de ingerir mais qualquer alimento ou remédio: e este soluço,