^èK>. *$■*:- / sz 1 ,/-rSr^ ^ ^zs. X?^,^ ^ . *,/"/'. ^V. ^// * <^^— '/*/& ~ THESE APRESENTADA PARA SER SUSTENTADA EM NOVEMBRO DE 4868, PERANTE A FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA, POR Joaquim íttauoel Hoòrigues Cima, NATURAL D'ESTA PROVÍNCIA, E filho legitimo de Joaquim Manoel Rodrigues Lima e D. Ritta Sophia Gomes l.inu. PARA OBTER O GRÁO DE DOUTOR EM MEDICINA. ■ L'ópinion publique n'a pour personne aulant d'inipoi«- tance que pour le médecin. 11 esl 1'homme.du.peuple dans le sens propre du mot, et Ia voix du peuple decide d* sou sort. » . ..... ... . (Hufeland.) BAHIA TYlViGIUIMlt.'. DE CAMILLO DE LELLIS MASSOK & C., » Rua de Santa Darbara n. 2. 1868 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA. DIRECIOB 0 Ex.m0 Sr. Conselheiro DrJoíio Bapiisla ANNO. fons. Manoel Ladisláu Aranha Dantas.....Pathologia externa. ................ Pathologia interna. _ . I Partos, moléstias de mulheres pejadas, c de Malhias Moreira Sampaio.........j meninos recém-nascidos. 5.» ANNO. ,............Continuação de Pathologia interna. . , _, .. 1 Anatomia topographica, medicina operalo- José Antônio de Freitas..........j ria, c apparelhos. Joaquim Antônio de Oliveira Botelho......Matéria medica, e therapeutica. 6.o ANNO. Domingos Rodrigues Seixas.........Hygiene, e historia de medicina. Salustiano Ferreira Souto.........Medicina legal. ............. . . . Pharmacia. ...... ..........Clinica externa do 3.o e 4,o anno. Antônio Januário de Faria . .......... Clinica interna do 5.o e 6.° anno. OPPOSITORES. José Affonso Paraíso de Moura........I Augusto Gonçalves Martins.........( Domingos Carlos da Silva.........> Secção Cirúrgica. Ignacio José da Cunha..........] Pedro Ribeiro de Araújo......... / Rosendo Aprigio Pereira Guimarães......\ Secção Accessoria. José Ignacio de Carros Pimentel.......( Virgílio Climaco Damasio........ . ] Demetrio Cyriaco Tourinho.........( Luiz Alvares dos Santos..........> Secção Medica. João Pedro da Cunha Valle.........I SECRETARIO O Sr. Br. fincinnato Pinto da Silva. OFFICIAL DA SECRETARIA O Sr. Dr. TSiomaz de A quino Gaspar, A Faculdade uao auprova, uein reprova n* Idéias enunciadas u'esla Tlicie. DISSERTAÇÃO. AiTecçoes carbunculosas. Sob a denominação geral de affecções carbunculosas comprehendemos um grupo de moléstias de natureza virulenta, tendo por caracter indispensável a apparição de um ou mais tumores inflammatorios e gangrenosos sobre qualquer ponto da superfície do corpo,—ora primitivos, ora consecutivos á symptomas geraes, e desenvolvendo-se por contagio ou espontaneamente. As diversas variedades que apresentão as moléstias carbunculosas nos ani- maesteem sido designadas por Chabert sob os nomes de carbúnculo essencial, carbúnculo symptomaüco e febre carbunculosa. Estas formas que reveste nos animaes a moléstia carbunculosa observão-se também no homem. A febre carbunculosa é quasi exclusivamente do domínio da Medicina; occu- par-nos-hemos, pois, das duas outras variedades, que são: a pústula maligna (carbúnculo essencial dos animaes) e o carbúnculo maligno que correspon- de ao carbúnculo symptomatico. fi&a pústula maligna no honaeiii É paupérrima a historia da pústula maligna. Antes de 1780 era apenas as- L 1 2 signalada, e nenhum trabalho recommendavel havia apparecido, excepto uma ligeira discripção por Guy de Chaulliac; só depois d'esta epocha, e quando a Academia de Dijon, atterrorisada com o ceifar d'ella na população da Bor- gonha, offereceu um prêmio ao author da melhor memória sobre esta mo- léstia, foi que appareceu o celebre tratado de Enaux e Ghaussier que muita luz derramou sobre a ignorância que havia então. Causas—A pústula maligna tem incontestavelmente por origem um virus; é a introducção d'esse virus no organismo que lhe dá nascimento; e a inocu- lação é o meio mais freqüente d'essa introducção; esse modo de trans- missão é commum a todos os virus; mas o que dá um cunho especial ao virus carbunculoso, e o torna mais temível, é que elle produz seu effeito, ainda que a pelle não apresente solução alguma de continuidade ou erosão apparente. Sua acção é mais prompta por toda a parte onde a pelle fôr mais delicada; e por isso é tão freqüente seu apparecimento na face quanto na mão. A pústula maligna resulta sempre do contado mais ou menos intimo do homem com o animal doente ou com os despojos d'este aminal; mas não é somente do con- tado immediato que ella se pode originar; a matéria mórbida pode ser levada até ao homem pela picada de algum insecto que tem sugado a matéria viru- lenta em algum animal carbunculoso. Maret, medico de Dijon, crê até na exis- tência de um insecto que tem a propriedade particular de fazer nascer a pús- tula no lugar, em que elle tem picado; é uma opinião sem fundamento. O virus parece existir especialmente nos humores que correm das partes affectadas de carbúnculo; mas muitos factos demonstrão que existe também no sangue, saliva, muco intestinal, &c. e até a pelle e os pellos são impregnados. O principio morbifico conserva sua virulência por longo tempo. Não ha fado algum que prove concludentemente que a pústula se desen- volve nas mucosas com que se ponha em contacto este principio morbifico; Reydelet diz ter visto uma pústula no colon; Fournier descreve sob o nome de pústula maligna do estômago, uma moléstia que não é sinão uma aífeccão de seus folliculos. Mas poder-se-ha ingerir impunemente a carne de animaes que succubem á aífecções carbunculosas? É verdade que urna forte cocção 3 destróe o virus, ea ingestão não pode dar lugar a pústula maligna, mas é fora de duvida que accidentes de extrema gravidade podem se originar. A pústula maligna não sobrevem espontaneamente, como busca provar Bayle batido victoriosamente por Boyer. E sempre pelo contacto, immediato ou não, do homem com o animal doen- te. Ella pode ser transmettida de individuo á indivíduo, como provão as observações de Thomassin e de Maucourt. Syrautoinatologia c marcha. Circumstancias diversas podem influenciar sobre sua marcha. O intervallo entre a inoculação e a apparição da pústula maligna varia; o termo medio é de % á 6 dias. Seu começo é rápido:—quando o principio productor da in- fecção provem de um animal vivo, ou morto recentemente;—quando a mo- léstia d'este animal offerece muita intensidade;—quando a transmissão se faz por inoculação;—quando o contacto se dá em uma região em que a pelle é fina, &c. Emfim o tempo quente e secco dá mais velocidade a sua marcha, mais promptidão a seu apparecimento. O encetar da aífecção não é marcado por prodromos, não ha phenomeno precursor, nem perturbação alguma geral, tudo é local. Em quatro períodos dividem os authores a duração total da pústula: Primeiro período—O effeito da matéria venenosa deposta na superfície da pelle é marcado por um prurido e uma picada viva e passageira; depois uma vésicula do tamanho de um grão de milho e cheia de uma serosidade acin- zentada se desenvolve. Segundo período—Apparece no lugar que occupava a vésicula uma man- cha de cor amarellada, livida e granulosa, em baixo e na espessura da pelle um tuberculo lenticular e pouco saliente, achatado, circumscripto, do volume 4 de uma lentilha, só reconhecível ao principio pelo toque, e desenvolvendo-se torna-se mais tarde bem apparente; o prurido de vivo que era transforma-se em um sentimento de calor forte e de erosão bastante pronunciada. A pelle visinha engurgita-se, e apresenta-se tensa e lusidia. Em redor do- ponto central desenha-se uma aréola pallida ou avermelhada e livida ou de uma coloração alaranjada, e semeada de vésiculas a principio separadas; mas que depois for mão um circulo continuo. A induração torna-se então ercura e apresenta todos os caracteres de verdadeira eschára. Este período não dura na maioria dos casos senão algumas horas. Terceiro período—O mal progride com rapidez; a eschára central torna-se negra, mais dura, mais profunda e a aréola augmenta-se; ao mesmo tempo sobrevem um enfarte elástico, duro, que tem alguma cousa de emphysema- toso, ainda que si não possa verificar a crepitação: o desenvolvimento dos te- cidos dá um aspecto particular ao tumor, fazendo parecer depremida a eschára central. Quando a terminação tem de ser funesta, a duração d'este período é curta; no caso contrario, dura alguns dias não excedendo ao quinto. Quarto período—Os accidentes locaes crescem de intensidade; a mortifi- cação ataca a pelle, que parecia até então immune; esta gangrena-se prompta- mente, augmentando o tamanho da eschára. N'este momento uma crepitação annunciadôra da mortificação do tecido cellular faz-se sentir sob a pelle em derredor da eschára. Outra scena começa: a moléstia que tinha parecido con- centrada e localisada na parte affedada assenhorêa-se de todo organismo; a pelle é secca; o calor parece moderado, e entretanto não ha bebida que acal- me o calor interno e intenso que experimenta o doente. O pulso é pequeno, duro, algumas vezes molle e desigual; a lingua é árida, secca; as urinas pou- co abundantes, escuras e espessas; a respiração é entrecortada e sobrevem al- gumas vezes vômitos, rara vez diarrhéa. Ha cardialgias, syncope, delirio, &c. Quando este período se apresenta as- sim, a terminação é fatal. Esta divisão pode-se dizer que é puramente escho- lastica: os accidentes ás vezes succedem-se com tanta rapidez que os períodos se confundem, ou tem uma duração ephemera; porque muita vez a moléstia. toca seu termo em desoito ou vinte e quatro horas. 5 Em geral a affecção não caminha tão rapidamente, e tem uma duração de doze á quinze dias; muita vez também ella pára no segundo ou terceiro perío- do sob a influencia de um tratamento convenientemente dirigido, ou pelos sós exforços da natureza. A pústula maligna ordinariamente é única; o mesmo in- divíduo, entretanto, pode apresentar muitas ao mesmo tempo; estes casos, po- rem, são raros. Diagnostico. O bom êxito do tratamento depende da presteza do diagnostico; a demora de algumas horas pode dar em resultado a morte ou alguma deformidade. In- felizmente é no começo da infermidade que o diagnostico é difficil, poden- do então ser confundida com a picada de algum insecto; mas ha sempre no centro d'esta um ponto amarellado que não existe no primeiro gráo da pústula. O furunculo pode assemelhar-se á pústula maligna no segundo gráo, mas o furunculo é um tumor duro, terminado em ponta, de uma côr vermelha ou azulada, e sem areóla vesicular, nem eschára. A pústula tem sido algumas ve- zes confundida com o carbúnculo pelos pontos de contacto que ligão estas duas variedades da mesma affecção: convém, pois, estabelecer o diagnostico differencial;—o que faremos, quando tratarmos do carbúnculo. Prognostico. O prognostico é variável, e esta variabilidade depende de circumstancias, quer inherentes ao indivíduo, quer dependentes dos gráos de temperatura, da extensão e da sede da affecção. Os gráos extremos de temperatura, o estio ou inverno rigorosos, são causas nuc influencião sobre a terminação fatal da moléstia. 1 L % 6 A pústula maligna, em geral, é mais perigosa em uma região rica de tecido cellular frouxo e molle. Nas partes que apresentão disposição opposta, e espe- cialmente n'aquellas, em que o tecido muscular reveste a pelle parecendo con- fundir-se com ella, a eschára limita-se facilmente, e a moléstia parece estacar e não ousar transpor a barreira que lhe antepõem os músculos. A gravidade do mal varia também segundo o lugar em que elle desenvol- ve-se; assim a pústula maligna que desenvolve-se no pescoço ou na cabeça é mais de temer, do que aquella que tem sede nos membros; no primeiro caso ha symptomas de dysphagia e de suffocação em conseqüência da pressão exer ■ cida pelas partes molles tumefeitas sobre ooesophago e a trachéa: no segundo— quasi sempre as palpebras e os olhos são destruídos. Nos indivíduos cacheticos, debilitados, escorbuticos, &c, o mal começa in- sidiosamente, e quasi sempie a terminação é fatal. Se bem que a moléstia, muita vez, possa ser curada pelos sós exforços da natureza, todavia o prognostico não declina de sua gravidade, especialmente se o tratamento não é promptamente iniciado. Tratamento. São as alterações locaes que constituem primitiva e essencialmente a pús- tula maligna; e a principio os accidentes estão circumscriptos, as perturbações geraes são consecutivas; é, pois,—de um tratamento local, enérgico, habil- mente dirigido, que devemos esperar a victoria. Os remédios internos nem sempre são necessários, e são quasi sempre em- pregados como auxiliares ao tratamento local, levantando as forças abatidas ou acalmando a excitação, &c, e collocando finalmente a economia em me- lhores condições. A cauterisação, reconhecida como o meio mais efficaz para a destruição prompta do virus carbunculoso, deve ser empregada de combinação com as escarificações. 7 A extensão e profundidade d'estas devem ser proporcionaes á extensão e á espessura da eschára. Aconselhão alguns, e entre outros Chaussier, que as incisões não devem exceder as partes mortificadas por temer-se uma hemorrha- gia; mas a cauterisação sobre as partes mortas não pode de modo algum ser coroada de bom resultado; seria até completamente inútil: é necessário, pois, a querer-se obrar energicamente, ir até as partes .vivas circumvisinhas. As incisões deveráõ ser praticadas com a maior prudência, especialmente quando tiverem de ser feitas sobre o trajecto de um vaso, sobre apalpebra, &c. Para praticar-se a cauterisação tem-se alternativamente lançado mão do fo- go, do chlorureto de antimonio, da»potassa cáustica, de diversos ácidos, so- bre tudo do ácido nitrico. O nosso illustrado mestre o Sr. Conselheiro A. Dantas assim descreve o seu emprego: umaancisão crucial é feita sobre o núcleo da pústula; molha-se um pincel de fios no ácido, e passa-se nas incisões. Quando corre muito sangue limpa-se e enxuga-se bem a ferida, e repete-se até cinco vezes a applicação do pincel. Depois ensopão-se pequenas bolas de fios no mesmo ácido, deixão-se ficar nos lábios da ferida. No dia seguinte tirão-se as bolas que são substituídas por uma prancheta coberta de uma mistura de cerôto e de estoraque. Se sobre vier inflammação cobrir-se-ha a pracheta com larga cataplasma emolliente que se- rá mudada duas vezes por dia. Ao cauterio actual, porem, daremos prefe- rencia. O tratamento das aífecções carbunculosas pelo fogo dacta da mais remota antigüidade—Celso o recommenda como o melhor meio a oppôr ao carbúncu- lo; e apesar d'esta opinião não ser adoptada por muitos authores ella moderna- mente tem encontrado fervorosos partidários; militão em seu favor as autho- ridades incontestáveis de Dupuytren, Lisfranc, Carré, &c. Um tratamento apropriado deve combater o estado geral e as complicações que possâo por ventura apparècer no curso da moléstia. Os tônicos e os estimulantes são indicados : a quina, o vinho, as infusões aromaticas de chá, café, &c, com um pouco de água ardente ou acetato de 8 ammonea são empregados com vantagem. Todos os meios debilitantes, em ge- ral favorecendo ao desenlvolvimento da grangrena, deveráõ ser postos de lado. Os vomitivos serão somente aconselhados, quando houver necessidade de combater um embaraço gástrico. A sangria, apesar de preconísada por Thomassin, não convirá ser praticado senão em casos muito' e muito especiaes. Em uma epocha adiantada da moléstia ella pode ser prejudicial, diminuindo o exforço reacionário e precipitando a queda das forças,—Boyer cita um facto que lhe é contrario : trez carniceiros e a mulher de um d'elles esfollarão um boi, morto de carbúnculo; dous dos carniceiros tiverão uma pústula maligna na face; o medico julgou ser uma erysipela, sangrou-os e elles morrerão : a mulher e o terceiro carniceiro forão também atacados,—Royer e Larrey fize- rão a cauterisação e se abstiverão de sangria, no fim de poucos dias, as pústu- las, posto que graves, terminarão felizmente. Do Carbúnculo maligno. O carbúnculo ou anlhraz maligno é uma moléstia caracterisada por um tu- mor inflammatorio e gangrenoso, nascendo espontaneamente ou por contagio, e apresentando no centro uma eschára negra abraçada por um circulo verme- lho e luzidio. O carbúnculo pode ser a expressão exterior de um mal mais profundo, de uma affecção geral, e chama-se então symptomatico; ou origina-se daaccão do virus sobre um ponto dos tegumeníos—carbúnculo idiopathico—. Ha ainda uma outra variedade que constitue o carbúnculo pestilencial. Causas. O carbúnculo desenvolve-se espontaneamente pelo influxo ainda mal determinado de causas geraes sobre o organismo humano, ou sobrevem por contagio. As causas que predispõem ao desenvolvimento do carbúnculo são quasi todas 9 relativas á más condicções hygienicas; elle se declara na maioria das vezes nas epochas dos grandes calores do estio e escolhe de preferencia para fazer sua devastação as pessoas pobres dos campos, áquellas que extenuadas por um tra- balho insano, sob um sol abrazador, não podem gozar de alimentação sã, repa- radora, e fazem uso de águas stagnadas e vivem sujeitas a mais completa pri- vação. Os terrenos argilosos, argilo-calcareos, schistosos são aquelles em que as moléstias carbunculosas reinão particularmente. É por excepção que são observadas nos terrenos selicosos e granilicos. (Raimbert). Porem é principalmente nos lugares pantanosos, quando, sob in- fluencia de temperatura elevada, as águas stagnadas espalhão na atmosphera effluvios miasmaticos, que se vê augmentar de intensidade o desenvolvi- mento das aífecções carbunculosas. No homem, como no animal irracional, pode desenvolver-se. tanto o car- búnculo symptomatico, como o idiopathico, porem este ultimo é mais freqüen- te, origina-se do primeiro. Assim o carbúnculo idiopathico desenvolve-se mais freqüentemente em in- divíduos que estão em contacto mais immediato com os animaes, por exemplo, os ferradores, marchantes, creadores, pastores, &c. A transmissão da affecção carbunculosa pode-se dar por diversos modos, ou pelo simples contacto do virus com a pelle, ou pela introducção das matérias scepticas nas vias respiratórias e degestivas. Se a maior precaução não for to- mada, a serosidade que corre do carbúnculo poderá por simples contacto com- municar a moléstia. Porem são sobretudo os humores e o sangue dos animaes mortos de carbúnculo, que actuando sobre a pelle e absorvidos por ella dão lu- gar ao desenvolvimento da moléstia. É facto experimental e inconcusso que o carbúnculo pode ser o resultado da absorpção do virus pelas vias digestivas; e ora a sua passagem pelo tubo diges- tivo causa somente ligeiro incommodo, náuseas, vômitos, um estado typhico que se termina quer por dijecções copíosas, fétidas, quer por manchas gan- çrenosas sobre a pelle : é então uma verdadeira febre carbunculosa. Li O. 10 Ora apparecem abcessos gangrenosos ou carbunculosos bem caraderisados em differentes partes do corpo. D'ahi se vê que a ingestão da carne dos animaes succumbidos á affecções carbunculosas nunca se faz impunemente, ainda que Duhamel e Morand tenhão publicado observações e tentem por ellas provar o contrario. Syaiaptonaatologia. O abatimento e a prostração de forças precedem ao apparecimento do car- búnculo espontâneo e especialmente aquelle que depende de uma má alimen- tação. Algumas vezes experimentão os doentes um sentimento de terror, do qual lhes é impossivel assignar a causa.' É depois d'estes symptomas e no espaço de uma hora, pouco mais ou menos, que apparece o tumor carbunculoso, co- meçando por um calor abrasador e dôr viva. No ponto que tem de ser a sede apparece uma ou muitas pústulas que enne- grecem promptamente, ou vesiculas lividas que se rompem e derramão uma serosidade arruivada, corrosiva, que determina calor e comichão insupporta- veis; um tumor duro, doloroso, de um vermelho rutilante em sua circumfe- rencia, porem sempre livido e negro no centro, lhes serve de base. O circulo que o abraça passa por differentes gradações de coloração, e es- tende-se rapidamente sobre as partes circumvisinhas segundo a malignidade do carbúnculo. Em certos casos partem do circulo raios violetes, que se prolongão á medi- da que o carbúnculo se abate, o que deve ser considerado como presagio de morte próxima. A dor viva, inseparável do carbúnculo maligno, parte do centro do circulo inflammado, com caracter lancinante, e tão forte que occasiona desmaios. O lugar occupado pelo tumor é a sede de um sentimento de constricção tão incommoda, que. os doentes comparão-na ao effeito produzido por uma liga- 11 dura. A febre declara-se; o pulso é mais ou menos desenvolvido, algumas vezes pequeno e concentrado; a pelle é secca, árida; os olhos fixos, e o olhar inquieto. Alguns doentes, ao contrario de outros, experimentão sede inextinguivel; muitos são cobertos de suor; quasi todos queixão-se de crispaturas na região precordial. Entretanto o mal estende-se; as partes visinhas do carbúnculo tornão-se molles, lividas e negras, e formão-se ahi phlyctenas cheias de serosidade icho- rosa; finalmente gangrenão-se. Ao mesmo tempo o doente sente palpitações, o pulso é intermittenle; depois vem o delírio, o soluço, as convulsões, o co- ma e finalmente a morte. O carbúnculo symptomatico tem de ordinário marcha extremamente rápi- da : é como diz Fournier—um tumor de surpresa—. Elle percorre seos pe- ríodos com incrível rapidez, e muita vez a morte sobrevem no espaço de 10, 15, 20 e 24 horas. Boyer diz,—que o mal tendo sua sede sobre as artérias, estas podem ser comprehendidas na gangrena; de sorte que a separação das escháras pode ser seguida de considerável hemorrhagia. As mais das vezes o tumor carbunculoso é único, algumas vezes, porem, desenvolvem-se muitos simultaneamente. Elle pode manifestar-se indistinetamente em qualquer parte do corpo, sal- vo o caso de ser devido a inoculação do virus ou a sua deposição sobre qual- quer ponto da superfície cutânea. Diagnostico. Baseado na opinião esclarecida de illustrações scientificas, consideramos o carbúnculo e a pústula maligna como variedade da mesma affecção, derivan- do-se ambas de um mesmo principio—o virus carbunculoso—. Apesar ^es- ta affinidade, d'este parentesco tão próximo, ha comtudo caracteres essenciaes que distinguem o carbúnculo da pústula maligna—a só affecção com a qual ei- 12 le se pode confundir; convém, portanto, dissipar a confusão que por ventu- ra se pode dar estabelecendo o diagnostico differencial. A pústula maligna é sempre produzida pela acção externa, local, do virus sobre a pelle. O carbúnculo pode-se desenvolver do mesmo modo, porem quasi sempre sobrevem espontaneamente, ou pela introdução do virus sceptico nas vias res- piratórias e digestivas. O carbúnculo ataca indifferentemente; a pústula inva- de as partes do corpo que estão á descoberto. A pústula ataca os tecidos de fora para dentro, não ha prodromos, vesiculas pequenas, ligeira comichão, tuberculo citrino. O carbúnculo procede em sentido inverso: é de dentro para fora. Desde o começo ha symptomas geraes já descriptos anteriormente. A forma dos tumores carbunculosos não se assemelha nesta dualidade mór- bida; é somente a pústula maligna que pertence a aréola vesicular, o tuber- culo citrino, e sobretudo a turgencia enorme e sem crepitação do tecido cellu- lar. O tumor que constitue o carbúnculo é mais largo, de um vermelho vivo na circumferencia e negro como carvão no centro. Finalmente a inoculaçãa< da pústula dá resultado negativo e a do carbúnculo pode dar positivo. Prognostico. O Prognostico do carbúnculo maligno é gravíssimo. Ouçamos Fournier : o carbúnculo, diz elle, é de todos os tumores externos o mais vivo e o mais temível; elle percorre seus períodos com incrível rapi- dez, arrasta constantemente após si os mais graves accidentes e termina sem- pre prompta e funestamente. Basta o seu nome para levar o espanto e a cons- ternação ao seio das Famílias, e tal era o terror que outrora inspirava esta mo- léstia, que se insulavão aquelles que erao atacados, eos abandona vão sem dar- lhes o menor soccorro. 13 Tratamento. 0 tratamento medico é o mais racional a empregar-se contra o mal, sendo este o effeito de um principio virulento, que exerce sua perniciosa influencia em toda economia. A sangria, proscripta por Boyer, é adoptada por Fournier em casos espe- ciaes : elle é contrario a uniformidade do tratamento. Para elle são os vomi- tivos e purgativos que fazem a base da medicação, tornando-a invariável; tu- do o mais pode ser modificado segundo as circumstancias. O tumor carbunculoso apresentando-se com inflammação considerável, e ha- vendo reacção franca, pulso forte, elle aconselha iniciar o tratamento pela san- gria; depois prescre ve o tartaro stibiado em dose vomitiva, e por única bebida água pura. Não havendo no dia seguinte evacuações alvinas é ministrado um purgativo. O terceiro dia é de espectativa, e examina-se acurada e profunda- mente o estado do doente e do tumor : se a inflammação e o calor diminuem; se o estado geral melhora, deixa-se repousar o doente, a água pura é substi- tuída por alguns caldos; si, ao em vez, a gangrena estende-se e forem mais assustadores os symptomas, repetir-se-ha o vomitivo e algumas vezes o mesmo purgativo. Será perigosa a sangria toda a vez que houver abatimento de forças d'es- de a invasão do mal; que o pulso fôr pequeno, concentrado, intermittente e deminuido o calor natural: recorrer-se-ha, nestas circumstancias, aos exci- tantes. Duas horas depois emprega-se o tartaro e o purgativo, como no pri- meiro caso; porem em lugar da água pura administrar-se-ha os tônicos e es- timulantes, como sejão, o vinho, o amoníaco, a camphora, e especialmente a quina. Quanto ao tratamento local, que offerece a maior analogia com o da pústula maligna, é ainda a cauterisação pelo cauterio actual, praticada depois de um múltiplo desbridamento, que damos a preferencia, por ser este methodo me- L 4 14 nos doloroso e de menos perigo, ainda que muita vez, ou quasi sempre, seja ineflicaz. A extirpação completa do carbúnculo é uma operação dolorosissima e de improfiquidade démonstrata; e esse processo bárbaro deve ser banido da pra- tica hodierna. Todavia não se conclua do que temos dito que repellimos o tratamento exter- no de um modo absoluto, sobre tudo quando tratar-se do carbúnculo idiopa- thico. SECÇÃO CIRÚRGICA. INFECÇÃO PÚTRIDA. PROPOSIÇÕES. i A infecção pútrida é uma das complicações mais temíveis das feridas. II O accumulo de feridos em um lugarpouco espaçoso e mal arejado, é uma das causas mais communs da invasão do mal. III A infecção pútrida, a infecção purulenta, e a diathese purulenta não são uma e a mesma cousa. IV A causa determinante da podridão do hospital, é a iutroducção dos elemen- tos do pus, previamente decompostos, na circulação. Sob duas formas príncipaes se pôde manifestar a infecção pútrida: a forma ulccrosa, e a forma polposa. VI A infecção pútrida, muitas vezes, reina epidemicamente. 16 VII O diagnostico da infecção pútrida é fácil d'esde que o Cirurgião dirige suas vistas para as alterações que apresenta a ferida complicada. VIII O prognostico da infecção pútrida deve ser fatal. IX * O tratamento d'esta complicação divide-se em prophylatico e curativo, X As boas condições hygienicas formão a base do tratamento no primeiro caso. XI O tratamento curativo é representado por medicamentos tópicos applicados sobre a ferida; e pelas substancias cáusticas, entre as quaes o cauterio actual tem o primeiro lugar. O tratamento geral consiste naapplicação de um regimen nutritivo, de concumitancia com uma medicação tônica. XII Os phenomenos nervosos que soem apparecer são combatidos pelos antispas» módicos. SECÇÃO MEDICA. ASTHMA. PROPOSIÇÕES. i A asthma é uma nevrose do apparelho respiratório. II Ella manifesta-se por accessos de dyspnéa e de oppressão, no intervallo das quaes as funcções respiratórias entrão em seu estado normal. III É durante as primeiras horas da noite na (pluralidade dos casos) que os ata- ques d'asthma manifestão-se. IV A moléstia algumas vezes reveste a forma catarrhal, sendo a bronchite a úni- ca manifestação d'ella, facto este que observa-se mais freqüentemente na in- fância. V É incontestável a influencia de temperatura, clima, estações, emoções mo- raes e de diversos perfumes sobre os ataques de asthma. VI O emphvsema pulmonar que muitas vezes observa-se na asthma, não é, co- L 5 18 mo pretendem Rostan e Louis, a causa d'esta affecção, é ao contrario uma das suas conseqüências. VII A differença entre a asthma e dyspnéa, é immensa. Se a asthma é uma dyspnéa de forma e natureza especiaes, todo accesso de dyspnéa não é asthma. VIII As affecções rheumatismaes, dartrosas, gottosas &c. podem substituir a asthma e reciprocamente podem ser por ella substituídas: são expressões dif- ferentes de uma mesma diathese. IX A asthma, como todas as affecções diathèsicas, pôde ser transmittida dire- damente por herança. X Em geral todas assolaneas virosas, datura stramonium, tabaco, belladona, meimendro, são applicadas com efficacia e bom resultado nos accessos da asthma. XI As fumigações arsenicaes, as fumigações de papel nitrado, a applicação d"ammoniaco sobre a parte posterior do pharynge e as inspirações ammonia- caes, segundo o processo de Faure, são outros tantos meios cuja applicação tem prestado serviços reaes. XII O emprego do iodureto de potassium e do arsênico internamente, tem sido coroado do melhor resultado; as preparações arsenicaes são sobretudo de con- veniência demonstrada quando a asthma se liga a diathese herpetica. SECÇÃO ACCESSORIA. A GLICERINA PODERÁ SER EMPREGADA COM VANTAGEM Q.UER COMO MEDICAMENTO, QUER COMO AGENTE DE DISSOLUÇÃO? PROPOSIÇÕES. A glycerina já representa papel importante natherapeutica e essa importan- tancia tende a progressivo augmento. II E um corpo unctuoso, que tem, talvez mais que outro qualquer, a proprie- dade de lubrificar e de amollecer os tecidos orgânicos. III Esta propriedade torna de incontestável utilidade o seu emprego d'ella em grande numero de moléstias cutâneas, principalmente nas formas sôccas e esca- mosas. IV Apphcada sobre a pelle conserva-a em habitual humidade, por sua pro- priedade hygrometrica, o que a faz mui útil á combater a sequidão e espessa- mento do derma. V Trousseau tem sempre obtido excellentes resultados da glycerina nas atí ções superficiaes da pelle, sobretudo no lichen e prurigo. e<'- 20 VI Em algumas moléstias do ouvido devidas a uma irritação cutânea que pro- paga-se ao interior do apparelho auditivo, será utilmente empregada. VII Grande numero de affecções chronicas da pelle, rebeldes a qualquer trata- mento, tem cedido promptamcnte a applicação da glycerina. VIII Acalmando a dôr, protegendo a superfície inflammada do contacto do ar, ella tem sido vantajosamente applicada nas erysipelas, nas queimaduras extensas, nos vésicatorios dolorosos e inflammados &c. IX Possuindo todas as vantagens do cerôto e nenhum dos seus inconvenientes, ella deve substituil-o no curativo das feridas. X A glycerina exerce notável acção detersiva sobre as feridas de mau caracter e favorece-lhes a cicatrisação XI O papel importante da glycerina não se limita a thérapeutica: prestando-se a todas as formas medicamentosas, este novo e precioso excipienie é chamado a prestar serviços os mais reaes a pharmacologia. XII Ella fornece a todas as preparações das quaes faz parte, o concurso de suas propriedades émolientes e sedativas, e dispõe os tecidos á absorpção das subs- tancias medicamentosas ás quaes ella é associada. HYPPOCRATIS APHORISMI. Vita brevis, arslonga, occasio praceps, experientiafallaxjudiciumdifticile. Secc. i* Aph. 4. Ad extremos morbos, extrema remedia, Secc. /.a Aph. 6. Vulneri convulsio superveniens, lethale. Secc. ó'.a Aph. 2. In morbis acutis extremarum partium frigus, malum. Secc. //.a Aph. 46. Quíc medicamenta non sanant, ea ferrum sanat. Quse ferrum non sanat, ea ignis sanat. Quíc vero ignis non sanat, ea insanabilia existimare oportct. Secc. 8.* Aph. 6. Si magnis et pravis existentibus vulneribus, tumores non appareant, ingens malum, Secc. 5." Aph. 66. L G <Âpeme///ç/à a lêampíi//£aa tfyevàona. S3a/u'a e êfízcu/c/ac/í c/e ^f6ec//e/na /Sc/e (flufetdto c/e stóê. ?*. *cauà/a c/a//ec/an/w. 3nfit*/ma-dô. 33a/í/a e &czcu/c/ac/e c/e ^eo&ccha SÇ c/e 0€túc&<0 c/e *S'(f$. >. 38a/iád/a---Ç$/t*ecfr9\ BAHIA—TYP. DE CAMILLO DE LELLIS MASSON & C—1868. ••--^VV, r** >/. *9 I