FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA, DE RAYMUNDO CAETANO DA Cl NHArT^.:, / mc d i r JAN ?. 8 ê> KJ 4 V /"-; /r /Ar t j c^S- c/3 ^ .^U^ _ ,w>^ }$ ^ De sua acção rápida e espantosa, diversas alterações podem re- ijjj^^sultar na economia, quer em relação aos mesmos projectis, pela sua ^ <^iM forma, naturesa e impulso, quer no que respeita aos órgãos affectados, \JèAi extensão da lesão &c Estas circumstancias, que na pratica cirúrgica sob mais de uma face de estu- do descobrem principal importância, para seu resultado final, muito depen- dem da natureza, constituição e estado de forças do organismo. Comprehende-se, pois, quão espinhosa deve ser a nossa missão, acceitando para ponto de nossa dissertação assumpto tão vasto que por si só fora suffi- ciente para constituir um curso especial. Pouco poderemos adiantar á respeito, não obstante termos ainda, palpitantes d'instrucção, as lições preciosas colhi- das nos campos de batalha, e escriptas em nossa memória com o sangue ver- tido decentenares de feridas, que cobrem o peito de nossos bravos compatrio- tas. O espaço de uma theze é muito acanhado para mais largos detalhes, e por isso somos forçados a tratar do assumpto de um modo suecinto. "Si por acaso 4 % não formos bastante feliz no cumprimento d'esta tarefa, que nos impõe a lei, esperamos benevolência, attento o pouco tempo de que podemos dispor, e as preocupações de que nos achamos sobrecarregado. Tratando d'esse assumpto, o estudaremos, segundo sua historia, natureza, etiologia, anatomia pathologica, symptomas, diagnostico, prognostico, e tratamento, tudo em geral, como o é em si o ponto. Historia. Data o estudo das feridas por armas de guerra de muito tempo, com certeza porem, elle tem occupado a attenção dos cirurgiões do século 15.° para cá. J. de Vigo é o primeiro que escreve sobre este assumpto, e no %.° tra- tado do seu 3.° livro que é intitulado—De vulnere facto ab instrumento, quod bombarda nuncupatur.—Depois d'elle muitos são os que tem escripto: innumeras tem sido as observações, discussões importantes e de interesse a respeito; tendo grande parte n'esse assumpto a experiência, sem a qual, muito se estudando, pouco se aprende. Assim as guerras da Europa íizerão aparecer obras bastante importantes, como sejão as de Percy, Larrey, Sedillot Dupuy- tren, Legoest&c, asquaes, com tudo, são susceptiveis de leves reparos para quem tem longa experiência adquirida no tratamento d'estes ferim^itos. Não se pôde finalmente escrever quanto é preciso, relativamente as feridas por ar- mas de guerra, pois que estas feridas podem passar por muitas modificações. Natureza. As feridas de armas de fogo são de natureza tal que basta a sim- ples inspecção para que se as reconheça. Tempo houve em que se pretendeo que as feridas de armas de fogo erão envenenadas, pelo que antigos cirurgiões, an- tes de qualquer curativo, applicavão sobre a ferida o ferro em braza e óleo fer- vente, afim de destruir o veneno.- Este curativo era seguido pela maior parte dos cirurgiões, quando A. Pare, por um acaso reconheceo que o devia despre- zar, e seguir um curativo em tudo mui diverso do até então empregado. As feridas de armas de fogo são essencialmente contusas, de bordos seccos, ennegrecidos, apresentando ecchymoses, de diâmetro que varia segundo o vo- lume e forma do projectil, umas ha que não dão hemorrhagia, outras, porem, pelo contrario; de sorte que muitos feridos suecumbem por causa de taes he- morrhagias. As feridas por armas de fogo as vezes tem natureza idêntica a da queimadura, apresentando-se a superfície da ferida, principalmente quando ao projectil é dado grande impulso, com uma coloração negra e coberta de unin eschara semelhante a que produz a applicação de um cauterio; parecendo-nos com tudo que a eschara é antes devida á impulsão que traz o projectil do que ao calorico, que o acompanha. Etiologia e anatomia pathologica. Diversos e veriados são os projectis, que, postos em movimento pela explosão da pólvora, produzem as feridas de 3 armas de fogo, nós, porem, aqui trataremos das feridas produsidas pelas bai- las esphericas, e pelas cilindro-conicas; se bem que possamos asseverar que muita vez o mesmo projectil não é que vai ferir e sim qualquer outro corpo, que elle encontra em sua trajectoria, assim veremos muitas vezes feridas pro- dusidas por estilhaços de paus, peças de armamento, &c, &c, objectos esses que tornão-se por sua vez agentes de destruição. Os eíTeitos que produzem estes diversos projectis são dous: contusões e feri- das. Muita vez não se poderá destinguir a contusão da ferida: por exemplo, quando um grande projectil animado por um forte impulso oífende um órgão, produsindo fractura de ossos e desorganisação dos tecidos subjacentes, sem que soffra desorganisação apparente a pelle, haverá ferimento ou contusão? Quando lesão tal se der em uma cavidade splanchnica, e houver despedaça- mento do fígado, baço &c ou rotura de intestinos, como tive oceasião de obser- var no campo, sobre o infeliz Tenente do 10.° de voluntários Deolisano de Mi- randa Chaves, que recebendo na chapa do talim uma bala de cacho de uva, bala que tornou a chapa, de plana que era, concava, determinando momentos depois vômitos de matérias fecaes, e em seguida a morte. O que seria isso? como classificar de ferimento ou contusão? São factos que se dão constantemente no campo do combate, e aos quaes sobrevémsem se es- perar, nem deduzir pelo que exteriormente se observa a existência de tão gran- des e tão profundas desordens do organismo. Factos taes fizerão pensar a alguns cirurgiões que de uma contusão produsi- cla pelo abalo imprimido ao ar pela bala, é que causava a morte; porem já hoje não se pensa assim, e Pelikan com suas experiências muito tem aclarado esse orisonte. As feridas que produzem os pelouros penetrando no organismo são bastante variadas em forma: assim pode uma bala atravessar pequena distancia dos te- gumentos, perdendo-se nomeio dos mesmos, encontrando-se muitas vezes par- tes das vestimentas, e mesmo formando estas o que chama o Sr. Sedillot—dedo de luva—; pelo que, mesmo quando retirado o projectil deve o cirurgião pro- curar si ainda existe corpo estranho no canal traumático. Outras vezes a bala atravessa todo um membro, produsindo abertura de entrada e de sahida. Grandes questões se tem suscitado em relação a estas duas aberturas, que- rendo uns que differenciem entre si, e outros pelo contrario. Mas esta questão é d'aquellas que dependem de certas circumstancias, e sem as quaes nada se pôde assentar de definitivo. Assim, para bem se firmar a dif- ferença entre a abertura de entrada e a de sahida, é preciso prestar attenção a direcção oblíqua das feridas, a deformação do projectil, sua forçadeimpulsão 4 e a distancia de que vem o mesmo projectil. Em nossos trabalhos nos hospitaes de sangue nunca podemos entrar nestas apreciações, pois que nos faltava o tem- po para taes minuciosidades. Não será por se apresentar em um membro duas aberturas, uma de entrada e outra de sahida, que se dirá que o mesmo foi no todo lesado; não porque a contracção muscular, a resistência de aponevroses, ou de ossos, farão muitas vezes o projectil mudar de-direcção. O trajecto das balas atravez dos tecidos do corpo humano não é sempre di- recto. Esses projectis soarem muitas vezes desvios, algumas vezes mui singu- lares, e sobre os quaes é importante, que o cirurgião fixe sua attenção. Múlti- plos exemplos se achão em todas as obras que tratão de feridas de armas de fogo : ora é uma bala, que entra na região frontal, caminha entre os ossos do craneo e aponevrose epicraneana, e vai se escapar na região temporal, ou mes- mo na região occipital, por um ponto diametralmente opposto a abertura de entrada; ora é uma outra bala que apresenta suas aberturas de entrada e sahi- da, uma no sternon, outra ao nivel das apophyses espinhosas das vertebras, e que sem penetrar na cavidade thoracica, e, sem interessar as visceras que ella encerra, tem percorrido a ametade da circumferencia do peito. Muitos feridos temos visto, que, a principio nos parecendo graves, com tudo a gravidade não era a que se julgava, si bem que graves sejão todos os feri- mentos por armas de fogo; assim temos visto duas aberturas oppostas nas pare- des do thorax, sem que o projectil o tenha atravessado, e sim contornado a cai- xa óssea, dando-se o mesmo em relação a cabeça. Nem sempre as aberturas são oppostas, pelo contrario as vezes muito divergentes são, pelo que difíiculdades immensas tem trazido para sua explicação, assim temos visto uma abertura d& entrada no alto do craneo e a de sahida na região glutea, como observamos no combate de 211 de Março do anno vigente em uma praça do 34.° corpo de vo- luntários, no qual desenvolverão-se os phenomenos de meningite, mas que, em poucos momentos deixou de existir. Este e outros phenomenos de des- vio é de uma ordem puramente physicâ e submettidos as mesmas leis que as que presidem aos movimentos de todos os corpos; de sorte que seria possível determinar á priori o trajecto de uma bala si se conhecesse de uma maneira exacta todos os dados do problema, a saber, ligeireza do projectil, sua direc- rão &c. &c. Nem sempre que se apresenta em um órgão uma ferida produzida por arma de fogo, se deve concluir, que essa ferida é complicada da presença do proje- clil, ou de qualquer outro corpo estranho, muito cuidado porem se de- ve ter em bem reconhecer que não exista, quer o projectil, quer o corpo es- tranho, porque então esses, obrando continuamente, não deixaráõ cicatrisar a ferida senão depois de sua extracção. Tó Muita attenção também se^deve ter mesmo quando haja aberturas de entra- da e sahida; pois que se pode dar o caso de estar a arma carregada com duas balas, e somente uma ter sahido; de que mesmo sendo uma, essa pelo encon- tro de um osso se dividisse, sahindo uma parte, e ficando outra; ou ainda pode acontecer que um corpo qualquer, acompanhando a bala no seu trajecto,- se deixe ficar quer esse corpo, quer a bala no mesmo trajecto, tendo um d'el- les feito a abertura de sahida, também pôde ainda haver squirolas ósseas, que se achão no vácuo do canal; pelo que toda precaução é pouca, quando se trata de examinar uma ferida por arma de fogo. Grandes diíferenças hâ entre as feridas causadas pelas balas sphericas e pe- las cylindro-conicas, não se podendo porém dizer isso quanto as aberturas de entrada e sahida, nas quaes se notão as mesmas circumstancias que nas pro- duzidas pelas balas sphericas. O trajecto das balas cylindro-conicas é em geral recto, e atravessa os tecidos orgânicos que se lhe apresentão, não sendo um osso, uma aponevrose ou uni músculo bastantes para a fazer desviar de seu curso; se ella encontra um osso a fractura comminutiva se lhe segue, ou então se sua força de impulsão vem diminuída, ella se encrava no mesmo osso, ellas não se dividem, como acontece com as esphericas; podem, porém, ser deformadas, como observamos em um ferimento no maxillar superior, que, ou pela falta de impulsão, ou pela resistência que apresentou o osso, o projectil atravessou os tecidos molles e se foi quasi que achatar sobre o mesmo osso. Quando uma bala encontra em seu curso um osso, esse pôde deixar de ser fracturado pelo desvio da bala; mas de ordinário se dá a fractura, que pô- de ser simples ou comminutiva. Acontece, também, que, não havendo des- vio ou fractura, ha o que se chama bala encravada, podendo ser isso quer nas partes esponjosas, quer no corpo mesmo dos ossos, ou ainda a bala pôde ser introduzida no canal medular do osso, ou atravessar o mesmo osso, determi- nando fracturas em estilhaço com squirolas e fendas longitudinaes. As outras partes do organismo são divididas pelas balas sem apresentar ou- tros phenomenos, que os resultantes da interrupção de suas funcções: não acon- tecendo assim com as artérias. Uma artéria pôde ser contundida por uma bala, trazendo em conseqüência a ruptura das túnicas internas e media, havendo, portanto, exsudação de lym- pha plástica, que vem a obliterar o vaso, difficultando a circulação do resto do membro. A contuzão pode ter grande energia para escarificar a parte, ficando na eschara contida a artéria. Quando, porém, em lugar da contuzão, ha um ferimento, duas circumstan- cias se podem apresentar: ou o projectil impellido por grande movimento di- 2 6 vide todos os tecidos e produz-se ou uma hemorrhagia immediata por solução de continuidade do vaso, ou um aneurysma falso primitivo; ou o projectil tem já perdido grande parte de sua força de impulsão e produz distensão dos vasos e não rompe senão successivamente as três túnicas; pelo que pensarão alguns ci- rurgiões que as feridas de armas de fogo não. sangravão, o que já hoje está suf- icientemente illucidado. Symptomatologia. Podemos dividir os symptomas das feridas de armas de fogo em geraes, e locaes; tratando de cada um de per si. Os symptomas das fe- ridas de armas de fogo estão em relação com a região lesada e a extensão do feri- mento; assim quando é ferida uma das cavidades splanchnicas ou mesmo um membro em toda sua extensão immediatamente se apodera do doente um res- friamento súbito e geral com horripilação, pallidez do rosto, concentração do pulso, tendência a syncope, soluço, náuseas e vômitos. Outras vezes não se dão estes symptomas, o doente perde o conhecimento, e é agitado de movimentos convulsivos. Outras vezes, com quanto se conheça existir esses symptomas in totum, ou em parte com tudo, o doente aparenta sangue frio e calma, o que de ordinário se dá nos militares. Os caracteres locaes dizem respeito as feridas em si mesmas: a superfície d'ellas e ennegrecida e livida, os bordos seccos, o que fez crer a antiga cirur- gia que nas feridas de armas de fogo havia queimadura, as circumvizinhanças das mesmas feridas são mais ou menos ecchymosadas, e apresentão uma cor azul ou violacea; dependendo este symptoma da maior ou menor impulsão do projectil. Quando o projectil productor da ferida é uma bala de artilharia, que produz então ou o arrancamento de um órgão, ou a infíammação traumática de vice- ras, muito é para receiar a morte stantanea. O sangue que dão as feridas de armas de fogo, em geral, é em tão pequena quantidade, que não se pôde explicar esse phenomeno senão pela attrição dos vasos. Si a região lesada é uma região vascular,, ou por onde passâo vasos im- portantes então pelo contrario se dá hemorragia. Casos tem havido de feridas em regiões vasculares, interessando mesmo órgãos importantes, e nem por isso se tem dado hemorragias, só havendo possibilidade de explicar este phenome- no pela obliteração momentânea do vaso por coágulos formados pela ruptura desigual das túnicas, retracção do vaso sobre si mesmo em suas túnicas &c. A dôr que acompanha as feridas de armas de fogo não é muito viva, assim muitos militares são feridos no campo do combate, e só se percebem do seu ferimento ou pelo sangue que tem' manchado seus uniformes, ou pela difficul- 7 dade de movimento, que sente no membro lesado. Si, porém, a ferida com- prehende um ou mais troncos nervosos, o doente sente dores agudissimas, que revela por gemidos clamorosos. Uma commoçãò, um abalo que se communica ás partes visinhas as articula- ções experimenta a parte ferida sobrevindo a inflammação e abcesso das mes- mas; principalmente si se transmitte a todo systema nervoso. Este abalo determina, muitas vezes, um estado de stupor local, que torna a parte insensível, fria, pezada, inhabil a mover-se, e que a dispõe a engorgita- mento e a mortiíicação. A marcha das feridas de armas de fogo muito diversifica das outras feridas; é raro que se dê a cicatrisação pela reunião immediata. Si o projectil faz uma ferida superficial em gotteira, dá-se a eliminação da camada superficial da pel- le, e por baixo delia nasce uma camada de botões carnosos, que segue a mar- cha das feridas ordinárias; mas si o projectil atravessa completamente um ór- gão, convém ainda distinguir se elle fez o seu trajecto por entre os tecidos, ou si por baixo dos tegumentos. Cicatrizão bem as feridas quando o trajecto foi subcutaneo, depois da eliminação de sua camada interna pela suppuração. Phenomenos outros se dão si o projectil atravessou as camadas musculares; ha engorgitainenlo, infiltração de sorosidade esbranquiçada; a parte torna-se pastosa, indolente umas vezes, outras porém ella enrubece-se; sua tempera- tura eleva-se, torna-se dolorosa e não se demora, quer a gangrena por inflam- mação, quer a infiltração purulenta. Não sobrevindo esses accidentes, depois de alguns dias de suppuração sa- niosa, que explica a eliminação das partes sphaceladas, se vê uma mudança notável no aspecto da matéria purulenta, cicatrizando-se finalmente o trajecto pela agglutinação dos botões carnosos. Si um osso é compromettido de concomitância com as- partes molles é a marcha mais longa, e dirTicil é a cicatrisação com a consolidação do osso, principalmente se houve fractura comminutiva, quando então só se dá a cica- trisação depois da eliminação das esquirolas. Não se dará a cicatrisação promp- ta, nem mesmo demorada, quando houverem grandes esquirolas, e fendas lon- gitudinaes, quando então só a amputação na continuidade ou na contiguidade a substituirá. Não se deve contar como bem firme a cicatriz de uma ferida complicada de fractura; pois que havendo squirolas retardadas em sua eliminação, de novo rompe-se o tecido cicatricial para a eliminação das mesmas. Os accidentes são muito mais graves, quando a fractura occupa as extremi- dades articulares por causa da inflammação da synovia e da extensão da su- perfície óssea lesada. 8 As feridas de armas de fogo são susceptíveis de hemorragias secundarias, que sobrevém do décimo ao vigésimo dia, ou pela queda de uma eschara, ou pelo destacamento de um coagulo que obliterava a abertura do vaso. Essas he- morragias não apresentão symptomas, e sim apparecem de momento, cedendo a uma syncope, de novo reapparecem para muita vez, dar a morte ao infeliz, que sempre foi accudido, e que deixa de existir pela falta de sangue e abati- mento geral. Diversos accidentes e complicações se dão nas feridss por arma de guerra, entre outros o tétano, a podridão dos hospitaes, e corpos estranhos detidos no trajecto dos projectis. Não trataremos -dos dous primeiros, porque por si sós constituem um ponto para discussão, e nós não podemos distrahir o precioso tempo que nos resta para tratar senão do nosso ponto especialmente. Além dos projectis, outros corpos estranhos são com elle introdusidos no organismo, assim se tem visto porções dos uniformes, do armamento, muni- ção &c. &c, impielldos pelo projectil, penetrar nas carnes, e ahi se demorar; mesmo partes do corpo do indivíduo ferido podem ser inteiramente separa- das e arrastadas. Esses corpos estranhos implantão-se nos tecidos, e difficil é sua exploração, e por tanto sua extracção : sobrevindo muitas vezes depois da cicatrisação tumores, cuja suppuração chama para a superfície da pelle estes objectos, afim de serem expellidos; outras vezes elles se enkistão, e nãoé ex- traordinário o dizer-se, que indivíduos ha que vivem contendo corpos extra- nhos em seus tecidos. Diagnostico. Não nos attrevemos a traçar raias sobre o diagnostico das fe- ridas por armas de guerra; porque elle deve ser em relação as mesmas feridas, que são variadissimas; comtudo direi, que não se deve sempre sondar o tra- jecto feito pelo projectil; porque havendo vasos importantes, e que forão pou- pados, talvez o deixem de ser pela sonda, apparecendo por tanto phenome- nos, que senão esperava. Prestar attenção aos commemorativos do doente, entrar em minuciosidades especiaes para reconhecer o que houver de notável e preciso para um diagnos- tico seguro, eis a obrigação do cirurgião; se porém a lesão fôr dessas que se não apresenta exteriormente e trouxer desordens cias funcções, ainda a pru- dência, de mãos dadas a duvida. Grandes são os embaraços que se nos apre- sentão para bem diagnosticar uma ferida por arma de guerra, principalmente quando ella envolver um crime; a circumspecção e o tino médicos são ele- mentos necessários que em concurso com a pratica adquirida muito facilitarão o juizo medico á respeito. Prognostico. Si nos achamos embaraçado, quanto ao diagnostico das fe- 9 ridas por armas de guerra, mais ainda nos embaraça o prognostico, para o qual deve o cirurgião ter em attenção o órgão ferido, a extensão da ferida, o projectil que a causou, as desordens que trouxe á economia, as condições em que se acha o indivíduo, seu estado geral, sua constituição; os meios de tra- tamento &c. &c. As conseqüências muito varião ainda quanto ao curativo mais ou menos prompto, com ou sem deformidade, com paralisia, atrophia, dores, mutilação de um membro, uma hemorragia consecutiva &c. &c. " Tendo todas essas circumstancias previstas poderá então o cirurgião prog- nosticar, addicionando alem da pratica o costume de ver feridas por armas de fogo. Tratamento. Si o projectil tem somente produzido uma simples contuzão, o tratamento a seguir deve ser facilitar a queda da eschara com os emollien- tes, que ao mesmo tempo desengorgitão as circumvizinhanças elubrificão a parte; depois da queda da eschara, o simples curativo trará a cicatrização. Nas feridas propriamente ditas devemos observal-as desde o momento em que el- las forão feitas até a sua completa cura; exporemos as indicações apresenta- das pelas mesmas em períodos diversos e bem assim trataremos dos desbri- damentos, meios hemostaticos, extracção dos corpos estranhos, curativos, seus cuidados, terminando pela questão da amputação, relativamente as circums- tancias e epocha em que se a deve praticar. Já falíamos do antigo curativo das feridas por armas de guerra pelo caute- rio potencial, curativo hoje que jaz por terra, attentos os progressos da scien- cia : fallaremos agora de um outro meio de curativo, até então seguido, e que, com a esperança de manter uma via fácil aos líquidos e as escharas, que sahem da ferida, e os antigos cirurgiões o punhão em pratica : quero fallar do sede- nho que não tem podido persistir na cirurgia das feridas de armas de fogo, senão excepcionalmente; se bem que preste algumas vezes, e em certos casos, serviços bem importantes. Hoje não se cauteriza mais, nem se passão sede- nhos nas feridas por armas de guerra. O desbridamento oecupa um ponto importante na cirurgia relativamente as feridas por armas de guerra. Consiste elle em incisões pratieadas ou nas aber- turas de entrada ou nas de sahida, ou em todo trajecto da ferida, com o fim de transformar a ferida de arma de fogo em ferida por instrumento cortante. Não somos d'aquellcs que desbridão em todo e qualquer cazo, nem dos que repellem o desbridamento; deve desbridar-se quando houver, ou for de ne- cessidade desafogar os tecidos, prevenir a tumefação, facilitar o desengorgi- tamento da parte, a sahida dos líquidos dos corpos estranhos, prevenir uma 3 10 hemorrhagia, quando a ferida fòr em regiões revestidas por fortes apanevro- ses &c. O processo a seguir para desbridar uma ferida, parecendo fácil, com tudo envolve suas difficuldades e mesmo receios. O dedo, uma tenta canulada, um bistori abotoado, são os instrumentos precisos para o desbridamento. Si a fe- rida não offerece uma abertura, que dê entrada ao dedo, a tenta canula será introdusida, e o bistori alargará esta entrada, tanto quanto for suficiente, prestando-se todo cuidado á algum vazo que passe pela região; feita esta dila- tação, o dedo será introdusido, acompanhando-o o bistori deitado sobre o mesmo; chegando até onde for preciso, ou possivel, o cortante do instrumen- to será levantado contra a parede da ferida opposta ao dedo, e se praticará a incizão ou incizões, conservando a ponta abotoada do bistori apoiada sobre o fundo da ferida. Si hcuver fortes aponevroses, se as incizirá em forma den- tada. O que se procede a respeito de uma abertura, se procederá em relação a ne- cessidade do desbridamento. O que convirá praticar-se quando uma ferida dá muito sangue por suas aberturas, applicar a compressão, líquidos hemostati- cos? Não, porque é um meio infiel e que trará talvez sérios embaraços. A li- gadura aqui será applicada com razão. Mas sobre que ponto pratical-a, no pon- to mesmo ferido, ou devemos procurar entre a ferida e o coração o tronco ar- terial, que dá o sangue? Eis uma questão, sobre a qual os cirurgiões se divi- dem, e a respeito da qual para emittirmos nossa opinião, nos acharíamos em- baraçado senão tivéssemos já tido occazião de cuidar de feridas por armas de fogo. O Sr. Gutrie quer que se liguem as duas extremidades da artéria na ferida mesma, descobrindo-as por incizões; mas casos ha em que difficilmente se poderá seguir essa pratica; por exemplo : quando uma bala atravessa uma região onde se achão situadas profundamente muitas artérias, e que o sangue se es- capa pelas aberturas, dever-se-ha, como quer esse hábil cirurgião, incizar pro- fundamente o canal todo do projectil, com o fim de descobrir o vaso lesado? Segundo nosso fraco pensar, julgamos não se o dever fazer sempre. O Sr. Dupuytren é mais prudente para alguns cazos, pois que manda descobrir a uma certa distancia da ferida o tronco commum e passar sobre elle uma li- gadura. íía também aqui seus inconvenientes; pois que pode ser descoberto c liga- do um vaso que não o que dá sangue; por tanto, convém antes de tudo bem reconhecer si o vaso que se vai ligar é o mesmo, afim de evitar enganos. A extracção dos corpos estranhos occupa-nos agora a attenção. Cirurgiões M houverão, e entre outros o Professor Jobert de Lambelle, que acreditavão não serem offensivos aos tecidos os corpos estranhos; pelo que, segundo elles, não se devia fazer a extracção immediata das esquirolas e de outros corpos estra- nhos; outros, porém, como sejam Baudem, Bégin, Larrey, Sedillot, aconselhão a extracção immediata. Si tem vivido placidamente alguns indivíduos com os corpos estranhos em seus tecidos, outros, pelo contrario, não os supportão, senão com muitas dores, com fistulas, que pelo entretenimento dos mesmos corpos tornão-se chronicas, e muita vez arrasta o cirurgião a praticar a ampu- tação da parte si á isso ella se presta, ou a fazer incizões com o fim de procu- ral-os; isto depois de longos sonrimentos, e talvez de abatimento geral do doente, que assim bem difficultoso senão impossível torna-se seu restabeleci- mento. Façamos algumas considerações relativamente aos corpos estranhos nos te- cidos para ao depois entrarmos nos meios de extracção. Não será por se apre- sentar uma só abertura, que se concluirá que o projectil exista na ferida; pois que elle pode ter sido expellido pela elasticidade cias partes feridas, arrasta- do pelo seu próprio pezo pela mesma abertura de entrada, ou ainda sendo in- troduzido com as roupas, retirar-se com ellas, quando se tratar de despir o ferido; porém haverá casos, em que, sendo expellido o projectil, com tudo um corpo estranho qualquer arrastado pelo mesmo, se ache introdusido nos tecidos. Si duas aberturas se apresentão, não concluiremos que o projectil ou outro corpo estranho não se ache nos tecidos; porque muita vez succede que o fusil é carregado com mais de uma bala, e que somente uma d'ellas foi expel- lida; ou sendo mesmo com uma só bala, esta encontrando um osso se divida em dous ou muitos fragmentos, tendo se escapado uns e ficado outros. Muitos outros casos se offerecem, podendo-se crer, que exista corpo estra- nho nos tecidos, sem que existão; a inspecção, porém, resolverá esta questão. O instrumento melhor explorador para se reconhecer os corpos estranhos nas feridas, é o dedo, que, sendo introdusido, tanto quanto possível, percor- re as diversas faces da superfície da ferida,; sendo porém necessário recorrer a uma sonda metálica, quando a ferida for estreita e profunda. Quasi sempre a sonda de mulher é de preferencia empregada. Não se creia ser fácil o sondar uma ferida; porque muitas vezes, sendo in- trodusido o instrumento, não passa dos tecidos subjacentes, e grande resistên- cia encontra; pelo que será precizo investigar a posição em que se achava o indivíduo no momento, em que foi ferido, convidal-o a contrahir, e relachar os músculos da região ferida, imprimindo-lhe movimentos e pressões conti- iiuas sobre o ponto opposto a ferida, afim de estreitar o canal, e reconhecer 12 se ha corpo estranho. O exame não se limitará somente ao ponto ferido e suas circumvizinhanças. As mãos percorrendo o exterior certificarão ao cirur- gião se ha ou não corpo extranho, levando-se o exame ao canal mesmo da fe- rida, se a inspecção externa não for sufnciente para reconhecer-se sua pre- sença. As pesquizas que deve fazer o cirurgião relativamente as feridas de armas de fogo não devem ser prolongadas, e sim feitas antes do desenvolvimento dos accidentes inflammatorios. Reconhecido o corpo estranho, sua fôrma, posição, e relações,, como reti- ral-or pela mesma ferida ou por uma contra-abertura? Eis uma questão im- portante, e sobre a qual não se pôde dar um parecer decisivo, dependendo ella de circumstancias; assim se o corpo estranho se apresenta perto da entra- da, ou se sua extracção fòr mais fácil pela ferida mesma, pratique-se-a; po- rem se elle não estiver em relação com a ferida, ou si se apresentar embara- ços para sua extracção pelo trajecto, deve-se praticar a contra-abertura, fazen- do-se a extracção immediata, sempre que ella for possível, exceptuando porém, os cazos em que se experimenta muita difficuldade de achar os corpos estra- nhos, cuja posição é tal, que ser-se-hia obrigado para desalojal-os, fazer grandes desbridamentos, nos quaes se arriscaria a lezar partes importantes. O processo da contra-abertura não é variável, e exige seus cuidados, assim convém levantar os tegumentos por meio de uma dobra, e no meio d'ella pra- ticar a incisão; isto com o fim de evitar que a bala, se achando superficial- mente se vá occultar no meio dos tecidos pela pressão do bistori, no momen- to da incisão, ou ainda para evitar que o cortante do bistori, obrando directa- mente sobre o corpo estranho, se estrague : cuidado este muito necessário no campo de combate, onde de ordinário nos falta quem cuide dos instrumentos cirúrgicos. Outro processo ainda nos offerece o Sr. Sedillot, consistindo elle no se- guinte : uma sonda canulada, é introduzida no trajecto da ferida, servindo es- ta para dirigir uma segunda sonda, igualmente canulada, porém terminada por uma lamina de aço, logo que esta chega ao ponto desejado se retira a pri- meira, e se atravessão os tecidos de dentro para fora com a extremidade da segunda. Um bistori recto fará o restante. Reconhecido um projectil no meio dos tecidos, e que sua extracção não apre- senta inconvenientes, pratique-se a incizão, ou contra-abertura, segundo os preceitos da sciencia, camada por camada, e na direcção das dobras da pelle. Si o projectil se apresenta superficialmente, o dedo, as pinças de curativo são instrumentos bastantes para sua extracção, si porém elle se apresenta situado 13 mais internamente, os instrumentos "que servem para sua extracção são hoje longas pinças rectas ou curvas, dentadas em suas extremidades em fôrma de colher, o tira-fundo, e raras vezes o trepano. O tribulcão de Percy, as pinças de Pare, o instrumento de André de Ia Croix simplificado por Scullet, &c. &c, já não entrão nas caixas cirúrgicas modernas. Para a extracção de outros corpos estranhos, taes como, pedaços de vesti- dos &c. se serve para os extrahir de pinças de curativo, das modificadas por Charrière. O emprego do trepano será nos casos" em que se reconheça existir bala encravada no osso, e cuja extracção pelos meios^indicados for impossível. O instrumento mais apropriado para reconhecer o projectil encravado é a sonda de Nelatton, que limitou o ponto em que se achava encravada a bala na per- na de Garibaldi. O tira-fundo nem sempre poderá ser empregado, porque pôde acontecer que abala seja de marfim, ferro, cobre, &c, e nestes casos não produsirá eneito seu emprego. Passaremos a tratar agora do curativo. Com quanto não predomine ainda hoje o bárbaro curativo pelo ferro em braza ou óleos ferventes, e que seja hoje reconhecido quão inconveniente é o emprego de curativos excitantes, ci- rurgiões ha, e entre elles Larrey, que tem recorrido a applicação de substan- cias balsamicas. O curativo mais simples a seguir, nos primeiros dias, consiste em escudetes de fios embebidos nagua fria, e uma attadura contentiva; uns ha que appli- cão os fios untados de ceroto, ou balsamo de copahiba. Nós pensamos que se deve fazer nos primeiros dias não só o curativo com água fria simplesmente, mas ainda que se deve fazer irrigações continuas, com o fim de evitar grandes inflammações. Deve-se suspender este curativo logo que o doente se queixe de sentir a parte resfriada, insensivel, e que se receie a gangrena. Suspensas as irrigações, seguiremos o simples curativo de fios embebidos nagua fria, ou algum outro licor resolutivo, devendo ser esses fios contidos não por emplastros adhesivos, nem attaduras muito apertadas, o que traz sérios embaraços. Os antispasmodicos e cordiaes são administrados se o doente apresenta ac- cidentes nervosos, e se apresenta frio uma infuzão forte o combaterá. Em todo o caso o repouzo em leito preparado, de roupas secas e quentes deve ser obser- vado. A dieta a mais severa é submettido o doente, repouzo absoluto e adminis- tração de bebidas diluentes, si grave é seu ferimento. 4 14 A sangria geral raras vezes se pratica. O cirurgião deve prestar attenção ao estado em que se achão os intestinos do indivíduo, afim de ministrar-lhe, si necessário for, um vomitivo ou clysteres laxativos, segundo as circumstancias permittirem. Só será levantado o primeiro apparelho depois do quarto dia, salvo se so- brevier algum accidente, não convindo imprimir abalos a parte, nem exercer repuxamento; todo cuidado e delicadeza são precizos da parte do cirurgião. A região será banhada com água morna afim de humidecendo os fios, estes des- pegarem-se sem dores. Os tópicos serão applicados, segundo o grau e natureza da intumescench; as cataplasmas emollientes, relachantes, serão empregadas, si a intumescen- cia é acompanhada de dureza, vermelhidão e calor; si porém ella é. atônica, recorre-se aos excitantes, devendo ser continuado o uso desses tópicos, mes- mo depois de uma reacção bastante viva. Bem estabelecida a suppuração, deve o tratamento aproximar-se do das fe- ridas contusas ordinárias, prestando-se então o cuidado preciso as hemorrha- gias secundarias, para as quaes o cirurgião deve sempre estar preparado, prin- cipalmente si a sede da ferida e sua direcção fazem receiar uma lezão de arté- ria. Outra hemorrhagia, que não a secundaria se manifesta em toda a superfí- cie da ferida, dando-se ella de ordinário nas feridas que tem entretido uma suppuração longa e abundante n este caso, que é de receiar a applicação de pós de quina, ou de ácido chlorydico ou phenico topicamente; bem como quina e ácido sulfurico internamente são mui proveitaveis. A fractura que acompanha as vezes a ferida por arma de fogo pede que o membro seja collocado em apparelho conveniente, e que o doente fique priva- do dos movimentos, si a fractura for simples; si porem for comminutiva e acompanhada de esquirolas soltas e adherentes, deve-se fazer a extracção das livres, deixando para mais tarde a das adherentes, isto é para quando se es- tabelecer a suppuração, que ajudará a extracção d'ellas, e isto quando houver probabilidade da consolidação óssea; porem cio contrario só a amputação pré- via remediará, si a isso se prestar a região. Cicatrizada a ferida, consolidado o osso, resta-nos as articulações que mui- tas vezes se conservão sem seu movimento, ou quasi ankilosaclas, quer por uma posição viciosa, tomada durante o curativo, quer pela secçao de um ner- vo, de perda de substancia, de adherencias &c. &c. o exercício moderado, fricções de pomadas emollientes e relachantes &c. &c. &c. serão empregados. Ainda dores agudissimas podem apparecer depois da cicatrisação, contra as cmaes se applicaráõ os narcóticos, os banhos a vapor &c, sendo de notar que 15 a água fria faz desapparecer estas dores, em quanto a parte se acha mergu- lhada nesse liquido. Não é raro que appareça inflammação mais ou menos intensa depois de certo tempo, na visinhança de uma antiga ferida, que se forme um abcesso, que pela sua abertura se transforme em fistula, o que nos fará crer a presen- ça de corpos estranhos. De facto, extrahidos elles, desapparece a inflamação e com ella os tumores e fistulas. Quando deve se praticar a amputação de um membro ferido por arma de fogo? Muitos cirurgiões se oppoem a amputação e accusão os cirurgiões mili- tares por praticarem muitas amputações; entretanto nos parece que se deve amputar sempre que uma bala de artilheria leva parte de um membro, dila- cerando seus tecidos, contundindo, esmagando e dilacerando-os com os ossos respectivos, que uma bala de fuzil penetrar em uma articulação, ou esta é aberta por um estilhaço. As fracturas comminutivas reclamão amputação da parte, quando o osso e as partes molles forem redusidos em maça informe, ou mesmo quando ella tem por sede um dos pontos da extensão do femur, ou de qualquer outro osso im- portante. A ruptura dos vasos arteriaes, venosos, e dos nervos, só reclamão amputa- ção, quando fòr de receiar a gangrena pelo derramamento do sangue, ou pela perda da acção nervosa. Decidida a amputação quando deve ella ser praticada? A pratica tem de- monstrado que a amputação immediata deve ser praticada de preferencia á con- secutiva; devendo-se porem esperar que desappareção os phenomenos de stu- por geral, e que o ferido reconheça a necessidade de ser praticada a amputa- ção pelas dores que sente, e pelo estrago de seu membro. A receção é uma operação que reclama tempo e cuidado, pelo que só deve ser praticada n estas circumstancias, com quanto a estatística seja á seu favor. Terminaremos, declarando que somos partidários da amputação immediata. SECÇAO CIRÚRGICA. PROPOSIÇÕES. É POSSÍVEL A CURA RADICAL DAS HÉRNIAS? 1 .a A palavra hérnia serve para designar o tumor que forma um órgão, quan- do tem sahido em parte ou em totalidade da cavidade que o deva conter no estado normal. %a Entre os diversos pontos do corpo, em que se pode dar o apparecimen- to de uma hérnia, é o abdômen o mais commum. 3.a Os symptomas apresentados pelos tumores herniarios dividem-se em eommuns, e em especiaes. 4.a O diagnostico de cada uma espécie de hérnia torna-se fácil, tendo-se em vista os symptomas que lhes são especiaes. 5." O prognostico das hérnias varia debaixo de muitos e diversos pontos de vista. G.a O cirurgião deve prestar muita attenção todas as vezes que tiver de esta- belecer o diagnostico differencial das hérnias gordurosas. 7.a Os accidentes que mais complicão as hérnias são: o cngasgamento e o estrangulamento. 8.a Diversos tem sido os processos empregados para obter-se a cura radical das hérnias, mas sem grandes resultados. 9.a Os processos até hoje mais empregados tem sido os de Wurtzer, de YYoocl, e de Jerdy, mas sem vantagem. 10.a O processo de Jerdy, modificado pelo Ill.m0 Snr. Dr. Freitas é de todos os processos aquelle, que talvez melhores resultados tirasse, se fosse posto em pratica. I l .s A cura radical dos tumores herniarios, dadas certas circumstancias, po- de ser obtida. I2.a Obtem-se mais facilmente a cura radical destes tumores, quando elles são recentes, e não existe grande dilatação do annél. o SECÇAO MEDICA. PROPOSIÇÕES. MEDICAÇÃO ANTE-SWHILITICA. 1 .a Á toda e qualquer lesão mórbida syphilitica, de que se achar affectada a economia, deve-se oppor uma medicação geral e capaz de debellal-a. 2i.a Os ante-syphiliticos devem ser por tanto empregados, logo que se decla- rem symptomas da impregnação do virus. 3.a Não é indifterente o emprego da medicação ante-syphilitica em relação ao grau de virus, de que se acha impregnada a economia. 4.a Os ante-syphiliticos mais empregados são o mercúrio e o iodo, deven- do predominar circumspecção medica a seu emprego. 5/ Entretanto muitos outros, como sejão o arsênico, ouro, o bromo, o iodo- forme &c. são empregados freqüentemente com o fim dedebellar phenomenos consecutivos a syphilis terciaria. 6.a O emprego exagerado dos mercuriaes, longe de combater o virus traz a economia outra lesão mórbida, conhecida pela denominação de cachexia mer- curial. 7.a O mercúrio não é, como entendem alguns médicos, especifico para o tratamento da syphilis e seus symptomas. 8.a Os ante-syphiliticos devem ser empregados com o fim geral de modifi- car a crase do sangue, trazendo por conseguinte para a economia phenomenos de substituição de princípios mórbidos ou nocivos. 9.a Si o mal tem já profundas raizes, ou si os órgãos essenciaes da vida se achão muito compromettidos, não se deve insistir sobre os meios a combater a causa ou os effeitos por ella produzidos, 10.a Si os ante-syphiliticos não destroem a causa syphilitica quando ella está evidentemente presente, destroem os accidentes symptomaticos que acom- panhão a mesma causa. 11 .a A maneira de ser do medicamento em relação a economia no estado de saúde, não prevê sua acção curativa ante-syphilitica, não acontecendo assim quando se o considera independente de seu modo de acção especifica em rela- ção as aífecções chronicas. 19 12.a Assim se explicará satisfactoriamente o modo de acção dos ante-syphi- liticos em um certo numero de moléstias desta classe, sendo sua causa, mais ou menos profundamente alterada pelo mercúrio, arsênico, ouro, iodo &c. &c. SECÇAO ACCESSORIA. PROPOSIÇÕES, DO INFANTICIDIO SOB O PONTO DE VISTA MEDICO LEGAL. 1 .a O infanticidio consiste na morte provocada de uma criança recém-nascida. 2.a Com quanto o nosso código criminal não procure definir positivamente a palavra recém-nascido; com tudo é questão essa que quasi sempre chama a attenção dos nossos legistas, e cujos limites tem de balde tentado fixar os ho- mens da sciencià. 3.a Não devemos confundir o infanticidio com o aborto, que é um parto vo- luntário e prematuro, nem com a suppressão do menino, que é um crime mui dislincto. 4.a A palavrarecem-nascidoédedifficil difinição, assim querem uns que seja o menino no momento de nascer (sanguinolentus) não tendo ainda recebido os primeiros soccorros, outros que seja em quanto senão der a queda natural do cordão umbilical. 5.a A divisão do infanticidio pelos médicos legistas em infanticido por om- missão e por commissão, não é observada pelos nossos jurisconsultos, na ap- plicação de pena para esse crime. 6.a Para que se dè o crime de infanticidio é precizo, que o recém-nascido esteja vivo no momento da perpetração do crime; não sendo sufficiente que elle seja viável. 7.' A viabilidade por tanto não deve ser considerada condição principal de infanticidio; sustentando doutrina falsa, aquelles que assim entendem, o que pôde trazer sérios resultados. 8.a Quanto á nossa lei penal que nada diz sobre esta questão cie viabilidade, relativamente ao infanticidio; parece que basta que o recém-nascido tenha vi- vido para que se dê o crime. 9.a Não se podendo por intermédio da sciencià medica determinar, que a criança viveu sem respirar, embaraços immensos se nos apresentão para distin- guir, viver de respirar, fallando medico-legalmente. 10.a O processo da docimasia indicado por Galeno, e mais tarde applicado & 21 medicina legal por Schreger, leva o medico legista a reconhecer, si a criança espirou. 11 .a Diversos outros são os processos da docimasia; porem o mais fácil e empregado é o de Galeno, que consiste na docimasia pulmonar hydrostatica. 121.a O medico legista, procedendo ao exame cadaverico da criança, obterá provas, pelas quaes elle será levado a crer, com mais ou menos certeza, que ella viveu por algum tempo.. HYPPOCMTIS APHORISMI. Quibus tumores in ulceribus apparent. ii non valde convelluntur, neque insaniunt. His autem derepentè disparentibus, quibus in postiça quidem parte fuerint, consulsiones fiunt et tetani: quibus vero in antica, insanise aut late- ris dolores acuti, aut suppuratio, aut dvsenteria, sirubicundi fuerint tumores. Sect. V. Aph. 6B. Vulneri convulsio superveniens, lethale Sect. V. Aph. 2. Ubi dissectum fuerit os, aut cartilago, autnervus, aut pars tenuis, àut prae- putium, neque augetur, neque coalescit. Sect. VI Aph. 49. Quibus cerebrum concussum fuerit ab aliquâ, causa, necesse est eos staíim mutos fieri. Sect. VII Aph. 58. Ad extremos morbos, extrema remedia, exquisite optima. Sect I. Aph. 6. Somnus, vigilia, utraque modum excedentia, malum. Sect II. Aph. 5. ^ ^emetâc/aa^ommjfíãoMeváovà. Ó3aÁtcz e !Facuc?c/acã c/e . è/Ja/íád/cz---Wc^ec/o^. BAHIA—TYP. DE CAMÍLLO DE LELLIS MASSON & C—1808.