■^AdSM FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA \ THESE MAMEL LUDGERO DE OLIVEIRA CAMPOS Bf* *^ THESE QUE DEVE SER SUSTENTADA EM NOVEMBRO DE 1873 PARA OBTER O GRAU DE I> O TJ T O Pt E M MEDIOIIVA POR IAK01L LUDGERO DOLIVEIRA CAMPOS^L Habilitado professor de Geographia e Historia NATURAL DESTA PROVÍNCIA FILHO LEGITIMO DE MAXIMIANO PEREIRA CAMPOS E D. RUFINA MARIA D OLIVEIRA « Da veniam scriptis quorum non gloria nobis causa, sed utilitas officiumque fuit. » Ovidio. tO «Cd» JmhL U* jtit TYPOGRAPHIA DO DIÁRIO 5 — Largo do Iheatro — 5 1873 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA DIRECTOR VIGE-DIRECTOR O EXM. SR. CONSELHEIRO DR. VICENTE FERREIRA DE MAGALHÃES. LENTES PROPRIETÁRIOS. Os Srs. Doutores Io anno Matérias que leccionão Cons. Vicente Ferreira de Magalhães . . j P%SpCnCa^e?áaMeedFdna!;Ulai Francisco Rodrigues da Silva.....Chimica e Mineralogia. Barão de Itapoan...... . Anatomia descripliva. 2° anno Antônio de Cerqueira Pinto.....Chimica orgânica. Jeronymo Sodré Pereira......Physiologia. Antônio Mariano do Bomfim.....Botânica e Zoologia. Barão de Itapoan........Repetição de Anatomia descriptiva. 51° anno Cons. Elias José Pedrosa......Anatomia geral e pathologica. José de Góes Siqueira.......Pathologia geral. Jeronymo Sodré Pereira......Continuação de Phisiologia. 4o anuo Cons. Manuel Ladislau Aranha Dantas . . Pathologia externa. Demetrio Cyriaco Tourinho.....Pathologia interna. „ „.,. „ . „ . i Partos, moléstias de mulheres pejadas e de Cons. Mathias Moreira Sampaio . . . j men'inos recemna9cidos. 5o anno Demetrio Cyriaco Tourinho.....Continuação de Pathologia interna. Luiz Alvares dos Santos ...... Matéria medica e therapeutica» T . , „ . . Anatomia topographica, Medicina operatoria José Antônio de ireitas...... j e appareihos. 6o anno Rozendo Aprigio Pereira Guimarães . . . Pharmacia. Salustiano Ferreira Souto.....Medicina legal. Domingos Rodrigues Seixas . . . . . Hygiene e Historia da Medicina. José Affonso Paraizo de Moura .... Clinica externa do 3.» e 4.° anno. Antônio Januário de Faria.....Clinica interna do 5.° e 6.° anno. OPPOSITORES Augusto Gonsalves Martins .... Domingos Carlos da Silva..... Antônio Pacifico Pereira......£ Secção Cirúrgica. Alexandre Affonso de Carvalho . . José Pedro de Souza Braga .... Ignacio José da Cunha..... Pedro Ribeiro de Araújo..... José Ignacio de Barros Pimentel. . . . ^ Secção Accessoria. Virgilio Climaco Damazio..... Claudemiro Augusto de Moraes Caldas . Egas Carlos Moniz Sodré de Aragão. . Ramiro Affonso Monteiro......} SecçSo Medica. Manoel Joaquim Saraiva..... José Luiz de Almeida Couto .... SKCRETARIO 0 SR. DR. CINCINNATO PINTO DA SILVA. OFFIGIAL DA SECRETARIA O SR. DR. THOMAZ DE AQUINO GASPAR. A Faculdade tão apprófá, nem reprórí as opiniões emittídas nas Ibeses que lhe são aprtsoatadas SEGGiO MEDICA Em qixe consistem os temperamentos ? U possível modifical-os, transformal-os, destruil os? Quaes os meios hygienicos ? DISSERTAÇÃO Dirigez toules vos actions de manière à at- teindre, autant que possible, le dernier terme de votre profession, qui est de conserver Ia vic, de relablir Ia santé et d'alleger les souffrances d'autrui. (HUFFELAND.) PRIMEIRA PARTE EM QUE CONSISTEM OS TEMPERAMENTOS ? Â questão dos temperamentos é, sem duvida, das mais importantes da Iiygiene: sempre mais ou menos ligada a todas as outras questões, de que se oecupão este e outros ramos das sciencias médicas,—ella serve realmente de base para qualquer estudo, que tenha por objecto a saúde do homem. Antes de tudo procuraremos saber o que é saúde, este ideal da phy- siologia, este sonho dourado da hygiene. Desconhecida em sua essência, em sua natureza, bem como a vida e a moléstia, é a saúde um estado do organismo, que senão pôde definir. Vida, saúde, moléstia!—eis aqui três grandes problemas, que, apezar de toda a erudição dos sábios mais eminentes, não forão ainda e jamais serão resolvidos; são, por assim dizer, os três ângulos da pedra fundamental, sobre que se assenta o grandioso edifício da sciencia do divino Velho de Cós. L. 1 __ 2 __ Quem não comprehende o que é a vida? quem não sente a existência d'essa força occulta, que só se manifesta por seus eíTeitos, e á qual os autores têm chamado—Natureza,—Pneuma,—esforço interior d'um principio conservador, u^principio vital, etc, d'essa potência desco- nhecida, que rege, ordena, mantém e conserva os corpos vivos?— Quem não comprehende o sentido das palavras—saúde e moléstia f Entretanto ninguém poderá dar uma definição satisfactoria d'esta trindade mysteriosa; e a prova de tal verdade ahi a temos na completa anarchia, que, desde a origem da sciencia, tem dividido e talvez divi- dirá sempre os sábios sobre tão momentoso assumpto. Deixando de lado todas as definições, mais ou menos insufficientes, que têm sido propostas sobre o que seja a saúde, preferimos transcre- ver a feliz descripção d'este estado do organismo dada por um dos mais distinetos professores da Faculdade de Paris, H. Royer Collard. Segundo este autor é a saúde: « une proportion définie dans Ia sub- « stance de notre corps; un certain mode de relation entre cette sub- « stance ainsi organisée et les agents extérieurs, qui sont nécessaires « pour que Ia vie se produise et se conserve, pour que les fonetions « s'exécutent de manière à 1'entretenir. En dehors de cette limite, en « deçá, et au dela, leur excès ou leur défaut amèneront bientòt un « changement dans 1'acte vital et tendront á produire Ia dissolution et « Ia mort. » A saúde é, de sua natureza, essencialmente variável e relativa; ex- prime um modo de ser do organismo, que varia segundo os indivíduos e no mesmo individuo segundo uma multidão de circumstancias, sem que as oscillações funecionaes, que d'ahi procedem, possão determinar um estado mórbido ; póde-se dizer que ha tantas saúdes quantos indivíduos e até mesmo quantos momentos ha na vida do homem. A causa d'esta perpetua mobilidade existe ao mesmo tempo dentro em nós e fora de nós; é a resultante das relações infinitas que existem entre os corpos vivos e as influencias que sobre elles podem actuar. D'ahi resultão naturalmente as diíferenças que, entre si, apresentão os homens em relação á sua saúde, as quaes podemos dividir em duas classes: umas,—as variações da saúde, são mudanças accidentaes, de- pendentes d'acção prolongada das diversas influencias exteriores, que — 3 — modificão passageiramente o organismo ; outras,—as formas ou varie- dades da saúde, são os traços específicos das individualidades humanas, diíTerenças constantes e inherentes á nossa constituição e ás quaes a escola de Galeno chamava—res naturales. Á classe dos caracteres específicos da economia pertencem os tem- peramentos, cujas denominações varião, segundo as theorias physiolo- gicas, que successivamente têm dominado na sciencia. Tão antiga quanto a medicina, a idéa dos temperamentos nasceu de que os antigos suppunhão os corpos organisados constituídos por ele- mentos diversos e associados em proporções taes que se poderião corre- gir ou moderar reciprocamente, temperar emfim uns aos outros, re- sultando d'ahi um equilíbrio perfeito; mas, como não lhes fosse pos- sível encontrar, senão mui raras vezes, uma organisação assim equili- brada, admitlirão desproporções entre seus elementos,—compatíveis core a saúde e capazes de modificarem a economia inteira—, dando-lhe uma pliysionomia distincta, uma feição particular. D'estas despropor- ções deduzirão elles diíTerenças, que chamarão temperamentos pro- priamente ditos; ao excesso d'ellas denominarão—intempérie. Sobre este ponto importante da historia physica de nossa espécie muito se tem dissertado e ainda muito se dissertará. Em todos os tempos, graves questões forão suscitadas sobre tal assumpto e os annaes da sciencia offerecem numerosas theorias, interpretações di- versas e curiosas, deduzidas de concepções systematicas mais ou menos eivadas de hypotheses e de erros. A historia theorica dos temperamentos é a da medicina; n'ella de- paramos com as mesmas doutrinas do humorismo, do mecanicismo, do solidismo. ííippocrates havia lançado as bases da doutrina dos temperamentos em seu tratado sobre a —Natureza do homem, —no qual se acha a celebre theoria dos quatro humores, — sangue, bilis, pituita e atra- bilis. Galeno, fundando-se sobre o predomínio d'estes humores, podendo manifestar-se por quatro qualidades elementares e constituintes do orga- — 4 — nismo, quente, frio, secco e humido, creou um systema de quatro temperamentos, a saber: 1o o temperamento sangiiinen, — quente e humido; 2o o bilioso, quente e secco; 3o o atrabiliário ou melancó- lico,— frio e secco; 4o o pituiloso ou phlegmatico,—frio e humido. Nada mais curioso, nem mais digno de attenção, do que a alliança que o ccltbre medico do imperador Marco Aurélio estabeleceu entre os temperamentos, as idades, as estações e os climas; assim: o tempe- ramento sangüíneo é próprio da infância, da primavera e dos climas temperados ; o bilioso corresponde á idade adulta, ao estio e aos climas quentes e seccos ; o melancólico á idade viril, ao outono e aos climas frios e seccos; finalmente o pituitoso é próprio da velhice, do inverno e dos climas frios e humidos. Cada temperamento é caracterisado por um habito exterior particular, por um estado especial das funeções physicas e moraes e sujeito a um gênero próprio de moléstias. Stahl deduziu os temperamentos da proporção entre a consistência dos fluidos e o diâmetro dos vasos, e por esta theoria pretendeu ex- plicar até os actos intellecíuaes e moraes, que os antigos attribuião a cada temperamento. Assim, segundo Stahl, acontece que no tempera- mento sangüíneo, tendo os sólidos uma textura esponjosa e podendo ser livremente percorridos por um sangue rico de moléculas activas, as funeções vitaes se executão com grande facilidade e a alma con- cebe um sentimento de plena confiança, d'onde procede o caracter alegre, resoluto e franco; no lymphatico, predominão no sangue as moléculas aquosas e frias, que amollecem os órgãos, tirando-lhes a força necessária para o enérgico desempenho de suas funeções; d'ahi resultão o sentimento de fraqueza e o caracter tímido; no tempera- mento melancólico, embora tenhão os vasos grande diâmetro, os hu- mores sendo muito espessos correm com diííicaldade e estão sempre sujeitos a uma suspensão imininente e funesta, o que produz o ca- racter triste e desconfiado ; no bilioso são os sólidos mais compactos, os vasos grandes e o sangue, muito fluido e carregado de partes sulfurosas, circula rapidamente; a audácia é o apanágio d'este tem- peramento. Os progressos d'anatomia geral suggerirão a Haller a theoria dos temperamentos fundada sobre duas abstracções, — força e irritabili- dade—das partes sólidas; assim: sólidos resistentes combinados com uma grande irritabilidade constituem o temperamento bilioso; pouca irritabilidade com fibra enérgica—o sangüíneo ou athletico; fraqueza dos sólidos e pouca irritabilidade — o phlegmatíeo ; fraqueza dos sóli- dos e irritabilidade muito desenvolvida—o melancólico. Hallé, attendendo mais á physiologia, estabeleceu a divisão dos tem- peramentos em geraes e parciae?. Os primeiros têm por bases: Io as proporções respectivas entre os systemas vasculares, sangüíneo e lymphatico; 2o o systema nervoso, considerado como fonte da sensi- bilidade; 3o o systema muscular e suas relações com a inílueaeia nervosa. No primeiro caso, o excesso do systema vascular sangüíneo sobre o lymphatico produz o temperamento bilioso; o excesso do systema vascular lymphatico sobre o sangüíneo constitue o temperamento pi- tuitoso dos antigos; o estado intermediário, o equilíbrio entre os dous systemas, constitue o temperamento sangüíneo. Na apreciação do sys- tema nervoso, Hallé teve em mira o gráo de susceptibilidade d'este systema, a duração das impressões por elle recebidas e a prompti- dão com a qual se associão e succedem estas impressões; é assim que a extrema susceptibilidade e a duração extrema das impressões são o apanágio do temperamento bilioso; a fraca susceptibilidade e a pouca duração das impressões correspondem ordinariamente ao lym- phatico; são moderadas todas estas cousas no temperamento sangüí- neo. As inducções tiradas do systema mascuhir são fornecidas pelo volume dos músculos e por sua ox.-iíabilidade: o temperamento athle- tico se rainifesta por uma enorme massa muscular associada á fraca excitabilídade ; o contrario constitue o temperamento nervoso. Os tem- peramentos parciaes creados por ílallé são disposições especiaes de certas \isceras ou de certas regiões do corpo, devidas ao estado dos vasos e dos nervos, disposições que se revelâo por certos phenomenos e por certas moléstias chamadas comtiíucionaes; assim, o tempera- mento parcial bilioso é caracterisado pela superabundancia dabilis; o pituiíoso se manifesta pelo excesso dos humores catarrhaes; o me- lancólico pela sensibilidade especial do centro nervoso epigastrico. Cabanis, sem nada acerescentar de notável á theoria geral dos tem- peramentos, oceu^ou-se, por uma analyse profunda, em tornar sa- L. í> — G — lientes suas relações com as idéas, as propensões e os hábitos. Este celebre physiologista admittia seis temperamentos, quatro dos quaes correspondem mais ou menos exactamente aos admittidos pelos an- tigos, isto é, sangüíneo, bilioso, melancólico e pituitoso ou phlegma- tico; no primeiro, caracterisado pela grande capacidade do peito, exacta proporção dos humores, etc, as idéas são brilhantes, as pro- pensões benevolas, mas notar-se-ha uma certa volubilidade nos hábi- tos e nos affectos d'alma; o segundo, em que ao grande desenvolvi- mento do thorax e á enérgica influencia dos órgãos da geração se junta um volume considerável ou a maior actividade do fígado, mani- festa-se por um caracter de habitual inquietação, idéas e propensões as mais absolutas e mais exclusivas; no melancólico, que se distin- gue pela estreiteza do thorax, pela rigidez extrema de todos os só- lidos, estado de constricção do fígado e de todo o systema epigastrico, etc, se nota determinações vacillantes, vontade irresoluta; o indiví- duo pituitoso, caracterisado pela inércia do fígado e do systema ge- nital, pela fraqueza dos sólidos, circulação lenta, degenerações muco- sas habituaes e communs a todos os órgãos, oííérece em sua vida certa mediocridade e acanhamento, sente, pensa e obra lentamente e pouco. O quinto temperamento de Cabanis é caracterisado pelo predomínio do systema nervoso ou sensitivo sobre o muscular ou motor; se coincide com fibras fortes, manifestar-se-hão determinações profundas e persistentes, affeições perduraveis, vontades apaixonadas; se porém coincidir com fibras fracas, as determinações serão fugaces e super- ficiaes, as inspirações multiplicadas succedem-se e destroem-se mu- tuamente e sem moderação; é o temperamento nervoso propriamente dito; o sexto finalmente é o athletico, que se distingue pela preemi- nencia do systema muscular ou motor sobre o sensitivo; privado, em grande parte, da sensibilidade, fonte fecunda e perenne das idéas e dos aíTectos, só se manifesta por inclinações grosseiras. Taes erão mais ou menos as theorias sobre o assumpto de que tratamos, quando appareceu a celebre doutrina ádiphrenologia. Gall, seu fundador, sem desconhecer o facto das diíTerenças individunes da organisação, privou os temperamentos do privilegio de produzir fa- culdades intellectuaes e qualidades moraes determinadas, cuja causa — 7 — se deve procurar exclusivamente no encephalo; todos os outros ór- gãos nada podem influir no modo por que se produzem os pheno- menos intellectuaes e moraes. Gall considera o cérebro constituído por partes differentes ou ór- gãos, em cada um dos quaes reside uma inclinação, um instincto, uma faculdade particular. 0 golpe dado pela phrenologia na doutrina dos temperamentos pro- vocou uma seria revolução na sciencia ; os physiologistas dividi- rão-se em facções, cada qual mais exclusiva e intolerante; uns preten- dião justificar suas classificações apoiando-se sobre caracteres dedu- zidos das paixões e das faculdades intellectuaes; outros baseando-se sobre condições puramente orgânicas. Georget, um dos defensores da doutrina de Gall, em sua Phy- siologia do systema nervoso se exprime deste modo : « Le cerveau « est le seul organe qui puisse, par sa puissante influence, par ses « rapports avec toutes les parties du corps, modifier par son action « les dispositions de 1'organisme, donner naissance á des nouvelles « combinaisons organiques, à des ensembles de phénomènes enchâinés « les uns aux autres; et ce qu'il y a de positivement vrai dans Ia doctrine « des tempéraments s'explique parfaitement bien dans ce sens. » Adelon, em sua Physiologia do homem, diz que as diíTerenças intel- lectuaes e moraes procedem das modificações, das especialidades do ór- gão cerebral; que os temperamentos podem apenas influir sobre o grau de actividade do cérebro ; que não ha dependência absoluta entre a orga- nisaçâo geral, que constitue o temperamento, e o caracter dos aclos in- tellectuaes e moraes; donde se deve deduzir a distincção entre os tempe- ramentos e os caracteres. Mr. Thomas (F.), em sua obra intitulada—Physiologia dos tempe- ramentos e das constituições, adoptaas idéas de seus predecessores sobre os attributos moraes applícados aos temperamentos. Este phvsiologista admitte sete temperamentos, dando como razão d'elles as proporções rela- tivas das cavidades splanchnicas, taes são:—Io o temperamento mixto ou justa proporção d'estas cavidades, craneo, thorax e abdômen, cujo typo é o Apollo doBelvedero, considerado como o ideal do homem physicamente perfeito; 2o o craniano ou predomínio do craneo sobre as outras cavidades — 8 — splanchnícas, fronte larga e altiva indicando faculdades intellectuaes e paixões enérgicas; é o temperamento próprio para as grandes virtudes como para os grandes crimes e peculiar aos tyrannos e aos chefes de sei- tas: Catilina,Tiberio, Bruto, J. J. Rousseau, Robespierre, eTasso,etc são os typos mais celebres;—3o o temperamento thoracico ou predomínio do thorax, cujo mais bello ideal é o Hercules de Farnese;—4o o temperamen- to abdominal;—5o o cranio-thoracico ou preeminencia relativa do craneo e do thorax sobre o abdômen;—6o o cranio-abdominal;—7o finalmente o thoraco-abdominal, que se reconhece facilmente pelo predomínio da face sobre o craneo e pela grande saliência do angulo facial; é directamente opposto ao craniano, muito espalhado n'Asia e em África, e produzindo por seu grande desenvolvimento ademencia, a imbecilidade e o idiotismo. Considerados em relação ás idades, os temperamentos admittidos por Thomas succedem-se na seguinte ordem: o cranio-abdominal até a idade de sete annos; o craniano dos sete aos quatorze; o cranio-thoracico dos quatorze aos vinte e cinco; o mixto ou o thoracico dos vinte e cinco aos trintae cinco; o thoraco-abdominal até os quarenta e cinco annos; o ab- dominal na velhice. Em relação aos sexos: na mulher são mais freqüentes o cranio-abdominal e o abdominal só ; os outros pertencem geralmente ao homem. Richerand, cujas idéas forão adoptadas por Londe e por outros phy- siologistas e hygienistas modernos, restabelece a theoria dos quatro tem- peramentos do seguinte modo: 1o o temperamento sangüíneo caracteri- sado pela actividade predominante do coração e dos vasos que fazem cir- cular o sangue; d'elle resultará o muscular ou athletico se coincidir com grandes exercícios dos órgãos acúvos da locomoção ;—2o o bilioso, ma- nifestando-se pela côr amarella da pelle, etc. e Richerand apresenta Ale- xandre Magno, Juiio César, Bruto, Mahomet, Carlos XII, o czar Pedro I, Cromwell, o cardeal duque de Richelieu, etc, como exemplos celebres d'este temperamento, do qual, juntando-se o embaraço dos órgãos do abdômen, resultará o temperamento melancólico ou atrabiliário dos antigos, cujos typos históricos mais notáveis são : Tiberio, Luiz XI, o Tasso, Pascal, J. J. Rousseau, etc;—3o o pituitoso, devido ao pre- domínio dos líquidos sobre os sólidos e caracterisado pela falta de energia das acções vitaes; — 4o o temperamento nervoso, constituído por uma excessiva sensibilidade e fácil de ser reconhecido pela nia- greza geral, molleza e quasi atrophia dos músculos, pela vivacidade das sensações, e do qual Voltaire e o grande Frederico são exem- plos notáveis. Passando em revista as diversas theorias sobre os temperamentos desde Hippocrates até Richerand, temos visto que em todas ellas *e a€hão mais ou menos integralmente traçados os mesmos caracteres physicos e moraes, variando somente os nomes e as interpre- tações. Até ahi a doutrina geral dos temperamentos está longe de offere- cer o grau de certeza, que deve ter uma doutrina physiologica, fun- dando-se apenas em conjecturas em vez de observações positivas, em analogias, por vezes ingenhosas, mas quasi sempre sem provas con- vincentes. Assim, ao lado das explicações mecânicas de Stahl e Caba- nis vém as idéas abstractas de Haller, as divisões vagas e arbitrarias de Hallé, etc A primeira doutrina que fere a nossa attenção, por sua simplici- dade, por sua poesia e significação pratica para a hygiene, é indubi- tavelmente a do celebre medico de Pergamo. Com eífeito, se, por uma sincera interpretação do pensamento d'este patriarcha da medicina, substituirmos as palavras — quente e frio—pela dichotomia (Levy) da irritabilidade e da abirritação; se ás qualidades — secco e humido—appliearmos os phenomenos de secreção mais ou me- nos activa das superfícies tegumentarias ; se considerarmos que nos climas quentes se encontrão de preferencia indivíduos que aprescn- tão os caracteres do temperamento bilioso, que a estação quente tem uma influencia especial sobre o órgão secretario da bilis; se fizer- mos as mesmas considerações a respeito das outras formas d'orga- nisação em suas estreitas relações com as idades, os climas e as es- tações ; então veremos que os quatro temperamentos creados por Ga- leno, embora fundados em simples hypotheses, são alguma cousa mais do que uma pura invenção; nelles reconheceremos typos es- peciaes d'organisação, que commummente se nos offerecem no vasto campo da observação. L. 3 — 10 — Quanto á doutrina da phrenologia, somos inclinados a admittir, com Adelon, a distincção entre os temperamentos e os caracteres; ad- mittimos que as disposições moraes e intellectuaes, mormente as que são permanentes e constituem os caracteres, dependem d'uma organi- sação cerebral particular; mas também não podemos concordar com os partidários exclusivos das opiniões de Gall, que considerão sob a dependência absoluta do cérebro as disposições orgânicas, que consti- tuem os temperamentos; para elles o predomínio d'um outro órgão é a conseqüência do enfraquecimento do cérebro. Sem privar o cérebro da parte importante que tem na producção das propensões, das paixões e das faculdades intellectuaes, não se pôde todavia desconhecer a influencia das disposições orgânicas no modo de manifestação dos actos encephalicos, de cuja depressão, exal- tação ou aberração podem ellas ser a eausa influindo sobre a medida d'actividade cerebral. Com eíTeito, a physiologia nos ensina que o cé- rebro, como todos os outros órgãos., participa necessariamente das condições geraes d'estructura e de nutrição; que não é indifferente, para a manifestação de seus actos, que este órgão seja estimulado por um sangue rico e energicamente impellido, ou por um sangue pobre e levado por uma circulação débil. D'ahi resulta que, para a ex- plicação das diíTerenças individuaes relativamente aos temperamentos, se deve ter em consideração um elemento geral, anterior, se se pode dizer, á acção do cérebro; e vem a ser a natureza do fluido nutriti- vo, que se manifesta pelo estado dos órgãos. Desde muito tempo desappareceo da sciencia a antiga doutrina dos quatro humores; mas tem permanecido a divisão antiga dos tem- peramentos em quatro typos primordiaes, admittindo-se geralmente como causas d'estas diíTerenças individuaes—o predomínio de tal ou tal órgão ou apparelhos de órgãos, a superabundancia de tal ou tal fluido na economia. Assim, distingue-se:—1o o temperamento sangüíneo, devido ao aug- mento do sangue e ao maior desenvolvimento e energia dos appare- lhos circulatório e da respiração;—2o o lymphatico, devido ao pre- — 11 — dominio do systema do mesmo nome e manifestando-se pelo grande desenvolvimento dos gânglios, pela supersecreção dos fluidos brancos nos tecidos e pela atonia de todos os órgãos (Rostan);—3o o tempe- ramento bilioso, produzido pelo predomínio do apparelho digestivo ou do fígado e caracterisado por uma secreção mais abundante da bi- lis;—4o finalmente o nervoso em que se dá o predomínio do systema nervoso e de sua acção. Alguns autores acrescentão ainda o temperamento muscular ou athle- tico, que consiste no predomínio do systema muscular á custa da sensibilidade e excitabilidade nervosa. Debaixo do ponto de vista da physiologia não valem mais do que as outras as explicações, manifestamente vagas e insufficientes, pro- postas ainda hoje por muitos hygienistas e pathologistas (Becquerel, Bouchut, Behier e Hardy, etc.) para cada uma d'estas fôrmas da saúde. O augmento da massa do sangue, a maior rapidez de sua mar- cha, o desenvolvimento e força mais consideráveis do coração e do apparelho respiratório, eis as bases do temperamento sanguineo, as quaes não resistem a um exame serio. Em primeiro logar é impossível determinar-se com exactidão a quan- tidade absoluta da massa sangüínea. Se se podesse avaliar directa- mente a capacidade geral de todos os vasos, para d'ahi deduzir-se a quantidade de sangue que nelles circula, ainda assim o resultado final não teria o caracter de certeza que a questão exige, porque a isto se oppõem muitas circumstancias,—umas que fazem variar a massa sangüí- nea no estado de saúde e outras que embaração as experiências, taes como a elasticidade arterial, a dilatabilidade das veias, a contracção dos vasos, a permeabilidade de suas paredes, etc, circumstancias es- tas que tem feito abortar numerosas pesquizas feitas por Valentin, Blake, Lehmam, Weber e tratros physiologistas. São conhecidos os ef- feitos d'uma subtracção de sangue mais ou menos considerável; mas quando, por experiências feitas sobre animaes, se tem querido calcu- lar até que ponto esta subtracção produzirá a morte, a quantidade de sangue subtrahida sò tem podido ser comparada em relação ao peso total do corpo do animal e não ao peso total de seu sangue. Quando se — 12 — examina o sangue tirado da veia dum indivíduo, que se diz sangüínea, só podem ser appreciadas as qualidades d'este fluido; ignora-se o que é relativo á sua quantidade. A circumstancia de que o sangue parece afíluir em maior abundân- cia para a pelle, para as membranas mucosas, para o cérebro, o pul- mão, etc, em nada esclarece a questão, visto como estes eíTeitos tam- bém podem resultar ou de que o sangue é mais rico de matéria co- rante, ou de que ha uma desigualdade em sua distribuição nas diver- sas partes do organismo; além d'isto, não se deve acreditar sempre que são dotados de temperamento sangüíneo somente os indivíduos que tiverem a pelle rosada, por que ha pessoas que apezar da côr pallida da superfície cutânea, possuem os attributos internos do tem- peramento sangüíneo (Levy), isto é, notável energia da hematose, ple- nitude sangüínea, grande desenvolvimento dos systemas capillares pro- fundos, músculos vigorosos, etc. A rapidez da marcha do sangue só pode ser avaliada pela freqüên- cia das pulsações do coração; mas esta freqüência está longe de cor- responder ao que se chama—temperamento. Com eífeito, ella varia se- gundo os sexos, as idades, o estado de repouso ou de movimento, a temperatura, etc; o systema nervoso exerce inquestionavelmente uma influencia capital sobre o numero das pulsações do coração. De todas estas circumstancias, reunidas á incerteza em que nos achamos, rela- tivamente á quantidade total do sangue no corpo e á diíferença que nos indivíduos apresenta a capacidade dos ventriculos, resulta que debalde se ha de procurar a medida geral para a velocidade da marcha do sangue correspondente a cada temperamento. Quanto á maior força e volume do coração e dos pulmões, não pos- suímos documentos mais exactos. Muito tempo antes, Haller havia dito, e com razão, que não se pôde avaliar a força do coração sem conhe- cer a quantidade e o peso do sangue, a velocidade de sua marcha, a extensão de sua carreira, o apoio que lhe podem prestar e a re- sistência que lhe podem oppor os vasos, etc, cousas estas que não conhecemos com exactidão, apezar das experiências feitas pelo mes- mo Haller, por Senac, Spallanzani, etc, as quaes derão origem a con- — 13 — jecturas mais ou menos ingenhosas, mas destituídas de sufficíente de- monstração e até mesmo contradictorias entre si. A actividade maior do apparelho respiratório não. pôde ser conside- rada como caracter essencial do temperamento sangüíneo; porque tam- bém se manifesta freqüentemente em indivíduos dotados d'outro tem- peramento, com especialidade — no nervoso. A energia da hematose e da circulação nos indivíduos sangüíneos induz naturalmente a suppôr maior volume do coração e dos pulmões, o que fez dizer a Rostan que o temperamento sangüíneo, é—uma con- stituição orgânica em que dominão os apparelhos circulatório e respi- tatorio. Entretanto, para que esta supposição podesse adquirir o valor d'um facto demonstrado, seria preciso attender á relação das dimensões do coração, dos pulmões e dos diâmetros thoracicos com a estatura dos indivíduos, do volume que o coração pôde attingir sem que d'ahi re- sulte um estado pathologico; mas todos estes elementos nos faltão, não obstante os esforços dos mais eminentes physiologistas. Facilmente comprehenderemos que a existência do temperamento sangüíneo não está necessariamente ligada ao maior desenvolvimento dos apparelhos da circulação e da hematose, admittindo que a energia e a perfeição do exercício d'um órgão dependem menos do seu vo- lume do que da regularidade de suas relações com os centros nervosos, e de certas outras condições que escapão a todos os nossos meios de investigação. Exames feitos por Michel Levy o Royer-Collard confírmão esta in- ducção; o ultimo d'estes observadores diz que, em grande numero 4e necrop^as por elle praticadas sobre homens que em vida havião apre- sentado todos os caracteres do temperamento sangüíneo, debaldc pro- çufou alguma relação entre este temperamento e o volume e desen- volvimento maior do apparelho circulatório. i\áo são mais sólidas as bases do temperamento lymphatico, por alguns autores confundido com os três estados mórbidos — atonia ge- ral (Rostan), anemia e escrofula, os quaes devem ser considerados antes como eíTeitos d'esta fôrma de organisação. Superabundancia de fluidos brancos, segundo a opinão de Boerhaave, — 14 — HoíTman e Cullen, desigualdade de desenvolvimento e de actívidadè entre o systema arterial e o lymphatico, segundo Hallé e Husson, tudo isto tem a mesma significação em linguagem humorística e solidista. Não é menos hypothetica a definição proposta pelo professor Michel Levy, que apresenta como causa d'este temperamento; « o predomínio « de desenvolvimento, de actívidadè e de acção de todos os tecidos « penetrados por líquidos não sangüíneos e de todos os órgãos que for- « necem estes líquidos; aqui as elaborações brancas (muco, soro*, « lympha, etc.) prevalecem sobre a hematose. » Considerando d'este modo, esta fôrma de saúde não pôde ser ver- dadeiramente chamada temperamento lymphatico, mas também soroso-, mucoso, adiposo, etc. Entretanto o mesmo autor parece attribuir esta forma do organismo a uma modificação do sangue e á influencia da innervação, quando mais adiante se exprime do modo seguinte: « O fluido nervoso e o « sangue exercem um sobre o outro uma influencia reciproca, da qual « dependem a manifestação e estabilidade dos phenomenos da vida. « Ora, o sangue dos lymphaticos dilTere do sangue dos outros indivi- « duos ; é impellido com menos força; as funeções cerebraes, como « provão as experiências dos physiologistas e os phenomenos de as- « phyxia, só se exercem com toda a sua perfeição quando debaixo da « impressão dum sangue bem elaborado pela hematose. D'ahi a lan- « guidez que se manifesta em todas as acções orgânicas dos indivi- « duos exclusivamente lymphaticos.......» Como conciliar o que fica dito com a idéa do predomínio de des- envolvimento, de actívidadè e de acção de todos os tecidos penetrados por líquidos não sanguineos e de todos os órgãos que os fornecem? Além d'isto nada prova que a lympha n'este caso seja mais abun- dante, que os gânglios e os vasos lymphaticos sejam mais desenvol- vidos, salvo o caso em que o temperamento tenha degenerado em mo- léstia. O que se chama temperamento lymphatico, permitta-se-nos esta pergunta, não será antes effeito d'uma profunda anomalia da nutrição ? Poder-se-ha dizer que existe um temperamento bilioso? Fortes ra- zões nos induzem a crer que não. — 1o — Maior volume do fígado, côr amarella da superfície cutânea, di- gestões lentas, caracter moral triste e sombrio, mas ao mesmo tem- po activo e enérgico, taes são os attributos d'este pretendido tem- peramento. Como o conjuncto de todos estes phenomenos se manifesta no meio da vida e de preferencia nos climas quentes, como a côr amarella da pelle é um dos signaes da ictericia, moléstia em que se suppõe que a bilis é reabsorvida e derramada no sangue, como os indivíduos adultos e os habitantes dos paizes quentes são mais particularmente dispostos para as affecções hepathicas, finalmente como existe certa correlação entre as paixões concentradas e o estado do fígado em conseqüência de modificações da circulação venosa; de todos estes factos se tem deduzido analogias, partindo erradamente da moléstia para a saúde; e então se concluiu que o temperamento caracterisado pelos signaes acima ditos é o resultado da superabundancia de bilis, d'uma excita- ção particular do órgão secretorio d'este fluido. Mas nenhuma prova existe para demonstrar o excesso de secreção de bilis e a maior quantidade de seus elementos constituintes no san- gue dos indivíduos, que se dizem dotados d'este temperamento. A côr da pelle pôde ser devida a um estado particular do sangue, á diíTusão de seus princípios nas lâminas do tecido cellular, como acontece na echymose e em muitos outros casos análogos, por exem- plo, na ictericia dos recemnascidos ; demais esta e outras condições do supposto temperamento bilioso podem ter por causas muitas circum- stancias inteiramente extranhas ao fígado e ao liquido por elle se- gregado. O maior volume do fígado, que entretanto não é n'este caso um symptoma constante, deve ser considerado antes como effeito do que como causa; ainda assim, dado o caso que elle exista, excellentes razões nos dizem que a secreção d'este órgão, em vez de ser excitada e augmentada, é pelo contrario embaraçada e estorvada. Michel Levy considera esta disposição do organismo, não como um verdadeiro temperamento, e sim como uma idiosyncrasia, consistindo no predomínio do órgão secretorio da bilis junto ao temperamento nervoso. — 16 — Muitos médicos negão a existência do temperamento nervoso, de- signando com este nome uma simples susceptibilidade nervosa, que se pôde manifestar em conseqüência de mil causas difTerentes. Realmente a acção nervosa, para nós sempre mysteriosa em suâ essência, não se exerce em todos os indivíduos nas mesmas propor- ções e com uniformidade; suas innumeraveis modificações se ligão manifestamente ás diversidades de temperamentos, bem como a outras circumstancias, a idade, o sexo, etc. Assim, a irritabilidade nervosa mais ou menos predominante coin- cide nas crianças, nas mulheres è em certos homens, com os sigrtaes característicos do temperamento chamado lymphatico ; esta mesma itritabilidade se faz sentir também no süpposto temperamento bilioso entre os habitantes dos paizes quentes, e por vezes ainda se acha ünidà ao temperamento sangüíneo; da mesma sorte, a falta de irrita- bilidade nervosa se pôde encontrar n'uma ou n'outra d'estãs variedades de organisação. D'ahi a divergência de opinião sobre a existência e bs caracteres do temperamento nervoso. Nada tem podido demonstrar "o maior desenvolvimento material do systema nervoso nos diííerentes indivíduos; o seu predomínio no estado de saúde é simplesmente func- cional. Não é pois somente em relação á sua quantidade que a iner- Vação representa um papel importante na saúde, mas também, e muito principalmente, em razão de sua natureza especial, como bem diz Royer-Collard. Do desenvolvimento considerável do systema muscular, que adquirem muitos indivíduos de temperamento sangüíneo, em conseqüência d'um exercício freqüente e enérgico, procedeu o süpposto temperamento muscular ou athletico de alguns autores. Mas, devemos considerar esta particularidade como um estado geral do organismo, como uma variedade da saúde? « O systema muscular, «tão pouco importante para a vida de nutrição, não é mais do que « um appendice do esqueleto, uma producção accessoria, destinada ao « cumprimento de certos actos especiaes; mas não é um centro de « acção vital, nem pôde ser causa e origem de modificação universal « na economia. — (Royer-Collard.) » — 17 — Julgamos haver demonstrado, bem que de um modo insufficiente, mas de accordo com as idéas que temos sobre o assumpto d'esta thesc,— quanto são mal fundadas as theorias pelas quaes se tem que- rido explicar em hygiene as diíTerenças dos temperamentos. Mas, perguntar-nos-hão, existem com effeito temperamentos ? Se nos deixássemos levar pelo gosto de novidade, pelo capricho de querer tudo negar, somente com o fim de excitar controvérsias que podem desvairar o espirito em vez de esclarecel-o; se nos deixasse- mos seduzir pelo scepticismo, melhor diríamos pelo pyrrhonismo, que infelizmente na época em que vivemos muita vez se confunde com a palavra —progresso ; —então afoutamente responderíamos—não; mas nós que não comprehendemos assim o progresso, que não almejamos a gloria de derrocar a verdade por meio de sophismas vãos, nós, cuja intelligencia fraca não chega ao ponto de poder negar a evidencia, — humildemente pedimos permissão para, consultando aos mestres, expor nossas idéas sobre assumpto de tanto momento. Não são idéas novas as que vamos emittir, porque, todos compre- hendem esta verdade, nos faltâo observações próprias e seguras, as quaes só podem ser feitas no vasto campo da mais longa e fructuosa pratica; são idéas já conhecidas, mas que nem por isso merecem menos conceito, idéas que se coadunão perfeitamente com a nossa razão. Quando outros argumentos nos faltassem em favor da doutrina dos temperamentos, bastaria o accordo universal dos espíritos desde a origem da sciencia. Nt meio da maior discordância de interpretações, a questão dos temperamentos, como todas as grandes questões, apre- senta um fundo inalterável de verdade, que tem resistido a todos os sophismas e passado por todas as provas. A medicina, á medida que se aperfeiçoa e se consolida na direcção positiva, inspirada pelos progressos da physiologia, da chimica e da anatomia geral, mais se esforça por esclarecer a noção dos tempera- mentos, e com mais rigor determinar suas condições materiaes. É a respeito d'estas condições que discordão as theorias. L. — 18 — Segundo Hallé, os temperamentos são « diíTerenças entre os homens, « constantes, compatíveis com a conservação da saúde e da vida, devidas « a uma diversidade de proporção e de actívidadè entre as diversas par- « tes do corpo e bastante importantes para modificarem a economia ». Todos os autores concordão com esta definição quanto ao facto que ella exprime—da existência de typos geraes de organisação ; mas nem todos estão de accordo com a explicação que nella se encerra. N'este ponto seguiremos a opinião de Royer-Collard. A definição de Hallé nos leva á conclusão que o temperamento é necessariamente uma fôrma ou variedade mais ou menos permanente da saúde, um estado universal da economia. Ora, sendo assim, o que è incontestável, não devemos procurar a causa e as condições materiaes dos temperamentos em um fluido par- ticular, como a bilis, ou em um órgão especial, como o fígado, e sim em alguma cousa que seja igualmente universal na economia, isto é, nos dous grandes princípios que em si resumem a vida inteira, a saber: o sangue ou fluido nutritivo, a acção nervosa ou fluido incitador; estes dous princípios, o primeiro como centro da vida vegetativa e o se- gundo como centro da vida animal, animão ao mesmo tempo e con- junctamente todas as partes da maquina organisada. Hallé já havia dito do temperamento: Mixtura quwdam nervorum et sanguinis. Isto não quer dizer que outros órgãos ou apparelhos, cada parte viva do organismo, em virtude d'esta força interior d'associação que faz convergir para o mesmo fim as differentes forças da vida, não possão reagir sobre a economia generalisando sua influencia de modo a prevalecerem uns sobre os outros, como os temperamentos; mas estas preeminencias são consecutivas e produzidas por uma serie de modificações, as mais das vezes mórbidas. Assim pois, segundo Royer-Collard, julgamos que se deve procurar a origem dos temperamentos nas seguintes condições essenciaes do organismo: Io a constituição do sangue; 2o o modo de exercício da acção nervosa; 3o a relação que existe entre o sangue e o systema nervoso. — 19 — O apparelbo circulatório não deve ser considerado, na questão dos temperamentos, somente em relação ao seu desenvolvimento relativo; é preciso estudar as qualidades do liquido que circula em seu interior e as proporções de seus elementos constituintes. Desde muito tempo a chimica, auxiliada pelo microscópio, tem sin- gularmente esclarecido a anatomia e a physiologia do sangue; expe- rimentadores infatigaveis, Lecanu, Prevost, Dumas, Andral, Gavarrete tantos outros verdadeiros athletas da sciencia, conseguirão, até certo ponto, determinar as proporções normaes das diíTerentes partes d'este fluido, as variações que ellas podem ofierecer e a disposição de seus elementos orgânicos. Façamos um breve resumo dos resultados obtidos pelos sábios. Hoje calcula-se que a media da composição normal do sangue eqüi- vale a 0,003 de nV''na,—0,127 de glóbulos, 0,072 de materiaes orgâni- cos sólidos do soro, — 0,008 de partes orgânicas e 0,790 d'agua. Estas proporções são susceptíveis de variar, umas vezes produzindo estados mórbidos", outras vezes não passando além dos limites da saúde; mas ainda nenhuma observação tem podido determinar até onde vão estes limites, onde começa a proporção pathologica dos elementos do san- gue ; a sciencia, que entretanto tem alcançado brilhantes victorias, não pôde ainda resolver com certeza este problema. De todos os elementos albuminoides do sangue os mais importantes, de cuja constituição dependem, se pôde dizer, todas as outras substan- cias azotadas, são inquestionavelmente os glóbulos, que se dividem em duas espécies : uns extremamente mais numerosos, são os glóbulos vermelhos ou hematias; os outros são chamados glóbulos brancos ou descorados, que não são mais do que elementos da lympha e do chylo derramados na torrente circulatória pelo canal thoracico. As proporções relativas d'estes elementos entre si varião nas condições physiologicas e admitte-se geralmente que no sangue do homem ha, termo médio,— um glóbulo branco para mil hematias. Um facto devemos apontar aqui, de passagem, sobre a origem d'estes glóbulos, e é—que os autores têm considerado as hematias como o producto da metainorphose dos glóbulos brancos no seio do organismo ; e, fundados em curiosas ob- servações, principalmente nas experiências de M. Moleschott, chegarão. — 20 — á supposição de que o fígado é o logar onde se dá esta transformação e o baço o logar onde são destruídos os glóbulos vermeIlios aban- donando de novo nas partes líquidas do sangue, e sob novo estado, os materíaes que os constituirão. Sem duvida os glóbulos do sangue se desenvolvem á custa das matérias albuminoides introduzidas no sangue pelo trabalho da digestão. As numerosas pesquizas d'Andral e de Gavarret permittem estabele- cer, d'um modo geral, que o grau de vigor do indivíduo se exprime pela proporção dos glóbulos cora dos (hematias) e da matéria corante (hematosina) que faz parte da composição d'elles. Na plethora, estado que se traduz pela energia d'assimilação, sem transpor os limites da saúde, só os glóbulos augmentão na massa do sangue e com elles a matéria corante; ifeste caso seo numero s'eleva a 0,140, emquanto que os outros elementos conservão suas proporções noraaaes; « além d'este limite, diz Andral,—se acha o eUado pathologico. »—Segundo as observações de Lecanu, verificadas por outros observadores, nos indi- víduos que oíTerecem os caracteres do temperamento lymphatico—o nu- mero dos glóbulos diminue d'um modo notável, a matéria corante des- apparece também e d'ahi procede o descoramento de todos os tecidos, a diminuição de vigor dos órgãos. Nota-se ainda que os glóbulos (he- matias) são em menor numero nas mulheres do que nos homens, maior nos adultos do que nas crianças ; donde a maior freqüência do estado lymphatico entre as crianças e as mulheres. Na amenia, estado patho- logico que podemos produzir artificialmente por meio de sangrias re- petidas oudieti prolongada, o numero dos glóbulos diminue considera- velmente de 0,127 a 0,100, a 0,080 e ainda menos em casos muito pro- nunciados. Uma ultima circumstancia devemos notar relativamente aos glóbulos do sangue, e vem a ser que, uma vez perdidos, estes ele- mentos não se regenerão senão mui lentamente nos indivíduos de consti- tuição fraca. A fibrina é o elemento do sangue que menos varia; conserva quasi constantemente sua proporção normal no estado de saúde ; na pletho- ra ou na anemia a differença é muito diminuta (0,001 de mais no pri- meiro caso). — Andral considera o augmento de fibrina como signal certo d'uma disposição phlegmasica da economia. — 21 — São mal conhecidas as variações de quantidade que oflerecem os princípios que compõem o soro do sangue, cuja constituição pouco estável varia incessantemente. Todavia sabe-se que a proporção d'agua está na razão inversa dos elementos sólidos, e reciprocamente ; que sua diminuição coincide portanto com o desenvolvimento das forças, em- quanto que sua maior quantidade coincide com as constituições fracas e debilitadas. Os materíaes orgânicos sólidos seguem geralmente as mesmas propor- ções que os glóbulos no que diz respeito á saúde ; mas a sciencia não conhece ainda d'um modo satisfactorio as diííerenças d'estes ma- teríaes entre si, o que seria de grande necessidade; porque é possí- vel, é provável, que o predomínio d'um ou (1'outros d'estes elementos no sangue tenha grande influencia sobre a constituição d'este fluido nutritivo, e por conseguinte sobre a constituição geral do corpo. Examinemos agora a diversidade de proporções que oíTerecem os ma- teríaes inorgânicos do sangue. Em primuro logar, é fora de duvida a existência real do ferro no sangue, seja qual for o seu estado, essen- cialmente ou não inhcrente á hematosina. Lecanu tem avaliado em 0,002 a quantidade d'este metal no sangue do homem são. Bem que esta quantidade não seja determinada com certeza, de modo a poder-se ap- preciar suas variações, todavia, como o ferro se acha sempre unido ás hematias, se pôde dizer que sua proporção deve seguir necessaria- mente a d'estes glóbulos, o que a observação quotidiana s'incumbe de provar, demonstrando do modo mais evidente a acção vantajosa das preparações ferruginosas sobre o sangue descorado, como acontece na chlorose, por exemplo. Os saes de soda e de potassa, que contribuem para conservar a fluidez do sangue, não são sem influencia sobre a saúde ; ei les varião em razão das bebidas e dos alimentos introduzidos na economia; não tem menos importância os saes calcários (phosphato e carbonato), sujei- tos a variarem no sangue segundo as idades, o regimen, etc; mas, de- terminar com certeza as proporções relativas de todos estes saes nos diíTerentes estados de saúde é problema ainda não resolvido e de cuja solução tirarião grande partido tanto a pathologia como a hy- giene. L. 6 — 22 — Mas não bastão estes conhecimentos; no sangue existem ainda outros elementos, cujas proporções nos são desconhecidas, taes como : o oxy" gênio, que provém do ar atmospherico durante o acto da respiração; o carbono e o azote, que resultão certamente das oxydações e das me- tamorphoses da nutrição, as quaes tem logar dentro do organismo. Ainda mais; para se poder appreciar todas as diíTerenças que, na constituição dos diversos indivíduos, oíTerece o sangue, seria necessá- rio que se tivesse conhecimento d'outras condições d'este fluido, as quaes, embora menos materíaes, devem indubitavelmente influir sobre a acção importante e universal que elle exerce na economia, taes são : sua temperatura, sua electricidade e outras circumstancias que contri- buem para conservar ou modificar o centro da vida vegetativa. Realmente o sangue è o centro de todos os phenomenos da vida ve- getativa : percorrendo todos os pontos do organismo, até os seus mais recônditos recessos, — sempre em constante metamorphose, —elle for- nece a todos os tecidos os elementos necessários para sua nutrição e re- genera-se incessantemente á custa dos materíaes digestivos, que são ab- sorvidos e derramados n'arvore circulatória directamente pelas veias, ou indirectamente pelos chyliferos; ao mesmo tempo se incumbe de levar aos órgãos de expulsão aquelles materíaes, que já não se prestão mais aos actos da nutrição e devem ser eliminados para fora do organismo ; emíim d'elle procedem todos os sólidos e líquidos, os elementos consti- tuintes dos músculos, dos ossos, etc, os materíaes das secreções ; pelo que não ha uma só parcella da matéria organisada que não se encontre na massa sangüínea, pelo menos no estado elementar. De tudo isto resulta que o sangue não pôde ser idêntico a si mesmo, atravessando as diversas partes do corpo; assim, como admittir que, depois de haver atravessado um órgão secretorio, onde lhe forão ex- trahidos certos elementos, apresente o sangue uma composição simi- Ihante á que tinha antes ? No acto da hematose vemos um exemplo notável d'esta conversão n'um órgão que se pôde chamar secretorio ; o sangue chega aos pulmões com todos os caracteres do sangue venoso, impróprio para a nutrição; ahi dividindo-se ao infinito e em conse- qüência do phenomeno da osmose, elle se despoja de alguns de seus elementos, principalmente dos materiaes carbonetados, que são elimi- — 23 — nados sob a fôrma de ácido carbônico de companhia com o azote, e absorve o oxygenio do ar atmospheríco, que em seguida vai se fixar nos glóbulos dando lugar a novas combinações ; como conseqüência d'estes phenomenos, que a chimica revela d'um modo evidente, — sahe da cir- culação pulmonar um sangue que tem adquirido propriedades novas; é o sangue arterial vivificante e propriamente nutritivo. A metamorphose que o sangue soffre nos pulmões recebeu o nome de—respiração; mas phenomenos análogos se passão em outros ór- gãos e se pôde dizer que na pelle, no fígado, nos rins e em todos os órgãos de secreção tem lugar uma respiração accessoria, — porque todos elles têm por fim purificar o sangue, segregando d'elle certos prin- cípios. É pois evidente que o sangue sahido d'um órgão não é idêntico ao que n'elle entrou. D'ahi procede a idéa muito natural de que os elementos constituintes das secreções preexistem no sangue; que seus princípios immediatos se achão na massa sangüínea desagregados, de modo que escapão aos reactivos, até que o órgão secretorio, por sua acção própria, os reuna e os faça entrar em combinação; finalmente, no caso em que o órgão secretorio seja suprimido, doente ou por qualquer causa embaraçado em suas funeções, a associação destes elementos pôde produzir-se por si mesma na massa do sangue, bem que de um modo menos completo. Postos estes princípios, comprehender-se-ha perfeitamente agora como o temperamento bilioso dos autores pôde resultar d'uma pri- mitiva modificação do fígado. Quando por qualquer causa este órgão não segrega do sangue os materíaes da bilis em quantidade sufficiente para as necessidades do organismo, dá-se na massa do sangue um excesso de elementos hydro- genados e ricos de carbono, de matérias gordurosas, corantes, etc, que deverião ser eliminados com a secreção biliaria ; é o predomínio do sangue venoso sobre o arterial; d'ahi resultão a côr amarella mais ou menos pronunciada da pelle, a ictericia independentemente da reab- sorpção da bilis. Entretanto outras causas podem ainda produzir eíTeitos análogos, porque estas matérias não são eliminadas somente pelo fígado, mas lambem pelo pulmão debaixo da forma de ácido carbônico e dágua, 24 — pela pelle, pelos rins, sem fallar de muitos outros modos de elimi- nação; assim, se qualquer accidente embaraçar ou obstar a acção dos órgãos secretorios, se por exemplo a respiração pulmonar fôr dificul- tada ou impedida, ver-se-ha superabundar no sangue o hydrogenio e o corbono, ed'ahi o predomínio do sangue venoso sobre o arterial. Bastarião estas observações, quando outras nos faltassem, para de- monstrar que uma multidão de circumstancias, muitas d'ellas extranhas ao fígado e á bilis, podem contribuir para desenvolver na organisação as principaes condições que são attribuidas ao süpposto temperamento bilioso. Até aqui temos examinado factos que se referem unicamente aos di- versos estados do sangue, os quaes julgamos da maior importância na determinação dos temperamentos; mas não bastão estes princípios para, senão com certeza pelo menos com mais segurança, estabelecer-se as diíTerenças individuaes relativamente ao estado de saúde. Factos de outra ordem vão agora occupar a nossa attenção, e dizem respeito ao systema nervoso, centro da vida animal. A acção nervosa, ainda desconhecida em sua essência, e pela mór parte das vezes em seu modo de exercício, diversifica certamente segundo os indivíduos, e no mesmo indivíduo, conforme a idade, o sexo e outras alternativas, ás quaes o organismo está sujeito em conseqüência de mil circumstancias. Aqui, muito menos do que no sangue, não nos é possível determi- nar as proporções relativas dos elementos anatômicos e constituintes do systema nervoso nas diversas fôrmas de saúde; debalde se ha de invocar o augmento material d'este systema para explicar sua preemi- nencia sobre as outras partes da organisação; porque, temos dito já uma vez, este predomínio è quasi sempre simplesmente funccional. As propriedades do systema nervoso, as que se chamão vitaes, o distinguem de todos os outros systemas; além da faculdade de se nu- trir, commum a todas as partes dos corpos vivos, possue elle uma outra propriedade activa especial, que tem recebido as denominações áe força nervosa, potência, influencia nervosa, que se manifesta por suas funeções, designadas sob o nome collectivo de — innervação, da qual dependem mais ou menos directamente todos os phenomenos da vida. Com eíTeito, o systema nervoso, composto de massas centraes e de prolongamentos periphericos, que penetrão até nas ultimas partes do organismo, é a sede da sensibilidade, das percepções, das faculdades intellectuaes e aíTectivas ; é o agente incitador dos movimentos voluntá- rios e involuntários e tem sob sua dependência, até certo ponto, as fune- ções da nutrição. Devemos ainda apontar a manifesta influencia d'acção nervosa sobre o calor animal, como demonstrão as experiências physiologicas de Brodie, Chossat, Dulong e Despretz; as variações que, independente- mente das circumstancias exteriores, apresenta a temperatura media do corpo em tal ou tal região em particular, a maior ou menor sensi- bilidade para o frio ou para o calor, são certamente o resultado dic- ção nervosa; da mesma sorte se deve attribuir a esta causa a apti- dão ou a resistência para as modificações electricas, mais ou menos pronunciadas em uns e em outros, segundo a idade, o sexo, etc Finalmente até nos mais insondaveis recessos do mysterioso acto da geração se faz sentir a influencia nervosa. Mas, de que modo o systema nervoso produz a innervação? Quando se observa a substancia cerebral, a substancia da espinhal medulla, o tecido dos nervos, no momento em que um animal sente e manifesta uma dôr viva, mudança nenhuma se faz notar nos centros nervosos, nem nos nervos; a transmissão das impressões e das incitações mo- trizes, demonstrada pela experiência, não dá logar a nenhum phenomeno apreciável avista. A observação amais apurada nada podendo descobrir, apparecerão então as hypotheses. A principio procurou-se explicar os phenomenos da innervação sup- pondo as fibras nervosas cordas estendidas, cujas extremidades si- tuadas na peripheria po lerião transmittir as impressões por meio de vibrações centripetas, emquanto que outros nervos, ou os mesmos, por vibrações centrífugas transmittirião o movimento aos músculos; depois admittio-se que os nervos erão uma espécie particular de vasos percor- ridos por um liquido especial; outras explicações forão fundamentadas sobre a supposição d'um fluido nervoso incoercivel, chamado umas L. 7 — 2G — vezes — ether, outras vezes —phlogislico oumagnetico, luminoso, elec-- tricô, fluido galvanico. Reil propoz uma hypothese que consiste em fazer derivar a acção ner- vosa d'um processo chímico-vital; attribue em geral a acção das partes orgânicas á sua fôrma e composição; a mudança na fôrma e composi- ção d'estas partes produzirá mudança em seu modo de acção, e recipro- camente ; pelo que a acção nervosa suppõe sempre uma mudança, qual- quer que ella seja, na substancia nervosa. O que parece favorecer esta hypothese é a abundância de sangue ar- terial que se distribue no systema nervoso e sobre tudo na substancia cinzenta, cujo volume é sempre relativo á actívidadè nervosa. Seja como fôr, o que nos parece certo é que o systema nervoso é o órgão formador e conductor d'um agente imponderável análogo ao agen- te electrico; este agente excitador, sendo distribuído em todas as partes nos órgãos, se applica d'algum modo a cada fibrilla, se combina com cada molécula viva, como o calor latente se combina com os corpos líquidos ou gazosos, como a electricidade com os animaes; assemelha-se, segundo a feliz comparação de Royer-Collard, a estas grandes correntes da terra, que em si resumem todas as forças do globo, imprimindo-lhes uma direcção uniforme. A existência d'este agente da innervação, reconhecida por Humboldt, por Aldini, admittida e sustentada brilhantemente por Cuvier, permitte explicar-se facilmente todos os phenomenos da innervação, entre outros, a possibilidade de se determinar contracções musculares, a chymificação do estômago, a acção respiratória do pulmão, etc, substituindo a in- fluencia nervosa pela acção galvanica. Foi assim que, considerando esta hypothese muito verisimil, Rolando procurou a origem do agente nervoso da contracção no cerebello, que, em razão do arranjo particular de suas lâminas, lhe pareceo que deve- ria obrar como uma pilha de Volta. O agente excitador, assim formado pela acção orgânica da substancia nervosa banhada pelo sangue arterial, e de cuja acção depende a força nervosa, parece percorrer o interior e a superfície dos nervos, formando- lhes como que uma atmosphera, e além das suas extremidades pene- trar todos os órgãos e humores; o sangue, em particular, parece ser — 27 — penetrado por esto mesmo fluido e dever-lhe as propriedades essenciaes que o distinguem durante a vida. Entretanto é do sangue que o systema nervoso lira a matéria de sua acção; o concurso do sangue arterial é a condição—sine qua — da acção nervosa; os factose a experiência o demonstrãoexuberantemente. A asphyxia, cuja causa se tem procurado na interrupção da passagem do sangue através do pulmão, na chegada do sangue venoso no ven- triculo esquerdo, na penetração d'este sangue na substancia muscular do coração, resulta antes da penetração do sangue não arterial na sub- stancia nervosa; da mesma sorte, a syncope depende de que se acha in- terrompida a innervação do centro circulatório. É pois incontestável que ávida se acha essencialmente ligada á acção reciproca do sangue sobre a substancia nervosa, e da substancia ner- vosa sobre o sangue; é este o circulo que não tem começo e não tem fim, o consensus de que fallava o gênio da medicina. Com effeito, se d'um lado o sangue não pôde continuamente percor- rer todas as partes do corpo, levando-lhes os materíaes para sua nu- trição, sem o impulso do coração, sem a contractilidade das paredes vasculares e sem o concurso d'outras causas, que todas se achão sob a influencia nervosa, como bem o demonstra a physiologia; se ainda é verdade que o sangue deve á acção nervosa as propriedades essenciaes que o distinguem durante a vida; doutro lado, é do sangue que se nutre o systema nervoso e tira a matéria de sua acção, e sem o concur- so do sangue a innervação não pôde exercer suas funeções; as altera- ções do sangue retumbão sobre o systema nervoso, e vice-versa; ja em outra parte fizemos ver que o sangue pôde influir sobre as acções do cérebro, influindo sobre a medida d'actividade cerebral. O fluido nervoso e o sangue têm portanto um sobre o outro uma influencia reciproca, indispensável para a producção e conservação da saúde e da vida. Resta-nos agora tirar as conseqüências de todos os factos que te- mos reunido e examinado. E' na constituição do sangue, centro da vida vegetativa, é no modo d'exercício d'acção nervosa, que preside os phenomenos da vida ani- — 28 — mal, é finalmente nas relações entre estes dous princípios universacâ da economia, que devemos procurar a causa intima das diíTerenças in- dividuaes chamadas—tempera mentos. Para isso não basta o conhecimento dos princípios immediatos do sangue; é também indispensável examinar-se os elementos d'estes princípios em suas relações, em suas mudanças continuas e em suas combinações; seria preciso que se fizesse uma decomposição, uma analyse perfeita do sangue, alimento vivo, como se decompõe e ana- lysa os alimentos exteriores, que todos os dias são introduzidos no or- ganismo pela digestão, pela absorpção, etc; seria necessário emfim que se conhecesse profundamente os phenomenos moleculares da vida ; e então desappareceria a obscuridade que por todos os lados envolve as questões physiologicas mais importantes para a hygiene. Mas, infelizmente a sciencia hodierna, não obstante seus brilhantes triumphos, ainda não pôde erguer o véo que cobre estes myslerios; o nosso organismo é bastante extenso e complicado para que se não pos- sa attingir seus limites, nem sondar seus arcanos. A constituição do sangue e a acção nervosa dependendo de mil cir- cumstancias, como vimos, comprehende-se que devem existir muitos temperamentos, tantos quantos são os indivíduos; mas todas estas va- riedades se pôde reduzir a três estados ou typos principaes: o tempe- ramento sanguineo, o lymphatico, e o nervoso. Estes três estados me- recem realmente o titulo de temperamentos, porque exercem sobre o organismo uma influencia geral e immediata; a direcção que elles im- primem nos actos orgânicos se torna claramenie manifesta tanto na saúde como na moléstia. Estes temperamentos ou são qualidades primordiaes da organisação, ou resultão das influencias que sobre ella têm obrado profundamente e durante muito tempo; d'ahi a distineção dos temperamentos em con- gênitos e adquiridos, uns e outros traduzindo-se por signaes particu- lares exteriores, que podem guiar o medico pratico em suas pesqui- zas, regular suas observações e facilitar suas prescripções. No temperamento sanguineo é incontestável o augmento dos glóbu- los rubros, augmento que s'eleva de 0,127 a 0,140 (Fleury), corres- pondendo o ultimo algarismo á plcthora, que se pôde considerar como — 29 — r-epresenlando a maior intensidade do temperamento; dahi a tonicida- de dos tecidos, o bello colorido da pelle, pois que a matéria coran- te acompanha os glóbulos e com elles também augmenta a cifra do ferro inherente á hematosina; o sangue sendo menos fluido, os ele- mentos sólidos têm augmentado, ao passo que diminuem os saes de soda e de potassa. O caracter geral do temperamento sanguineo é a promptidão e desembaraço com que se executão todos os actos orgâ- nicos; a sanguinificação é activa, a respiração profunda, a digestão fácil, a assimilação fácil e prompta, a innervação bem ordenada, os movimentos são livres e regulares; ha maior harmonia nas funeções, uma proporção mais justa no desenvolvimento dos órgãos; toda a eco- nomia oíTerece emfim o feliz aspecto da força e da saúde. Estas con- dições physicas devem certamente ter influencia sobre o moral; o cé- rebro se acha sob o impulso benéfico d'um sangue vivificante e bem elaborado; e nestas organisações ílore^entes se nota quasi sempre a alegria d'espirito, a vivacidade do pensamento, etc. Entretanto se o temperamento sanguineo é a expressão mais com- pleta da saúde, se é mais favorável á regularidade e á integridade das funeções, também sobre a moléstia tem uma influencia manifesta, da qual muitas vezes tira o medico bastante proveito: assim, nos in- divíduos dotados d'este temperamento as moléstias apparecem franca- mente, seus symptomas são bem pronunciados, seguem geralmente marcha regular, revestindo a fôrma aguda e raras vezes passando á chronicidade, e tendem espontaneamente para a resolução; as perdas sangüíneas, necessárias ao tratamento, são mais fácil e promptamen- te reparadas ; a convalecencia é prompta. No temperamento lymphatico, em conseqüência d'uma profunda ano- malia da nutrição, congênita ou adquirida, se nota uma diminuição considerável dos glóbulos, da hematosina e portanto do ferro; a água augmenta com a perda dos sólidos; a temperatura e a electricidade do sangue soíTrem mudanças análogas; d'ahi resulta que a hematose não s'executa com a mesma energia que no temperamento sanguineo e não realisa os mesmos produetos; d'ahi o descoramento das super- fícies cutânea e mucosas, aflaccideze falta de tonicidade dos tecidos, a languidez das acções orgânicas que se reílectem mesmo sobre as fa- L. 8 — 30 — culdades intellectuaes. Esta variedade da saúde é mais freqüente nas crianças e nas mulheres. Quanto ao habito externo, seria ocioso enu- meral-os aqui, pois que na multidão das variedades individuaes facil- mente se reconhece este « typo inferior que denuncia uma decadên- cia, cuja causa está nas águas, nos ares, nos logares e muitas vezes no seio da própria sociedade. » Nos indivíduos lymphaticos a força vi- tal é menos activa, menos enérgica, menos poderosa do que nos que são dotados d'outros temperamentos; donde a fraca resistência contra a acção dos agentes physicos e contra as causas pathologicas; n'estes indivíduos as moléstias tendem a tomar o typo chronico, são mais re- beldes; mais difficil é a convalescencia. O temperamento lymphatico é congênito ou adquirido; no primeiro caso depende da herança e d'outras influencias, que presidirão o acto da geração, ou têm obrado durante a vida intra-uterina, ou ainda actuarão na epocha do nascimento; no se- gundo caso devemos presumir que o indivíduo, ainda em tenra idade, foi submettido durante longo tempo a causas debilitantes, que influirão ou continuarão a influir d'um modo prejudicial sobre sua saúde. A mobilidade das sensações e a susceptibilidade de todo o systema nervoso, a actividade anormal e a turbulência das sympathias, o desen- volvimento da intelligencia, são os distinctivos resultantes da superio- ridade d'acção nervosa, da preeminencia da innervação sobre as fune- ções vegeta tivas. A observação tem chegado ao resultado de que no temperamento ner- voso o numero dos glóbulos sangüíneos é sempre inferior ao máximo physiologico, sem comtudo attingir as proporções do lymphatico; a cir- culação capillar é geralmento menos activa, menos regular, salvo o caso em que os temperamentos nervoso e sanguineo se achão asso- ciados. Os indivíduos nervosos se distinguem por uma compleição magra e secca, fibras fracas, músculos pouco desenvolvidos, estatura medíocre, côr pallida, por vezes tornando-se amarellada, olhar vivo, scintillante e expressivo, fronte elevada e ampla, impressões vivas e fortes, etc.; seus movimentos são bruscos, impetuosos e interrompidos; quando postos em acção, nota-se n'elles alternativas de grande energia em dispropor- ção com a força apparente, e de abatimento sem causa apreciável. — 31 — Um facto importante se nota n'estes indivíduos e vem a ser a grande resistência orgânica em perfeito contraste com as apparencias mesqui- nhas do habito externo ; assim, elles supportão melhor as fadigas e trabalhos, reagem com mais força contra os soíTrimentos e as privações do que os que são dotados do temperamento sanguineo; nas epide- mias, nas guerras desastrosas, em todas as privações por que passa e está sujeito o homem durante a vida, elles manifestão uma energia ines- perada chegando por vezes ao heroísmo. Em sua imaginação viva e de fácil exaltação pullulão os pensamen- tos, refervem, borbulhão, por assim dizer, as idéas, succedem-se as im- pulsões quasi sem interrupção ; e o homem assim exaltado apresenta os mais admiráveis exemplos de magnanimidade, abnegação e patriotismo, sobe por sua extraordinária intelligencia, por sua illimitada ambição até os mais altos pincaros da gloria, ou cede fatalmente aos revezes, ás circumstancias, torna-se tyranno, déspota cruel, e de queda em que- da só pára no derradeiro degráo d'abjecção; muitas vezes, quando no maior auge da grandeza, o menor incidente basta para abatel-o ; outras vezes pelo contrario, é bastante o menor impulso para erguel-o do es- tado de abatimento em que jazia. Alexandre Magno, César, Tiberio, Mahomet, Luiz XI, Voltaire, J. J. Rousseau, Robespierre, o Tasso, Pascal, Bonaparte, e muitos outros homens notáveis na historia, são os typos mais notáveis d'este tempera- mento. O desenvolvimento material do encephalo admittido por Mr. Levy como uma das condições especiaes do temperamento nervoso, é ainda um problema que se trata de resolver; se d'um lado é evidente que a i itelligencia está em relação com o volume do cérebro, se este volume é menos considerável nos idiotas de nascimento do que nos indivíduos de intelligencia normalmente desenvolvida; de outro lado não é menos verdade que se não tem podido provar que o systema nervoso seja ma- terialmente mais desenvolvido nos indivíduos nervosos do que nos outros. N'esta questão devemos ter mais em consideração as condições de textura ou a qualidade physiologica da substancia cerebral do que sua quantidade anatômica. — 32 — O mesmo Levy e outros autores attribuem ao temperamento nervoso a super-aclividade dos órgãos genitaes, o que os antigos denominarão — temperamento genilal; mas é fora de duvida que muitos indivíduos ha por ahi, que são nervosos ao ultimo ponto, nos quaes a sensibilida- de sexual é muito pouco desenvolvida. Ainda a este respeito nos inclinamos á opinião de Royer-Collard, que considera o süpposto temperamento genital como um modo particular da innervação; será uma verdadeira idiosyncrasia, uma depravação do espi- rito, para a qual concorrem o estado moral e o habito indomável. O temperamento nervoso é o que mais frequentemante existe puro no organismo; quando elle se apresenta associado a outro tempera- mento, tende a prevalecer e quasi sempre termina por absorvel-o. Emquanto que os outros temperamentos se modificão com os pro- gressos da idade e pelo concurso prolongado das influencias exteriores, o nervoso não cede facilmente a estas causas; pelo contrario, parece exagerar-se à medida que se prolonga ávida, porque os phenomenos nervosos são de natureza periódicos e augmentão de intensidade com a repetição. Quanto á sua influencia sobre o estado pathologico, vê-se que, no curso d'uma moléstia qualquer, não é raro manifestarem-se phenome- nos nervosos insólitos, sympathias anormaes e accidentes particulares de tal modo que podem disfarçar, dissimular o verdadeiro estado mór- bido. Cada um d'estes temperamontos pôde manifestar-se só ; o lymphatico e o nervoso principalmente são encontrados sem mixtura nos indiví- duos do sexo feminino ; o primeiro parece mesmo constituir o typo de organisação mais geral d'este sexo, para o que em nosso paiz concor- rem muitas causas, Todavia, os temperamentos se achão mais ordinariamente associados; esta associação muitas vezes constitue o facto primordial da organisa- ção, outras vezes resulta de que a um temperamento primitivo se tem reunido outro pelos eíTeitos de condições climatericas, d'uma alimen- tação especial, ou sob a influencia de causas moraes, etc. Isto não quer dizer que o temperamento composto ou mixto seja o producto d'um perfeito equilíbrio entre dous systemas geraes da econo- — 33 — mia, entre a acção nervosa e o sangue ; o imaginado temperamenlum temperatum— dos antigos. Não ha perfeita combinação de tempera- mentos ao ponto de se neutralisarem reciprocamente; um d'elles con- serva sempre certa superioridade sobre o outro ; é assim que o tempe- ramento nervoso não exclue, por exemplo, uma certa actívidadè das funeções nutritivas e o augmento de glóbulos no sangue; mas n'este caso ou dominão os caracteres do temperamento sanguineo, ou prevale- ce a incitação nervosa. As fôrmas complexas da saúde as mais freqüentemente observadas procedem da união do temperamento sanguineo com o lymphatico, do nervoso com o sanguineo e com o lymphatico, dando em resultado os temperamentos mixtos : lymphatico-sanguineo, nervoso-sanguineo e lymphalico-nervoso. No primeiro, que, por assim dizer, constitue o fundo orgânico de algumas populações, o elemento lymphatico é o facto primordial; mas uma alimentação substancial, auxiliada por outras condições d'uma hy- giene favorável, tem conseguido uma reconstituição do sangue, corri- gindo, até certo ponto, o vicio primitivo da trama orgânica: o nervoso- sanguineo, caracterisado pela energia da innervação e excellente cons- tituição do sangue, é a variedede da saúde que mais se deve desejar ; mas de todas as fôrmas do temperamento mixto a mais singular, eque parece um verdadeiro paradoxo physiologico, é o lymphatico-nervoso, cuja existência é real, principalmente no sexo feminino ; com effeito, ha mulheres que, sob uma indolência e molleza apparenles, oceultão uma extrema susceptibilidade nervosa, um sentimentalismo que chega ao espasmo, uma irritabilidade que produz convulsões. Antes de terminarmos esta primeira parte do nosso trabalho, con- vém estabelecer aqui a distineção entre o que se chama temperamento e esfoutra fôrma ou variedade da saúde, que com elle muitas vezes se confunde, tão intimas são as suas relações : queremos fallar da consti- tuição. É a constituição um modo de ser década indivíduo, um estado geral da economia que se comprehende, mas não se pôde definir; é, comodizLevv, o resultado summario de todas as causas individuaes, o effeito complexo l. 9 i — 34 — dos caracteres específicos impressos no organismo pelo temperamento, a idiosyncrasía, a idade, o sexo, o grau de força physíca, a regularidade de todas as funeções, emfim a proporção da vitalidade ; é a resultante de todas as acções que se executão no seio da economia, a formula geral da organisação particular de cada indivíduo, formula que se traduz pelas expressões — força e fraqueza: constituição forte e constituição fraca. M. Royer-Collard nos dá uma idéa perfeita da distineção entre os tem- peramentos e a constituição, nos seguintes termos : « Tout homme est « doué primitivement et originellement d'une constitution propre, distin- « cte du tempérament proprement dit.....La constitution peut être modi- « fiée par le regime, mais non détruite. En un mot, Ia constitution est le « fond de Ia nature individuelle ; le tempérament en est Ia forme plus ou « moins durable. » Do que acima temos dito sobre os temperamentos sanguineo, nervoso e lymphatico, se pôde deduzir as relações entre a constituição e aquellas variedades da saúde. SEGUNDA PARTE Homines ad Deos nulla re propriusaccedunt, quam salutem hominibus dando. É POSSÍVEL MODIFICAR, TRANSFORMAR E DESTRUIR OS TEMPERAMENTOS ? QUAES OS MEIOS HYGIENICOS? O estudo dos temperamentos offerece-nos o mais vasto campo de in- ducções para a pathologia, para a therapeutica e para a hygiene. A primeira d'estas sciencias acha nos temperamentos uma das causas predisponentes individuaes das moléstias, o que éde grande recurso para a pratica; o conhecimento dos diversos estados geraes do organismo for- nece á therapeutica esclarecimentos necessários para a boa escolha e administração dos meios curativos, bem como sobre a natureza das me- — 35 — dicações, que devem ser empregadas no tratamento das moléstias; a hygiene, sempre sollicita e cuidadosa no que diz respeito á nossa saúde, comprehende a necessidade de dar aos meios, de que pôde dispor para chegar ao seu fim, uma direcção conveniente, particular para cada indi- víduo e apropriada a cada temperamento. É fora de duvida que se deve considerar como rigorosamente verdadei- ra a proposição geralmente admittida que — o temperamento é o pri- meiro passo para a moléstia. Porque, quanto mais fortes e enérgicos são os nossos órgãos no estado de liberdade, maior tendência apresentão para a execução de suas funeções e mais facilmente são levados a exces- sos ; o mesmo acontece, mas em sentido contrario, com os órgãos fracos que podem cahir no excesso da inércia; é assim que o homem de tempe- ramento sanguineo, de músculos vigorosos, etc, confiado em sua consti- tuição forte se deleita em exercitar suas forças, e julgando-se dotado de certa immunidade se expõe a todas as influencias e intempéries, que aca- bão por prejudicar sua saúde; é assim que o indivíduo lymphatico, que não procura restaurar as forças do organismo, aníés se entrega á indo- lência e ao repouso, obedecendo ás tendências de sua natureza, concorre para augrnentar este predomínio que produz os edemas, a anasarca, os engorgitamentos glandulares, etc,; è assim que o homem no qual predo- mina o cérebro se entrega immoderadamente ao estudo das artes, das sciencias e das lettras, deixa-se arrastar por chimericas ambições e escra- visar pelas paixões violentas, ao ponto de provocar desarranjos em seu espirito. A observação quotidiana nos diz que os temperamentos levados acci- dentalmente a um estado de exageração, constituem o que se chama uma imminencia mórbida, predispondo o organismo para moléstias, que cedo ou tarde deverão apparecer se não forem tomadas as necessárias precauções. É a hygiene que se incumbe de fazer cessar, destruir mesmo, esta dis- posição para as moléstias, proveniente dos temperamentos, attenuando as disposições orgânicas que os constituem e fazendo com que a econo- mia se approxime o mais que fôr possível d'aquelle estado mixto, em que todas partes se temperão reciprocamente e ao qual os antigos denomina- vão — temperamenlum temperalum. — 3f> — Para chegar a este resultado possue a sciencia muitos meios na acção que sobre os temperamentos podem ter as diversas influencias, das quaes ella sabe deduzir as mais sabias regras hygienicas em proveito do gênero humano. Mas, pergunta-se, é possível modificar, transformar e destruir os tem- peramentos ? É certo que basta a idade para modificar a economia; os diíTerentes períodos da vida são acompanhados de modificações intimas da substan- cia do corpo, desde a epocha de seu primeiro desenvolvimento até sua declinação; temos visto em outro logar que o temperamento lymphatico é mais freqüente na infância, o sanguineo na idade adulta principalmente no homem, que o nervoso se torna exagerado, absoluto com os progres- sos da idade. É o que a doutrina galenica exprime poeticamente estalecendo as rela- ções entre os temperamentos, as idades, as estações e os climas. Além d'estas metamorphoses que o homem sofTre pela acção lenta dos annos, os modificadores hygienicos, taes como—o modo de alimentação, o gênero de exercício, a profissão, etc, imprimem nos actos do organis- mo oscillações de tal ordem que fazem modificar as forças, os tempera- mentos; assim, sob a influencia d'um regimen substancial e bem dirigi- de, o sangue, por muito tempo falto de glóbulos e de fibrina, pôde recu- perar estes elementos e com elles suas propriedades nutritivas; um exer- cício sabiamente aconselhado desenvolve músculos quasi atrophiados; a acção oxydante da luz tem o poder de restaurar o colorido e a tonicidade da pelle, descorada em conseqüência d'uma subtração prolongada á acção /? benéfica d"este agente; etc A arte pois, por uma sabia direcção dos agentes hygienicos, pôde atte- nuar ou reforçar os temperamentos primitivos, pôde mesmo crear tem- peramentos novos; e nisto consiste todo o poder e importância da hy- giene. Entretanto não se dirá que ella pôde absolutamente destruir, trans- formar e converter em outras as diversas organisações;—os tempera- mentos não se prestão a metamorphoses tão radicaes, não podem ser absoluta e essencialmente variáveis, como querem alguns autores; —a natureza a isto oppõe limites, os quaes não é dado ao homem ultrapas- ' — 37 — sar, destruindo e apagando completamente os signaes, os traços por ella profundamente gravados em suas obras.—A arte tem, assim o cre- mos, o poder de transformar e destruir um temperamento adquirido, crear temperamentos mixtos ou compostos; mas não poderá anniquilar o temperamento primitivo, que representa o facto primordial da organi- sação ; porque, quaesquer que sejão as mudanças ás quaes seja o orga- nismo forçado pela arte, é certo que o temperamento primitivo tende incessantemente a retomar seo império, o que realmente consegue logo que tenha cessado a acção do agente modificador; quando muito poderá ser diminuída a sua energia. Quem terá conseguido, por exemplo, converter perfeita e radicalmen- te em sanguineo o temperamento primitivamente lymphatico? Em summa, acreditamos que os meios, de que dispõe a hygiene, pos- são modificar ou dissimular os temperamentos ao ponto de parecer transformal-os; mas não que possão destruil-os d'um modo radical e completo; elles attenuão a energia d'estas formas d'organisação e con- seguem combater suas disposições para as moléstias. N'isto consiste a maior nobreza da hygiene; porque sempre fomos d'opinião que mais louvável é evitar o mal do que cural-o, assim como na ordem social mais louvores merece quem sabe e s'esforça por evitar o crime do que o juiz que em punil-o s'esmera. Mas, a sciencia leva mais longe os seus cuidados; não se contenta em velar pela saúde do homem, mas também procura aperfeiçoal-a ; ella precede-o em seu nascimento, preparando-lhe a carreira da vida. E' debaixo d'este ponto de vista, medico e social, que em hygiene devemos considerar a importante questão das disposições orgânicas hereditárias. Hoje ninguém mais põe duvida sobre o facto que certos estados phy- siologicos ou pathologicos podem ser transmittidos de pais a filhos por via de geração; os temperamentos, por exemplo, muitas vezes depen- dem d'esta circumstancia. Em todos os tempos a sciencia tem estudado os eíTeitos (festas disposições hereditárias e os meios de favorecel-as ou modifical-as ; é assim que ella intervém nos casamentos, impondo condições que se referem ao grau de parentesco-, á idade, aos tempe- ramentos, etc.; no que diz respeito aos temperamentos sua intervenção é mais manifesta e os resultos são mais seguros. A observação tem de- l. 10 — 38 — monstrado que a união de dous indivíduos de constituição fraca e tem- peramento lymphatico produz descendência ainda mais fraca, mais lym- phatica e singularmente predisposta para as escrofulas, os tuberculos, o rachitismo, etc; que nos filhos d'individuos igualmente nervosos são exageradas as condições do temperamento nervoso; etc. Donde se con- clue que taes allianças não devem ser aconselhadas; que, pelo contra- rio, é preciso renovar a constituição, melhorar o temperamento por meio d'uma compensação methodica. Tem aqui applícação o axioma — con- traria contrariis de Hippocrates; a união d'individuos de temperamen- tos contrários, o nervoso com o sanguineo, o sanguineo com o lympha- tico, deve dar productos mixtos e attenuar ao mesmo tempo as condi- ções próprias dos temperamentos; d'este modo a sciencia pôde contri- buir para modificar, preparar se pôde dizer, a constituição do futuro ser, e prevenir as disposições mórbidas dos indivíduos. A questão da herança physiologica é de tão alia importância, que d'ella se occuparão não só os médicos como os legisladores e theologos de todos os séculos. E' incontestável a influencia reciproca entre os hábitos e os tempe- ramentos. Também a própria sociedade, até certo ponto, se torna com- plice das tendências orgânicas que apresentão os indivíduos, em conse- qüência da direeção que ella pôde imprimir ás suas faculdades, princi- palmente no sexo feminino, de sua natureza impressionável; o mesmo podemos dizer da educação. Mas, sabendo-se com prudência e discer- nimento approveiíar todas estas etrcurnstancias, que certamente devem influir no destino do homem, se fôr possiveí, como é, dar-lhes uma direeção conveniente, potrer-se-ha modificar esta ou aquella organisação e prevenir disposições que possão tornar-se funestas; para isso basta muitas vezes uma bôa educação, a qual, ao mesmo tempo esclarecen- do o homem e fortificando sua espontaneidade, dá-lhe maior aptidão para dirigir seos hábitos, resistir contra os prejuízos que offerece a so- ciedade, sem a qual elle mesmo não pôde viver, governar sua saúde moderar os appetites e as paixões, que podem exagerar ou deprimir i vitalidade de certos órgãos. Os alimentos e as bebidas tem a mais poderosa influencia sobre a or- ganisação, podendo modifical-a dum modo notável. Um remmen bem — 39 — dirigido desde a primeira infância pôde impedir o desenvolvimento de uma disposição orgânica hereditária, transformar, converter, por exem- plo, o temperamento lymphatico; muila* vezes isso depende da bôa es- colha duma nutriz, cuja constituição deve ser opposta á da criança; mais tarde, o regimen, sendo convenientemente adaptado ao tempera- mento, conseguir-se-ha os mais felizes resultados. Da idade adulta por diante, quando já se não pôde transformar d'um modo radical os tem- peramentos, ainda a natureza dos alimentos e das bebidas pôde concor- rer para attenuar, modificar sua energia; é assim que aos indivíduos sangüíneos se deve aconselhar uma alimentação pouco abundante e pouco azotada, o menos excitante que fôr possível, prohibir o uso fre- qüente de bebidas estimulantes, o café, os alcoólicos; no temperamen- to lymphatico, pelo contrario, a alimentação deve ser abundante e sã, essencialmente azotada, o vinho generoso deve ser administrado com o fim de refocillar as poucas forças da natureza; no temperamento ner- voso se deve evitar tanto o regimen excitante como o debilitante. Outra influencia não menos incontestável é a que sobre os tempera- mentos exerce o uso dos banhos, os quaes deveráõ variar de natureza, temperatura e duração. Os caracteres distinctivos do temperamento san- guineo indicão o emprego dos banhos frios, principalmente nos paizes quentes como o nosso; estes banhos roubão ao corpo uma quantidade de calorico favorável ao livre jogo de suas funeções, emquanto que os ba- nhos quentes podem determinar congestões para as quaes estão já pre- dispostos os indivíduos sangüíneos; no temperamento lymphatico o uso dos banhos tem por fim tonificar, por assim dizer, o organismo; pelo que são aconselhados os banhos frios, salgados, de pouca duração, dez minulos mais ou menos ; aos indivíduos nervosos são mais convenientes os banhos tepidos, durante pouco tempo, afim de se não tornarem debi- litantes. Da mesma sorte que os banhos, os vestidos, modificando o calor, as exhallações, a absorpção e a sensibilidade da pelle, não podem deixar de influir sobre as funeções de outros órgãos mais ou menos aíTastados ; a energia das funeções da pelle regula, de certo modo, a marcha das ou- tras excreções : tudo quanto impressionar as papillas nervosas do derma excita a innervação ccrebro-espinhal e pôde produzir na economia uma — 40 — boa ou má disposição. Assim pois, os vestidos representão uma ordem de modificadores, cuja influencia se extende sobre todos os apparelhos do organismo; esta influencia também deve ser aproveitada como um dos meios para modificar os temperamentos. Os exercícios offerecem ao medico excellentes meios para dominar so- bre os temperamentos: favorecem o desenvolvimento da intelligencia e o crescimento da força muscular, dão vigor a uma constituição naturalmen- te fraca, assim como podem se oppôr aos excessos duma forte consti- tuição, corrigindo n'um e n'outro caso a imminencia mórbida dos tem- peramentos. Assim, aos indivíduos lymphaticos são convenientes os exercícios ac- tivos, taes como a caça, a luta, a gymnastica debaixo de todas as for- mas, exercícios que, dirigidos com precaução podem desenvolver os systemas sanguineo e muscular, dar aos indivíduos a necessária força de resistência corrigindo a inércia e languidez habituaes de todas as suas funeções; aos indivíduos sangüíneos nos quaes a circulação e a hema- tose são muito enérgicas, se deve prescrever exercícios freqüentes mas moderados, afim de excitar a actividade muscular, consumir o mais possivel o sangue rico, fixando sobre os órgãos do movimento o excesso dos fluidos plásticos, que sempre ameação congestões; a marcha pro- longada, a carreira moderada, a dansa, as profissões que necessitão da actividade de todos os músculos, mas em pleno ar livre, são convenien- temente indicadas: são porém contra-indicadas as gestações mais ou me- nos passivas, os esforços violentos, que podem provocar hemorrhagias, congestões, aneurysmas, etc.; nos indivíduos nervosos são úteis todos os exercícios sem excepção; desenvolver os músculos, fortifical-os, acti- var a circulação geral até nos mais tênues capillares, dar amplidão ao campo da hematose, destruir as concentrações visceraes bem como o excesso de irritabilidade do systema nervoso, taes são as indicações do temperamento nervoso, indicações que a gymnastica, só por si, é capaz de satisfazer ; ella é o melhor calmante, o antispasmodico mais certo para o hysterismo, as nevropathias, etc. Maiores vantagens se pôde ainda tirar dos exercícios quando combi- nados com um bem dirigido regimen ; esta combinação pôde produzir nas fôrmas da constituição e dos temperamentos as maiores mudanças. - 41 - Exemplos notáveis d'esta verdade se encontra nos jogadores de sôcco inglezes, que, em conseqüência d'uma educação especial, cujo fim é re- novar os materíaes da organisação e mudar seus caracteres, possuem uma força prodigiosa, rara destreza, e uma insensibilidade quasi incrí- vel para os golpes; e não obstante esta diminuição da sensibilidade em conseqüência d'esta gymnastica athletica, elles conservão perfeitos os sentidos e livre o espirito; os jockeys e os afamados corredores ingle- zes são formados por uma outra combinação d'estes mesmos meios. São estes pois, verdadeiros typos de organisação que se pôde crear com o auxilio de meios que se resumem no emprego especial do ali- mento combinado com o exercício. D'estes e outros factos se pôde coneluir que ha uma arte, ao alcance do medico hygienista, a qual consiste em saber governar o movimento nutritivo, dirigil-o a um fim determinado e mudar a estructura intima dos órgãos. A historia nos mostra exemplos celebres de constituições primitiva- mente débeis, que pela gymnastica adquirirão vigor e forças notáveis ; assim Themistocles, Alcibiades, Sócrates, Pelopidas, César, Adriano (o imperador), Marco Aurélio, Napoleão, etc, deverão aos exercícios o poder de resistirem ás fadigas; Agesiláo, que nasceo coxo e tão fraco que, a não ser a piedade de sua mãi teria de soffrer os eíTeitos das inexoráveis leis d'Esparta, tornou-se, graças á gymnastica, um dos mais vigorosos e illustres guerreiros de seu século ; Demosthenes, fraco e doentio, entre- gou-se durante sua infância a exercícios continuados, que prepararão seu corpo para as lutas e para os trabalhos de homem d'Estado. Assim pois, os exercícios empregados com discernimento, alternando com o necessário repouso, podem modificar favoravelmente a organisa- ção, annular uma disposição hereditária peladirecção especial do movi- mento nutritivo e da innervação. A escolha das profissões também contribue poderosamente para o mesmo resultado. As profissões, pelos hábitos que imprimem e pela repetição incessante dos mesmos actos, determinão modificações impor- tantes no estado orgânico physiologico e sobre os temperamentos. Alem dos meios até aqui mencionados, devemos apontar a influencia dos modificadores naturaes, como o calor,— a luz,—a electricidade, o ar l. 11 — 42 — atmospheríco, as águas, os climas, etc. os quaes sem duvida exercem uma influencia mais ou menos immediata sobre a nossa organisação. A exiguidade d'este trabalho não nos permitte entrar em longas apreciações a respeito de todos estes modificadores, cuja influencia e applicação ôò- dem ser achadas em todos os tratados e compêndios de hygiene. A luz tem uma grande influencia sobre a economia por intermédio do sangue e dos centros nervosos. Os eíTeitos produzidos pela luz sobre os vegetaes conduzem ao conhecimento dos que ella deve produzir sobre os animaes principalmente sobre o homem. Bem como as viçosas flores dos valles, dos montes e dos prados diíTerem das tristes e pallidas flori- nhas condemnadas a viverem no fundo das grutas ; assim também a linda ecorada filha dos campos differe da sentimental e pallida filha das cidades, que todos os dias passa em suas habitações, subtrahida á acção bené- fica da luz. A acção geral da luz sobre as substancias orgânicas consiste em destacar o oxigênio de suas combinações e volatilisal-o. Todos os phenomenos que sob a impressão d'este agente imponderável se produ- zem nos vegetaes, são repetidos exactamente na economia animal. Com- prehende-se então como a permanência prolongada naobscuridade produz o descoramento do sangue, — o abatimento da innervação, a pallidez e flaccidez dos tecidos, principalmente da pelle, e mesmo grande accumu- lação de princípios hydrogenados e carbonetados na economia; onde falta a luz todas as causas debilitantes adquirem maior energia e produ- zem profundas alterações no sangue eno systema nervoso. A influencia dos climas, como meio modificador, è muito manifesta. Os indivíduos dos climas frios se distinguem pelo grande desenvolvimento do systema muscular; são geralmente sangüíneos e n'elles a vida vege- tativa tem mais energia do que a vida nervosa; nos habitantes dos paizes quentes, pelo contrario predomina o systema nervoso, que imprime em sua physionomia uma vivacidade característica. Deve aqui ser lembrado um facto importante, a respeito d'acção do clima quente sobre a econo- mia : a energia do apparelho respiratório é diminuída, bem como a quan- tidade de calor animal, o ácido carbônico é exhalado em menor propor- ção e o carbono, fornecido pelos alimentos respiratórios, não sendo to- talmente queimado no pulmão, é eliminado pelo fígado, cuja actividade funccional se acha consideravelmente augmentada; d'ahi a superabun- — 43 — dancia de matérias hydrogenadas e carbonetadas, de matérias corantes, etc; çTahj resulta finalmente o chamado temperamento bilioso próprio das regiões quentes. Todos os dias se nos oferecem exemplos notáveis das modificações que sobre o organismo humano produzem as mudanças de clima. Tam- bém todos comprehendem de que modo o homem, conhecendo bem as influencias climatericas, o clima de cada região, o regimen, a profissão que lhe convém n'esta ou n'aquella parte do globo, o que ahi deve fazer ou evitar para a conservação de sua saúde, observando finalmente os pre- ceitos da hygiene, pôde amoldar sua natureza a todos os climas, tor- nar-se um verdadeiro cosmopolita. Sobre estas bases tão simples se assenta a grande e importante ques- tão da acclimatação, a qual tem dado logar aos mais vivos debates não só entre os médicos, mas também entre os legisladores. Esta questão tem produzido nestes últimos tempos, principalmente em Inglaterra o França, notáveis escriptos, uma multidão de tratados, memórias e dis- sertações curiosas. Finalmente, innumeraveis são os meios capazes de imprimir nos tem- peramentos as mais profundas modificações, em proveito da saúde do homem ; apenas os mais importantes forão por nós apontados. O ar que respiramos, o calor que nos anima, a electricidade que se communica a todos os nossos órgãos, a luz que obra tão poderosamente sobre nossas funeções nutritivas, os alimentos e as bebidas que renovão a substancia de nosso corpo, o exercício physico, moral e intellectual, podem ser ap- preciados em seus eíTeitos; tudo isto pode ser medido em uma certa pro- porção, empregado com certa ordem. Para darmos aqui uma idéa exacta das numerosas applicações que na pratica se pôde fazer d'uma noção completa dos temperamentos,. seria preciso passar em revista todas as matérias da hygiene. trabalho que vai muito além de nossas forças e não cabe nos apertados limites d'uma simples dissertação. Entretanto, o pouco que temos dito basta para mostrar a nobreza e o poder da sciencia, da qual o homem tudo deve esperar. — 44 — Terminamos aqui este humilde trabalho, que a lei nos impõe. A deficiência de nossos recursos litterarios e scientificos não nos per- mitte maior desenvolvimento do ponto que temos escolhido. A máxima importância e dificuldade do assumpto, reunidas á nossa bôa vontade, desculparão as imperfeições d'este tosco labor. Feci quodpotui, non quod volui. SEGÇÀO CIRÚRGICA FERIDAS POR ARMAS DE FOGO PROPOSIÇÕES I As feridas por armas de fogo, lesões produzidas por projectis emit- tidos pela deflagração da pólvora, são essencialmente contusas; o es- magamento é seu caracter dominante. II Muitas vezes acontece que, em conseqüência de sua elasticidade, os tegumentos não são atravessados por uma bala, deixando esta como unico vestígio exterior uma ligeira ecchymose ou uma eschara secca e superficial, emquanto que os órgãos subjacentes são dilacerados. III Na maioria dos casos os projectis produzem soluções de continuidade, cuja fôrma, extensão e gravidade dependem de muitas circumstancias, taes como: a fôrma e o volume dos projectis, a força de impulsão, a direeção da bala, a natureza e resistência dos tecidos, etc. IV Se o projectil é de volume pouco considerável, pôde atravessar diver- sos órgãos e sahir em um ponto mui diíTerente, praticando d'este modo uma ferida com duas aberturas, uma de entrada e outra de sahida, ten- do cada uma signaes caracteristicos. V A existência d'uma só abertura indica geralmente a presença do pro- jectil na ferida ; mas nem sempre assim acontece. l. 12 — 46 — VI Uma abertura de entrada e outra de sahida não excluem necessaria- mente a presença do projectil na ferida. VII Não é raro ver-se a mesma bala produzir três ou mais soluções de continuidade na superfície do corpo. VIII O trajecto percorrido por uma bala não é sempre directo; vê-se mui- tas vezes o projectil contornar um membro ou as paredes d'uma cavi- dade sem n'ella penetrar. IX A commoção, o estupor e as hemorrhagias são os phenomenos que mais vezes acompanhão as feridas por armas de fogo. X Uma das mais urgentes indicações no tratamento d'estas feridas— é a extracção, o mais cedo possível, dos corpos extranhos, evitando d'este modo serias complicações, que podem trazer a morte. XI No que diz respeito aos instrumentos empregados na extracção dos projectis e de outros corpos extranhos, podemos dizer que a cirurgia hodierna tem chegado a um certo gráo de perfeição, que consiste na importância dos resultados felizes, comparados com a simplicidade dos meios. XII O dedo intelligente e exercitado do cirurgião é o melhor instrumento, sempre que com seu auxilio fôr praticavel a exploração dos projectis e dos outros corpos extranhos. XIII O desbridamento é indicado mais commumente nas seguintes circum- stancias: 1o quando pôde facilitar a extracção dos corpos extranhos; 2o quando com seu auxilio se pôde sustar os progressos d'um estrangula- mento, ainda em principio, o qual constitue um dos mais graves acci- dentes consecutivos d'estas feridas. — 47 — XIV A amputação é muitas vezes indidicada com vantagem, principalmen- te nas seguintes circumstancias: 1o quando ha fractura comminutiva dos ossos complicada coro dilaceração dos outros tecidos e secção dos vasos e nervos principaes d'um membro ; XV 2.° Quando as partes molles têm sido fortemente contundidas e ma- chucadas em uma grande extensão-, e despedaçados os ossos, embora os tegumentos conservem sua integridade; XVI 3.° Com o fim de prevenir a gangrena, no caso de grave hemorrhagia, que se não tem podido sustar pelos meios hemostaticos ordinários, principalmente havendo profunda contusão e derramamento considerável de sangue. XVII No caso em que um projectil penetra n'uma grande articulação, nem sempre é indicada a amputação, preferindo-se muitas vezes a resecção, XVIII Torna-se porém ainda urgente a amputação quando as superfícies ar- ticulares são despedaçadas e n'ellas encravados corpos extranhos. XIX A amputação immediata, aconselhada pelos cirurgiões modernos, deve ser praticada antes de toda manifestação de phenomenos inflammatorios. XX É porém contra-indicada n'um estado de estupor muito pronunciado. XXI Além do desbridamento e d'amputação, muitas vezes são indispensá- veis a contra-abertura, a resecção, a trepanação; todas estas operações exigem sempre a maior cautella e restricção do operador. # SECÇÃO MEDICA OS CLIMAS TÊM ALGUMA INFLUENCIA SOBRE A INTELLIGENCIA HUMANA? PROPOSIÇÕES I Acreditamos, até certo ponto, nas influencias climatericas sobre a or- ganisação do homem. II Dissemos—até certo ponto, porque não è possível explicar-se somente pela simples acção dos climas as diversidades de caracteres physicos e moraes que distinguem as diíTerentes variedades do gênero humano. Hl Se comparamos, em geral, os povos de climas diíTerentes, somos le- vados a crer no predomínio de sua influencia ; mas d'outro lado nota-se também grande diversidade entre os povos que vivem no mesmo clima, dentro da mesma zona e debaixo da mesma latitude. IV O mesmo se nota quanto aos caracteres moraes. Geralmente se diz que os habitantes dos paizes frios são mais activos, supportão melhor as fadigas e são mais bellicosos do que os habitantes dos paizes quentes, que são indolentes, pusillanimes e sujeitos ao despotismo. Não pode- mos admittir esta distincção. V Porque, serião pusillanimes e indolentes os Egypcios, os Aztecas, por exemplo, que construirão os monumentos gigantescos, que ainda hoje causão justa admiração? Os incançaveis Phenicios no commercio, os Árabes de Mahomet, que tão longe e tão rapidamente levarão suas con- l. 13 — 50 — quistas? Conhecemos ainda o activo e bellicoso Árabe do deserto, o temido Araucanio, o altivo guerreiro Guarany tão cioso de sua indepen- dência, o indomito Aymoré, etc VI Não vemos razão para crer que o clima seja a causa do despotismo, que domina sobre alguns povos das regiões quentes; porque seria pre- ciso admittir que sobre os déspotas as influencias climatericas não têm poder. Onde impera o despotismo entre as nações d'America do Sul ? VII Se isto assim acontece quanto ao physíco e ao moral, sobre os quaes nos parece mais immediata a acção dos agentes externos, como admittir- se que a intelligencia humana seja subordinada aos climas? VIII E' verdade que, comparando em geral os povos dos paizes frios com os dos paizes quentes, vemos que estes, ao contrario d'aquelles, são dotados d'intelligencia prompta, d uma imaginação viva e facilmente impressionável, ao ponto de leval-os até a contemplação e ao amor do maravilhoso. IX Lá, o homem é puramente physico, é a matéria quem domina; aqui, é o espirito quem governa e reage sobre a matéria. X Dos paizes quentes, e dos temperados, sahirão os mais sublimes legis- ladores: Moysés, Zoroastro, Confucio,Lycurgo,Solon; nos paizes quentes forão formuladas as principaes religiões; a Lei Escripta foi promulgada no alto do Sinai, o Christianismo nasceo na Syria, o Mahometismo surgio do meio dos ardentes desertos d'Arabia. XI Entretanto, vemos que, sob a influencia do mesmo clima, ao lado umas das outras, vivem nações cheias d'energia e intelligencia e nações que vegetão mergulhadas no seio damoUeza e da estupidez. A historia nos apresenta exemplos d'um mesmo povo passando por phases diversas, por alternativas d'actividade e dundolencia. — oi — XII Resulta de quanto havemos dito que os climas poderão influir sobre o organismo do homem, até certo ponto sobre seus caracteres moraes, po- rém não sobre a sua intelligencia; ou pelo menos que sua influencia é, a este ultimo respeito, quasi nenhuma, muito mais limitada do que pensão Montesquieu e outros. XIII A questão da desigualdade d'intelligencia entre os diversos povos é mais complexa do que geralmente se pensa. Parece-nos que á diííerenca de raças, á civilisação, ás instituições políticas e religiosas, aos costumes, á combinação d'estes elementos devemos attribuir com mais razão esta diversidade no desenvolvimento da intelligencia ; o clima entrará n'esta combinação com um diminuto contingente. XIV Acrecentaremos ainda uma outra circumstancia, que nos parece de grande valor, e vem a ser o aspecto physico do paiz ; a belleza e a varie- dade das aves e das flores, a frescura das fontes, a serenidade d'um céo esplendido, etc, devem influir necessariamente dum modo favorável sobre a intelligencia do homem e despertar sua imaginação. XV E' por isso que, em todo o vasto continente Americano, o Brazil prima pela intelligencia de seus filhos. 4 SECÇÃO ACCESSORIA OZONA, SUA NATUREZA E PROPRIEDADES PROPOSIÇÕES I O oxygenio, debaixo da influencia electrica, passa a um estado parti- cular d'allotropia, análogo ao isomerismo entre os corpos compostos e similhante ao estado que apresenta o phosphoro tornado rubro pela acção da luz solar no vasio. II Pela palavra—ozona—quiz Schoenbein indicar uma das propriedades organolepticas d'este corpo ; Berzelius chamou-o oxygenio allotropico, assignalando este estado anormal dos corpos simples ; o nome ^oxyge- nio eleclrisado, proposto por Becquerel e Fremy, indica uma das condi- ções principaes da formação do ozona. III A circumstancia de que o ozona augmenta de volume quando, sob a influencia do calor ou d'outra causa qualquer, passa ao estado d'oxyge- nio ordinário, faz suppor que a modificação allotropica d'este gaz resulta d'um arranjo molecular, tornando-se mais condensado. IV O oxygenio sempre que se desprende a frio offerece as propriedades do ozona. V Este resultado se pôde obter por muitos processos: ou recolhendo o oxygenio evolvido da decomposição d'agua pela pilha; ou atacando a frio o bioxydo de bario pelo ácido sulfurico concentrado, etc. l. li — 34 — VI O ozona tem propriedades phisicas diíTerentes do oxygenio ordinário; este é inodoro e insipido, aquelle tem um cheiro pronunciado, sui ge- neris, e um sabor comparado por alguns chimicos ao sabor da lagosta. VII Suas propriedades chimicas são ainda mais notáveis: ao contrario do oxygenio ordinário, o ozona oxyda a frio os metaes oxydaveis, até mesmo a prata; decompõe o ácido chlorhydrico, pondo o chloro em liberdade; faz passar a um gráo superior d'oxydação os ácidos e os oxydos infe- riores ; decompõe os ioduretos alcalinos tornando livre o iodo; ataca promptamente as matérias corantes, etc. VIII O ozona perde todas estas propriedades, voltando ao estado d'oxyge- nio ordinário, sob a influencia d'uma temperatura elevada, ou sendo agitado com água de cal ou de barita. XI O mesmo resultado se obtém — pondo-se o ozona em contado com o bioxydo de manganez ou com água oxygenada. X A theoria bastante ingenhosa, apresentada por Schcenbein, do desdo- bramento do oxygenio em —negativo ou ozona e positivo ou antozona, podendo ser reproduzido pela reunião d'estes dous elementos, explica muitos phenomenos attribuidos á chamada acção catalytica ou de con- tado ; mas não foi ainda sanccionada pelos chimicos porque se funda sobre a polaridade hypothetica do oxygenio. XI Da propriedade que tem o ozona de decompor o iodureto de potássio procedeu a idéa do papel ozonoscopico, usado nas observações meteo- rológicas. XII A sensibilidade d'este e outros readivos ozonoscopicos, durante as tempestades, demonstra a formação do ozona no ar atmospheríco em conseqüência de descargas eledricas. ÕO XIII O ar contém quasi sempre ozona, mas em quantidade mui variável, segundo as estações, o estado da atmosphera, a altitude dos logares e outras circumstancias particulares das localidades. XIV O ozona exerce sobre o organismo vivo uma acção importante; seus eueitos se manifestão principalmente do lado dos systemas respiratório e nervoso. XV Sendo este corpo dotado de propriedades oxvdantes muito enérgicas, se pôde suppor que elle pôde destruir os miasmas. XVI Experiências diredas demonstrão seo poder desinfedante; d'onde sô tem julgado achar uma certa relação entre sua presença no ar e certas condições de salubridade. HIPOCRATIS APHORISMI i Vita brevis, ars longa, occasio praeceps, experientia fallax, judicium diíficile. (Seo. l«Aph. 1.) II Naturam aliae quidem ad aestatem, aliae vero ad hyemem, bené aut malé constitua? sunt. (Sec. 2», Aph. 2.) III Mutationes anni temporum maximé pariunt morbos, et in ipsis tem- poribus magnae mutationes tum frigoris, tum caloris et coetera pro râ- tione eodem modo. (Sec. 3a Aph. 1. ) IV Frigida velut nix, glaties pedori inimica tusses movent, sanguinis eruptiones ac catarrhos inducunt. (Sec. 5o Aph. 24.) V Vulneri convulsio superveniens,—lethale. (Sec. o» Aph. 2.) VI /n Salguine multo eflfusoconvulsio, aut singultus superveniens, —malum. (Sec. 5a Aph. 3.) e*ne///da a cotnmeflão iencdoia. <^$anía e (^acuea/ade c/t ^/fueeücena a a/s (S/e/em/^la a/s Safa?. *" . «ÍÜ**