r>n 5k FACILDADE DE MEDICINA DA BAHIA TIIKSE INAUGURAL José gügncllo %ú\t íle WítWo * — i / *v "H 1 * FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA T H E S E PAKA O DOUTORAMENTO Filho legitimo do Dr. José Leite de Mello Pereira e D. Carolina Castilho Leita NATUKAL DA BAHIA Guérir quelqMÍoli, tonln/gn Bouvent, consoler toujours. Botjchut et Díspe». BAHIA IMPRENSA ECONÔMICA 22 — Rua dos Algibebes — 22 1875 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA DIRECTOR O E.xm. Sr. Conselheiro Dk. ANTÔNIO JANUÁRIO DE FARIA VICE-DIRECTOR O Exm. Sr. Conselheiro Dn. VICENTE FERREIRA DE MAGALHÃES LENTES PROPRIETÁRIOS Os Illins. Srs. Drs. Io Armo , ,. ,,. (Physica em geral, o. particularmente Cons. Vicente Ferreira de Magalhães, j cm guas appiiCações á medicina. ..................................... Clümica e mineralogia. Barão 'de ítapoan................... Anatomia descriptiva. 2o Armo Antônio de Cerqueira Pinto.......... Chimica orgânica. Jeronymo Sodré Pereira............. Physiologia. ..................................... Botânica e Zoologia. Barão de ítapoan..................... Repetição de Anatomia descriptiva. 3o Armo Cons. Elias José Pedrosa.'............ Anatomia geral e Pathologica. Egas Carlos Moniz Sodré de Aragao.. Pathologia geral. Jeronymo Sodré Pereira............. Continuação de Physiologia 4o Anno Domingos Carlos da Silva............ Pathologia externa. Demetrio Cyriaco Tourinho.......... Pathologia interna. (Partos, moléstias de mulheres pejada ..................................... j e de meninos recém-nascidos. 5o Anno Demetrio Cyriaco Tourinho.......... Conntinuaçao de Pathologia interna. Luiz Alvares dos Santos............. Matéria medica e Therapeutica. , , . , . , ™ .. [Anatomia topograpbica, Medicina José Antônio de Freitas............. j operatoria e Appareihos. 6o Armo Rozendo Aprigio Pereira Guimarães.. Pharmacia. Francisco Rodrigues da Silva........ Medicina Legal. Domingos Rodrigues Seixas.......... Hygiene. ■ José Affonso Paraizo de Moura...... Clinica externa, do 3o e 4o anno. Cons. Antônio Januário de Faria..,.. Clinica interna, do 5o e 6o anno. OPPOSITORES Ignacio José da Cunha.............. \ Pedro Ribeiro d'Araújo.............. J José Ignacio de Barros Pimentel..... íSecçao accessoria. Virgilio Climaco Damazio............ \ José Alves de Mello................. J Augusto Gonsalves Martins.......... \ Antônio Pacifico Pereira............. i Alexandre Afionso de Carvalho...... íSecçâo cirúrgica. José Pedro de Souza Braga.......... \ Claudemiro Augusto de Moraes Caldas \ Ramiro Affonso Monteiro............ J Manoel Joaquim Saraiva............ >Secçao medica. José Luiz de Almeida Couto......... \ SECRETARIO O Sr. Dr. CINCINNTATO PINTO DA SILVA OFFICIAL DA SECRETARIA O Sr. Dr. THOMAZ D'AQUINO GASPAR A Faculdade nao approva nem reprova as opiniões emittidas nas these* que lhe sao apresentadas. %a Xáiax Na escolha do ponto — assumpto d'esta dissertação — não tivemos em mira senão estudar uma moléstia nossa, tão freqüente no Brazil, onde reina endemicamente, cons- tituindo um verdadeiro flagello da classe pobre, maximè dos indivíduos que dão-se aos trabalhos da agricultura. E não que, rico de conhecimentos médi- cos, lido nos authores que se têm occupado da Pathologia Intertropical, ou fundado em observações próprias, podessemos dizer a ultima palavra sobre a moléstia de que vamos nos occupar. II Para responder á pergunta que nos dirige a Faculdade, era-nos indispensável um es- tudo preliminar sobre a Pathologia da hy- poemia. Dividimos, pois, o nosso trabalho em duas partes: na primeira estudamos as principaes causas que concorrem para o desenvolvimento d'este estado mórbido e as relações entre esta aíFecção e a presença do anchylostomo duodenal; na segunda procuramos estabelecer o melhor trata- mento a empregar. Se com este trabalho, emprehendido uni- camente em cumprimento de um dever, em observância de uma lei, tivermos con- seguido o fim a que nos propomos, repeti- remos as palavras de Magendie, ao receber a grata noticia de sua admissão ao Insti- tuto de França: « Toutes mes peines sont payées et mon but est atteint. » QUAL O MELHOR TRATAMENTO DA HYPOEMIÀ INTERTROPICAL PRIMEIRA PARTE Ce n'est pas do 1'instruction que je prometa ; ce sont des lumières que je demande. Laromiquièrb. Esboço histórico — Foi Dazille o primeiro que um 171)2 tratou da hypoemià intertropical, embora nada nos dissesse sobre a etiologia e anatomia patho- logica dVsta moléstia. Sm sua obra intitulada— Mala- dies des r/oirs—n'um artigo denominado — Du mal (Pestomac três fréquent entre les tropiques et au quel les noirs sontfort sujeis — descreve-nos uma moléstia, que, pelos symptomas que apresenta e pelo tratamento por elle aconselhado, é idêntica a que mais tarde se deno- minou — Hypoemià intertropical. Muitos annos depois, em 1833, descreve-nos o Dr. Noverre a mesma moléstia em um artigo denominado — Du mal cPestomac — publicado no Jornal Jiebdoma- dario. Ainda com o nome de — Mal aVestomac — descreve Levacher, em 1834, a hypoemià em sua obra — Guide medicai des Antilles. Em 1835 o Conselheiro Jobim, em-um discurso lido na sessão da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro g0kre — as moléstias que mais qffligiam a classe pobre, denominou-a — Hypoemià intertropical; nome hoje adoptado pela maioria dos práticos, e sol) o qual o Dr. Sigaud a descreve em sua obra — Du climat et des ma- ladies du Brésil. É de muito pouco valor o artigo consagrado a esta moléstia pelo Dr. Rendu, em 1848, em sua obra — Études topograplaques, mklicales et acronomiques sur le Brésil. Não é, porem, destituida de interesse a Memó- ria que publicou o Dr. Mariot, em 1862, com o titulo — Notice sur ühypohémie intertropicale. N'este mesmo anno o Dr. Souza Gosta, em diversos artigos da Gazeta Medica do Rio de Janeiro, oocupou- se- da Oppilação como moléstia distincta da cackexia, pa- ludosa, e completamente independente do» miasma pa- ludoso. Em 1863 o Dr. Felicio dos Santos, em sua these inaugural, dissertou sobre a hypoemià iutertropical — como moléstia de caracter distincto de qualquer altera- ção de sangue conltecida. Em 1868 o Dr. Dutrouleau, no seu tratado — Ma- ladies des Européens dam lesfMys chauds — publicou um artigo intitulado — mal cTestomac, m/d du coeur, cacJiexie africaine. IN 'este mesmo anno o Dr. Saint-Vel ocnipa-se igual- mente da hypoemià na sua obra — Traité des mal adi es des régions intertropicales. O illustre pratico o Dr. Wucherer, em brilhantes artigos, publicados na Gazeta Medica, da Bahia, nos annos 1866, 1867, 1868, 1839 c 1871, apresentou im- portantes investigações sobre a hypoemià intertropical, encarando-a por uma face ainda não conhecida. O Dr. Rodrigues de Moura, em interessantes artigos igualmente publicados na Gazeta Medica da Bahia nos annos 1869, 1870, 1871 e 1872, occupou-se da hy- poemià intertropical, — considerada como moléstia ver- minosa. Em 1871 o illustrado lente d'esta Faculdade, o Sr. Dr. Demetrio, em sua importante these de concurso para a cadeira de Pathologia interna, dissertou sobre — As causas que mais concorrem para, o desenvolvimento da hypoemià intertropical, e sobre as relações entre esta moléstia e a presença do anchylostomum duodenale. O Dr. Pinto Netto, em 1872, dissertou, no Rio cie Janeiro, em sua these inaugural sobre a — Hypoemià intertropical. Em 1874, o Dr. Moncorvo de Figueiredo, em uma monographia intitulada — Du diagnostic différentiel entre ladyspepsieessentielle et Vhypohémie intertropicale, estabelece os dados necessários para o diagnostico dif- íerencial entre estes dois estados pathologicos. Finalmente, n'este mesmo anno o Dr. Silvino Pa- _ 4 — checo, na BahiA, em sua these inaugural, oraipou-se — do melhor tratamento da hypoemià intertropical. É esta a resumida bibliographia que podemos apre- sentar sobre a moléstia, que é assumpto da nossa dis- sertação. Escrevendo-a não nutrimos a louca pretenção de apresentar um trabalho completo, nem tão pouco de fazer a critica das obras que se tem escripto sobre a hypoemià intertropical; apenas orTerecemo-la come uma homenagem prestada aos illustres práticos, cujas obras acabamos de mencionar. Definição e Synonimia — Foi somente depois da descoberta feita por Dubini, em 1838, seguida das observações de Griesinger no Cairo, e das importantes investigações do Dr. Wucherer na Bahia sobre a exis- tência constante dos anchylostomos nos intestinos dos indivíduos que suecumbiam a essa affecção, que poude- se dar uma definição mais completa e mais perfeita do que seja a hypoemià intertropical. As definições até então apresentadas, alem de imper- feitas, devem ser antes consideradas como verdadeiras descripções dos phenomenos característicos que soem acompanhar a manifestação da moléstia, sem todavia nos darem uma idéia de sua sede e de sua etiologia. Actualmente aceitamos a definição dada pelo Dr Netto : * * Dr Luiz Manoel Pinto Netto — These inaugural era 1872. — 5 — « Hypoemià é uma anemia muito com muni nos cli- mas quentes, produzida pela presença dos anchylosto- mos intestinaes, e caracterizada por extrema pallidez da pelle, e pela ausência de engorgitamento do b.>.ço e do fígado. » Diversos tem sido os nomes de que se tem servido os escriptores estrangeiros para designar a moléstia de que nos occupamos, circumstancia que demonstra per- feitamente, que nada se conhecia de preciso a respeito de sua sede e de sua etiologia. Alguns escriptores, profundamente impressionados pelos phenomenos apresentados pelo tubo gastrointes- tinal, denominaram-na — mal cVestomac; mala cie, dos negros ; geophagia ; eólica secca, etc. Outros, considerando as perturbações da circulação. eliamaram-na — mal du ca?ur ; chlorosc do Egypto ; cachexia aquosa ; cachexia africana; dissolução; hy- dremia; chloro-anernia ; hypoemià intertropical; kypo- hlastemia ; hypochalybemia, etc. Vulgarmente é conhecida por — oppilação ; cansaço; inc/tação, etc. Etiologia — E de summa importância para o tra- tamento de uma moléstia, o conhecimento das causas que a podem produzir. É depois de bem conhecidas e descriminadas as cau- sas de uma moléstia, que podemos estabelecer um dia- gnostico exacto e fundar uma therapeutica racional. — 6 — Levado por essas considerações, passamos a enu- merar as causas da hypoemià, occupando-nos mais de- tidamente das que, pela intensidade de sua acção, con- correm com mais energia para o desenvolvimento d'essa aífecçâo. É reconhecida por todos os pathologistas, que se têm occupado das moléstias dos climas intertropicaes, a grande influencia que o clima exerce na producção da hypoemià intertropical. No Brazil, o calor, junto á humidade, determinando promptamente a putrefacção e a decomposição das matérias orgânicas do solo, dá em resultado um desprendimento quasi continuo de gazes eminentemente nocivos, que viciam e corrompem a at- mosphera, infeccionam a economia, deprimem-lhe as forças perturbando-lhes as íuncções, e afinal produzem no organismo um verdadeiro depauperamento. Primeiro dos modificadores atmosphericos, a humi- dade é uma das causas que mais poderosamente predis- põem o organismo para a hypoemià. € À humidade, obrando, ou de uma maneira rápida, ou de um modo lento, deprime todo systema nervoso da vida de relação e orgânica, e produz essas perturbações funccionaes, que se revelam logo pela atonia ou asthenia do tubo intestinal, e que determinam posteriormente o cathar- ro gastro-intestinal em grau mais elevado, as dyspe- psias e as nevroses, especialmente as do estômago. » * Dr. Demetrio — TheRe de concurso em 1871 É a impressão do ar humido e frio nos climas quen- tes que determina o maior numero de moléstias graves, sobretudo se a transpiração é franca, cc L'action combi- née du froid et de 1'humidité est essentiellement per- turbatrice de 1'ordre naturelle des mouvements organi- ques, et quand elle sévit d*une manière habituelle, comme il arrive dans certainos localités, elle finit pour altérer 1'hematose et Ia complexion des tissus. » * Outra causa de igual importância no desenvolvimento da hypoemià é a alimentação. São os alimentos que devem fornecer ao homem os princípios necessários a seu desenvolvimento e á repa- ração das perdas incessantes que a economia está de continuo a experimentar. Quando estas perdas não são indeiniiisadas por uma boa alimentação, apodera-se de todo o orgauismo um tal ou qual estado de torpor ou abatimento ; as forças assimiladoras ficam como que paralysadas : a debilidade espalha-se sobre todos os apparelhos : o sangue perde sua plasticidade e rutilan- cia, pela diminuição considerável de seus elementos ; e o indivíduo cae n'um estado de enfraquecimento ge- ral, que muitas vezes conduz á morte. « S'ily a peu de sang, Ia vie languit, s'il ne se repare pas, Ia vie s'éteint ( Piorry). x> nA Physiologia demonstra e a Hygiene aconselha que a alimentação não deve ser nem puramente vegetal, nem animal : qualquer deltas, quando usada exclusi- •* Michel Levy — « Traité d'hygiéne publique et privée ». vãmente por muito tempo, produz grandes inconve- nientes para a saúde, os quaes deixam de apparecer quando a alimentação participa de uma e de outra : isto é, quando é m'xta. O uso constante de substancias vegetaes produz gas- tralgias, dyspepsias flatulentas, diarrheas, etc. « Cette alimentation prédispose à 1'anemie, caractérisée par Ia diminution proportionnelle de Ia fibrine, des globules et de l'albuniine, et plus tard à 1'anasarque et aux hy- dropisies, comme toute alimentation insuffisante. Elle favorise le développement des gastralgies, de Ia jmeu- matose intestinale, des entérites et des ascarides lombri- coides. » * Expondo os inconvenientes de uma tal alimentarão o Sr. Becquerel assim se exprime: « Les entozoaires sont, souvent Ia consequence d'une regime vegetal exclusif ou prédominant. 3> ** Os indivíduos que de ordinário são atacados de hy- poemià são os escravos, os pobres, emfim todos aquel- les que, por necessidade, por falta de meios, não po- dendo substrahir-se á acção nociva d'estas causas. vivem em moradas insalubres, são constantemente fati- gados por um trabalho excessivo e mal nutridos por uma alimentação, não só insuíficiente, senão de mú * Bouchut —« Nouveaux éléments de Pathologie Générale ». ** Becquerel — « Traité élémentaire d'Hygiene publique e} privée. ._. 9 — qualidade. É com razão que a hypoemià é denominada a moléstia da pobreza, e da penúria. O uso exclusivo da farinha de mandioca, aipim, mi- lho, feijão, emfim de substancias em que predomina a fecula de envolta com princípios refractarios á digestão como a celulose, é uma das causas predisponentes, mais poderosas para o desenvolvimento d'este estado mór- bido. Estas substancias^ na opinião do illustrado lente de Pathologia interna d'esta Faculdade, fatigam extraor- dinariamente as forças do estômago, deixando-o em uma espécie de paresia ou atouia, porque, alimentos hydro- carbonados ou respiratórios, estas substancias não for- necem, como os azotados, os elementos nutritivos sem os quaes não pode haver a reparação necessária dos tecidos, sem os quaes não se forma sangue rico em gló- bulos brancos e vermelhos. Pelo contrario, gasta os tecidos, enfraquece o systema nervo-muscular e depau- pera a economia. E o que constantemente se dá com os escravos das fazendas e dos engenhos, os quaes, recebendo uma ali- mentação animal insuíficiente, má, já privada de seos princípios nutritivos, são obrigados a nutrirem-se quasi que exclusivamente de substancias vegetaes. O orga- nismo d'estes infelizes, de continuo esgotado por traba- lhos excessivos, não pode encontrar em similhante alimentação os elementos necessários á sua reparação. ÉJ impossível a nutrição sem materiais azotadas, princi- palmente sem a carne. « L'organisme, se détruisant et se renouvelant sans cesse, a besoin de trouver dans Taliment tous les príncipes que sont elimines : si mi seal manque, Ia vie languit et est menacée de s'étein- dre ( Foissac ). » Como causa predisponente tão importante quanto a humidade e a alimentação, podemos apontar o uso de águas estagnadas, as quaes, alem de produzirem o em- pobrecimento do sangue, levam muitas vezes os ger- mens, os óvulos do anchylostomo. Em geral, podemos dizer que todas as moléstias que trazem como conseqüência a anemia, concorrem pode- rosamente para o desenvolvimento da hypoemià. De outro modo, não poderíamos explicar o facto de reina- rem conjunctamente a hypoemià e as febres inter- mittentes. O elemento paludoso, pelos grandes estragos que produz na economia e pela profunda auemia que nella determina, é para nós uma causa predisponente muito poderosa do cansaço. Concluindo o estudo da etiologia da hypoemià, dire- mos com o Sr. Dr. Demetrio, « que as causas apontadas «actuam abrindo o período inicial da moléstia, e prepa- « ram o organismo para receber e desenvolver a que vem « dar o cunho, a physionomia da moléstia, pelas modi- c< ficações que produz na economia, pelos estragos que « opera em toda ella. Por si sós não produziriam ellas « mais do que uma simples anemia, como soem fazer —. 11 — et quando manifestam-se em qualquer clima. Mas esses « estragos que consecutivamente se observam; esses « phenomenos notáveis de um depauperamento de san- « gue ; essa nevrose gástrica descripta com o nome de « malacia, sempre constante revelação do estado ner- « voso ; esses edemas de origem conhecida ; essa rara « alteração do fígado, do baço e do coração ; esse tra- « tamento pelo ferro quasi sempre improficuo, se não é « precedido dos antelminticos ; tudo isso nos diz que « alem d'essas causas predisponentes, preparadoras da « hypoemià, ha uma que actúa e representa um papel « assás preponderante na evolução da moléstia como cle- «. terminante, dando-lhe nmn facies própria que a des- ce crimina e distingue da anemia vulgar ». * Esta causa, não hesitamos em dizel-o desde já, é o anchylostomo duodenal. Symptomatologia — A hypoemià revela-se por um conjuneto de symptomas que denunciam perturba- ções profundas de toda a economia. Examinando-se um hypoemico, o primeiro symptoma a nos dispertar a attencão é um descoramento notável, uma pallidez característica dapelle, que nos indivíduos da raça branca é de um amarello esverdinhado simi- lhante a cera suja, e nos de côr preta toma, sob a in- fluencia da moléstia, a côr de café com um pouco de leite 0 Dr. Demetrio — These citada. ( Dr. Felicio dos Santos ) ou é mais propriamente fula ou azeoichada ( Conselheiro Jobim ). 0 olhar do hypoemico é languido, os Olhos estão como que amortecidos, as conjunctivas são de umbranco- perola, ou branco azulado. As palpebras inferiores ede- maciadas, principalmente depois do somno, apresentam uma orla livida em sua base ; a mucosa dos lábios e da bocca exangue e de umapallidez extrema; a face infil- trada, intumecida, vulgarmente opada. Essa infiltração da face dá-lhe um cunho característico. Ha uma, facies hypoemica, como lia uma facies cardíaca. A pelle, alem de pallida, é secca, furfuracea e enrugada ; ha ausência de transpiração cutânea e um abaixamento notável da temperatura no systema tegumentar, o que leva os doentes, que são muito impressionados .por qualquer mudança atmospherica, a approximarern-se do fogo, a procurarem o sol. Ha muitas vezes um enfraquecimento notável da vista ; enfraquecimento que toma proporções taes que os doentes não podem ver á noite, e só distinguem os objectos á luz do dia. Esta hemeralopia, que tivemos occasião de observar em três doentes nas margens do Rio de S. Francisco, os quaes viam bem os objectos du- rante o dia e os não distinguiam absolutamente á noite, pode ser considerada como um epiphenomeno da hy- poemià, devido provavelmente á anemia ; ou melhor, como um phenomeno nervoso de origem reflexa, — 13 — produzido pela presença dos anehylostoinos nos intes- tinos. * Os doentes queixam-se de peso na cabeça, vertigens, cephalalgia, zunido incommodo e constante nos ouvidos. Pelo exame encontra-se a respiração ordinariamente accelerada e difficil, verdadeira dyspnéa, tosse sêcca, cansaço com grandes palpitações ao menor movimento; pulsações tumultuosas 'do coração, um ruído de sopro brando (bulha de folie) no primeiro tempo, ouvido Com seu maxi;no de intensidade no «egundo espaço in- tercostal direito junto ao bordo respectivo do sternum, propagando-se na direcção da aorta ascendente, e muitas vezes ouvido nas carótidas. Pulsação nas jügu- 9 Davaine, em seu— Tratado sobre os cnlozoarios, pag. 59, entre os casos de affecções sympatbicas, produzidas por vermes iní cr- tinaes, refere os seguintes relativos ás perturbações da visão : Lombrigas. Uma moça de 15 annos, cega durante quatro dias ( Baumes ). — Um menino, de 7 annos, cegueira súbita e quasi completa durante um mez ; tratamentos diversos «em resultado, vermifu- gos, expulsão de 28 lombrigas, cura ( Dr. Fallot ). Amaurose. Em uma moça de 14 annos ; expulsão de 60 lombri- gas, cura immediata ( Petrequim ) . — Um menino, cegueira completa, expulsão de lombrigas, cura ( Laprade) . — Dous casos de cura de amaurose, pela expulsão de ascarides ( Remer ) . Sigaud, em sua obra Du climat et des maladies du Brésil , men- ciona uma amaurose verminosa, assignalada pelo Dr. Bonjean, já por elle observada na Europa : como esta causa mórbida, diz Sigaud, acha-se em plena actividade no Brazil, devemos ter em consideração e apreço os factos publicados por este observador. 0 Dr. Alançon (de Ia Flèche) observou um caso de hemeralopia devida á presença de ascarides 'lombricoides no intestino (Voillez, Dic. du Diagnostic). — 1 ! — lares. Pulso vivo, largo, molle, ordinariamente acce- lerado. Os doentes têm repugnância ao trabalho, são magros, têm os músculos molles e flacidos. Do lado do apparelho digestivo observam-se pheno- menos importantes, maximè depois das refeições : ver- dadeiras dyspepsias, náuseas, vômitos, gastralgias, constipação constante, ordinariamente no principio da moléstia, mais tarde diarrheas aquosas. Ha fastio ou anorexia completa, raras vezes fome, outras perversão do appetite. A perversão do appetite, denominada malacia ou pica, verdadeira nevrose do .apparelho gástrico, sym- ptoma característico da hypoemià em certa phase de seu desenvolvimento, deve ser considerada como a expres- são de uma profunda e especial anemia. As vezes esta perversão do appetite toma proporções taes que os doentes são impellidos por uma vontade irresistível, um desejo invencível a ingerir substancias indigestas, inassi- milaveis. Terra, cal das paredes, cinza, pó de café, ta- baco, cabellos, substancias animaes em decomposição, fructos não sazonados, os próprios excrementos ; tudo isto devoram estes infelizes com sofreguidão, no ultimo período da moléstia. Este doente dá preferencia ao peixe em começo de putrefacção (Dr. Felicio) ; aquelle arranca para dar pasto a seu appetite pervertido a lan do carneiro que o acompanha ( Dr. Mariot) ; este outro devora os farrapos das camisas que o vestem no Hos- — 15 — pitai, não poupando a própria maculada pelas pústulas da erupção variolica ( Dr. Wucherer ) ; aquelle outro tem predilecção pela".terra quando borrifada pelas pri- meiras águas da chuva ( Dr. Rodrigues de Moura). Mason refere o caso de um rapaz, preto, que comia baeta; nós mesmo tivemos occasião de ver uma menina que comia a lan (de cauna) de que era cheio o travesseiro em que dormia. « E, por assim dizer, uma força instinctiva, insupe- rável, que cega a razão e que domina irremediavelmente as faculdades volitivas do homem. « Estes desgraçados não podem esperar outro resul- tado sinão a morte, que elles buscam por meio d'e3se suicidio lento e voluntário (Dr. Rodrigues de Moura). » A moléstia quando se desenvolve a este ponto é um máo signal para o prognostico. Progredindo a moléstia, mais tarde manifestam-se edemacia nos membros inferiores, principalmente nos maleolos, anasarca ou leucophlegmasia ; extravasações nas cavidades sorosas, como a da pleura, e mais parti- cularmente a do peritonêo ; edema do pulmão, inflarn- mação do estômago, dos intestinos, do'figado, do baçoi de todos os órgãos em fim. Estes symptomas vão gradualmente augmentando de intensidade ; e em breve as infiltrações invadem todos os órgãos, as ulceracões tornam-se difficeis de ser debelladas, exhalam um pus aquoso ; manifesta-se a — 16 — febre consumptiva, e finalmente uma diarrhéa colliqua- tiva vem pôr termo abs dias cio doente. Anatomia pathologica— Todos os cadáveres de indivíduos mort >s de hypoemià ou são magros ou edemaciados ; todos os tecidos profundamente desco- rados, pallidos, infiltrados. O cérebro anêmico e amolle- cido. Os pulmões defuma côr menos rosada, conservam-se mais ou menos em estado normal, salvo se tiver havido complicação ; o coração pallido, flacido nas cavidades direitas; as válvulas irregulares e espessas ; derrama- mentos nas sorosas, pleura, pericardio, e principalmente no peritonêo. As mucosas muito descoradas ; a do estô- mago, semeadade manchas rubras, é molle, espessa e coberta de um muco ; é pouco consistente, e despren- de-se com facilidade, deixando a descoberto a túnica muscular, e em alguns pontos a sorosa. Os intestinos, ordinariamente exangues e vasios, apresentam-se muitas vezes modificados em seu cali- bre ; umas vezes o diâmetro acha-se diminuído, outras muito dilatado, a ponto de simular um segundo estô- mago, na-phrase do Conselheiro Jobim. O Dr. Wucherer encontrou esta dilatação tanto nos grossos como nos intestinos delgados. A mucosa intestinal apresenta-se amollecida, com echyniüses, c cobertas, no duodeno, jejuno e começo do — 17 — ileon, de pequenos vermes brancos descriptos por Du- bini sob o nome de anchylostomos duodenass. Muitas vezes, sangue derramado nos intestinos. As glândulas mesentericas inturaecidas. O fígado e o baço, pallidos, não soffrem alteração; íicam ordinariamente do tamanho natural; ao contrario, algumas vezes este volume é menor e estes órgãos s&o atrophiados. Quando porem a hypoemià acha-se ligada á cachexia palustre, estes órgãos apresentam-se engor- gitados. O Dr. Wucherer * criticando a obra de Heusinger — a cfiamada Geographia ou chlorose tropical, etc, assim se exprime a respeito das modificações do baço e do fígado : « Heusinger refere que o baço se acha engorgi- tado. É isto um erro ; na hypoemià sem complicação o baço acha-se até atrophiaclo. O fígado não se acha en- gorgitado na hypoemià simples. » As autópsias têm confirmado a verdade d'este facto. « A supposição da hypertrophia do fígado e do baço, naoppilação, depen- de de observações inexactas, e sobretudo da confusão com a cachexia palustre. Comem reflectir que essas opi- niões errôneas são geralmente encontradas nos livros de médicos estrangeiros, que, percorrendo o nosso paiz a vol-dyoiseau, têm depois a pretenção de conhecer e dis- sertar sobre as nossas cousas com uma audácia admi- rável ( Dr. Felicio ). » ** - Gazet. Med. da Bahia, anno 2o, pag. 40. 00 Gazet. Med. da Bahia, anno 2o, pag. 32. 3 — 18 — Pôde todavia succeder que, sem ser a hypoemià complicada do elemento palustre, sem ter o indivíduo soffrido febres mtermittentes, o fígado e o baço se apre- sentem congestos ou mesmo inflammados : congestão e inflammação que só se mostram quando a moiestia se acha adiantada, que devem antes ser consideradas como complicações do que como symptomas da hypo- emià, e que são devidas ás alterações profundas das fimcções gastro-intestinaes. « L'oppilation n'amène pas d'elle même une congestion hépatique, Taquelle est également un des caracteres difTérentiels de Ia ca- chexie paludéenne, les desordres gastriques sympto- matiques peuvent provoquei' et provoquent presque toujours une hypérémie plus ou moins caractérisée de Torgane hépatique ; mais cette hypérémie est causée par Ia perturbation dans les fonctions de 1'appareil gastrique ( Dr. Moncorvo de Figueiredo ). » * Vê-se pois d'esta rápida exposição das lesões anato- nio-pathologicas da hypoemià intertropical que a« lesões intestinaes são as mais importantes, e as que devem merecer mais attenção, por serem os intestinos a sede da moléstia. Marcha, duração, terminação e pro- gnostico — A marcha da hypoemià é quasi sempre * Du Diagnostic différentiel entre Ia dyspepsie et hypo- hémie intertropicale — 1874. — 19 — lenta, porem incessantemente crescente. A duração varia segundo muitas circumstancias; se a moiestia é abandonada a si mesma, vae lentamente progredindo e pode durar mezes, e até annos ; mas, se um trata- mento regular é empregado no começo da affecção, se as causas que promoverajn sua evolução são removidas, sua duração é de algumas semanas, ou quando muito de um a dois mezes. As recidivas são muito freqüentes, principalmente se o doente depois de curado colloca-se de novo sob a influencia das causas que determinaram o appareci- mento da moiestia. Quando a hypoemià é prompta e energicamente com- batida pelos meios apropriados, quando são removidas as causas de seu desenvolvimento, quando ao trata- mento é associada uma alimentação rica de princípios nutritivos, quando emfirn o doente acha-se cçllocado nas melhores condições de hygiene, a cura é quasi sempre sua terminação mais ordinária. A morte tem logar quando a moiestia, abandonada a si mesma, prosegue sua marcha devastadora e produz as profundas perturbações da economia, de que já nos occupamos. A morte ou é determinada pelos derrama- mentos, pela diarrhéa colliquativa, pela persistência em comer terra ; ou é devida ás complicações: inflam- mação dos intestinos, cachexia paludosa, dilatação do coração e ascarides lombricoides, que, na opinião do Dr. Wucherer, é das complicações a mais commum. — 20 — O prognostico é quasi sempre duvidoso e deve seT undado na duração da moiestia, no seu ütíui de desen- volvimento, nas alterações mais ou menos profundas que haja produzido, emfím em todas as modificações que o doente possa apresentar. Diagnostico — A hypoemià assim á primeira vista pode ser confundida com outros estados mórbi- dos, que se caracterizam igualmente pela anemia e pela côr amarella ou pallida da pelle. Passaremos rapi- damente em revista ^js-os diversos estados mórbidos, e mencionaremos os elementos que podem servir de base a um diagnostico differencial. Anemia — Entre este estado mórbido e a hypoemià ha symptomas que os distinguem perfeitamente. Na anemia a marcha é rápida, na hypoemià muito lenta ; o prognostico d'esta é mais grave do que o d'aquella; na primeira ha nevralgias, convulsões ; na ultima, nevroses gástricas, malacia, pica, geophagm. Na anemia as pancadas do coração são fracas, o ruido de sopro brando ; na hypoemià dá-se o con- trario. Na anemia a transpiração ás vezes é abundante, o systema nervoso muito impressionável ; na hypoemià a transpiração cutânea é quasi completamente sup- pressâ, a sensibilidade embotada. üsa primeira as cansas obram rapidamente: na se- gunda lentamente. Na anemia a cura é a terminação mais ordinária ; a hypoemià é muitas vezes rebelde a todo tratamento. Na anemia as perturbações nervosas dão-se mais na esphera do systema nervoso de relação ; na hypoemià no systema sympathico. Na anemia as lesões anatômicas são conhecidas ; na hypoemià, alem das conhecidas, ha amallecimento da mncosa gástrica. Chlorose—As causas da chlorose são obscuras, du- vidosas, desconhecidas ; na hypoemià manifestas, claras. conhecidas. A primeira é moléstia peculiar ao sexo feminino, e freqüente na puberdade ; a segunda ataca ambos os sexos, de preferencia o masculino, e em qualquer idade, A chlorose é de todos os climas : reina nas cidades. ataca a raça branca, de ordinário as mulheres de vida sedentária e de paixões vivas > A hypoemià é mais fre- qüente nos climas intertropicaes, é exclusiva doa cam- pos, dos lugares humidos e baixos, e ataca de preferencia a raça preta, os escravos, os indigentes : emfim, os indivíduos que vivem na miséria e na penúria. Na chlorose o olhar é languido ; na hypoemià sem > expressão e imbecil. N'esta ha ás vezes embotamento da sensibilidade da vida de relação ; n'aquella ha hor- ripilações, nevralgias, hysterismo, paralysia, perturba- ções nervosas, etc. Na chlorose as infiltrações são raras, limitadas ás palpebras e aos maleolos ; na, hypoemià ha infiltração geral, e mais especialmente da face. Cachexia palustre — E com a cachexia palus- tre que a hypoemià tem sido muitas vezes confun- dida. Na cachexia palustre a côr da pelle é amarella, térrea, desagradável á vista ; na hypoemià a pelle tem a côr de palha ou de cera velha. A primeira não traz edema das palpebras, é precedida muitas vezes de accessos intermittentes, e determina enormes engorgitamentos do fígado e do baço. A se- gunda é acompanhada de edema das palpebras, não é precedida de accessos intermittentes, conservando-se em seo estado normal'o fígado e o baço, os quaes ás vezes se atrophiam. A cachexia palustre não poupa localidades, condi- ções, nem classes ; a hypoemià ataca de preferencia os escravos das fazendas, e é rara nas cidades. N'aquella a marcha é muito lenta, ha nevralgia, en- teralgia, e atralgia. N'esta a marcha é menos morosa, ha nevroses gástricas, malacia e geophagia. Na cachexia as hydropisias não são tão freqüentes, nem constantes, as infiltrações dos membros raras vezes são observadas, e a cura é mais fácil. Na hypoe- mià as hydropisias são muito constantes, as infiltra- ções dos membros inferiores mais freqüentes e a cura muito mais difíicil. — 23 — A hypoemià ainda pode ser confundida com outros estados pathologicos alem dos já apontados, taes como as cachexias tuberculosa, escrophulosa, escor- butica, cancerosa, syphilitica, cachexia bronzeada ou moiestia de Addison, etc; com as moléstias de coração e com a dyspepsia essencial. Pelo limitado d'este trabalho não nos oecuparemos em estabelecer estas distineções. Uma vez descrimina- dos os symptomas que caracterisam taes estados mór- bidos, bem estudadas as suas causas, vê-se que a confusão não^tem mais razão de ser, e que desapparece qualquer duvida que por ventura haja a respeito do verdadeiro diagnostico. Anchylostomo duodenal — Foi o Dr. Ân- gelo Dubini o primeiro que, em 1838, no grande Hos- pital de Milão, praticando uma autópsia em uma jo- vem camponeza fallecida de chlorose do Egypto, depa- rou com uma grande quantidade de vermes nos intes- tinos, e como não eram ainda conhecidos, classificou-os e os denominou — anclylostomum duodenale, pela razão de oecuparem o duodeno de preferencia a qualquer ou- tra parte do tubo digestivo. Pruner alguns annos depois, em 1846, assignalou a existência d'elles no Egypto. Bilharz cm 1851, e G-rie- singer em 1852, no Cairo, procedendo a indagações, por — 24 — conselho de Siebold, reconheceram a existência d'cstes animalculos nos indivíduos mortos de chlorose do Egypto. Griesinger, porem, foi o primeiro a attribuir a esses vermes intervenção importante na chlorose do Egypto. (í A presença de taes vermes, diz elle, determina por sangrias pequenas, mas incessantemente renovadas, essa moléstia que afflige o quarto da população do Egypto. » Coube ao Dr. Wucherer a gloria de ter sido o pri- meiro a descobrir os anchylostomos no Brazil. Foi por um « feliz acaso » n'uma autópsia praticada em um in- divíduo fallecido de hypoemià intertropical, na Bahia, em 1865. Continuando em suas observações encontrou o illustre observador os referidos vermes em todos os indivíduos mortos de hypoemià intertropical, e unica- mente nos que falleciam d'essa moiestia. Muitos outros práticos brazileiros, entregando-se a investigações idênticas, encontraram sempre os anchy- rostomos -em todos oe indivíduos que morriam de hy- poemià, como se deduzirá do exame da serie de autó- psias que mais adiante apresentamos. Os anchylostomos são de côr branca acinzentada, ti- rando em alguns para o encarnado ; tem o corpo cylin- clrico, filiforme, estriado transversalmente. O corpo, que no macho-tem de seis a oito millimetros de comprimento, c na femêa de oito a dez, vae atte- nuando-se para ambas as extremidades. Numa das extremidades, vê-se a bocca com a figura de um funil, orbicular, muito ampla, virada para o dôrso do animal, guarnecida de dentes em numero de quatro, fortes, conicos e terminados em ganchos, isto é, em pontas convergentes umas para as outras, parecendo prolongamentos d'essa margem, que é de uma substan- cia cornea e transparente como é todo o tegumento do corpo. O apparelho digestivo é muito simples : o pharynge é infundibiliforme, e de paredes resistentes ; o esophago musculoso é claviforme ; o estômago é escuro e tem a fôrma de um globo ; os intestinos são representados por um canal recto forrado internamente por um epi- thelio cylindrico que termina no ânus, o qual acha-se situado na parte postero-lateral da cauda. Nada se conhece ainda sobre apparelhos de inner- vação, circulação e respirarão. No ponto em que o sexto anterior do comprimento total do verme se une aos cinco sextos posteriores, vê- se, de cada lado, uma proeminencia da cutis, curta, coni- ca e pontuda, parecendo um espinho. Os órgãos genitaes, que são muito desenvolvidos, têm, em ambos os sexos, typo commum: consistem em um tubo allongado, simples, disposto em circumvolu- ções e terminando em fundo de sacco, que no macho representa os testículos, na fêmea o ovario. A extremi- dade posterior na fêmea é conica e pontuda, o ânus fica á pequena distancia dVsta ponta ; no macho acaba em — 26 — uma espécie de cartucho, continuação da cutis transpa- rente cio corpo do animal, em fôrma de cálice, partido de um lado, em cujo interior se divulgam umas saliên- cias longas, agudas, em numero de 11. 0 penis é muito comprido, delgado e duplo. A fêmea tem a vulva situada no dorso, na união do quarto inferior com o resto do corpo. E vivipara. Encontra-se um macho para quatro a cinco fêmeas. Vivem nos intestinos do homem, occupando de preferencia o duodeno e jejuno, onde agarram-se com os quatro dentes, deixando uma pequena echymose, cm cujo centro nota-se um ponto branco que é a per- furação da mucosa por onde sugam constantemente o sangue de que se nutrem. O anchylostomo é causa ou effeite da hypoemià intertropical? — É questão de sumrna importância, e de que se têm occupado muitas de nossas illustrações médicas, e que parece já resolvida conside- rando-se o anchylostomo como causa antes que como effeito da oppilação. Todos os pathologistas que se têm occupado da hy- poemià, todos os médicos que a têm estudado, são accordes em considerar o anchylostomo como a verda- deira causa determinante d'este estado pathologico. Como já vimos, foi Griesinger quem primeiro attri- buio aos aBchylostomos intervenção na chlorose do — 27 — Egypto} que é a mesma hypoemià intertropical, e affir- mou serem estes vermes a causa d'esta moiestia, que no Egypto afiligia um quarto da população. Annos depois o Dr. Wucherer, descobrindo igual- mente no Brazil estes vermes, examiuaudo-os e tendo- os encontrado em tudo semelhantes aos descriptos por Dubini, Griesinger, Bilharz, Siebold, Pruner, Davaine, não hesitou em consideral-os como a verdadeira causa determinante da hypoemià intertropical. Proseguindo sempre em novas investigações, abrindo cadáveres de indivíduos fallecidos de outras moléstias, e tendo en- contrado os anchylostomos unicamente nos cadáveres dos que morriam de hypoemià, profundamente convi- cto do papel qúe estes vermes representam na producção desta moiestia tão freqüente no Brazil, assim se exprime: « Não podendo haver duvida que uma grande copia de vermes, que vivem de sangue, e causam numerosíssi- mas, ainda que pequenas, hemorrhagias, sejam capazes de produzir, dentro de certo tempo, uma excessiva anemia, como a que se encontra nos casos de hypoemià intertropical, e havendo ausência de outras causas, a que a anemia possa ser attribuida, forçoso é concluir que a causa está nos anchylostomos. » * 0 O Dr. Wucherer, no intuito de verificar se o anchylostomo era exclusivo da hypoemià, chegou a abrir 12 cadáveres de in- divíduos mortos de outras moléstias : plrthysica, amollecimentò do cérebro, moiestia orgânica do coração, ferimento, moléstias de Bright, etc; e não os encontrou. Alguns d'esses cadáveres — 2$ — Estes vermes, que, por serem muito pequenos, passa- ram por muito tempo desapercebidos, são, na opinião d° Dr. Wucherer, muito mais nocivos do que outros, que vivem de chymo, pois que clles vivem de um liquido já mais elaborado, de sangue : por sua presença, e muito mais pelos continuados ferimentos da mucosa, constituem uma fonte constante de irritação, que ex- plica outros symptomas da moiestia. * « Uanchylostome duodenale occasionne Ia maladie « dite chlorose égyptienne, par les soustractions de « sang qu'il opere pour se nourir, mais surtout par les « hemorrhagies consecutivos à ses morsures ( Uhlê e «: Wagner ). » ** Se os anchylostomos tem sido encontrados em todos os casos de hypoemià, ' sem excepção e unicamente n'esta moiestia, por tantos observadores dignos de fé e de critério ; se como já vimos estes vermes nutrem- se exclusivamente de sangue; se por suas dentadas, hemorrhagias, embora pequenas, mas constantes se estavam anêmicos, e d'ahi poude elle inferir que não é a anemia, por si só, que parece determinar a existência dos anchylostomos. Em um trecho de uma carta dirigida ao Dr. Eodrigues de Moura, e publicada na Revista Medica do Eio de Janeiro n. 10, de Outubro de 1873, assim se exprime este distincto pratico : «Não posso dizer o numero de casos em que tenho observado esses vermes, não tenho tomado nota disso ; mas posso certificar que nunca deixei de achar em casos de oppilação,' bem entendido em cadáveres. » 6 Dr. Wucherer — Gazeta Medica da Bahia. ??íí Noveaux éléments de Pathologie Générale. — 29 — produzem : se por sua presença o processo intimo da assimilação dos princípios nutritivos é irregular, im- perfeito e insuíficiente ; se tantas vantagens são diaria- mente obtidas pelo tratamento vermifugo associado aos tônicos e reconstituintes; não hesitamos em admit- tir que o anchylostomo é a causa essencialmente de- terminante da hypoemià, e não resultado ou producto inerte d'ella. D'onde vêm os anchylostomos? Que causa determina a sua presença nos intes- tinos ? Como são levados ahi ? — São ques- tões estas de grande interesse e de que se têm occu- pado todos os helminthologistas, aos quaes o anchy- lostomo tem servido de objecto de profundo estudo e de serias observações. A opinião mais geralmente aceita é que elles provém do exterior ; o modo, porem, como se effectua o seu trajecto, a sua introducção no organismo, ainda não está completamente elucidado. Suppõe-se que sob a fôrma de larvas são ingeridos de mistura com os ali- mentos, e mais particularmente com as bebidas, como sóe acontecer a grande numero de entozoarios. E pelos alimentos e pelas águas que os helminthos penetram a economia, onde têm a faculdade de se desenvolver e de se multiplicar. « II n'est pas impossible que 1'usage de Ia farine — 30 — avariée fasse arriver dans les intestins des ceufs ou des larves des ascarides ou des oxyures ( Niemeyer') . » No homem, diz este illustre pathologista, a trichi- nose resulta da carne de porco contendo trichinas. As águas estagnadas não só determinam o empobre- cimento do sangue, como levam de mistura os óvulos, as larvas dos anchylostomos. oc As larvas dos anchylostomos que vivem em águas impuras em certos paizes intertropicaes, onde se tem observado esta hypoemià especifica, são ingeridas por individuos de nossa espécie, mormente pelos que se dão a trabalhos agrícolas, menos escrupulosos na escolha da água com que procuram matar sua ardente sede; e introduzidas nos intestinos, ellas ficam, depois de passarem por uma metamorphose que as habilita a viver de sangue, isto é, adquirindo dentes com que podem ferir a mucosa intestinal, e procriam a espécie ( Dr. Wucherer ). x> O Dr. Langgaard observou uma familia inteira que foi exterminada pela hypoemià, devido ao uso das águas de um brejo que ficava próximo á habitação d'esses infelizes. A seguinte communicação, feita pelo Dr. Rodrigues de Moura ao Dr. Wucherer, serve para corroborar ainda mais, que as águas estagnadas são o vehiculo dos óvulos das larvas dos anchylostomos. « Eu não tenho deixado de mão o estudo curioso da hypoemià, antes tenho feito repetidas observações no logar onde — 31 — resido, e onde, sendo o clima temperado, as águas excellentes, a atmosphera pura e ricamente oxy- genada, e dadas, bem entendido, certas condições quanto ao regimen e quanto ás moradias, parece a priori que não devia apparecer ahi a oppilação. Pelo contrario, tenho observado muitos casos, alguns em familias da classe media, que nasceram e residiram sempre aqui, em geral bem alimentadas, bem vestidas e bem resguardadas das intempéries do tempo. « Uma causa, porem, sobre que tenho questionado, e cujas repostas tem sempre sido uniformes, é a circum- stancia, para mim mui importante, de fazerem uso os doentes, não de água de fonte, mas de águas de pouca correnteza, empoçadas, atravessando sempre brejos ou valles cobertos de vegetação aquática. « Creio bem que d'ahi depende toda a origem do mal, e que os óvulos dos anchylostomos, assim como outros entozoarios, sejam levados ao seio da economia por esse vehiculo insalubre. » * Autópsias — Verificação da presença do anchv lostomo duodenal —> Passemos a exami- nar as autópsias de indivíduos fallecidos de hypoemià intertropical, as quaes deixamos de publicar com os seus pormenores, pelo muito extenso que já vae este (*) Dr. Demetrio — These citada. trabalho; e façamos um resumo das modificações as mais importantes reveladas pelo exame cadaverico. Em medicina a observação e a experiência são auxi- liares poderosíssimos para chegarmos ao conhecimento de muitos factos, que a razão por si só nunca poderia dar-nos. l 58 59 66 1G 21 39 40 GO 10 21 46 CoR pardo pardo crioulo cabra pArdo pardo preto cabra branco pardo pardo cabra preto crioulo crioula pardo num ssao alfaiate operário roceiro campina cavoqueiro roceiro » campina. roceiro » servente roceiro NKSIJLTADO » )) melhora » » Morte » MAPPA DEMONSTRATIVO Dí CASOS DK HYPOEMIÀ INTERTROPICAL DURANTE O ANNO DE 1871. NO HOSPITAL DA AI! IDADE Sebastião Barbosa Nicolúo (africano). . Miguel José de Lino........... Joaquim de Oliveira.. .:....... José Maria dos Santos......... Jesuino.....................u Manoel Gonsalves Pereira...... Manoel Ramos............... Silverio José de SamVAnna..... José Manoel do Espirito Sancto Felix Estevão de Valloz....... Prudencio do Espirito Santo... José Joaquim de SanfAnna. . . . Firmino de. S. Felix........... José de Souza Vieira......... Francisco (africano)........... 8 0 16 24 18 19 20 ÜG 40 40 G4 70 branco preto pardo pardo pardo pardo I ranço pardo pardo pardo branco cabra caboclo pardo pardo preto » roceiro » carroceiro » marinheiro Morte padeiro >> caixeiro » roceiro )> í> » pescador >) roceiro » mendigo •o MAPPA DEMONSTRATIVO DOS: ('AKOS DK HYPOEMIÀ ÍNTEKTROTK AI. NO HoSI'1'J'AI. DA ('ARIDADK DURANTE O AN".\o DE 1872 N 0 M E S Manoel Lino Cardoso.......... Maximiniano Gervazio da Costa. Antônio Araújo Lima.......... Mario Joanna da Conceição.. . . Marcolino José Pereira......... Fábio (africano)............... 42 19 20 :'.'.'> 40 70 branco pardo pardo parda pardo preto operário roceiro costureira artista servente norte * MAPPA DEMONSTRATIVO DOS CASOS DE HYPOKMIA INTERTROPICAL NO DURANTE O ANNO DE 1873. HOSPrTAX DA CARIDADE N O M E S Fiel Ferreira................ João de Paiva Pontes......... Faustino Gomes............. Severiano Avelino dos Santos. Damião ( escravo )........... Agostinho ( escravo )......... Antônio Pires do Valle....... Joaquim José de Santa Arma.. João....................... Estevão da Silva............. Ignacio da Silva Daltro...... José ( africano )............ José Joaquim Li-:bôa......... EDADE 12 80 40 17 ii 80 80 80 8 11 28 50 G4 CoR pardo branco pardo pardo crioulo » pardo crioulo )> pardo branco preto I ranço PROFISSÃO roceiro sapateiro roceiro marinheiro roceiro servente negociante servente mascate RESULTADO » melhora » » D Morte MAPPA DEMONSTRATIVO nos (ASOS DK HYPoKJUA lNTKRTRo)'lcAI. NO HoSHTAI, DA .ARIDADH DURANTE O ANNO DK 1874 N O M E S Ignacio Romíio de Moura..... Antônio Vieira da Conceição. José Vicente............... Avelino Lucas Evangelista. . . José Virissimo Pereira....... Virgínia Maria da Conceição.. CatharLna.................. Beniardino de Senna . . . . . 40 25 d; 18 19 26 ■2* :i3 pardo pardo crioulo PROI-TSSAi HEH"l/l'AI'> 8 1 0 0 0 0 0 2 3 8 2 -í-1 Somma 59 1 16 i 18 2 SEGUNDA PARTE Tout mal a son rémèdc au soin de Ia nature, noiis n'avona i|u";'; chercher. Lafoxtaixe Eis-nos chegados á parte mais diíficil e a mais im- portante de todo o nosso trabalho, á aquella em que devemos responder á pergunta que nos dirige a Facul- dade, no ponto que escolhemos para assumpto de nossa these. Estudadas na primeira parte as principaes causas da hypoemià, demonstrada a sua natureza verminosa, oc- cupemo-nos das substancias capazes de combatel-a e indiquemos o melhor tratamento, ou ao menos o que na pratica tem dado melhores resultados. No tratamento da hypoemià intertropical ha duas grandes indicações a preencher; a primeira, que con- siste em ter o doente ao abrigo das causas que con- — 50 — correm para o desenvolvimento da moiestia, é a indi- cação prophylatica — ; a segunda, chamada therapeu- tira ou curativa, consiste em combater a moiestia. Tratamento prophylatieo — A prophylaxia da hypoemià consiste em remover todas as causas, que poderem sel-o, e em neutralizar ouattenuar as demais, com o duplo fim de prevenir a moiestia e de collocar o doente nas melhores condições para a cura. Para conseguirmol-o devemos ter os doentes nas me- lhores condições de hygiene ; recommendar-lhes uma alimentação animalisada, sufficiente e bôa, bem azota- da e facilmente assimilável; prohibir-lhes o uso de ve- getaes, de substancias feculentas, emfim de todas aquellas que ordinariamente são de diíficil digestão ; re- provar o uso de águas estagnadas, de brejos, de lagoas ou mesmo da chuva. Procurar activar ou despertar o appetite pelo uso mo- derado dos condinlentos excitantes, como das nossas pimentas ; auxiliar as forças digestivas pela applicação das bebidas tônicas e excitantes, café, vinho ou mesmo agua-ardente ; e igualmente attender para a habitação, aceio e vestes dos doentes. Prohibir a morada nos logares baixos e humidos, aconselhal-a nos logares altos e seccos onde a tempera- tura seja regular, o ar franco e a ventilação se faça li- vremente. Recommendarque os doentestragam o corpo agasalha- — 51 — do, ao abrigo da acçâo das mudanças rápidas da tempe- ratura, tão communs em nosso paiz ; que as vestes se- jão de lan ou de tecidos capazes de entreter uma certa temperatura e facilitar de alguma sorte a transpiração ; que o trabalho seja moderado, á sombra e não sob acção do sol, e que seja abandonado logo que se mani- feste fadiga. Taes são as condições hygienicas que devem ser observadas no tratamento da hypoemià, e que muito auxiliam a acção dos medicamentos administrados com o fim de combatel-a. Tratamento curativo — No tratamento cura- tivo devemos igualmente preencher duas indicações : destruir os anchylostomos e seus óvulos e combater a anemia consecutiva á existência d'esses vermes. Para eliminar os vermes empregaremos os purgati- vos, os drásticos e principalmente os vermifugos; para combater a anemia os tônicos e os reconstituintea. Pukgativos e drásticos — Diversas são as substan- cias purgativas e drásticas que têm sido empregadas contra os anchylostomos. Entre os purgativos citam-se o óleo de ricino, o calomelanos ordinariamente associado á santonina, e a mistura purgativa de Le-Roy. Os drásticos devem ser empregados com certo cui- dado, não se deve abusar do seu emprego : o uso exclusivo de taes preparações é reprovado e con- dem nado por todos os práticos que têm estudado esta — 52 — moléstia, por collocarem o organismo na impossibili- dade de reagir pelo enfraquecimento que determinam. Deve-se ter em muita consideração não só a quantidade do drástico a empregar, sinão o estado de forças do doente. O; drásticos são contra-indicados todas as vezes que houver diarrhéa. Entre os drásticos mais ordinariamente empregados temos a gomma-gutta, a escamonea, o rhuibarbo, o aloes, a jalapa, o elaterio inglez, etc. A mistura purgativa de Le-Roy é geralmente prefe- rida, porque, alem de sua propriedade particular, é ao mesmo tempo tônica e excitante das vias digestivas. O elaterio inglez é recommendado quando a moiestia está rfítritò adiantada, quando as infiltrações e os der- ramamentos são abundantes, porque produz evacuações aquosâs consideráveis, dando em resultado a diminui- ção d'es!sé's dérraiiíamentos que tanto incommodam os doentes. A seguinte formula do Dr. Torres Homem é preconisada pelos resultados èfficazes obtidos com o seu emprego : R. Extracto de elaterio....... 10 centigrammas Dito de rhuibarbo............ 70 centigrammas Para seis pílulas, para usar uma de três em três horas até manifestarem-se largas evacuações. Os diureticos, por debilitarem menos o organismo do que os drásticos, são em certas circumstancias pre- feridos a- estes. Os diureticos mais aconselhados são : a gramma unida á parietaria, a scilla, o acetato e o nitrato de potassa, etc. — 53 — Vermifugos— Entre as diversas substancias ver- mifugas empregadas no tratamento da hypoemià, as mais preconisadas são : a santonina, a therebentina, as cascas da raiz de romeira, o angelim, a herva de Santa Maria, o leite da ganielleira, o jaracotiá, o gravata, a coajinguva, etc. Gamelleira — Vegetal dicotyledoneo, a gamellei- ra ou figueira 1 tranca, ficus doliaria, de Martius, habita o Brazil, principalmente as provincias da Bahia, Rio de Janeiro, Minas Geraes e S. Paulo, e pertence á familia das Artocarpeas. De 12 metros de altura com 50 a 70 centímetros de diâmetro, de galhos muito extensos e de magnifica folhagem, a sua madeira é muito procurada para a con- fecção de gumellas donde lhe proveio o nome de gamel- leira. As folhas, que são alternas e têm peciolos um tanto compridos, são ovaes, lisas e lustrosas. De periantho simples ou nullo, oíferece a gamelleira flores unisexuaes, encerradas em um casulo obconico e % pequeno, e estames insertas em redor do ovario, o qual, primitivamente bilocular, torna-se mais tarde unilocu- lar pelo abortamento do septo. A haste, como a dos vegetaes dicotyledoneos, -consta de três partes distinctas : corücal, camadas lenhosas e medulla. A seiva, que circula principalmente entre as duas primeiras camadas e a espessura da terceira, mais tarde contendo em dissolução princípios mineraes e 8 — oi — substancias orgânicas, apresenta-se sob a forma de um sueco lactescente, vulgarmente conhecido pelo nome de leite de gamelleira, cujas propriedades medicinaes pas- samos a estudar. É no mez de Agosto que a gamelleira fornece leite com mais abundância. E mister para extrahil-o faze- rem-se incisões que penetrem até as camadas lenhosas; corre então muito lentamente um liquido branco. 0 leite logo depois de extrahido é branco, de consistência da nata, adherindo facilmente aos dedos, miscivel com a água, inodoro, de gosto adocicado semelhante ao da orchata, com um resaibo resinoso (Dr. Chernoviz). Designou-se pelo nome de — doliarina — o principio activo do leite da gamelleira. A doliarina é uma sub- stancia de côr branca, pulverulenta, amorpha, dotada de um cheiro particular, insipida, insoluvel n'agua, solúvel no ácido sulfurico, no ether, e no álcool absoluto fervendo. Goza de propriedades de um ácido resinoso fraco ; uma gotta de sua tinetura alcoólica produz em uma grande porção de água um aspecto lactescente. Acção do leite da gamelleira — O leite da gamel- leira além de sua acção purgativa e mesmo drástica, goza de propriedades anthelminticas muito enérgicas attribuida a seu principio activo — doliarina. Pode-se, como nos autorisa a experiência de práti- cos distinetos, consideral-o actualmente como o'verdadei- ro especifico da hypoemià, como o medicamento mais enérgico, o anthelmintico mais poderoso, capaz de eli- — 55 — minar e destruir esta prodigiosa geração de entozoarios, que, em cada gotta de sangue sugado da mucosa intes- tinal do hypoemico, rouba-lhe, si assim nos podemos exprimir, uma partícula de força e de vida. Martius no seu opusculo Systema materice medicce wgetabilis brasiliensis, classifica a gamelleira entre os anthelminticos, o que confirma a natureza vermiuosa da hypoemià. a: A sua acção therapeutica não cremos que seja so- mente purgativa ou drástica, porque nesse caso qual- quer medicamento d'essa classe poderia aproveitar: mas não; elle encerra na sua doliarina talvez o principio vermifugo a que é devido o meio eíficaz e vigoroso de extinguir a geração prodigiosa dos anchylostomos ( Dr. Demetrio ) ». * « Temos tirado bom resultado do emprego da the- rebentina, da assafetida, aloes e camphora combinados com o sulphato de ferro; vimos também os bons effeitos do sueco leitoso da gamelleira branca, sem a sua acção ser tão drástica como tínhamos sido levados a receiar ; chegamos a dar aos nossos doentes até cinco onças d'elle por dia misturado com partes iguaes de água, sem que produzisse uma irritação mui violenta da mucosa in- testinal (Dr. Wucherer). ** Os dois casos seguintes provam exuberantemente a improficuidade de qualquer outro medicamento, que e These citada. •• Gazeta Medica da Bahia. não seja o leite da gamelleira, na hypoemià, em certa phase de seu desenvolvimento : os tônicos, as prepara- ções ferruginosas as mais apreciadas e racionaes, os drásticos moderados, as melhores e mais proveitosas medicações variadas-ao infinito, as condições de melhor hygiene, nãó dão resultado algum, é tudo empregado sem a mínima vantagem ; a moiestia progride etrrsttt marcha, e em breve os doentes chegam a um estado verdadeiramente dêsanimador. N'estes casos é o leite da gamelleira o único agente capaz de, debellando a causa da moléstia, restituir ao doente as forças que. se perdem, a vida que' lhe foge, transformando muitas vezes, em alguns dias, um indi- víduo inerte, completamente infiltrado e incapaz de executar qualquer movimento, em um trabalhador for- te e robusto. « Um medico intelligente e pratico, diz o Dr. Ro- drigues de Moura, o Sr. Dr. Pires (de Magé) apre- sentou-me em 1864 um preto escravo de sua fazenda em S. José d'além-Parahyba que de longa data soffria do incommodo que se conhece vulgarmente pelo nome de oppilação. « Contra a rebeldia da moiestia embaldê esgotava o meu collega todos os recursos da therapeutica; os tô- nicos, as preparações ferruginosas as mais apreciadas e racionaes, os drásticos moderadamente e por facilita- rem as absorpções, todas as leis hygienicas recommen- dadas, tudo, emfim, se tinha empregado sem a mínima — 57 — vantagem, e o doente chegara a um estado tâo dcsani- mador, que o medico, em desespero de causa, lançou mão do sueco lactescente da gamelleira, remédio em- pírico, e que só tinha por si a confiança e o apreço do vulgo. Os resultados, comtudo, excederam a sua expe- ctativa, e quando observei o preto, cuja cura progredia a olhos vistos, tinha-lhe desaparecido o edema do rosto e dos membros, o cansaço diminuirá, e com o recobro da saúde iam-lhe voltando a actividade e a animação. cc Comtudo, continua o Dr. Rodrigues de Moura, a minha convicção tinha de ser abalada pela repetição de factos análogos ao do Sr. Dr. Pires, e, não me peja confessal-o, tive occasião de tratar de indivíduos aíTc- ctados de hypoemià, sem que tirasse vantagem dura- doura das applicações as mais recommendaveis, ao passo que pessoas extranhas á arte, apenas com o leite da gamelleira, insistiam e poderam restituir corados e fortes á lavoura, indivíduos que, pouco antes, eu vira quasi hydropicos, inactivos e n'um estado desesperador cc O que dizer com effeito do seguinte casq ? Um hypo- emico, completamente inutilisado pela moiestia, deixa o interior e busca os soecorros valiosos do hospital da Santa Casa : ahi sujeito ás melhores e mais proveitosas medicações, variadas ao infinito, e ás condições de me- lhor hygiene, não colhe resultado algum, e o pratico que medicava, desesperado, aconselha-lhe a mudança para fora da Corte, O infeliz deixa o hospital e vem para Suruhy, lugar pantanoso, insalubre, açoutado por — 58 — constantes epidemias de febres intermittentes, onde, su- jeito ao uso continuado e repetido do leite da figueira branca, alternado com as preparações de ferro, pôde converter-se, de um indivíduo inerte, infiltrado, e que mal podia levantar-se do leito em que jazia, em um trabalhador forte, robusto, rosado, e ainda hoje ( 4 annos depois ) a cura persiste, embora seja esse homem um pobre, e, por conseguinte, condemnado a passar por todas as misérias de uma alimentação má, e do peior agasalho. « Como quer que seja, conclue o Dr. Rodrigues de Moura, á vista do conceito que goza entre o vulgo o leite de gamelleira (fcus doliaria de Martius ), á vista dos resultados vantajosos do seu emprego em casos de oppilações, averiguadas por pessoas conscienciosas e professionaes, não será fora de propósito consideral-o como um medicamento especifico, cuja acção é eliminar e destruir os anchylostomos, effeitos idênticos aos que tem a santonina e o calomelanos para as acarides lom- bricoides, os oxiuros; a therebentiua e o kousso para o verme solitário. » * Tivemos este ánno occasião de verificar os brilhantes effeitos do sueco leitoso da gamelleira branca no trata- mento da hypoemià, empregado pela primeira vez n'esta Faculdade na clinica do Conselheiro Faria. A occasião não podia ser mais propicia, tratava-se de um caso de oppilação bem caracterisada. * Gazet. Med. da Bahia ■—Dezembro de 1866. — 59 — O leite, que foi facilitado por um de nossos collegas, o Sr. Furtado, dado ao doente, por uma só vez, na dose de 60 grammas, produzio eólicas e determinou de- jecções abundantes. Depois d'esta applicação prescreveu-se ao doente o uso dos tônicos e reconstituintes, e com este tratamento, auxiliado por uma alimentação restauradoura, sahio o doente completamente curado 80 dias depois de sua entrada para o Hospital. Em epochas mais remotas, foi o leite da gamelleira empregado com vantagem no tratamento da oppilação pelos Drs. França e Lino Coutinho. Todos os práticos que têm tido occasião de enipre- gal-o têm reconhecido a efficacia d'este agente no tra- tamento d'esta affecção. O Dr. Langgard afürma ter visto em muitos lugares e por diversas vezes curar oppilação em estado muito adiantado, só com o leite da gamelleira; e o Dr. Vicente Sobral, que por muitos annos exerceu a clinica em Cam- pos, exclusivamente em —fazendas —, observou que em uma d'ellas não se chamava medico para tratar a oppilação, e que todos os doentes restabeleciam-se com o leite da gamelleira ( Dr. Pinto Netto ). Os práticos que n'esta capital têm empregado o leite de gamelleira no tratamento da hypoemià attestam os bons resultados do seu emprego. Dissemos que o leite da gamelleira exercia a sua acção curativa na hypoemià, matando os anchylosto- — 60 — mos, e que era provável que no seu principio activo, a doliarina, existisse a propriedade de destruir essa in- finidade de vermes que o exame cadaverico tem reve- lado presos á mucosa intestinal do hypoemico. ínclinamo-nos a crer que não é isso só ; que ha al- guma coisa mais além d'essa propriedade parasiticida de que é dotado o leite de gamelleira ; que este sueco goza de alguma propriedade ainda pouco conhecida, tem uma acção ainda pouco estudada e observada, pro- priedade á que este leite deve esse poder de, mais que qualquer dos anthelminticos conhecidos, destruir prom- ptamente os anchylostomos e curar a hypoemià. E' de crer que, após a admnistração de um pouco de leite de gamelleira, os anchylostomos mortos sejam ex- pellidos da economia de mistura com as matérias fe- caes. Mas observações muito conscienciosas, feita com todo cuidado e attenção, ainda não poderam revelar apresença d'esses animalculos nas dejecções dos doentes. « Nas fezes de um hypoemico, que ha muito tempo tive occasião de examinar ao microscópio com todo o cuidado, não me foi possivel achar ovos do anchylos- tomum, nem tão pouco os vermes; estes últimos ainda nunca os achei nas fezes de doentes até mesmo depois do uso da gamelleira e em casos em que depois tive occasião de verificar sua existência pela autópsia ( Dr. Wucherer). » * * Gazela Medica da Bahia — vol. 3.° — 61 — No final d1 este trecho parecerá haver contradicção com o modo de explicar a acção do leite da gamelleira, mas reflectindo-se reconhece-se que tal não succede. Diz o Dr. Wucherer que, examinando as fezes de hypoemicosapós a administração do leite da gamelleira, nunca achou os anchylostomos, ao passo que a autó- psia revelava-lhe esses vermes presos á macosa do in- testino. Logo, nos poderão objectar, o leite de gamelleira nem mata esses animalculos, e ainda menos goza d'essa pro- priedade desorganisadora que lhe attribuimos, e da qual vamos nos occupar. E um engano: o facto mesmo de dar- se a morte exclue toda a duvida ; para que o leite de ga- melleira mate e destrua 'os anchylostomos, é mister que seja dado em doses elevadas e repetidas, e então a cura necessariamente terá lugar, isto é, estes vermes serão mortos e destruídos. Certamente nos casos em que este pratico observou os anchylostomos ainda de- pois do uso do leite da gamelleira, este foi admnistrado em dose tal que, apezar do seu emprego, os doentes vieram a morrer, isto é, os vermes continuaram vivos e a moléstia progredindo terminou fatalmente. É ainda o Dr. Wucherer que, no final de um trecho de uma carta escripta ao Dr. Rodrigues de Moura *, e publicada na Revista Medica do Rio de Janeiro em Outubro de 1873, assim se exprime : * É continuação de um trecho da mesma carta publicado em uma nota á pag. 28. — 62 — « Um collega escreveu-me que os encontrou ( reíere- se aos anchylostomos ) nas fezes de um doente; eu não fui tão feliz. » Mas o Dr. Wucherer também não nos diz si o seu collega submettêra este doente ao uso do leite da ga- melleira. Asdejecções do doenteda clinicado Conselheiro Faria, ao qual, como já dissemos, ministrou-se 60 grammas de leite de gamelleira, foram muito cuidadosamente examinadas pelo meu distincto collega e amigo José Joaquim Ribeiro dos Santos, sem que elle encontrasse um só anchylostomo. Estes factos de algum modo estabelecem que o leite da gamelleira tem a propriedade, o poder não só de matar os anchylostomos, senão de destruil-os, desorga- nisal-os, de modo a tornar impossível descobril-os entre os productos das dejeccões dos doentes. E uma verdadeira destruição, desorganisação que experimentam esses animalculos. E ninguém julgue esse modo de explicar o facfco, effeito de imaginação ou phantasia. O povo conhece perfeitamente a acção corrosiva que o sueco do gravata exerce sobre a lingua dos que d'elle usam, a qual apresenta verdadeiras fendas. Mais adiante quando descrevermos aac^ão djeste sueco, veremos que os doentes, aos quaes elle é ministrado, experimentam dejeccões abundantes e quasi sempre esfriadas de sangue. E igualmente o sueco do gravata um medicamento 03 heróico, qual o leite da gamelleira, para debeilar a hy- poemià. Ainda mais : o leite do jaracotiéi ( mamão do mato, mamão bravo), tão precouisado no tratamento da oppi- lação, gosa d'estas propriedades, tem essa mesina ac- ção corrosiva, que é tão conhecida no leite do mamãp ordinário ( carica papaya ) que pertence á mesma fa- mília que o jaracotiá, a que muito se assemelha no porte, na estructura e no modo de fructificação. Desjardins, citado por Littré e Robin *, assim descreve a acção do leite do mamão : « O leite fornecido pelos fructos do mamoeiro (carica papaya) Linnêo, ainda verdes, é um dos vermifugos mais enérgicos de toda a matéria medica: deve ser admnistrado, ^epois de cosido a banho-maria, na dos2 de uma ou duas colheres de chá, para os meninos de 10 annos, misturado com uma quantidade igual de óleo de ricino. Todas as asca- rides lombricoides ( ás vezes quinhentas ) são expelli- das mortas e muitas vezes divididas em pedaços, depois de uma só dose d'este medicamento. Se empregam-no, porem, sem submettel-o á decocção, produz accidentes mortaes pela perfuração do tubo intestinal, porque este leite desorganisa mui rapidamente os tecidos. » É de uso muito antigo na índia ajuntar-se uma pe- quena quantidade do sueco do mamão ás carnes quan- do são resistentes, coriaceas, cem o fim de modificar- ( * ) Dictionnaire de Medicine, chirurgie. etc. s — 64 — lhes a consistência, tornal-as mais agradáveis ao pala- dar e de mais fácil digestão. Os indígenas dos paizes em que o mamoeiro vegeta, conhecedores d'essas propriedades, utilisam-se 'd'este sueco misturado com água para tornar mais tenra, mais branda a carne, que elles deixam de immersão n'essa mistura. Não é só o leite directamente applicado á carne que exerce esta acção; as exhalações da arvore possuem a mesma virtude. Têm por costume os indígenas prender á parte su- perior da arvore, as carnes, e as caças cuja consistência querem modificar. Applicado á palma das mãos, este sueco torna-lhes macia a pelle, e se esta applicação dura algum tempo, determina dias depois a exfoliação da epiderme, que se despega enrugada e sêcca. Modernamente um medico inglez, o Dr. Roy, sub- metteo este sueco á uma serie de experiências, as quaes foram publicadas em Fevereiro do corrente anno em um interessante folhetim da União Medica. O author d'este folhetim antes de referir as experiências do Dr. Roy, lamenta que o mamoeiro cresça infelizmente só nos paizes tropicaes e não possa ser cultivado no clima da França. As experiências feitas pelo Dr. Roy foram as se- guintes : 10 grammas de carne fresca cortada em pe- daços são misturadas com um centímetro cúbico de uma solução composta de 3 grammas de água distilla- — 65 — da a que se ajunta 1 gramma de sueco concreto de mamão; submettída a mistura á ebulição durante 5 minutos, a carne torna-se semi-liquida. Comparativa- mente a mesma quantidade de carne, tratada por 10 grammas de água distillada, fica intacta. Humedecida a carne com uma pequena quantidade d'esta mesma solução, a superfície que está em contacto com a solução amollece e torna-se mucilaginosa ; este phenomeno se produz sem intermédio de calor. Tomem-se 4 copos: lancem-se no primeiro 10 gram- mas de carne (fresca), no segundo 10 grammas de clara de ovo, no terceiro 10 grammas de glúten e no quarto 10 grammas de araruta. Derramem-se em cada um dos copos 3 grammas de uma solução de leite de mamão em 8 grammas d'agua. Deixe-se em nmcera- ção : 24 horas depois a carne torna-se gelatinosa, a clara de ovo em polpa, o glúten amollecido dissolve-se em parte, mas a araruta não soffre a menor alteração. No fim de 2 dias a clara de ovo e o glúten, cuja solução aquosa é tão diíficil de ser obtida, acham-se comple- tamente dissolvidos. As mesmas substancias tratadas pela água somente, nas mesmas condições, não soffrem a minima alte- ração. O Dr. Roy, examinando ao microscópio a carne submettída á acção do leite do mamão, verificou uma separação completa das fibras musculares, verificou — Q6 ~ igualmente que os feixes estavam desaggregados e os faciculos últimos em via de separação. Estas experiências confirmaram as que anteriormente tinha feito o Dr. Holder, que igualmente teve occasião de observar a separação das fibras musculares pela acção do leite de mamão em contacto com a carne. Estas propriedades dissolventes ou digestivas do leite de mamão, são igualmente encontradas no sueco leito- so da gamelleira. Anciosos por verificar experimentalmente taes pro- priedades, procuramos obter o leite da gamelleira, que conseguimos com muita difficuldade e em pequena quantidade. A experiência a que submettemol-o revelou a exis- tência d'essas propriedades. A experiência que fizemos foi uma só, é verdade, mas os seus resultados foram perfeitamente idênticos aos obtidos com o leite de mamão pelos Drs. Holder e Roy. Em um pedaço de carne fresca lançamos em diver- sos pontos gottas do leite da gamelleira puro, isto é, não misturado com água, e observamos uma hora de- pois que os feixes musculares primitivos se desenhavam bem visíveis a olho nú. Depois, auxiliados por uma lente forte, verificamos que estes realmente estavam separados, desaggregados. Notamos mais que a carne deixava-se facilmente esmagar n'estes pontos, entre — 67 — os dentes de uma pinça e ia pouco a pouco tomando a consistência e o aspecto de mucilagem. O leite de gamelleira exerce sua acção sobre o tecido conjunctivo ; o perymisium e o sarcolemma são ataca- dos, sob a acção enérgica do leite da gamelleira vão lentamente dissolvendo-se n'este sueco, dão a carne o aspecto de mucilagem e deixam separados, desaggrega- dos os feixes musculares. O leite da gamelleira tem pois uma acção análoga á da coeção sobre o tecido conjunctivo. Deixemos por momentos o leite da gamelleira e estu- demos a natureza dos tecidos que constituem o pequeno organismo animal scientificamente denominado — an- chylostomum duodenale. Ao passo que se estudam os tecidos nos diversos se- res da escala animal, vê-se que elles vão se reduzindo, simplificando-se e desapparecem alguns quando des- cemos de uma organisação superior para uma inferior. E muitos d'estes tecidos, quaes o nervoso, o muscular, tecidos aristocráticos na phrase de um histologista, não existem em certos animaes ou são encontrados em es- tado muito rudimentar. O microscópio demonstra realmente que o corpo do anchylostomo é provido de um tegumento distineto constituído por tecido conjunctivo, com fibras perfeita- mente iguaes e parallelas, dispostas por camadas, cru- zadas regularmente. Por baixo deste tegumento existe um plano de fibras — P>8 — musculares. D'essas fibras as mais apparentes estão dispostas longitudinalmente, abrangendo todo o com- primento do animal, pertencem todas á cathegoria dos músculos lisos, não esfriados, vegetativos, cujos ele- mentos são as fibras-cellulas contracteis. Nada se conhece ainda sobre apparelhos de innerva- ção, circulação e respiração *. O anchylostomo é cons- tituído por tecido conjunctivo, que apresenta-se no te- gumento do animal, transparente e de aspecto corneo. Esse tecido conjunctivo, assim modificado, é o que os histologistas denominam tecido chitinisado; mas, apezar dessa modificação, compõe-se dos mesmos elementos e continua a ser tecido conjunctivo. A natureza pois dos tecidos que constituem o anchy- lostomo explica perfeitamente de accôrdo com a expe- riência a acção do leite da gamelleira sobre estes ani- malculos. Como porem este leite, que é capaz de desorganisar o anchylostomo, não desorgánisa por sua vez as tuni- nas do intestino ? O leite da gamelleira pode ser dado em dose capaz de destruir os anchylostomos sem exercer .a sua acção sobre as túnicas que compõem o intestino, acção que até certo ponto se exerce, que é bem manifesta quando a dose é elevada e que foi muito bem estudada por Desjardins no leite do mamão. Cremos que este modo de explicar a acção tão efficaz *} Dr. Pinto Netto—These citada. — 69 — do leite dagamelleira na cura daoppilação, deduz-se lo- gicamente do estudo experimental de suas propriedades e da natureza dos tecidos que constituem o anchylos- tomo, e estamos profundamente convencidos de que o leite do mamão, em que essa propriedade corrosiva goz a de mais energia, é, como o leite da gamelleira, um agente igualmente poderoso, um medicamento igual- mente heróico para combater a hypoemià intertropical. Modos de administração e doses—O leite de gamelleir* é dado ordinariamente na dose de 30 o 150 grammaí» ( 1 a 5 onças), misturado com partes iguaes d'agua Em caso de oppilação leve costumam dar 10 colheres das de sopa, do leite recentemente colhido, misturado* com 20 colheres d^gua. Esta dose não produzindo ef- feito purgativ», repete-se até se conseguir resultado sa- tisfactorio. Sendu a enfermidade rebelde augmenta-se a dose. O Dr. Wucherer chegou a dal-o aos seus doentes na dose de 5 onças (150 grammas ) por dia misturado com partes iguaes d'agua, sem produzir uma irritação mui violenta da mucosa intestinal. Algumas pessoas praticas costumam dal-o na dose de 2 onças ( 60 grammas ) ou mais, misturado com água, de 3 em 3 dias, depois de terem-no exposto ao sereno por duas ou três noites, de modo que o leite perde a maior força de suas propriedades acres. Tem-se obser- yado que empregado por este modo e na dose acima marcada, as vantagens do medicamento são conhecidas e incontestáveis, ainda mesmo quando a moiestia tem o sóil) aos meios thei-aj euticos mais geralmente acon- selhados. O Dr. Rodrigues de Moura considera mais racional e mais profícuo empregal-o depois de serenado, não misturado coinagua, mas com leite de vaçca, que, na opinião d'e$te diátincto pratico, tem a vantagem de ser nutritivo e de attenuar a acção deprimente do sueco da gamelleira, coadjuvando-o em seus effeitos vermifugos. Aconselha este illustre pratico que o leite da gameilei- m deve eer dado alternado com as preparações ferrugi- nosas, porque ao passo que vamos subtrahindo o doen- te á causa debilitante da moiestia, vamos ao mesmo tempo reconstituindo o sangue tão profundamente alte- rado, como se acha n'este estado mórbido. Na falta do leite de gamelleira tem o Dr. Rodrigues de Moura colhido brilhantes resultados do emprego do seu principio activo, a doliarina, associada ao ferro, O Phtirmaceutico Theodoro Peckolt (de Cantagallo), á cuja habilidade e perioia deve-se não só a analy.se ehimica de leite da gamelleira, senão o descobrimento de seu principio activo, em uma preparação- offieinal de sua composição, offerecernos a doliarina unida ao ferro. Esta preparação, conhecida pelo nome de —pés de dolia- rina e ferro—, dá-se na dose de 1 colher de chá S.yezes ao dia para um adulto. % _. 71 — Jara.«Otiá (eariea dodeeaphjlla, Velloso ) — E um • vegetal natural do Brazil pertencente á família das Papayaceas. Nas províncias de Pernambuco, Alagoas, Bahia, Rio de Janeiro, Minas,, e São Paulo ó conhecido pelo nome àejaracotid,jaeotid, mamão do ?nato} mamão bravo, etc. O jaracotiá é alto, apresenta o tronco cheio de espi- nhos, recto, ramificado superiormente, e estende na horizontal os ramos, cuja folhagem é miúda e lactifera. Tem a apparencia do mamoeiro ; a sua fructificação é semelhante a d'este vegetal, isto é, tem os fructos pen- dentes e agrupados no cirno da arvore. Seu fructo tem a mesma fôrma que o mamão, com a differença apenas de ser menor e mais esguio. Interiormente apresenta a mesma estructura e uma nu.ssa semelhante a do mamão, % qual é comestível, mui soborosa, e, segundo a opinião de algumas pessoas, melhor que a d'este fructo. De incisões feitas no fructo ou no tronco corre um sueco de aspecto leitoso, concreto, que pode ser con- servado sob a forma de pílula. Este sueco ou leite, que goza de propriedades vermi- fugas, é preconisado como um medicamento heróico no tratamento da oppilação. Dá-se pela manhã eêdo, em jejum sob a forma de pilula, de 4 a 6 aos adultos e 3 aos meninos, e immediatamente depois uma chicara de chá da índia. Três dias depois repete-se a mesma dos« até se conseguir resultado ( A. Pinho ). * * Diccionario de Botânica Bmileira, \ O Dr. Chernoviss manda dar o leite dojaraeotirí na i dose de 1 colher das de sopa 2 vezes ao dia. O Dr. Rodrigues de Moura, n'um trecho de uma car- ta dirigida ao Dr. Wucherer, assim se exprime a res- peito do emprego do leite àojaraeotiá: € Um medico e muitas pessoas alheias á profissão me tem referido que em São Paulo de Mnriahé, lugar situado no extenso valle do rio Parahyba, e onde a hy- poemià é flagello dos moradores, o remédio maispre- eonisado, e cujas vantagens são incontestooei*. é o leite de uma papayacéa, chamada vulgarmente jaracotiá ou jaeotiéi, e que corresponde ao carica dodecaphylla (Vel- loso). O sumo é extraindo do tronco ou dos fruetos, e é reconhecido pelo povo como excellente vermifugo; eu conheço a planta e hei de experimental-a. « O Capitão de engenheiros Alfredo Escragnolle, bo- tânico distíncto e que fez parte da desgraçada expedição do Matto Grosso, me referio que n'esta província tam- bém lançam mão com grande proveito do leite áejara- eotiéi para os mesmos casos de oppilação, e, cousa que me surprehendeu e muito me satisfez, o mesmo capi- tão accrescentou: — « E agora tem isso sua explicação, porque esse leite é anthelmentico, e a hypoemià é hoje segundo reputam, devida a um entozoario — o anehy- leêtomo dtwdeimf. *> Gravata (Bromelia silvestrís) — É uma 'planta monoeotyledonia, originaria d'America, e eresce nos lu- gares elevados e arenosos. Os seus usos mediei nao são pouco conhecidos, mas pode-se assegurar que o »eu sueco por espressão em dose de 2 oitavas ( 8 gram- mas) em meia chavena de decocção amarga, é um anthel- mintieo quando dado em jejum ás crianças e proporcio- nalmente em dose maior aos adultos. Também se faz grande uso em decocção dada ás pessoas que padecem de obstrucção, e particularmente aos qne padecem de cansaço ou hydroemia de envolta com qualquer pre- paração ferruginosa'. Pode-se mediante a fermentação preparar com o sueco d'este fructo um espirito assaz agradável (Dr. M. M. Rebouças). 0 Dr. Gaiozo de Sá Barretto assim se exprime- quando recommenda o sueco do gravata no tratamento da hypoemià : «É um poderoso meio para o curativo da oppilação em qualquer período. Tem-se uso de empregal-o na quantidade de um copo, ou de cinco onças (150 gram- mas ); uma hora depois de sua ingestão dá-se ao doente uma porção de mingáo, composto de farinha de man- dioca e água quente, talvez com o intuito de modificar a acção excitante do medicamento. c Manda-se o doente fazer exercício para auxiliar a transpiração promovida pela acção therapeutica da substancia empregada. Repete-se esta applicação de dons em dous dias, e as mesmas horas por quatro vezes. Mas se o doente não se restabelece com estas doses, ellas serão renovadas, guardaudo-se sempre o mesmo intervallo. até obter-se uma completa cura. t __ 74 _ i € Á acção corrosiva d"esta espécie de bromelia muira vez produz uma forte irritação na mucosa,, que forra o tubo gastro-intestinal; porem isto. não deve assustar o observador, por isso que os factos demonstram s»r antes vantajosa,; do que nociva, esta irritação. yí O oppilado submettido á acção do gravata experi- menta dejeccões alvinas excessivas, quasi sempre esfriadas de sangue ; diureses abundantes, e transpi- ração copiosa. Mesmo n'aquelles, em que se manifesta a anasarca, o gravata aproveita ; n'este caso, veem-se os tecidos emmurchecer, o indivíduo desinchar dentro de 24 horas pouco mais ou menos, e ser conduzido á passos rápidos para uma cura radical. » * O Dr. Chernoviz, no seu Formulário descreve uma arvore, cujo sueco leitoso dado em jejum na dose de 2 a 15 grammas ( meia oitava a meia onça ) em café ou misturado com leite de cabra ou vacca, ou ainda em água assucarada por 8 a 10 dias consecutivos, é muito efficaz contra a hypoemià. Os seus effeitos são t reaes e maravilhosos. » Éa coajinguva (feus anthelmintica, Martius), arvore colossal, pertencente á família das Artocarpeas, congênere da gamelleira e natural do Brazil, onde habita principalmente o Amazonas, Pará, Pernambuco, Bahia, etc. Alguns práticos ainda recommendam, como applica^ veis ao tratamento da oppilação, a abutua ou parreira brava (cirsampelos parreira), o fedegoso (cássia aeei- * These de Doutoramento ( 1S49 ). —«■ '<«.) — dmtalis), o marinheiro ( trickilia glaba ), o café (cofféa arábica), a quina, etc,, que gozam de propriedades tô- nicas e diureticas. Tônicos e reconstituintes — Desembaraçado o tubo intestinal .dos anchylostomos e de seus óvulos pelo emprego dos drásticos e dos vermifugos, mais apto para absorpção, devemos combater a anemia conse- cutiva a presença d'esses vermes, com a administração dos tônicos e dos reconstituintes. É o ferro, são suas differentes preparações, são os amargos, que devem constituir a medicação por excellencia de que lançare- mos mão, e que, auxiliada por uma alimentação repnra- dora restituem o organismo»ás ,s.uas .condições primitivas. Todos os preparados de ferro gozam de propriedades reconstituintes, isto é : são .capazes de combater a :r - crasia do sangue. Deve, porem, haver certa pre- caução em preferir este ou aquelle, segundo seu maior ou menor gráo de solubilidade e segundo a susceptibi- lidade do estômago. Ha práticos que empregam indistinctamente qualquer preparado ferruginoso. Alguns, porem, recommendam que se prescrevam em primeiro lugar as preparações in- soluveis, a limalha de ferro, por exemplo, ou qualquer preparação pouco solúvel, e que se vá augraentando pro- gressivamente a dose até que o doente chegue a tomar 1 ou 2 grammas por dia : depois passam as solúveis f — 76 — preferem as que não produzem constipação. (Trousseau e Pidoux.) Outros práticos, ao contrario, principiam pelas pre- parações solúveis mais brandas, passam depois ás mai« enérgicas e afinal ás insoluveis. Niemeyer, Jaccoud e Gloner não acreditam que a cfticacia d'este medicamento dependa dresta ou d'aquel- la fôrma, sob a qual é administrado, nem attribuem a esta ou aquella preparação ferruginosa superioridade al- guma, quando administradas para reconstituir o sangue. Rabuteau, ao contrario d'estes illustres práticos, de- pois da muitas experiências, concluiu que o proto-chlo- rureto de ferro é, de todas as combinações marciaes. a mais solúvel ; que o ferro reduzido, os ácidos e os car- bonates d'este metal se transformam em proto-chloru- reto, no estômago em contacto com o ácido chlorhydrico e que sob esta forma são absorvidas e penetram na tor- rente circulatória. « Ainsi s'explique 1'emploi rationnel du protochlorure de fer, dont rabsorption est si facile, et dont les effets sont plus rapides que ceux qu'il est possible d'obtenir à 1'aide de toute autre médication ferrugiueuse ( Rabuteau ). » * Considera este distíncto pratico mais racional admi- nistrar-se este composto de preferencia a qualquer outra prepararão ferruginosa. # Entre os preparados de ferro, mais recommendado* ao tratamento da hypoemià, citam-se a limalha de ferro. *" tèlémenU d* Therapoutique (1*75}. o laetato, o citrato, o malato, o carbonato, o sulphato, o phosphato, o iodureto, o perchlorureto, o proto-chlo- rureto de ferro e o tartrato-ferrico-potassico. Na administração do ferro e de seus preparados, no traLamento ua hypoemià, tomaremos em muita consi- deração o maior ou menor gráo de susceptibilidade do estômago, o es fado de adiantamento da moiestia e a presença de certos symptomas que requerem de prefe- rencia esta ou aquella preparação. Assim, quando houver da parte do tubo gastroin- testinal um tal ou qual estado de irritação, emprega- remos com mais proveito as preparações mais brandas, leais solúveis, taes como o laetato, o citrato, o carbo- ita!o, o pr.ito-chlorureto, e o tartrato-ferrico-potassico, priiieipalmeme se houver constipação. guando porem a constipação for rebelde, associaremos aos preparados femiginosos, os purgativos, como a ma- guesia,.o aloes, o rhuibarbo, a jalapa, a escamonéa, etc. Quando porem em lugar de constipação houver diar- rhéa, derramamento nas cavidades, edemas, infiltrações. associaremos o ferro ao ópio, ou então, o que é mais pro- veitoso e racional, prescreveremos os preparados femi- ginosos que gozam de propriedades adstringentes, como o suíphnto e o perchlorureto. » Xa hypoemià complicada de elemento paludoso, o que soe muitas vezes sueceder, julgamos de algum proveito a administração das preparações de quina, de arsênico conjunctamente com o ferro como faz o Dr. Humphrev Peake, na seguinte formula, publicade na Gazeta Me- dica da Bahia, e por elle empregada com muito proveito no decurso de 10 annos, no tratamento das anemias e cachexias palustres: Sulphato de quinimt.......... 4- gramam:? Ferro reduzido.............. 6 » Strvchinina.......... ) , .,.. ,. | ana Io centigrammas Ácido arsenioso....... ) Conserva de rosas ou mucilagem arábica q. s. F. S.- A. 72 pílulas. Entre nós, o Dr. Domingos Carlos dá preferencia á.li- maiha de ferro, e a prescreve pela seguinte formula, de cujo emprego tem sempre tirado os mais brilhantes re- sultados : Limalha de ferro.......... 1 decigramma Rhuibarbo em pó......... 15 centigrammas Canella empo........... 20 » F. S. A. 1 papel e como este mais 19. Para tomar um papel pela manhau e outro a tarde, seguindo-se-lhe uma chicara de infusão de canella. Esta formula deve ser repetida até o completo res- tabelecimento do doente. Alguns práticos costumam administrar com o ferro preparações vermifugas : assim 0 Dr. Texeira da Rocha associa na seguinte formula por elle usada, a santonina ao sub-carbonato de ferro : — 79 — Sub-earbonato de ferro . Extracto de quina Santonina........5 » Para 1 pilula. O doente tomará 3 por dia O Dr. Rodrigues de Moura tem empregado com muita vantagem o ferro associado á doliarina, — ; recommen- da, porem, que a dose de ferro não exceda a 6 grãos (30 centigrammas) por dia, porque em maior quanti- dade, alem de não ser proveitoso, pode tornar-se nocivo. Entre as preparações officinaes são precouisadas as pílulas de Blancard, de Blaud, Vallet, o xarope iodure- f.o de ferro de Dupasquier, e ultimamente são muito recommendados o elixir e os confeitos de proto-chloru- reto de ferro do Dr. Rabuteau. Para tornar mais enérgicas, mais activas as virtudes curativas do ferro associaremol-o ás preparações man- ganesicas e arsenicaes. A experiência tem sanccíonado as vantagens d'esta associação no tratamento das ca- chexias rebeldes e das anemias ligadas a um vicio pro- fundo de todo organismo: « Uni o ferro aos preparados arsenicaes, e muitas vezes assistireis > com prazer a ver- dadeiras resurreições ( Conselheiro Faria ). » * Para despertar o appetite, activar a digestão e facili- tar a assimilação dos princípios nutritivos lançaremos mão dos amargos,. como a quina, a quassia, a simaru- ba, agenciana, o lupulo, a canella, o absinthio, a herva- * Apontamentos para o estudo de clinica medica. aná 10 centigrammas — 80 — cidreira, a hortelan, etc. D'estes a quina é o geral- mente empregado e o que dá melhores resultados. Recommendaremos igualmente o uso dos excitantes como o café, os vinhos generosos, o vinho degenciana, a liesperidina, etc. O uso das aguad mineraes, dos banhos frios, o exer- cício moderado, recommendaclos por alguns práticos. são auxiliares poderosos da medicação tônica e recons- tituinte. Terminando o nosso trabalho, estamos convencidos de que o melhor tratamento a empregar-se na hypoe- mià intertropical, o que é aconselhado pela maioria dos práticos, o que tem dado melhores resultados, consiste em administrar-se aos individiios affectados d'esta mo- léstia, primeiramente uma substancia capaz de destruir e eliminar os anchylostomos, causa determinante da mo- léstia, e em seguida combater, pelo emprego dos tôni- cos e reconstituintes, a anemia consecutiva á existên- cia d'esses vermes. PROPOSIÇÕES S E C Ç À O M E D 1 C A ('CLINICA ) Estado clinico da acção do óleo dr fi'gado de bacalhau na tuberculose pulmonar I Moléstia diathesica, a tuberculose pulmonar é cons- tituída por uma perversão da nutrição, que permitte o deposito no pulmão de productos aplasticos, e que dá cm resultado uma verdadeira degradação do organismo com destruição consecutiva dos tecidos. II A principal indicação na therapeutica da tuberculose pulmonar consiste, em oppor-se um paradeiro ao vicio de nutrição, que constitue a verdadeira causa desta mo- léstia. III Entre os numerosos agentes medicamentosos acon- selhados no tratamento da tuberculose pulmonar, um dos mais preconisados é o óleo de fígado de ba- ealháo. 11 __ $-2 — IV Classificado modernamente pelo Dr. Rabuteau entre us agentes reparadores ou analepticos. o óleo de fígado de bacalháo actuando poderosamente sobre a assimila- ção, modifica a nutrição ; modificação nutritiva que se traduz por um augmento de appetite, de gordura e de globlulos sangüíneos. V Admnistrado em dose therapentica, o óleo unido aos ' tônicos e á uma alimentação reparadora, é muito útil ás pessoas cuja nutrição se acha profundamente altera- da, como na escrophula, rachitismo, tuberculose pulmo- nar, etc. VI Não se sabe a que principio este óleo deve suas propriedades medicinaes ; uns attribuem-nas aof? princí- pios mineraes, principalmente ao iodo, outros ás subs- tancias gordurosas : a pratica tem demonstrado que não é exclusivamente esta ou aquella substancia, mas o óleo com todos os seus princípios que cura. VII Os partidários da primeira opinião costumam ajuntar ao óleo, para tornal-o mais activo, iodo, bromo, phos- < ■ " ■ phoro e ferro : estas addições, na opinião do Sr. An- douard, talvez perturbem o equilíbrio dos priucipios úteis d'este precioso agente medicamentoso. — s,> -- VIII (guando administrado em doses elevadas e por muito tempo, o óleo de fígado de bacalháo tem os inconve- nientes de ser eliminado em natureza, produzindo eru- pções cutâneas e effeitos purgativos, e de formar depó- sitos de moléculas gordurosas nos órgãos parenchy- matosos. IX K necessário, para que o emprego do óleo de fígado de bacalháo dê resultados vantajosos, ter em conside- ração não só a fôrma e a marcha da jtuberçulose pulmo- nar, senão a presença de certos symptomas que contra- indicam a sua applicação. X O óleo de fígado de bacalháo, empregado com vanta- gem na tuberculose torpida, de marcha chronica em indivíduos lymphaticos e escrofulosos, é, muitas vezes, improficuo, e até nocivo, na tuberculose activa e inflam- matoria, em indivíduos robustos e plethoricos. XI Unido aos alcoólicos, aos amargos ou ainda á stry- chinina na dose de uma niilligramma, o óleo de fígado de bacalháo é mais facilmente tolerado pelas pessoas nas quaes o seu emprego provoca náuseas e vômitos, XII O óleo de fígado de bacalháo não tem acção alguma — 84 — sobre os tuberculos pulmonares ; obra na tuberculose diminuindo o trabalho de desassimilação e de consum- pcão do organismo e restituindo á nutrição sua activi- dade physiologica. SEOÇÀO CIRÚRGICA (obstetrícia) Hemorrhaqia uterina durante o delivramento e suas indicações I Entre os diversos accidentes que podem complicar o delivramento destaca-se um que por sua importância e gravidade deve merecer a attenção dos práticos — é a hemorrhagia uterina. II Denomina-se hemorrhagia uterina durante o delivra- mento, o corrimento sangüíneo abundante que do utero se despede por occasião da expulsão dos annexos do feto. III As causas da hemorrhagia uterina podem ser dividi- das em causas predisponentes, determinantes ou occa- sionaes, e especiaes. — 85 — IV Em geral pode-se dizer que a influencia das causas determinantes é de pouco valor se de antemão não exis- te predisposição da parte tio organismo. V O descollamento da placcnta é a causa evidente Ia hemorrhagia; sua inserção viciosa, segundo Churclu!. é uma das causas mais freqüentes em produzil-a. VI A inércia do utero depois da expulsão do feto é sem- pre a causa essencial das maiores hemorrhagias que têm lugar por occasião do dehvrament". Vil Os symptomas da hemorrhagia uterina podem ser divididos em geraes e locaes ; a hemorrhagia em inter- na e externa. VIII O prognostico é quasi sempre grave, e tanto mais grave quanto mais abundante é o derramamento sangüí- neo, quanto mais completa é a inércia do utero e mais adiantado é o descollamento daplacenta. IX Em igualdade de condições a hemorrhagia interna é f ■- S(\ — sempre um accidente mais grave que a externa, e de diagnostico mais difticil. X 0 tratamento pode ser preventivo ou curativo : este ultimo consiste principalmente ern dispertar ou reani- mar as contracções uterinas. XI A condição essencial para se poder sustar definitiva ou positivamente a hemorrhagia é desembaraçar rapi- damente o utero de tudo quanto contem. XII Os meios empregados para combater a hemorrhagia são a cravagem do centeio, a excitação directa do collo uterino, o opio, a rolha, a compressão do globo uterino, as injecções uterinas, a bexiga insuflada, a compressão da aorta e a transfusão do sangue. — 87 — SECÇÃO ACCESSORTA (PHARMACIA) Que fónna pharmaceiitica poderia dar-se ao óleo de fgado de bacalháo que tornasse, mais agrada- rei sua administração sem comprometer suas propriedades ? I Este óleo é extrahido do fígado do bacalháo (gadus morrkua, Línnêo) e de muitos outros peixes do gênero — gadus. II Segundo o modo por que é preparado, o óleo de fíga- do de bacalháo, apresenta três variedades distinctas .- o óleo de côr branca, o de côr amarella e o de côr escura. III 0 óleo de côr branca, principalmente o que é desco- rado por princípios chimicos, tem perdido o cheiro des- agradável, é porem o menos efficaz ; o de côr escura, de sabor mais repulsivo, é o mais activo ; o de côr ama- rella, geralmente preferido, tem propriedades organole- pticas e therapeuticas intermediárias. IV O óleo de fígado de bacalháo é uma substancia com- '_ 88 •■— plexa ; alem da margarina e da oleina que fazem parte de todos os corpos gordurosos, contem mais, em pequena quantidade, chloro, bromo, 'iodo, phosphoro, enxofra e ferro. V É geralmente admittido que estes corpos existem em estado de combinações ; assim o phosphoro se acha em estado de phosphato de cal, o enxofre em estado de sulphato e os outros metalloides em estado 7o chlorure- tos, bromuretos e ioduretos. VI O óleo de fígado de bacalháo é muitas vezes falsifi- cado com óleo de peixe ou mesmo com- óleos vegetaes : essas fraudes são difíiceis de ser reconhecidas. VII A apreciação de seus caracteres organolepticos, a ve- rificação de seu peso especifico e as reaccões obtidas pelos ácidos sulfurico ( concentrado ) e azotico, e por uma corrente de chloro, são os meios geralmente acon- selhados. VIII Diversas tentativas tem sido feitas, diversos meios tem sido recommendados para de algum modo dissi- mular o cheiro repulsivo e o sabor desagradável do olec de fígado de bacalháo, únicos inconvenientes que difi- cultam sua applicação. - 80 — IX Alguns pharmacologistas addicionam ao óleo diversas substancias taes como: o hydrolato de louro-cereja (Jeen- nel), as essências de eucalyptus (Duquesnel ),v de amêndoas amargas, de limão, e de hortelan pimenta; o hydrato d» chloral (Bouchardat), o ether, o álcool, o café e quasi todas as substancias aromaticas. X Outros procurando dar ao óleo uma fôrma pharma- ceuticaxpie facilite a sua administração, recommendam- uo em geléa, pílulas, xarope, ou em pão ( Boiichut ) : essas preparações alem de custarem muito caro, tem o inconveniente de fazer o doente ingerir muito pequena quantidade de óleo a par de muitas substancias inertes. XI às cápsulas de gelatina, nas quaes o óleo pode ser encerrado, são regeitadas por muitos práticos por terem o inconveniente de difficultarem a digestão do óleo, e por conseqüência a sua absorpção, fazendo-o passar muitas vezes intacto até os intestinos onde difficilmente é absorvido. XII E preferível applicar o óleo puro no momento da co- mida ; para facilitar a sua ingestão aconselhamos a colher-Caron, que por uma disposição especial permitte - 90 — derramar o óleo profundamente na bocca sem que se experimente gosto nem se perceba cheiro. XIII A euiulsão do óleo com um alcoólico, v. g., o vinho do Porto é a mais racional das formas de applicaçs o e a única capaz de tornar mais agradável sua administra- ção sem comprometter suas propriedades. HYPOCRATIS APHORISMI i Vita brevis, ars longa, occasio proeceps, juditium fellax, experientia difíicilis. (Set. 1.» Aph. I.) II Ad extremos morbos, extrema remedia, exquesité optima. (Sect. l.ftApb. VI.) III Spontania lassitudines morbos denuntiant. (Scct. 2.' Aph. V.) IV Duobus doloribus simul abortis, non in eodem loco, vehementior, obscurat alterum. (Sect. 2.* Aph. XLVT ) V Ubi fames non oportet labore. (Sect. 7.» Aph. XXII.) VI Labra livida, aut etiam resolula, et inversa, et frigida, mortífera. (Sect. 8.» Aph. XIII.) JiemctHd.a ti Commissão reúsora. Bahia e Faculdade de Medicina. 30 de Agosto de 1875. Dr. Gaspiar. Esta these estéi conforme os estatutos. Bahia, c Facul- dade de Medicina, 3 de Setembro de 1875. Dr. Almeida Couto. Dr. Braga. Dr. Alves de Mello. Imprima-se. Bahia e Faculdade de Medicina, 28 de Setembro de 1875. Dr. Faria. Bahia — Imprensa Econômica — 18'. õ *■ * 4 ^_ ae?s &*^-$^ d1 T**