/ **> '/.í i<.j ' S •** (/J^ íf^^c- i C^c i) «■: Antônio Pacifico Pereira. Vv ■ JAN > 8 1935 \ . * n i? l '•■■ Y ^'"■■'(PSi>T / ' / TI1ESE Q I E APRESENTOU A FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA PARA SER SUSTENTADA El ^OTEIHBBO 1JK fl§67, aíto ©i ©stssi © ©aá© ©i DOUTOR EM MEDICINA Antônio |) actftco tymxta NATURAL DESTA CIDADE, Jhwo le&ÚMio De ^Ictoiiíio liot>í 'Xeicita e 3). Catolma Jllbatia Wtauco Ç&eteita, NO ANNO DE 1863. BAHIA TVPOGRAPIIIA DE T0UR1MIO & COMPANHIA Rua Nova da Commercio n.° II 1867 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA. DIRECTOB O JEjp.™0 Snr. Conselheiro Mfr. *Ioão Bajttista fios Anjos. VD©E-E)]as©ir©a 0 Ex.mo Snr. Conselheiro Dr. Vicente Ferreira de Magalhães. OS SUS. DOUTORES 1 • * A1SNO. MATEMAS QLE LECCIONAM ~ . ,, ., .. ,. - ") Physica em geral, erarticuJarmentc cm suas Cons. Vicente Ferreira de Magalhães . .! ffpoi icaçõc^s ü Metiicinau Francisco Rodrigues da Silva.....Chimica e Mincrnlogia. Adriano Alves de Lima Gordilho . . . Anatomia descriptiva. !!•• ANNO. Antônio de Cerqueira Pinto.....Chimica orgânica. Jeronymo Sodré Pereira.......Physiologia. Antônio Mari.mo do Bomíim.....líolanica e Zoologia. Adriano Alves de Lima Gordilho. . . . Repetição de Anatomia descriptiva. 5.* ANNO. Cons. Elias José Pedroza......Anatomia geral e pathologica. José de Góes Sequeira.......Pathologia geral. Jeronymo Sodré Pereira......Physiologia. 4.» ANNO. Cons. Manoel Ladisláo Aranha Dantas. . Pathologia externa. .............. . Pathologia interna. „.,.„..£, . ) Partos,moléstias de mulheres pejadas e de meninos. Mathias Moreira Sampaio.....j rcccinnascidos. 3.» ANNO. ................Continuação de Pathologia interna. Joaquim Antônio d'01iveira Botelho . . Matéria medica e therapeulica. , . . . „ .. ) Anatomia topographica, Medicina operatona.e José Antônio de Freitas.......^ apparelhos. G.° ANNO. Antônio José Ozorio........Pharmacia. Salusliano Ferreira Souto......Medicina legal. Domingos Rodrigues Seixas.....Hygiene, e Historiada Medicina. ................Clinica externa do 3.* e 4° nnno. Antônio Januário de Faria......Clinica internado 5." e 6.* anuo. Rozendo Aprigio Pereira Guimarães. .} Iginiio José da Cunha.......f Pedro Ribeiro de Araújo....../ Sccçao Acccssona. José Ignacio de Barros Pimenlel • • -\ Virgílio Clymaco Damazio...../ José AlTonso Paraizo de Moura. . . .\ Augusto Gonçalves Martins...../ _ Domingos Carlos da Silva......> Sccçao Cirúrgica. DemelrioCyriacoTourinho.....', Luiz Alvares dos Santos......( João Pedro da Cunha Valle.....> Secçao Medica. O Sr. B>r. Cinciniauto Pinto da Silva. O Sr* B>r. Thoniaz «1'Aquino üaspar. A Faculdade naoapprova, nern reprova as opiniões emillidas nas theses que llic são apresentadas. DISSERTAÇÃO. DIAGNOSTICO DIPFERE1TCIAL E TRATA1ÍBHTO DAS PARAL7SIÍS. SECÇÃO PRFÍIEIRA. Nosograpliia das paralysias. OBSCURIDADE que reina ainda no estudo das paralysiíts, começa a revelar-se desde que procuramos investigar sua nosographia. Pathologistas eminentes divergem ainda sobre a significação nosologica da palavra paralysia. Segundo Jac- coud, (i) na esphera da motilidade, a paralysia é uma akincsia (impotência motriz) completa ou incompleta, resultante de uma perturbação na inner- vação motriz. Se, porém, consultarmos Axenfeld (2), veremos que, em sua opinião, ha paralysia—todas as vezes que as fibras musculares tiverem per- dido a faculdade de contrahir-se sob a influencia dos excitantes ordinários de suas contracções; excitantes que são: ou a impulsão da vontade, ou uma impressão sensitiva, dando lugar a um movimento reflexo, ou emfim uma acção espontânea dos centros motrizes (movimento involuntário, não reflexo). As definições de Jaccoud e Axenfeld estão em completo antagonismo e pec- cam ambas pelos extremos: a primeira attribue á innervação motriz a sede da aífecção; a segunda, somente á fibra muscular. A de Axenfeld não resiste á (1) Les paraplcgies et 1'ataxie du mouvement, pag. 212. (2) Traité des nevroe.es, 18G4. 2 uma simples analyse, se considerarmos que, quasi sempre, não é a fibra muscular que perde a faculdade de contrahir-se, esim, são os nervos, que deixam de cs- timulal-as, por deficiência ou por interrupção da acção cerebral. Demais, estepa- thologista considera como excitante normal das fibras musculares, a impressão sensitiva reflexa, e julga a perda dos movimentos reflexos, condição essencial de paralysia, quando aliás sabemos, que estes movimentos até se excitam nos músculos paralysados, sempre que suas fibras motrizes se derivam da medulla, em pontos inferiores á lesão que interrompe o estimulo da vontade. A defini- ção de Axenfeld é pois incompleta porque exclúe os casos em que a paralysia é devida a lesões da innervação. A de Jaccoud não é menos exclusiva, porque elimina os casos de abolição do movimento por atropbia, degeneração gordurosa, ou qualquer outra alteração primitiva dos músculos. Não é possível admittil-a, estando provado queacontra- ctilidadeé essencial á fibra muscular, como bem demonstram as experiências de Longet,Brown-Séquard e Cl. Bernard, especialmente, pelaacção da curara; e as observações de Kühne, que provam, que diversas substancias, como os ácidos nitricoe chlorhydrico, excitam a contracção, quando postas em contacto com as fibras musculares, e não o fazem, applicadas direclamente sobre os nervos. « Brown-Séquard conservou vinte e um mezes um coelho, cujo nervo facial tinha sido arrancado, e exlrahido em quasi toda a extensão; e vioa contractili- dade persistir nos músculos paralysados durante a vida do animal. (1) Landry (2) observou, no homem e em outros animaes, a persistência da contractilidade muscular pela excitaçãodirecta dos músculos, mezes depois da secção dos nervos mixtos, quando o microscópio mostrava já a alteração das fibras nervosas. Duchenne, quasi só, pretendia sustentar a idéa contraria á opinião geral- mente admiüida: todas as vezes, diz elle, (3) que a lesão de um nervo mixto é tão profunda que attaque todas as suas fibras primitivas, os músculos, que recebem filetes nervosos d'este nervo, perdem igualmente sua contractilidade electrica. Landry e Magnien attribuem o erro de Duchenne ao fado de julgar a perda da excitabilidade muscular pela ausência de contracção durante uma excitação electrica feita através da pelle. As experiências de Chauveau mostram que é (1) Magnien, Recherches experimentales sur les effets consecutifs à Ia snclion des nerfs mixtes, 186G. (2) Traité des paralysies. (3) Traité de 1'electnsation localiséc, J85S, 3 necessário obrar immediatamentesobre as fibras musculares para verificar a exis- tência da contractilidade: por intermédio dos nervos, aexcitaçã).cefaz mais de- pressa e a contracção é mais enérgica do que directamente sobre as libras muscu- lares, ((liando os nervos estão atrophiados; através dapelle, embora humedecida, as correntes electricas fracas se recompõem, em parte, antes de allingiremas fi- bras musculares, e assim attenuadas, seriam insufíicientespara produzir a contra- cção, se a irritabilidade estivesse diminuída pela alteração das fibras nervosas. Magnien, em experiências sobre cavallos, verificou que, oito dias depois da secção do nervo facial, os músculos animados por este nervo, impassíveis á electrisação através da pelle, cuidadosamente raspada e molhada, contrairiam- se sempre pela applicação directa dos reophoros. Duchenne mesmo, em outro lugar de sua obra (1), diz que—para se estar physicamente certo de que a contractilidade muscular esteja completamente exlincta, é preciso que se possa ver o músculo descoberto, no momento da recomposição electrica. As experiências de Longet (2) provam que um nervo motriz, separado do eixo cerebro-espinhal, perde em quatro dias toda a excitabilidade, e que o músculo, cujo nervo motriz não é já excitavel, ainda por mais de três mezes de- pois, contrahe-se manifestamente pela applicação immediata do estimulo. As mesmas experiências demonstram que o systema nervoso só intervém na con- servação da contractilidade muscular, entretendo a nutrição do músculo, da qual depende esta propriedade inherente a suas fibras, que só a perdem, quan- do, viciadas na nutrição, se atrophiam ou degeneram. Uma prova d'esta ver- dade é o effeito da ligadura das artérias de um membro sobre a irritabilidade de seus músculos. Demonstrado, pois, que a contractilidade é propriedade intrínseca da fibra muscular, é incontestável, que a execução perfeita dos phenomenos de contra- cção voluntária depende da quádrupla integridade do encephalo, da medulla espinhal, dos nervos e das fibras musculares; e sua harmonia funccional é tão necessária, que a falta ou perversão de qualquer d'estes elementos, é capaz de produzir alteração tão notável nos movimentos, que não se poderia, á primeira vista, julgar em que consiste a alteração, e localisal-a no órgão respectivo. A paralysia deve portanto ser definida—a cessação ou diminuição das con- tracções voluntárias, quer por deficiência ou interrupção do estimulo nervoso, quer por diminuição ou abolição da contractilidade muscular. (1) Ob. cit. observ. xun. (2) Traité de Physiologie, T. 2.°, pag. 42 e seguintes. 4 As perturbações, por falta de coordenação dos movimeníos voluntários, são especialmente designadas por ataxias. Sem conhecer-se astructurae a disposição intima do systema nervoso, é im- possível conceber o mechanismo de uma paralysia. Faremos pois ligeiramente um esboço anatomo-physiologico do eixo cerebro-espinhaL Seguindo o trajecto dos nervos, da peripheria para o centro, a anatomia tem visto que as fibras nervosas não se continuam individualmente até o cérebro; as raízes anteriores, atravessando as columnas antero-lateraes, vão se prender na substancia cinzenta da medulla, ás cellulas motrizes, agglomeradaspor gru- pos nas pontas ou lâminas (1) anteriores d'esta substancia; e as raizes poste- riores, entrando pelo sulco postero-lateral, vão desembocar em cellulas mais volumosas, que se acham aggrupadas nas lâminas posteriores. Estes grupos de cellulas multipolares, motrizes e sensitivas, communicam-se entre si, respectivamente, e além d'isso, os grupos motrizes ligam-se aos sensi- tivos por filetes antero-posteriores, e os de um lado se unem aos do lado op- posto da medulla, por fibras latero-transversaes (deLockhart Clarkej, que con- tribuem a formar as commissuras anterior e posterior, sendo esta mais notá- vel, porque suas fibras se cortam em angulo, emquanto as anteriores são paralle- las. Nas lâminas posteriores e nas anteriores, existem fibras longitudinaes; umas que unem entre si os diversos grupos de cellulas, e outras que vão até ocerebro, e tem por fim conduzir a impressão recebida pelas cellulas posteriores, ou transmittir ás anteriores as determinações da vontade. 0 trajecto das fibras sensitivas, que por muito tempo se attribuio exclusiva- mente ás columnas posteriores, faz-se em grande parte pela substancia cinzen- ta. Van der Kolk (2), que também partilhava a principio d'esta opinião, diz mais tarde, em sua monographia sobre a medulla allongada: « Creio que podemos agora inferir, que os nervos sensitivos, na medulla espinhal, nascem também das cellulas das lâminas cinzentas posteriores, d'onde provavelmente se derivam fi- lamentos que se cruzam nas commissuras e seguem depois para cima. » Admittindo a primeira lheoria, Van der Kolk suppunha, destinadas especial- mente aos movimentos reflexos, as fibras das raizes sensitivas, que entram (1) Termo adoptado pelo Professor Costa Simões, de Coimbra, em seu tratado de Phy- siologia, para significar a palavra—cornua. (2) On the minute struclure and functions of the Spinal C)rd and medulla oblongata. (Sydenham Society.) 5 nas lâminas cinzentas posteriores, e d'ahi se dirigem para diante, ás cellulas mo- trizes, depois de atravessarem as intermedias, denominadas sympalhicas. Wagner, porém, sustentou a idéia, hoje geralmente acceita, de que todas as libras sensitivas entram na substancia cinzenta, fundem-se com os grupos das cellulas posteriores, e por meio d'estes se põem em connexão com o cérebro, pelos filetes longiludinaes, e com as cellulas motrizes pelos ante-posleriores; e assim, a impressão pôde ser transformada em sensação ou em movimento refle- xo. As íibras longitudinaes que unem entre si os diversos grupos de cellulas sensitivas, servem sem duvida para generalisar a impressão, pois vê-se que a irritação de um nervo sensitivo não excita só o movimento nas fibras motrizes correspondentes, mas extende-se, a ponto de produzir, ás vezes, contracções geraes. As commissuras transversaes, segundo Van der Kolk, parecem destinadas a conservar a harmonia dos movimentos entre os dois lados: a anterior, em connexão com os filamentos conduetores das ordens da vontade, para a harmonia dos movimentos voluntários, e dos músculos que obram simultanea- mente de cada lado do corpo; a posterior, para a harmonia involuntária na acção reflexa, no equilíbrio do corpo, etc. Depois de se anastomosarem com as cellulas anteriores, as fibras motrizes não se continuam individualmente até o cérebro, pois, se assim fosse, como judiciosamente observa Van der Kolk, a vontade, influindo sobre estas fibras, pederia operar a contracção de um só músculo ou de algumas fibras muscula^ res insuladamente, contra a observação commum que mostra, que nos diversos movimentos voluntários intervém sempre um numero determinado de múscu- los, e é absolutamente independente da vontade, que algum d'elles fique em repouso ou funecione com mais energia que os outros. É pois muito plausível a opinião d'este illustre physiologista, que acha um principio de coordenação na disposição das cellulas motrize-, em grupos, tanto maiores quanto mais avul- tado é o numero de fibras que d'elles emergem,' como principalmete se vê nos bolbos cervical e lombar. O diâmetro quasi igual das columnas antero lateraes, em toda a extensão da medulla, a disparidade entre o volume d'estas columnas e o de todas as raizes motrizes reunidas, e entre este e o das pyramides anteriores ou dos peduncu- los cerebraes, mostram evidentemente que as fibras que se deriyam do cérebro, e conduzem ás cellulas motrizes o estimulo da vontade, são em numero muito menor que as fibras emergentes d'estas cellulas, e, como suggere o physiolo- gista hollandez, são provavelmente em numero proporcional ao dos grupos de 6 cellulas motrizes, e de suas diversas combinações, em relação com os movimen- tos distinetos, que se executam noapparelho muscular. É uma disposição seme- lhante á de uma bateria de botelhas de Leyden, reunidas todas a um conductor que as ligue ao apparelho produetor da eleclricidade. A physiologia tem sanecionado com suas experiências estes descobrimentos iniciados pela anatomia; tem demonstrado também, que as fibras motrizes, de- pois decontrahirem união intima com as cellulas anteriores, proseguem dire- ctamente pelas lâminas cinzentas anteriores e pelas columnas antero-lateraes, e vão cruzar-se na medulla allongada, com as do lado opposto, constituindo as pyramides anteriores; que as fibras sensitivas, depois de por-se em connexão com as cellulas posteriores, cruzam-se logo, passando para o lado esquerdo as do direito, e vice-versa- assim, uma incisão vertical na linha media do bolbo lombar, por exemplo, torna insensíveis ambos os membros posteriores de um animal. (B. Séquard,) A physiologia moderna tem demonstrado que a sub- stancia cinzenta é a via de transmissão das impressões; sua insensibilidade aos excitantes externos induzia a rejeitar esta idéia, mas está hoje provado que a medulla é por si mesma insensível; sua sensibilidade apparente é devida ás fi- bras periphericas, que, depois de se fundirem nas cellulas cinzentas, perdem esta propriedade. Parece, como diz Claude Bernard (1), que as fibras sensitivas periphericas são as únicas dotadas da propriedade de receber impressões dos agentes ex- ternos; depois de atravessarem as cellulas cinzentas posteriores, as fibras transmutam suas propriedades, não são mais excitadas pelos mesmos estímu- los, só se deixam impressionar pelas vibrações nervosas dos nervos periphe- ricos;—são aptas somente a receber as impressões em segunda mão. É uma impressionabilidade especial como as do nervo óptico, olfactivo, de todos os nervos sensoriaes, que são excitados somente por certos estimulantes. As experiências de Brown-Séquard provam, queos filetes sensitivos, antes de entrarem na substancia cinzenta, atravessam, em pequena extensão e longitudi- nalmente, os cordões posteriores da medulla, e por isso, a destruição de uma porção qualquer d'estes cordões, produz a anesthesia e a abolição dos movi- mentos reflexos nas partes correspondentes, emquanto o rrôrte transversal de um dos cordões produz anesthesia nas partes inferiores e do lado opposto, e hyperestesia nas do mesmo lado; e esta hyperesthesia é devida, segundo Schiff, á irritação produzida pela operação nos filetes intactos. Conhecendo a disposição dos differentes grupos de cellulas da medulla, suas (1) Lectures on Spinal Cord; Med. Times, 1861. 7 connexões com os nervos incidentes e reflexos, e a communicação d'estcs gru- pos com o centro da percepção, concebe-se facilmente o modo porque temos, muitas vezes, consciência d'estes movimentos reflexos, e, em outras, elles pas- sam dcsappcrcebidos, e produzem-se, ainda que a medulla se ache desligada do cérebro. Esta propriedade especial da medulla, de transmutara impressão em movi- mento, denominada, por Todd, polaridade, é necessária ao equilíbrio do corpo, á locomoção, á respiração e todas as funeções. É por ella que, quasi instineti- vamcnle, são dirigidos os movimentos da locomoção, quando os nervos sensi- tivos, em virtude d'essa mudança do estado electrico dos músculos, que, segun- do Matteucci e Du Bois líeymond, se dá em toda a contracção, transmiítem a sensação do estado do músculo, formando assim este sexto sentido, o senso muscular de Duchenne, cujo auxilio só a vista pôde mal substituir na dire- cção dos movimentos. A influencia d'este poder reflexo não é menos notável na respiração. « Uma falta d'csta funeção, diz o Dr. Williams, é exhibida em todos os estados extre- mos de debilidade, ou por fadiga, ou por excitação excessiva, ou por influen- cias directamente deprimentes ou sedativas, como nas febres adynamicas. » « Uma pessoa n'este estado, eslá 7nuilo fraca para dormir, porque a medulla, partilhando do abatimento geral, não pôde manter a respiração, sem auxilio dos movimentos voluntários. D'ahi o sentimento de oppressão, e o arquejar continuo que impedem todo o repouso; ou, se oceorre o sornno, é perturbado por pesadellos e sonhos terríveis, oceasionados por sensações dolorosas da res- piração imperfeita. » (I) Terminando esta analyse succinla da medulla espinhal, vejamos o trajecto dos nervos na medulla allongada, até o cérebro. Na medulla allongada os ele- mentos constituintes da medulla espinhal soffrem um novo arranjo em sua disposição; as lâminas cinzentas anteriores desviam-se para a parte posterior e media, e as posteriores ficam aos lados, e mais acima invadem um pouco a parte anterior das primeiras, de sorte que os nervos motores nascem junto do pavimento do quarto ventriculo, perto da linha media, e os sensitivos, aos lados e fora d'esles. As columnas espinhaes anteriores, depois de se cruzarem na parte inferior da medulla allongada, continuam-se com as pyramides anteriores, e d'ahi se- guem pela ponte de Varolio, entrelaçando-se n'estes pontos com fibras transver- (1) II. Jones and E. Sieveking, Pathological Anatomy, pag. 17. 8 saes, substancia cinzenta, e cellulas multipolares; e vão ter, pelos peduncuios cerebraes, aos thalamos ópticos e corpos striados. Os grupos de cellulas ou núcleos dos nervos são, na medulla allongada, muito grandes e numerosos, e d'ahi procede o volume considerável d'este órgão. Os nervos cranianos nascem da medulla allongada, esua disposição é exactamentc semelhante á dos espinhacs:as fibras periphericas, emergindo dascellulas ner- vosas da medulla, distribuem-se do mesmo lado de sua origem, ou da sede de seus núcleos; mas, as fibras intermedias d'estes núcleos ao cérebro, cruzam- se entre si, respectivamente. N'esta distribuição está a razão de ser a paralysia da face, na hemiplegia commum, do mesmo lado que a do corpo. 0 nervo óptico é o único que faz excepção áquella disposição geral dos ner- vos cranianos, é o único que se cruza com o do lado opposto7 fora dos núcleos; parecendo que este cruzamento serve, segundo Wotlaston, para a vista simples com os dois olhos, pois, em sua opinião, cada nervo óptico divide-se no chias- ma em duas porções, uma que vai á metade externa da retina de um olho, e outra que vai á metade interna da retina do outro olho, distribuindo-se assim as fibras do mesmo nervo em partes da retina homologas na funcção da visão. « Por esta disposição, Wollaston explicava a hemiopia, moléstia de que elle mesmo fora attacado. » (1) Fibras transversaes, pondo em connexão reeiproca os núcleos d'cstes nervos, produzem esta acção bi-lateral, tão eminentemente caracteristica da maior parte dos nervos da medulla allongada, que não occorre em nenhuma outra parte do corpo, eé representada pela acção simultânea e synergica dos múscu- los da face, da lingua, da phonação, eda respiração. (2) As columnas lateraes, que, segundo as experiências de Schiff, presidem aos músculos respiratórios, terminam-se na medulla allongada, contrahindo rela- ções intimas com os núcleos dos nervos pneumogastrico e espinhal; e isto ex- plica o porque, na hemiplegia, os músculos do tronco são quasi sempre poupados. Van der Kolk conjectuia, com muito engenho, que o cerebello, unido á me- dulla allongada, pelas fibras longitudinaes dos peduncuioscerebellosos inferio- res, e pelas libras transversaes da protuberancia annular, estabelece, entre os seus lobulos e os dois lados da medulla allongada, uma união intima, que pa- rece contribuir á coordenação dos movimentos; sem que, por isso, se deva jul- gar o cerebello sede d^este principio; pois na medulla espinhal, e especial- mente na medulla allongada, a disposição das cellulas, o arranjo das fibras. (1) Longet, Traité de Physiologie. ;>' Yan der Kolk, ob-, cit. pag. 201. 9 concorrem a effectuar esta harmonia preestabelecida dos movimentos normaes. Os casos observados por Combette e por Marc, de falta de cerebello, sem perda ou perturbação nas funcções motrizes, e osfactospathologicos, referidos por B. Séquard (1), provam que o cerebello não é essencial á coordenação dos movimentos. Andral (2), depois de analysar noventa e três casos de moléstias do cere- bello, diz que—só um d'elles tendia a confirmar a opinião dos physiologistas que suppoem do cerebello o órgão da coordenação dos movimentos. A medulla allongada, diz Van der Kolk, distingue-se do resto do eixo cere- bro-espinhal pelo systema peculiar de fibras transversaes, que a tornam, em muitas funcções, um órgão de acção bi-lateral, isto é, cujos lados trabalham simultaneamente. « No cérebro, como na medulla espinhal, a maior parte das funcções são uni-lateraes; assim, uma effusão de sangue nos corpos striados produz paralysia uni-lateral, e na medulla o eíTeito é semelhante. Da medulla allongada e mesocephalo, as fibras sensitivas e motrizes sobem pelos peduncuios cerebraes, e se irradiam nos thalamos ópticos e corpos stria- dos, que são os centros collectores das impressões que vão ser percebidas, e das determinações da vontade que tem de ser manifestadas pelo movimento. Acima, estão as circumvoluções cerebraes, onde se elabora o pensamento, onde se converte em sensação, a impressão recebida,"onde se faz, emfim, estacom- municação indecifrável, entre a matéria e o espirito que a assoberba. PatSiogenía e classâílçaçao das jsaralysSas. Como um symptoma que sempre é, a paralysia tem uma causa immediata, que por si só constitue muitas vezes a moléstia mesma, cuja manifestação exte- rior é a perda do movimento. Conhecida a disposição orgânica do apparelho nervoso, a ligação e harmo- nia de todas as suas partes, desde o cérebro até as ultimas ramificações; com- prchende-se que, o estimulo da vontade, para ser transmittido do seu foco de origem até o ponto onde tem de produzir o impulso, necessita da continui- dade das fibras, das connexões das cellulas, emfim, de todos os anneis d'esta cadeia, que liga o centro motriz com os instrumentos do movimento. A solução de continuidade das fibras nervosas, sua compressão mesma, im- (1) Lancet, 1855, Lição 6.a (2) Edil. 2.° T. 5.° pag. 3 10 pedindo a transmissão do influxo nervoso, produzem paralysias; assim, as lesões primitivas do encephalo, da medulla espinhal ou dos nervos, são outras tantas causas d'aquella manifestação mórbida, e, do mesmo modo, as lesões dos tecidos visinhos, que consecutivamente venham a affectal-os, ou exerçam sobre elles uma compressão desfavorável ao exercício funccional dos conducto- res nervosos. Estas paralysias são as orgânicas, do Dr. Jaccoud, cuja classificado geral adoptamos. Entre ellas, incluímos também as que são devidas á alteração das fibras musculares, que, mais do que qualquer outra, anniquila completa- mente a contracção do músculo. O influxo vivificador do sançme é também necessário á funccão normal dos nervos; sua alteração, quer em quantidade, occasionando a anemia dos centros ou das ramificações nervosas, quer em qualidade, deprimindo dire- ctamente estes órgãos, ou imprimindo-lhes um vicio de nutrição, diminue ou anniquila a conductibilidade dos nervos. A ischemia dos músculos e das ramificações periphericas dos nervos, inflúe notavelmente sobre a sensibilidade e o movimento, e é por ella, que o frio intenso entorpece os movimentos e embota a sensibilidade. A embolia, obliterando as artérias de um ou mais membros, é também uma causa reconhecida de paralysias. Longet e outros physiologistas demonstraram, em viviseções, que a ligadura da aorta abdominal produz a paralysia do sentimento e do movimento, nos membros inferiores. Nos músculos que não recebem sangue arterial, mos- trou aquelle physiologista (1), que os movimentos desapparecem, uns quinze minutos depois da ligadura, e a irritabilidade muscular, cerca de duas horas mais tarde. Desligando-se a artéria, a irritabilidade se restabelece primeiro, e os movimentos voluntários depois. Além d'estas experiências de physiologia, sufficientes para demonstrar a e- xistencia da paralysia ischemica, a sciencia registra ainda casos observados na medicina veterinária por Bouley, Vatel e outros; fados clínicos de Barth e Gull; e, ultimamente, a observação completa de Bourdon (2), comprovada pela autópsia, de paralysia devida áobliteraçãoembolica das artérias dos mem- bros inferiores. Richet menciona um caso de hemiplegia, consecutiva a ligadura das caroti- (1) Ob. cit. T. 2.°, pag. 36. (2) Union Médicale, 1867, n. 16 e i]. 11 das primitiva e externa; e, segundo Spineux, (1) tem se observado também, por effeito de tumores comprimindo a aorta abdominal, paralysias, mais ou menos completas, segundo o gráo de compressão. As hcmorrhagias são também origem de paralysias: Von Graèfe (2) vio casos de hematemése, acompanhada de amaurose repentina de ambos os olhos; Abeílle (3) cita dois casos de paralysia, determinada por metrorrhagias abundantes; e Grisollc, Bonnefont e Moutard-Martin apresentam factos seme- lhantes. Sandras observou, muitas vezes, paralysias devidas á chlorose ou chloro-ane- mia. A natureza de todas estas paralysias era claramente apontada pelo estado de anemia dos indivíduos, e pelo bom resultado obtido pelo tratamento tonico- analeptico; e, a respeito d'ellas, diz Mácario (4): não se pode reconhecer outra causa senão a perturbação do systema nervoso central, em conseqüência da grande subtracção de sangue. Sanguis moderator nervorum. » Não podemos, porém, considerai-as puramente nervosas, como pretende este, sendo ocea- sionadas por uma dyscrasia do sangue, pela alteração de qualidade que caracte- risa a anemia, e deprime o systema nervoso, trazendo mais tarde, se persistir sua acção, o vicio da nutrição do tecido nervoso e dos músculos. Adoptando pois a opinião do Dr. Jaccoud, classificamos estas variedades en- tre as paralysias por dyscrasia anêmica. A dyscrasia tóxica apresenta um quadro mais expressivo e variado. A toxicologia enumera muitas substancias, capazes de abater a energia nervosa, e comprometter a motricidade voluntária. O arsênico, o helleboro^, o antimonio, o tabaco, o mercúrio, o carbono e seus compostos, a cicuta, o ópio, as soleneas virosas, o phosphoro, o álcool, a camphora, e muitas outras substancias, pela intoxicação lenta, ou depois dos symptomas de irritação no envenenamento agudo, manifestam esta acção paralysadora, que é precedida muitas vezes da perversão ou da excitação dos movimentos. A acção ultra-sedativa d'eslas substancias, especialmente a dos deprimen- tes e narcóticos, é devida, não só á alteração do sangue, como também a uma acção directa e stupefaciente do veneno sobre o systema nervoso. « Ha certas substancias, conhecidas como narcóticas, que tem a propriedade de matar di- (1) Thése, des causes et des symptomes des paralysies, pag. 11, 1866, (2) Med. Times and Gazette, 1861, pag. 532. (3) Etudes cliniques sur Ia paraplegie indépendante de Ia myelite. (4) Des paralysies dynamiques ou nerveuses, 1859. 12 rectamente a excítabilidade dos nervos, e destruil-a completamente, se são applicadas em estado de concentração. < Se, por exemplo, o nervo ischiatico, de uma ran for dissecado e suspenso em uma solução de ópio ou de morphU na, a porção do nervo immersa fica inteiramente privada de seu poder de ex- citar a contracção muscular; e a perna de uma ran mergulhada em uma solu- ção de ópio ou de ácido hydrocyanico se paralysa. » (1) Certos cogumelos venenosos, o lathyrus sativus, etc, são também produ- rtores de paralysias, análogas a essas, devidas á cravagem do centeio, e que são uma das manifestações do ergotismo. Assim como os venenos, as peçonhas, os virus, os miasmas, em geral, pro- duzem esta alteração zymotica, que Williams denominava necrcemia, condi- ção em que o sangue é primitivamente affectado e perde suas propriedades vitaes. Á infecção do sangue são attribuidas muitas das paralysias consecutivas á syphilis, á febre typhoidéa, ás febres eruptivas, á cachexia paludosa, á di- phterite, á dysenteria, etc. Entretanto, se na alteração dos humores, tem encontrado os organicistas um argumento contra aquelles que queriam incluir estas paralysias na classe das lesões sine matéria, é também verdade que outras existem, nas quaes não se tem podido descobrir alteração material, á qual se possa filiar a perda do mo- vimento. Nem basta demonstrar post-morlem uma lesão nos órgãos da in- nervação, para estabelecer, entre esta e a paralysia, uma relação de causa a effeito; é necessário que se liguem ambas pela evidencia dos syinptomas, e que, assim, a lesão nervosa e a paralysia não sejam effeitos disseminados e pro- gressivos de uma outra causa,—a alteração de structura, devida á deficiência de nutrição, provocada pela inacção do órgão. Assim, podemos, ao menos temporariamente, acceitar a existência de pa- ralysias nervosas, paralysias primitivas funccionaes, segundo Handfield Jones: primitivas porque o apparelho da innervação foi o primeiro affectado pela cau- sa morbifica; e funccionaes porque a alteração orgânica, se existe, além de escapar a todos os meios de observação, é susceptível de ser completamente removida pelos agentes que levantam as forças do organismo. (2) A inacção do systema nervoso não é incompatível com a sua integridade, pois vemos o systema cerebro-espinhal abdicar temporariamente os seus po- deres durante o somno; um estrondo causando a surdez; a descarga electrica (1) Hooper's Vade Mecum, pag. 102. (2) On somepoints of the Pathology ofNervous diseascs, Med. Times, 1865, pag. 140. 13 do relâmpago, produzindo a amaurose por destruir a excítabilidade do nervo óptico, e cansando a morte repentina por stupefacçao do cérebro, ou uma paralysia mais ou menos completa, pelo entorpecimento da medulla. A physio- logia prova lambem que uma corrente electrica intensa, passada entre dois pontos da medulla, paralysa a porção comprehendida por ellcs. Entretanto, é possível que se dè também, n'estes casos, a alteração dos ele- mentos nervosos: uma corrente electrica atravessando um ovo em via de germinação^ rompe os vasos, e coagula em parte a albumina; basta uma emoção moral para perverter as secreções, como no caso notável, referido por Carpenler, de uma creança que morreo instantaneamente, envenenada pelo leite de sua mãi que a amamentava em u:n momento de angustia. As paralysias hystericas são o typo da classe das funccionaes; as consecuti- vas á eclampsia, á epilcpsia, e á choréa, também são attribuidaspor muitos ao esgotamento da força nervosa pelas contracções violentas. A commoção do encephalo, por esses movimentos repetidos e desordenados, pôde determinar o torpor da inlelligencia ou da força motriz, ou, pelo contrario, dar lugar á ex- citação cerebral, ao delírio furioso, tão manifesto na mania epiléptica. Não ha maior diíferença, diz II. Jones (i) entre estas duas formas de desordem cere- bral, do que ha entre as variedades de desordens sensitivas que occorrem em uma nevralgia brachial. A parte affectada, umas vezes está muito dormente, e outras extremamente dolorosa. » Segundo este illustre pathologista, a paralysia primitiva das cellulas nervo- sas do centro encephalico ou do espinhal, é de occurrencia freqüente, e com- mummente o resultado de influencias debilitantes, actuando por maior ou me- nor espaço de tempo; e não é acompanhada de lesão de structura visível, nos primeiros tempos de sua existência; mas, quando prolongada consideravelmen- te, pôde complicar-se de degeneração atrophica. Ha ainda uma ordem de paralysias, sem lesão material, que tem ponto de par- tida nos nervos periphericos, esãodenominadaspflra/?/Sí«5 reflexas. Asaffecções genito-urinarias, a impressão do frio, as irritações intestinaes, a dentição, são suas causas mais freqüentes. As experiências physiologicas e os factos clínicos, tem demonstrado que a irritação dos nervos centripetos é, muitas vezes, por um phenomeno reflexo, causa da perda do movimento:—a pausa dos movimentos do coração provoca- da por uma pancada no epigastrio, pela ingestão de água fria em momento de {[) Ob. cit. pag. 109. í 14 muito calor, por perfuração do estômago ou dos intestinos, etc, faz-se por via reflexa, porque a irritação do sympathico abdominal se transmilte á medulla pelos nervos splanchnicos, e esta reage pelo pneumogaslrico sobre o coração. É também pelo mechanismo reflexoquese explica como, ás vezes, asprimei- ras inspirações do chloroformio fazem-parar o coração; como se dá a synccpe, em operações cirúrgicas simples, conforme observaram Milton e Smith no catheterismo da urethra; e nos velhos vio-aHigginbottom, sem outra causa, se- não a irritação dos nervos gástricos por alimentos indigestos. (1) Brown Séquard, depois de analysar uma serie de casos, em que a irritação centripeta foi causa de paralysia, infere como caracteres geraes: (2) 1.° que a causa supposta sempre precedeo a paralysia do movimento ou da sensibilidade; 2.° que as mudanças na intensidade da causa foram ordinariamente acompan- hadas por alterações correspondentes nos symptomas paralyticos; 3.° que os remédios applicados directamente contra a paralysia e a anesthesia foram inú- teis; 4.° que estas duas affecções, em muitos casos, foram rapidamente curadas, depois da cessação da causa irritante; 5.° que não havia alteração visível do systema nervoso, em muitos casos, em que a autópsia foi feita. A disposição dos nervos aííerentes, e suas connexões na medulla com as cel- lulas sensitivas, e, por meio destas, com as motrizes, revelam o mechanismo, pelo qual os nervos sensitivos excitam as cellulas nervosas, e a impressão se torna origem de movimento. Mas como será que, na paralysia reflexa, esta impressão é causa de um phenomeno inteiramente opposto, a inacção? Será porque, a impressão anômala, levada á cellula nervosa, poude reduzil-a á asthenia, ou o symptoma adynamico é effeito de transformações outras, operadas no appare- Ifio motor? Sobre este ponto reina ainda a controvérsia. Lister, observando que um estimulo brando, sobre os nervos, produzia a contracção vascular na pata de uma ran, e um irritante enérgico dava lugar á relaxação dos vasos; vendo que choques electricos muito fracos, na porção in- ferior da medulla dorsal, augmentavam os movimentos peristalticos dos intes- tinos, e paravam-os completamente, quando crescia a intensidade da corrente; achando ainda, como também viram Weber, Cl. Bernard, Moleschott e outros, que uma ligeira irritação da medulla allongada ou do pneumogastrico augmenta a freqüência da acção do coração, e uma irritação forte diminue e até pára os movimentos d'este órgão: Lister, por estes factos, admitte a influencia inhibitoria dos nervos, e conclue, que o mesmo nervo afferente pó- (1) H. Jones, ob. cit. pag. G22. (2; Lancet, 1858, pag. 520. ir. de, segunilo for actuado branda ou energicamente, exaltar ou deprimir as fun- cções do centro nervoso, sobre o qual obra. Pfluger já tinha proposto a denominação de inhibilorios para certos nervos, como os vagos e os splanchnicos, cuja funcção parecia ser somente moderar ou reprimir o movimento das partes em que se distribuem. A opinião de Lister, sobre os effeitos oppostos, segundo o gráode energia, das impressões afferidas ao centro nervoso respectivo, é corroborada pelo que apresentam de análogo, os estimulantes, que, em gráo moderado, activam a vita- lidade dos centros nervosos, e em excesso deprimem e entorpecem as fun- cções. Com o galvanismo, o calor e os outros excitantes, acontece isto; como diz Míillcr:—quando a acção (Telles não elevada além de certo gráo de intensida- de, nem continuada além de certo tempo, são estimulantes; mas, se a acção for mais violenta, e prolongada por muito tempo, produzem um effeito contrario. II. Jones abraça a opinião de Lister, e com razão attribúe o effeito deprimen- te da excitação exagerada, não só á natureza e intensidade do excitante, como também á susceptibilidade vital do tecido nervoso; assim, diz elle, (1) uma im- pressão, levada ao centro nervoso pelos nervos affcrentes, pôde, em vez de exci- tar, enfraquecer ou paralysar sua acção, ou pela debilidade e excítabilidade congenili ou adquirida do centro nervoso, ou porque a impressão seja indevi- damente intensa ou absolutamente nociva. Brown Séquard propõe uma explicação differente. Suas experiências e as de Tholozan e Comhaire tinham mostrado, que uma impressão peripherica pô- de fazer contrahir os vasos sangüíneos de pontos distantes, por influencia re- flexa; que uma ligadura, applicada no hilo do rim, faz se contrahirem os vasos da pia mater espinhal; e que a extirpação de um rim ou de uma cápsula supra- renal, produz paralysia do membro inferior do mesmo lado. Partindo d'estes factos, B. Séquard attribúe as paralysias reflexas á ische- mia, por contracção dos capillares da medulla, dos nervos ou dos músculos. « É provável que as irritações que partem dos órgãos genito-urinarios ou outros, produzam antes a paralysia por contracção dos vasos sangüíneos da medulla, do que dos nervos motrizes e dos músculos. Entretanto, não é raro, n'esta for- ma de paraplegia, que uma diminuição notável da temperatura dos membros paralysados, mostre que os vasos sangüíneos d'estas partes estão também con- trahidos. » (2) (1) Ob. cit. pag. 623. (2) B. Séquard, Lectures on lhe diagnosis and treatment of the principal forms of pa- ralysis of lhe lower extremities. 16 Ha, porém, experiências que contradizem as de B. Séquard: Gull, collocaudo uma ligadura nos vasos dos rins, ou irritando os nervos d'este órgão,—ne- nhum effeito visível obteve; os vasos em observação não soffreram mudança al- guma; e Raoul Leroy, experimentando em cães, não conseguio produzir a pa- ralysia pela irritação dos rins. Jaccoud objecta ainda á theoria de B. Séquard, que, ainda que a contracção dos capillares succedesse á irritação peripherica, e produzisse a ischemia dos elementos nervosos, esta contracção cessaria brevemente, em virtude das leis physiologicas, que nãopermittem, que aactividadese sustente por muito tempo, sem repouso proporcional. Mas, não prevalece a objecção, porque si isto é exac- to na vida normal, vemos em casos mórbidos, como no tétano, nas contra- cturas, a acção muscular sustentar-se por tempo indefinido, e em músculos da vida animal, que sem duvida alguma estão mais subordinados áquella lei que os da vida orgânica. Jaccoud explica as paralysias reflexas, pelo esgotamento da excitabilidade nervosa, como succede pela acção intensa ou demorada de uma corrente elec- trica. « Aqui, como lá, a paralysia desapparece com a excitação que lhe deo origem; aqui, como lá, a paralysia soffre oscillações sob a influencia das mu- danças que sobrevém na excitação deprimente; emfim a observação clinica ensina, que as paralysias d'esta forma são muitas vezes annunciadas por aba- los convulsivos, que attestam aquelle período de exageração, que precede ordi- nariamente o esgotamento da excitabilidade. (1) Pela exposição que fizemos das differentes espécies de paralysias, vê-se, que estão todas incluídas nas quatro classes, estabelecidas pelo Dr. Jaccoud: l.a Pa- ralysias orgânicas. 2.a Paralysias ischemicas. 3.a Paralysias dyscrasicas. 4.Pa- ralysias funccionaes. SECÇÂO SEGUNDA, Semeiotica e diagnostico differencial. Diagnosticar é discernir a moléstia, distinguil-a de qualquer outra, por seus caracteres symptomaticos; descubrir a sua natureza, a causa intima de seu (1) Jaccoud, ob. cit. pag. 358. 17 desenvolvimento, e explicar, por este conhecimento, a evolução dos symptomas observados. As paralysias, como tantas outras manifestações palhologicas, que indevida- mente occuparn o quadro das entidades mórbidas, não são mais do que sym- ptomas; e, como taes, o seu diagnostico deve sem duvida consistir, em revelar a causa immediata, a moléstia ou lesão que lhesdeo origem. As paralysias sine malerui, as verdadeiramente primitivas funccionaes, po- derão ser consideradas individualidades mórbidas, emquanlo a pathologia não demonstrar, com seus immensos recursos analyticos, a condição orgânica que tenha determinado a asthenia nervosa. Um perfeito diagnostico deve não só demonstrar a natureza da lesão, como também determinar a razão physiologica da manifestação dos symptomas, a sede e a extensão da lesão primitiva. No diagnostico das paralysias, seguiremos a ordem traçada pela classificação, que expuzemos na primeira parte, onde se deixam ver os caracteres geraes, que auclorisam a descriminação dos principaes grupos. Paralysias orgânicas. Determinar a sede e a natureza da lesão orgânica do encephalo, da medulla ou dos nervos, que impede o livre transito do fluido nervoso, é o que consti- túe o diagnostico das paralysias orgânicas. Com os conhecimentos ministrados pela anatomia, physiologia e pathologia do systema nervoso, veremos, quanto nos for possível, a explicação racional dos symptomas nos differentes casos; e como, approximadamente, se pôde deduzir d'elles a existência de uma lesão determinada. Sede da lesão orgânica.—Conhecida a continuidade mediata das fibras mo- trizes e sensitivas, desde a peripheria até o órgão central, impulsor do movi- mento voluntário, e collector das impressões sentidas, é fácil apreciar as rela- ções dos symptomas fornecidos pela observação clinica, com as alterações pa- tlioloçicas dos orçãos da innervação. Nos corpos striados e nos thalamos ópticos parece residir o centro da inner- vação motriz voluntária; acima d'elles, as camadas corticaesdos hemispherios do cérebro tem sido cortadas, sem produzir paralysia, e as necropsias tem de- monstrado focos apoplecticos n'estes pontos, sem abolição do movimento; mas, constantemente, a compressão instantânea das circumvoluções cere- 18 braes affecta as faculdades intellectuaes, especialmente a consciência, produ- zindo o estado comatoso. Schiff e Mageandie provaram que a ablação dos corpos striados diminua a sensibilidade e abole o poder do movimento. Carece ainda de demonstração, a opinião dos physiologistas, que suppoem ser o thalamo óptico, centro colleclor das impressões, e o corpo striado, impulsor dos movimentos. A lesão do thalamo óptico, diz Todd, produz quasi, ou precisa- mente, os mesmos effeitos que a do corpo striado. Em setenta e cinco casos, descriptos por Andral, (I) de hemiplegia, paraly- sia do braço, ou da perna, havia, em quarenta e urn casos, focos hemorrhagicos nos corpos striados; em trinta e um, nos thalamos ópticos, e em quatro, entre os dois corpos. Não é possível, pois, no estado actual da sciencia, descrimi- nar as lesões d'estes dois órgãos; mas c certo, ao menos, que os symptomas constantes que as acompanham, servem para designar, provavelmente, a affe- cção simultânea de ambos, ou só de um d'elles. A lesão dos corpos striados e dos thalamos ópticos, é acompanhada sempre de hemiplegia, que affecta no corpo a metade opposta ao órgão lesado; e á qual escapam somente os mús- culos do tronco, porque, segundo Van der Kolk, os feixes lateraes da medulla, subservientes á respiração, terminam-se nos núcleos da medulla allongada. É claro que, n'estes casos, em que a lesão é localisada em órgãos superiores á medulla allongada, a perda da sensação e do movimento deve ser do mesmo lado do corpo, opposto á lesão, porque os nervos sensitivos se cruzam em toda a extensão da medulla espinhal, e os motrizes na medulla allongada. A para- lysia do movimento é signal mais duradouro que a da sensibilidade; algumas vezes, no começo do ataque, diz Todd, a paralysia do movimento e da sensa- ção se mostram juntas; mas, a paralysia da sensação ordinariamente desappa- rece depressa, deixando só a do movimento. Provavelmente, nos corpos stria- dos e thalamos ópticos, na protuberancia annular e nos peduncuios cerebraes, os feixes sensitivos estão collocados mais profundamente, de sorte que, ás al- terações mórbidas custa mais attingil-os. Na hemiplegia consecutiva ás lesões dos corpos striados ou thalamos ópticos, metade da face é muitas vezes ligeiramente affectada, do mesmo lado que o corpo. Esta forma de hemiplegia, muito mais freqüente e essencialmente dis- tineta da hemiplegia alterna, que depois estudaremos, é denominada hemiple- gia commam por Jackson, que diz:—tenho visto pelo menos 500 casos de he-r (1) Clinique Médicale, T. 5.° 19 nriplegia, e somente vi 7 ou 8, em que a face estava puxada para o lado hemi- plegico, quando vi o paciente. (1) A paralysia de alguns nervos cranianos, de ordinário a do facial e do hypo- glosso, complica, mas sempre levemente, a hemiplegia ordinária. A disposi- ção anatômica dos nervos cranianos é a razão d'esta differença de intensidade, na paralysia da face, ligeira n'estes casos, e severa, do lado opposto á dos mem- bros, na hemiplegia alterna. Nascendo dos núcleos da medulla allongada, tem aquelles nervos sua origem apparente em pontos do encephalo, mais ou menos affastados da origem real; e os filetes que communicam os núcleos com o cérebro, cruzam-se na medulla allongada mesma; assim, a alteração dos órgãos motri- zes, acima do mesocephalo, attaca as fibras nervosas da face e do corpo antes da intersecção, e a paralysia é menos profunda do que aquellaque acompanha as lesões da medulla allongada, e é devida á affecção directa do tronco do ner- vo, a qual, impedindo ou anniquilando a influencia da vitalidade do núcleo medullar, offende gravemente as fibras nervosas, abolindo os movimentos re- flexos, e por ultimo, atrophiando o nervo. A paralysia ligeira da face é muitas vezes difíicil de verificar-se; no maior numero dos casos, ha uma ligeira tracção da boca para o lado são, a qual poderia ser attribuida a um spasmo dos músculos do mesmo lado. O melhor meio de conhecer-se a paralysia da face, é, segundo Jackson, mandar que o doente mos- treos dentes inferiores. O paralytico não pôde, de ordinário, executar, com a face ou com a lingua, os movimentos pedidos, mas, entretanto, estes se fazem, ás vezes, inesperadamente, e por acção reflexa; o que é possível somente nos ca- sos de integridade dos troncos nervosos e seus núcleos medullares. Na hemiplegia commum, as fibras do nervo facial não são altacadas todas, e, por isso, disse Trousseau (2), diagnosticando um caso de hemorrhagia cere- bral,—que uma paralysia facial incompleta, ainda na falta dos outros pheno- menos, característicos de uma hemiplegia mais extensa, bastava para fazer-lhe pensar que se tratava, não de uma affecção do sétimo par de nervos, e sim de uma affecção com sede num henrispherio do encephalo. Pequena em intensidade e extensão, a paralysia facial acompanha, entretanto, constantemente os primeiros períodos da hemiplegia ordinária, limitando-se aos músculos que se prendem no angulo da boca, e sempre do mesmo lado que a paralysia do corpo, e desapparecendo muito antes da extincção d'esta. 0 valor pratico d'esle symptoma, para o diagnostico da sede da lesão, é tão im- (1) Clinicai Lectures andReports of the London Hospital, Vol. 2.<*, 1865, pag. 306, (2) Ob. cit. T. 2.°, pag. 3. 20 portanle que, a falta d'este signal, por observação tardia, ou descuidada, con- fundiria a lesão do hemispherio cerebral com a de metade lateral da medulla espinhal, na parte superior. Roínberg diz (!): A feição particular da paralysia central do nervo facial na desorganisação do cérebro, é que, com poucas cx- cepções, sua distribuição inteira não é affectada, mas são implicadas somente as fibras que supprem os músculos da ala do nariz e do lábio superior, e são os agentes das funcções respiratórias do facial. Na paralysia facial por lesão do nervo mesmo, paralysia de Bell, os sym- ptomas são muito mais manifestos; todos os músculos superficiaes da face são íittacados, c é, sobretudo, característica a affecção do orbicular das palpebras, de sorte que o doente não pôde fechar o olho do lado paralysado, o que não succede na hemiplegia commum; e demais, ha impossibilidade dos movimentos reflexos, e mais tarde, a alrophia dos músculos da face. « Por mais completa que seja uma hemiplegia, dependente de lesão do cérebro, diz Trousseau, nun- ca ei o músculo orbicular das palpebras completamente paralysado; o olhopoude sempre fechar-se; emquanto, nu paralysia de Bell, a paralysia do orbicular das palpebras nunca falta, e a ocelusão completa do olho é impossível. O Dr. Cazalis, medico da Salpêtrière, fixou, como eu, sua attenção sobre este ponto de semeiotica, e declara não ter visto um só caso de hemorrhagia ou de amolleci- mento do cérebro, no qual o doente não podesse fechar o olho do lado attaca- do, por mais grave que fosse a paralysia. Todavia, em alguns casos exce- pcionaes, todos os ramos do nervo facial não são attacados; aquelles, por exemplo, que se distribuem nos músculos da palpebra, podem estar intactos. O signal que vos acabo de indicar falharia, pois, algumas vezes. Mas, então, é preciso não esquecer aquelle que foi dado por Duchenne; signal que eu já men- cionava, e que foi depois confirmado pelas experiências de Vulpian. Na pa- ralysia facial, dependente de uma lesão do cérebro, a excitação electrica é sen- tida pelos músculos, como no estado normal; ao passo que a contractilidade muscular não é absolutamente, ou quasi, despertada por uma corrente electri- ca, se a paralysia depende de lesão do nervo do 7.° par. » (2) Marshall Hall já estabelecera os seguintes princípios: os músculos, separa- dos de suas connexões nervosas com o cérebro, augmentam de irritabilidade; e os músculos separados d'estas connexões com a medulla espinhal, diminuem de irritabilidade. Ha, na hemiplegia. sensíveldifferença entre o gráo de paralysia da perna edo (1) Clinicai Lectures, V. 1.°, pag. 251. (2) Tousseau, ob. cit. T. 2."; pag. 201. 21 braço; de ordinário, a perna é menos affectada, e se restabelece mais depressa; o que é fácil de explicar, atlendendo a que todas as porções da medulla são outros tantos multiplicadores da excitação motriz. A paralysia dos membros in- feriores é, muitas vezes, tão ligeira que passa desapperccbida aos doentes, du- rante sua estada no leito. Trousseau, tratando da hemorrhagia cerebral, sancciona também a observa- ção commum, de que—o membro inferior recupera muito mais depressa os movimentos, do que o braço paralysado; e consigna o facto de ser, em geral, de grave prognostico, a marcha inversa dos symptomas, o restabelecimento do movimento, mais rápido no membro superiordo que no inferior. A razão ittsto, elle mesmo confessa que a ignora. Na língua ha também, na hemiplegia commum, uma ligeira paralysia, cara- cterisada pelo desvio d'ella para o lado paralysado. A razão, porque o desvio da língua se faz para o lado atacado, não está ainda bem determinada; mas, parece, segundo Van der Kolk (1) que cada músculo genio-glosso, em con- seqüência de suadirecção oblíqua para cima e para fora, puxa a lingua para o lado opposto, e por conseqüência, na hemiplegia, o músculo são impelle-a para o lado paralysado. Mas, porque será este músculo atacado, de preferencia aos músculos accessorios da lingua, que tem uma acção anlagonista a sua, e são também providos pelo nervo hypoglosso? So a disposição anatômica da origem cerebral d'estas fibras nervosas, poderia explical-o. N'esta forma hemiplegica, a paralysia da lingua é sempre muito pouco in- tensa. « A paralysia completa de um lado da lingua, diz Jackson, é uma affe- cção muito rara; só a tenho visto em quatro casos.» Mas, se esta paralysia com- pleta é rara, a paralysia parcial da lingua é muito commum; apparece quasi sempre, em maior ou menor gráo, na hemiplegia: mas, então, a paralysia da hemiplegia é cousa muito differente; não é devida a affecção do nervo lingual ou do seu núcleo, e sim, á paralysia d'essas fibras do nervo, que se cruzam (Lockhart Clarke) e passam para as partes superiores do tracto motriz. Esta pa- ralysia hemiplegica da lingua é differente da paralysia, por lesão do nervo ou de seu núcleo, como o é, a paralysia da face na hemiplegia, da paralysia por affecção do nervo facial mesmo; como a paralysia do braço, na hemiplegia, difíere da paralysia por affecção dos nervos do plexo brachial. (2) Não se deve ajuizar da paralysia da lingua pelo defeito ou embaraço da falia. Para o exercício da palavra, são necessários três elementos, a concepção da lin- li) Ob. cit. pag. 109. (2) Cl. Lcclures and Reports. Vol. l.° pag. 317 6 22 lino-uasem, a emissão do som e sua articulação. Cada uma d'estas funcções es- tá incumbida a um órgão distincto, e a lesão de qualquer d'elles poderia dar em resultado o defeito ou a abolição da palavra, confundindo assim, pela iden- tidade do effeito, causas bem distinctas entre si. 0 cérebro, concebendo a lin- guagem, coordenando os movimentos, e incitando os órgãos que devem exe- cutal-os; o larynge, emittindo e vibrando o som; a lingua e os lábios, arti- culando-o; formam uma cadeia de órgãos, tão indispensáveis ao exercício da linguagem articulada, que, destruído um dos elos, seria abolida a funcção. Assim, ha na aphasia a lesão do elemento cerebral, na aphonia, a do larynge, e na paralysia da lingua, a affecção do órgão que articula o som; mas, em todos os casos, ha defeito ou perda da palavra. Quando a lesão é nos hemispherios cerebraes, em muitos casos, o defeito da falia é um symptoma grave, por sua presistencia e intensidade, e contrasta singularmente com a integridade ou affecção tão ligeira dos movimentos da lin- gua, do larynge e do véo do paladar, que não embaraça sensivelmente a de- glutição, nem a respiração. Esta affecção, denominada aphasia, tem um caracter singular de aflinidade com a hemiplegia direita, e por conseqüência, com a lesão do hemispherio ce- rebral esquerdo: é rarissimo encontral-a com a hemiplegia esquerda. Nos casos de lesão cerebral em que ha paralysia de metade da lingua, do véo do paladar ou das cordas vocaes, a falia, ainda que alterada, é possível, e não apresenta, como na aphasia, junta á facilidade ou ligeiro embaraço dos mo- vimentos do apparelho vocal, a impossibilidade absoluta de pronunciar muitas ou quasi todas as palavras. Seguindo os passos de Gall, Bouillaud localisou nos lobulos frontaes a fa- culdade da linguagem articulada, e Marc Dax, observando a notável connexão entre a hemiplegia direita e a aphasia, restringio aquella faculdade ao hemis- pherio esquerdo do encephalo. Broca, mais exclusivista ainda, quer attribuil-a á parte posterior da 3.acircumvolução frontal esquerda. Os factos, em geral, parecem sanccionar as idéias de Broca, mas é certo que sua opinião está lon- ge de explicar todos os casos registrados na sciencia. A aphasia não é uma moléstia determinada, e sim, um symptoma de lesão mais ou menos grave, mais ou menos extensa, das circumvoluções cerebraes; apresenta muitos gráos, desde o defeito simples e transitório da falia, até a abolição completa das manifestações da faculdade geral da linguagem, pela palavra, pela escripta e pelos gestos. En- tretanto, se é certo que a estes estados correspondem, geralmente, lesões diffe- rentes, em extensão e intensidade, do lobulo frontal esquerdo, e sobretudo da 23 3.a circumvolução;é tambémexactoqueCharcoteVulpian(l) viram e provaram, pela autópsia, que alguns casos de aphasia coincidiam com lesões do hemispherio esquerdo do cérebro, as quaesnão interessavam o lobulo frontal. No hemisphe- rio direito, Parrot e Charcot acharam a atrophia ou amollecimento das circum- voluções frontaes, inclusive a terceira, em indivíduos que tinham conservado a intelligencia e a faculdade da linguagem articulada. Trousseau cita um caso de aphasia com hemiplegia esquerda, e Jackson cita dois semelhantes. (2) De tudo isto, parece deduzir-se claramente que a apha- sia não depende sempre, como pretende Broca, da lesão da extremidade pos- terior da 3.a circumvolução frontal esquerda. Se lesões gravíssimas dos lobulos frontaes, não implicando as partes pos- teriores das circumvoluções, tem existido sem abolir a falia (3); se, em outros casos de aphasia, estavam incólumes os lobulos frontaes, mas havia al- teração das circumvoluções do lobulo temporo-sphenoidal, especialmente na parte anterior; parece lógico concluir, que a integridade da falia depende da communicação perfeita dos dois lobulos, que se associam na concepção da lin- guagem, e na coordenação dos movimentos dos differentes órgãos que con- tribuem ás funcções importantíssimas da phonação e da palavra. Separados em parte os dois lobulos, pelas fendas de Sylvius e de Rolando, e unindo-se den- tro d'estes sulcos, pela profundidade das circumvoluções limitrophes; as lesões que cortassem este nexo, destruiriam a harmonia dos elementos prepostos á funcção da linguagem, e a aphasia seria, então, ^ataxia da articulação, como a chamou Jackson, ou a asynergia verbal, como a denominou Lordat;—seria para a palavra o que a ataxia locomotriz é para o movimento. Parece, com effeito, demonstrado que, da integridade das commissuras ce- rebraes dependem todas as combinações da intelligencia. Abercrombie, Paget, Down, MitchellHenry (4) referem casos de escassez da intelligencia, ligada á alteração ou imperfeição do corpo calloso, do fornix, ou do septum lucidum. Nos casos de Paget e Henry,—em que algumas fibras commissuraes uniam ainda os lobulos anteriores, o doente podia ler e fallar livremente; porém no de Down, em que os lobulos anteriores estavam completamente separados, a perda da palavra era quasi completa, O gráo de extensão da alteração explicaria as differentes gradações da apha- (1) Trousseau, ob. cit. vol. 2.° pag. 601. (2) Cl. ficports, vol. l.o pag. 435. (3) Trousseau, ob. cit. T. 2.°, pag. 609. (i) Meryon, on paralysys, pag. 115. 24 sia, desde a perda da faculdade geral da linguagem, até um ligeiro defeito da palavra. Ha, em muitos casos, abatimento da intelligencia ou da memória, porem não éesta a causa da aphasia, porque em muitos aphasicos a intelligencia estava tão perfeita, que elles dirigiam os seus negócios com toda a clareza e escreviam como d'antes; e demais, na aphasia, ainda nos casos mais graves, não ha esquecimen- to absoluto das palavras, como bem o demonstra o desgosto que transparece no rosto dos doentss quando, depois de muita insistência, pronunciam pala- vra diversa d'aquella que querem proferir ou que se lhes ensina. A aphasia, parece, pois, depender da falta de harmonia das idéias elementa- res, que presidem á coordenação dos movimentos, necessários á articulação da palavra. « Não se deve esquecer, diz Dunn, que o poder perfeito da falia, isto é, de exprimir nossos pensamentos, em uma linguagem apropriada e con- veniente, depende da relação devida entre os centros da acção intellectual e os centros motrizes encephalicos, por meio dos quaes se exerce o poder da vo- lição. « Os pensamentos ou idéias são moldados para a expressão, na sede da acção intellectual; mas, a acção do poder da volição, para articulal-os, requer a integridade das fibras commissuraes, e dos centros motrizes, por meio dos quaes os impulsos volicionaes do pensamento operam na falia. » A lesão dos corpos striados ou ópticos, não affecta a palavra, senão por uma ligeira paralysia da lingua, nem a lesão das circumvoluções compromette o movimento; mas, a contiguidade d'estes órgãos explica como a extensão ou propagação da affecção primitiva poderia complicar a hemiplegia, de aphasia, e reciprocamente; e sendo ambas produzidas ordinariamente por perturbações da circulação, explica-se a sua coincidência, por serem os corpos striados e as circumvoluções limitrophes dos lobulos frontaes e sphcnoidaes, providos pela mesma artéria, a cerebral media. Os corpos olivares são, como prova Van der Kolk, os gânglios dos nervos que presidem á falia. A amaurose e a perda do olfacto complicam também, ás vezes, a hemiplegia. A proximidade dos troncos, dos nervos olfactivo e óptico, e dos corpos striados e ópticos, explica como a lesão pôde attingil-os ao mesmo tempo, e como a relação entre estes órgãos, e a rede vascular do hexagono arterial e suas ramificações, predispõem esta região a ser affectada mais directamentc. Quando a hemiplegia coincide com a paralysia do 3.° par, motor ocular commum, do lado opposto, póde-se diagnosticar, com toda a probabilidade, 2*> uma lesão do pedunculo cerebral, do mesmo lado que o nervo craniano para- lysado. Weber (l) considera resultados prováveis de lesão do pedunculo cerebral de um lado:—1.° A paralysia do movimento, quasi completa, e diminuição da sensação nos membros do lado opposto. 2.° A paralysia, menos completa e mais transitória, do movimento e da sensação do lado opposto do tronco, da lingua, do véo do paladar e da face {ficando intactos os músculos do olho). 3.° Diminuição da acção, talvez mais permanente, dos nervos sympa* thico e pneumogastrico do lado opposto. 4.° Grande morosidade nas funcções do canal intestinal. 5.°Immunidade das faculdades intellectuaese dos sentidos es- peciaes. 6.° Paralysia do 3.° par, do lado da lesão, se esta affecta a substancia nerv< sa adjacente ao ponto de emergência d'este nervo. » A paralysia da face é n'estes casos incompleta, como a da hemiplegia commum, e a do 3.° par de- nuncia por sua intensidade, e sede opposta á hemiplegia do corpo, uma lesão do tronco mesmo do nervo motor ocular commum. Á lesão da protuberancia annular, é que são devidas commummente as paralysias alternas, isto é, aquellas em que a foce é paralysada de um lado, e os membros, do lado opposto. A paralysia é alterna, porque a lesão abran- ge os filetes faciaes já cruzados, um pouco acima, na protuberancia mesma, e as fibras motrizes dos membros, antes do cruzamento que se faz na medulla al- longada. A paralysia da face é mais completa na hemiplegia alterna, do que na commum, porque na peimeirao nervo mesmo é attacado, e, n'estaultima, só o são os filetes que communicam seus núcleos com os lobulos cerebraes. « A acção da medulla allongada, diz Landry, como conductora da influencia cerebral, é evidentemente cruzada; mas, a medulla allongada e a medulla espinhal não constituem somente órgãos de transmissão; antes de tudo, são centros, d'onde os nervos sensitivos e motrizes recebem as propriedades, pelas quaes presidem á excitação da contracção muscular, á nutrição dos músculos, á manutenção de sua excitabilidade, aos phenomenos reflexos, etc. « Póde-se segmentar a medulla, e todas estas funcções persistirem em potência, em cada um dos segmentos.» Para cada parte do corpo, o movimento, a vida inteira, como tinha entrevisto Legallois, depende do segmento medullar d'onde provém os nervos d'esta parte; o cérebro, o cerebello, o centro respiratório, etc, não são senão órgãos d'incitação, causas determinantes do movimento, e não, potências motrizes. As verdadeiras potências motrizes pertencem á medulla só.» criptos por Meryon, são os seguintes:—1.° sua disposição a affectar antes os indivíduos de meia idade do que os velhos; 2.° a existência de symptomas premonitórios que mostram a imminencia da paralysia; 3.° o estado rigido e contrahido dos músculos paralysados; 4.° o progresso constante de todos os symptomas, sem que a sensação, uma vez perdida, reappareça, como na apo- plexia; esta exacerbação constante e uniforme dos symptomas assignala a na- tureza da moléstia, e priva o doente da sensação e do movimento, porém não, necessariamente, da consciência, até que a morte ponha fim a tudo. » A phlegmasia cerebral termina, ás vezes, pelo endurecimento ou sclerose do (1) Thòse, Lesion anatomiquc de Ia paralysie generale, pag. 24. 33 encephalo, que pôde lambem alterar a intelligencia, o movimento e a sensi- bilidade. A obstrucção de uma artéria cerebral, por ligadura, comoho caso occorrido a Sedillot, ou porembohsmo, ou pela compressão de um tumor, subtrahindü a unia porção do cérebro, o sangue indispensável a sua nutrição, fal-a passar ao estado molle e pultaceo que caracterisa o amollecimento branco. A obliteração* por embolia da artéria sylviana ou cerebral media é a causa mais freqüente do amollecimento do lobulo médio do cérebro. Para o diagnostico difíerencial (Pestes casos, recorremos ainda á obra clás- sica de Meryon: « Quando a paralysia oceorre subitamente, e fica intacta a sensibilidade; quando a intelligencia é implicada ese observa um período de me^ lhora; pode-se deduzir que existe o embolismoem um oü mais ramos da artéria carótida interna, e que os embolosou coágulos são do lado do cérebro opposto uo do corpo, que se acha paralysado. « Porem, quando a paralysia é progressiva* e a sensação abolida, quando a intelligencia é menos perturbada, e os signaes de melhora são menos manifestos, especialmente se ha náuseas ou vômitos, pôde-se concluir que os coágulos existem nos ramos das artérias vertebraes. Em ambos os casos os músculos paralysados estão relaxados, mas a contrac- tilidade electro-inuscular é conservada. » « Quando a hemiplegia é oceasionado por thrombus ou coágulos fibrinosos no systema venoso, é sempre de forma progressiva, e quasi sempre oceorre nos velhos. Tem, alem d'isso* seu caracter especifico; pois que, quando a circu- lação do sangue é obstruída nos seios do craneo, a peripheria do cérebro e consequentemente a intelligencia* é mais particularmente compromeltida do que as partes centraes* que são affectadas no embolismo. » (1) Se estas affecções de qne tratamos, se localisarem na medulla espinhal, acha- remos ainda symptomas característicos. Na meningite, a dor local e a exaltação da sensibilidade precedem sempre a paralysia* que poderá sobrevir pela compressão devida ás exsudações mórbi- das das membranas, ou por propagação da inflammação á polpa nervosa. « Póde-se, diz o Dr. Jaccoud (2)* formular um principio geral que é bom não perder de vista; estando san a medulla, as lesões das merringes, qualquer que seja a sua natureza, não podem determinar a paraplegia, senão por com- pressão. É por isso que, nas meningites, a paralysia é um plienfomeno tardio; não se desenvolve senão quando a phlegmasia tem produzido nas membranas (I) Meryon, ob. cit. pag. 121. (2) Ob. cit. pag. 227. 9 34 depósitos líquidos ou membranosos, que exerçam sobre o tecido nervoso sub- jacente uma compressão suffieienle para alterar sua conductibilidade. È tam- bém por isso que, nos derramamentos das meninges, e principalmente na he- matorachis, a paralysia é contemporânea da efíusão, ainda que esta seja pouco abundante; é por isso que, por outro lado, certos tumores das meninges pode- rão, segundo a sede, o tamanho e modo de desenvolvimento^ existir mezes ou annos, sem produzir phenomeno algum paralytico nos membros inferiores. » A myelite produz a paralysia das partes inferiores á sua sede, e podemos diagnosticai-a, com toda a probabilidade, quando esta perda do movimento for acompanhada de dor ao longo do rachis, formigamentos, torpor das extremi- dades, hyperesthesia, dores lacinantes e outras aberrações da sensibilidade, e exageração dos movimentos reflexos, que denotam um augmento da exci- tabilidade da medulla; sensação de conslricção em torno do tronco que deter- mina o limite superior da paralysia; torpor e abatimento progressivo da força muscular; spasmo ou paralysia do recto e da bexiga, e urina alcalina. O desapparecimento d'aquelles symptomas que indicam o augmento da exci- tabilidade da medulla, e se apresentam no primeiro período da myelite, é de grave prognostico, quando a paralysia não tenha diminuído de intensidade, porque indicam a desorganisação do tecido medullar. Na myelite limitada á região dorsal, o bolbo lombar, achando-se livre, por assim dizer, da repressão cerebral, manifesta sua excitabilidade pela exagge- ração dos movimentos reflexos nos membros inferiores; na região cervical, junto á medulla allongada, a myelite reveste-se de symptomas graves do lado da respiração, da circulação e da digestão, porque implica os nervos espinhaes, phrenicos, sympathicos e pneumogaslricos. Os tumores das meninges, do cérebro e da medulla, são também causas de paralysia. O tuberculo e o cancro são.os mais freqüentes, e affectam o ence- phalo, especialmente a substancia cinzenta, de preferencia á medulla espinhal. Além da paralysia, que oceasionam em seu estado adiantado, estes tumores trazem muitas vezes a irritação da substancia nervosa, produzindo spasmos nos músculos paralysados, e são pontos de partida do amollecimento inflam- matorio que apressa a terminação fatal da moléstia. Nos tumores do cerebello, os vômitos incoerciveis, as convulsões, vertigens e a falta de coordenação dos movimentos, são symptomas que quasi sempre apparecem. A tuberculose cerebral oceorre ordinariamente em indivíduos de diathese tuberculosa, e na velhice, período da vida opposto áquelle em que é mais fre- 3'.i quente o apparecimento do cancro. N'este, a cephalalgia tem um caracter lan- cinante, e ha também dores lancinantes nos músculos paralysados. Segundo Rokitansky (J), nunca ha tuberculos na medulla sem que os haja ao mesmo tempo em outros órgãos. Completando o quadro das principaes paralysias orgânicas, devemos citar uma, cuja lesão anatômica é localisada nos músculos: a atrophia muscular progres- siva, que Cruveilhier suppunha consecutiva á atrophia das raizes posteriores dos nervos espinhaes, mas que não é acompanhada de perturbações nervosas, e é devida a degeneração granulosa dos músculos, affecção idiopathica, segundo Meryon, caracterisada pela ruptura da membrana amorpha que envolve as fi- bras primitivas dos músculos, e pela dispersão da matéria granulosa n'ella con- tida. Paralysias isclicmicas. Na classe das paralysias orgânicas, tratamos de algumas produzidas pela is- chemia dos centros da innervação; occupar-nos-hemos agora da ischemia dos órgãos periphericos do movimento. (2) A paralysia que depende da obliteração das artérias principaes de um mem- bro, é ordinariamente intermittente, quando ainda o suppre a circulação col- lateral, embora incompletamente; a excitabilidade muscular e nervosa não é inteiramente abolida, mas enfraquece-se, anniquila-se ao menor exercício, para reapparecer gradualmente e em pequeno gráo, pelo repouso. Segundo Schiffe Longet, para abolir a excitabilidade dos músculos é preci- so subtrahir o sangue totalmente a estes órgãos, e para anniquilar a propriedade excito-motriz dos elementos nervosos, basta que a quantidade de sangue que lhes é fornecida, seja notavelmente diminuída. No caso observado pelo Dr. Bourdon, a distincção era clara:—no membro inferior esquerdo, cuja circulação tinha sido completamente interrompida pela (1) Jaccoud, ob. cit., pag. 261. (2) Referiram-nos um caso da clinica do Sr. Dr. Paterson, muito análogo ao de Richet, que já mencionamos: como n'estc, houve uma hemiplegia consecutiva n'um indivíduo em que o Sr. Dr. Paterson praticou a ligadura da carótida primitiva, por causa de um aneu- risma em um dos ramos d'esta artéria; a paralysia foi, sem duvida, produzida pela ische- mia cerebral; era do lado opposto ao da artéria ligada, e sua marcha não poude ser ob- servada porque o doente, poucos dias depois, suecumbio á ruptura do aneurisma, para cujo tratamento muito tarde fora chamado o operador. 36 obstrucção da artéria hypogastrica, da terminação da iliaca externa e do come- ço da crural, havia paralysia com perda completa da irritabilidade muscular; no membro direito, em que a obliteração arterial era incompleta, a paralysia não era tão perfeita como no outro, e conservou-se a irritabilidade muscular. No diagnostico de um caso semelhante, deve-se ter em conta os padecimen- tos anteriores do indivíduo, e sobretudo, examinar a circulação da parte para- lysada. Os estados que favorecem o embolisino arterial são freqüentemente os pre- liminares das paralysias d'esta ordem, e, como diz o illustrado Dr Jaccoud (1): O conhecimento da condição orgânica que dá origem a esta forma de paralysia revela immediatamente suas causas mais efíicazes; são as lesões do coração, a aortite atheromatosa, as cachexias, o estado puerperal (Simpson), moléstias nas quaes se acham muitas vezes reunidas as círcumstancias mais favoráveis á formação dos coalhos arteriaes, autochtonos ou migratórios, a saber: a alte- ração das paredes vasculares, e a inopexia (disposição anormal da fibrina a se coagular no corpo vivo). Paralysias «lyscrasicas. Sendo devidas as paralysias dyscrasicas a uma alteração geral otr constitu- cional, devem affectar todo o organismo; manifestam-se, porém, de ordinário sob a forma paraplégica, provavelmente porque os membros inferiores, ne- cessitando para o excesso de aclividade que empregam na locomoção e na re- sistência ao peso do corpo, de uma quantidade de força proporcional á acção, devem ser os primeiros a ressentir-se da falta geral do poder. O diagnostico das paralysias por dyscrasia funda-se especialmente nos sym- ptomas que demonstram o estado constitucional, que foi causa directa d'esto complicação. Reunem-se, ás vezes, no mesmo indivíduo, dois estados, como» chloro anemia e o hysterismo, capazes, cada um de per si, de produzir a pa- ralysia, e então, esta participa da natureza das paralysias dyscrasicas e das fun- ccionaes. A paralysia saturnina, a mais bem estudada entre as dyscrasicas, é earacte- risada pelas eólicas, tremor e entorpecimento prévios dos músculos; pela orla? azulada das gengivas, e por anesthesia mais ou menos extensa; a paralysia ata- ca mais profundamente os músculos extensores, sobretudo os dos membros su- (1) Ob. cit.r pag. 307'. 37 periores, de sorte que conservam-se elles na flexão; e a contractilidade é abo- lida nos músculos paralysados. Parece demonstrado que o chumbo altera a constituição geral do sangue, diminuindo a proporção dos glóbulos com a fibrina, como no estado inflamma- torio, segundo Andral, e transformando-se em albuminato de chumbo, confor- me alguns chimicos modernos, cont.ibúe directa ou indirectamente áperversão da nutrição, degeneracão e atrophia das fibras musculares, ainda antes de se- rem atacados os órgãos da innervação. Mas, porque atacará de preferencia os músculos extensores a intoxicação saturnina? Será, como diz Gabrini,— porque estes, tendo necessidade de mais vigor que os músculos flexores, cuja inserção, em angulo menos agudo, é mais favorável á potência, se ressintam primeiro da diminuição da forci contractil, e não tenham já o poder neces- sário para fazer equilíbrio aos músculos flexores, que arrastam então os mem- bros no sentido de sua acção? Parece que não; porque, se assim fosse, o mes- mo se deveria observar nas outras paralysias, e pela degeneracão e atrophia muscular não definhariam somente os músculos extensores, tornando-se mui- tas vezes tão saliente o contraste entre estes e os flexores do mesmo membro. As paralysias consecutivas ao envenenamento pelo vapor de carbono, pelo oxydo ou pelo ácido carbônico, não são devidas simplesmente á dyscrasia do sangue; as congestões, effusõesserosase sangüíneas no cérebro, observadas pela autópsia, demonstram a natureza orgânica de alguns d'estes casos. Entretanto, Cl. Bernard tinha já verificado por experiências que—um banho muito prolon- gado de gaz ácido carbônico, determina um estado de estupor, como de para- lysia,■ e envenenando animaes pelo vapor de carbono, elle e Bourdon, acha- ram, pela autópsia, congestão intensa da medulla, do cérebro e dos pulmões. Esta acção indirecta sobre os centros nervosos é muito razoavelmente expli- cada (1) pela paralysia dos glóbulos sangüíneos sob a acção do carbono, pelo impe- dimento das combustões interstíciaes, e acção stupefaciente sobre as túnicas dos vasos, que, distendendo-se, favorecem as congestões, as hemorrhagias, e os derramamentos sorosos, porque o soro do sangue n'estas dyscrasias separa-se com facilidade, e a distensão dos vasos facilita sua passagem através das paredes. No alcoolismo chronico. uma das causas de paralysia, este symptoma é precedido sempre por outros que denunciam a espécie mórbida; o tremor mus- cular, a fraqueza dos movimentos começando pelos dedos das mãos e dos pés, o entorpecimento ou perda completa da sensibilidade, as vertigens, os zunidos (1) Laroche, Thèse sur les paralysies consecutivos à 1'empoisonnement par Ia vapeur de charbon. 1865, pag. 37. 10 38 nos ouvidos, perturbações da visão, e obscurecimento da intelligencia, prece- dem uns, e outros acompanham a paralysia por intoxicação alcoólica lenta. A intoxicação aguda, delirium tremens, é por si mesma característica. O arsênico e o mercúrio produzem também, lentamente, paralysias, acompa- nhadas de tremores musculares. As que são effeito do phosphoro, da copahiba, da camphora, do tabaco, das solaneas virosas, cogumelos venenosos, cravagem do centeio, etc, não teem symptomas característicos, e distinguem-se somente por signaes racionaes, extrinsecos á paralysia mesma. Pertencem, em geral, a esta classe as paralysias que occorrem, ás vezes, no curso ou na terminação de certas moléstias seplicemicas. como o typho, a fe- bre typhoide, as febres eruptivas, as intermittentes, a diphlerite, a eholera, a dysenteria, certos exanthemas febris, comoaerysípéla, aurticaria, etc. Gubler dividio todas as paralysias consecutivas ás moléstias agudas em três grupos: iniciaes ou precoces, as que apparecem nos prodromos ou no primeiro período da moléstia; do período de estado, as que se manifestam durante a evolução mórbida; e tardias, as da convalescença. As primeiras parecem-lhe funccio- naes, isentas de alteração de tecido; as segundas,—estão em relação com lesões do apparelho sensitivo-motriz, localisadas, quer sobre os músculos, quer sobre os nervos, quer emfim no eixo cerebro-espinhal; as ultimas, parecem-lhe tam- bém—independentes de lesão dos centros ou cordões nervosos. É rasoavel, na verdade, qualificar de orgânicas as paralysias que apparecem durante a evolução de uma moléstia aguda, e que, como bem observa Jaccoud, não são senão—um gráo de mais na determinação espinhal tão constante n'estas moléstias. Esta determinação para os centros nervosos, nas moléstias agudas, é um phenomeno quasi constantemente revelado pela cephalalgia, pelas dores espinhaes e lombares, e outros symptomas de congestão d'estes órgãos; além d'isso, as autópsias tem revelado, em taes casos, congestão, meningo-en- cephalite, meningo-myelite, etc Nos exanthemas, em geral, ha muita predis- posição á derivação mórbida para os centros nervosos: ascarlatina, diz Frank, dando lugar a uma hydropisia do canal vertebral, termina-se por uma morte prompla, ou pela paralysia. Os outros exanthemas, posto que mais raras ve- zes, dão lugar aos mesmos resultados. » (1) Nas paralysias tardias, tem se encontrado também lesões orgânicas, desde a congestão até a hydropisia, o amollecimento, etc; não se pôde, entretanto, por este facto, banil-as da classe das dyscrasicas, sob pena de eliminal-a, porque a modificação da crase do sangue produz sempre um vicio na nutrição, que melho- (lj Jaccoud, ob. cit., pag. 419. 39 res meios de investigação poderão descobrir para o futuro, em muitos casos, nos quaes se suppõe hoje mera alteração funccional. Assim, Charcot e Yulpian demonstraram, em uma paralysia díphterica,, um começode alteração do tecido nervoso, imperceptível á vista desarmada; e nada prova, aliás, que esta altera- ção em seu começo, não seja susceptível de retrogradar e de curar-se, de sorte que a cura da paralysia e a existência de uma lesão não são dois termos incon- ciliáveis. » (1) A paralysia díphterica apparece geralmente quando a exsudacãomórbida já tem desapparecido; o que é forte argumento contra a theoria de B. Séquard e YVeber que 2 consideram—reflexa. « Estabelecer-se-ha o diagnostico da paralysia díphterica, diz Henry Roger, (2) tendo em conta a existência antecedente de uma affecção pseudo-membra- nos, e sobretudo examinando com cuidado a marcha dossymptomase a ordem em que elles appareceram. Convém não esquecer que a paralysia do véo do paladar assignala quasi sempre o começo dos accidentes; que as perturbações da vista, quando existem, se mostram com inércia dos músculos, dos membros ou do tronco; que a fraqueza, os formigamentos, começam quasi sempre pelas extremidades inferiores, e que emfim, a paralysia díphterica tem uma marcha progressiva e não altinge nunca immediatamente seu maxinium d'intensidade. » As paralysias rheumaticas não devem ser confundidas com as que são devi- das á impressão do frio; ora apparecem na marcha aguda do rheumatismo, por uma determinação espinhal ou cephalica da inflammação especifica que tende a atacar os tecidos íibro-serosos das articulações, do pericardio, ou dos en- volucros dos centros nervosos; ora apparecem lentamente, depois dos sympto- mas agudos, e são devidas então a uma meningo-myelite chronica, ou sclerose meningo-espinhal, segundo Rokitansky, Turck, Demme, Freriks, etc. As paralysias syphiliticas coincidem quasi sempre com lesões orgânicas bem manifestas. No tratado especial de Lagneau, sobre moléstias syphiliticas do systema nervoso, acha-se, em um grande numero de observações colligidas dos pathologistas, o resultado da autópsia confirmando sempre a existência de uma lesão orgânica, —exostoses, necrose ou carie dos ossos, tumores das me- ninges ou do tecido nervoso mesmo, amollecimento, etc (1) Jaccoud, ob. cit., pag. 425. (2) Axenfeld, ob. cit., pag. 441. 40 Paralysias fiuiccionaesc Estas paralysias abrangem as reflexas e aquellas que dependem de uma ne- vrose. A excitação dos filetes sympalhicos ou sensitivos nas moléstias dos órgãos genito-urinarios, nas irritações inflammatorias ou verminosas dos intestinos, na dentição, nas nevralgias, e pela impressão do frio, são as causas ás quaes se attribúem as paralysias reflexas. As paralysias urinarias são as mais fre- qüentes. É necessário um exame accurado para não suppôr-se uma relação de causa- lidade entre a affecção genito-urinaria, por exemplo, e a paraplegia, que podem ambas ser effeitos de uma outra causa:—as perturbações que se observam do lado da bexiga, do intestino, do estômago, em uma palavra, nos domínios do sympathico, antes do desenvolvimento da paraplegia, não são sempre resul- tados de uma moléstia primitiva destas vísceras; podem ser os symptomas ini— ciaes de um estado mórbido da medulla.» (1) Gull, Kussmaul e outros, acharam lesões orgânicas, na medulla, em casos de paraplegia urinaria. Nas paralysias à frigore, também a necropsia as tem veri- ficado, e já eram de prever, pelo poder etiologico do frio e da humidade, de congestionar a medulla. As paraplegias durante a prenhez, tem sido attribuidas por uns á acção refle- xa, por outros, á anemia, e por alguns ainda, á compressão dos nervos lombo- sacros. As paralysias eróticas, effeitos do onanismo, da spermatorrhéa, dos abusos venereos, em geral; qualificadas por Macario de funccionaes, são devidas á de- ficiência de nutrição da medulla, que deriva do estado anêmico occasionado pe- los excessos venereos, e caracterisada no ultimo período pelo estado que deno- minam—tabes dorsalis, ou sclerose espinhal. Segundo Meryon e B. Séquard, eis os signaes característicos da paralysia reflexa: 1.° É precedida por symptomas indicadores de affecção de outra parte do corpo. 2.° Yaria geralmente em gráo, segundo as variações da causa exci- tante, 3.° É ordinariamente incompleta, sendo alguns músculos mais paraly- sados do que outros. 4.° É raras vezes acompanhada de spasmos nos museulos paralysados. 5.° As dores na direcção da espinha, os formigamentos, as dores A) Jaccoud, ob. cit., pag. 368. il fugitivas, as picadas, que caracterísam os casos de myelite, não apparecem nas paralysias reflexas. G.° Raras vezes ha anesthesia. 7.° O poder exeito-motriz dos músculos paralysados geralmente se conserva. 8.° Os movimentos convul- sivos não são tão susceptíveis de ser excitados pela defecação e micção, como o são na myelite. 9.° A restauração do poder normal é muitas vezes rápida depois da remoção da causa excitante. Das paralysias occasionadas por nevroses, são mais freqüentes as da hyste- i ia, chorea e epilepsia. As perversões da sensibilidade, a abolição de uma ou muitas das sensa- ções especiaes de dôr, de contado, de temperatura e de contracção muscular; a duração variável e muitas vezes por accessos; a conservação da contractili- dade muscular, e sobretudo o caracter proteiforme do hysterismo, distinguem perfeitamente a paralysia hysterica. Muitas vezes, a difficuldade dos movimen- tos é antes uma ataxia, devida á perda da sensação de contracção muscular, e por conseqüência, á impossibilidade de guiar os movimentos, sem o soccor- ro da vista, que mal substilúe então o sexto sentido, o da adir idade muscular. A opinião mais plausível sobre a natureza d'esta paralysia é a de Brodie, Romberg e Jaccoud que a consideram—conseqüência de uma decadência da innervação cerebral ou psychica, da falta da impulsão motriz mesma. Esta idéia é justificada pelo quadro symptomalico do hysterismo, e especialmente pelo estado das faculdades mentaes, e pelos factos que demonstram que basta uma emoção moral viva para fazer desapparecer a paralysia hysterica. « Mathieu refere, em sua obra sobre moléstias de mulheres, que no incêndio do Hotel-Dieu as paralyticas se salvaram ás carreiras. » (1) Na choréa a exaggeração das contracções musculares traz muitas vezes um enfraquecimento da motilidade, que ordinariamente não passa de uma paraly- sia incompleta. A paralysia epiléptica parece produzida pelas lesões cerebraes consecu- tivas aos repetidos accessos, e que são encontradas pela anatomia pathologica, em diversas phases, desde a simples hyperemia até o amollecimento, as exsuda- ções, etc Ha ainda um grupo de paralysias—infantis, que muitos tem considerado essenciaes ou funccionaes; mas, entre as quaes se acham espécies differentes; umas, devidas á irritação verminosa ou dentaria; outras, em maior numero, de origem central, como demonstrou Heine (2), dependentes de lesões cerebraes (1) Macario, ob. cit., pag. 51. 2) On infantilc paralysis, Med, Times, 18G3, pag. 557 e 583. 11 42 ou medullares, encontradas pela necropsia. A extrema susceplibilidade mórbida dos órgãos centraes da innervação, na infância, auxilia também a opinião de Heine. 0 estudo das paralysias funccionaes não está ainda bem elucidado; só as au- tópsias com o aperfeiçoamento dos meios de investigação é que nos hão de de- monstrar se é possível dar-se a perturbação funccional sem que materialmente se modifique o órgão respectivo—« quam plurimas dissectionum historias ha- bere et inter se comparare. » Paralysia epidemia da Bahia.—Terminando o estudo diagnostico das para- lysias, elevemos mencionar uma epidemia, pequena, porém gravíssima, que accommetteo a Bahia, onde até então não se tinha manifestado, senão talvez por um ou outro caso esporádico, e grassou mais intensamente nos mezes de Julho a Novembro do anno próximo passado, produzindo uma mortalidade pro- porcionalmente espantosa. O estudo d'esta moléstia tem sido aceuradamente feito por um dos nossos clínicos mais eminentes, o Sr. Dr. Silva Lima, a quem devemos a descripção e analyse publicadas na Gazeta Medica da Bahia, e em cuja clinica, no Hos- pital da Caridade, tivemos oceasião de observar muitos casos. O illustre pratico descreve-a assim:—« moléstia constitucional, reinando epidêmica ou endemicamenle, caracterisada por dormencia das extremidades, torpor da sensibilidade cutânea, fraqueza geral e do movimento, com dores á pressão sobre os músculos, acompanhada muitas vezes de um edema duro, anasarca, inchação da face, anemia, oppressão epigastrica, dyspnéa: paralysia ordinariamente gradual, incompleta, de caracter ascendente, acompanhada ás vezes de constricção em roda do tronco, fraqueza ou rouquidão da voz, movi- mentos choreicos dos membros, e terminando, nos casos fataes, por suffoca- ção, asphyxia ou extenuação das forças, e nos favoráveis, por uma diurése abundantíssima, e por uma restauração lenta e gradual uas forças nervosas, da circulação dos líquidos e das secreções. » (1) Esta é sem duvida a moléstia que também grassou epidemicamente na expedição brazileira, em Matto Grosso, e que, segundo as observações do (1) Gazeta Medica da Bahia, Vol. Io, n. 24. 13 Sr. Dr. Júlio Rodrigues de Moura (li, tem apparecído esporadicamente no Rio de Janeiro. Esta doença, cujos symptomas principaes eram a paralysia, o edema, a dor muscular, variava notavelmente de fôrma, segundo predominava este ou aquelle symptoma, e d'ahi procede a divisão feita pelo Sr. Dr. Silva Lima, de forma paralytica, edematosa e mixta. Na forma paralytica, a paralysia era sempre incompleta, de marcha graduale ascendente, e acompanhada de dor mus- cular á pressão, dormencia, formigamentos e outras perturbações da sensibi- lidade, constricção do thorax que subia de nivel, e dyspnéa que augmentava, ao passo que a paralysia progredia em sua marcha ascendente Na forma edema- tosa havia edema duro, elástico, e mais considerável nos músculos; além d'isto, eíTusões peritoneaes, pleurilicas ou pericardicas, freqüentes embaraços nas fun- cções digestivas, diminuição da secreção urinaria, turgencia dos vasos, con- gestões passivas dos órgãos, e perturbações no rythmo do coração, são os symptomas predominantes. Na forma mixta combinam-se quasi na mesma in- tensidade os symptomas das duas precedentes; notando-se muitas vezes que a moléstia começava por uma das formas e depois revestia caracteres da outra. A duração da moléstia é variável, de poucos dias até muitos mezes; a forma mixta é a mais rapidamente fatal. A moléstia não pôde ser confundida, como perfeitamente o demonstrou o Sr. Dr. Silva Lima (2), com o ergotismo, a myelite, a trychinose, a pellagra, etc, moléstias cujos alguns symptomas se confundem com os d'aquella de que tratamos. A moléstia com que mais se assemelha a paralysia epidêmica da Bahia e de Matto Grosso, é sem duvida a que denominam na índia beriberi. As formas edematosa e paralytica muito se assemelham ás variedades aguda e chronica da endemia da Índia, conhecidas beriberi agudo ou hydrops asthmalicus e barbiers. Mas, a natureza d'esta moléstia é tão desconhecida como a da epidemia que nos acommetteo, e as autópsias feitas aqui são ainda em pequeno numero e seus resultados geralmente variavam em relação á lesão dos centros nervosos, e al- gumas vezes eram negativos. Em algumas autópsias observei com o Sr. Dr. Silva Lima—« que as lesões encontradas na medulla e seus envolucros eram a injecção considerável dos vasos sangüíneos, e algumas ecchymoses nos ponlos de emergência das raizes (1) Gazeta Medica da Bahia, Vol. 2o, ns. 1 e 2. (2) Gazeta Medica da Bahia, Vol. Io, n. 24. 44 dos nervos, mormente na parte inferior da região cervical e superior dorsal, onde a medulla offerecia maior consistência do que a ordinária. Em um dos casos a medulla estava n'aquelles mesmos pontos visivelmente amollecida. (1) Esta paralysia, certamente muito análoga ao beriberi, parece derivar-se de uma intoxicação do sangue, produzindo na medulla uma alteração funccional, caracterisada por phenomenos que denotam uma exaggeracão da excitabilidade normal da medulla, queé demonstrada pela superexcitação dos movimentes re- flexos e pela hyperesthesia dos músculos. / s desordens da circulação podem tam- bém ser explicadas, admiltindo-se a theoria moderna do antagonismo dos filetes medullares e sympathicos na dilatação e constricção dos vasos: a hypercmia dos capillares seria então devida á dilatação activa por excitação dos nervos cerebro-espinhaes, e não passiva, por paralysia dos sympathicos. Entre- tanto, especialmente na fôrma edematosa, o grande sympathico parece profun- damente deprimido; assim o indicam as desordens do apparelho digestivo, as perturbações da circulação, manifestadas pela alteração no rythmo dos bati- mentos do coração enos ruídos normaes, a turgencia das veias, etc, Só o microscópio poderá responder se esta perversão das funcções da me- dulla e do sympathico é resultado de alteração de structura n'estes órgãos; mas, como quer que seja, os symptomas nunca se asselham aos de desorganisação da medulla; a paralysia é sempre incompleta, e parece antes haver uma ataxia do movimento; as urinas não são alcalinas; o recto e a bexiga não ficam para- lysados. É o juizo que podemos formar com os poucos dados que possuímos a res- peito; esperamos a continuação do importante trabalho do Sr. Dr. Silva Lima, e especialmente a sua opinião sobre a pathogenia d'esta moléstia. SECfÃO TERCEIRA. Tratamento das paralysias. 0 tratamento das paralysias orgânicas deve ter em mira duas indicações principaes: sanar a lesão do órgão motriz central ou peripherico, productorada abolição do movimento, e restituir aos instrumentos de transmissão do influxo nervoso a excitabilidade, deprimida por falta da excitação central. Nos diversos (I) Gazeta Medica da Bahia, Vol. Io, n. 23. 4o casos de paralysias orgânicas devemos empregar primeiramente o tratamento apropriado á espécie da lesão. Na congestão ou hemorrhagia cerebral não re- jeitaríamos in limine a sangria, nem cahiriamos no extremo opposto: quando o doente fosse robusto, e tivesse a face congesta, o pulso cheio e forte, nos jul- garíamos aulhorisados a praticar a phlebotomia ou a sangria local, do mesmo modo que a teríamos reprovado em um indivíduo, cuja face pallida e corpo frio coincidissem com um pulso pequeno e irregular. Quando a lesão dos centros nervosos é de caracter inflarnmatorio, os anti- phlogisticos, revulsivos cutâneos, purgativos, e os alterantes, especialmente o iodo e o mercúrio, são aproveitáveis. O sedenho na nuca é de muita vantagem quando a moléstia cerebral inflammatoria tende á chronicidade. Se a paralysia depender da ischemia cerebral, por embolismo arterial, por exemplo, devemos, pelo contrario, recorrer aos estimulantes diffusivos, como o acetato ou o carbonato de ammoniaco, que, além de sua acção especial, in- fluem sobre a plasticidade do sangue, favorecendo a dissolução da fibrina. Asventosassarjadaseos vesicatorios na direcção da espinha são úteis na mye- lite rachidiana. Ramskill empregou com vantagem o iodureto de potássio na meningite espinhal com paraplegia e effusão rachidiana, e Meryon recommen- da. para diminuir a dor excessiva da espinha, a applicação externa de chloro- formio e belladona. A segunda indicação, que tem por fim despertar a excitabilidade nervosa e muscular, é preenchida pelos tônicos excitantes d'estes dois systemas. A op- portunidade d'esta medicação deve ser cuidadosamente attendida, pois seria muito prejudicial o seu emprego no período agudo, quando a excitabilidade normal do órgão estivesse exaggerada pelo estado inflarnmatorio. Póde-se es- tabelecer como regra geral de tratamento, diz Meryon, tratando da myelite (e isto so pôde extender ás outras lesões phlegmasicas dos órgãos centraes da in- nervação),—« que em quanto os músculos affectados estão convulsos, rígidos e irritaveis, é indicado o uso dos antiphlogisticose contra-irritantes; porém, quando os meios com que se tem contado para subjugar o período de excita- ção não tem podido impedir o progresso da moléstia, e sobrevem a paralysia, os estimulantes são os únicos remédios que tem o poder de restituir a activi- dade funccional a estas cellulas e fibras nervosas que não estão irremediavel- mente destruídas. » D'estes nevrosthenicos os mais empregados tem sido a noz vomica ou a stry- chnina, a electricidade, e mais modernamente, a cravagem do centeio. Brctonneau, estudando especialmente a applicação da strychnina, recom- 12 ÍO menda-a nos casos de—« paraplegias symplomaticas de uma commoção d medulla, quando os symptomas primitivos tem passado, e não resta senão a paralysia; nas que se seguem ao mal de Pott, quando a carie óssea já está cu- rada e o abatimento das vertebras se tem effectuado completamente; e nas pa- ralysias diversas que se tem desenvolvido sob a influencia do chumbo. » (I) Trousseau e Pidoux dizem—ter ensaiado a noz-vomica em paralysias anti- gas, symptomaticas de effusões de sangue no cérebro, ou de amollecimento, e ter obtido resultados inesperados, e (pie nenhum outro meio teria dado; de- claram, todavia, que nas paralysias a forma hemiplegica é a menos felizmente modificada por este medicamento. A cravagem do centeio tem sido equiparada á strychnina, pelas suas pro- priedades therapeuticas, e inflúe sobre os nervos vaso-inotores, operando a contracção dos capillares; o que explica o seu poder de sustar as hemorrha- gias e de determinar a gangrena, como é freqüente no ergotismo Bricheteau julga a brucina preferível á strychnina, porque pôde ser dada em maiores doses, sem receio de accidentes funestos; emprega-a na dose de uma centigramma, augmenlando todos os dias esta mesma quantidade; e diz que ha doentes que teem tomado até vinte cenligrammas por dia. Nas paralysias parciaes seria conveniente applicar na visinhança do nervo pequenos vesicatorios cobertos de sulphato de strychnina. A electricidade de inducção, como excitante nervoso e muscular, deve ser empregada em oceasiões anologas áquellas em que se faz uso da strychnina. Para julgar a opportunklade da faradisação, Duchenne (2) dá assim suas con- clusões:—l.a a hemiplegia consecutiva á hemorrhagia cerebral, que não é complicada de contracturas, depois de cinco a seis mezes de duração, já não é entretida pela lesão central, mas fica localisada nos músculos que tem per- dido sua aptidão motriz; 2.a a hemiplegia que, pelo contrario, apresenta phe- nomenos de contractura, é muito provavelmente entretida por uma perda de substancia cerebral considerável, ou por um tumor volumoso que obste o curso da acção nervosa. Duchenne emprega de preferencia o apparelho electro-ma- gnetico, e, nos casos de lesão cerebral, julga conveniente a faradisação di- recta, localisando, o mais possível, as excitações electricas pela approximação dos excitadores, e affastando as intermittencias da corrente, para prevenir, com esta dupla precaução, a excitação forte do centro nervoso, que poderia trazer grave perigo n'estes casos em que a recahida é facillima. Remak e outros, pre- (1) Trousseau et Pidoux, Mat. med. et therap. pag. 834. (2) De releclrisation localisée, 1855. 47 ferem ao methodo de Duchenne a applicação da corrente galvanica directa- mente sobre os nervos motrizes. Beard e Rockwell (I) declaram não ter acha- do razão de preferencia entre a galvanisação e a faradisação. Está hoje demonstrado que na cicatrisação do tecido nervoso regeneram-se suas fibn.s especiaes. B. Séquard e Follin viram que—« as cicatrizes das cha- gas antigas da medulla espinhal encerravam fibras nervosas com o aspecto completamente normal, e continuando com as fibras das partes intactas da me- dulla. » Do conhecimento d'esta propriedade que tem o tecido nervoso de re- generar-se, nasceo a idéia de auxiliar a natureza em seu processo salutar, aju- dando pela cirurgia a reunião das extremidades nervosas, nos casos de divisão dos nervos; e a utilidade da sutura nervosa tem sido demonstrada principal- mente por Laugier, Nélaton e Magnicn. Nas paralysias dyscrasicas o tratamento racional deve fundar-se nas duas indicações: reconstituir o sangue, e tonificar o systema nervoso. Na dyscrasia anêmica são suflicienles os tônicos analepticos e os nevrosthenicos, mas, na dyscrasia tóxica, ordinariamente são precisos os medicamentos específicos: o mercúrio e o iodureto de potássio na dyscrasia syphilitica, o enxofre e o alu- men na dyscrasia plumbiea, etc. Brachet empregou no plurnbismo o iodureto de potássio, dando uma e meia a duas oitavas em uma tisana durante vinte e quatro horas. Cita cento c cincoenla casos ein que a acção do medicamento foi prompla, segura e completa. (2) As.paralysias reflexas são ordinariamente curadas pelo tratamento que faz desapparecer a lesão periphcrica que lhes deo origem; em alguns casos é pre- ciso ainda o uso di;s tônicos nervosos. A belladona tem sido empregada com vantagem, provavelmente devida á propriedade que tem de acalmar o poder reflexo da medulla. Bretonneau curou por este meio muitos casos de paralysia. As fricções estimulantes são muitas vezes empregadas, especialmente ii'esta ordem de paralysias, e nãoé indifferente o lugar dapplicação d'esta medicação. Yan der Kolk estabeleceo a lei demonstrada pela anatomia, de que—o nervo mixto que dá seus ramos motrizes a certos músculos, dá os filetes sensitivos ás partes movidas por estes músculos; assim, uma ligeira irritação da pelle pro- duz movimentos reflexos especialmente nos músculos que recebem filetes mo- trizes do mesmo nervo que se distribúe na parte irritada; as cócegas na palma da mão produzem a flexão dos dedos, e no dorso, a extensão, D'ahi conclúe o physiologista que, na applicação dos estimulantes ou revulsivos para excitar a (I) Medicai Reconl, March, 1, 18G7. '21 Meryon, ob. cit., pag. 155. 48 acção dos músculos, deve-se attender a esta disposição especial; e d'esle modo vio elle,—em um caso de paralysia, a contracção forte dos dedos ceder a fricções com linimento volátil no dorso da mão, e um braço dobrado espasmo- dicamente estender-se por fricções semelhantes na face dorsal do ante-braço. Os banhos mineraes sulfurosos são usados com proveito para estimular os músculos paralysados. Na paralysia hyslerica, dizGueneau de Mussy (1), o tratamento que tem ob- tido resultados felizes é o tratamento psychico que tem por objecto excitar a extremidade cerebral dos nervos, por intermédio do pensamento, em lugar de excitar sua extremidade peripherica por uma corrente electrica; excitação não menos real e algumas mais efficaz que a outra. » Handfield Jones recommenda para as paralysias funccionaes os remédios que podem excitar a força nervosa, o repouso, a boa alimentação, o ar puro, os ne- vrosthenicos. o óleo de figado de bacalháo e a electricidade. (1) Union Medicale, n. 1, 1867. 49 SECÇÃO MEDICA. Funcções da medulla. PROPOSIÇÕES. 1. O cérebro, a medulla, e os nervos, não obstante serem partes jux- tapostas do mesmo apparelho, cumprem funcções distinctas; a medulla espinhal e allongada são centros da vida vegctaliva, assim como o cé- rebro o é da vida animal. II. A eleclricidade não é o meio experimental mais conveniente para in- vestigar as propriedades dos differentes feixes da medulla e dos nervos: a propagação da excitação electrica e os phenomenos de inducção podem ser origem de muitos erros. III. Das propriedades d'um órgão não se pode deduzir directamente quaes as suas funcções; a medulla transmilte as impressões sensitivas, mas ó por si mesma insensivel aos agentes externos; sua sensibilidade appa- rente é devida as fibras das raizes posteriores. JV. A propriedade especial da medulla, na parte que lhe cabe nos pheno- menos de sensibilidade, é ser affectada pelas vibrações dos nervos peri- phericos, que são os únicos instrumentos aptos a receber as impressões externas; a medulla só pode receber as impressões em segunda mão, como bem diz Claude Bernard. V. Os phenomenos sensiveis que se observam nas raizes motrizes, e aos quaes se tem denominado sensibilidade recurrente, não destruem a theo- ria de Carlos Bell sobre a sede distincla da sensibilidade e da motrici- dade na medulla, e nas raizes espinhaes: a contracção muscular, segun- do Mateucci o Du Bois Reymond, é uma causa galvanica de sensação; não lia pois sensibilidade recurrente; a irritação da fibra motriz é acom- panhada de sensação porque produz contracção forte, e esta excita as fibras sensitivas. YI. Os feixes posteriores da medulla não são os transmissores das impres- 13 50 soes sensitivas; a transmissão se faz especialmente pela substancia cin- zenta. VIL Os conductores das impressões sensitivas cruzam-se na medulla espi- nhal, perto da immergencia das raizes dos nervos correspondentes: a hypereslhesia que se observa do lado correspondente a um corte trans- versal da metade lateral da medulla, é devida á irritação produzida pela operação nos feixes intactos. VIII. As impressões tactís, e as de dor, de temperatura, de contracção muscular, são transmitlidas ao cérebro por conductores distinctos, e todos elles cruzam-se e passam geralmente pela substancia cinzenta, IX. As determinações da vontade transmittem-se aos músculos pelas co- lumnas antero-lateraes e pela porção anterior da substancia cinzenta, e seus conductores não se cruzam na medulla espinhal como os cordões sensitivos, e sim na medulla allongada, no ponto de intersecção das pyramides anteriores. X. A acção do grande sympathico sobre a circulação, calorificação, nu- trição e secreções, é toda dependente da medulla. XI. A medulla tem sobre a circulação uma acção antagonista á do gran- de sympathico; sua excitação produz directamente a dilatação dos va- sos, e a do sympathico, a constricção. XII. A medulla espinhal inflúe sobre o acto mechanico da respiração, pe- los movimentos reflexos de que é centro, XIII. A impressão feita em um nervo sensitivo pôde produzir movimentos reflexos em differentes partes do corpo, generalisando-se na medulla por meio das fibras transversaes e longitudinaes que unem entre si os diversos grupos de cellulas da substancia cinzenta. XIV. A medulla allongada preside em grande parte aos movimentos da res- piração; o ponto ou nó vital é a intersecção das fibras de origem dos lioit feixes lateraes da medulla. Si SECÇÃO a:?/JF*3IC2í.. Tratamento das feridas por armas de fogo. PROPOSIÇÕES. o I. No tratamento das feridas por armas de fogo, uma das indicações principaes é a remoção dos corpos estranhos, quando não estiverem alojados tão profundamente que sejam prejudiciaes as manobras empre- gadas para extrahil-os. II. Esta indicação, quando existir, deve ser satisfeita o mais cedo possí- vel, porque o edema inflarnmatorio difficultaria depois sua execução. III. Quando a ferida for complicada de lesão de vasos arteriaes importan- tes, deve-se tratar logo de ligal-os em ambas as extremidades, paia prevenir a hemorrhagia consecutiva. IY. A occurrencia de hemorrhagia immediata ou primitiva é muito rara, e tanto mais quanto maior é o gráo de estupor do indivíduo e de contu- são da ferida. V. A exploração das balas, quando não é possível pela palpação ou pele toque, faz-se com instrumentos difíerenles, segundo as circumstancias. A sonda de Nelaton e as sondas electricas, em muitos casos, deter minam com segurança a presença da bala. VI. 0 desbridamento das feridas por armas de fogo, só deve ser pratica- do, quando for necessário para a extracção dos corpos estranhos, para a ligadura dos vasos, para esgotar effusões sangüíneas consideráveis, que se possam tornar causas de infecção purulenta, e, mais raras vezes para prevenir o estrangulamento dos tecidos. VII. A multiplicidade de orifícios não indica que o ferido tivesse sido vi- clima de muitos projeclis; e a existência de um orifício de entrada t outro de sahida, não exclúe a idéia de que um projectil se tenha aloja- do nos tecidos. 52 VIII. A existência de duas aberturas nem sempre indica a sahida do pro- jeclil, e, em alguns casos, uma só abertura serve de entrada e de sahida. IX. As balas conicas, de armas raiadas, pela velocidade e grande alcance do tiro, não deixam caracteres diílerenciaes bem definidos entre os orifí- cios de entrada e de sahida, e raras vezes se desviam da direcção pri- mitiva. X. A bala que já tem perdido parte de seu Ímpeto, produz ás vezes lesões graves e extensas, porque se desvia facilmente de seu curso. XI. Nos casos de ferida grave, em que tenham sido lesados vasos impor- tantes, convém não despertar logo o doente do collapso que acompanha a lesão: o uso dos estimulantes impediria a formação do coagulo nos vasos offendidos, e favoreceria as hemorrhagias consecutivas. ^ XII. Nos casos em que o trajecto percorrido pela bala é extenso, e se pô- de sentil-a em um ponto próximo da pelle, é preferível extrahil-a por uma conlra-abertura. XIII. A trepanação é indicada nos casos de ferimento, com symptomas de compressão cerebral por fraclura com depressão dos ossos cranianos, ou por formação de pus ou de coágulos resultantes de hemorrhagia in- terna. XIV. A amputação do membro é necessária quando o ferimento contunde ou dilacera os tecidos profundos, e produz comminuição dos ossos; ou, ainda que o osso esteja intacto, quando houver dilaceração dos tecidos e lesão com arrancamento dos vasos principaes. XV. Para praticar a amputação, convém esperar que o ferido se reanime do collapso, porém não que appareçam a febre, os symptomas inflam- matorios, e, ainda menos, a suppuração. XVI. No tratamento das feridas penetrantes do peito ou do abdômen, ob- tem-se bons resultados procurando fechal-as hermeticamente para im- pedir a entrada do ar. XVII. A resecção é indicada nos ferimentos graves das articulações, com fractura e comminuição dos ossos. 5ECÇÍ.0 JlCCTSSCRÜL Por uma rigorosa applicação das leis physicas se poderão explicar os phenomenos que se mauifeslam nos indivíduos atacados da cholera-inorbus? PROPOSIÇÕES. o I. A physiologia moderna repelle in limine a idéia de assemelhar-se o organismo animal a um corpo regido pelas leis physicas ordinárias. II. A cholera-morbus é uma moléstia zymotica, devida a um elemento tóxico que se transmilte pela almosphera, pelos homens e pelas coisas. III. Os phenomenos que formam o quadro symptomatico d'esta moléstia parecem ligados a uma affecção da innervação, especialmente da vida vegelativa, produzida pela infecçào do sangue por um agente tóxico e especifico. IV. O resfriamento geral, a imperfeição da hematose, demonstrada pela composição do ar expirado e pelo estado do sangue, as syncopes fre- qüentes, a diminuição ou abolição das secreções, provam claramente o spasmo do grande sympathico, a contracção dos capillares. V. Seria absurdo e prejudicial pretender restabelecer o calor normal do corpo no período algicío, elevando a temperatura do ambiente em que se achasse collocado o enfermo. VI. Estimulando a pelle do cholerico, por meio de fricções, não se preten- de communicar o calor mechanicamente, e sim, provocando o affluxo do sangue pela dilatação dos capillares. VII. O augmento e a persistência do calor, por mais tempo do que de ordinário, no cadáver dos cholericos, em opposição ás leis geraes da physica, é devido, segundo Chapman, ao affluxo do sangue para os ca- pillares pela cessação do spasmo do grande sympathico, produzida pela morte. 14 54 VIII. A coincidência da presença da cholera-morbus com a falta de ozona na atmosphera, depende provavelmente da propriedade que tem este agente da destruir os miasmas. IX. O período de reacção nos cholericos é devido a cessação do spasmo do grande sympathico pelos esforços do organismo, queconseguio expel- lir nas dejecções e nos vômitos o elemento que infeccionava o sangue e intoxicava o systema nervoso. X. O descobrimento, iniciado n'Allemanha por Klob, de fungos ou spo- ros de wgetaes da infima classe, nas evacuações dos cholericos, e as ana- logias de origem, symptomas e propagação da cholera-morbus com as febres intermittentes, parecem indicar que a infecção do sangue na cholera é germinada por um iniasma cryptogamico análogo ao do efflu- vio paludoso, descoberto e demonstrado pelas experiências do profes- sor Salisbury. XI. A doctrina stechiologica da cholera, segundo a eschola de Robin, tem demonstrado que o miasma cholerico produz na albumina do soro do sangue uma modificação chimica, que a torna incapaz de hydratar-se; e sendo eliminado, nos vômitos e nas dejecções, o soro do sangue des- aggregado da matéria albuminoide, dá se neste fluido um espessamento incompatível com a circulação, a hematose e a nutrição. XII. A hydrotherapia applicada aos cholericos poderia apenas, e raras ve- zes, corrigir algum symptoma, mas nunca só por si constituir um trata- mento racional. XIII. Das proposições precedentes deduz-se claramente que os phenomenos da cholera-morbus não dependem apenas das leis physicas ordinárias, e sim, de transformações chimico-vitaes que se operam no sangue e af- fectam profundamente a innervação. 55 HYPOCRATIS APHORISMI. I. Lassitudines sponlè obortce morbos denunliant. {Sec. 2.' Aph. 5). n. Solvere apoplexiam, vehementem quidem, impossibile: debilem vero, non facile. (Sec. 2.a Aph. 42). in. Calidum, eo frequenler utentibus, has affert noxas; carnis effemi- nalionem, nervorum impotentiam, mentis torporem, sanguinis crupti- ones, animi deliquia: Iltc quibus mors. (Sec. o.a Aph. 16). IV. Apoplectici autem fiunt maximè cetate ab anno quadragesimo us- que ad sexagesimum. fSec. 6.a Aph. 57J. v. Si lingua ex improviso impotens fiat, aut aliqua corporis pars siderata, melancholicum hoc ipsum fit. fSec. 7.a Aph. AO). vi. Quibus cerebrum concussum fuerit ab aliqua causa, necessè est eos stalim mutos fieri. (Sec. T.a Aph. 58). Bahia—Typ. de Tourinho & C—1867. Pévetnetàc/a á fâomtnú&ão £/veutâola. £$a4t'a e S^acuÁ/ac/e c/e e*fa /ne. c/oóe' ^//onóo c/e *s//>outa. &awna c/a/Ze c/unio*. //m/t tema-4e. c/J ama e ifacu/aac/e c/e ^Wec/tciha 3 c a*e //e/em/to c/e fé 6"?. V — \