THESE )X) nniTMtt balcnthn 3o*t í»a Siloctrít Copes. o o JM!. 81935 ) c^ 9 / é^^' ^^^.vi^ «r Secção Cirúrgica. Ignacio José da Cunha.......... Pedro Ribeiro de Araújo..........] » Rosendo Aprigio Pereira Guimarães....../ Secção Accessoria. José Ignacio de Barros Pimentel.......) Virgílio Climaco Damasio......... Demetrio Cyriaco Tourinho......... Luiz Alvares dos Santos..........} Secção Medica. João Pedro da Cunha Valle ......... SECRETARIO O Sr. Dr. Cincinnato Pinto da Silva. OFFICIAL DA SECRETARIA O Sr. Dr. Thomaz de A quino Gaspar. A Facafldade nao approra, nem reproTa as Idéias enunciadas n'esta Thase. A MEMÓRIA DE MEU DOXMDO PAI: Tributo de amor filial. A ttlKSA S&S7A MêMl Testemunho de respeito e saudade. AOS ILLUSTRISSIMOS E EXCELLENTISSIWOS SENHORES DIRECTOR E LENTES DA FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA: Prova de respeitosa consideração. AO MEU BOM MESTRE E AMIGO, O ILLUSTRISSIMO E EXCELLENTISSIMO SENHOR DR. ANTÔNIO FELICIANO DE CASTILHO, PRÍNCIPE DOS POETAS CONTEMPORÂNEOS PORTUGUEZES: Divida sagrada de amisade. AO MEttJ GENEROSO PROTECTOR. O ILLUSTRISSIMO E EXCELLENTISSIMO SENHOR CONSELHEIRO DR, JOSÉ FELICIANO DE CASTILHO BARRETO E NORONHA ASSOMBROSO ORNAMENTO DO MUNDO LITTERARIO: Protesto sincero de gratidão. AO MEU CARO E PRESTIMOSO AMIGO, O ILLUSTRISSIMO SENHOR DR. JOSÉ MARIA VELHO DA SILVA, DIGNO HODELLO DOS FILHOS DE HIPPOCRATES: Mostra de pura amisade. c^ %ln o) '?- \,W, % ■A\^ v ,v r /■ ANTES DE ENTRAR Eli MATÉRIA. DUAS PALAVRAS. Aos conselhos, instâncias e licções de bons amigos devemos ter realisado a nossa formatu- ra; confcssal-o é pagamento de divida, e por isso o registramos aqui publicamente. Um accaso trouxe-nos á antiga capital do Brasil, e damos-nos hoje os parabéns por tel-o aproveitado para receber das mãos dos dignos Professores da sua ilhistre Faculdade de Medi- cina o direito de exercer no Império nossa árdua mas sublime arte. Em vão a medicina aspira a ser a sciencia do homem; só uma intelligencia superior a elle poderia julgar-se habilitada a decidir em todos os pontos de sua natureza. Com isto não que- remos desculpar os erros de nossa ignorância nem exagerar a diffículdade d'eslc trabalho, que offerecemos como prova da nossa capacidade. Apresentamos-nos perante juizes de reconhecida illustração, que sabendo aquilatar uma e outra, não nos hão de tolher o passso no estudo a que tão de coração nos entregamos. Estudámos o que os melhores autores ao nosso alcance, escreverão directa ou indirecta- mente com relação á chlorose, e de suas ideas muitas vezes oppostas, mas quasi sempre pa- rentes por mais de um lado, concluímos o que se segue. A chlorose, disse um dos mais illustres professores de nossos dias, constitue só por si qua- si a totalidade da pathologia da mulher; sirva pois de desculpa á ousadia ds nossa insuficiên- cia o interesse que tal assumpto deve inspirar a todos que por amor da humanidade prestão culto no altar de Hippocratcs. 1. HISTORiA. La chlorotique Languit comme une fleur de satige arrachóc, Que lcs fcu.v. du soleil ont bientòt déssóchée. L'óclat de sa bcauté, Ia frãicheur de son teint. Ses ycux, tendrcs et doux; tout púrit, touf s'éteiut. (M. Mdxvili.e de Poxsax.) Não ha doença que não possa ir encontrar monumentos históricos no fértil terreno em que lançou suas primeiras raizes a sciencia da Medicina. De feito se quizermos estudar e esplicar as lutas de todos os tempos desde Hippocra- tes até nossos dias, e entrever nas leis do sábio contemporâneo de Sócrates e d'Ucrodoto o berço de todos os descobrimentos, quem duvidará ser a esse po- der activo, que dirige e entretém as funeções physiologieas e pathologicas, adivinhado no Xacurismo, que se deve o assumpto das numerosas indaga- ções que derão em resultado as doutrinas e systemas que immortalisárão Ascle- piades, Galeno, Paracelso, Sylvio, Sydenham, Baglivi, Iíoffmann, Cullen, Haller, Brown, Bichat, e tantos outros illustres nomes que a sciencia se honra de commemorar? Em sciencia é sempre da pugna que vem a final a luz, e todos esses syste- mas chamados Naturismo, Solidismo, Animismo, Physiologismo, e centenares mais, que vinhão quasi sempre a dar no mesmo, salvo aberrações do espirito, que em todo tempo as houve e ha de haver, são ainda acatados por mais d'um lado. Para a nossa these convém apontar como mais importante aquelle que procurava a rasão de certas doenças na Chimica, a qual se tornou ponto de partida, ou, por assim dizer, pedra de tocar, para todas asaífeccões cujas cau- 1 2 sas erao até alli desconhecidas e que só o poderão vir a ser pelas mudas mas eloqüentes expressões do crisol. Mais tarde veremos aprova d'isso. Assim a chlorose, que desde o tempo de Hippocrates até ao XVI século se considerara geralmente apenas uma espécie de cachexia, obteve um logar dis- tincto dado por João Lange (1520 a 1530) sob o nome de Morfois Yirgi- neus. Depois d'elle Varandé, Deão da Faculdade de Montpellier, no XVII sé- culo, deu-lhe o nome de Chlorose que ainda hoje é geralmente admittido. Esta designação referindo-se a um dos symptomas da doença, a côr esverdea- da da pelle, o que não constitue nem sigiial pathognomonico, nem constante, do que á verdadeira causa do mal, que ficara ainda ignorada, tem sido censu- rada pelos nosographos de nossos dias: nós não faremos questão de nome que só os mestres têem autoridade para legislar ou impor. Contestou-se por muito tempo á chlorose o direito de figurar como entidade independente num quadro nosologico; porem depois dos sábios e minuciosos estudos de Fcedisch, Prevost e Dumas, Lecanue, Liebig, Andral e Gavarret, Becquerel e Rodier, Bouillaud, Jolly, Trousseau, etc, uns, por suas analyses chimicas e microscópicas do sangue, cujos resultados não forão ainda contesta- dos, outros, por suas observações clinicas, dignas sem duvida da maior consi- deração e credito, esta affecção mórbida alcançou por seus signaes caracte- rísticos e bem definidos jus a uma verdadeira autonomia. Os autores gregos, latinos, árabes e os da edade media descreverão todos a maior parte dos symptomas próprios da chlorose como d'uma doença causa- da pela supressão das regras na edade pubere, o que a tornava por conseguinte só possivel nas raparigas. D'ahi veio o erro d'um grande numero de autores e entre elles de Grisolle e Ambrosio Tardicu, que não accreditão na existência d'este estado mórbido no homem ou mesmo na criança: todavia a autoridade de mui illustres professores nos permitte affirmar o contrario, como se verá no artigo eüologia. As experiências e analyses de Berselius, de Hennefeld, deGmelin, deSimon, de Mulder e de muitos outros, já em França, já na Allemanha, já em Itália tinhão assignado como elementos da hematina ou hematosina, a parte co- rante do sangue, alem do nitrogênio, do carbone, do hydrogenio e do oxi- gênio uma certa e bem apreciável quantidade de ferro, theoria esta que vimos apparecer depois das observações de Lewenhoeck, que assignou por sede da substancia vermelha os glóbulos do sangue. Seguio-se o estudo comparado do sangue em vários estados mórbidos e por elle se evidenciou que a diminuição d'este elemento anatômico era a causa morbifica, isto é, que então havia sem- 3 pre uma diminuirá.» de glóbulos vermelhos, e que estes faltávão quando care»- cião do elemento ferro. Admittido este principio o tratamento tornou-se, per assim dizer, empyrieo, julgando-se faoil suprir a falta com aquelle meio ja preconisado desde o medico de Philippe II de Hespanha, Mercado, que foi um dos primeiros ausal-o dizendo: «Chalybs praeparatus cujus laudes etefficaciam nec satis noverunt antiqui, nec juniores experti sunt » bem como pelo portu- guez Rodrigo de Castro, que qualificando este estado pathologico como um in- gorgitamenfo dos vasos peri-uterinos «obstruetio vasorum circa uterum ob quam humores ad venas majores remeantes universum sanguineum viciant et frigi- ditatem redduní,» o empregou também, e assim Eítmüller que lhe chamava « yaiiacêa da cacliexía. » Em 1830 Wurzer quiz ajuntar alguma cousa á opinião dos sábios, seus an- tecessores, e declarou que, segundo seus estudos de analyse, tinha verificado também a existência do manganez no sangue (1) como antes d'elle Fourcroy, Vauquelin, Uurdach, Millon e Marchessaux o encontrarão nos ossos; Gmlin no suco gástrico, e Berselius no leite. Em 1847 Millon affirmouno Instituto que o sangue do homem contem constantemente manganez e bem assim cobre e chumbo, o que foi contestado por Mclscns. Em 18 iO Wurzer confirmou no- vamente seu trabalho de 1830 e teve a satisfação de ver appoiadas suas obser- vações por Marchessaux e Burin Dubuisson. Finalmente é a llannon, professor da Universidade de Bruxellas, que pertence a gloria de haver primeiro chamado a atlenrão dos pathologistas sobre os estados mórbidos, que possão ser deter- minados pela falta de manganez no sangue; idéa esta que foi descutida e au- torisada por Pétrequin, que sustentou, depois das experiências de Lecanu e Lhéritier, que os oxidos de ferro c de manganez existem em proporção cons- tante na hematosina, e que esta diminue com o numero dos glóbulos ao mes- mo tempo que os dois oxidos. (2) Hoje os progressos da physiologia teem assignado á chlorose um locar entre as nevroses; é pois debaixo d'cste ponto de vista que em nossa humilde opi- nião julgamos dever consideral-a, por nos parecer não só a mais racional, po- rem a mais geralmente admittida e autorisada. (1) Segundo Wurzer o oxido ferrico da cinza da liematina contem um pouco d'oxido man- ganico que chega mesmo a i/3 de seu peso. (2) Millon, Journal depharmacie, t.xin, pag, 86. Annuaire de ehimie, 1848,pag. 459;1849, pag. 1G1. J. D. Hannon—Etudes sur le manganèse et sesapplications thérapeutiques—Bru- xclles—1849 — Pétrequin, Dullctin ^én. de ther. t. xlu pag. l'J8, 4 Segundo os nosographos de todos os tempos a affecçâiD mórbida que faz o assumpto de nossa these foi chamada; em relação ao estado da sciencia, na época de cada um d'elles «Morftus virgineus» por João Lange; < Foedus virginum color » por Baillou « Febris amatoria » por Rodrigo de Castro; « Alba pallidus morbus » por Sennert; «Icteritia alba ou Icterus albus» por Ettmülier « Cachexia virginum » por Hoffmann « Pallidi colores » por Sydenham « Bisjpepsia cldorosis» por Young «Obstruetio virginum» por Avicenna e Mercado «Chloro-a/iemia» por Grisolle «Hydremonevria» por Piorry « Oligocytliemia » por Vogel « Chlorose» por Varando, Sau- r-ar/es, e muitos, sendo por isso este o nome mais vulgar e como tal preferido. II. DEFINIÇÃO. Difiicil coisa, se não impossível, é definir o que não está verdadeiramente Conhecido em sua natureza intima; ouçamos porem os mestres, c concluamos ':"«'•!' noss.fi parte segundo a rasão nos dita. ::?; Nonat: « A chlorose é uma doença caracterisada funccionalmentc por um abaixam>;n*o da força da hematose, ou um enfraquecimento das funeções da sanguiíicação; e anatonicamente por uma diminuição dos glóbulos do sangue. Becquerel modificando, em relação ao estado actual da sciencia, a definição de Hoffmann (1) diz : « A chlorose é uma doença caracterisada por uma mu- dança sobre vinda em todo o habito externo do corpo; pela côr branca, esver- cleada ou amarellada da face, pela diminuição quasi constante da proporção dos glóbulos do sangue, pelas perturbações da circulação, os accidentes ner- vosos, a atonia das vísceras e uma prostração mais ou menos assignalada. Quanto a nós estes dois professores procurarão antes enumerar symptomas do que definir a doença, e o vago subsiste a respeito da verdadeira natureza d'ella, (1) Chlorosis est cacochymia virginea, cum coloris vividi et naturalis in pallidum etfoedum mutatione, nec non languore virium artuumque lassitudine, respiratione diflicili, praecordio- uraanxietate, cordis palpitatione, saepius colore lento, pulso frequenti et debili, aliisque ymptonaatibus gravissimis conjuneta, a mensium proruptiona itihibita originem duce.is. muda depois de tão longas definições, pois os factos pathologicos de que nos íallào nada dizem de verdadeiramente característico, que não possa pertencer também a Iodas ascachexias e a varias lesões orgânicas, sem ccmtudo dizerem uma palavra sobre o caracter especial do objecto definido, que ultimamente fez considerar tal estado mórbido no numero das nevroses. Por nossa parte, colocando-nos do lado dos que considerão o estado chloro- tieo como uma nevrose e achão todos os seus accidentes ou quasi todos como nevro-pathicos, taes como Trousseau e Piorry, definiremos a chlorose: urna ■perturbação nervosa dasfuncções da hematose, ou, simplesmente: o infra- quccimento das funccõcs da sanguificação. Segundo a opinião de um grande numero de professores a chlorose é uma doença essencial e idiopathica. 111. ETIOLOG1A. A maneira porque os nosographos antigos, e alguns dos modernos, consi- derarão a chlorose sempre em relação á edade pubere na mulher, ja como uma doença ligada essencialmente ás funcções menstruaes, ja como uma cachem, sinônimo de anemia, trouxe a confusão que ainda hoje reina quanto á sua etiologia. Quando nos falta a autoridade de professor não é para admirar que vacilemos sobre o partido que mais convém abraçar depois de tantas opiniões contro- versas e todas impostas pelos primeiros mestres da sciencia, antiga e moder- na: citar seus nomes fora repetir os dos illustres mestres já lembrados nas pa- ginas antecedentes e tantos outros que nos são a todos patentes no espirito quando procuramos aclarar as duvidas de nossa ignorância. Todavia se desac- cordo ha entre muitos d'elles, parece-nos vêl-o quasi terminado, uma vez que admittem em sua maioria, como causa, a diminuição do numero dos glóbulos do sangue. Esta opinião comtudo, releva se diga, tem sido por outros modifica- da, havendo autores que assevérão conservar-se o numero dos glóbulos algumas vezes em seu estado normal. Becquerel e Rodier, para citarmos alguns, em suas 6 Indagações sobre a composição do sangue no estado de saúde e no estado de doença, dizem: « Segundo os factos que temos observado pensamos ser a « chlorose uma doença caracterisada por um certo numero de desordens, das « quaes a mais constante e mais saliente, mas não a única, é uma diminuição « da proporção dos glóbulos do sangue. É por tal forma verdade que esta mo- « diíicaçãü do sangue é apenas uma conseqüência da doença que é raro ter ella « logar em igual grau; pois, com quanto considerável muitas vezes no princi- « pio, só depois e progressivamente é que augmenta. Dizemos mais que mui- « tas vezes o abaixamento do numero dos glóbulos não está em relação « com a intensidade das desordens observada, e emfim, que talvez mesmo a « chlorose pode existir sem diminuição dos glóbulos : » Registramos as pa- lavras dos mestres, mas temendo ver antes em sua appreciação um erro de diagnostico, do que uma excepção; comtudo assim o julgarão autores que a França se honra de contar por illustres; e por isso, em quanto a sciencia nos não puder revelar a causa efficiente da diminuição globular ou do estado mórbido que procuramos estudar, diremos como todos que d'elle se teem occupado, que a verdadeira causa da chlorose não está ainda conhecida. Brown Séquard, esse homem a quem a Medicina, sobre tudo na Physiologia, deve tamanhos serviços, lançou talvez um raio de luz sobre largas veredas des- conhecidas dos pathologistas, quando tratou da distincção dos dois sangues, o venoso e o arterial, estudando profundamente a acção do sangue sobre as propriedades physiologicas dos tessidos nervosos e contractís; provando que a contractilidade dos músculos da vida animal e da vida orgânica, como a dos músculos dos membros, dos intestinos, do utero, das paredes vasculares, dos canaes excretores do estômago, do eesophago, da bexiga, etc. se reanimão ao contacto do sangue arterial e ao contrario que o do sangue venoso, que não ser- ve para reanimar as propriedades vitaes dos tessidos, lhes serve todavia ^esti- mulo e os põe em acção no grau em que os acha, como se vê nas convulsões dos músculos voluntários, nas contracções desordenadas dos intestinos e nos outros músculos cia vida orgânica, quando o sangue venoso os alcança, differença esta que é attribuida pelo celebre professor ás proporções do oxigênio e do ácido carbônico, contidos em cada um d'elles. É bem possível que n estas circunstancias, apontadas pelo sábio physiologis- ta, esteja a chave das ligações misteriosas da parte physiologica e da parte vi- tal dos phenomenos principaes da hematose; comtudo convém ter presente que apesar d'algumas relações chimicas verificadas pela experiência entre o ozono (o oxigênio num estado allotropico ou segundo algims o oxigênio electrisado) 7 e a hematosina, a propriedade excitadora do oxigênio que Ilis (\) pretendeu achar n'ella não pode passar, por em quanto, duma simples conjectura. No estado de ignorância em que estamos a respeito d'algumas ou de quasi todas as funcções das glândulas sangüíneas, conviria muito examinar se não é principalmente no baço a sede das causas principaes d'uma má sanguificação, única productora, ao que parece, da chlorose. Esta opinião foi já a de Merca- do, um dos primeiros que procurarão solver o problema da alteração do san- gue nesta doença e que prescrevia contra ella os purgativos e o ferro (XVI sé- culo). Hoje o sábio micrographo Virchow insiste em que a alteração do sangue provem do baço. Addusir alguns argumentos sobre este ponto, é quanto nos cabe, assim di- remos, que é geralmente admittido em physiologia: I.° Que o sangue da veia esplenica em relação ao sangue da jugular, typo talvez do sangue venozo, tem em geral menos glóbulos vermelhos e mais gló- bulos brancos e fibrina. 2.° Que o sangue da veia esplenica em relação ao da artéria do mesmo no- me offerece também menos glóbulos vermelhos, mais glóbulos brancos e fi- brina. 3.* Que no parenchyma do baço se encontrão pequenas accumulações de substancias pigmentares. 4.° Que a lympha dos lymphaticos do baço é muito mais vermelha do que a dos outros lymphaticos. Ora, estas theorias, á falta de verdadeiras demonstrações, não passarão tal- vez de puras hipotheses; comtudo a diminuição do numero dos glóbulos do sangue sabido do baço, mostrando uma destruição de seus elementos anatômi- cos, leva a crer ser este o papel d'aquella viscera; conjunctura que vemos tornar-se mais importante quando se verifica a existência dos despojos da parte corante dos glóbulos no órgão, e a d'uma maior quantidade de fibrina no mesmo sangue com transformação das matérias albuminoides dos glóbulos vermelhos. Este foi o ver também de Maggiorani (2) quando escrevendo sobre as func- ções do baço lhe attribue a accumulação do ferro ou a formação da hemato- zina. Nós diremos somente, que se o abaixamento no numero dos glóbulos é a (1) His, Journ.de Ia physiol. de l'hom. etdesanim. 1858 pag. 634,—art. Sur les rela- tions qui existent entre le sang et 1'ozone. (2) Gaz. hebd. de Med. et de Chir. 1861 pag. 137. 4 causa absoluta da chlorose, o que no estado actual da sciencia constitue, como já dissemos, a opinião mais admittida e autorisada, o acto nutritivo ou d'he- matose ou de qualquer naturesa que seja, de que resulta esse consumo de gló- bulos se opera no baço num grau muito maior do que n'outra qualquer parte. Em fim as ideas de Bordeu e de Willes sobre o systema nervoso tomarão tal desenvolvimento e importância, sobretudo, depois das experiências de Reil e Mascagni, de Bogros, de Humboldt, de Lobstein, de Foderé, de Durand, e de Limei, para os quaes só se trata de agentes nervosos, de ether nervoso, d'at- mosphera nervosa, de conductos nervosos e da accumulaeão de fluido nervoso, que os mais modernos nosologistas têem querido considerar a chlorose como uma simples nevrose. Seja-nos pois relevado, se erramos, seguir-lhes os passos, tanto mais que o sábio professor de clinica medica da faculdade de Pariz M. Trousseau recommenda a seus discípulos que tenhão sempre em vista as re- centes experiências com que os mais sábios physiologistas provarão a influen- cia que todas as perturbações das funcções nervosas imprimem nas secreções e na composição do sangue. «Comprehende-se, diz o digno professor, que quan- « do as funcções intimas d'um órgão de hematose, tal como o pulmão, o figa- « do, o baço etc. se alíerão, a composição do sangue deve soffrer modificações « consideráveis » Segundo a valente autoridade de tal mestre, a chlorose é também conside- rada uma doença nervosa, causa da alteração do sangue, antes do que uma ca- chexia capaz de produzir desordens nervosas. Emfim quer a causa primordial venha das perturbações da circulação por qualquer anomalia do apparelho respiratório; quer da má sanguificação, pela perda de glóbulos, devida a uma anomalia do baço ou dos vasos lymphaticos; quer de qualquer vicio da inervação, independente d'estas mesmas circuns- tancias; a chlorose será por nós considerada sempre como uma affecção con- geiaial, cujas primeiras condições d'existência podem estar no desenvolvimen- to do feto e de sua vida intra-uterina; no temperamento e constituição dos pães, nas condições do nascimento, taes como a ligadura tardia ou incompleta do cordão umbilical etc; na amamentação insufficiente ou de má qualidade, nos vicios de conformação, quando estes trouxerem embaraço ás funcções dos ór- gãos da hematose, e em geral em todas as diatheses capazes de produzir a alteração e o impobrecimento do sangue. Alem d'estas circunstancias a chlo- rose é quasi sempre o apanágio dos indivíduos de constituição fraca, de tem- peramento lymphatico ou nervoso, manifestando-se notoriamente nas moças na edade pubere, em que a natureza tende a constituir-se difinitivamente. Al- guns querem que esta infermidade attaque de preferencia os filhos das classes 9 pobres nas grandes cidades, comtudo não raro vemos desenvolver-se cila nas pessoas mais altamente colocadas; acontecendo que entre estas o mal é talvez muitas veses provocado com o fim de se tornarem, as moças, como vul- garmente se diz, românticas! Ovidio ensinava já ás do seu tempo os encantos da pallidez dizendo: Palleat ornnis amans, color hic est aptus amanti: Hie decet: hoc vultu non valuisse putent. O que o nosso distincto mestre e amigo, o Sr. Comm.'ijr A. F. de Castilho tradusio por: A côr a amantes própria (alguns dirão talvez Que a lei não vale: vale!) a côr... é pallidez. Quanto a nós diremos antes com um outro poeta: On ne peut sans douleur Voir pàlir une rose ou languir une fleur! Era também crensa dos antigos que esta doença afíéclava mais particularmente as mulheres bonitas. « Hanc etenim affectionem puichrioribus fceminis plerum- ífiie accidere certum est. » tal disse o citado medico de Philippe II. Será por esta rasão que a chlorose é vulgar no Brasil ?... Gomo causas predisponentes concebe-se facilmente a importância que podem ter todas as que concorrem para o enfraquecimento das funcções, já dos órgãos da nutrição, já dos da geração; as paixões profundas, as contrariedades vivas c freqüentemente repetidas, o amor contrariado, e segundo Xonat até mesmo a educação precoce, em que se occupa demasiadamente o espirito com prejuiso do corpo, bem como o uso de associar muito cedo as crianças aos prazeres e ás distracções do mundo, ás fadigas e ás vigílias da vida social. O eloqüente M. Clavel não censura menos o uso que fazem as moças do collete, a que em grande parte attribue uma infinidade de doenças que mais tarde podem provocar ou complicar a chlorose, pela compressão das entranhas, concluindo elle que por isso talvez é esta infermidade quasi desconhecida nas raparigas do campo. Baillou ja citado dissera também « A ociosidade e a vida sedentária são as fontes do mal: felizes as filhas dos campos! « Sua si bona norint » Alguns nosologistas teem assignalado outras causas a esta affecção mórbida, 10 tacs como a sangria e as perdas de qualquer outro gênero; porem não devemos ver n estas mais do que as fontes da anemia, sempre confundida com a chlorose pela maior parte dos autores antigos e mesmo por alguns de nossos dias. Poremos também pois no numero das causas excitantes próprias para des- pertar a doença em seu estado latente e essencial uma vida sedentária, os ex- cessivos trabalhos de gabinete, os demasiados exercícios musculares, os vicios secretos, os excessos venereos e, em summa, os de toda a espécie. Eis-nos chegados ao ponto mais contestado de nosso estudo. É a chlorose uma doença de todas as edades e do homem como da mulher? Ambrosio Tardieu com toda a sua autoridade de professor diz no seu Manual de pathologia e de clinica medica « a chlorose, pertencendo exclusivamente ao « sexofemenino, reconhece por principal causa predisponente apuberdade.» M. Grisolle reconhece na chlorose uma simples anemia que é especial d mulher eque affecta sobretudo as moças apenas nubeis. Para não citarmos mais, eis ahi duas autoridades bem constituídas, que fazem o estado chlorotico exclusivo á mulher no estado pubere; comtudo para lhes oppôr poderíamos apresentar muitos outros cuja autoridade tem eguaes direi- tos entre os mesmos da sua escola; porem damos como geralmente conhecidas e acatadas as opiniões de Bouiilaud, Trousseau, Nonat, Bossu, Sée e quasi todos os modernos pathologistas que a admittem nume noutro sexo. Estes nos dis- pensarão de recorrer ao juizo demais ninguém; todavia permitta-se-nos citar ain- da a este respeito as palavras de Sauvage, que por ser mais antigo o preferimos: « Esta doença é familiar ás raparigas nubeis e attribue-se á menostasia; porem « a observação diária mostra que as crianças de berço também são d'ella ataea- « das; que ha também mulheres bem regradas mas chloroticas; equehaho- « mens, como observa Bonnet, que o são também verdadeiramente. » Esta opinião tem tido, para que nos forremos a defendêl-a, os melhores par- tidistas; os nomes, alem dos ei udos, dos Drs. Usac, Marchai, e ;'oggiale, são bastante garantia paraaccredua"mos na existência do estado chlorotico sem ex- cepção de sexo nem de edade. Apesar porem de tudo permitta-se-nos dizer que aillustráção dos dignos pro- fessores que impoghío a .; moralidade não nos impede cie acereditar haverem seguido em sua opinião mais uma vez o rasto do impirismo, que julga não dever discutir as dniereir^- ]:vootheses mais o v menos extravagantes feitas para explicar a natureza da chlorose, que uns fazem depender d uma asthenia dos órgãos genitaes (Rocfee), outros da do grande sympathico (Copland), e outros dos órgãos digestivos (Hoffmann). Grisolle, por exemplo, onde fomos buscar estas palavras;'considera g- u fuiul:\mcnto e sas hypolheses, que toem todas ellas sem 11 contradição sua causa essencial nas alterações nervosas, contentando-se com dizer « na chlorose vemos soffrerem todos os órgãos, inlanguescerem, ou per- « vci 'erem-setodas as funcções, porque o sangue é menos abundante e seus prin- " cipios estimulantes diminuirão de proporção: é esta a única lesão material « que nos é permittido verificar. » Depois d'estas theonas desconhecemos a rasão porque um tão digno pro- fessor quer fazer distincção de sexo e de edade para ser ou não chlorotico, por quanto todos esses phenomenos podem manifestar-se em todos os indiví- duos sem que importe sua edade ou sexo. Em conclusão, para nós, a menos que se não queira designar exclusivamen- te sob o nome de chlorose o estado anêmico das moças na edade nubil, a chlorose é uma doença que pertence aos dois sexos, mais freqüente comtudo na mulher do que no homem, e que se pode encontrar em todos os períodos da vida e freqüentemente nas crianças como claramente demonstrou Nonat; todavia não chancellaremos esta parte do nosso trabalho sem declarar que, se- gundo a opinião mais geral é na época da puberdade, de trese a dezoito an- nos, e nos paizes tropicaes dois ou três antes d'este período, sobre tudo na mu- lher, que tal estado mórbido se patenteia e desenvolve comummente; massim como que depois dos vinte annos elle diminue de freqüência e dos vinte e cin- co em diante se torna raro. E por que passou a chlorose desapercebida na infância e se nota principal- mente nas moças? Por isso que nos primeiros annos da vida as funcções de re- lação são menos importantes, a actividade muscular mal está desenvolvida, e os phenomenos da hematose estão quasi sempre em relação com essas condi- ções orgânicas geracs; porém mais tarde, á medida que o organismo se des- envolve, o sangue deixa de ser somente um alimento para os tessidos, mas tor- na-se também, e cada vez mais, um excitante para os órgãos; caso em que não basta que seja rico em princípios plásticos, em albumina e fibrina, precisa scl-o também em glóbulos, e o elemento globular é tanto mais necessário, quanto a vida se torna mais activa e as funcções todas adquirem maior grau d'energia. É esta a rasão porque pelo começo da edade pubere a chlorose, isto é, o infra- quecimento ou antes a insufficiencia dos glóbulos sangüíneos, se revela pelos signaes menos equívocos, e o estado mórbido se manifesta com maior intensi- dade do que nunca. Assim as chloroses da infância ficão muitas vezes latentes até á puberdade; facto este que fez nascer o erro de que a chlorose é doença só d'ella exclusiva. Os phenomenos chloroticos ostentão-se pois com toda a sua força logo que as funcções da hematose contrastão por sua fraqueza e impotência com o des- 12 envolvimento e energia das outras funcções; logo que o elemento globular do sangue deixa de estar em proporção com a força da extensão orgânica, sobre tudo na moça chegada á época das funcções ovulares, que segundo a frase d'um grande escriptor—são as funcções por excellencia da mulher. Concebe-se facilmente que havendo perturbação das funcções da hematose havel-a-ha também das do apparelho ovular, mas depois da inteira evolução do desenvolvimento orgânico, a chlorose ficará estacionaria e tenderá mesmo mui- tas vezes a diminuir, por isso mesmo que os órgãos deixarão de crescer e des- envolver-se, e o equilíbrio se estabelece então entre a força da hematose e as outras potências funccionaes. Só d'este modo se pode explicar a raridade de similhante estado mórbido (raridade mais apparente do que real) no adulto e sobretudo no velho. Segundo o Dr. Gooch a chlorose depende d'esse vigor constitucional, pelo qual os órgãos sexuaes podem ser postos em acção, e é á deíficiencia d'elle que se deve attribuir a falta de seu desenvolvimento e a não realisação de suas func- ções. Na época da puberdade a constituição não tem só de nutrir-se a si, mas precisa de energia para elevar, excitar e pôr em acção uma nova sede de ór- gãos: precisa suprir os materiaes ao augmento de seu desenvolvimento e a todos os outros fins que coincidem com suas funcções. Eis como mui bem se pode explicar o modo por que o sangue quando em- pobrecido na qualidade e quantidade, retarda o desenvolvimento, notoriamen- te nas moças, e lhes traz tão tristes conseqüências. IV. SYMPTOMATOLOGIA. Pode a chlorose ter três graus de intensidade: chlorose simples ou incipien- te, chlorose inveterada, e chlorose complicada. O observador não deverá esquecer que devendo este estado mórbido sua existência a perturbações da ennervação é quasi sempre proteiforme em todos os seus phenomenos e symptomas. Como dissemos conserva-se quasi sempre em seu estado latente até á puber- dade. Ordinariamente inicia-se o mal pelas perturbações dos órgãos digesti- vos. O estômago torna-se sobretudo sede de dores que se irradião para as cos- 13 Ias ou para os hvpochondrios, acompanhadas de dyspepsia, náuseas e algu- mas veses vômitos, e, como temos tido occasião de verificar, até de hemate- mesis. O appetite se perverte ordina?iamente e os doentes procurão então ali- mentos cstravagantes e mesmo prejudiciaes (malacia ou pica), como se nota muitas veses, principalmente entre as pessoas miseráveis, as quaes, inveterada a doença, seaprazem em comer terra, greda, barro cosido ou cru, e até coisas asquerosas. Depois da perturbação das funcções dos órgãos digestivos fazem-se notar as nervosas: a cephalalgia accompanhada muitas veses de perturbações cerebraes, a tristesa, a melancolia e mesmo a mania e, (se dermos credito a Sandras) complicadas algumas veses de paralysiada face: emfim asnevralgias de toda a espécie, occupando principalmente a cabeça, mas podendo se manifestar tam- bém n'outras regiões, constituem symptomas que não são raros nos indiví- duos chloroticos. Alguns autores teem querido ver também comosymptomad^ste estado mór- bido paralysias da motilidade e da sensibilidade (hemiplegias e paraplegías) comtudo julgamos que estes casos se devem considerar antes como conse- qüência do hysterismo e não da chlorose, que elle pode complicar mas nunca designar. A côr da pelle torna-se quasi sempre característica, o que deu á doença o nome de chlorose; é ella ordinariamente d'uma côr de palha ou de cera ve- lha ou esverdeada; os lábios, as gongivas, as conjunctivas e em roda da boca e dos olhos aparecem azulados; a lingua pallida, molle e facilmente assignalada pelos dentes; algumas veses percebe-se também uma linha negra á roda das azas do nariz e nos ângulos da boca; as palpebras aparecem ennegrecidas e rdematosas de manhã, eos membros inferiores, principalmente nos maleo- los, apresentão também edemacia para a tarde; o tessido celular em geral tor- na-se molle e ftaccido, e toda a superfície, com especialidade a da pelle das ex- tremidades inferiores, é fria, e com quanto a temperatura geral não soffra gran- de alteração os doentes são mui sensíveis ao frio e julgão-se continuamente ge- lados. A pelle é em geral secca, as unhas quebrão-se com facilidade e os ca- bellos perdem todo o seu brilho. A constipação de ventre torna-se algumas veses renitente, porem não é raro vel-a alternada com diarrhea. As urinas são, como se diz geralmente, anêmicas; sua quantidade d'água fica no estado normal, porem a somma dos elementos sólidos diminue de 1/3 á metade de seu estado natural; os saes, as matérias extractivas e as gordas di- minuem pouco mais ou menos na mesma proporção; e o ácido urico falta-lhes quasi sempre. 14 A secreção anormal de gazes no intestino é um phenomeno mui commutn na chlorose e que se desenvolve mesmo sem enteralgia, não admirando ver o ventre tornar-se tumido e doloroso. As palpitações anormaes sobrevém logo depois dos primeiros symptomas e tornão-se freqüentes e acompanhadas de pulsações insólitas nas artérias; os doentes soffrem uma oppressão e um cançaço offegante todas as vezes que an- dão e principalmente quando exercem a acção de subir ou qualquer outra que possa causar fadiga. Estes phenomenos são algumas vezes de tamanha inten- sidade que podem levar o clinico a accreditar numa hypertrophia do coração. O pulso é raramente fraco e molle, algumas vezes é ondulante, porem a maior parte d'ellas é cheio, destendido e vibrante, e sempre característico das affecções nervosas. As vertigens são tão freqüentes que a vista se pode perturbar e mesmo obs- curecer por uma amaurose (Blaud e Marquis); não é raro ver os doentes attaca- dos de amblyopia, dyplopia, ou myopia, acompanhadas de zunido nos ouvidos e diminuição da audição; paralysia parcial ou total das papillas gustativas; em fim pode-se ver sobrevirem espasmos, phenomenos convulsivos, crises hys- tericas e perturbações sensorias de toda a espécie. Em certos doentes ha quasi sempre tendência para o somno, preguiça intel- lectual, lentidão nas concepções, fraqueza de memória, pouca aptidão para os trabalhos do espirito, imaginação quasi nulla, caracter fraco e irresoluto, aban- dono de tudo, gênio variável, inércia habitual. N'outros ao contrario ha desen- volvimento precoce da intelligencia, memória viva, espirito impressivel e prom- pto, caracter obstinado, a actividade mental exagerada, algumas vezes levada até á exaltação mórbida. Suas funcções são, ora enfraquecidas ora excitadas: no primeiro caso ha tor- por do sentido genital, desejos raros ou nullos, frigidez ou impotência; no se- gundo caso desejos immoderados, podendo chegar á satyriasis no homem ou á nymphomania na mulher. N'esta os phenomenos mais constantes ou os que rarissimas vezes faltão são as perturbações menstruaes. A supressão das regras é o symptoma caracteristico da mulher chlorotica e é elle que assignala, a maior parte das vezes, o começo d'este estado mórbido. Quando o aparelho ovular, que durante doze a quatorze annos não deu nenhum signal de vida, porque antes d'essa época era inútil para o principal papel da mulher; quando esse aparelho accorda, ou por assim dizer, se vivifica, torna-se o centro de novas funcções que exigem tal somma de vitalidade que bem parece que então um novo ser se ajunctou aquelle até então adormecido: «uterus ani- mal in animale» e que este, segundo a phrase de Van Helmont, é o único que 15 constitue a mulher e que a faz o que ella é: « propter uterum solum, mulier est id quod est ». Então se a mulher é chlorotica a funcção catamenial deixa de apparecer ou quasi se não manifesta. Quando mesmo não haja outros symptomas este só por si denuncia a rapariga chlorotica. Em alguns casos vê-se apparecer o fluxo menslrual em pequena quantidade, mas irregularmente e, uma vez vindo de- morar-se pouco tempo, algumas horas ás vezes, não sendo raro vêl-o depois des- apparecer. N'outros casos é apenas retardado ou irregular, pouco abundante e descorado; não é raro vêl-o substituído n'outros por uma leucorrhea, mais ou menos abundante, que persistirá durante todo o tempo, ou se tornará mais abun- dante, na época em que o fluxo sangüíneo devia apparecer. Serão pois vulga- res todos os symptomas das amenorrheas, das dysmenorrheas acompanhadas de dores no hypogastrio, nos lombos, nas coxas, &c. Alguns autores têem tratado também da chlorose nas mulheres coradas e su- jeitas a congestões uterinas e hemorragias em vez de regras, estado este a que derão o nome de « chlorosis fortiorvm » (Stoll, Yendt) ou chlorose hemorrá- gica (Trousseau), a qual é mais commum, segundo disem, na mulher adulta do que na joven; julgamos comtudo dever notar que a côr vermelha das chloroti- cas é limitada acertas partes da pelle e sobretudo do rosto; o que não cons- titue de modo algum indicio da riqueza do sangue e da actividade da circulação, mas antes uma espécie d'stase, e que se deve attribuir a uma atonia da rede ca- pillar sub-cutanea. Até aqui temos tratado mais particularmente dos symptomas que se costu- mão ver na mulher, diremos agora duas palavras sobre os que se notão no ou- tro sexo. Muitas vezes se vê apparecer nos rapazes, além dos symptomas acima citados, e que lhes podem ser extensivos, uma spermatorrhea (poluções) que os enfraquece extremamente; quanto mais que é ella devida ao enfraquecimento do sangue, isto é, a uma perturbação ou estado mórbido, que a maior parte das vezes é a mesma chlorose, bem como nas moças todas as funcções genitaes ute- rinas ou peri-uterinas podem fornecer ao medico symptomas para a diagnosis d'esta doença. Tem-se querido erigir também em symptoma d'esta aífecção a hydropisia; todavia esta doença, que é antes devida a uma diminuição da albumina do soro, do que á dos glóbulos, não deve ser considerada, quando sobrevenha no indi- víduo chlorotico, senão como complicação. Sem que haja a complicação d'uma diatheses tuberculosa, é possível verificar- se uma tosse caracteristica e uma dor por baixo do seio esquerdo; comtudo estes symptomas devem levar-se á conta de nervosos como os que simulão as doen- ças do íigado, do coração e do cérebro, notados nos chloroticos. 1G Emfim a chlorose complicada appresenta em grau maior ou menor os mes- mos symptomas geraes que as outras affecções mórbidas, que lhe trasem a complicação. A auscultação pode fornecer symptomas que para alguns autores são de gran- de importância. A impulsão exagerada do coração contra as paredes thoracicas, a extensão mais ou menos considerável da superfície em que se produsem as pulsações; o ruido do coração mais nitido e mais claro; o desenvolvimento d'um ruido de sopro de timbre suave no primeiro tempo do coração, o que segundo a opi- nião de Barth e Roger indica sempre um estado independente de lesão orgâ- nica, o qual ruido se ouve também algumas veses ao longo da aorta e raramen- te adquire um timbre sonoro, resonante ou musical; eis os signaes admittidos por todos os autores e que constituem a base dos symptomas do ouvido, sobre tudo quando coincidem com os da região cervical, onde se percebe claramente um ruido das carótidas ou um ruido venoso, continuo ou com redobre se for accompanhado do ruido das carótidas, symptomas estes que são os mais cons- tantes da chlorose. Em summa os murmúrios contínuos simples ou musicaes, isolados ou reuni- dos ao sopro arterial intermittente, o que dá o ruido de diabo, são signaes, po- de diser-se, pathognomonicos da chlorose inveterada com uma mui notável di- minuição dos glóbulos do sangue. Vernois na sua excellente these inaugural insina-nos que estes ruidos anô- malos serão devidos ás perturbações nervosas das túnicas dos vasos sangüí- neos d'onde podemos consideral-os effeito d'uma má sanguificação sobre as paredes vasculares. Ainda mais: por isso mesmo que ordinariamente mais de metade dos ele- mentos que absorvem o oxigênio e cedem o ácido carbônico falta no sangue, a respiração é por força embaraçada. Desse desequilíbrio nasce a necessidade de duplicar os movimentos respiratórios, pois o numero de inspirações anor- mal não basta para operar a troca dos gazes nos pulmões em proporção suffi- ciente para as urgências da economia. Taes são d'um modo summario os phenomenos pathologicos que accompa- nhão a chlorose em seus diversos graus; pelo que vemos ser ella, como já dissemos, uma doença verdadeiramente proteiforme, cujos symptomas geraes, ora d'augmento, ora de diminuição, ora de perversão dos actos orgânicos ou moraes, são sempre subordinados ao estado da constituição, á naturesa do tem- peramento, ás idiosyncrasias dos doentes, bem como ao grau de impobreci- mento de seo sangue. 17 V. DIAGNOSTICO. \ão acharíamos dificuldades no diagnostico da chlorose se ella se não ap- proximasse tanto da anemia ou das outras cachexias; comtudo cessará o em- baraço do pratico quando este tiver sempre presente que a chlorose vem d'uma disposição particular da economia, que nasceu com o doente, que não é conse- cutiva a uma hemorragia; emfim, que-é, como já dissemos, uma doença cons- titutional e congenial, ao mesmo tempo que a anemia é uma affecção adquirida e accidental. On devient anémique et lon nait chlorotique. Logo, se os symptomas forem recentes, se sobrevierem depois d'uma per- da sangüínea mais ou menos abundante, diagnosticaremos de preferencia a ane- mia; ao contrario, se os phenomenos mórbidos datarem de longe, se o doente não puder assignar-lhes causa precisa, acereditaremos antes na existência da chlorose. Alguns autores, até os mesmos que não querem acceitar distineção entre chlorose e anemia, Grisolle, por exemplo, teem admittido d, possibilidade dos dois estados mórbidos reunidos no mesmo indivíduo, sob o nome de ehlo- ro-anemia. Se houver pois esse estado mixto é preciso verificar sobretudo o elemento primitivo e essencial da chlorose, porque é evidente que esse lado da affecção será sempre o mais importante, sendo o outro apenas sua conseqüência ou me- ra complicação, caso tenha havido perdas accidentaes que despertassem ou empeorassem o estado essencial. Algumas veses para fixar o diagnostico convirá ensaiar os meios therapeu- ticos e então a marcha da doença pôr-nos-ha talvez a caminho. Se a cura se operar rápida e completamente, o doente era apenas anêmico; se ao contrario o tratamento bem dirigido trouxer apenas alguma melhora, di- minuição dos symptomas ou mesmo uma cura apparente, seguida de recahida mais ou menos próxima, o doente era talvez anêmico, porem era também e sobretudo, chlorotico. Os nosographos modernos, e primeiro que todos elles Yirchow e Bennett, descreverão uma nova doença a que chamarão, o primeiro, leucemia, e o se- 18 gundo, talvez com mais rasão, leucocytemia, que se aproxima por mais d'um symptoma, taes como a pallidez, aspalpitaeões, os accidentes nervosos etc, da chlorose; porém distingue-se d'ella por certas lesões do baço, do ligado, dos gânglios lymphaticos do mesenterio, e sobretudo pela naturesa da alteração do sangue, o qual n'esta doença apresenta uma proporção enorme de glóbulos brancos, em quanto nos chloroticos, a menos que não haja complicações, aquellas vísceras pouco soffrem ou, segundo Nonat, nada offerecem de visi- velmente anormal. Finalmente nos casos de leucocytemia teremos como elemento importante da diagnosis o predomínio dos glóbulos brancos, se puder fazer-se a analyse do sangue; o engorgitamento chronico do baço, sem ser accompanhado de accessos de febre intermittente refractaria ao sulfato de quinina, e coincidindo com a au- sência de todo o phenomeno d'infecção palustre. Pelo que se refere ás diversas cachexias impossível é confundir-nos depois dos estudos conscienciosos ultimamente feitos pelos vários nosologistas já ci- tados. Assim, não obstante os pontos de contacto que ellas teem ou parecem ter em todos os seus symptomas, a chlorose distinguir-se-ha sempre facilmente não esquecendo o medico que toda a cachexia tem um elemento etiologico ou ana- tômico que falta á chlorose, tal como o cancro, os tuberculos, o scorbuto, asy- philis; ou então um foco purulento, ou mesmo as exhalações saturninas e mias- maíicas, paludosas, etc. Se não houver outro meio será ainda a therapeutica a própria para esclarecer o clinico. A approximação que ha entre a hypochondria e o hysterismo assignada por Highmore, Sydenham, Stahl, Dubois, etc. apoia-se também na complexidade dos phenomenos nervosos, communs a estas duas doenças, uma no homem e outra na mulher. Para nós, com quanto Baillou e muitos outros autores fizes- sem d'ellas apenas uma assimilação, cremos que a maior parte das veses não são senão a mesma chlorose ou então uma complicação capaz de accordal-a co- mo todos os estados nevro-sthenicos. Emfim a auscultação, estudada cuidadosamente, segundo as regras prescrip- tas pelos mestres que a ella se teem dado com grande gloria e proveito da sciencia medica, poderá melhor que outro meio ajudar o pratico no diagnosti- co do assumpto que nos occupa; comtudo é preciso que elle não esqueça sua grande diíficuldade e os erros que nos pode acarretar por causa de uma illusão; julgamos porém que todo o ingano se evitará quando tivermos logo a princi- pio o cuidado de estudar e observar o ruido do coração e o das artérias e das veias em relação com os outros phenomenos pathologicos. 19 Temos tido occasião de observar jovens doentes em que se havião supposto doenças do coração, havendo apenas perturbações nervosas; e pelo contrario uma mulher com uma hypertrophia a que applicávão marciaes como se fosse simplesmente chlorotica. Referindo estes factos só queremos justificar a diíficuldade algumas veses do diagnostico e censurar, ou a louca confiança que alguns práticos ligão á subli- me mas difficil arte de Lasnnec, ou então o despreso que alguns outros aí- fectão por ella; talvez por desconhecerem seus Íntimos segredos. A chlorose, perdòe-se-nos a repetição, pode simular doenças que nunca existirão no indivíduo apresentado a nosso exame por causa de seu caracter tantas veses insidioso e proteiforme: vimos por exemplo ha pouco tempo uma menina, que, havendo chegado á edade pubere, offerecia symptomas d'uma myelite ou ao menos que o professor, um dos mais dignos, que a tractava, jul- gou considerar como taes; comtudo convencêmo-nos, e o tempo fez justiça ao nosso modo de ver, que nella havia simplesmente uma chlorose. Em resumo: na chlorose como em todas os estados mórbidos, o diagnos- tico não deverá ser definitivamente assentado senão depois de se ter bem ve- rificado o valor dos symptomas, que podem caracterisar a espécie ou a natu- resa da affecção. Nos casos duvidosos em que as complicações podem encu- brir a verdadeira lesão, ou os variados symptomas simular, ora esta, ora aquel- la doença, é ao bom critério que o medico deverá recorrer. Se depois d'uma ou outra tentativa não alcançar seu fim—Errare humanum est. VI. PROGNOSTICO. O prognostico da chlorose pode variar segundo o grau de simplicidade ou de chronicidade, e as complicações que lhe difficultão a cura. Em vista da divisão que fizemos de chlorose simples ou incipiente, inveterada e complicada, se- rá pois declarado o prognostico. Quando é incipiente e pouco pronunciada, por conseqüência compatível com o exercício quasi regular das funcções physiologicas, será considerada sem gra- vidade; porem quando interessar as funcções mais importantes do organismo 20 reunirá então todos os caracteres d'uma doença grave exigindo um cuidadoso tratamento. Se a chlorose tiver attingido seu máximo de intensidade todo o organismo se resentirá tão profundamente, que o equilíbrio funccional uma vez destruído os actos mais importantes da vida orgânica, taes como a digestão, a circulação, a respiração, a nutrição e as secreções perturbar-se-hão também infallivelmente; logo a desordem será geral em toda a economia e as perturbações da ennerva- ção virão a ser com certeza origem dos mais graves accidentes nervosos. Neste caso a tenacidade da doença, a multiplicidade de seus symptomas, bem como as aptidões mórbidas por ellas geradas ou desenvolvidas, determinarão o prognostico. O enfraquecimento, que é conseqüência do estado chlorotico, facilita muitas vezes a apparição das doenças intercurrentes, e estas, agravando a disposição constitucional, augmentão as probabilidades da desorganisação, suspendendo o appetite ou embaraçando a nutrição e prejudicando profundamente todas func- ções da hematose. O impobrecimente do sangue, ja então pobre, dobrará sem duvida os symptomas de maior gravidade e perigo, porque, muito mais ainda do que todas as affecções agudas, se deve temer nos verdadeiramente chloroticos, o marasmo ou a cachexia, que podem determinar seu triste fim. Nada pois mais diíficil do que a completa e difinitiva cura d'estas doenças, em que o sangue chega a despojar-se d'um modo lento e inteiramente espontâ- neo, quer dos glóbulos, quer da fibrina, sobretudo por causa da facilidade das recahidas e recrudescencias, que se seguem ordinariamente, algum tempo de- pois d'uma diminuição sensível dos principaes symptomas. Eis a opinião dos pathologistas; todavia para nós, á vista dos factos de nossa pequena mas attenta observação, diremos, pelo que toca á edade e ao sexo do indivíduo chlorotico: que esta enfermidade apresenta pouca gravidade no adulto, que logrou chegar ao termo de seu desenvolvimento, principalmente no homem feito, em quem ella raras vezes apparece: finalmente, que elle constitue um estado serio na infância e na mocidade, mas muito mais perigoso na puberda- de e com especialidade nas moças. 21 VII COMPLICAÇÕES As complicações da chlorose são numerosas; porque o estado da affecção tor- na o doente apto, por assim dizer, para contrahir muitas outras; comtudo as- sígnalaremos como complicações principaes e algumas vezes como conseqüên- cias da chlorose, aamenorrhea, a dysmenorrhea, a hematemesis e as hemorra- gias uterinas, na mulher; a spermatorrhea no homem, a as épistaxis nasaes em ambos. Os tuberculos pulmunares são uma complicação freqüente nos chloroticos ja dispostos pela hereditariedade. Segundo alguns autores não é raro também sobrevir no estado chlorotico uma hypertrophia do coração, idéa esta que não fasemos nossa. Quanto á hydropisia, que quasi todos os autores teem querido pôr no numero das complicações da chlorose (em conseqüência talvez do mesmo erro que con- fundia esta affecção com a hydremia ou a anemia accidental) convém lembrar- nos que ella, como dissemos ja, procede d'uma diminuição da albumina do soro e não da dos glóbulos; todavia se a doença é antiga, é possível sobrevir uma infiltração do tessido cellular o que será sempre signal de estado mórbido muito adiantado e exceptional. A hypochondria e o hysterismo &c. podem complicar muitas vezes o estado chlorotico. Emfim a relação que existe entre todas as nevroses, que acompanhão em certas mulheres de temperamento muito irrilavel o período menstrual, porá sempre de sobre aviso o clinico cuidadoso. VIII. TRATAMENTO- O tratamento da chlorose deve ser feito desde o principio da doença e segui- do cuidadosamente para que d'elle se obtenha um bom resultado. É preciso %% não esquecer que o Caracter proteiforme desta doença exige mais que todas um estudo acurado das causas que podem determinal-a, antes de qualquer applica- ção therapeutica; e que esta deverá ser antes geral do que local, ainda mesmo quando o mal pareça pedir o emprego dos tópicos, como nas nevralgias, nas hemorragias passivas etc. Assim o pratico procurando affastar a principio as causas predisponentes buscará os meios; já profilacticos, já hygienicos, já therapeuticos, que possão concorrer para o desenvolvimento da puberdade, se o doente tiver chegado ou estiver chegando a ella; ou emfim ao da força do indivíduo e, ao perfeito com- plemento de todas as funcções que constituem a saúde. Segundo a maior parte dos clínicos são os marciaes o remédio por excellen- cia da chlorose, e alguns o julgão mesmo o seu especifico; todavia o digno professor de clinica de Paris Mr. Trousseau e com elle muitos outros, censu- rão com justa rasão a crença no especifico e julgão deverem-se-lhe os grandes erros que se teem commettido com seu emprego em muitos chloroticos, victi- mas do empirismo marcial. Dizemos empirismo porque uma vez estabelecido que a causa da má sanguificação seja a ausência o ferro, dar ferro a todos que são pallidos, magros, cacheticos etc, sem estudar o estado physiologico que determina a natural assimillação d'esse elemento no indivíduo doente, outra cousa não é. É pois á physiologia, estudada como ella o tem sido ultimamente, que de- vemos ir pedir os meios de despertar as faculdades adormecidas, antes do que a esse pretendido methodo de substituição ou de assimillação tantas veses em desaccordo com ella; pois que esse maravilhoso systema chamado nervoso gan- glionar ou trisplanchnico tem regras para a ellaboração nutrictiva da fibri- na, da albumina e dos glóbulos que o silencioso cadinho do chimico não pode explicar nem sabe supprir. Assim não é o ferro que falta mas sim a tonicidade do systema assimillador, e uma vez conhecidos os actos do organismo, que são as funcções vitaes da sensibilidade e da contractilidade; estudados os modos porque esses actos podem ser perturbados em sua regularidade, teremos sem duvida achado campo melhor para toda a operação therapeutica. Algumas veses depois do enfraquecimento ou da perda da tonicidade phv- siologica, os tessidos tornão-se flaccidos e os liquidos em.vez de circularem como no estado normal, parecem antes obedecer ao próprio peso; estagnando em seus vasos, infiltrando-se, e deixando, em summa, de satisfaser ás leis da aífinidade vital, tornão a nutrição imperfeita senão impossivel. Portanto os meios de restituir aos sólidos o orgasmo, a densidade vital, o tom necessário ao des- 23 envolvimento dos movimentos que nelles se passão, serão sem duvida os remédios da chlorose. Ora, na alteração das funcções vitaes, ao que nos parece, o primeiro com- prometido é o sangue, a carne liquida (chair coulante) segundo a phrase do celebre anatomista; comtudo o systema ganglionar alterado em suas func- ções traz também, equem sabe se primeiro, a perturbação a todos os actos da vida, porque é elle que imprime ás forças vivas da economia animal a re- sistência vital; donde queremos concluir que antes de todo o tratamento é mis- ter estudar se se devem empregar tão somente os tônicos chamados analepti- cos ou os nevro-sthenicos, ou ambos associados. Comtudo antes de qualquer applicação deve o clinico prescrutar as causas, como dirião os antigos circun- fusas, e procurar subtrahir o doente a uma atmosphera que será muitas veses a causa única de sua affecção: e tendo sempre o cuidado de estudar as condi- ções da sua vida, até a intima podendo, subtrahil-o á que o empeorára. Um bom professor inglez, Mr. Ashwell, no seu tratado pratico das doenças das mulheres faz uma mui judiciosa observação quando diz « A chlorose éuma « affecção rara nos districtos ruraes, em que a mocidade feminina se passa ao « ar livre; onde a moda não se oppõe jamais a que passeiem e corrão e onde « se não considera uma grosseira violação da educação, saltar e brincar com ac- « tividade e vigor. Taes raparigas adquirem a energia do systema nervoso, to- « dos os órgãos se desenvolvem n ellas, c seu sangue é abundante e de excellen- « te qualidade pelo que attingem a puberdade sem embaraço. » Eis aqui um bom começo de regimen: se o doente está em más condições, se lhe faltar o ar, a luz e mesmo a liberdade, mandai-a para o campo e a mu- dança será o único ou ao menos o melhor remédio, se o mal fòr em principio. Havendo alguma complicação necessário se torna distinguil-a mui claramente antes de toda a applicação, porque é nestes casos que o naufrágio é possivel e se a priori ou pela simples observação o não pudermos fazer, haja n'esses ca- sos recurso aos meios exploradores « curationes naluram morborv.m osten- dunt. » Em geral é o estado mórbido do sangue que faz a base da moléstia; comtudo a causa efficiente d'este estado mórbido do sangue não é sempre a mesma, como dissemos no artigo Etiologia. As perturbações da digestão manifestão-se quasi sempre quando a affecção se inicia, pelo que julgamos muito conveniente começar o tratamento therapeutico em taes casos pelo emprego dos tônicos vegetaes, os amargos, procurando ao mesmo tempo obter a regularidade das evacuações alvinas e preparando portal guiza a economia para a assimillação dos elementos de que pode carecer, sem 24 todavia produzir perdas que farião augmentar o enfraquecimento das funcções th hematose, que nos devemos esforçar por avivar. Na primeira plana, quanto aos amargos, poremos o rhuibarbo, a quina, a u-mciana e o musgo islandico. Quanto aos purgativos preferimos o aloes, que em doze tônica é excellente, sobretudo nos casos de amenorrhea, conseqüência quasi constante da má sanguificação e da diminuição da secreção ovular. O maná e o sulfato de soda, e de magnesia prestarão também bons serviços nos casos de constipações teimosas, ja em poção ja em clysteres, com quanto jul- guemos preferível a principio os d'água simples, um pouco quente, que podem ter a vantagem dupla de ajudar os movimentos peristalticos e de evacuar o intestino grosso. As roupas devem ser sempre confortáveis e antes quentes do que leves; os passeios, e talvez melhor os feitos a cavallo, serão sempre de grande utilidade para ao menos diminuir as condições da doença. Quando se obtiver alguma melhora da parte das funcções digestivas, as cores, cuja perda é o symptoma mais constante da chlorose, restaurar-se-hão. É então que aconselharemos o emprego das preparações ferruginosas, a principio em pequena doze, e augmentando depois segundo os progressos da cura e as forças do individuo. Insistimos neste methodo porque a experiência nos tem feito ver que uma vez seguido o contrario, isto é, se se emprega ferro antes d'uma pre- paração conveniente, é possivel ver seguirem-se symptomas desagradáveis, que se houverão evitado. Se as perturbações das funcções digestivas parecem pelo menos, diminuidas e só restão a pallidez e as perturbações nervosas próprias da chlorose, ainda en- tão o ferro terá seu logar de honra, principalmentente dado na hora da comida. Se as funcções digestivas se fizerem com preguiça, preferiremos accrescentar ao ferro a pepsina, as pilulas de Hogg, por exemplo, dadas também com a co- mida, porque é um erro que temos visto commetter muitas vezes, dar este medicamento com o estômago vasio. Se elle serve para ajudar a digestão a que vem dal-o quando não ha que digerir? Pode affirmar-se que se não houver complicação tuberculosa ou ulceração do estômago, affecção esta que não raro causa a anemia, o que deve ser previa e cautelosamente estudado, o ferro trará sempre uma melhora prodigiosa, dir- se-hia mesmo mágica; comtudo algumas vezes, e em muitos individuos, o ferro pode augmentar ou produzir a constipação do ventre, inconveniente que se ob- viará ajuntando-lhe, como dissemos, o aloes. Sobrevindo um torpor de todo o systema ou flatulencia e perturbações hys- 25 tericas juntaremos a cada pilula uma colher de qualquer poção antispamodica, ou simplesmente tônica. Impossível nos é descrever minuciosamente todos os cuidados que as diversas circunstancias podem exigir. Algumas vezes os marciaes terão sido emprega- dos prematuramente ou applicados em doze inconveniente ou sob uma forma indevida; o critério do clinico supprirá todas estas circunstancias que devem ser estudadas attentamente. Os autores estão todos d'accordo quanto á necessidade de insistir no trata- mento da chlorose durante não só semanas mas meses, porque á chronicidade do mal não podem convir senão remédios, segundo o aphorismo, crônicos tam- bém; e não esquecendo que os meios que melhor effeito produzem são o exer- cido ao ar livre, regimen reparador e, muito melhor que qualquer outro remé- dio, o ar puro e oxigenado, tal qual se não respira quasi nunca nas cidades,— as viagens e, se for possível, as de mar, serão poderosos meios para aconselhar aos chloroticos. Seguindo a opinião dos que pretendem curar a chlorose com os elementos que julgão faltarem no sangue, devemos citar corno meio therapeutico, confor- me dissemos ja no principio d'este nosso trabalho, o emprego do manganez. Pode-se pois em seguida ao ferro, e se este não tiver produzido o desejado effeito, recorrer aos saes de manganez sob a forma em que os aconselhão os professores Hannon, Pétrequin, e Burin Dubuisson. Os que acereditão na amenorrhea como causa da chlorose teem também ga- bado os chamados emenagogos; comtudo para nós que vemos n'este estado mórbido não uma causa mas simplesmente um effeito, não podemos fallar d'el- les aqui; todavia, como todos sabem, o ferro tem n'estes casos todas as virtu- des dos tão gabados emenagogos, porque sendo modiíicador do sangue, dá-lhe as qualidades necessárias para supprir a secreção ovular, que deixara de fazer- se vista a pobresa do liquido que devia traser a congestão e apoz ella o fluxo catamenial. A electricidade merece ser também posta no numero dos agentes therapeu- ticos por todos os que querem procurar nella um meio estimulante das func- ções uterinas ou periuteiinas: é sempre o effeito pela causa. Não a despresa- remos uma vez necessária como tônico do systema nervoso em geral. Em summa as complicações da chlorose devem attrahir toda a attenção do assistente, porque, segundo a mui judiciosa opinião de Trousseau «a anemia tu- berculosa (a sua falsa chlorose) pode favore^r %umas veses o estado latente da tuberculose» isto é, o ferro, por exemplo, ?< ^tituindo acrasis do san- gue, pode accelerar, como o illustre professor iva muitas veses verificado, a tu- 2G berculisaçao, por conseguinte o periodo fatal da doença. Assim, quando numa pessoa moça, principalmente na rapariga «languida, sem energia, o ferro des- te perta rapidamente as forças e o appelite, mas ao mesmo tempo lhe accelera « notavelmente o pulso e dá uma espécie de febre e excitação d'algum modo « similhante á da embriaguez, deve-se temer, insistindo, que a febre appareça « com maior força, accompanhada de desordens locaes, cuja marcha tomará « assustadora rapidez »: são estas ainda as palavras do sábio professor da cli- nica de Pariz. As preparações ferruginosas são hoje em numero prodigioso; comtudo, dei- xando á prudência do pratico a escolha entre tantas formas diversas, aconse- lharemos de preferencia a limalha de ferro porphirisada, o citrato de ferro amo- niacal, o tartrato ferrico-potacico, o iodureto de ferro, e o ferro redusido pelo hydrogenio. N'um caso de hematemesis de causa chlorotica, numa menina de onze an- nos, recorremos com muita vantagem ao perchloreto de ferro, combinado com a quina. Emfim o tratamento da chlorose simples será sempre fácil; quanto á inve- terada insistir-se-ha com intervalos nos meios propostos, e quando houver uma complicação, o bom juizo do medico procurará descriminar as ligações que esta possa ter com a chlorose e combater uma ou outra, segundo sua prepon- derância, ou ambas ao mesmo tempo, por todos os meios therapeuticos e hy- gienicos adequados. Entre estes meios ha hoje uma espécie muito em moda e que não pode- mos deixar em silencio, é a hydrotherapia. Além dos banhos de todas as espécies, de piscina, de rio, de mar e thermaes, de que se poderão tirar algumas veses grandes resultados, sobretudo dos de mar, a água fria deve ser usada (são estas as palavras de Fleury no seu trata- do) contra a chlorose como agente excitante, mas seu effeito sedativo deve evitar-se com cuidado, sob pena de fazer muito mais mal aos doentes do que bem. Aconselha elle para isto a temperatura de oito a doze graus centígrados, e que se empreguem de preferencia os duches fortes a fim que o effeito tão útil etão necessário da percussão venha juntar-se ao do frio para provocar a reac- ção, e que a duração das applicações geraes ou parciaes d'água fria sejão sem- pre proporcionadas á força da reacção do indivíduo, porque esta é o instru- mento exclusivo da cura: se ella se não produsir o tratamento tornar-se-ha nullo ou mesmo causa d'accidentes gravíssimos. Na verdade a influencia mechanica dos duches frios sobre os tegumentos externos trasendo uma dupla influencia á rede capillar, por um lado, e á peri- 27 feria nervosa pelo outro, pode ser um poderoso meio, comtudo não o acconse- lharemos, a menos que não haja restricções serias, senão na chlorose incipien- te e depois de haver ensaiado outros meios. Os duches de chuva serão quasi sempre preferíveis. Finalmente, todo o tratamento da chlorose deve ser feito com insistência e intervalos para não cançar o systema e para que o medico possa melhor estu- dar os resultados obtidos. Terminaremos nosso trabalho sem fallar da influencia que o estado chlo- rotico pode ter como predisponente em todas as doenças agudas, porque jul- gamos que facilmente se dedusirá isso de quanto temos dito; todavia acrescen- taremos que deve o pratico estar sempre attento a essa má disposição do doen- te quando tiver que tratar principalmente os que ainda não chegarão a edade adulta e sobretudo as moças atacadas de febres eruptivas, de anginas, gastri- tes etc., em que as emissões sangüíneas, tão recommendadas por todos, po- dem produsir serias perturbações; e assim na tosse convulsiva, que nas crian- ças chloroticas é sempre mais perigosa, talvez por ser doença excessivamente incitadora do systema nervoso e das perturbações do aparelho da hematose. HIPPOCRATIS APHORISMI. i. Lassitudines spontanese morbos denuneiant. Aph. 5.° Sect. II II. Morbi alii ad alia têmpora bene vel male se liabent et quaedam abates ad anni têmpora, loca, et victus genera. Aph. 3.° Sect. III. III. Juvenibus autem sanguinis expuitiones, tabes, febres acutaB et epilepsiae aliique morbi, sed praecipue nunc dictL Aph. 39 Sect. III. IV. Mulieri sanguinem evomenti, menstruis erumpentibus solutio fit. Aph. 33, Sect. V. V, Mulieri menstruis deficientibus, sanguis e naribus profluens, bono est. Aph. 33, Sect. V. VI. IMulieri menses decolores, nec eodem semper modo et tempore prodeuntes, purgationem indicant esse necessariam. Aph. 36, Sect. V. VIL Menstruis abundantibus, morbi eveniunt; et subsistentibus, accidunt ab ute- ro morbi. Aph. 57, Sect. V. Bahia—Typographia de Camillo de Lellis Masson & C—1867.