11113111 (BTB DO fv. teto gímrê JMItó ilí "Â 8 CONCURSO PARÁ A CADEIRA DE PATIÍOLOGIA G IZ B A E DIATHESÈ T H E S E APRESENTADA FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA PELO Dr. EGAS CARLOS MONIZ SODRÉ DE ARAGÃO OPPOS1TOÍI da SECÇÃO DE SCIENCIÁS MEDICAS BAHIA TYP O G R A P III A DO D I AR 1 O 5 - Largo do Thealro - 5 1874 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA DIP.ECTOR O EXM. SR. CONSELHEIRO DR. ANTONIO JANUARIO DE FARIA VICE-DIRECTOR O EXM. SR. CONSELHEIRO DR. VICENTE FERREIRA DE MAGALHÃES. LENTES PROPRIETÁRIOS. Os Srs. Doutores i° aimo Matérias que leccionão ,, v , v ■ a vr n Physica em geral, e particularmente em suas Cons. Vicente Ferrara de Magalhaes . . • á j'Ie(i;cina. Francisco Rodrigues da Silva. .... Chimica e Mineralogia. Barão de ItapoanAnatomia descriptiva. S° aiino Antonio de Cerqueira PintoChimica organica. Jt-ronymo Sodré PereiraPhysiologia. Antonio Mariano do BomfimBotanica e Zoologia. Barão de ItapoanRepetição de Anatomia descriptiva. 3° anuo Cons. Elias José PedrosaAnatomia geral e pathologica. Pathologia geral. Jeronymo Sodré PereiraContinuação de Phisiologia. 4o anno Dr. Domingos Carlos da Silva .... Pathologia externa. Demetrio Cyriaco TourinhoPathologia interna. Cons. Mathias Moreira Sampaio . . . . 5o anno Demetrio Cyriaco TourinhoContinuação de Pathologia interna. Luiz Alvares dos SantosMatéria medica e therapeutica. José Antonio de Freitas A " °PCr!"0™ <»° anno Rozendo Aprigio Pereira Guimarães . . . Pharmacia. Salustiano Ferreira Souto . . . ... Medicina legal. Domingos Rodrigues SeixasHygicne e Historia da Medicina. José Afibnso Paraizo de Moura .... Clinica externa do 3.° e 4.° anno. Cons. Antonio Januario de Faria . . . Clinica interna do o." e 6.° anno. 0PP0SIT0RES Augusto Gonsalves Martins Domingos Carlos da Silva Antonio Pacifico Pereira Ah xandre Aílònso de Carvalho . . . . Jrsé Pedro de Souza Braga Secção Cirúrgica. Ignacio José da Cunha Pedro Ribeiro de Araújo José Ignacio de iiarros Pimentel.... VugiLo Climaco Damazio. . . . . . José Alves de Mello Secção Accessoria. Claudemiro Augusto de Moraes Caídas . Egas Carlos Moniz Sodré de Aragão. Ramiro Aíibnso Monteiro Manoel Joaquim Saraiva José Luiz de Almeida Couto .... Secção Medica. SECRETARIO O SR. DR. CINCINNATO PINTO DA SILVA. 0FFICIAL DA SECRETARIA O SR. DR. THOMAZ DE AQUINO GASPAR. A Faculdade não apprsva, nem reprova as opiniões emittidas nas llieses que lhe são apresentadas. COXCURRENTES DR. RAMIRO AFFONSO MONTEIRO DR, MANUEL JOAQUIM SARAIVA e O AUTOR Dentre os pontos, que tivemos a honra de receber da illustrada Congregação, escolhemos-diathese-para, a nossa dissertação, não só pela utilidade clinica que se prende ao seu estudo, mas ainda porque a ella se ligam as questões mais palpitantes da actualidade. Bem sabemos que nos abalançamos a uma empresa difíicil e trabalhosa; mãs quem procura instruir-se não deve arreceiar-se de trabalhos, nem recuar ante difficuldade alguma. Diversos foram os auctores, que consultamos para a edificação de nossa These, e, nesse estudo que fizemos, procuramos sempre nos cingir ãs ideias mais modernamente acceitas; mas, a despeito de nossos esforços, muitas imperfeições serão de certo encontradas, as quaes, derivando em parte do curto praso, que nos outorga a lei, dependem egualmente da insufficiencia do nosso cabedal scientifico. É por estas rasões que, confiando plenamente na justiça de nossos illustrados Mestres e Julgadores, esperamos também merecer-lhes alguma indulgência. ©ISSEKTMÃÔ. PARTE PRIMEIRA. DIATHESE. i De grande importância para a clinica è seguramente o estudo das diathe- ses. A influencia, que ellas pódem exercer e exercem incontestavelmente sobre o diagnostico, o prognostico e o tractamento das moléstias, dá ple- na rasão do interesse, que o conhecimento d'ellas ha inspirado á maior parte dos pathologistas. Se, porém, esse estudo tem attrahido, desde a mais alta antiguidade, a attenção dos médicos, não há, todavia, entre elles verdadeiro accordo: diversas tèem sido as opiniões professadas a este res- peito e ainda hoje páira uma certa obscuridade sobre o sentido, que se deva ligar á palavra diathese. Esta palavra tem sido empregada por quasi todos os médicos, quaesquer que sejam as suas doutrinas sobre o pheno- meno da vida: é verdade que cada qual da-lhe uma interpretação diffe- rente; mas o seu emprego geral indica peremptoriamente a sua necessi- dade e, se ella é necessária, não exprime uma entidade imaginaria, um objecto de convenção; mas implica, como muito bem diz Jaumes, um ob- jeclo real. E' que não ha medico verdadeiramente clinico que não haja observado essa aptidão, que possue o organismo vivo, de repetir certos actos morbidos, de additar-lhes outros, variaveis na fórma, mas idênticos na naturesa! E' que não ha clinico que não tenha verificado essa profunda impregnação mórbida da economia, «impregnação tal, como diz Germain «Sée, que a causa morbifica parece desde então identificada com o indi- «viduo, o accompanha até a morte e, ainda mais, lhe sobrevive na poste- «ri dade !» 4 Admillida a existência da diathese, o que devemos intender por ella ? Fundil-a-emos com a predisposição, como o fazem alguns pathologistas ? Esta opinião tem em seu apoio a auctoridade do illustre Brown: a diathese nada mais é, para elle, do que a opportunidade mórbida. Haverá, porém, rasão para similhante equivoco ? Cada pessoa tem seu modo proprio de sentir e sua maneira de reagir sobre as impressões, que recebe; é o que constitue o seu fundo orgânico, se assim nos podemos exprimir,-a sua individualidade: - é a este po- der, como diz Cl. Bernard, o qual modifica em cada caso particular a in- fluencia dos agentes exteriores, que damos o nome de idiosyncrasia. Esta disposição do organismo explica convenientemente porque cada indivíduo no estado physiologico se acha mais especialmente predisposto que qual- quer outro a certos accidentes particulares. Quem não sabe que indivíduos ha, que leem uma tal susceptibilidade que uma pequeníssima dose de um medicamento qualquer, como o opio, determina nelles verdadeiros pheno- menos toxicos? Factos analogos observam-se nos animaes. Não ha quem ignore que certas substancias, sendo venenos energicos para certas espe- cies de animaes, são inoíleosivas para especies differentes : - tem-se ainda notado que indivíduos da mesma especie zoologica, cm virtude da sua sen- sibilidade nervosa, mais ou menos desenvolvida, não se prestam ás mesmas experiências physiologicas. Estas variedades na susceptibilidade individual são muito communs entre os homens e ellas constituem, como diz Cl. Ber- nard, verdadeiras predisposições physiologicas e por assim dizer innalas. Ha, porém, certas disposições do organismo, accidentaes o transitórias, que resultam da acção de causas múltiplas, que o preparam á recepção de cer- tas moléstias: são as idiosyncrasias mórbidas ou predisposições patholo- gicas. Ellas dependem indubitavelmente do systema nervoso, são adquiri- das e provocadas pelas causas predisponentes e se podem produzir expe- rimentalmente. Serão estes os caracteres da diathese? Decididamente não! A predisposição é uma faculdade, as mais das vezes ephemera, que torna a economia mais facilmente impressionavcl pelas causas morbificas, é um estado, que se não póde considerar morbido; mas que nos inclina á mo- léstia e nos torna accessiveis ás provocações exteriores. A disposição dia- Ihesica é, ao contrario, essencialmente fixa e permanente, como Galeno já o houvera diclo; desenvolve se quasi sempre de um modo espontâneo ou 5 sob a influencia da geração e raro é que se possa determinal-a por meio da experimentação: - ella tem por ponto de partida a perversão da nu- trição, quer primitiva, quer consecutiva á dyscrasia do sangue. Chomel, que deve ser considerado como o creador da pathologia geral, crê que a diathese só diífere da predisposição em que ella depende de uma causa interna commum: esta condição é para elle de rigor; mas nós não pensamos assim. Causas internas engendram verdadeiras predisposições e, como teremos de ver, diatheses se pódem desenvolver pela acção de cau- sas exteriores. Nós já vimos em que a diathese se diíTerença da predispo- sição e a sua confusão nos não parece admissível. Pathologislas ha para os quaes diathese e dyscrasia são cousas synony- mas: é uma opinião esta, que julgamos tão infundada como a que viemos de examinar. Se é verdade que a diathese traz quasi sempre após si uma cachexia profunda, se é verdade que ao seu desenvolvimento precede mui- tas vezes uma alteração na composição do sangue, occasiões ha em que é incontestável a existência de uma diathese, sem que nada disso se possa verificar. 0 tuberculismo manifesta-se ás vezes por symptomas de tal or- dem, que acarretam a morte antes que a cachexia se dê, antes mesmo que se possa descobrir qualquer alteração do sangue, e quantas vezes uma dia- these se conserva latente, som que a venha trahir modificação alguma apre- ciável da crase sanguínea ? 1 «E' uma cousa extravagante, diz Billroth, o « querer accusar o sangue só das modificações pathologicas de todo o or- «ganismo e admittir que elle é o ponto de partida da infecção do corpo «todo. Isto não seria admissível senão para os casos, em que uma subs- «tancia anormal é introduzida do exterior no sangue, como nas feridas « envenenadas por exemplo. Mas nas dyserasias, de que acabamos de «fallar, não é assim: estas predisposições mórbidas se desenvolvem no « organismo mesmo, se já não são hereditárias. » Será mister que ajuncle- mos que existem uma multiplicidade de dyserasias que não são, nem podem ser consideradas como diatheses? A chlorose, a glycemia ou a uremia são verdadeiras dyserasias e não cremos que se lhes possa dar conveniente- mente o nome de diatheses. 6 Que diremos nós agora da opinião daquelles, que chamam diathese o predomínio excessivo de um orgam, predomínio tal que, pela mais leve provocação, torna-se incompatível com a saude e rompe o equilíbrio do todas as funeções? Filha da eschola organicista, esta opinião não nos pa- rece digna de ser adoptada. Qual o orgam predominante na creança, que vem ao mundo com todos os signaes caracteristicos do escrophulismo ? A tuberculose pode occupar pontos diversos da economia e a disseminação de seus productos morbidos não denota claramente um vicio generalisado? O mesmo não se dá com a syphilis e com todas as outras moléstias dia- thesicas? A localisação da diathese equivale á sua denegação. A diathese é uma disposição intima, geral e anómala de todos os tecidos e humores, disposição que se manifesta por uma certa ordem de productos patholo- gicos, que se podem desenvolver em territórios diversos. Não é intenção nossa examinarmos aqui todas as idéas, que hão sido enunciadas sobre o que seja a diathese: seria mister dar amplo desenvol- vimento ao nosso trabalho, o que não comportaria talvez o tempo, que nos permitte a lei. Deixando, pois, de lado as outras opiniões concernentes ao assumpto, sobre que dissertamos, vejamos qual é a nossa, quaes são os caracteres necessários para que uma moléstia possa ser considerada como diathesica. As moléstias agudas, como a variola ou a pneumonia por exemplo, não podendo durar muito tempo, sondo bastante energicas para que possam ser toleradas pelo organismo, não são jamais diathesicas: são como as tempestades que dcsapparecem rapidamente e, quando demasiado intensas, deixam após si a destruição e a morte: são moléstias inteiramente incom- patíveis com a vida, com a qual se não podem fundir. Violentas na sua evolução, accompanhadas de symptomas decisivos, ellas percorrem rapida- mente todas as suas phases e chegam rapidamente ao seu termo : não ha para ellas, como muito bem diz Jaumes, consentimento da parte do orga- nismo. A agudesa nas moléstias exclue pois o caracter diathesico; a dia- these é essencialmente chronica. Quando uma moléstia diathesica se forma na economia, ella toma direito de domicilio, estabelece-se como uma segunda 7 naturesa: ha, por assim dizer, consubstanciação de duas vidas, uma nor- mal e outra pathologica, duas vidas que se unificam e persistem assim por largo tempo e até durante a vida inteira do indivíduo. Nestas condições, a diathese, verdadeira constituição mórbida, como diz Bouchut, que domina o exercício de todas as funcções, modifica intima e profuadamente a sua organisação e imprime-lhe na existência um cunho especial e caracteristico, A chonicidade é, pois, um attributo necessário á diathese; mas ella não basta para constituil-a; porquanto moléstias chronicas existem que não são diathesicas. Certas moléstias, na verdade, se prolongam por falta de tracta- mento, são entretidas por más condições hygienicas e, quando convenien- temente curadas, desapparecem sem deixar após si alteração alguma da economia. Outras vezes a moléstia chronica é local; restos de uma molés- tia que já não existe, ella depende de uma alteração dos elementos anato- micos, a qual se não pode restaurar. Nestes casos a moléstia não tomou posse do organismo, não lhe é inherente, não identificou-se com elle: ella não é, pois, diathesica. Outro attributo essencial á diathese é a hereditariedade: se é verdade que as moléstias diathesicas podem ser adquiridas, logo que ellas se natu- ralisam no organismo, tornam-se aptas a ser transmittidas por herança. Quem não sabe que um indivíduo qualquer, adquirindo accidentalmente a syphilis, se vem a procrear, quando a sua economia se acha impregnada do viras syphilitico, transmitte geralmente á sua prole o vicio orgânico, de que é affectado ? Não ha para nós moléstia diathesica que não seja transmissível por herança e é esse um dos seus caracteres mais impor- tantes. Se isso é verdade, como cremos, não nos è permittido considerar a intoxicação paludosa como uma diathese: mau grado a opinião de Trous- seau e de Jaumes, a impaludação, com quanto se possa enraizar no orga- nismo, ella não lhe sobrevive na posteridade para que mereça o nome de diathese. A infecção palustre, na verdade, pode dar togar muitas vezes a uma verdadeira cachexia, ella pode occasionar uma moléstia rebelde, obsti- nada e duradoura, moléstia que se traduz as vezes por actos morbidos iníinilamente variaveis na forma; mas isso não é sufficiente para a cara- cterisação de uma moléstia diathesica. Falta-lhe um ciemento de primeira ordem;-a hereditariedade. Não convém, porém, accreditar que todas as moléstias hereditárias sejam diathesicas, assim como não o são todas as moléstias chronicas: moléstias puramente locaes se podem transmittir pelo aclo da geração. Para que uma moléstia seja diathesica, necessita de um 8 conjuncto de circumstancias, de uma reunião de elementos, que lhe dão uma physiognomia especial. Cada um destes elementos caracleristicos não tem separadamente um grande valor; moléstias não diathesicas podem oílerecer este ou aquclle: é a coalisão de todos que constitue o caracter diathesico e basta a ausência de um só para que tal caracter desappareça. As moléstias diathesicas se distinguem ainda pelo facto de se poderem conservar largo tempo em estado latente. Elias produzem aclos morbidos, que se repetem com intervallos mais ou menos longos -e sob formas diversas; fortificam-se e mais se arraigam á economia com a repetição desses actos e não possuem a menor tendencia em curar-se espontanea- mente. Estas moléstias se podem comparar, como diz Jaumcs, «ás raizes « de uma planta vivaz, que penetram profundamente á proporção que a «baste se desenvolve, que se conservam vivas ainda quando a haste mor- te reu e são capazes, no anno seguinte, de reproduzir uma haste nova e « mais vigorosa.» E na verdade, uma moléstia diathesica é um inquilino, que toma posse do organismo como de uma habitação que desde então vae pertencer-lhe inteiramente: ao principio, encontra algum obstáculo á sua dominação; mas vae pouco a pouco e sorrateiramente extendendo e fortificando a sua conquista, até que finalmente torna-se senhor absoluto. Esta comparação serve a esclarecer o nosso pensamento: - uma moléstia diathesica, uma vez desenvolvida na economia, torna-se-lbe uma parle integrante; ella modifica todos os actos physiologicos e a cada passo trans- pira a sua influencia perniciosa. Ella se torna soberana e excessivamente poderosa contra todos os meios empregados para a sua debellação. Alguns pathologistas, e entre elles F. Bérard, consideram a especifici- dade como attributo das moléstias diathesicas.-Não ha duvida alguma de que estas moléstias sejam geralmente especificas; mas especificidade e diathese são duas cousas distinctas e a existência de uma não implica a da outra. A diathese é uma disposição do organismo que pode desapparecer: -a especificidade é uma qualidade inherente á moléstia. Ha uma infini- dade de affecções especificas, geral mente reconhecidas como taes, que não podem ser consideradas como diathesicas: neste caso estão as febres eruptivas, a febre typhoidéa, a diphtherite e muitas outras que seria longo enumerar.. Depois do que temos dicto não è muito diíficil dar uma definição da dia- tbese: bem sabemos que raro é encontrar-se uma definição que não tenha algum defeito e que exprima perfeitamente o objecto definido; mas eis 9 aqui a que nos parece melhor. Diathese é uma disposição mórbida do or- ganismo, essencialmente chronica e hereditária ou susceptivel de ser trans- mittida por herança; disposição em virtude da cpial perturbações mórbi- das se manifestam, as quaes, sendo variaveis na forma, são idênticas na naturesa. Cada diathese traduz-se por uma moléstia especial e as moléstias, que dependem mu são seguidas desta disposição da economia, se denomi- nam diathesicas. Conhecidos os caracteres geraes da dialhese, definido o que ella seja, vamos agora estudar a sua etiologia, os seus symptomas e marcha, o seu diagnostico e prognostico e o seu tractamento: - terminaremos finalmente o nosso trabalho por algumas considerações geraes sobre as moléstias diathesicas. II etiologia das diatheses. - Para que possamos conhecer as causas da dialhese, faz-se mister que saibamos em que ella consiste: lancemos, pois, uma vista dollios sobre o organismo e busquemos penetrar o mys- terio da diathese. Ha muito que Mirbel sustentara que a planta é um ser collectivo; que as cellulas, que a compõem, que representam os seus materiaes consli- tuentes são tantos indivíduos vivos, que, trabalhando para a edificação do lodo, gosam cada qual da propriedade de crescer, de multiplicar-se, do modificar-se em certos limites. Esta mesma opinião foi enunciada por Schleiden: a cellula é, para elle, um pequeno organismo, cada planta um aggregado de cellulas completamenle individualisadas e de uma existência distincta. Foi porém Schwann quem primeiro applicou aos animacs esta idéa fecunda, idéa que foi depois abraçada por lodos os seus successores e que o illustrc Cl. Bernard desenvolveu de um modo admiravel e digno da inlelligencia do celebre experimentador. Para Cl. Bernard, o corpo do animal vivo é um ajunctamento de partículas organicas elementares e é n'cilas que assentam as condições intimas da vida e da morte. Estes ele- mentos microscopicos, verdadeiros organismos elementares, constituem o organismo total pelo seu agrupamento, de sorte que o corpo humano acha-se composto por milhares de pequenos seres ou indivíduos vivos, de especies difforentes. Os elementos da mesma especie se reúnem para for- mar os tecidos e os tecidos se misturam para formar os orgãos; os ele- 10 mentos de espccie differenle se relacionam também, afim de poder reagir uns sobre os outros e concorrer com harmonia ao mesmo fim physiologico. Todavia nenhum elemento confunde-se com o seu visinho: elles se unem e ficam dislinctos como homens que se dessem a mão. D'ahi resulta que cada elemento tem a sua independencia, a sua autonomia; mas autonomia inconsciente e encadeiada, por um determinismo absoluto, ás condições physico-chimicas do meio orgânico interior. « A lei fundamental da vida, prosegue o sabio physiologisla, é a troca « de materiaes continua entre o corpo vivo e o meio cósmico, que o cerca. « D'ahi resulta um verdadeiro circulus ou turbilhão renovador do corpo, «cuja rapidez mede a intensidade da vida. As condições dos phcnomenos «vitacs não são absolutamente constituídas nem pelo organismo, nem pelo « meio: é necessário o concurso de ambos. Máu grado a integridade do «organismo, a vida cessará, se orneio for suppresso ou viciado; mau « grado a presença do um meio favoravel, a vida se extinguirá, se o or- « ganismo for lesado ou destruído.» Cl. Bernard assimila os elementos anatómicos a verdadeiros infusorios, que vivem, morrem e se renovam, cada um a seu modo. Esta multidão inaudita de organismos elementares, que, pela sua associação, constituem o organismo total, existem, como infusorios, n'um meio liquido, que deve ser dotado de calor e conter agoa, ar e matérias nutritivas. «Os infusorios livres e disseminados na superfície «da terra, diz elle, acham estas condições nas agoas, onde vivem. Os in- «fusorios orgânicos de nosso corpo, mais delicados, agrupados em tecidos « e orgãos, acham estas condições, cercados de protectores especiaes, em « nosso fluido sanguíneo, que é seu verdadeiro liquido nutriente. E' neste «liquido, que os não embebe, mas que os banha, que se effectuam todas « as trocas materiaes, solidas, liquidas ou gazosas, que a sua vida exige: «elles tomam ahi seus alimentos e ahi regeitam os seus excrementos, ab- «solutamente como animaes aqualicos.» A condição primordial da vida é, pois, a existência d'um meio liquido e, comquanto o homem e certos animaes possam viver no ar, isso não tem logar senão por artifícios de conslrucção e os seus elementos constitutivos vivem, á maneira de infu- sorios, n'um meio liquido interior:-este meio é o sangue, o qual trans- porta a todos os pontos da economia, como um apparelho de irrigação, as substancias necessárias á vida. Por estas considerações physiologicas, que acabamos de expôr, vê-se que a vida se não pode manter sem que se dê uma troca constante de 11 materiaes entre os elementos orgânicos e o sangue; d'ahi se conclue tam- bém que essa troca não se fará convenientemenle toda vez que os elemen- tos e o sangue não possuírem todas as suas propriedades. Os elementos analomicos, esses infusorios orgânicos, podem, pela acção de certas cau- sas, experimentar uma modificação especial; a nutrilidade, a mais geral de todas as propriedades immanentes á substancia organisada, como diz Bobin, pode vir a alterar-se e, nestas circumstancias, produz-se neces- sariamente uma perversão na evolução nutritiva, que pode tornar-se permanente e traduz-se afinal por verdadeiros actos morbidos. A força fundamental do organismo, como dizia Schwann, se reduz á força funda- mental das cellulas ou dos elementos anatómicos: se isso é verdade, a perversão nutritiva destes deve acarretar uma modificação geral da eco- nomia inteira, modificação que se traduz por uma destas disposições, que se denominam diatheses; disposições geraes, como diz Cl. Bernard, «que, « quando adquiriram direito de domicilio no organismo, num indivíduo «gosando outrora de boa saude, podem transmittir-se a seus descen- dentes. » A diathese, como se vê, resulta de um desarranjo da nutrilidade: esse desarranjo é, por certo, o-primeiro acto da disposição mórbida, a qual, neste caso, deriva de uma modificação primitiva dos organismos elemen- tares. Ha, porém, occasiões em que a desordem nutritiva tem por ponto de partida uma alteração do sangue, E' facil comprehender que, sendo o san- gue o meio de onde os elementos orgânicos subtrahem os princípios neces- sários á sua nutrição, esta se ha de alterar toda vez que o sangue expe- rimentar qualquer alteração. A dyscrasia repercute desfavoravelmente sobro os elementos anatómicos e estes, collocados n'um meio que não lhes é normal, não tardam em soífrer modificações em suas propriedades: estas" modificações se podem tornar cada vez mais profundas, dá-se uma verda- deira aberração nutritiva e productos pathologicos são depois a consequên- cia dessa disposição má do organismo. A diathese pode, pois, provir tam- bém de uma deterioração do sangue; mas a sua causa principal é, para nós, a perturbação da nutrilidade: ainda quando ella começa por uma dyscrasia, o resultado final é a perversão nutritiva. Cumpre observar que em todas as diatheses ha alteração do liquido sanguíneo: este facto não deve ser extranhavel; pois, como muito bem diz Billroth, «sangue nor- « mal só pode provir de um corpo normal. » 12 As causas das diatheses podem ser diversas; mas todas se reduzem á perversão da nutrição, primitiva ou secundaria. A causa principal, a mais geral, a mais incontestável é a herança: aqui o indivíduo já nasce com essa desordem da nutrilidade, desordem que pode por algum tempo con- servar-se latente; mas que vae insidiosamente arruinando a organisação, até que irrompe exteriormente com todo o apparato morbido, que a ca- racterisa. Algumas vezes já o menino, ao nascer, traz todos os signaes do mal, que o mina internamente: neste caso a dialhese é congénita: outras vezes ella persiste occulta indefinidamente, sem que plienomeno algum a venha desmascarar : - é a dialhese latente. Como explicar a transmissão por herança d'essa aptidão pathologica, dessa impregnação mórbida do organismo? E' esse um plienomenoque re- sulta indefeclivelmente do aclo da fecundação. As experiencias de Spal- lanzani hão demonstrado que o contacto do esperma com o ovulo é de absoluta necessidade para que a fecundação se dê e as observações de Pré- vost e Dumas vieram, alem d'isso, provar que são os espermatozóides os verdadeiros agentes fecundantes. Depois das investigações de Barry, Bis- choff, Cosle, Meissner, etc., está completamente averiguado que os esper- matozoarios não se põem somente cm contado com o ovulo; mas pene- tram em seu interior e os notáveis trabalhos de Píliigger sobre este assumpto poseram fóra de duvida a existência de micropylo nos ovos dos mammiferos. Comquanto a essencia da fecundação, como diz Ilermann, ainda se não possa explicar, ella resulta seguramento da união do zoos- perma e do ovulo. Atravessando a membrana pellucida, os espermatozói- des penetram no interior do ovulo e vão mislurar-se ás granulações do vitellus e são principalmente, como diz Wundt, os movimentos, de que são dotados, que determinam a sua progressão através o canal do mi- cropylo. Dá-se então uma fusão intima entre os espermatazoides e as gra- nulações vitellinas e desta fusão resulta uma nova combinação organica, que conslitue o germen de um indivíduo novo. Logo que os espermatozóides penetram no vitellus, elles perdem os seus movimentos e se resolvem em granulações: a fecundação acha-se, pois, consumada e o primeiro acto, que a segue, é a segmentação do vitellus. Este phenomeno se extende não só ás granulações vitellinas, mas ás gra- nulações espermalicas e todas concorrem reunidamente á formação do blas- 13 toderma. Deriva (Teste facto que o producto da concepção, procedendo da fusão intima do elemento gerador macho com o elemento gerador femea, elle «deve necessariamente, como diz Longet, participar de um e outro e « o indivíduo novo deve parecer a seus paes. » E quem não sabe que tra- ços physiognomicos, disposições organicas especiaes muitas vezes se per- petuam hereditariamente em certas famílias, constituindo assim verdadei- ros signaes distinctivos ? Herdam-se a intelligencsa, a virtude e a bellesa como se herda a degradação physica, moral ou intellectual. E não é só isso I- certas aptidões resultantes da educação passam por herança de paes a filhos. Se isso é irrefutável na ordem physiologica, a pathologia nos fornece exemplos de uma multiplicidade de moléstias, em que é incontes- tável a sua transmissibilidade por herança e, entre ellas, occupam um lo- gar por sem duvida eminente as moléstias diathesicas. A transmissão destas moléstias pode ser effectuada tanto pelo pae, como pela mãe: - póde-se conceber facilmente que os ovulos ou espermato- zóides, procedentes de um organismo doente, hão participado da alteração nutritiva do ser, de onde se originaram e propagam esta alteração ao sor, que d'elles se origina. Se, na transmissão por via materna, se pôde expli- cal-a, ás vezes, sem que seja mister recorrer ao acto da geração; porque o feto vive no seio materno como parasita e é d'elle que subtrahe os princípios necessários á sua nutrição, esta explicação não é mais possível para a transmissão paterna. Tem-se observado, algumas vezes, um facto curioso na transmissão he- reditária:- é o phenomeno do atavismo. Para comprehender-se este phe- nomeno é preciso lembrar-se que, quando se falia de herança mórbida, não se deve intender que é a moléstia mesma que se herda; - é a apti- dão a contrahil-a, a disposição a reproduzil-a. Póde, pois, succeder que um indivíduo doente filho, que não venha a soffrer da molés- tia paterna; mas que a transmitia por herança ao seu descendente: não houve ainda neste caso uma transmissão directa? - Nós cremos que sim; mas ella se fez de um modo latente. A perversão nutritiva ou a disposição mórbida, que no primeiro indivíduo traduziu-se por uma moléstia, passou realmente a seu filho; mas ella não attingiu neste o mesmo grau de ma- nifestação e só na geração seguinte recobrou a actividade primaria. Se a diathese é quasi sempre hereditária, ella póde egualmente ser ad- 14 quirida:- n'estas condições ha sempre como ponto de partida uma mo- dificação na crase sanguínea, modificação que acarreta após si a deprava- ção nutritiva, que póde tornar-se permanente e dar origem a produclos morbidos especiaes. Todas as causas que alteram a composição do sangue e que pódem perverter de um modo permanente as funcções nutritivas, pódem occasionar uma diathese, principalmente, como diz GrisolJe, quando ha predisposição hereditária ou uma fraquesa innata da organisação. Quan- tas vezes a tuberculose provem da miséria, da alimentação má e insuffi- cienle, de uma habitação insalubre! ? Diatheses ha que pódem ser produ- zidas por um agente contagioso, a syphilis por exemplo. «Comprehende- «se, diz Cl. Bernard, que, se existisse um veneno, que não podesse ser « eliminado por nenhum de nossos orgãos, elle não acharia sabida alguma « depois de ter penetrado na torrente circulatória e tornar-se-ia, por con- «seguinte, a fonte de certas modificações permanentes do organismo.» Ainda ha certas condições, que pódem influir sobre o desenvolvimento de tal ou tal diathese: - emquanto a tuberculose encontra-se em todos os climas, o herpetismo prefere os çlimas quentes, o escrophulismo e a dia- these lilhica se observam mais commummente nos paizes frios e húmidos.- As edades imprimem também no organismo certas aptidões: a infancia é geralmente a quadra da escrofulose; os tubérculos, podendo desenvolver- se em todas as edades, apparecem de preferencia na adolescência: o can- cerismo c a syphilis pertencem a todas as epochas da vida. Friedreich observou num feto, nascido antes de termo e que morreu poucos dias de- pois, um tumor canceroso, que occupava a região scapular esquerda: a mãe desta creança, de 37 annos de edade, era affectada de cancros mub tiplos, que tinham por séde o fígado, o seio, o utero, a glandula thyroide. - Diremos ainda que certas moléstias antecedentes, como a rubeola e o typhus, pódem occasionar a apparição de tubérculos? Não está boje pro- vado que « uma exsudação pneumonica, como diz Jaccoud, num indivíduo « predisposto, póde ser modificada em sua constituição intima, desviada « de sua evolução e tornar-se assim a occasião e o ponto de partida de « uma tuberculose mais ou menos extensa ? » Não proseguiremos no estudo das causas das diatheses; porque teremos de voltar sobre elle quando nos occuparmos especialmente das moléstias diathesicas: diremos unicamente que todas as causas, que pódem determi- nar a imperfeição ou insuíficiencia da nutrição, pódem occasionar o desen volvimento de uma diathese. 15 III SYMPTOMAS, MARCHA E DURAÇÃO DAS DIATHESES.- As diatheSCS não leem symptomas, que lhes sejam proprios: os seus symptomas são os da moléstia, que cada diathese desenvolve e consequentemente variam em cada especie mórbida. Ao começo, a diathese não se traduz por sym- ptoma algum apparente e as funcções hygidas parecem executar-se per- feitamente bem:-existe apenas essa imperfeição da nutrilidade, que conslitue a disposição mórbida. Ha occasiões, porém, que ao seu desen- volvimento precede uma affecção local capaz de inficionar o organismo; outras vezes c uma alteração do sangue, que torna-se o ponto de partida da disposição diathesica. Logo que a diathese se fôrma, ella dá origem a manifestações diversas; mas ella pôde persistir largo tempo em estado latente e ainda conservar-se neste estado durante toda a vida do indivíduo e só manifestar-se nos seus descendentes. Quando a diathese torna-se patente, quando a disposição mórbida transforma-se cm moléstia, ora isso tem logar, como diz Bouchut, « sem que nenhuma circumstaneia particular possa ser considerada como « tendo provocado o seu desenvolvimento », ora, ao contrario, ha uma causa qualquer, que delcrminadhe a explosão. Os symptomas das diatheses são excessivamente variados: uns são agudos, passageiros e intermittentes, como no podagrismo, por exemplo; outros são chronicos, contínuos, fixos e progridem lentamente, conser- vando-se ás vezes estacionários: é o que se observa no cancerismo ou tuberculismo. Ila diatheses, cujos productos dispersos em differentos orgãos ou tecidos, são invariavelmente os mesmos: são as diatheses uni- formes de Beaumès ou monogenicas de Gintrac : - existem outras, cujos productos são anatomicamente distinctos; -- são as diatheses multiformes de Beaumès ou polggenicas de Gintrac, Os productos. morbidos, que caracterisam as diatheses, se podem desenvolver cm pontos diversos da economia ; ha, porém, quasi sempre para cada diathese certos orgãos de predilecção. O herpetismo aíTecta a pclle e as mucosas e o podagrismo ataca o tecido fibro-seroso das pe- quenas articulações. Segundo Uhle e Wagner, a tuberculose tem por séde de predilecção o vertice dos pulmões, o ilion e o larynge ; o cancro pre- fere o labio inferior, o utero, o seio e o pyloro e as producções syphiliticas se desenvolvem especialmenle no periosteo e no osso. 16 As manifestações das dialheses são sobre-modo perigosas e tanto mais quanto mais vozes se repetem: Jaumes, porém, affirma que os ataques de gotta regular são uteis e contribuem a manter o equilíbrio orgânico. Ha occasiões em que uma moléstia diathesica simula symptomas, que lhe não pertencem: é a diathese larvada, O herpes reveste as vezes as feições do aslhma. Um facto digno do nota tom sido observado por muitos pathologistas, é a complicação das moléstias diathesicas. Qualquer diathese, como diz Bouchul, póde ser complicada com a syphilis; a carcinose e os tubérculos se podem desenvolver no mesmo indivíduo. Ha certas moléstias diathesicas que se attrahem, por assim dizer; existe entre ellas uma verdadeira afli- nidade, que tem levado alguns médicos a consideral-as como manifestações diversas de uma mesma disposição mórbida: taes são a escrofulose e a tuberculisação, a gotta e os cálculos. Estes factos merecem a allenção dos clínicos: a confusão de duas ou mais dialheses traz uma desordem nos symptomas, a qual póde embaraçar o diagnostico, modificar o prognostico e exigir uma therapeulica especial. A marcha das moléstias diathesicas é essencial mente chronica, prolon- gada e difficil de ser suspensa: ellas percorrem fatalmente todas as suas phases e a victima de seus accessos vae se deslisando a pouco e pouco para os umbraes do tumulo. Fixada no organismo, consistindo na sua sa- turação mórbida, a diathese tem, como já dissemos, uma tendencia inven- cível em perpetuar-se. - Desgraçado do que caiu entre as suas garras ' Ella o persegue incançavel, o accompanha passo a passo até a morte e, não satisfeita com isso, vae reappareccr na sua posteridade, como um estygma de maldição. E como é insidiosa e perversa! Depois de se haver mani- festado pela explosão de certos actos, ella se retraho e se occulta: - dir- se-ia o tigre a espreitar a sua presa. Ha então um interregno em que o indivíduo parece gosar de uma saude perfeita; mas o inimigo lá está, elle parece repousar para despertar mais atroz; e, quando a esperança vem acalentar a victima, resurge com mais força, novas alterações se ma- nifestam, que de novo desapparecem para de novo surgirem cada vez mais graves e rebeldes, denotando que a viciação da economia vae-se tor- nando cada vez mais profunda, que a entidade mórbida vae cada vez lançando mais raizes no organismo! 17 As dialheses progridem até occasionar a morte: a sua influencia perni- ciosa promove a deterioração de toda a economia; as funeções se pertur- bam, a magrem se declara, a alteração do sangue lorna-se mais pronun- ciada e desenvolve-se emfim uma cachexia profunda. A sua apparição, como diz Jaumes, annuncia que deixou de existir o accordo transitório, que se fez entre o organismo e a moléstia e que esta determinou um pre- domínio intolerável do movimento destruidor sobre o movimento conser- vador. Logo que a cachexia se desenvolve, accende-se a febre liectica e ella vem por sua vez enfraquecer esse corpo já radicalmente pervertido. Em toda febre ha irrefragavelmcnte maior energia das combustões organicas: demonstram-no cathegoricamcnte o augmento da temperatura animal de facil verificação pelo exame thermomctrico, a exhalação pulmonar de maior quantidade de acido carbonico c a eliminação pelas urinas de maiores pro- porções de acido urico e de uréa. A autophagia febril vem, pois, contribuir grandemente para o estrago do organismo c uma diarrhéa colliquativa surge afinal determinando-lhe a morte. Em todas as cachexias dá-se muitas vezes o desenvolvimento de tlirom- boses. A alteração profunda da nutrição, que as caracterisa, oecasiona a fraquesa do coração, a atonia dos musculos respiratórios e vasculares c, rfestas condições, coágulos sanguíneos se formam em differentes veias; são as thromboses por esgoto de Ernesto Wagner. Este phenomeno é mui coinmum na carcinose c nos tubérculos: a sua producção torna-se facil, if estas moléstias, em virtude de uma modificação especial do sangue, que as accompanha: -é a iwpexia. Esta especie de dyserasia torna, pois, pos- sível, no interior mesmo da torrente circulatória, a reacção da substancia fibrino-genica sobre a substancia fibrino-plastica, reacção que não se effeclúa no estado physiologico. A thrombose cachelica pôde produzir-se em differentes veias; mas observa-se geralmente nas veias cruraes e ilía- cas:- algumas vezes coágulos se produzem nas trabéculas do coração. E' á thrombose da crural que quasi sempre se liga a pl'dogmalia alba dolens, phenomeno considerado por Trousseau de alta importância para o diagnostico do cancro. As cachexias são geralmente accompan' adas de hydropisias. A hydremia com hypo-albuminose é a dyserasia hydropigenica por excelllencia c é esta a alteração do sangue, que observa-se nas cachexias. Não basta, porém, que essa dyserasia exista, para que se dé a transsu- dação serosa: a alteração do sangue, segundo Jaccoud, é a causa pre- 18 dispononle e na maior parle das bydropisias cachecticas, «existe, ao mesmo «tempo, como dizem Ulile e Wagner, uma causa mecbanica, que conbece «a mesma origem que a cachexia ou então que deriva d'esta e determina « a secreção serosa. Quasi todas as bydropisias cacbeticas são realmente « cachetico-mechanicas.» Nas moléstias diatbesicas, em que se dá a ino- j exia, a bydropisia pode ser occasionada por uma tbrombose venosa: em certos casos, porém, a sua producção liga-se a uma influencia exterior. E' ainda a inopexia e maiormente quando acoompanbada de hyperinose que nos vem explicar certos factos de gangrena observados nas cachexias: ainda aqui a modificação do sangue é causa predisponente ; faz-se mister de uma influencia adjuvante e é esta, como diz Jaccoud, « a causa deter- «minante e localisadora da mortificação. » A diminuição da força impul- siva do musculo cardiaco representa um papel importante na producção da gangrena por dystropliia: esta fraquesa do coração acarreta um retarda- mento da circulação, que pode, a seu turno, occasionar a coagulação do sangue nas veias. Se este estado se prolonga, basta a acção de uma causa occasional qualquer para que a necrose se dê e isso tanto mais facilmente quanto a vitalidade dos tecidos acha-se necessariamente enfraquecida, n'um estado de morte imminente, segundo a expressão de Jaccoud. A gangrena cacbetica occupa quasi sempre os membros pelvianos e a sua producção explica-se pela anoxemia local resultante da tbrombose venosa. As moléstias diatbesicas, como vimos, terminam-se gertdmente pela cachexia; mas isto só tem logar quando ellas podem percorrer lentamentc todas as suas phases, Uma moléstia intercurrenle pode causar a morte do doente antes que a cachexia se pronuncie e productos morbidbs, perten- centes á própria diatbese, podem dar origem a uma perturbação tal, que a morte seja a consequência: - tubérculos desenvolvidos no pulmão occa- sionam por vezes uma hemoptysie mortal. Se é ordinariamente funesta a terminação dás moléstias diatbesicas, algumas vezes, porém, ellas podem desapparecer: meios bygienicos e therapeuticos, como hemos de ver, pro- duzem por vezes este effeito. Raro é que uma diatbese se esgote espon- taneamente ; um de seus caracteres mais importantes é a sua tenacidade, é a sua fortificação pela repetição dos phenomenos morbidos, Não é possível prejulgar qual a duração de uma diathese. Ha moléstias 19 diathesicas, como a gotta ou o dartros, que permittem ao doente uma longa vida; existem outras, ao contrario, como o tubérculo ou o cancro, que matam mais rapidamente. Mas nada disso é absoluto; pois que'a gotta pode causar uma morte rapida e tem-se visto cancerosos e tuberculosos, que vivem largo tempo. E já não dissemos que uma diathese pode con- servar-se latente ? Quem nos pode affiançar que um indivíduo, que julga- mos curado de uma diathese, não a, tenha comsigo, a despeito de uma apparencia lisongeira, e não a possa transmittir por herança á sua prole? Diílicil é, portanto, a determinação exacta da duração das diatheses; mas, attenlando para a sua marcha e naturesa, poderemos dizer que, em geral, a sua duração é longa, demorada e affligidora. IV DIAGNOSTICO E PROGNOSTICO DAS DIATHESES. - O diagnostico de uma dialhese è quasi impossível, quando ella so conserva em estado latente; todavia o medico pode ter algumas presumpções a respeito de sua existência, se vem a saber que soffreu de uma moléstia diathesica algum dos paes ou ascendentes do indivíduo, que o vem consultar, e estas presumpções se podem mudar em certesa, se rfum fillio d'este existe per- feitamente caracterisada a dialhese suspeitada. Quando ella é larvada, difficil torna-se ainda o seu diagnostico; mas um exame aprofundado, paciente e consciencioso pode afinal orientar o medico sobre a verdadeira naturesa dos symptomas observados: - segundo Jaumes, o uso de agoas mineraes sulphurosas desmascara por yezes umasyphilisoudartrosdesymptomatolo- gia irregular, fazendo-os recuperar a sua physiognomia ordinaria. Não ha difficuldade alguma em diagnosticar uma dialhese, quando se manifesta pelos symptomas, que lhe são peculiares; algumas vezes, porém, os pro- duclos da aífecção se localisam num orgam profundo, inacessível aos nos- sos meios de exploração e a diagnose torna-se embaraçosa. Se a cerebros- copia, inventada por Bouchut, pode ás vezes revelar a existência de tubér- culos ou cancros, desenvolvidos no myelencephalo ou nos seus envolucros, quantas vezes o ophlhalmoscopio nada demonstra de caracteristico no fun- do do olho! E qual o clinico que não se tenha visto muitas vezes embara- çado para formular um diagnostico preciso sobre a carcinosc dos rins ou do fígado? 20 Deve-se inferir do que dissemos sobre a symptomatologia, a marcha e a duração das diatheses que o seu prognostico é, cm geral, excessivamente grave: e, na verdade, as diatheses tendem quasi sempre para uma termi- nação fatal. Não convém, comludo, accreditar que seja sempre assim: a naturesa da diathese, o seu modo de evolução e a séde de seus productos são tantas circumstancias, que podem modificar a prognose. Affecções diatliesicas existem, como por exemplo o herpes, que são com- patíveis com uma vida prolongada; ha outras, como a syphilis, que se podem debellar por um tractamento appropriado; outras, afinal, como a tuberculose, são sobre-modo rebeldes e dotadas de grande gravidade. O desenvolvimento mais ou menos rápido das manifestações diatliesicas acar- reta uni prognostico mais ou menos grave e é evidente que quanto mais importante for o orgam, em que se localisem os productos morbidos, tanto maior será o perigo, que correrá o mechanismo orgânico. Será mister que digamos que a diathese, quando latente, não influo de um modo palpavel sobre a duração da vida? A prognose das'diatheses acha-se, pois, subor- dinada a grande numero de considerações e uma moléstia diathesica, que causará brevemente a morte em tal indivíduo, pode permittir a outro uma existência relativamente longa. V tragtamento das diatheses.- Dependendo de uma perversão mais ou menos estável da nutrilidade, as diatheses exigem meios curativos, que imprimam uma revolução completa cm toda a organisação, uma mo- dificação profunda e radical nas propriedades vitaes: é mister, como muito bem diz Jaumes, destruir uma tendência obstinada, reforçada pelo habito; é necessário renovar o homem inteiro. Raro é, como já o dissemos, que uma moléstia diathesica se termine espontaneamente pela cura; tem-se, todavia, observado alguns factos ex- cepcionaes. Algumas creanças, evidentemente escrophulosas, podem deixar do o ser com o correr dos annos; mas em muitos desses casos, em que a cura parece depender dos esforços do organismo, ella resulta certamcnte da acção de certos modificadores hygienicos. No tractamenlo das diatheses o medico deve tirar os seus meios de 21 acção não só da therapeutica, como ainda da hygiene; mas elle deve ter sem- pre em vista que quanto mais edoso for o doente e quanto mais antigo o seu mal, tanto menores serão as probabilidades de cura; elle não deve ainda esquecer que a dialhese hereditária é indubitavelmente a mais re- belde. Como uma hygiene má póde occasionar a explosão de uma diathcse, uma hygiene sabiamente dirigida por vezes a deslrue. A habitação num local espaçoso, onde se respire um ar puro e viviíicador, uma alimentação substancial e fortificante, a mudança de uma profissão desvantajosa ou pre- judicial, o exercício, a distraeção c por vezes a mudança de clima são meios de grande utilidade e que pódem regularisar as funeções nutritivas, restabelecer as synergias organicas e, se não promovem uma cura radical, pódem retardar mais ou menos a evolução da moléstia. E' dever de todo medico, quando a cura é impossível, procurar o allivio do doente e em- pregar todos os meios para prolongar-lhe a existência e é principalmente no tractamento das moléstias diathesicas que elle deve redobrar de des- velos, de paciência e de altenção; por isso que tem diante de si um ini- migo tão traiçoeiro, quão obstinado e cruel. Os meios, que fornece a matéria medica para o tractamento das molés- tias, que nos occupam, são excessivamonte variaveis e quasi todos de uma acção mais ou menos duvidosíi e infiel: é que as diathcsesse arraigam pro- fundamente na economia, de onde é difficil extorquil-as. Ha certas molés- tias diathesicas, contra as quaes o medico vê-se complctamente inerme : - quem desconhece a rebeldia da carcinose, que tende, mau grado todos os esforços, ao anniquillamento da vida? Aqui só ha meios palliativos a em- pregar e os meios cirúrgicos, de que se podem lançar mão, são quasi sempre inefficazes e muitas vezes vão apressar o termo fatal, enfraquecen- do ainda mais o organismo e determinando a repullulação do mal n'um orgam importante e inaccessivel. Existem outras diatheses contra as quaes podemos luclar com mais esperanças de vencel-as; n'este caso está o sy- philismo, ao qual podemos oppôr um medicamento poderoso; mas força é confessar que, mesmo aqui, o medico vê-se obrigado muitas vezes a ceder perante a perlinacia do mal. Por mais inexpugnável que pareça uma moléstia diathesica, o clinico nunca deve desanimar, nunca deve cair na inaeção. Posto ao abrigo das circumslancias que lhe são prejudiciaes, o doente deve ser submettido ao tractamento conveniente e os meios empregados devem scl-o de um modo 22 constante e melliodicamcnte dirigidos. Ainda quando se der a desapparição dos symptomas, o tractamento será continuado, para que a cura não seja illusoria, visto como a diathese póde passar ao estado latente, impondo d'est'arte uma cura, que realmente não existe. Parece intuitivo que, con- sistindo a diathese numa perversão profunda da nutrição, ella exige um tractamento assíduo, que actúe profundamente sobre o organismo: a uma moléstia chronica, se assim nos podemos exprimir, só póde adaptar-se um tractamento chronico. Não nos extenderemos mais sobre o tractamento das diatbeses; pois te- remos de voltar sobre este assumpto quando tractarmos das moléstias diathesicas: ahi diremos quaes os meios curativos, que cada uma requer. PARTE SEGUNDA MOLÉSTIAS DIATHESICAS Dissemos que uma moléstia, para que seja considerada diathesica, neces- sita de certas qualidades, cujo conjuncto dá-lhe uma physiognomia especial, imprime-lhe um cunho caracteristico : estas qualidades, necessárias e essen. ciaes, são a chronicidade, a hereditariedade e a inhercncia ao organismo. As moléstias diathesicas possuem uma fixidade e permanência insólitas, apoderam-se irresistivelmente do indivíduo, fundem-se com elle e raramen- te o abandonam: ellas se fazem notar, como diz Tardieu, «pelo grande « numero dos systemas orgânicos, que são semultaneamente atacados e pela «multiplicidade das affecções symptomaticas, que se desenvolvem no seu «curso. » Estas affecções se succedem e se concatenam, revestindo fôr- mas diversas; por vezes desapparecem e voltam d'ahi a pouco tempo, indicando por este modo um vicio radical da economia, que subsistiu á sua desapparição. Progredindo lentamente, engendrando novos productos, estas moléstias vão pouco a pouco destruindo o equilíbrio das funcções e produzem afinal uma desorganisação profunda, que se traduz pela cache- xia e a morte. Muitas moléstias offerecem os caracteres, que viemos de indicar: - são moléstias chronicas, transmissíveis por herança, as quaes, naturali- sando-se no organismo, fortificam-se com a repetição de seus actos e se terminam pela hydremia absoluta. Ellas se ostentam, pois, com todas as feições, que especialisam as moléstias diathesicas e merecem que delias nos occupemos de uma maneira particular. I tuberculose. - Pela sua gravidade e rebeldia, pela generalisação 24 de seus produclos em quasi todos os tecidos da economia, a tuberculose occupa um logar proeminente entre as moléstias dialhesicas: porventura a mais commum, o seu estudo prendeu sempre a attenção dos médicos e in- vestigações minuciosas têem sido feitas afim de caracterisarem-se os seus productos e descobrir-se o seu modo de formação. Tem-se admittido geralmente, desde Laennec e Louis, que a tuberculose é caraclerisada pela formação de productos anómalos, constituídos por gra- nulações. Em sua phase inicial estas granulações têem uma côr cinzenta, - são os tubérculos miliares de Laennec, as granulações cinzentas de Louis; quando, porém, adquirem um certo grau de desenvolvimento, ellas tomam uma côr amarellada, assimilham-se ao queijo e constituem os tu- bérculos crús ou as granulações amarellas. Lebert, cujas ideias foram por largo tempo adoptadas, submettendo o tubérculo ao exame microscopico, considerou-o como formado por Ires elementos constantes: - Io as granu- las moleculares, de 1/800 a 1/400 de millimetro, as quaes «se acham « disseminadas, como diz elle, em toda a massa do tubérculo e algumas « vezes se mostram em tão grande proporção, que parecem compol-a em « maior parte:»-2o a substancia interglobular, substancia semi-transpa- rente, de um amarello acinzentado, que serve de cimento ás granulações e aos globulos do tubérculo: - 3o os corpúsculos do tubérculo, elementos específicos, irregularmente ovalares, cujo volume é de 1/120 a 1/140 de millimetro, os quaes têem por conteúdo uma massa mais ou menos trans- parente e granulações moleculares. Estas ideias de Lebert, comquanto er- róneas, encontraram partidários entre os médicos mais distinctos : - Ro- kitansky, em Vienna, e Hughes Bennett, em Inglaterra, lhes trouxeram o valioso apoio de sua auctoridade e, na França, foram ellas quasi univer- salmente adoptadas. Os trabalhos de Virchow, proseguidos com perseverança pelos médicos da Allemanha, vieram fazer uma reforma radical no estudo da tuberculose e o edifício construído por Lebert se acha totalmente destruído. Lebert tomou como caracteristicos da tuberculose productos alterados e em via de degenerescencia gordurosa, os seus globulos do tubérculo resultam da caseificação dos verdadeiros tubérculos, que nada mais são do que as gra- nulações miliares. « Quasi tudo o que se produz no curso da tuberculose, « diz Virchow, e que não tem a fôrma de um nódulo é. segundo a minha « opinião, um producto inílammatorio espessado e não tem relação algu- « ma directa com o tubérculo. Para mim, diz elle mais adiante, o tuber- 25 « culo é um grão, um nodulo, e este nodulo representa uma neoplasia, « que, no momento do seu primeiro desenvolvimento, possuia necessaria- « mente a estructura cellular e provinha, como as outras neoplasias, do « tecido conjunctivo. Quando esta neoplasia ha chegado a um certo estado « de seu desenvolvimento, ella mostra, no meio do tecido normal, que ella « occupa, uma pequena nodosidade saliente, composta de pequenas ccllu- «las de um ou muitos núcleos. O que caracterisa, sobre tudo, a neoplasia « é a sua riquesa em núcleos e, quando se considera na superfície do te- « eido, quasi que se não veem sinão núcleos.» Pelo que acabamos de ver, só as granulações cinzentas, descriptas pela primeira vez por Bayle, merecem o nome de tubérculos e ellas são consti- tuídas por núcleos e cellulas pequenas, medindo os primeiros 0, 004 a 0, 006 de millimetro e as cellulas, 0,007 a 0,008 de millimetro: são estes elementos que Robin denomina cijtoblastiões. Estas ideias, sustentadas por Virchow com energia e talento, foram abraçadas por Schrõder van der Kolk c por Fõrster : desenvolvidas por médicos allemães de subido mérito, taes como Niemeyer, Billroth, Bamberger, L. Meyer, 0. Weber, Rindfleich, Uhle e Wagner, etc., ellas encontraram na França a saneção de médicos não menos distinctos, entre os quaes avultam Morei, Villemin, Martel, Vulpian, Hérard, Cornil e sobre tudo Jaccoud. Os tubérculos, como vimos, são constituídos pela reunião de núcleos e pequenas cellulas,, que, pela pressão reciproca, revestem ás vezes uma fórma polyedrica. « Elles são separados uns dos outros, como dizem Hé- « rard e Cornil, por uma matéria amorpha finamente granulosa, mui solida, « e pelos raros elementos do tecido laminoso ou elástico, no meio do qual «se desenvolveram. » Além doesses elementos, Rindfleich admilte, nos tubérculos, a existência de cellulas volumosas. A maior parte d'estas cellulas só encerram um núcleo; em algumas, porém, diz elle, « encon- « tram-se dous, tres núcleos similhantes e mais ainda, produzidos sem « duvida pela divisão do núcleo primitivo unico. » São d'estas cellulas, que, segundo Rindfleich, resultam, por divisão endógena, as cellulas pe- quenas : -Langhaus diz ter observado, em tubérculos mui antigos, cel- lulas gigantescas com muitos núcleos. 0 desenvolvimento ou formação dos tubérculos tem sido objecto de in- vestigações accuradas. Cruveilhier, seguido n'este ponto por Luys, consi- 26 derando o tecido cellular de todos os orgãos como a sède das granulações tuberculosas, exclue todavia o pulmão, onde ellas se formam no interior das vesículas: esta opinião foi contestada por Andral e, como já vimos. Virchow veio demonstrar .claramente que é do tecido conjunctivo que os tubérculos se originam-«No primeiro periodo de sua evolução, « diz Morei, o tubérculo não é, a dizer a verdade, sinão uma hyper- «throphia do tecido conjunctivo. E' com effeito pela hyperplasia das «cellulas plasmaticas que seu desenvolvimento começa: mas o que « distingue-o da hyperthrophia ordinaria e da inflammação do tecido con- «junctivo, é que, em suas manifestações morphologicas, elle não vae «além da fórma nuclear. Chegado a este grau de evolução, entra «numa via regressiva e sua vitalidade se extingue. » Esta opinião, repro- ducção das ideias de Virchow, é egualmente abraçada por van der Kolk, Vulpian, Uhle e Wagner, Martel e outros. E' também á hypergenese dos elementos do tecido connectivo que attribue Jaccoud a formação dos tu- bérculos : « a estructura da granulação, diz elle, revela a sua origem ; é « uma vegetação cellular e portanto é o producto de um trabalho forma- «tiro análogo, sinão similhante, á inflammação. » Segundo Rindíleich, não ha no organismo tecido conjunctivo mais pre- disposto à formação dos tubérculos do que o da túnica adventícia das pequenas artérias; é, portanto, d'esta membrana, que deriva a neoforma- ção. « O primeiro acto do processo, diz elle, é um augmento notável do «protoplasma, que cerca os núcleos; ao mesmo tempo tem logar uma « multiplicação nuclear por divisão. » Emquanto em alguns a divisão se repete, soífrem outros uma alteração particular e tomam o aspecto, que caracterisa os núcleos das cellulas tuberculosas: durante este tempo o protoplasma torna-se mais denso. No começo largas fachas de protoplama se conservam entre as cellulas, quando, porem, tornam-se ellas mais nu- merosas, estas fachas se destruem e as cellulas se tocam. « Desde então, « prosegue o illustrado professor, não resta mais do que uma pequena « quantidade de protoplasma, que constituo uma rede delicada, cujas ma- «lhas encerram as cellulas tuberculosas» E', como se vê, na túnica ad- ventícia dos vasos e pela multiplicação de seus núcleos que, segundo Rindíleich, os tubérculos se formam: esta opinião se acha egualmente confirmada pelas observações de O. Weber, de Gõlberg, de Billroth e de Deichler. Hérard e Gornil, sem decidirem se os tubérculos nascem por genese num blastema ou se provém da proliferação nuclear, affirmam to- 27 davia que « a séde precisa destes elementos de nova formação êa circum- «ferencia de um pequeno vaso, o tecido cellular que representa a mem- « brana adventícia: » este facto está perfeitamente de accordo com as observações de Rindfleich. E' ao professor Robin que pertence a ideia de que o tubérculo, como todos os tecidos normacs e pathologicos, sem derivar de nenhum dos elementos, que o cercam, gera-se a custo de um blastema proveniente do plasma san- guíneo e interposto aos tecidos. E' por geração accrementicia ou intersti- cial que elle se fôrma, podendo depois substituir os elementos preexis- tentes. Esta opinião do sabio micrographo não é geralmente acceita: o axioma de Virchow « omnis cellula e cellula » vae cada vez grangeiando maior numero de proselytos. Uma opinião alguma cousa analoga á precedente é sustentada por Hughes Bennett. « Eu considero o tubérculo, diz elle, como um exsudato po- te dendo derramar-se em todos os tecidos vasculares, da mesma maneira « e pelo mesmo mechanismo que na inflammação; somente, em rasão da « falta da energia vital, elle não se acha em estado de passar pelas mes- « mas transformações e termina em prodúcções organicas impei feitas e « abortadas, ou, mais frequentemente, não tem outro resultado sinão a « decomposição e a ulceração. » Para Bennett o tubérculo resulta de um exsudato e o processo phymatogenico é análogo ao processo phlegmasico. A inflammação é considerada por elle como o resultado da exsudação do liquor ou plasma sanguíneo e esta exsudação se faz em virtude do au- gmento da força attractiva e diminuição da força selecliva próprias ás mo- léculas ultimas dos tecidos. Esta força attractiva de Bennett é mui compa- rável á irritação nutritiva de Virchow; o augmento da primeira provoca o exsudato, a segunda occasiona a hyperthrophia e a proliferação cellular. Não nos parece inadmissível que as granulações tuberculosas possam provir de um exsudato, maiormente se nos referimos ás recentes obser- vações de Cohnheim sobre a inflammação. Segundo Gohnheim, o exsudato phlegmasico, precedido sempre da dilatação das arteriolas e venulas, não é só constituído pelo plasma cruorico; mas também por globulos sanguí- neos e principalmente por leucocytos. Ao principio do processo inflamma- torio, os leucocytos vão se accumulando na parede interna dos vasos: logo depois, retardando-se cada vez mais a circulação, elles atravessam a parede e se derramam pouco a pouco no tecido perivascular. A diapedese dos globulos brancos faz-se em virtude de seus movimentos amiboides e é 28 tanto mais facilitada quando existem, entre as cellulas epitheliaes da túnica interna dos vasos, orifícios ou stomatos, que se abrem pela dilatação dos vasos. Depois da sua saída, os leucocytos emigram atravéz os vacuolos do tecido connectivo e, «se existe um ponto particularmente irritado, é elle, «como diz Rindíleich, quem determina geralmente a direcção seguida «pelas cellulas. Estas se accumulam de mais a mais neste ponto e for- ce mam ahi uma certa quantidade de tecido embrionário, que será o ponto « de partida de todas as mudanças ulteriores.» Attentando para a anologia que ha entre os processos phymatogenico e inílammatorio, não poderiam os globulos migrateis do sangue transformar-se nos elementos do tubérculo? No periodo inicial da tuberculose ha, como dizem Hérard e Cornil, dila- tação dos vasos, « o que mostra que uma fluxão sanguínea, um augmento « da pressão do sangue são necessários á formação dos tubérculos. » E' verdade que Robin nega a possibilidade da diapedese dos leucocytos e que á mesma conclusão chegaram Morei, Duval e Straus; mas, sendo ella ad- mittida, os globulos emigrados não poderiam, por uma perversão nutritiva, torhar-se o ponto de origem dos elementos do tubérculo? E depois, se Cohnheim nega formalmente a proliferação dos leucocytos, este phenomeno é admittido por observadores da mérito, taes como Hoffmann, Rindíleich, Recklingliausen e Stricker. Segundo o que levamos dicto, se deve considerar o tubérculo como procedente da proliferação das cellulas do tecido conjunctivo e principal- mente dos núcleos da parede adventícia dos vasos, podendo egualmente provir da multiplicação dos globulos migrateis do sangue, opinião, aliás, que enunciamos com alguma reserva. 0 tubérculo, logo que se produz, augmenta progressivamente de volu- me e o seu crescimento se faz, como dizem Uhle e Wagner, « em parte «pela subdivisão dos núcleos de nova formação; mas sobre-tudo pela pro- «ducção de novos núcleos nas partes que o cercam e muitas vezes sob a « influencia de uma leve hyperhemia. » As cellulas gigantescas observadas por Langhaus nos tubérculos nada mais são do que cellulas em via de multiplicação endógena. Chegando a um certo grau de desenvolvimento, o tubérculo, inapto, como diz Jaccoud, a uma organisação progressiva e sendo, como diz 29 Virchow, uma producção pobre, uma neoplasia miserável desde seu co- meço, experimenta umà degeneração granulo-gordurosa e torna-se opaco e amarello: é o tubérculo crú. Esta alteração principia no centro da massa tuberculosa e extende-se depois á peripheria. Laennec considerava o tubérculo como um tecido novo tendo uma vida própria e possuindo em si mesmo as causas de suas mudanças; mas esta opinião, acceita ainda por Boucbut, não pode ser mais admittida. A casei- ficação dos tubérculos (atrophia quantitativa de Uhle e Wagner, meta- morphose granulo-gordurosa de Rindfleich) resulta da obliteração dos vasos da parto affectada e consequentemente da falta de materiaes nutriti- vos. E na verdade, os tubérculos, desenvolvendo-se principalmente na túnica adventícia dos pequenos vasos e pela proliferação de seus núcleos, logo que esta torna-se considerável, os vasos são comprimidos, o seu dia- metro diminue e dá-se afinal a sua obliteração completa: d'ahi resulta seguramente interrupção da nutrição e a necrocytose se estabelece. Ao principio os elementos do tubérculo se atrophiam, se encolhem, se rese- cam e se transformam em corpúsculos pequenos e irregulares; mas, afinal, « o todo, como diz Rindfleich, reduz-se a uma massa espessa, de um branco « amarellado, na qual, após muitos annos, podem-se ainda descobrir restos «de cellulas.» Esta metamorphose caseosa é a terminação regular dos tubérculos e os muda em granulações amarellas e estas granulações, além de alguns corpúsculos atrophiados, que foram considerados por Lebert como caracteristicos do tubérculo, compõem-se de um detritus gorduroso e da substancia amorpha fundamental. A necrobiose da massa tuberculosa acarreta, pois, a sua caseificação; mas esta transformação não pode cara- cterisar o neoplasma; pois outros productos pathologicos podem tornar-se caseosos. O tubérculo pode ainda experimentar muitas outras modificações; porém a mais importante e a mais frequente é o seu amollecimento ou fundição'. alterações chimicas desconhecidas, dizem Jaccoud, Uhle e Wagner, presi- dem a este phenomeno; segundo Rindfleich, elle é produzido pela embebi- ção por líquidos da massa caseosa. O amollecimento determina a formação das ulceras ou das cavernas tuberculosas: ulceras, quando a perda de substancia occupa os tecidos membranosos; cavernas, quando são nas vis- ceras que a destruição se effectua. A caverna, cercada de massas tubercu- losas, contém um liquido homogeneo, cremoso ou caseoso, de uma côr cinzento-amarellada e alguns fragmentos solidos e irregulares: - a ulcera, 30 circumdada egualmente por substancia tuberculosa, é, no seu começo, pequena, redonda e crateriforme. A caverna e a ulcera podem crescer in- definidamente e são quasi sempre accompanhadas de uma inílammação poripherica 0 suppurativa. Em algumas circumstancias felizes 0 neoplas- ma, em vez de amo!lecer-se, é ao contrario reabsorvido : isso observa-se principalmente quando produz-se uma verdadeira metamorphose gordu- rosa. Ha outras occasiões em que 0 tubérculo passa ao estado córneo ou se cretifica: no primeiro caso elle se converte n'uma massa dura, ha um verdadeiro dessecaménto sem degeneração gordurosa: - no segundo, ha infiltração de saes calcareos, que 0 cncrustam e petrificam. Os tubérculos se desenvolvem em quasi todos os tecidos da economia; mas dizem Uhle e Wagner que nunca foram elles encontrados na cartila- gem, nos musculos externos e nos grossos vasos: Hérard e Cornil excluem, além disso, a mamma, o tecido tendinoso e a pelle. As membranas serosas são frequentemente atacadas pela tuberculose 0 é no tecido conjunctivo que as granulações se desenvolvem, assentando sempre, segundo Hérard e Cornil, ao redor dos pequenos vasos. Não é esta, porém, a opinião de Rindfleich: para elle 0 tubérculo das serosas deriva da proliferação das cellulas epitheliaes e só mais tarde, com 0 pro- gresso da neo-formação, «as cellulas do tecido conjunctivo, que não são «de naturesa epithelial, contribuem egualmente ao seu crescimento por «juxtaposição.» As membranas serosas, em que mais commumente os tubérculos se formam, são as pleuras, 0 pericárdio, a arachnoide, 0 peri- toneu e a túnica vaginal. Os symptomas observados variam em cada caso particular; mas se pode dizer de um modo geral que a tuberculose dá logar a derramamentos serosos, á producção de falsas-membranas e de neo-membranas, que se tuberculisam e se rompem, por vezes, occa- sionando hemorrhagias. Na meningite tuberculosa granulações miliares pullulam na pia-mater, que envolve a base do encephalo, principal- mente ao nivel do chiasma e nas scisuras de Sylvius, e se produzem na bainha das arteriolas por hyperplasia de seus núcleos. Accompanhada sempre de derramamento nos ventrículos, de onde lhe veio 0 nome de hydrocephalia aguda, a meningite tuberculosa se apresenta sempre com symptomas graves e assustadores: - há, muitas vezes, concomitantemente 31 desenvolvimento de tubérculos na choroide, phenomeno a que Bouchut liga muita importância e que foi egualmente observado por Cohnheim e Gale- zowsky. Os productos da diathese tuberculose se localisam também nas mem- branas mucosas e, máu grado a opinião contraria de Empis, é esse um facto que tem sido verificado por todos os pathologistas. Na mucosa di- gestiva os tubérculos se formam principalmente no intestino e mais vezes na região ilio-coecal: « elles começam, como dizem Hérard e Cornil, no «tecido conjunctivo sub-epithelial; mas quando ulcerações se formaram, «granulações tuberculosas nascem ao mesmo tempo no fundo da ulcera- « ção e em seus bordos, entre as duas camadas de fibras musculares do «intestino e no tecido sub-peritoneal.» Segundo Rindíleich, as granula- ções miliares occupam a túnica adventícia dos vasos, com excepção dos capillares, o que Andral já houvera observado ; mas, além d'isso, granu- lações se notam também no tecido sub-seroso e seroso, que se desenvol- vem nos vasos lymphaticos. D'ahi conchie o illustrado observador que as bainhas dos vasos sanguíneos não se tubcrculisam, senão « porque encer- « ram ao mesmo tempo os vasos lymphaticos efferentes do intestino. » A tuberculose intestinal é sempre accompanhada de uma alteração dos folli- culos isolados e das placas de Peyer, alteração que consiste n'uma liyper- plasia dos corpúsculos lymphaticos e na transformação caseosa dos folli- culos. Evacuações diarrheicas, hemorrhagias e perforações do intestino com- plicam, por vezes, as suas ulceras tuberculosas.-Vircliow sustenta que a mucosa laryngo-tracheal pôde ser a séde de tubérculos e que as ulceras do larynge, que se notam na phthysica laryngéa, são devidas a este nco- plasma ; mas esta opinião Rindíleich a regeita e, para elle, as ulcerações as mais importantes c as mais extensas devem ser attribuidas a uma in- ílammação escrofulosa das glanduas muciparas. Se isto é verdade, o que Louis já houvera admittido, estas ulcerações são todavia accompanhadas, como confessa o proprio Rindíleich, de granulações miliares, as quaes occupam o fundo e os bordos das ulceras e as mais das vezes um ponto distante, no meio de um tecido conjunctivo ainda intacto. A existência de granulações tuberculosas na mucosa respiratória, desenvolvidas no te- cido laminoso sub-epithelial, foi demonstrada por Villemin, Rokitansky e outros c Hérard e Cornil dizem tel-o verificado muitas vezes. N'estas cir- cumstancias a tuberculose pôde ser complicada de aphonia, de dyspnéa e de uma perichrondite laryngéa, que acarreta a necrose das cartilagens 32 (lo larynge.-A mucosa gemto-urinaria lambem se não furta ás manifes- tações da dialhcse, que nos occupa, e a bexiga e os ureteres, o utero e as trompas, etc., são atacados muitas vezes por ella. Na bexiga, ora se encontram, como diz Niemeyer, « tubérculos discretos e agglomera- « dos que, por sou amollecimento, dão ulceras redondas e irregularmente « chanfradas, ora uma degenerescencia caseosa diílusa da mucosa, que é « destruída n'uma grande extensão. » A rotura da bexiga pode ser a con- sequência deste trabalho ulcerativo.- A tuberculose dos ureteres deter- mina as mesmas alterações e se traduz por um simples catarrho com se- creção de uma matéria viscosa e purulenta: - ás vezes a tumefaeção da mucosa é tal e a secreção tão copiosa que podem occasionar a uremia, por insufficiencia excretoria das urinas. Quando é o utero que se torna tuberculoso, dá-se secundariamente, como diz Rindlleich, « uma hyper- « plasia por vezes mui considerável do teci lo conjunclivo da camada sub- « mucosa ou da muscular, o que explica porque este orgam póde augmen- « tar de volume, emquanto na superfície interna seu tecido destrue-se « progressivamente. » Os tubérculos do osso se desenvolvem no tecido esponjoso e resultam da hypergenese das cellulas medullares, a que Robin dá o nome de medullocelles:-Ranvier distingue as granulações isoladas e as granula- ções confluentes; mas todas são constituídas pelos mesmos elementos. Quando um grande numero de tubérculos se formam rfum mesmo espaço medullar, elles determinam a obliteração dos vasos sanguíneos e experi- mentam a mctamorphose caseoso, que se extende egualmente á porção de tecido esponjoso por elles circumscripta. O amollecimento invade a massa caseosa e, n'este caso, uma osteite eliminadora tem logar, seguida por vezes de uma osteite condensante: - abcessos por congestão se produzem e, segundo Nélaton, dá-se ás vezes uma arthrite aguda, que póde passar ao estado chronico. Tubérculos se teem encontrado nos pontos diversos do myelencephalo e se desenvolvem pela proliferação dos elementos da nevroglia: elles « se « apresentam nos centros nervosos, diz Luys, como cm todos os outros « tecidos do organismo, em seu período de começo, sob o aspecto de « pequenas nodusidades esbranquiçadas, dispostas irregularmente ao longo « da continuidade dos capillares.» Os tubérculos do myelencephalo dão nascimento a phenomenos moibidos, que variam segundo a sua séde. A tuberculoso dos hemispherios cerebraes se traduz ao principio por sym- 33 ptomas transitórios e moveis, que denotam a excitação do ergam; mas seguem-se a elles phenomenos permanentes, que resultam da compressão e destruição do tecido nervoso: no primeiro caso se notam a hyperesthe- sia, a hyperideação, as convulsões, etc., e no segundo se produzem a he- miplegia, a akinesia dos quatro membros, a aphasia, a diminuição das fa- culdades intellectuaes c affectivas, etc. Quando a lesão se assenta nos pedúnculos cerebraes dar-se-ão paralysias alternas c a cegueira resultará da lesão dos tubérculos quadrigémeos. - Os tubérculos dos corpos striados traduzem-se por paralysias da motilidade, os das camadas opticas occa- siunam aneslliesias e alterações nas funeções sensomes. Quando o cere- bello é affectado, ha desequilíbrio dos movimentos de locomoção e vomites pertinazes: se é no bolbo (pie o neoplasma se desenvolve, os symptomas são x iriaveis.- N'este ultimo caso rodem observar-se ataques epileptiform.es, dysphagia, alalia por ataxia da língua ou dytkinesia lingual de Jaccoud, vomitos, dyspnéa, alterações nos batimentos do coração e, se a aílecção assenta no pavimento do 4.° ventrículo, produzir-se-ão, como o demonstram as experiencias do CL Bernard, era a glycosuria ou albummuria, ora a ] olyuria, ou o plyalismo. A tuberculose da meduila espinhal dá nascimento a symptomas não menos interessantes: - se ella occupa a região cervical haverá dyspnéa ou vomitos e uma dilatação anormal e permanente de uma ou de ambas aspupillas; se, ao contrario, é a região dorso-lombar a séde da tuberculisação, notar-se-ão a retenção das urinas e uma consti- pação rebelde. A estes phenomenos ligam-se outros, que diversificam se- gundo a séde da neoplasia. A lesão dos cordões anteriores occasiona a akinesia, a dos feixes posteriores se manifesta pela ataxia locomotriz, a da substancia cinzenta por paralysias do movimento ou da sensibilidade. A atropina muscular progressiva pôde ainda ser a consequência da tubercu- 1 >se espinhal; mas é mister, n'este caso, que as granulações occupem as raízes dos nervos ou a região sympathica de Jacubovvitch, denominada por Luys « substancia cinzenta central.» Os factos de atropina muscular, ve- i ideados por Jaccoud, Schneevogt, Duménil e outros, consecutivos a le- sões do trisplanchnico, demonstram claramente que esta moléstia tem por causa um desarranjo do system a nervoso trophico e não resulta, como querem Trousseau e Niemeyer, de uma alteração primitiva da fibra mus- cular. As diversas glandulas da economia não são egualmente poupadas pela diatb.esc tuberculosa e todas pagam o seu tributo a esta mole.tia terrível. 34 0 pulmão é seguramente o orgam que mais vezes se affecta; a tubercu- loso tem por elle uma tal predilecção que é elle quasi sempre a séde do suas primeiras manifestações. Segundo Deichler, ó exclusivamente na bainha das arteriolas e das venulas que as granulações miliares se desen- volvem; muitas vezes, porém, ellas se encontram no tecido conjunctivo inler-lobular. As observações de Virchow, Cõlberg, Rindfleich, Morei, Hérard e Cornil, Jaccoud e de quasi todos os pathologistas estão pouco mais ou menos de accordo acerca do modo de formação dos tubérculos pulmonares. Hérard e Cornil sustentam que o tecido con- junclivo inter-alveolar pôde também ser o ponto de partida das granula- ções tuberculosas; mas esta opinião, admittida por Fõrster e Rindfk-ich, é contestada por Villemin. Ludwig Meyer vae mais adiante e affirma que o epilhelio vesicular póde transformar-se em tubérculos por divisão endóge- na. Logo que as granulações miliares tomam um certo desenvolvimento, os vasos se obliteram; privadas de nutrição, ellas se caseificam e á sua necrc- bioso segue o seu amollecimento e a formação das cavernas: - a phthy- sica pulmonar acha-se assim estabelecida. Não convém confundir essa phlhy- sica tuberculosa com a phthysica caseosa resultante de processos pneumo- nicos: a primeira é essencialmente diathesica e portanto hereditária, a segunda não póde possuir similhante prerogativa. A tuberculose pulmonar é accompanhada quasi sempre de producções tuberculosas nos outros te- cidos do organismo e muitas vezes a complicam a degcnerescencia gordu- rosa do fígado e a infiltração lardacea dos rins. Os tubérculos do fígado se desenvolvem no arcabouço conjunctivo da glandula, no tecido intersticial e, segundo Hérard e Cornil, «ellcs se mos- «tram sobretudo na capsula de Glisson e nas camadas do figado as mais «approximadas de sua superfície; » mas Rindfleich pensa de modo diverso. E , para elle, nas ultimas ramificações da artéria hepatica que osneoplas- mas se formam e elles não se encontram sómente nos espaços interlobula- res: mas ainda no interior dos acini. As observações de Schiippel o leva- ram a concluir que os elementos do tubérculo nascem no interior mesmo dos vasos e derivam dos leucocytos. Como quer que seja, a tuberculose he- patica póde provocar a suppuração do figado e formação de abcessos; póde ainda occasionar a icterícia e por vezes a melituria. A chlolesteremia ou acholia de Frerichs não poderá egualmente ser uma consequência d elia ? Os rins não se exemptam da tuberculose e cila apresenta aqui duas fôrmas distinctas. A fórma disseminada é pouco grave e a ncoplasia de- 35 ri va da proliferação das cellulas do tecido conneclivo ou dos núcleos das bainhas das arteriolas: Hérard e Qornil dão-lhe por séde de prcdilecção a substancia cortical. Ha, ao mesmo tempo, hyperplasia das cellulas epilhe- liaes dos canaliçulos uriniferos, que so.Trem rapidamente, segundo Ro- senstein, a degeneração gordurosa. A formei localisada ou phthysica renal é excessivamente gravo c póde acarretar a morte pela intoxicação uremica. A erupção tuberculosa «começa muitas vezos, diz Jaccoud, polo bassinelo « e os cálices o sobe d'ahi na espessura do orgam, destruindo pyramides «inteiras. » As granulações transformam-se promptamente em massas caseo- sas, as quaes se amollecem e se eliminam, dando logar, como diz Rindíleich, «a umi verdadeira ulcera tuberculosa de um caracter pútrido, cujo fundo «crava-se no orgam cada vez mais profundamente.» O neoplasma ataca geralmente os dous rins e determina a destruição de ambos, Os tubérculos do testículo nascem no tecido conjunctivo, que separa os canaes espermaUcos e principalmente no corpo de Highmore: observa- se concomitantemente a proliferação o degenerescencia gordurosa do epi- tlielio dos canaliculos. Segundo Rindíleich, o tubérculo testicular tem uma grande tendencia em revestir uma estructura fibrosa, de sorte que será preciso admittir que elle não experimenta sempre uma transformação ca- seosa ; mas é susceptivel de uma organisação mais elevada. O amolleci- mento do neoplasma pôde produzir abcessos e verdadeiros trajectos fislu- losos. A tuberculoso ainda pôde manifestar-se em outras glandulas, como a próstata, por exemplo, onde toma o nome de phthysica prostatica, se- guindo uma marcha inleiramente similhante á da phthysica renal; mas nós não podemos nos demorar mais sobre este assumpto e vamos dizer algu- mas palavras sobre a tuberculose das glandulas lymphalicas. E estas glandulas são realmente affecladas de tubérculos? Billroth não o crê e, para elle, «o tubérculo miliar propriamente dicto quasi nunca se « encontra nellas; em seu logar acham-se antes grandes fócos caseosos.» Esta lymphadenite, que se nota por vezes na tuberculose, resulta do. uma hyperthorophia e hyperplasia dos corpúsculos lymphaticos e se liga á dialhese escrophulosa. Se. isso, porem,, é verdade, Villemin diz ha- ver observado verdadeiras granulações tuberculosas no envolucro fibroso das glandulas. - O que acabamos de dizer aqui se pôde egualmente refe- rir ãs outras glandulas hemopoeticas, como o baço por exemplo; mas cum- pre observar que Lcbert e Cohnlicim hão visto tubérculos na glanduia thy- 36 roide e esta neoplasia se tom encontrado nas capsulas supra-renaes e é cer- tamente a aíTecção a mais frequente d'estes orgãos. Os tubérculos das ca- psulas suprarenaes occupam a substancia medullar; mas ainda se não sabe se são as bainhas dos vasos sanguíneos e dos nervos ou os vasos lym- phaticos que se prestam ao seu desenvolvimento. O que é facto é que os tubérculos formam tumores volumosos e experimentam a digenerescencia caseosa, as substancias cortical e medullar se destruem por fim e apenas persiste a capsula, que resiste á desorganisação. Esta aíTecção traduz-se pela moléstia de Addison, cujo termo é necessariamente fatal. Quando nos occupamos das dialheses em geral, vimos quaes eram as suas causas e, consequentemente, as da tuberculose:-não voltaremos pois sobre esse ponto. Ha, porém, uma questão, sobre a qual não falía- mos, e que merece-nos algumas palavras: é a da contagiosidade dos tubér- culos. De há muito que Morgagni, Valsalva, Van-Swieten, Hufeland e ou- tros sustentavam que a pbthysica era contagiosa; mas esta opinião, com- partilhada demais pelas pessoas do mundo, não era geralmente acceita. Para resolver esta questão, Villemin instituiu um grande numero de expe- riências sobre animaes, experiennas que foram plenamente confirmadas por Ilérard e Cornil, nas quaes verificou-se que a inoculação das granulações cinzentas determina o desenvolvimento de tubérculos em diversos tecidos do organismo. O alcance e a importância d'este facto suscitou um vivo in- teresse em todos os palhologistas e novas experiencias foram feitas. Em- quanto Vogel e Langbaus não obtiveram resultado algum positivo, as expe- riencias instituídas por Hoffmann, Roustan, Lebert, Wyss, Waldenburg, Klebs, Cohnheim e outros vieram confirmar os factos proclamados por Villemin. A inoculabilidade das granulações tuberculosas está hoje perfei- tamente demonstrada; mas para accreditar-se verdadeiro contagio será mister admittir-se-lhes a existência de um virus: esta opinião é sustentada por Villemin; mas outros a regeitam. O desenvolvimento de tubérculos após a sua inoculação é, para Wyss, o resultado de uma simples embolia capillar: elles são produzidos, segundo Waldenburg, pela deposição nos tecidos de finíssimas partículas, que foram introduzidas na torrente circu- latória. Wald accredita que leucocytos sáem dos vasos acarretando estas partículas e se transforrpam depois em granulações miliares. Vê-se bem 37 que o problema da contagiosidade da tuberculose ainda não está resolvido ; mas nos parece que a sua manifestação após a inoculação de seus produ- clos se concilia melhor com a presença de um principio virulento. A ino- culabilidade dos escarros seccos dos tuberculosos, provada por Chauveau e Villemin, parece advogar em favor desta ultima opinião. Já nós dissemos qual deve ser o procedimento de um medico perante uma moléstia diathesica e vimos que os meios empregados para combatel-a devem ser antes tirados da hygiene do que da matéria medica: esta ob- servação acha aqui a applicação mais ampla. Ila, porém, um medicamento que merece especial menção, é o oleo de íigado de bacalhau. « Eu estou « convencido, diz Bennett, que, graças a este agente, milhares de doentes, « que outrora morreriam certamente em mui pouco tempo, recuperam « forças, vivem annos, e um grande numero d'entre elles terminam até « por curar-se. » O oleo de figado de bacalhau é incontestavelmente um meio precioso, de que dispõe o clinico, para restabelecer as forças e pro- longar os dias dos pobres tuberculosos; - é um verdadeiro tonico ana!ep'ico. II 2.°-Carcixose. - Ao lado da tuberculose devemos collocar o can- cro, que tão cruel e rebelde como ella, traz após si a deterioração do organismo e uma morte mais ou menos rapida. O cancerismo se revela pela producção de tumores essencialmente constituídos por cellulas de forma variavel, cellulas que, pelas suas metamorphoses ulteriores, occa- sionam a desorganisação dos tecidos, onde se desenvolveram: ha occasiões, porém, em que o cancro se apresenta sob uma forma diffusa, é o cancro infiltrado. Unico ou múltiplo, para que um tumor possa ser considerado carcino- matoso é necessário que offereça uma estructura alveobar. A degeneres- cencia cancerosa, consistindo em depositos cellulares nos tecidos, consti- tuindo verdadeiros fócos, as porções do tecido, que permanecem entre as cellulas, formam um arcabouço reticulado, em cujas malhas numerosas cellulas se agglomeram. Ha, portanto, em todos os cancros dous elementos 38 importantes, o sueco Canceroso e o sírmna. O sueco é composto de cellulas e núcleos e de uma substancia mais ou menos liquida, substancia inter- cellular: o stroma, que diversifica alguma cousa nas differentes especies de cancros, ora fórma uma rede irregular com pequenas lacunas, ora gran- de numero de cavidades alveolares. Lebert admittia a existência de cellulas cancerosas especificas; mas esta opinião, regeitada por Vogel, Velpeau, Bennett, Virchow, Gornil e outros, não recebeu a saneção dos pathologistas modernos. Se isso, porém, é verdade, estas cellulas possuem coi tos caracteres, que podem permiltir-lhes o facil reconhecimento. O seu volume exaggerado, a sua forma irregular, a mul- tiplicidade de seus núcleos e nucleolos e mais que tudo o excessivo volume desses são tantas particularidades de grande importância para a clinica. Os cancros são mui ricos em vasos e estes, constituídos unicamente por capil- lares, serpeiam nas trabéculas do tecido conjunclivo, que representa o stroma. Em duas grandes classes se têem dividido os cancros e esta divisão, estribada na forma e disposição das cellulas, ainda se baseia, segundo alguns pathologistas, no seu modo de desenvolvimento : estas duas classes comprehcndem os cancros ordinários e os cancros epitheliaes ou epithc- liomas. Digamos algumas palavras sobre ellcs. ■ O carcinoma ordinário, carcinoma glandular de Rindflcich, é constituído por um stroma reticulado com pequenas lacunas, onde se encontram as cellulas: se ha predomínio do stroma, clle recebe o nome de scirro ou cancro fibroso; se é o sueco que predomina, temos o cancro medullar ou encephaloide. Ainda se pode observar uma terceira especie, é o cancro tcleangiectasico ou fungas llemalodo. O carcinoma medullar, ainda deno- minado cancro molle ou ccllular, produz cellulas n'uma quantidade enorme, as quaes contém núcleos volumosos com nucleolos brilhantes e formam cylindros munidos de appendices. « Nestes cylindros, diz Rindflcich, os «limites dos differentes elementos não se vêcm mais:.as cellulas são des- «providas de membrana própria e seus protoplasmas immedialamente «justapostos parecem reunidos numa massa continua:» O stroma é constituído por tecido conjunclivo e as suas trabéculas, onde se notam muitas cellulas fusiformes, circumscrevem cavidades ovalares. O encepha- loide é de todos os cancros o que possue maior malignidade. - O carcinoma scirroso ou chondroide se distingue pela sua duresa e consistência e, quando cortado, grita debaixo do escalpello: o seu stroma é formado de feixes 39 conjunctivos extremamente espessos e as cellulas são em quantidade di- minuta. Quanto ao fungus hematodo, elle é muito mol'e e de uma côr avermelhada; o seu stroma é excessivamente delicado e o seu sueco é for- mado de um liquido analogo ao sangue. Ha, neste tumor, producção exa- gerada de vasos que, segundo Cornil,. offerecem dilatações de formas diversas. O carcinoma epithelial comprehende duas especies, que dependem geralmente da séde do seu desenvolvimento: são o cancro epithelial pavi- menloso e o cancro epithelial cylindrico. O primeiro, também chamado cancroide e cancro epidérmico, fôrma um tumor compacto, esbranquiçado e mui pobre de sueco; mas, segundo Uhle e Wagner, elle apresenta-se quasi sempre sob o aspecto de uma infiltração diffusa. « Examinando a « eslructura do tumor, diz Rindíleich, acha-se que a sua massa principal « é precisamente formada por conglomeratos ccllulares, de fôrma cylin- « drica, chamados cones epitlieliaes.» Na peripheria dos cones existem cellulas pequenas e o seu interior é completamente cheio por cellulas epi- theliaes pavimentosas, no meio das quaes se encontram os globos epidér- micos. O stroma é constituído por alvéolos voltados para a superfície do tumor e recorda a disposição de um favo de mel, segundo a comparação de Rindíleich. O epithelioma cylindrico é quasi sempre infiltrado, o seu stroma é pouco abundante e apresenta cavidades volumosas, onde se ani- nham as cellulas cancerosas: estas teem uma fôrma claramente cylindrica, mas á medida que approximam se do interior dos alvéolos, ellas tomam fôrmas variadas. 0 desenvolvimento do carcinoma, como o dos tubérculos, tom altrahido a attenção dos mais illustres pathologistas; mas ainda hoje as opiniões diversificam. Para uns o cancro ordinário e o epithelioma se desenvolvem do mesmo modo, procedem sempre do tecido conjunctivo: para outros estes dous neoplasmas são inteiramente distinctos e, emquanto o epithe- lioma provém sempre dos folhetos germinativos interno e externo, o car- cinoma ordinário procederia do folheto medio. A primeira opinião é sus- tentada por muitos pathologistas distinctos, entre os quaes se distinguem Virchow, Fõrster, Paget, Otto Weber e Recklinghausen ; mas a segunda conta também entre seus propugnadores pathologistas de cgual celebridade, 40 corno sejam Fiibrer, Frerichs, Remak, Billrolh, Waldeyer, Robin, Cornil, Uhle e Wagner, Thierscb, etc. Ao lado d'estas duas interpretações diver- sas Rindfieich sustenta que tanto o epithelioma como o cancro ordinário tem por ponto de partida o tecido epitbelial. Em vista de tacs divergências ser-nos-ha difficil decidir onde se acha a verdade; mas, attentando para o desenvolvimento normal dos tecidos, nos parece que a opinião de Rind- fieich não é destituída de fundamento. «A immensa maioria dos carcino- «mas, diz elle, emana primitivamente das superfícies cpitbeliaes da pello « ou das mucosas, ou das glandulas secretorias, e repousa sobre uma « anomalia de crescimento do tecido epilhelial.» Estudemos em primeiro Jogar o desenvolvimento do cancro ordinário. « E' sempre nas cellulas plasmaticas do tecido conjunctivo, diz Morei, « que o cancro toma nascimento; é sempre pela byperplasia efestes ele- « mentos que faz elle sua primeira apparição.» « A subdivisão repetida dos « corpúsculos conjunctivos, ajuntam Uhle e Wagner, dá primeiramente « nascimento a cellulas indifferentes, que persistem n'este estado ou tomam « mais tarde formas mais caracterisadas. » Para estes patliologistas é o tecido conjunctivo que engendra o carcinoma; já dissemos, porém, que esta opinião não nos parece fundada. A ração principal que nos leva a re- geital-a é que os folhetos germinalivos nunca se misturam durante o des- envolvimento fetal e seria pois inverosímil, como observa Thiersch, que formações epithelioides podessem derivar de partes procedentes do folheto vascular. E demais, quando um cancro se ha proliferação do tecido conjunctivo; mas nunca as suas cellulas se transformam em cellulas cpitbeliaes. O carcinoma tem, portanto, o epithelio por ponto de partida; « o seu processo fundamental, como diz Rindfleich, consiste cm uma ve- « getação epitbelial, que invade o tecido conjunctivo sub-epithelial das « diíferenles membranas ou o tecido conjunctivo intersticial das glandulas.» O cancro ordinário deriva da multiplicação por divisão das cellulas epi- theliaes: estas, enchendo as cavidades dos canaliculos e acini correspon- dentes, os transformam assim em massas cellulares solidas, que se pro- jectam em todas as direcções, invadem o tecido conjunctivo e se alojam, sol forma de cones ou cordões, nos intervallos, que resultam do affasta- mento de seus feixes. E' assim que se desenvolvem tanto o cancro encc- phaloide, como o scirro: este só differe dJaquelle, como vimos, pela es- pessura maior de seus tabiques e pela menor quantidade de suas cellulas. Pensa, porém, Rindfleich que o cancro fibroso pôde invadir o tecido con- 41 junctivo ambiente: existem n'este tecido cellulas globulosas, que nada mais são que leucocytos emigrados, que se transformam em cellulas can- cerosas, por uma infecção epithelial, Não acreditamos que este phenomeno se produza, nem lhe achamos necessidade alguma, tanto mais quanto esta infecção epithelial nos parece alguma cousa metaphysica. Os epitheliomas se geram por um mechanismo analogo: elles come- çam pela rede de Malpighi, cujas cellulas epitheliaes proliferantes formam prolongamentos em forma de massa, que penetram na profundidade da membrana. Tem-se observado, demais, que as glandulas sebaceas e as glandulas sudoríparas concorrem á formação dos epitheliomas cutâneos, como as glandulas tubulosas da mucosa digestiva entram na constituição dos epitheliomas da mucosa. Segundo Klebs, são estas glandulas, que re- presentam o principal papel no desenvolvimento do epithclioma cylindrico. 0 carcinoma, uma vez formado, vae crescendo progressivamente e soffre varias modificações O seu crescimento é ao mesmo tempo central e peripherico: o primeiro faz-se por multiplicação por divisão das cellulas já formadas, o crescimento-peripherico resulta da formação de novas cel- lulas. Já vimos que Rindíleich admitte que as cellulas migrateis, appondo-se ás extremidades dos prolongamentos epitheliaes, podem augmentar-lhes o crescimento. Depois de uma duração mais ou menos longa, a maioria dos cancros experimentam metamorpboses diversas e algumas de tal ordem que mudam- lhes o verdadeiro caracter, podendo até confundil-os com outros neoplas- mas. A metamorphose a mais ordinaria é a degenerescencia granulo-gor- durosa, que começa geralmente pelo centro do tumor e dá-lhe uma colo- ração amarella. Por vezes os pontos degenerados são seccos e friáveis e se assimilham aos tubérculos caseosos : outras vezes o tumor se amollece e reveste a apparencia do pus ou da manteiga: rf estes casos ha destruição das cellulas e formação das cavernas cancerosas. A reabsorção do detritus gorduroso produz o carcinoma atrophico ; a sua ossiíicação dá logar ao cancro osteoide. Raramente se tem observado a calcificação das cellulas cancerosas. O amollecimento do carcinoma, que tem por causa perturbações da circulação, occasiona a ulcera cancerosa c por vozes a suppuração. A ul- 42 cera cancerosa, que sempre se observa no carcinoma das membranas, principia por uma simples erosão, que se extende e se aprofunda de um modo progressivo : ás vezes, porém, ha mais de uma erosão e todas pro- gridem e afinal se reúnem. Irregulares e anfractuosas, offerecendo quasi sempre um aspecto repulsivo, cobertas de excresccncias fungosas, as ul- cerações cancerosas excretam um liquido puriforme, ás vezes sanguinolento e dotado de um cheiro fétido. As dififerentes especies de cancros, sobre que temos nos occupado, apre- sentam variedades, que não devemos calar : mencionemos as mais impor- tantes. O cancro colloide é uma variedade do cancro grandular: « é um « tumor molle, como diz Rindíleich, o qual offerece a consistência de uma « geléa tremula, perfeitamente translúcida e tem a côr clara do mel fresco.» O seu stroma é constituído por uma rede, cujas malhas ou alvéolos são regularmente arredondadas e se acham quasi totalmente cheias de globos colloides: elles resultam seguramente de uma mctamorphose das cellulas carcinomatosas. - Ao epithelioma pavimentoso se ligam como variedades o cancro papillar e o cylindroma de Billroth: o cancro villoso é um epithelioma cylindrico. A carcinoso, ainda mais que os tubérculos, se generalisa em todo o or- ganismo e se pôde dizer, de um modo geral, que não ha um só tecido orgânico que escape á sua acção destruidora: segundo Uhle e Wagner, só as cartilagens e as membranas interna e media das artérias são por ella respeitadas. A pelle é muitas vezes a séde do carcinoma epithelial: mas elle occupa quasi sempre os logares em que ella se continua com a mucosa; é, pois, nos lábios, no anus, nas palpebras, no prepucio e na vulva em que elle se desenvolve. Quando o cancro nasce nos outros pontos da superfície eutanea, é sempre secundário e substilue-se á outras producções patholo- gicas. O epithelioma cutâneo reveste quasi sempre a fórma papillar ou cicactrisante. Esta ultima variedade, chamada vulgarmente lichen roedor, observa-se principalmente na face dos velhos. A mucosa soffre em grande eschala a acção desorganisadora da diathese cancerosa e seus productos não só se manifestam na mucosa digestiva, como lambem na mucosa respiratória e genito-urinaria. O cancro da mu- 43 cosa digestiva se pode observar cm qualquer ponto da sua extensão e acarreta desordens mais ou menos graves em toda a economia. O carci- noma da bocca ataca de preferencia a língua; é um epithelioma pavimen- toso, que começa pelos bordos do orgam e determina rapidamente a sua destruição. E' a mesma especie de epithelioma, que se observa no oesopha- go: elle occupa commumente o seu terço medio, reveste uma forma annular e a sua ulceração occasiona accidentes desastrosos: o estreitamento do con- ducto produz a dysphagia, a sua perforação fal-o communicar-se com o bron- chio esquerdo e, quando o cancro extende-se ao mediastino, pôde ter logar um emphysema geral sub-cutaneo. Barret viu um carcinoma do oesophago occasionar uma aphonia completa por atrophia do recurrente e Pfeufer observou vomitos de sangue por invasão e perforação da aorta. Quando o carcinoma desenvolve-se no cardia, o que é mais raro, ha quasi sempre maior ou menor difficuldade da deglutição. - O estomago é um dos orgãos em que mais vezes a carcinose se localisa e ahi se encontram diversas especies de cancro, como sejam o epithelioma cylindrico, o cancro ence- phaloide, o fibroso e o colloide ou areolar. Todos estes cancros nascem na mucosa propriamente dieta e, como demonstrou Waldeyer, são as glân- dulas muciparas e pepticas que se constituem o fóco primitivo do neoplasma. O cancro molle, o colloide e o scirro começam pela pequena curvadura do estomago, o cancro cylindro-epithelial assenta-se geralmente no pyloro: todos elles terminam por ulcerar-se e esta ulceração, rapida no cancro encephaloide, é mui demorada no colloide, que tem maior tendencia em extender-se. O epithelioma cylindrico, que reveste a forma de um polypo globuloso maior que um ovo de pomba, obstruo o pyloro, oppõe um obstáculo á passagem dos alimentos e veda consequentemente a digestão intestinal: os outros propagam-se geralmente ao peritoneu e trazem após si consequências perniciosas. «A degenerescencia do peritoneu, diz «Rindíleich, acarreta forçosamente a rigidez e o encurtamento do mesen- «terio e, portanto, as perturbações as mais graves no movimento peris- « taltico. De mais, os orgãos abdominaes contrahem ordinariamente adhe- «rencias mui intimas uns com os outros; o intestino delgado é reunido «n'uma massa globulosa, na qual o canal intestinal forma um verdadeiro «labyrintho, que é quasi impossível dissecar.» Jaccoud admitte a existên- cia no estomago do cancro villoso e do cancro melanico: este não pôde constituir uma especie; pois resulta de uma infiltração pigmentar, que póde dar-se em todos os neoplasmas. - O intestino é atacado das mesmas 44 especies de cancros, que notamos no estomago: elles tem «a sua séde « quasi exclusiva, como diz Niemeyer, no grosso intestino e, antes de tudo, em sua parte inferior, no S-iliaco e no recto.» O cancro glandular occupa quasi sempre o colon; mas pode observar-se no rectiun e é na parto infe- rior d'este que apparece o epithelioma pavimentoso. Estreitamento e perfo- ração do intestino, communicações anormaes são, entre outras, as conse- quências da neo-formação. Além do epithelioma das alas do nariz, o cancro encephaloide desen- volve-se nas fossas nasaes: «penetrando no antro de Ilighmore, diz «Rindfleich, e dilatando o maxillar superior, elle constitue uma das varie- dades do carcinoma deste osso.» O cancro do larynge é excessivamente raro; alguns factos, todavia, foram observados por Louis e Trousseau: a aphonia e a asphyxia são as suas consequências e, por vezes, fragmentos de cartilagem são expulsos pela cxpectoração. No mesmo caso estão os cancros da trachéa e, como diz Valleix, é uma affecção rara, obscura e que não apresenta symptomas particulares. A mucosa genito-urinaria é invadida muitas vezes pelos productos da carcinose e a mucosa uterina é, talvez, a séde de sua maior predilecção. «Mais da metade de todos os cancros uterinos, diz Rindfleich, são epi- theliomas, os quaes emanam ou da mucosa do canal cervical ou da «porção vaginal;» algumas vezes, porém, observam-se verdadeiros car- cinomas glandulares, que são, segundo Niemeyer, o encephaloide, o scirro o o cancro gelatinoso. O epithelioma, corroendo c destruindo as paredes do utero, transforma-o n'uma cloaca, onde tem logar uma decomposição pútrida horrivelmente infecta e, mais tarde, produzem-se fistulas reclo- vaginaes ou vesico-uterinas e finalmente a perilonite, que vem pôr um termo a esto estado lamentoso. O cancro molle, segundo Niemeyer, pôde provocar os mesmos resultados, que são mais raros no scirro. O carci- noma da bexiga não é commum; ora observa-se o encephaloide, ora o cancro fibroso e as mais das vezes o carcinoma villoso: elles podem per- forar o orgam e, neste caso, communicações se estabelecem entre elle e a vagina, o utero ou o rectum. As membranas serosas não são quasi nunca aflectadas primitivamente pela diathese cancerosa e os cancros, que n'ellas se encontram, são-lhes propagados pelos orgãos circumvisinhos. Os symptomas são os mesmos da tuberculose. Diflicil é explicar-se a formação dos carcinomas ósseos sustentando, 45 como o temos feito, a opinião de Rindfleich; não lia segurameate no osso cedidas (pie offereçam analogia com as cellulas epilheliaes. Poderíamos suppôr que todos os carcinomas do syslema ósseo resultassem de uma infil- tração em seu tecido de cellulas cancerosas emanadas de um cancro visinho: este facto é com eífeito muitas vezes observado e os cylindros cancerosos penetram nos canaes de Havers e atrophiam os territórios nutritivos inter- mediários do tecido ósseo. Neste caso deveríamos admittir que não ha carcinoma primitivo do osso, o que estaria em contradicção com as obser- vaçõs anatem o-pathologicas. Admitliremos uma infecção epitheliul das cellulas medullares, como suppõe Rindfleich? Já dissemos que não com- prehendemos similhanle infecção e elementos epilheliaes não pódem derivar de elementos, que emanam do hcemoblasto. A unica hypo- these que nos parece provável para a explicação deste facto é a que Tliiersch sustenta; para elle, todas as formações epithelioides que se des- envolvem em parles, que, como os ossos, derivam do folheto vascular, resultam de uma emigração de jovens cellulas procedentes do neuroblasto : admittido este fado, a formação do carcinoma ósseo torna-so de facil com- prehensão. E não poderia provir do epithelio vascular? O cancro do osso é sempre o encephaloide: desenvolvendo-se na medulla ou no periosteo, elle cresce rapidamente e atlinge um volume considerável, como se vô no cancro osteoide da extremidade superior do femur. Nos ossos da cabeça, o cancro se apresenta em forma de núcleos, que progridem com rapidez occasionando a perfuração das duas taboas ósseas: elle reveste, ao con- trario, a fórma diffusa nos ossos da bacia. O carcinoma do encephalo emana quasi sempre da pia-mater e dos plexos choroides. Ilenle e Rindfleich observaram que cada papilla do plexo cho- roide se compõe de um espesso revestimento de cellulas epilheliaes polye- dricas, que lormam duas ou tres camadas. Estas cellulas, que parecem existir lambem na face interna da pia-mater, têem uma tendência pronun- ciada, como diz Rindfleich, em produzir cellulas epilheliaes de uma fórma mais elevada e são ellas seguramente o ponto do partida do carcinoma ce- rebral. Algumas vezes, é verdade, cancros se geram na massa nervosa que não se podem ligar a uma invasão epilhelial da pia-mater; mas, n'estes casos, elles são evidentemente metastalicos e applicados sobre as paredes dos vasos. Occasiões ha em que o cancro é secundário e deriva as mais das vezes, como diz Jaccoud, do carcinoma do olho. Podendo adquirir um volume considerável, o carcinoma do encephalo não só determina a des- 46 truição da substancia nervosa, que soíTre a degenerescencia gordurosa, mas também corróe e perfora as meninges e os ossos cranianos e vem surgir no exterior. Accidenles mais ou menos graves resultam d'esta desorgani- ção e os phenomenos morbidos, que a seguem, variaveis segundo a sède do neoplasmo, são inteiramente similhantes aos que se notam na tubercu- lose. - A pia-mater é também o ponto de partida da carcinose da medulla; mas por vezes é dos corpos das vertebras que o cancro medullar se ori- gina. Gomo no encephalo, é o encephaloide que mais vezes se observa; mas aqui, como lá o scirro e o colloide se podem egualmente desenvolver. A destruição da medulla se accompanha aqui de symptomas analogos aos que indicamos, quando tractamos da tuberculose espinhal. Não ha uma só glandula da economia que não seja susceptivel de soffrer a acção perniciosa da carcinomatose: não é intenção percorrel-as todas; o que seria um estudo sobre-modo extenso e, por esta rasão, nos limitaremos ás mais importantes. - As mammas são indefectivelmcnte as glandulas prcdilectas da carcinose e só o estomago e o utero lhes podem disputar a palma. O carcinoma encephaloide da glandula mammaria pro- vém da hyperplasia das cellulas epitheliaes, que enchem completamente as cavidades dos acini, que formam assim cones epitheliaes solidos, que se adiantam e se cravam no tecido connectivo: d'ahi resulta um tumor volu- moso e molle, que acaba por ulcerar-se. Afora o cancro medullar, encon- tram-se ainda no seio o carcinoma simples de Fõrstcr, o carcinoma cica- trisante ou atrophico de Billroth e o cancro gelatinoso. O carcinoma simples ( cancro reticulado de Miiller) começa pela formação de um pequeno tumor profundo, duro e as mais das vezes indolente, cuja marcha ê mui demo- rada. « Em rasão da proliferação das cellulas do tecido conjunctivo, diz « Billroth, que faz-se ordinariamente por focos isolados, formam-se ao « principio grupos de pequenas cellulas redondas, pelas quaes as fibras do « tecido conjunctivo são apartadas umas das outras e em parte destruídas.» Estas cellulas, uma vez formadas, crescem consideravelmente e tomam finalmente todos os caracteres das cellulas cancerosas. Billroth, como se vê, pensa que este neoplasma deriva do tecido connectivo; mas, comquanto seja inegável esta proliferação das cellulas do tecido conjunctivo, nós cre- mos que o cancro simples procede da multiplicação das cellulas epitheliaes glandulares. Esta hyperplasia epithelial foi verificada pelo iilustre professor da Universidade de Bonn e é ella que, para nós, constitue o seu caracter essencial. Quanto ao carcinoma atrophico, considerado por Billroth e Rind- 47 íleich, como um verdadeiro carcinoma, não o julgamos digno desimilbante qualificação. Este neoplasma resulta decididameníe do tecido conjunctivo, as suas cellulas attingem apenas o terço do volume de uma cellula carci- nomatosa, a sua marcha è consideravelmente lenta, não determina a dete- rioração geral do organismo e, quando extirpado, raramente é seguido de recidiva: estes caracteres são por demais sufficientes para que o excluamos da classe dos verdadeiros cancros. Abraçando n'este ponto as ideias de Wernher, nós o consideraremos como uma cirrhose ou sclerose do seio. O cancro do pulmão, excessivamente raro, é quasi sempre secundário e muitas vezes se desenvolve depois da extirpação de um tumor externo, como o cancro do seio, por exemplo. Quando é primitivo, elle se apre- senta sob a fôrma de infiltração e, ríeste caso, é sempre o cancro molle que se observa; quando secundário, elle é constituído por pequenos nú- cleos de grossura variavel: mas tanto aqui, como lá elle parece, como diz Graves, a um cerebro arlificialmente endurecido. A's vezes o epitbelioma é encontrado nos pulmões; mas é sempre secundário. Quasi nunca rouba-se o fígado ás manifestações da diathese cancerosa ; mas, se o cancro hepático póde ser primitivo, mais dos tres quartos são evidentemente metastaticos c resultam quasi sempre de embolias cance- rosas da veia porta ou da artéria hepatica: Naunyn observou casos de carcinomas do fígado que provinham de tumores renaes da mesma naturesa. O cancro do orgam hepático é disposto em núcleos ou em infiltração dif- fusa e n'este ultimo caso elle provém da proliferação das cellulas hepaticas, que se convertem em cellulas carcinomatosas. E' mais difficil demonstrar de onde procedem as cellulas do carcinoma em núcleos; mas ainda aqui não cremos que as cellulas hepaticas sejam extranhas á sua formação. Frerichs demonstrou que no cancro medullar do fígado as massas cance- rosas, que occupam os espaços interlobulares, penetram no interior dos lobulos visinhos, o que parece indicar que a morbiformação teve por ponto originário as cellulas hepaticas; e o que nos leva ainda mais a esta con- clusão é que esses lobulos se fundem directamente com os núcleos cance- rosos, Este facto, porém, não é tão evidente quando lançamos os olhos sobre o scirro do fígado ou sobre o cancro radiado. As cellulas hepaticas parecem, na verdade, extranhas á formação do scirro; cilas se agglome- ram em torno do núcleo canceroso e dir-se ia que, em vez de favorecer- lhe o crescimento ulterior, antes o impedem; mas isso não prova que não fossem ellas que dessem origem á neoformação. Quanto ao cancro radiado, 48 a sua disposição depende de que os capillares são obstruídos, até nas veias super-hepaticas, por cellulas cancerosas. A existência de cellulas hepaticas nos grossos feixes do stroma parecem indicar que não são ellas que en- gendram as cellulas carcinomatosas: ve-se perfeitamente que estas estão depostas nas cavidades dos vasos, cujas paredes cercam os núcleos cance- rosos. A não admittir-se que o neoplasma resulte de êmbolos cancerosos capillares, que proliferam no interior dos vasos, se não póde atlribuir a sua existência sinão á multiplicação das cellulas epitheliaes dos proprios vasos. As observações de Thiersch e Buhl parecem demonstrar que o epilhelio vascular é susceptivel de proliferação e Fetzer sustenta até que quasi todos os carcinomas hepáticos, quando secundários, se formam no interior dos vasos. Segundo Jaccoud, ainda se pódem encontrar no fígado o cancro alveolar, o cancro teleangiectasico e o epithelioma. -Não faz-se mister dizer que todas estas neoplasias produzem symptomas analogos aos que se no- tam na tuberculose hepatica. Observam-se no rim todas as especies de carcinomas, ora primários e ora secundários. O cancro encephaloide primordial, comquanto seja raro, é o que merece mais attenção não só pelo volume colossal, que adquire; mas também pelas perturbações, que provoca: Waldeyer demonstrou que elle provem da hyperplasia e metamorphose das cellulas epitheliaes dos canaes uriniferos. O cancro renal, pela sua riquesa em vasos sanguíneos, revestem quasi sempre a fórma do fungus hematodo e é, por este facto, susceptivel de hemorrhagias mais ou menos abundantes. A sua propaga- ção ás vias urinarias occasiona a hematúria e, quando os rins se des- truem, a uremia prorompe. Por vezes elle se extende até a veia cava infe- rior, onde se fórma um thrombus, de onde resultam embolias pulmo- nares. Os cancros do testículo e do ovário apparecem geralmente sob a fórma medullar. Birch-Hirschfeld demonstrou que o carcinoma testicular deriva da proliferação das cellulas epitheliaes dos canaes espermaticos: quanto ao carcinoma ovarico, elle tem seguramente por ponto de partida o epithe- lio do ovisaco. Rindfleich, seguindo as ideias, de Kõster que sustenta que as cellulas cancerosas provem das cellulas endotheliaes dos vasos lympha- ticos, pensa que o cancro do ovário resulta da proliferação d'estas cellulas; mas nós não podemos abraçar esta opinião. Como viemos de ver, a carcinomatose se manifesta em todas as glându- las e, traclando das principaes, mostramos que em todas ellas é sempre 49 as cellulas epitheliaes que, pela sua multiplicação e metamorphose, dão nascimento aos elementos especiaes do cancro. Vejamos agora se elle púde egualmente manifestar-se nas glandulas lymphaticas. Não há duvida algu- ma sobre a existência de cancros rfestas glandulas; mas o que também está verificado é que nunca são ellas a séde primordial d'estes neoplasmas; mas que elles sempre resultam de immigração de cellulas cancerosas. Não há quem não tenha observado que, quando um carcinoma cpi thclial desen- volve-se num ponto qualquer da pelle, como nos lábios por exemplo, os ganglios lymphaticos circumvisinhos se engurgitam e tornam-se mui volu- mosos: é que cellulas cancerosas foram pelos vasos lymphaticos transpor- tadas até elles, e são estas cellulas, que, depondo-se nos seios ou lacunas lymphaticas, fórmam, pela sua proliferação, os cylindros epitheliaes. O mesmo phenomeno se observa consecutivamente ao cancro ordinário. «Segundo numerosas experiencias feitas a este respeito, diz Rindfleich, « eu posso aífirmar que a metamorphose da substancia lymphadenoide em «tecido canceroso glandular opera-se por um mechanismo muito simples: «as trabéculas do reticiilum se allongam e se espessam como na indura- « ção chronica; as malhas adquirem um volume dez a vinte vezes mais « considerável e encerram, em vez de corpúsculos lymphaticos, cellulas « cancerosas. O tecido lymphadenoide parece pois transformar-se directa- « mente em carcinoma: o reticulum torna-se stroma eos corpúsculoslym- «phaticos se mudam em cellulas cancerosas. » Ainda aqui nós accredita- mos que são as cellulas carcinomatosas immigradas o ponto de partida do carcinoma lymphadenoide; são ellas que, pelas suas subdivisões, constituem o neoplasma. Se isso é verdade, podemos ainda repetir que o cancro, em qualquer tecido que se desenvolva, resulta sempre d'uma hyperplasia epi- thelial. As causas da carcinose já nos são conhecidas; mas devemos ajunctar aqui que o cancro, como o tubérculo, é evidentemente inoculavei. Uni principio contagioso, como diz Virchow, fórma-se no fóco carcinomatoso e propaga-se ás partes visinhas seguindo o curso dá lympha, que vem do ponto alterado. Quanto mais molle for o cancro e, portanto, quanto mais rico em cellulas, tanto mais facilmente se extenderá no organismo. Esta propagação se faz por transporte de cellulas cancerosas do ponto affectado 50 ao tecido são e este transporte se effectua por intermédio dos lymphaticos; há, porem, numerosos cisos, como confessa Virchow, cm que esta infec- ção por cellulas destacadas não póde ser admittida. «Parece provável, diz elle, que, neste caso, os suecos absorvidos causam a generalisação do mal.» Aqui a absorção se não póde fazer, nem o cancro generalisar-se senão por intermédio do sangue; mas até hoje, como diz Rindfleich, e mau grado as investigações as mais assíduas, o exame do sangue ainda não demonstrou ifelle a presença de elementos cancerosos: e não poder-se-ia admitlir a existência do um vírus? Cumpre porem não perder de vista que a carci- nose é uma moléstia diathesica e que, portanto, a alteração do organismo é anterior ás suas manifestações: não é o carcinoma quem infecta o orga- nismo ; mas elle é o resultado de uma perverção previa da nutrição. Se as manifestações secundarias da carcinose se pòdem explicar por metas- lases, será mister presupôr um vicio orgânico afim de explicar-se o ap- parecimento do primeiro tumor e o vicio, que foi a causa d'este, poderá determinar o desenvolvimento de outros. 0 medico é sempre impotente diante da carcinose: ella segue a sua marcha fatal e destruidora e a morte é a consequência necessária d'esta alteração profunda, que imprime em toda a economia; mas se o pra- tico não póde snstar os seus progressos, se o indivíduo canceroso se acha condemnado a uma morte infallivel, elle tem o direito de exigir um alli- vio pelo menos para seus soffrimentos, allivio que o medico não lhe póde, nem lhe deve negar. Triste e desanimadora é, seguramente, aqui a posi- ção do medico! - elle conhece perfeitamente a moléstia, penetra no seu mechanismo intimo, na sua essencia, se assim nos podemos exprimir; mas todo esse cabedal luxuoso de conhecimentos em nada póde valer á salvação do doente. A sua sciencia só serve desgraçadamente á satisfação da vai- dade; mas será isso rasão para conservar-se impassível? Já dissemos em que deve consistir em geral otractamento das moléstias diathesicas; só dire- mos aqui algumas palavras sobre o tractamento cirúrgico da carcinose. O tractamento externo do cancro consiste em fazer desapparecer o neo- plasma e para isso póde-se recorrer ao bistouri ou aos cáusticos. Mas ha- verá utilidade n'esta operação? Muitos a contestam: e quando se reflectc que o tumor é manifestação de uma moléstia geral, quando se attende á 51 facilidade e á promptidão com que elle recidiva, quando se recorda que muitas vezes esta recidiva se faz sobre um orgam essencial á vida, é-se levado a regeitar inteiramente toda tentativa de extirpação ou destruição da neoplasia. Mas esta regeição absoluta de todo processo operatorio é cer- tamente infundada: se é de rigor não operar toda vez que a cachexia se estabelece, no começo da neoformação a destruição do tumor, não per- mittindo esperanças de cura, póde retardar a evolução da moléstia e pro- longar a vida do doente. Não entraremos em amplas considerações a este respeito; diremos apenas que a operação sanguinolenta é preferível geral- mente ao emprego dos .cáusticos. Logo que foi suggerida ao medico a in- dicação de intervir, elle deve recordar-se que o cancro, situado no seio de um tecido, não se distingue completamente d'elle e sua circumferencia se funde insensivelmente com o tecido ambiente: dahi deriva que «não con- «vém operar, como diz Billroth, senão nos tecidos sãos e affastar-se de «1 Vs a 2 centímetros, se isso é possível, da infiltração sensível ao toque; « pois só assim se está seguro de extrahir todas as partes doentes. » Quando o pratico julgar mais conveniente recorrer á cauterisação, o cáus- tico preferível, segundo Billroth, é o chlorureto de zinco; mas elle poderá escolher outro qualquer, como a massa de Vienna, a massa arsenical, a manteiga do antimonio, etc. etc. - Ultimamente Bliss (dos Estados-Unidos) apregoara o cundurango como especifico do carcinoma; más experiencias instituídas nos Estados-Unidos, em Inglaterra e na França vieram demons- trar a inutilidade deste medicamento, o qual, segundo Chernoviz, só pos- súe, quando muito, propriedades tónicas. III escrofulose.-Alguns pathologistas consideram a escrofulose e os tubérculos como oriundos de uma mesma dialhose e esta opinião, susten- tada por Graves, tem encontrado numerosos sectários, entre os quaes se distinguem II. Bennett e Bouchut; mas attentando a que os seus pro- ductos não se parecem com os da tuberculose, observadores illustres regeitam similhante assimilação. Billroth, Hardy, Rindfleich, Ulde e Wagner, Jaccoud, Basin, Niemeyer, Tardieu e muitos outros olham a escrofulose como uma moléstia inteiramente distincta da tuberculose e nós abraçamos estas idéas com a maior confiança. A diathese escrofulosa, como diz Billroth, não existe senão na infancia, 52 de dez a quinze annos, e o indivíduo strumoso offerece uma physiognomia especial, cujos traços, segundo o illustrado professor da Universidade de Vienna, se podem resumir assim: «Cabellos louros, olhos azues, pelle «mui alva com panniculo adiposo desenvolvido, lábios espessos, ventre « volumoso, appetite extraordinário, tendencia á constipação. » Não con- vém, todavia, considerar estes caracteres como invariáveis; porque, como observa Hardy, ha indivíduos escrofulosos de olhos e cabellos negros c muitas vezes, em vez de constipação e boulimia, ha inappetencia e diarrhéa. Alguns meninos escrofulosos, vivos e alegres, se fazem notar pelo desen- volvimento precoce da intelligencia; outros, ao contrario, toem a inteli- gência, cuita e são preguiçosos e taciturnos. Algumas vezes ha um cresci- mento anómalo do corpo, a estatura é mui alta ou mui baixa e, como diz Hardy, os anões e os gigantes são habitualmente escrofulosos. A diathese strumosa se manifesta por alterações que occupam tecidos diversos e são a pelle, as mucosas, o tecido cellular, os ganglios lympha- ticos, os ossos e as vísceras que soffrem a acção perniciosa desta dispo- sição mórbida da economia. Estas alterações, como dizem Uhle e Wagner, não apresentam nada de particular em si mesmas; são processos inflam- matorios de marcha lenta, que se terminam facilmente por suppuração e ulceração. «E' nos attributos constitucionaes do indivíduo affectado, diz «Jaccoud, é na espontaneidade apparente das manifestações, na lentidão «de sua marcha, em sua tenacidade obstinada, é em sua coexistência e « em sua successão que devem ser tirados os elementos do diagnostico. » As affecções cutaneas da escrofulose receberam de Basin e Hardy o nome de pscroftiUdes e pertencem todas ao grupo das dermiles: ellas offerecem certos caracteres geraes, cujo conhecimento é de alta importância para o clinico. Situadas profundamente na espessura da pelle, circumscriptas geralmente a uma região determinada do corpo, ellas teem uma côr violá- cea ou vinea, não provocam dor, prurido ou ardor e não são accompa- nhadas de reacção febril. As ulcerações, que as seguem, tendo as margens irregulares, molles e descolladas, ora, como diz Hardy, são fungosas e sanguinolentas, ora são cobertas de «botões carnosos, pallidos, molles, de «má naturesa, algumas vezes exuberantes.» As escrofulides dão sempre origem a cicatrizes indeleveis, ainda quando se não terminam por ulceração. 53 Basin divide as manifestações cutaneas da escrofulose em dòus grupos distinctos, as escrofulides malignas e as benignas: estas ultimas, taes como o eczema, o prurigo, etc., faltando muitas vezes nos individuos escrofulosos, observam-se em individuos indemnes desta moléstia e, por este motivo, não devemos consideral-as como verdadeiras escrofulides. As escrofulides malignas de Basin são as únicas, que merecem este nome; porque só cilas se ligam exclusivamente á escrofulose. Hardy as divide em cinco variedades, que são : l.a a escrofulide erylhematosa ; 2.a a cornea ; 3.a a pustulosa ; 4.® a tuberculosa; 5.a a phlegmonosa. Esta é a divisão, que vamos seguir. A escrofulide erylhematosa (erythema centrífugo de Biett) é caraclerisada por manchas redondas e luzidias, de uma côr violacea, desapparecendo momentaneamente pela pressão e dando logar a uma leve descamação do epiderma. EI la não é susceptivel de ulcerar-se e desenvolve-se quasi sem- pre no rosto e as mais das vezes no nariz; mas pode atacar os membros e o couro cabelludo.-A escrofulide cárnea ou acwma se apresenta sob a fórma de manchas violaceas e escamosas, similhantes ás que acabamos de mencionar; mas são asperas na sua superfície, asperesas que dependem de um accumulo de matéria sebacea dura nos orifícios entre-abertos dos con- ductos sebaceos: ellas se desenvolvem no rosto.-A escrofulide pustulosa ora começa pelo nascimento de uma multidão de .puslulas sobre uma placa vermelha, é o impetigo rodens de Batteman; ora começa por uma só puslula do tamanho de uma ervilha, é o rupia escrofuloso : a rotura das puslulas fórma, no primeiro caso, crostas amarellas e, no segundo, uma só crosta negra. Esta dermatite ataca ordinariamente o nariz, algumas vezes a face, raramente os membros.-A escrofulide tuberculosa ou lupus póde apparecer sob duas fôrmas differentes, constituindo o lupus exedens ou ulceroso e o lupus hyperthrophico. Este foi perfeitamente estudado por Cazenave e é caracterisado por saliências molles, indolentes e mais ou menos numerosas, que formam grupos diversos: occupando commumente as faces e os lábios, elle póde generalisar-se em todo o corpo e co stiluir o lupus disseminado. O lupus exedens principia como o antecedente; mas os tubérculos ulceram se promptamente. A ulcera, que se fórma, ora se extende em largura e ora em profundidade e, neste ultimo caso, a sua marcha é horrivelmente destruidora (lupus vorax): o nariz e os lábios são ordinariamente a séde de taes ulcerações. Huguier deu o nome de esthiomene ao lupus que se desenvolve na região vulvar: elle póde ser hyperthrophico, perforante ou serpiginoso.-Hardy chama escrofulide phleg- 54 monosa a pequenos abcessos cutâneos, que começam sob forma de pe- quenos tumores, que crescem pouco a pouco até adquirir o volume de uma nóz: estes abcessos, que se abrem em differentes pontos, transfor- mam-se afinal em verdadeiras ulceras escrofulosas. Algumas observações anatomo-pathologicas teem sido feitas ultimamente sobre o lupus. Elle é formado de cellulas pequenas e globulosas, estreita- mente reunidas por um cimento viscoso e nesta especie de parenchyma notam-se corpos ellipsoides, formados de grossas cellulas e contorneados em lodos os sentidos: estes corpos apresentam de um lado extremidades tumefeitas e por suas extremidades afiladas convergem todos para um ponto central commum. As cellulas do parenchyma provém do tecido connectivo e os corpos ellipsoides nada mais são do que glandulas sebaceas e sudoríparas degeneradas. « As inflammações escrofulosas das mucosas, diz Niemeyer, se mostram « de preferencia ao redor das aberturas naturaes e se communicam mui «facilmente á pelle circumvisinha, sobretudo quando esta ultima é hume- « decida pela secreção mórbida.» Todas as mucosas pódem ser affectadas no vicio strumoso; mas as alterações mais importantes são a ophthalmia, a otite, o corysa e o catarrho bronchico. A ophthalmia é excessivamente commum e começa de um modo traiçoeiro: ás vezes se reduz a uma simples blepharite ciliar; outras vezes, porém, acarreta desordens mais profundas. A inílammação extende-se á conjunctiva palpebral, que se co- bre de granulações e ao mesmo tempo affecta-se a conjunctiva ocular: neste caso a mucosa, como diz Vidal (de Cassis), « é coberta por feixes « de pequenas veias, que se dirigem para a córnea por sua pequena ex- « tremidade; antes de attingil-a, ellas parecem detidas por uma pustula « ou uma phlyctena.» Quando as vias lachrymaes são invadidas pela in- ílammação, um tumor lachrymal póde produzir-se que se terminará numa íistula : occasiões ha em que a córnea também se inflamma c a keratite, accompanhada de lagrymejamento e photophobia, póde occasionar altera- ções diversas. Ora pequenos abcessos ou leves ulcerações se formam sobre a cornea, ora se produz o nephelion, o albugo ou o leucoma. A's vezes um staphyloma se desenvolve; outras vezes dá-se a perforação da córnea, seguida da synechia da iris com atresia da pupilla ou então da extravasão de todo o conteúdo do olho. A ophthalmia escrophulosa, que muitas vezes é complicada de iritis, accompanha-se sempre de um eczema das faces. - A oí/íe é ordinariamente externa e caracterisada pela secreção de um 55 muco purulento, da surdez e de um eczema concomitante da região auricular: mas ella occasiona por vezes a perforação da membrana rio lympano, propaga-se á orelha media, determina a queda dos ossosinhos do ouvido e pôde coincidir com a cario do rochedo. - O corysa, mui fre- quente na escrofulose, essencialmente chronico e rebelde, conduz facilmente á ulceração da mucosa; d'ahi resulta o ozena e a extineção do olfacto. Elle é sempre accompanhado de um eczema do labio superior.-O ca- tarrho bronchico é sobre-modo perigoso, por isso que pôde extender-se ás ultimas ramificações bronchicas e provocar uma pneumonia catarrhal e a caseificação dos productos phlegmasicos. e o seu amollecimenlo dão nas- cimento a verdadeiras cavernas : é a phthysica escrophulosa.-Ainda se observam na moléstia, que nos occupa, alterações em outras mucosas : a do tubo digestivo ó muitas vezes a séde de uma leve inílammação compli- cada por affecções verminosas e nôs já vimos que as ulcerações da phthy- sica laryngéa ligam-se quasi sempre á diathese strumosa. Segundo Jaccoud, a mucosa genilo urinaria é mais poupada que as outras; mas a vulva in- flamma-se muitas vezes, torna-se granulosa e existe conjunctamente uma leucorrhéa abundante com eryíheina das coxas e das nadegas. As alterações do tecido cellular se traduzem por abcessos: ora se acham situados superficialmenle e formam pequenos tumores, que se abrem e que apparecem por vezes em quantidade prodigiosa; ora occupam a profundesa do tecido e tem, como diz Hardy, uma marcha insidiosa. Estes abcessos são geralmente chronicos, são abcessos frios. E' nos ganglios lymphaticos que se manifesta mais frequentemonte a diathese escrofulosa e as suas alterações, conhecidas pelo nome de alporcas, se assentam ordinariamente na região cervical, podendo desenvolver-se, todavia, em todos os pontos, onde existem ganglios. A lymphadenite stru- mosa é essencialmente chronica: ao principio da-.se uma divisão nuclear, com formação do novos elementos, das cellulas plasmaticas, que existem nos seios lymphaticos; mas, ao depois, os corpúsculos da lympha se hyper- throphiam, seus núcleos se dividem e subdividem e ha formação endógena de muitas cellulas: o processo consiste, pois, na multiplicação das cellulas estreitadas com hyperlhrophia e hyperplasia dos corpúsculos lymphaticos. Quando o neoplasma chegou a este ponto, os vasos sanguíneos glandulares são comprimidos e obliterados e a falta de nutrição acarreta a necrobioso e caseificação da glandula. Gomquanto possa haver, como diz Virchow, reabsorção completa do producto caseoso, a sua terminação mais ordinaria 56 consiste no amollecimento: é o que tem logar nas glandulas do pescoço.* « Quando toda a matéria caseosa é amollecida, diz Rindfleich, as partes « visinhas da glandula tecm tendencia a inílammar-se: esta inflammacão « prepara a saida do pus escrofuloso. » Logo que este se evacua, formam-se ulceras e trajectos íistulosos de difficil cicatrisação. Algumas vezes, como nos ganglios mesentericos, a terminação é outra ; ha reabsorção das partes liquidas e, ás vezes, calcificação ou petrificação dos ganglios; é a alteração strumosa d'estes ganglios que constituo a phthysica mescnterica, moléstia própria da infancia, á qual os auctores francezes dão o nome de earreau. A affecção dos ganglios bronchicos, seguida do seu amollecimento e ulce- ração, pode trazer após si todos os symptomas das verdadeiras cavernas pulmonares que se prendem á tuberculose. A localisação nos ossos da dialhese escropliulosa não é cousa rara e ora ataca os ossos na sua continuidade, ora ao nivcl das articulações. As lesões ósseas se traduzem pela periostite e pela osteite: a primeira depende da proliferação das cellulas da camada interna do periosteo ; quanto á osteite ella não é mais, como diz Billroth, do que « uma alteração chronica do « tecido conjunctivo intra-osseo, com dissolução ou fundição do osso. » A periostite quasi nunca existe só; ella é ordinariamente accompanhada de osteite; mas esta desenvolve-se só muitas vezes e começa então por uma osteomyelile, constituindo a osteite rarefaciente de Gerdy e Volkmann. Estas duas alterações do osso e maiormente a osteite dão nascimento a abcessos frios e, muitas vezes, a abcessos por congestão. Ranvier consi- dera a carie como essencialmente produzida pela degeneração gordurosa dos corpúsculos osseos e Billroth a confunde com a osteite; mas nos pa- rece, como quer Rindfleich, que o nome do carie deve ser reservado á ul- cera do osso. Se isso é verdade, a carie é uma consequência da osteite, a qual póde produzir também a mortificação ou necrose do osso. E' a carie vertebral, ligada á escrofulose, a que dá-se o nome de mal de Pott. - As alterações das articulações consistem principalmente em hydarthroses e tu- mores brancos. O tumor branco ou arthrite fungosa ataca as mais das vezes as articulações da bacia e do joelho e dá nascimento a abcessos pe- riarticulares, deformações e ankyloses mais ou menos completas. O tumor começa por uma aríhromeningito e a synovial se cobre de vegetações fun- gosas, que penetram na cartilagem e determinam-lhe a perforação e des- truição : ellas invadem então o tecido do osso e produz-se uma carie fun- gosa, que o destruo pouco a pouco. Algumas vezes o tumor branco tem 57 por ponto de partida uma osteite rarefacicnte das epiphyses articulares: outras vezes a synovile e a osteite começam ao mesmo tempo e se encon- tram afinal em sua marcha destruidora. Cumpre observar que a osteite stru- mosa termina-se frequentemente por metamorphose caseosa e que dá-se o nome do spina ventosa ou pedarthrocace á carie escrofulosa dos ossos curtos. As affecções das vísceras não são muito communs e, como diz Jaccoud, nada têem de especificas por si mesmas: ellas consistem na digenerescencia amyloide dos rins, na phthysica escrofulosa, na degenerescencia caseosa das capsulas supra-renaes e no testículo escrofuloso. Todas estas affecções, que passamos rapidamente em revista, não se desenvolvem em todos os indivíduos escrofulosos e occasiões ha em que a dialhese só se revela por uma d'estas affecções. Cumpre também recordar que todas ellas não apparecem no mesmo periodo da moléstia: ha umas que são precoces e outras demasiado tardias. Attendendo a este fado é que Basin divide a marcha da escrophulose em quatro períodos: no pri- meiro observam-se as alterações das mucosas e as escrophulides benignas; no segundo, as verdadeiras escrophulides: os tumores brancos, as osteites e caries e os abcessos por congestão pertencem ao terceiro periodo : no quarto, emfim, são as vísceras que se affectam. Esta divisão do illustrado dermatologista não é absolutamente verdadeira; mas força é confessar que os symptomas da escrofulose se succedem pouco mais ou menos na ordem, que viemes de indicar. Alguns pathologistas, e entre elles Niemeyer, admittem duas fôrmas de escrófulas, a escrofulose torpida e a escrofulose erectica c esta divisão, baseíada em alguns caracteres tirados do doente, não deixa de ter alguma utilidade para a indicação therapeutica. Nada tomos que ajunctar aqui sobre a etiologia do escrofulismo: as suas causas, já nós as vimos quando nos occupamos das diatheses em geral. Diremos todavia que alguns médicos, como Vingtrinier e Tourdc, olham a escrofulose como produzida por um miasma, a que West deu o nome do bronchina. Quanto ao tractamento, diremos, que além dos meios hygienicos 58 de subida importância, tem-se empregado com algum successo, entre outros, o oleo de figado de bacalhau e a hydrotherapia : o primeiro convém melhor á fórma erectica e é na fórma torpida que a applicação da hydrotherapia tem sido de algum proveito. As preparações iodadas e ferruginosas são de util applicação e Gubler e Basin aconselham o emprego da cicuta. IV syphilis. - Alguns pathologistas não consideram a syphilis como uma moléstia diathesica e o uso, como diz Bouchut, quer que só sejam taes as aiTecções « produzidas por constituições mórbidas de causa especial desco- « nhecida, não virulenta;» mas esta opinião não tem para nós grande valor. A syphilis reveste todos os caracteres, que imposemos ás moléstias diathesicas e o facto de ser virulenta não deve excluil-a do numero destas; porque, se assim fosse, a tuberculose e talvez a carcinose deveriam soffrer a mesma exclusão. A faculdade de ser contagiosa, pois o contagio pre- suppõe a existência de um vírus, não implica que uma moléstia não possa ser diathesica: o que caracterisa essencialmente a diathese, nós já o vimos, é a impregnação mórbida da economia, a sua transmissibilidade por herança e essa perverção nutritiva, que se traduz por alterações múltiplas de na- turesa idêntica. Está hoje demonstrado que a blennorrhagia e o cancro molle nada tem que ver com a diathese syphilitica: são moléstias puramente locaes, devidas seguramente á acção de um principio contagioso, as quaes pódem ás vezes complicar o verdadeiro cancro syphilitico; mas não teem a propriedade de inficionar o organismo, de provocar a syphilis constitucional. O cancro molle nunca pode transformar-se em cancro infectante, cada qual é produ- zido por um virus differente e esta opinião, emittida por Bassereau, é a fiel expressão da verdade e tem sido adoptada pelos melhores syphilogra- phos modernos, taes como Ricord, Rollet, Diday e muitos outros. A syphilis, como os tubérculos, a escrofulose e o cancro, ataca a maior parte dos tecidos da economia e as suas principaes manifestações locaes receberam de Ernst Wagner o nome de syphilomas. Qualquer que seja o tecido em que se desenvolva, o syphiloma resulta, segundo Virchow, da proliferação das cellulas plasmalicas; algumas vezes, porém* são os núcleos dos capillares que dão nascimento ao neoplasma e elle é constituído por nu- 59 cleos livres e por cellulas mui comparáveis aos leucocytos. Os núcleos e as cellulas, as quaes são quasi sempre uni-nucleares, estão encravados numa especie de stroma de tecido connectivo: as mais das vezes este tecido, em pequena quantidade, circumda cada elemento morphologico, que se vè insulado numa pequena lacuna; outras vezes elle é muito mais abundante que a massa cellular e póde dar-se 0 caso que muitas cellulas occupem uma só cavidade. O syphiloma ora pode constituir-se em verdadeiro tumor, ora se apresenta sob a fórma infiltrada ou diffusa. Depois de uma certa duração, que se não pode determinar de antemão, 0 syphiloma experimenta algumas modificações. A metamorphose mais commum é a digenerescencia caseosa dos seus elementos morphologicos, a qual pode ser accompanhada de uma leve degeneração gordurosa e este phenomeno, que começa no centro da neoplasia, procede seguramente da interrupção dos materiaes nutritivos e transforma 0 producto mórbido n'uma massa amarellada e secca. Esta metamorphose, porém, não se limita sempre a tão pouco: 0 amollecimento invade 0 neoplasma e ulceras e cavernas se produzem. Algumas vezes a substancia fundamental, como diz Rindíleich, soíTre a degenerescencia mucosa. Como nós já o dissemos, a syphilis se manifesta em quasi lodos os tecidos orgânicos e só os avasculares se esquivam á sua influencia preju- dicial. Não é intenção nossa examinar um a um todos os pontos em que a moléstia se localisa; o que, porém, não deixaremos de fazer é estudar succintamente as suas principaes manifestações locaos. A pelle, a mucosa, os ossos e as glandulas são os terrenos, em que a syphilis mais commu- mente germina; mas ella pode atacar os musculos e as membranas serosas. A primeira manifestação da syphilis faz-se ordinariamente na pelle ou na mucosa exterior e, quando não foi hereditária, ella occupa quasi sem- pre os orgãos genitaes; mas os dedos, os seios, os lábios, a lingua e o anus são muitas vezes accommettidos. Podemos ainda ajunctar que «ne- «nhum logar do corpo, como diz Niemeyer, possúe immunidade: por toda «parte onde o virus syphilitico chega n'um logar privado de epiderma ou «coberto de uma camada epidérmica mui delgada, desenvolve-se uma «induração syphilica primitiva.» E' esta induração primitiva que recebeu o nome de cancro duro, que não convém confundir com o cancro molle;1 60 por |ue este é uma moléstia venerea puramente local e aquelle o producto primordial de uma moléstia geral. O cancro duro, que indica sempre uma intoxicação syphilitica previa, começa por uma papula ou um nodulo consistente, mais ou menos volumoso: ao principio não ha ulceração; mas a exíoliação repetida do epithelio, que o cobre, o converte afinal cm uma ulcera arredondada, cuja base é dura, indolente e perfeitamente circum- scripta. Sem tendencia alguma ao phagedenismo, o cancro syphililico pode curar-se rapidame nte e passar desapercebido ao medico e ao doente: este facto explica a opinão d'aquellcs que, como Cazenave, admittem a existência de uma syphilis desenvolvida de chofre (d'emblée). Algumas vezes o virus venereo e o virus syphililico actuam concomitantemen- to sobre o mesmo logar e dá-se o desenvolvimento de um cancro mixto: d'ahi deriva a opinião dos unitistas, dos que sustentam, como Hardy e outros, que o cancro molle pode converter-se em cancrõ duro. Niemeyer admitte a existência de tres especies de cancro syphililico e todas tres, como a maior parte dos syphilomas, resultam da proliferação das cellulas do tecido conjunctivo: ellas constituem o cancro superficial, o ulcus elevatum e o cancro hunteriano ou ulcus vallatum; o primeiro se apresenta sob a forma de uma placa delgada, o segundo tem um fundo calloso mais ou monos espesso e proemina acima do nivel da pelle (cancro proeminente), o terceiro, emfim, tendo uma placa dura por base, é orlado por um bordo calloso. Algum tempo depois da apparição do cancro e muitas vezes depois da sua cicatrisação, outras alterações se desenvolvem na pelle e as mais pre- coces são incontestavelmente os condylomas largos. Procedendo da hyper- plasia do corpo papillar, elles extendem-se mais em superfície e não de- vem ser confundidos com os condylomas acuminados, que accompanham por vezes a blennorrhagia. São elevações achatadas e redondas, na super- fície das quaes as papillas formam proeminências pouco elevadas: entre estas depõe-se uma matéria epithelial caseosa, como diz Rindíleich, que, pela sua decomposição, derrama um cheiro repulsivo. Algumas vezes os condylomas se rompem e dão logar a ulceras dolorosas e diíficieis de ser curadas. Elles se desenvolvem ordinariamente entre as nadegas, nos gran- des lábios, no escroto e na verga; extendem-se por vezes á face interna das coxas e, segundo Niemeyer, encontram-se raramente na commissura dos lábios e das palpebras, entre os artelhos, nos mamillos e por baixo dos seios pendentes. 61 As outras alterações impressas na pelle pelo vicio syphilitico receberam de Alibert o nome de syphilides; mas foi Biett quem primeiro as descre- veu com precisão e claresa. Este estudo foi depois proseguido por syphi- lographos distinctos, taes como Cazenave, Legendre, Bassereau, Ricord, Hardy, Vidal, Diday. Lenglebert? etc., e os attributos das syphilides estão perfeitamente conhecidos. Um dos seus caracteres mais importantes é cer- tamente a côr, que foi comparada por Fallope á carne do presunto e por Swediaur á côr vermelha do cobre. Esta coloração cúprea, dependente de pequenos extrasavatos sanguíneos e de modificações experimentadas pela hematosina, não se encontra nas syphilides recentes. Tem-se ainda obser- vado que ellas apresentam uma configuração circular ou em fragmentos de circulo e que nascem quasi sempre nos legares expostos ao ar ou que se acham em contacto com o periosteo. A ausência de prurido e de dor é lambem um signal, que merece a attenção do clinico e não menos impor- tante é por sem duvida o seu polymorphismo. As escamas são brancas e superficiaes e as crostas, espessas, adherentes, de um verde anegrado, apresentam na sua superfície eminências e asperesas, e que dão-lhes a simi- Ihança, segundo Hardy, de uma concha ou de uma casca de ostra. As ul- cerações são arredondadas, talhadas a pique e revestem, como diz Nic- meyer, a forma de uma ferradura de cavai o. Quando a syphilide se cura, ella deixa ordinariamente após si, na parte por ella anleriormente occupa- da, um pequeno deposito de pigmento e uma cicatriz inapagavel. Se podem dividir as syphilides em dous grupos distinctos: o primeiro comprehende as que resultam de um simples processo inflammatorio, são as syphilides precoces; no segundo collocam-se as syphilides tardias, ver- dadeiras neoplasias, ás quaes Verchow dá o nome de tumores gommosos e E. Wagner, de syphilomas nodosos. As syphilides precoses abrangem seis especies de alterações cutaneas e são : l.° a syphilide exanthematica; 2.° a papulosa; 3.° a escamosa; 4.° a pustulosa; 5.° a vesiculosa; 6o a bo- Ihosa. As syphilides tardias são, ao contrario, representadas por uma só especie, é a syphilide tuberculosa ou o lupus syphilitico. O exanlhema syphilitico, ainda denominado coseola, é caracterisado por erupções de pequenas manchas rosadas, que tornam-se mais tarde de um vermelho cúpreo. Segundo Vidal (de Cassis), elle é geralmente apyretico; muitas vezes, porém, como observam Bassereau, Hardy, Niemeycr e ou- tros, elle é accompanhado de uma reacção febril. A roseola desenvolve- se de preferencia no ventre, aos lados do thorax e na região inguinal e 62 constitue um dos symptomas mais constantes da sypbilis e que mais promp- tamente apparecem. - A syphilide papulosa ou lichen syphilitico é formada de manchas mais ou menos salientes, confluentes ou discretas, as quaes, depois de algum tempo, se cobrem de escamas alvas e finas, que se destacam e se renovam muitas vezes. As manchas se pódem apresentar sob a fórma de uma lente (syphilide papulosa lentícular de Hardy}', algumas vezes pequenas pustulas se fórmam no seu vertice, é acone syphi- litico. « A syphilide papulosa confluente, diz Valleix, occupa de preferen- «cia a face e o pescoço; a syphilide papulosa discreta se mostra princi- « palmenle nos membros, no sentido da extensão. » Hardy considera a syphilide cornea como uma variedade da papulosa: ella se assenta na pal- ma das mãos e na planta dos pés.--A syphilide escamosa, também cha- mada psoriaris, é constituída por manchas redondas e pouco salientes, co- bertas de uma delgada camada de escamas não imbricadas: « muitas vezes, «diz Niemeyer, formam-se na pello infiltrada fendas, de onde resultam « ulcerações.» A psoriaris syphilitica nota-se mais vezes no tronco e nos membros; mas nunca apparece nos joelhos e cotovelos, como a psoriaris vulgar: quando se desenvolve na planta dos pés ou na palma das mãos, ella produz fendas ou raghadas, que occasionam dores insupportaveis. -- A syphilide pustulosa é um symptoma mais tardio que os precedentes e as pustulas, que a constituem, são circumdadas por uma aureola côr de cobre. Notam-se aqui duas variedades distinctas, o ecthyma e o impetigo syphililicos e ambas pódem ser discretas ou confluentes. As pustulas do ecthyma são largas e umbilicadas e pela sua rotura formam crostas, sob as quaes se acham ulcerações mais ou menos profundas: quanto ao impe- tigo, as suas pustulas são pequenas; mas podem, como o ecthyma, occa- sionar ulcerações. Segundo Valleix, dá-se o nome de syphilide pustulo- crustacea ao impetigo confluente e ulcerado, coberto de crostras esverdea- das. A syphilide pustulosa póde' apparecer em qualquer parte do tegumen- to externo; mas é principalmente no couro cabelludo, na face e nos mem- bros que elle se desenvolve. - Hardy divide a syphilide vesiculosa em tres variedades, a syphilide varioliforme, a syphilide eczematosa e a syphilide herpetiforme. A primeira (varicelle syphilitica}, quasi sempre precedida de febre, é caracterisada por vesículas que nascem sobre manchas rubras e que se extendem a todo o corpo: depois de algum tempo estas vesículas se seccam c se convertem em crostas anegradas. As vesículas da syphilide czematosa são dispostas em grupos ou disseminadas e occupam o tronco 63 e os membros: as da syphilide herpiliforme são globulares e ora se reú- nem em grupos, ora «são arrumadas, como diz Hardy, umas ao lado das «outras de maneira a formar círculos, como no herpes circinado, ou an- «ncis concêntricos.» - Do mesmo modo que o ecthyma syphilitico, a syphilide bolhosa ou rupia pertence a um periodo adiantado da moléstia. Sobre uma porção de pelle de um vermelho livido nascem bolhas flàccidas cheias de um liquido opaco e por vezes sanguinolento : estas bolhas se rompem e formam crostas, mui similhantes a cascas de ostra, debaixo das quaes ulcerações existem, que segregam um liquido ichoroso. Estas ulce- ras são largas, profundas, cobertas de granulações e por vezes fungosas: ellas occupam geralmente a cabeça e os membros thoracicos; mas encon- tram-se egualmente em outras regiões do corpo. A Syphilide tuberculosa é um verdadeiro syphiloma e, como já o disse- mos, o seu apparecimento é tardio: ella é caracterisada pela formação de tubérculos, compostos de cellulas e núcleos, que procedem de uma proli- feração super-abundante das cellulas plasmaticas. Estes elementos soffrem geralmente a metamorphose caseosa, o tumor se amollece e se rompe e produz uma ulceração profunda, que póde revestir a fórma de uma fer- radura : cada ulceração é coberta por uma crosta espessa e de um verde anegrado. O lupus syphilitico póde ser disseminado (syphilide papulo-tu- berculosa de Basin) e póde ser constituído por tubérculos reunidos em grupos: a primeira variedade não é susceptivel de ulcerar-se. A face é a séde a mais ordinaria desse neoplasma e é sobre tudo na fronte que os tubérculos nascem, constituindo a coroa de Venus; mas elle se podem ainda observar no tronco, na região scapular, nos membros e até em toda a extensão da pelle. A ulcera do syphiloma cutâneo ora se propaga superficialmente (syphilide tuberculosa serpiginosa), ora destrue os teci- dos profundamente {syphilide tuberculosa perforante}. Ao lado das alterações syphiliticas da pelle devemos mencionar a alope- cia, que póde terminar-se n'uma verdadeira calvície, e a deformação e de- generação das unhas. Algumas vezes ha verdadeiro onyxis com ulceração da madre e queda da unha. As affecções syphiliticas das mucosas são variaveis e a que prorompe com maior promptidão é seguramenle o catarrho syphilitico, que nada 64 tem de especial: elle se traduz ora por uma laryngite, ora por uma angi- na, cuja séde principal são o veu do paladar e as amygdalas. Além do catarrho, a mucosa da bocca, do pharynge e do larynge é ordinariamente affectada de papulas, de ulceras, de condylomas e de tumores gommosos. As papulas se apresentam sob a fórma de saliências, mais resistentes e mais coradas que as partes circumvisinlias e o epithelio, que as cobre, toma logo depois uma coloração lactea e a sua eliminação deixa após si uma erosão sangrenta, que se converte em ulcera. Outras vezes as papulas, em vez de experimentar uma desagreggação molecular, são o ponto de par- tida de uma vegetação papillar e se transformam em condylomas. As ulce- ras não se extendem á profundidade dos tecidos e são constantemente serpiginosas: a sua séde ordinaria é, na bocca, o dorso e os bordos da lingoa; no pharynge, as amygdalas e o veu do paladar; no larynge, a epi- glotte e as cordas vocaes. Os condylomas fórmam excrescencias mais ou menos elevadas e occupam os mesmos pontos, onde se observam as ulce- ras : quando se desenvolvem no larynge, promovem quasi sempre uma tosse estridente, a rouquidão, a aphonia e por vezes a asphyxia. São os tumores gommosos ou os tubérculos da mucosa que maior perigo ameaçam e que determinam destruições as vezes sobre-modo horríveis. A caseifi- cação e o amollecimento destes neoplasmas produzem ulceras profundas e de uma marcha excessivamente desorganisadora. Aqui destruem comple- tamente a lingoa como uma ulcera carcinomatosa; alli corroem a uvula, perforam o veu do paladar e se propagam ás fossas nasaes; acolá atacam a epiglotte, as cartilagens do larynge, as cordas vocaes e todas estas des- truições mais ou menos profundas acarretam accidentes gravíssimos e por vezes a morte quer por asphyxia lenta, quer súbita e inopinadamente por um edema intercurrenle da glotte. Os ossos são commumente invadidos pela diathese syphilitica e muitas vezes, antes que nelles existam lesões apparentes, o doente sente dores vagas, que augmentam pela pressão, que se exasperam durante a noute e que por vezes se limitam a certos ossos.'Estas dores osteocopas dependem provavelmente, como pensa Niemeyer, de uma hyperemia do periosteo com edema inílammatorio; mas nós veremos que, em muitos casos, ellas se ligam a verdadeiras alterações do tecido osseo. 65 Os elementos morphologicos do syphiloma do osso são fornecidos ao principio pela camada interna do periosteo; mas é sobre-tndo a túnica adventícia dos vasos deste que produz o neoplasma. As numerosas cellulas e núcleos, que o constituem, se dispõem concentricamente ao redor dos vasos e são contidas n'uma substancia fundamental mui delicada e gelati- nosa. A tumefacção desta substancia, interposta ao periosteo e ao osso, de- termina o descollamento d'aquelle e produz consecutivamente a carie: outras vezes o neoplasma penetra nos canaes de Havers, atrophia e rarefaz a porção osseo correspondente e póde occasionar-lhe a necrose. O syphi- loma provoca osteites e periostites e a sua degenerescencia caseosa, se- guida de amollecimento, póde assimilal-o completamente á carie ou osteite escrofulosa. Além dos tumores gommosos, encontram-se nos ossos tumores duros, que provém de uma osteite ossiíicante ou osteoplaslica: estes tu- mores, denominados osteophytes, são no começo porosos e pouco adhe- rentes á superfície do osso; mais tarde, porém, elles se transformam em verdadeiras exostoses pela apposição de novas laminas ósseas. Conforme a opinião mais geralmente seguida, os osteophytes nascem na camada interna do periosteo; mas Biilroth sustenta que elles provém essencialmente do proprio tecido ósseo: n este ultimo caso resultam da vegetação do tecido conjunctivo, que cerca os vasos, e «esta neoplasia, como diz elle, saindo « dos canaliculos de Havers abertos na superfície do osso fornece os primei- «ros elementos, ao redor dos quaes se aggrega a nova massa ossea.» E' a esta excrescencia derivada do proprio osso que se deve referir a enostose de van der Haar. As dores osieocopas, dores por vezes horríveis a ponto de provocar a insomnia, dependem indefectivelmente desses tumores osseos e occupam ordinariamente a tibia e o craneo. - Cumpre ajunctar aqui que numerosas vezes as osteites e periostites, com todas as suas consequências devastadoras, não procedem de uma alteração primaria do osso; mas este é affectado secundariamente por propagação ao seu tecido de ulceras re- sultantes de gommas cutaneas ou mucosas. Qualquer que seja o seu ponto de partida, as alterações do osso acarretam desordens graves e ellas se assentam ordinariamente nos ossos da face e do craneo, no sterno, na tibia e na clavícula; mas, como diz Niemeyer, as destruições as mais hor- rendas são as que se produzem nos ossos do nariz e na abobada palatina. As alterações do nariz são por vezes accompanhadas de ozena, com corri- mento de um liquido sanioso, fétido, sanguinolento, ao qual misturam-se mais tarde fragmentos ou sequestros osseos. Biilroth e Kõlliker nos en- 66 sinam que a osteite condensante observa-se algumas vezes na syphilis: quanto á anostose excêntrica de Rruns, ella não é mais que uma osteite rarefaciente. As. diversas glandulas do corpo não são indemnes do vicio syphilitico, todas soffrem mais ou menos; porém só nos occuparemos das mais im- portantes. O fígado é por sem duvida a glandula que mais vezes padece e o sy- philoma hepático pode affectar, segundo Wagner, tanto a fórma diíTusa, como a fórma nodosa: Niemeyer admitte ainda a existência de uma peri- hepatite syphilitica. O syphiloma nodoso, cuja naturesa foi indicada por Dittrich, é constituído por tumores volumosos e insulados, brancos ou amarellados, caseosas e seccos, immersos num tecido connectivo consis- tente, irradiante e de aspecto fibroso: seus elementos morphologicos de- generados são circumdados pela substancia fundamental, que soffreu a degenercscencia mucosa. Algumas vezes o neoplasma é formado de tu- mores pequenos dispersos cm todo o parenchyma hepático; mas occupando sempre os espaços interlobulares. Esta neoformação deriva do tecido con- junctivo; mas póde egualmente provir das bainhas dos vasos sanguíneos e, segundo Rindfleich, também dos vasos lymphaticos. Raro é que o sy- philoma do fígado termine por amollecer-se. - Quando o neoplasma re- veste a fórma diffusa, porções extensas do orgam se convertem em um tecido firme e compacto e há por vezes obliteração completa dos ramos da veia porta: esta alteração offerece grande analogia com a sclerose hepatica e póde occasionar os mesmos phenomenos morbidos. O syphiloma do pulmão, como o do fígado, ora se apresenta sob a for- ma nodosa e ora diffusa: no primeiro caso é constituído por tumores ca- seosos e seccos, no segundo, por indurações intersticia.es assimilhando á sclerose. Algumas vezes póde dar-se o amollecimento do syphiloma, se- guindo-se-lhe todos os symptomas das cavernas pulmonares: é zphlhysica syphilitica. Schutzenberger observou symptomas cerebraes graves durante a syphi- lis constitucional e estes symptomas, que têem sido vistos por muitos ou- tros pathologistas e que Yvaren descreveu como transformações da syphilis, dependem seguramente da formação no encephalo de tumores gommosos. 67 Os syphilomas dos centros nervosos fórmam ao principio, segundo Luys, sa- liências na continuidade das paredes vasculares; mas quando adquiriram um certo volume, « elles se apresentam então, como diz o illustrado mi- «crographo, sob o aspecto de pequenas massas, ora adherentes no meio « dos tecidos ambientes e ora claramente destacadas.» Jaccoud affirma que é raro que o neoplasma occupe exclusivamenle o tecido nervoso e, para elle, ha lesão concomitante das meninges: segundo Luys, ora elle occupa a substancia cinzenta e ora a substancia branca. A formação das gommas encephalicas tem sido interpretada diversamen- te : para Jaccoud ellas derivam da nevroglia; mas Rindíleich sustenta que procedem das bainhas vasculares. Esta ultima opinião está de accordo com a presença do neoplasma indicado por Luys em derredor dos vasos e Rind- fleich faz observar ainda que, quando o tumor, que occupa notavelmente a base do encephalo, adianta-se para o seu interior ou para as meninges, elle «progride ao longo dos vasos nas bainhas perivasculares, sem que as «partes visinhas tomem parte alguma n isso.» Wagner pensa da mesma sorte: os elementos morphologicos da neoformação resultam da proli- feração dos núcleos dos capillares e a parede destes constitue o stromado tumor.-O syphiloma póde também desenvolver-se na medulla espinhal quer nas meninges, quer no tecido nervoso; diz-nos, porém, Jaccoud que a existência do syphiloma espinhal ainda não está bem demonstrada. - Os symptomas, que se observam nas alterações syphiliticas dos centros ner- vosos, são inteiramente analogos aos que succedem á tuberculose. . O syphiloma do testículo, ainda denominado sarcocelle syphilitica, é uma affecção habitual na syphilis, mas só foi depois dos trabalhos de A. Cooper, de Dupuytren e de Ricord que ella foi convenientemente estudada pelos médicos francezes. Dizem Virchow e Rindíleich que o testículo syphilitico se apresenta sob duas fôrmas differenles, uma puramente inílammatoria (orchite simples) e outra constituída por nodosidades (orchite gommosa); mas Wa- gner sustenta que a orchite simples nada mais é que um syphiloma infil- trado. A primeira affecção tem por ponto de partida o tecido intersticial do testículo e também, segundo Niemeyer, a túnica albuginea e, logo depois de formado, o neoplasma torna-se fibroso, retrahe-se e determina a atro- phia do orgam com dasapparição completa dos canaliculos seminiferos. O parenchyma testicular adquire então uma duresa enorme e um derrama- mento seroso tem logar na túnica vaginal. -« A gomma syphilitica do tes- « ticulo, diz Rindíleich. suppõe quasi sempre a existência previa da indm 68 « ração que viemos de estudar» e rfesle caso nodosidades duras, seccas e caseosas pullulam cá e lá no meio de um tecido fibroso. A sarcocelle sy- phililica traz após si a abolição das funeções do orgam e deixa « intactos, « como diz Fano, o epididymo, o canal deferente eas vesículas seminaes;» Hardy, porém, aífiança que o epididymo é muitas vezes affeclado. A syphilis ainda ataca outras glandulas, como por exemplo o rim, caso esse em que póde impor por uma nephrite parenchymatosa; mas as suas manifestações nas glandulas lymphaticas são excessivamente communs e merecem uma atlenção especial. A alteração syphilitica destas glandulas traduz-se pelo seu engurgitamento e a neoformação consiste simplesmente ifurna producção de novas cellulas, que enchem todos os alvéolos do orgam doente. Esta neoplasia, que recebeu o nome de bubãò indolente, não tem tendencia alguma em inílammar-se, a sua suppuração é rara, como o é egualmente a sua caseificação ou necrobiose: mâs algumas vezes póde ter logar uma leve infiltração calcarea. Accompanhando mui do perto o cancro, o bubão se assenta na visinhança d'elle; são, pois, os ganglios lymphaticos inguinaes que mais geralmente se affectam. No periodo mais adiantado da syphilis a adenopathia se póde manifestar em outras regiões do corpo e Hardy considera como um phenomeno caracteristico d'esta moléstia o en- gurgitamento dos ganglios mastoideus. Alem das affecções que viemos de examinar concisamente, existem ou- tras, que nos merecem um pouco de atlenção e são as alterações dos mús- culos, da iris e do coração. O tecido conjunctivo intersticial dos musculos é por vezes a séde de tumores gommosos, que pódem dar logar a abcessos e ulceras rebeldes; outras vezes dá-se uma verdadeira sclcrose com dege- nerescencia granulo-gordurosa das fibras musculares. - A alteração da iris consiste na sua inílammação, é a iritis syphilitica : acompanhada sem- pre de uma sclcrotite zonular, ella traz comsigo perturbações diversas da funcção visual. A iritis syphilitica não tem caracteres específicos: a defor- mação especial da pupilla. admittida por Beer, não lhe pertence exclusiva- mente. O mesmo poderemos dizer acerca da cor ferruginea do bordo pu- pillar da iris observada por Mackensie: Desmarres verificou este phenomepo em outras especies de inflammações. As tres variedades de iritis que admitte Ricord não são egualmente acceitas; mas, alem da inílammação simples, 69 existe uma verdadeira iritis gommosa.-■ «A gomma syphilitica do cora- «ç,ão, diz Rindfleich, encontra-se mais frequentemente no septo interven- «tricular :» ella constitue verdadeiros tumores, compostos de núcleos case- osos, que foram por muito tempo considerados como tubérculos. A tuberculose do myocardio é excessivamente rara; mas não convém negar a sua existência. Se os núcleos caseosos encontrados no musculo cardíaco são verdadeiros syphilomas, como o demonstrou Virchow, Recklinghausen encontrou granulações miliares no tecido conjunctivo intramuscular. Até aqui temos estudado os productos da syphilis sem cuidarmos na sua ordem de successão; mas todas estas alterações não apparecem ao mesmo tempo e seguem uma marcha, que se póde, até certo ponto, indi- car de antemão. Basin divide os accidentes da diathese syphilitica em qua- tro períodos; mas cremos que se pódem reduzir a tres. O primeiro periodo comprehende o cancro: o segundo é representado pelo bubão, as ulceras das mucosas, os condylomas, o engurgitamento das glandulas lymphaticas, as syphilides precoces, as dores rheumatoides, a iritis e o sarcocelle: no terceiro, emíim, observam-se as syphilides tardias, os syphilomas das mu- cosas, as affecções ósseas e as gommas das diversas vísceras e musculos. A cansa da syphilose é uma e unica; ella é essencialmente contagiosa e só o virus syphilitico a pode occasionar. E' a introducção no organismo d'esse agente contagioso que determina essa perversão nutritiva, que se traduz pela manifestação de alterações diversas, cuja naturesa conserva-se sempre a mesma; é esse virus que, impregnando toda a economia, dá nascimento a uma verdadeira moléstia dialhesica. Acreditava-se até pouco tempo que só o cancro tinha a propriedade de transmittir a syphilis, o cancro é o seu exordio obrigado, diziam Ricord e seus adeptos; mas hoje, depois das experiencias de Wallace, de Vidal (de Cassis), de Cazenave, de Langlebert, de Rollet e de muitos outros syphiliologos notáveis, está ple- namente demonstrado que o producto das ulceras e das gommas syphiliticas póde transmittir a moléstia. E não é só isso!-Waller e Pellizari pro- varam ainda mais que o sangue de um syphilitico contem o agente conta- 70 gioso e as observações de Hubner, Viennois, Trousseau e outros demons- tram que a syphilis póde ser transmittida pelo acto da vaccinação.- Essa disposição mórbida, essa viciação da economia póde, alem d'isso, effectuar- se durante a vida fetal: a hereditariedade da syphilis está hoje amplamente comprovada. Cullerier pensa que o pae não póde transmittir a seu filho a syphilis, de que se acha infectado ; mas esta opinião, conlradicla por Depaul, Dubois, Trousseau, Diday, Bouchut, Hardy, Niemeyer e outros, não tem funda- mento algum e não há quem não saiba quão larga é a influencia paterna no acto da geração. «A syphilis, diz Trousseau, póde atacar o menino du- «rante a vida intra-uterina, ella póde também não manifestar-se senão de- « pois do nascimento.» Quando a mulher concebe já profundamente con- taminada ou quando adquire a syphilis durante a prenhez, o producto da concepção vive muito pouco tempo, putrefaz-se e é expulso pelo aborto ou pelo parto prematuro: «Em outros casos, diz Niemeyer, o feto chega a «termo; mas morre pouco tempo antes do nascimento ou nascendo e no- «tam-se em seu corpo miserável quer signaes evidentes de syphilis. quer « uma grande magrem por toda a anomalia.» Algumas vezes, porém, a creança nasce viva e ora vem ao mundo com symptomas da moléstia, ora traz apenas comsigo o seu germen e a moléstia latente só prorompe exte- riormente depois de semanas ou mezes. E' raro, como diz Trousseau, que a syphilis appareça, neste caso, antes da segunda semana e o menino pre- destinado póde ter «todos os attributos de uma saude robusta até o dia « em que as primeiras manifestações se declaram.» Pensa Niemeyer que a transmissão syphililica por via paterna é que mais geralmente permitte ao feto a supervivencia depois do parto; mas não vemos rasão para que tam- bém, em tal caso, não possa ter logar.a sua morte prematura no seio ma- terno. Quando o menino nasce syphilitico, os symptomas que se observam são o pemphigus e o corysa syphiliticos: o pemphigus occupa a palma das mãos e a planta dos pés e é caracterisado por bolhas, que se desenvolvem com rapidez, enchem-se de um liquido purulento e convertem-se, pela sua ro- tura, em ulceras de máo aspecto. Esta erupção bolhosa póde cxtender-se ao corpo inteiro e a pobre creança, como diz Niemeyer, termina por ser esfolada em numerosos pontos. A existência do pemphigus num recem- nascido se liga quasi invariavelmente, segundo Paul Dubois, a uma syphi- lis hereditária. Trousseau indica ainda a suppuração do thymus e dos pul- 71 mões como lesões pertencentes á syphiiis contrahida durante a vida fetal. Occasiões há, dissemos nós, em que a creança, ao nascer, traz comsigo o germen da moléstia sem que ella se exteriorise por symptoma algum: a diathese existe, mas permanece occulta; a desordem intima da nutrição ainda não revelou-se. Decorrido porém algum tempo, o menino torna-se ir- requieto, emmagrece e recusa amammentar-se : n'este caso o exame denota a existência de um corysa syphilitico eo rosto, como diz Trousseau, reveste « uma cor bistre especial; parece que se passou sobre os traços uma leve «camada de borra de café ou de fuligem diluida numa grande quantidade « de agoa.» Ao mesmo tempo a planta dos pés e a palma das mãos pare- cem cobertas por uma pellicula de ceboula e, logo após, a mucosa e a peile são a séde de erupções diversas. As alterações das mucosas consistem em ulceras e condylomas, as da peile são representadas por varias especies de syphilides. «Um symptoma quasi constante da syphiiis congénita, diz «Niemeyer, é a producção de raghadas nos pontos de transição entre a «peile e a mucosa, sobretudo na bocca e no anus.» Algumas vezes os ossos são affcctados e as vísceras não escapam á sua acção: - Gubler ob- servou alterações no fígado, Schott encontrou tumores gelatinosos nos lobos anteriores do cerebro, Virchow indicou a existência de tumores gommosos do pulmão e Simpson menciona uma peritonite syphilitica; a inílammação da iris foi notada, n'estas condições, por Dixon, Hutchinson e Galezowsky. Segundo o que acabamos de ver, a syphiiis hereditária differe da syphiiis adquirida e a morto é quasi sempre o termo imprescindível d'essa cruel affecçãp. E' hoje um facto geralmente acceito que um indivíduo, contrahindo uma vez a syphiiis, acha-se preservado de nova contaminação e é, baseiando-se n'isto, que alguns médicos, taes como Auzias-Turenne e Boèckh, hão re- corrido á syphilisação como um preservativo da moléstia. E' esta uma questão de difficil solução ; pois a inutilidade da inoculação da syphiiis n'um indivíduo, que ja fôra d'ella atacado, mas que se julga curado, póde não indicar uma immunidade; mas a existência latente da diathese, tanto mais quando afíirma Ricord que a syphiiis nunca se cura. Não cremos que seja 'exacta esta opinião do illustre syphiliographo: mas o que nos parece incontestável é que nenhum medico, por mais habilitado que seja, póde 72 afliançar a cura completa de uma syphilis. Quantas vezes um indivíduo, outrora syphililico, mas que se julga inleiramente restabelecido, procrea creanças, que vem á luz trazendo estampados em seu corpo os estygmas desta moléstia cruenta?!.. Como se vê, o problema da immunidade da syphilis, após uma primeira contaminação, não pôde ser convenientemente resolvido; mas alguns factos de recidivas, observados por Diday.e Hardy, nada pódem influir para que se negue a immunidade; pois recidivas se têem visto em moléstias, que só costumam atacar uma pessoa uma só vez na vida. Quem não sabe que a varíola ou a rubeola pódc recidivar, com- quanto seja isso um phenomeno anormal ? « As regras do tractamento da syphilis, diz o meu illustrado mestre o « Sr. Conselheiro Faria, são actualmente formuladas com tanta precisão e «clareza, que podemos afliançar que a therapeutica não está tão adiantada « para nenhuma outra moléstia, quanto para combater a syphilis.» E é uma verdade inegável!-as preparações mcrcuriaes, quando empregadas convenientemente, produzem muitas vezes uma cura radical e o iodureto de potássio é um meio poderosamente efficaz contra os accidentes terciá- rios da syphilis. Quantas vezes, porém, esta moléstia cruel zomba de todos os recursos da medicina e progride lentamente até occasionar a morte! Como todas as moléstias diathesicas, a syphilis perverte por tal arte as funeções nutritivas que por vezes desarma completamente o clinico. V herpes. - Por muito tempo a diathese herpetíca foi riscada do quadro nosologico e os trabalhos de Batteman e Willan e dos seus imitadores con- tribuíram grandemente para este resultado. Ainda hoje alguns médicos ne- gam a existência do herpes como uma moléstia geral e consideram as di- versas erupções cutaneas, que o caracterisam, como constituindo entidades mórbidas distinctas e puramente locaes: esta.opinião, sustentada por De- vergie, Cazenave e Gibert, não nos parece admissível. Se os dartros fossem simples inílammações cutaneas, como aliás o crêem os sectários de Brous- sais, se não resultassem de uma disposição mórbida preexistente, como explicar-se-iam a sua tendencia a generalisar-se, a sua rebeldia a todos os 73 meios therapeuticos e o marasmo e cacliexia que acarretam muitas vezes após si ? E não é sabido que o herpetisrno é essencialmente hereditário ? Foi Alibert quem primeiro procurou restabelecer o herpes em seu verda- deiro logar; mas aos trabalhos de Basin e Hardy é que se deve a restau- ração desta moléstia e foram elles que a tiraram do esquecimento, a que de ha muito se achava votada. A diathese herpetica, cuja existência é admitlida hoje por muitos pallio- logistas, como sejam Grisolle, Bouchut, Niemeyer e outros, manifesta-se por alterações da pelle e das mucosas e estas alterações offerecem certos caracteres geraes, que vamos indicar resumidamente. Constituídos por lesões elementares diversas, os dartros têcm uma tendencia invencível em extender-se e, affectando sempre uma disposição symetrica, ora é a lesão primaria que progride, ora são novas lesões que surgem em pontos diver- sos do tegumento. Raro é que as affecções revistam sempre uma mesma fôrma, a poiymorphia é um de seus caracteres predominantes e, demais, não ha para ellas séde precisa e mau grado a sua tendencia generalisadora, affecções herpeticas se podem localisar e quasi nunca, como diz Hardy, invadem a universalidade do corpo. Um dos seus attributos mais impor- tantes é a não-contagiosidade e o prurido por vezes intolerável, que nellas se encontra, constitue um symptoma sobre-modo caracteristico. Raramente accompanhadas de uma ligeira febre, as erupções dartrosas teem uma marcha notavelmente chronica e, quando porventura desapparecem, não deixam jamais cicatrizes. Ao lado destes caracteres geraes, devemos men- cionar a hereditariedade: «a diathese herpethica, diz Niemeyer, é muitas « vezes congénita e, em muitos casos ainda, transmittida por herança, <í como isso foi sobre-tudo verificado por Vieil em Canstadt. » 0 tegumento externo é a sede principal das manifestações do herpetis- mo; mas as mucosas podem ser, a seu turno, affectadas. As affecções cutaneas são divididas por Hardy em tres grupos distinctos e comprehen- dem o eczema, a pityriasis e a psoriasis : seguindo esta classificação do sabio dermatologista, vamos estudar separadamente cada um destes tres grupos. « Do todas as erupções dartrosas, diz Hardy, a mais frequente, a mais «importante, a mais variada em suas fôrmas, em sua marcha, em sua 74 «súdo, cm sua duração, em sua epocha de apparição, é o eczema. » Se- gundo Bielt e Niemeyer, a séde anatómica do eczema é a camada super- ficial do derma; Gazenave, porém, o considera como dependente da inllammação das glandulas sudoríparas; mas seja lá o que for, o eczema o.Terece, segundo Hardy, tres períodos distinctos em sua evolução. No primeiro elle é caracterisado por vesículas, confluentes ou discretas, re- pousando sobre um fundo vermelho e entremoiadas de pustulas: no segundo as erupções se rompem c dão nascimento a ulcerações superficiaes, de onde transsuda um liquido de consistência gommosa, que pode tornar- se purulento e que se concreta em crostas geralmente amarelladas: no terceiro periodo finalmente as crostas cácm e deixam a descoberto uma superfície rubra, que se desseca e cobre-se de escamas, as quaes se vão tornando cada voz mais finas e menos abundantes até converter-se numa substancia furfuracea. Depois da cura, ora a pelle torna-se rugosa e espes- sa, ora «o epiderma, como diz Hardy, é luzidio, perfeitamente polido e «os raios luminosos reílectem-se nellc como numa chapa metallica.» O eczema, que pode ter uma marcha aguda ou ebronica, apresenta numerosas variedades, que vamos indicar summariamente: ellas são re- presentadas pelo eczema simplex, o eczema rubrum, o eczema impetigi- noso e o eczema escamoso. A estas quatro variedades Hardy retine mais duas, o eczema fendido c o lichen: este ultimo é também considerado por llebra como uma variedade do eczema. O eczema simples, essencialmente agudo e por vezes accompanhado de ligeira reacção febril, é caracterisado pela formação de vesículas sobre manchas rubras, as quaes se dessecam geralmente sem rotura previa e desapparecem depois de leve descamação. Também de marcha aguda, o eczema rubrum, cuja explosão é muitas vezes annunciada por accidentes geraes graves, consiste no desenvolvi- mento simultâneo sobre regiões diversas da pelle de manchas rubras, que se cobrem de vesículas confluentes, que se transformam em verdadeiras bolhas: estas «não tardam em murchar-se, como diz Valleix, e a pelle, «inflammada e erythematosa, fica semeiada de pontos arredondados, cer- «cados por uma pequena orla esbranquiçada.» Algumas vezes as vesí- culas se rompem e o liquido extravasado fórma crostas amarellas, sob as quaes existem pequenas excoriações. O eczema impetiginoso (melitagra flavcscens de Alibert,) apresenta-se egualmente sob uma forma aguda; mas as vesículas, que o caracterisam, nascendo sobre uma pelle vermelha e tumefeila, convertem-se rapidamente em pustulas, que se despedaçam 75 dando nascimento a crostas espessas e amarollas: estas caem finalmcnte e a parte doente cóbre-se de escamas furfuraceas. Em certos casos de eczemas não ha formação de vesículas ou pustulas; o exsudato do corpo papillar, como diz Niemeyer, não foi bastante copioso; mas o epiderma, descollado por elle, é eliminado mais tarde e se formam «escamas seccas que se «destacam da pelle envermelhecida:» é o que constitue o eczema esca- moso. Hardy considera o eczema fendido «como constituído por uma reunião de fendas epidérmicas, por uma multidão de ulcerações lineares, que se misturam em zigzag e das quaes transsuda um liquido seroso mui similhante ao das vesículas do eczema typo. » Esta affecção herpetica ora é primitiva e ora complica as outras variedades de eczemas. - Parece-nos que o lichen, sendo constituído por papulas, não deveria ser olhado como uma variedade ou especie do eczema; mas como a estas papulas se mistu- ram muitas vezes vesículas eczematosas, a opinião de Hardy não deixa do ter algum fundamento. O lichen começa por uma erupção de pequenas nodosidades agglomeradas possuindo uma coloração vermelha; mas esta vermelhidão pode não existir e pode ainda succeder que as papulas sejam mais descoradas que as partes circumvisinhas. A estas erupções seguem-se uma rudesa da pelle, o augmento de sua espessura e a exaggeração de suas rugas, phenomenos considerados por Hardy como pathognomonicos. O lichen pode revestir formas diversas constituindo tantas variedades; as principaes são: o lichen simples, o lichen agrius, e lichen inveterado e o lichen hyperthrophico. O lichen simples, que pode ser agudo ou chronico, é puramente papuloso; no primeiro caso a sua séde de predilecção são o pescoço e o rosto; no segundo, elle occupa particularmente o braço e o dorso da mão. O linchen agrius offerece muita analogia com o eczema e é formado de uma mistura de papulas, de vesículas e de pustulas, que se rompem e fornecem crostas, ás quaes succede uma descamação furfuracea .* elle se desenvolve habitualmente no rosto; mas ás vozes concentra-se nas mãos e na face dorsal dos dedos. O lichen inveterado só se distingue pela sua tenacidade; elle se prolonga quasi indefinidamente e succede muitas vezes a verdadeiros eczemas: a pelle affectada «adquire, rapidamente « como diz Hardy, uma espessura enorme e sua redesa é comparável á do « envolucro cutâneo de certos pachidermas.» Quanto ao lichen hyperthro- phico, elle é excessivamente raro e caracterisado por vegetações fungosas, excoriadas e por tubérculos pediculados. A configuração e a séde das erupções eczematosas teem sido o ponto de 76 partida da constituição dc muitas variedades; mas nós nos abstemos do seu exame e vamos estudar agora o segundo grupo dos repre- sentado pela pityriasis. A pityriasis é uma dermite secca e escamosa desde seu periodo inicial e occupa seguramente um logar intermediário ao eczema c á psoriasis: muitas vezes se confunde completamente com aquelle em seu terceiro periodo. Ella é caracterisada pela producção de escamas finas e furfura- ceas, que se desenvolvem sobre uma superfície rosada ou de uma côr normal, a qual conserva geralmente o mesmo nível das partes sans. Po- dendo ser aguda ou chronica, a pityriasis quasi nunca altera a saude de um modo pronunciado e se pode dividil-a em duas variedades, a pityriasis commum e a pityriasis rubra, - A pityriasis commum, ainda denominada simplex ou alba, é considerada por Hardy como uma variedade do eczema c nada mais é do que o eczema escamoso. Cazenave a descreve sob o nome dc pityriasis capilis e ella é constituída por placas pouco extensas, redondas, brancas ou cinzentas e cobertas de escamas delgadas ou fari- nhosas: a sua séde ordinaria são as faces e os lábios, o mento, a testa, a barba e o couro cabelludo. Como sub-variedade da pityriasis alba, e mais grave do que ella, devemos indicar a pityriasis lamellosa, cujas escamas são mais largas, em fórma de laminas e se desenvolvem na cabeça, occa- sionando a queda dos cabellos. A pityriasis rubra differe da commum pela vermelhidão mais pronunciada da pelle affectada e pela maior largura das escamas, que adherem fortemente ao tecido subjacente; e, além disso, a parte doente é mais circumscnpta e fórma uma saliência maior: ella occu- pa a face e o pescoço, a região presternal, os pés e as mãos. A pityriasis circinata é uma sub-variedade da precedente, na qual a pelle rubicunda, onde as escamas se assentam, reveste uma foi ma discoide ou em fragmentos de circulo. A pityriasis versicolor, a pityriasis nigra e a pilaris não são affecções dartrosas. A psoriasis, que constituo o terceiro e ultimo grupo das dermatites ligadas ao herpetismo, recebeu de Alibert o nome de dartro lichenoide ou herpes furfuraceo: ella é, como a pityriasis, completamente secca e esca- mosa. Nesta especie de inflammação cutanea, «não se fórma na superfície «do derma, como diz Niemeyer, um derramamento assaz considerável « para sublevar o epiderma em vesículas; não se faz mais do que uma «byperemia e uma infiltração da pelle, sob a influencia da qual o corpo «papillar produz um epiderma doente, que, misturado a um exsudato 77 «pouco abundante e dessecado, destaca-se em escamas mui grandes. » As escamas da psoriasis são espessas, de um branco nacarado c brilhante, e fórmam muitas camadas superpostas, das quaes as mais profundas adherem solidamente á pelle subjacente; esta é vermelha, constilue uma verdadeira mancha, que cerca as escamas de uma aureola cúprea, que se exlende ás partes sans: ha ao mesmo tempo um espessamento da pelle doente, que proemina sobre o nível do tegumento. A psoriaris tem por séde de elecção a circumferencia das articulações e maiormente os cotovelos e joelhos, e o espessamento da pelle, seguido de fendas ou rachas, difficulta considera- velmente os movimentos e póde até abolil-os. Diversas são as variedades da psoriasis; mas todas ellas, como sustenta Hebra, derivam da psoriasis guttata: esta começa por pequenos pontos rubros {psoriasis punctada de Hardy) que se cobrem logo das escamas caracterislicas. Quando as manchas, augmentando de volume, altingem as dimensões de uma moeda de 1 a 5 francos, a dermite recebe o nome de psoriasis nummularia: se as manchas se reúnem .e invadem uma larga extensão do tegumento cutâneo, temos a psoriasis diffusa. A psoriasis circinata ou annidata {lepra vulgar de Willan e Biett) consiste na reunião em circulo das manchas, apresentando a pelle do centro a physiognomia normal: se estas manchas, ao contrario, se dispõem em traços lineares ou, como diz Niemeyer, em segmentos de circulo, a psoriasis toma o nome de gyrata. A psoriasis scutellata não é mais do que a psoriasis nummularia, cujas escamas centraes tornaram-se mais delgadas e caíram: quanto á psoriasis inveterata de Valloix, ella consiste, como o seu nome indica, em um grau excessivo do desenvolvi- mento da dermite; a pelle torna-se então demasiado espessa e fendas se produzem. As mucosas, como já o dissemos, também se affectam no herpctismo e, neste caso, ora são as dermatoses que se propagam a ellas por continuida- de de tecido, ora a affecção dartrosa as ataca de chofre e são a séde primitiva da manifestação diathesica. As conjunctivas, a glande, a vagina, o anus, o collo uterino, etc. são muitas vezes invadidos por uma dermite herpetica das partes ciscumvisinhas e quantas gastralgias, bronchites, aslhmas, etc. são ligados ao vicio dartroso! A an.ina codeosa commum, como deriva das observações de Brelonneau, Trousseau, Hardy, Gubler e 78 outros, está sob a dependencia do herpetismo e provém de uma erupção de vesículas eczematosas na mucosa do pharynge. O herpes proepucialis é um verdadeiro eczema o este se desenvolve muitas vezes na vulva e na vagina, dando logar a uma vaginite eczematosa com corrimento sero-purulento. O herpetismo traduz-se ás vezes por diarrhéas e Duelos sustenta que o asthma é uma das manifestações communs desta diathese e o catarrho, que o accompanha, depende de erupções eczematosas da mucosa pulmonar. Trousseau cita, entre outros, o facto de uma doente, tractada por Hérard, em que accessos asthmaticos se ligavam evidentemente á dartrose. A affecção herpetica das mucosas é, portanto inegável e em certas circums- tancias a moléstia toma um aspecto insolito, que torna extraordinaria- mente difficil o seu diagnostico. 0 herpes é uma verdadeira diathese e, pois, nada temos que ajunctar relalivamente á sua etiologia; diremos, apenas, que os excessos de todo genero, que certos alimentos, certas profissões e algumas vezes irritações da pclle podem favorecer o desenvolvimento das affecções, que o caracte- risam. Quanto ao tractamento, elle deve ser local e geral: o tractamento local compor-se-á, no começo da erupção e quando houver phenomenos inflammatorios, de simples emollientes e, mais tarde, quando estes pheno- menos cessarem, recorrer-se-á ás substancias oleosas, como a glycerina, o unguento rosado, etc., ás quaes se devem incorporar saes mercuriaes, o alcatrão, o oleo de cade, e, por vezes, o enxofre, o acetato de chumbo. .. etc. O tractamento geral será preenchido, ao principio, pelo emprego dos laxativos; mas os dous modificadores por excellencia, como diz Hardy, são o arsénico e o enxofre. Em certas occasiões os tonicos são de uma utilidade incontestável; mas em todos os casos o medico não deve esque- cer que elle se acha em lucta com uma moléstia diathesica e, consequen- temente, de uma cura difiicillima. VI gotta. ■-A gotta, ainda denominada arthritis o\i podagra, é indubi tavelmenle uma moléstia diathesica e o seu caracter essencial é um accu- mulo exaggerado de acido urico no sangue. Não accredilamos que esta dys- 79 crasia urica seja a causa da moléstia; mas esta alteração do sangue resulta da mesma perversão nutritiva, que se traduz pela gotta. A uréa e o acido urico são, entre outros, os productos finaes da combustão nutritiva das substancias albuminoides; mas, no estado physiologico, há predomínio da quantidade de urea formada: se, nos gotlosos, dá-se o pliehomeno inverso, se n elles é o acido urico que se produz em grande quantidade, este phe- nomeno deve derivar certamente de uma anomalia das funcções nutritivas. A producção excessiva do acido urico é, portanto, uma consequência desta anomalia da nutrição, a qual é a causa fundamental da diathese gottosa. Se, porém, a dyscrasia urica é, como diz Trousseau, um symptoma inhercnte ao podagrismo e não a sua causa, é ella todavia quem occasiona essa de- posição de uratos em diíTerentes tecidos, que caracterisa a moléstia, que nos occupa. E na verdade, o acido urico, accumulando-se no sangue e não podendo ser eliminado pelos diversos emunctorios, transsuda atravez as tú- nicas vasculares e depõe-se em vários pontos do organismo sob fórma de concreções calcareas. Niemeyer, baseiando-se em experiencias de Hoppe- Seyler e Zalesky, que observaram, em gansos e gallinhas, depois da liga- dura dos ureteres, depositos de crystaes de uratos nas vísceras e articula- ções, crê que, na diathese gottosa, o acido urico, creado em excesso, fórma precipitados nos canaes uriniferos e a obliteração dJestes, vedando a eliminação do acido, este accumula-se de mais a mais no sangue e os de- positos se fazem. Esta opinião, admittida egualmente por Traube, acha um certo apoio nas observações de Garrod, que diz ter encontrado em todos os gottosos alterações e concreções uricas nos rins. Se tudo isto é verda- de, a dyscrasia urica não depende só de uma formação superabundante de acido; mas também da sua retenção no sangue por insufficiencia renal. «0 deposito de uratos nos tecidos, como diz Jaccoud, é o caracter ana- «tomico da goíta ;» mas isso não tem logar, quando a moléstia é ainda recente. Estes depositos são compostos de uralo de soda e de cal, mas po- dem conter algumas vezes urato de ammoniaco e pequeníssimas quantida- des de carbonato de cal e de soda, de phosphato de cal e de potassa e de chlorureto de sodio. - E' nas articulações e mormente nas pequenas que se depõem os uratos, os quaes infiltram as cartilagens, os ossos e a syno- vial: no tecido conjunctivo periarticular, na superfície exterior dos liga- 80 mentos e das capsulas articulares observam-so concreções em fórma de tu- mores, conhecidos pelo nome de tophus. « A infiltração uratica, diz Rind- «fleich, determina necessariamente uma irritação mechanica e chimica « nas partes atacadas. Também ella tem por consequência ordinaria uma « hyperemia chronica da synovial e do tecido conjunclivo periarticular, <s algumas vezes um edema inflammatorio agudo e emfim suppurações su- « perficiaes ou profundas, que conduzem finalmente á carie.» Os uratos ainda se debaixo do tegumento do pavilhão da orelha c pódem depositar-se alem. d'isso cm diílcrentcs vísceras. A gotta póde ser aguda ou chronica, regular ou anómala. O primeiro ataque de golta aguda regular é quasi sempre annunciado por phenomenos precursores, que foram bem estudados por Sydenham, Van Swieten, Bois- siére e outros: são perturbações nervosas, desarranjos do apparclho di- gestivo e urinário. N'estas circumstancias Scudamore'diz ter observado a ophthalmia, Graves menciona o rangido dos dentes e Trousseau indica a blennorrhagia. A estes symptomas premonitorios, que podem durar mais ou menos tempo, succede o ataque goltoso, que prorompc sempre no meio da noute e que se annuncia geralmenle por uma dor horrível na articula1- ção motatarso-phalangiana do grande dedo de um dos pés ou de ambos: esta dor é accompanhada de tumefacção e vermelhidão da parte e de phe- nomenos geraes, taes como o calafrio e leve reacção febril. Pela manhan, ao cantar do gallo, como diz Sydenham, a dor diminue; há, durante o dia,, um verdadeiro refrigério; mas elle é dissipado por novo accesso, que apparece outra vez á noute e outra vez diminue ao romper (Paiva e con- tinua assim successivamente durante uma semana. Quando os ataques de gotta se succedem uns após outros, a moléstia vae revestindo a pouco e pouco a fórma chronica, que afinal se torna de- finitiva ; mas «a gotta chronica póde também ser primitiva, notavelmente, «como diz Jaccoud, nos indivíduos doentios ou debilitados por alguma « moléstia anterior. » Muitas articulações são invadidas successivamente, tornam-se tumefeitas e edemaciadas e se cobrem de tumores tophaceos: a infiltração uratica faz-se egualmente no interior das junctas, os movimen- tos tornam-se difficeis ou impossíveis, as partes se deformam, suppurações e ankiloses se produzem. Estes phenomenos se observam principalmente 81 na gotta fixa; a vaga ou erratica não expõe o doente a tão cruéis soffri- mentos. Quando os tophus adquirem um certo volume, ulcera-se a pelle que os cobre e dá-se a eliminação das substancias calcareas, que pódem altingir proporções enormes: muitas vezes estas concreções, que se pó- dem localisar nas differcnles vísceras, occupam lambem, como obser- va Trousseau, a extremidade dos dedos, a palma das mãos e a planta dos pés. Durante os intervallos dos accessos, o gottoso é victima de in- commodos diversos, entre os quaes indicaremos as palpitações cardíacas, o catarrho pulmonar ou intestinal, a dyspepsia, a gastralgia, a enxaqueca, etc., etc.,: ao mesmo tempo, diz Tardieu, «o humor se altera e o cará- cter torna-se sombrio;» a irritabilidade nervosa é por vezes tal que a companhia do doente é difficilmente tolerada. A gotta chronica, como to- das as moléstias diathesicas, conduz invariávelmente á cachexia e á morte; mas esta póde ser a consequência de um accidente imprevisto, de- uma metastase goltosa sobre um orgam importante. Em certas occasiões a gotta não segue uma marcha regular e muitas vezes, o que torna a diagnose extremamente difficil, ella não se manifesta por symptoma algum articular : quando ella apresenla-se assim recebe o nome de gotta anómala. JaCcoud admilte com rasão Ires variedades do gotta anómala ou irregular; a gotta metastatica, a gotta alternante e a gotta larvada. Os phenomenos pathologicos, que caracterisam estas tres variedades de gottas, pódem ser os mesmos; mas as suas condições de producção é que variam. Se uma gastralgia, por exemplo, apparéce n'um individuo gottoso depois da desappárição súbita dos symptomas articula- res, a gotta é metastatica ; se esta mesma gastralgia alterna com os phe- nomenos articulares, se a moléstia ora se manifesta pela dor gastrica, ora por um ataque regular, a gotta será alternante ou abarticular; se. emfim, a gastralgia existe iVum individuo, que se crê gottoso, mas cujas articula- ções nunca soffreram, a gotta será larvada ou mascarada. « Está para mim fóra de duvida, diz Niemeyer, que nos gotlosos um « deposito de uralos, com a hyperemia e a inflámmação que a elle se li- « gam, póde algumas vezes, em logar de se fazer nas articulações, produ- « zir-se em outros orgãos. » Na verdade a maior parte dos phenomenos morbidos, pelos quaes se traduzem a gotta anómala, principalmente as aíTecções visceraes, se pódem explicar pela infiltração uralica: Niemeyer diz haver observado um caso de angina que se ligava séguramehte a esta infiltração e elle atlribue ao mesmo phenomeno a gotta do estômago, a 82 gotta do coração, a gotta do cerebro e a da medulla; mâs ainda nós po- deremos filiar á mesma causa a gotta dos rins, a do figado, a dos intesli- tinos, etc. As gastralgias, observadas por Musgrave, Stoll e outros, os vomitos espasmódicos indicados por Hoffmann, a dyspepsia, a hemateme- se, etc., são pbenomenos que pertencem á gotta estomacbal e é á infil- tração uralica da mucosa dos intestinos que se devem referir as diarrhéas e as cólicas gottosas de Strack. Quando o vicio arlhritico se manifesta no coração, observam-se syncopes, algumas vezes a angina pectoris e não é raro que moléstias organicas do coração se possam produzir: estas ulti- mas affecções são ainda a consequência de depositos calcareos na túnica interna da aorta ou da artéria pulmonar e essa uratificação das túnicas ar- teriaes pôde também ser o ponto de partida de outras lesões, como sejam aneurismas, homorrhagias, etc. A gotta cerebral ora se traduz por uma apoplexia fulminante, como notam Niemeyer, Muscrave e outros, ora occa- siona pbenomenos menos graves: Boerhaave observou vertigens, hemiple- gias foram encontradas por Wepfer e as enxaquecas são mui c.ommuns no podagrismo, como observa Trousseau : quanto á paraplegici gottosa de Graves e as convulções cboreiformes indicados por Chomel, Bouley, etc., são symplomas que se ligam á gotta espinhal. Todos estes pbenomenos íiliados á gotta do myelencepbalo derivam indubitavelmente da uratificação das paredes dos vasos, que nelle se distribuem. Sydenham, Scudamore, Rayer, Garrod, etc., hão observado a arthrite renal, que se ostenta com quasi lodos os caracteres da moléstia de Bright e, segundo Todd, a gotta cerebral nada mais é do que um estado uremico dependente da atrophia gottosa dos rins; mâs ha occasiões em que a affecção renal manifesta-se por cólicas nephriticas e por vezes por ischuria, como diz Brodie. O figa- do gotloso foi notado por Baglivi e Stoll e determina dores hypochon- driacas, cholemia com diminuição do seu volume. « Na autopsia, diz « Trousseau, acha-se muitas vezes a substancia do orgam de uma duresa « excessiva, granulosa, como cyrrhosada e, ao dizer de Lieulaud, cheia de « concreções calcarcas. » Alem de todas estas affecções, que se encontram na gotta anómala, Léger diz haver observado nos pulmões depositos de uratos e é esta alteração mórbida do orgam principal da respiração que explica a existência nos gottosos do catarrho pulmonar, da tosse, da dyspnéa, do emphysema.. . etc. Trousseau menciona ainda como mani- festações do arthritisrno certos derramamentos pleuriticos e pericardites foram assignaladas por Guilbert. - Alguns olham também as hemorrhoi- 83 des como dependentes da dialhese gottosa, o que se póde explicar pela infiltração uratica dos vasos; mâs o que nós não cremos, mau grado a opinião de Trousseau e Basin, ô que affecções eczematosas possam de- pender d'esta diathèse : neste caso abraçamos com inteira convicção as opiniões de Hardy. A iritis é por vezes provocada pela gotta e, n'esle caso, a ii is não muda de côr e « a pupilla. como diz Golezowsky, é na « apparencia pouco modificada e as instillações de atropina fazem sós des- « cobrir synechias posteriores. » O Dr. José Lourenço, que tem feito es- tudos aprofundados sobre a ophthalmologia e cujo nome me é agradavel recordar aqui, olha o glaucoma como podendo provir, ás vezes, do vicio arthritico. Pelo que viemos de dizer, vê-se bem quão custoso é o diagnostico de uma gotta anómala: quando metastatica ou alternante, a diagnose não im- plica, na verdade, grandes dilliculdades; mâs quando se apresenta sob a forma larvada, muitas vezes será impossível ao medico formar um juiso seguro, se não attentar para certos precedentes ou se um ataque de gotta regular não vier dissipar-lhe as duvidas. Dissemos, na primeira parte do nosso trabalho, que algumas diatheses mantinham entre si uma certa affinidade ou sympathia e neste caso se achavam a lithiase e a podagra ; mâs estas duas moléstias não devem antes ser encaradas como manifestações de uma mesma disposição mórbi- da? « Eu tenho a nephritica, dizia Erasmo a um amigo, e tu tens a got- ta: casamo-nos com as duas irmans. » E Erasmo teria rasão? Já vimos que no podagrismo encontram-se quasi sempre, segundo Gar- rod, infarctos uricos nos rins e dissemos também que essa infiltração urá- tica podia traduzir-se por cólicas ou pelos symptomas da moléstia brighti- ca: - este facto parece de alguma sorte indicar que a lithiase é uma das manifestações possíveis da dialhese gottosa. Alguns pathologistas, ná ver- dade, querem explicar a formação das areias e cálculos nepbriticos por causas puramente locaes: - segundo Meckel, um catarrho especifico da mucosa das vias renaes produz um muco viscoso, que entra facilmente em fermentação acida, dando nascimento ao oxalato de cal: mas, depois de certo tempo, a urina torna-se alcalina e um metamorphismo tem logar, cm virtude do qual o oxaialo de cal è substituído pela uréa, o urato do 84 ammoniaco e mais tarde por phosphatos. E' desnecessário que mostremos quanto vae de hypolhetico e de pouco verosímil neste catarrho lilhogeni- co e nesse metamorphismo ulterior. Não será egualmente uma hypolhese arbitraria a o; inião de Scherer? Para este pathologista, assim como para Ernst Wagner, a lithiase tem por ponto de partida uma fermentição da urina, na qual o muco catarrhal representa o papel de fermento: esta fer- mentação, quando acida, transforma a matéria corante Çurochrcmo de Thudichum) e as matérias extraclivas da urina em acido láctico, que pre- cipita o acido urico; quando alcalina, decompõe a uréa em carbonato de ammoniaco e as concreções se fazem pela combinação do ammoniaco com o pliosphato de magnesia ou de cal e com o acido urico. Seria mister sa- ber porque o muco do catarrho renal determina aqui essa fermentação e porque motivo o mesmo fermento ora produz fermentação acida e ora alcalina. Para nós, a lithiase renal depende da mesma alteração do pro- cesso nutritivo, que domina a diathese gollosa e esta opinião, que tem por si a aucloridade de Trousscau, deriva naturalmente da sua associação constante á gotta e da presença em quasi todos os calculosos da dyserasia urica. E não se sabe que a diathese lilhica é inegavelmente hereditária e que muitas vezes indivíduos gottosos engendram filhos calculosos e vice- versa ? Se os cálculos urinários se podem filiar ao podagrismo, Jaccoud susten- ta que a cholelithiase é uma affecção essencialmente local c a sua condição pathogenica principal é o calharro das vias biliares. As concreções hepáti- cas são quasi sempre formadas de cholcsterina e cholepyrrhina : estas sub- stancias, como diz o illuslrado clinico, « são mantidas em solução na bilis « pelo glycocholato de soda, o qual, assim como o demonstrou Meckel, é « decomposto pela secreção catarrhal da mucosa biliar: n'estas condições « elle perde o seu poder dissolvente e os materiaes se depõem sob fórma « de precipitado pulverulento. » Jaccoud observa ainda que o excesso de gordura e cholesterina no sangue pode occasionar o mesmo resultado, as- sim como a diminuição da formação do cholato de soda : - uma produc- ção excessiva de bilirubina traria, segundo Uhle e Wagner, uma conse- quência análoga. Incumbe, porém, observar que phosphatos e carbonatos de cal se encontram muitas vezes nos cálculos biliares e estas cholelithes, que parecem indicar, como diz Niemeyer, « a riquesa da bilis em cal de- « pendente de uma agoa potável mui calcarea », são olhadas por Frerichs como produzidas pela própria mucosa da vesícula félea. Não podemos 85 admitlir a opinião de Frcrichs: parece-nos antes que os saes calcareos, mantidos em dissolução na bilis pelos sabões de soda, como quer í am- berger, se precipitam por insufficiencia dos materiaes dissolventes. Seja como for, a cholelithiase não é geralmenle uma moléstia diathesica; mas a gotta não poderia determinar-lhe a apparição? Nós já vimos que nesta moléstia concreções calcareas têem sido encontradas no figado c a infiltra- ção uralica das vias biliares não podei ia ser o ponto de partida de verdadeiros cálculos? Alguns auctores creem que a cholelithiase possa ser hereditária e a coexistência desta affecção e da areia urinaria, observada por Morgagni e Trousseau, parece induzir que ella, algumas vezes ao menos, se prende à diathese gottosa. As causas do podagrismo, como de todas as dialheses, já nos são conhecidas e, abstrahindo a herança, ellas residem n\ima lygiena viciosa: a ingestão constante de grande quantidade de alimentos albuminoides, maiormente quando combinada com uma vida sedentária e pouco activa, favorece consideravelmente a manifestação mórbida. Ao lado de uma ali- mentação plastica superabundante, devemos collocar o abuso de certos agentes ante-deperditores, como o álcool, o café, etc. «O traclamento do « accesso de gotta, diz Billroth, da arthrite gottosa, deve ser dislincto do «tractamento da gotta considerada como moléstia geral. A arthrite gottosa «segue quasi sempre uma marcha typica, que não poderia ser sustada por «uma intervenção therapeutica.» Esta reserva, já indicada por Syde- nham, se acha formulada pelos maiores clinicos, como Trousseau, Tardieu, Jaccoud, Niemeyer, etc. etc.: algumas vezes, porém, o emprego do col • chico é utilmente indicado. - Os meios mais efficazes, de que dispõe o pratico para combater a gotta, são tirados da hygiene; mas o uso de certas aguas mineraes são de incontestável proveito. « As fontes antiarthriticas «por excellencia, diz Niemeyer, são as de Vichy, Karlsbad, Marienbad, Kissingen, Homburg:» algumas vezes será preciso recorrer-se ás agoas de Spa, Pyrmont, Franzensbad... etc. VII RHEUMATISMO.-0 rheumalismo poderá ser considerado como uma moléstia dialhesica? Alguns pathologistas, em virtude da localisação do 86 vicio rheumatismal nas articulações e mais que tudo pela coexistência da dyserasia urica, verificada por Edwards e Eisenmann, pretendem que o rheumatismo é uma das manifestações do podagrismo ; não subscrevemos, porém, á similhante opinião e rheumatismo e gotta são para nós duas moléstias distinctas. Mas, se isso é verdade, deveremos excluil-o do numero das moléstias diathesicas? O illustrado professor de clinica medica e digno Director desta Facul- dade accredita que o rheumatismo seja dominado por uma disposição diathesica e esta opinião é sustentada por muitos pathologistas, como sejam Trousseau, Bouchut, Grisolle, Tardieu, Chomel, Requin, Pidoux, Jaccoud, etc;, alguns dos quaes o filiam á diathese gottosa. Quando se vê que as manifestações mórbidas do rheumatismo se repetem muitas vezes no mes- mo indivíduo, disseminando-se em pontos diversos; quando se attende a que elle póde enraizar-se na economia, tornando-se d'est'arte poderosa- mente refractario a todo e qualquer tractamento ; quando, emfim, se reflecte na sua transmissibilidade por herança e no fundo marasmo, a que arremessa por vezes a victima de seus accessos, se não póde deixar de crer que elle derive de uma disposição geral do organismo, de uma verdadeira diathese. As lesões do rheumatismo articular variam, segundo o grau de acuidade da moléstia, segundo a fôrma que reveste. No rheumatismo agudo, se notam nos tecidos periarticulares a hyperemia, a infiltração serosa do teci- do conjunctivo e a inílammação das bainhas tendinosas; mas é nas articu- lações mesmas que as lesões são mais pronunciadas. A inílammação da membrana synovial é, segundo Bouillaud, a affecção constante do rheuma- tismo e ella é seguramente o ponto de partida das outras modificações articulares. Como observa Rindíleich, a membrana synovial, morphologi- camente fallando, approxima-se das membranas serosas e mucosas e, em virtude deste facto, as suas inflammações são accompanhadas de exsuda- ções sero-fibrinosas e secreções catharraes e purulentas. Ao principio, a arthromeningite rheumatismal dá nascimento a uma hydrarthrose; mas ao depois, quando a proliferação do epithelio determinou-lhe a queda, ha uma verdadeira secreção purulenta e globulos de pus, como Lcbert o mostrou, se misturam ao liquido seroso. Mais tarde « o pus retido na ar- te ticulação, diz Rindíleich, e caindo em decomposição pútrida, irrita a 87 «cartilagem articular e determina-lhe uma ulceração superficial, que a « destrue camada por camada e chega até o osso. A cartilagem se des- «true por um processo, que começa por uma divisão das cellulas e «terrnna pela dissolução completa não só das cellulas, mas da substan- «cia intercellular. » Ollivier e Ranvier observaram todas estas alterações articulares, que acarreta o rheumatismo, as quaes não passaram desaper- cebidas para Bouillaud. Algumas vezes ha vegetação fungosa da synovial, que pode invadir até as epiphyses osseos e Hasse notou em alguns casos lyperplasia do tecido medullar. Estas alterações são ainda mais profundas no rheumatismo mono-articular e no rheumatismo chronico: nestes casos o osso participa quasi sempre da inflammação e, como diz Jaccoud, « ob- « serva-se um espessamento considerável da synovial e dos ligamentos, a «hyperthrophia e por vezes a degenerescençia gordurosa das dobras « articulares.» O sangue apresenta no rheumatismo alterações múltiplas: além do excesso do acido urico, Todd indicou um excesso de acido láctico; mas, além dessas modificações da crase sanguínea, se tem observado a hyperi- nnse, a hypoalbuminose, a inopexia e a hypoglobulia. 0 rheumatismo accompanha-se muitas vezes de complicações, algumas excessivamente graves: além de pleurizes, peritonites e pneumonias, que não são mui communs, os envolucros do coração e do myelencephalo são atacados e estas affecções não só podem occasionar a morte mais ou menos rapida do doente, còmo também tornam-se a origem de moléstias graves, que num porvir mais ou menos remoto trarão a destruição da vida. Chomel já havia observado que a pericardite se ligava muitas vezes ao rheumatismo; foram, porém, os trabalhos de Bertin e Bouillaud que vie- ram demonstrar positivamente a existência quasi constante da inflammação das serosas cardíacas nos indivíduos rheumatisantes. A endocardite é nota- velmente perigosa; pois, occupando principalmente as valvulas do coração, torna-se a causa productora das moléstias organicas desta viscera impor- tante. E não é só isso: a hypermegalia do tecido conjunctivo, que carac- terisa a inflammação do endocardio, fórma vegetações, sobre as quaes a fibrina se coagula tanto mais facilmente, quando o favorece a alteração especial do sangue: é fácil comprehender que, neste caso, partículas fibri- 88 nosas se podem desaggregar e, acarretadas pela torrente circulatória, vao formar embolias em differentes orgãos. Quando a lesão tem por séde o, coração esquerdo, o que é infinitamenle mais commum, embolias se farão no cerebro, no rim, no fígado, no baço: as embolias dos pulmões proce- dem de aílecções do coração direito. - Algumas vezes a inflammação do endocardio pode dar logar a sua ulceração e a endocardite uicerosa, conve- nientemenle estudada por Vulpian e Charcot, podendo promover a formação de um aneurisma parcial, a communicação entre os dous ventrículos, etc., dá logar, como a endocardite simples, a depositos embolicos nos diversos orgãos. Mas não são estes os caracteres da endocardite ulcerosa; o que a especialisa é a septicidade dos seus productos e por este motivo Jaccoud dá-lhe o nome de endocardite séptica ou infectuosa: ella é sempre accom- panbada de phenomenos typhoides, de um envenenamento geral, que tem levado alguns médicos, como Hardy e Béhier, Duguet e Hayem, a consi- deral-a como ligada a um estado geral grave. Durante o curso do rheumatismo prorompem ás vezes symptomas cerebraes assustadores, que pódem, em certos casos, occasionar uma morte inslantanea. Alguns indivíduos são atacados de hemiplegia mais ou menos duradoura, reuníndo-se-lhe por vezes uma amaurose súbita ou uma apha- sia transitória. Neste apparece um delicio agudo seguido de estupor e de morte: naquelíe é uma eslupefacção repentina com dilatação das pupillas e somno comatoso. Todos estes accidentes e muitos outros, que não ten- tamos enumerar, ora se ligam a uma embolia cerebral, ora a uma meningite otí hydrocéphalia: as vezes pódem ser attribuidos a uma hyperemia ou ísehemia do encepbalo; mas occasiões ha em que a necropsia não revela lesão alguma material.' E/ por este motivo que Trousseau accredita que « os accê « dentes do rheumalismo cerebral são geralmente muito mais os de uma ne- < vrose do que os de uma phlegmasia ou mesmo de uma congestão. t> Nos casos em que a morte segue subitamente aos synfptomas enCephalicos, sem que a determine uma causa material, Jaccoud pensa que ella se póde referir, por vezes, a um augmeflto da caloricidãde incompatível com ã vida e, em Certos casos, dependeria de uma modificação na quantidade de agoa de « interposição e de composição do tecido cerebral.» Como quer que seja, o que nos parece fóra de dúvida é que a causa real da encephalopathia rheumatismal ainda não está salisfactoriamenle elucidada. Algumas vezes observa-se nos rheumalisantes, em logar do delirio agudo seguido de terminação fatal, um delirio tranquillo, com hallucinações e illusões sen- 89 soriaes, o qual, exacerbando-se por momentos a ponto de exigir meios coercitivos, pode terminar-se favoravelmente: este estado é altribuido por Jaccoud a uma meningite chronica da convexidade Encontram-se frequen- temente nos indivíduos rheumaticos ataques cborciformcs, o que suscitou a G. Sée a idéa de que a choréa seria dependente da diathese rheuma- tismal. - O rheumatismo espinhal traduz-se ordinariamente por paraple- gias: Hutchinson, o illustre inventor da spirometria, observou factos desta ordem e Trousseau cita muitos casos analogos. A causa determinante do rheumatismo é sempre a acção.do frio; mas para que elle possa produzir este effeito é preciso encontrar um terreno preparado.-O tartaro slibiado em altas doses, o sulphato de quinina e a dedaleira são os medicamentos mais geralmente empregados no rheuma- tismo agudo; casos ha, porém, em que se deverá recorrer á quina e aos remedios excitantes. Fricções calmantes serão feitas concurrentemente sobre as articulações aílectadas, as quaes devem scr envolvidas em taffetá gom- mado. Nós temos tirado excellentes resultados, no rheumatismo agudo, do emprego do sulphato de quinina associado ao colomelanos e ao opio. Bouillaud, que conserva ainda as tradições de Broussais, acconselha o uso das sangrias geraes e locaes repetidas a curto intervallo, melhodo de trac- lamento que è seguido por Tardieu. Quando a moléstia não é muito intensa se poderá lançar mão dos alcalinos, taes como c bicarbonato ou azotado de soda ou o nitrato de polassa acconselhado por Gendrin : Jaccoud lembra, neste caso, a applicação de vesicatórios volantes sobre as junctas inílammadas. O iodureto de potássio é o medicamento mais proveitoso contra o rheumatismo chronico; mas se podem ainda prescrever o vinho de colchico e certas agoas mineraes: fricções excitantes serão feitas local- mente e, quando o rheumatismo é mono-arlícular, além do hydriodato de polassa, Jaccoud propõe os revulsivos cutaheos e, em certos casos, a cauterisacão transcurrentc com o ferro vermelho. Qs banhos de mar dão por vezes bons resultados e Tardieu liga muita confiança ao emprego da hydrotherapia com sudação.-A encephalopathia rheumatismal exige um tractamenio especial e os revulsivos, como synapismos, cáusticos volantes» purgativos, etc.> representam aqui um papel importante: Trousseau pres- creve, além disto, o opio e almíscar internamente. 90 Ao lado do rheumatismo articular devemos collocar o rheumatismo nodoso, que deponde seguramente, mau grado a opinião de Trousseau, da mesma disposição diathesica: o que nos leva a crel-o é que o rheumatismo nodoso, além de accompanhar-se, ás vezes, de lesões cardíacas, como o observaram Romberg, Gharcot, Peter, Cornil e outros, succede frequente- mente ao rheumatismo articular. E depois, E. Vidal viu coincidir com elle accidentes cerebraes mortaes. O rheumatismo nodoso, já descripto ha muito por Musgrave e Landré Bouvais, é uma moléstia essencialmente chronica e pertencente ás classes pobres: a acção continua da humidade e do frio é a sua causa occasional. Primordial ou consecutivo ao rheumatismo articular, as lesões que o carac- terisam são sempre as mesmas; no primeiro caso elle ataca geralmente as mãos e os pés; no segundo, as grandes articulações e sobre tudo os joelhos e cotovelos. Quasi nunca a inflammação articular é accompanhada de hydrarthrose, a arthrite é constantemente secca e ao mesmo tempo ha espcssamento da synovial e dos ligamentos. O que dá o cunho caracteris- tico á moléstia, que nos occupa, é a formação de nodosidades nas epiphyses articulares dos ossos, nodosidades que nada mais são do que osteophytes procedentes de uma osteito ossificanle; mas existe concomitantemente uma osteoporose central e as cartilagens, soffrendo, como diz Billroth, uma desaggregação fibrosa, terminam por destruir-se. Os tendões, os ligamentos e os musculos muitas vezes se ossificam e parostoses se fazem no tecido conjunctivo sub-seroso. « Em alguns casos, diz Billroth, estas novas for- «. mações ósseas penetram no interior da articulação, destacam-se e tornam- «se corpos moveis intra->articulares. » Todas estas alterações trazem sempre após si deformações e luxações espontâneas das articulações, a cujo resultado contribue a retracção dos ligamentos, das aponevroses e dos musculos. O traclarnento do rheumatismo nodoso deve ser local e geral: no pri- meiro caso Trousseau acconselha banhos de sublimado, Guéneau de Mussy, banhos de arseniato de soda e Jaccoud, a applicação da tinctura de iodo: -para preencher a segunda indicação faz-se uso do iodureto de potássio, da tinctura de iodo e das preparações arsenicaes. E' mister que digamos que estes c outros medicamentos empregados são quasi sempre de uma utilidade problemática. 91 VIII Alguns pathologistas ainda consideram muitas outras moléstias como dependentes de uma disposição diathesica; mâs, quanto a nós, só as moléstias, que acabamos de examinar, possuem os caracteres das dia- theses. Seria racional admittir-se, como o faz Bouchut, uma diathese ulcerosa ou vermínosa? Parece-nos que não e, a ser assim, o nu- mero das moléstias diathesicas seria indefinido, o que valeria o mesmo que negar-se-lhes a existência. Essa mania, que possuem alguns médicos, de multiplicar as diatheses nada tem de scientifico e aquelles, que o fa- zem, não parecem formar uma ideia precisa sobre os caracteres, que as especialisam. Não cremos que seja fóra de proposito, antes de terminarmos a nossa dissertação, dizermos algumas palavras sobre uma theoria nova da orga- nisação, que tem pretenções a fóros de scientifica: é a theoria dos micro- zymas, que tem por propugnadores Béchamp e Estor. Dissemos que o organismo animal poderia ser considerado como um ser collectivo, constituído por uma infinidade de organismos elementares, que possuem cada qual a sua autonomia; mâs que se acham subordinados uns aos outros por um determinismo absoluto. Estas ideias, que foram brilhantemente desenvolvidas por Cl. Bernard, não são mais do que corol- larios das ideias do illustre auctor da Pathologia cellular. E na verdade, para Virchow, o individuo resulta de uma especie de organisação social, da reunião de muitos elementos postos em commum; mâs estes elementos, conservando cada um a sua actividade própria, constituem uma massa de existências individuaes, dependentes umas das outras. Ao passo que os trabalhos admiráveis do sabio professor da Faculdade de Berlin eram acceitos com enthusiasmo pelo mundo medico, Hughes Bennett, por seu lado, accreditando, como elle, que o organismo poderia ser reduzido a uma muitiplicidade de partículas elementares, regeitava, porém, a cellula como representando o elemento primordial da organisação. « Os elementos « últimos do organismo, diz elle, não são cellulas, nem núcleos; mas pe- « quenas moléculas, que possuem propriedades physicas e vilães indepen- < dentes, em virtude das quaes ellas se unem e se arranjam para consti- 92 «tuir fôrmas mais elevadas. Estas formas são núcleos, cellulas, fibras, «membranas; todas pódem fórmar-se directamente de moléculas. O des- « envolvimento e o crescimento dos tecidos orgânicos se opera pela forma- « ção successiva de moléculas histogeneticas e histolyticas. A destruição de «uma substancia é muitas vezes um preliminar indispensável á formação « de outra.» Quem conhece a lheoria dos microzymas verá que ella não é mais do que uma tangente das duas theorias, que viemos de expôr breve- mente. Cl. Bernard, nós já o dissemos, compara os elementos anatómicos a animaes infusorios: pois bem! - applicae esta idéa ás moléculas de Bennett, considerae-as como verdadeiros animalculos e vós tereis os mi- crozymas! « O organismo todo inteiro, diz Caizergues, é um aggregado demicrozy- «mas. Mas o microzyma não é uma cellula inerte. E' um corpúsculo fer- « mento, organisado, vivo. Passam-se. pois, n'elle todos os phenomenos «indispensáveis á vida; n'clle se efTectuam as funeções, sem as quaes a « vida é impossível. Elle é a séde d'esse duplo movimento em sentido in- « verso, que assimila e desassimila. Se, pois, uma primeira vista d'ollios «lançada sobre o organismo o envolve em sua totalidade, o mostra como « um aggregado de uma infinidade de pequenos corpos de proporções mi- « croscopicas; o segundo exame, mais instruído, mais philosophico, o de- «compondo, fará ver que a grande funeção do todo orgânico, a vida, não «é mais do que o resultado de todas as funeções das moléculas vivas, que « o constituem. » Estas moléculas vivas ou microzymas, que se reúnem para compor os elementos anatómicos, só differem das moléculas ultimas de Bennett, não porque são vivas, (pois a vida existe em todos os elemen- tos orgânicos); mas porque têem « uma vida própria, independente, que « se não lhes tira separando-as do orgam que as encerrava: » de sorte que ellas sobrevivem ao indivíduo e continuam a funccionar n'um organis- mo cadaver! Estes microzymas, sendo fermentos organisados, segue-se, como diz Béchamp que «a nossa vida é, em toda a accepção da palavra, uma fermentação regular;» de onde conclue Estor que «nós nos putre- fazemos sem cessar.» Por mais ingenhosa e interessante que seja esta lheoria, não nos parece que ella possa ser admitlida e, como diz Vulpian, falta-lhe a condição es- sencial para a sua acceitação, - é a demonstração dos microzymas como organismos independentes e dotados de aclividade. E depois, o que é o microzyma? Os seus inventores não no decidem. «Vegetal ou animal, diz 93 «Caizergues, se sua ínfima pequenhez não nos tem permittido aperceber «sinão a sua fórma grosseira, que importa? Vemos o seu movimento, ve- «rificamos que funcciona. Elle ê ao mesmo tempo a base e o agente de «todo o organismo.» Será na verdade crivei que nós nada mais sejamos do que um aggregado de cryptogammas ou infusorios? O organismo humano é formado de cellulas; mas os microzymas, como diz Caizergues, são os factores doestas cellulas, são os agentes do organismo e d'este facto resulta um verdadeiro absurdo, - é que nosso corpo seria um producto ou um re- sultado de seres microscopicos vegetaes ou animaes. Não nos demoraremos sobre todas as objecções, que se pódem fazer não só á theoria, como as experiencias, que lhe deram origem; mas força nos é confessar que não podemos accreditar que as partículas, que entram na composição do orga- nismo, sejam seres independentes que possam, depois da morte do indivíduo, proseguir inalteráveis, como diz Caizergues, na execução de suas funcções. Terminamos aqui a nossa dissertação; mas bem sabemos que muito haveria ainda que dizer sobre o ponto, que escolhemos. Baldo do instruc- ções; mâs desejoso de saber, procuramos desempenhar o melhor, que nos foi possível, a missão, que nos impoz o dever: agora só nos resta esperar pelo juizo imparcial de nossos dintinctos julgadores. S E C C Ã 0 MEDICA ó PROPOSIÇÕES PHYSIOLOGIA FUNCÇÕES DA MEDULLÀ I A medulla é um orgam transmissor das impressões centripetas e das excitações centrífugas. II Ella é ainda um verdadeiro centro de innervação. III Incontestável é a sua influencia sobre todas as funeções da vida vegetaliva. PATHOLOGIA GERAL DIATlfESE I A diathese provém sempre de uma perversão nutritiva. II Ella se traduz ordinariamente por uma moléstia constitucional, cujos productos se apresentam geralmente sob fôrmas infinitamente variadas. III As moléstias diathesicas são as mais das vezes fataes e quasi sempre incuráveis. 96 PATHOLOGIA INTERNA SCLEROSE DO FÍGADO I A sclerose hepalica resulta da hypermegalia do tecido conjunctivo in- tersticial do orgam. II Os seus symptomas principaes são a ascite, a magrem, as hemorrhagias e, ás vezes, a acholia. III O prognostico é excessivamenfe grave e a therapeulica geralmente inefficaz. CLINICA MEDICA DIAGNOSTICO DA UBEMIA I A uremia tem por causa a insufficiencia ou a suppressão da uropoese. II O conhecimento dos estados morbidos anteriores, o exame das urinas e do apparelho urinário são de absoluta necessidade para o diagnostico da uremia. III A ausência de febre e de akinesia, a expiração ammoniacal, etc. são ainda phenomenos que podem esclarecer o juiso do pratico. MATÉRIA MEDICA E THERAPEUTICA OS EFFEITOS, QUE CONSTITUEM A MEDICAÇÃO ANALEPTICA POR MEIO DO TRACTAMENTO FERRUGINOSO, ' SÃO A CONSEQUÊNCIA DA MAIOR QUANTIDADE DE FERRO NA COMPOSIÇÃO DO GLOBULO RUBRO? I Comquanto entro o ferro na composição da hemoglobina, a sua acção sobre a economia não consiste no augmento do ferro contido nas hematias. 97 II 0 ferro actua certamente sobre os orgãos hemopoeticos, tornando as suas funcções mais aclivas. III Elle exerce ainda uma acção tónica sobre o eslomago e regularisa-Ihe as funcções. HYGIENE DÀ ACCLIMAÇÃO I Ao estudo da acclimação se ligam altas questões sociaes. II A acclimação nos climas frios e temperados é muito mais facil e exempta de inconvenientes do que nos climas quentes. III A acclimação nos paizes tropicaes é uma questão de difficil solução e os melhores hygienistas sustentam acerca delia opiniões diametralmente oppostas. SECÇÃO CIRÚRGICA PROPOSIÇÕES ANATOMIA DESGRIPTIVA GLANDULAS SALIVARES I As glandulas salivares são glandulas acinosas compostas. II As mais importantes são as glandulas parotidas, sub-maxillares e sub- lingoaes. III A irmervação destas glandulas, estudada pelo illustre professor de Me- dicina do collegio de França, foi um raio de luz projectado na physiologia das secreções. ANATOMIA GERAL E PATHOLOGICA SERÃO AS CAPSULAS SUPRA-RENAES GLÂNDULAS VASCULARES SANGUÍNEAS OU ANTES GANGLIOS NERVOSOS? I A substancia medullar das capsulas supra-renaes, como resulta das observações de Kõlliker e Leydig, deve ser considerada como um ganglio nervoso. II A substancia cortical é seguramente uma glandula vascular sanguínea. III - Ainda hoje se não conhece com certesa quaes as suas funcções. 100 PATH0L0G1A EXTERNA OS ABCESSOS POR CONGESTÃO SÃO DEVIDOS A CARIE DAS VERTERRAS? I Os abcessos por congestão, ligados ao mal de Pott, são devidos sem duvida alguma á carie fungosa das vértebras. II As cellulas da medulla óssea, entrando em proliferação, invadem os espaços medullares, soffrem a caseificação e se amollecem: é a eliminação destas cellulas degeneradas que dá logar a estes abcessos ossiíluentes. III Ha abcessos por congestão que não dependem da carie vertebral. CLINICA EXTERNA GANGRENA SP0NTANEA E SUAS DIVERSAS ESPECIES I Não ha mortificação alguma dos tecidos que mereça o nome de gan- grena espontânea. II Este nome tem sido dado ás necroses, que resultam quer de uma mo- dificação circulatória, quer ainda do uma alteração própria do sangue. III Diversas são portanto as especios desta cathegoria de gangrenas. MEDICINA OPERATÓRIA INDICAÇÕES DA IRIDECT0MIA I A irideclomia deve ser praticada toda vez que houver pressão intra- ocular. II E' no glaucoma que a irideclomia acha uma de suas melhores indicações. 101 III O processo operalorio da iridectomia se póde resumir, segundo o illustrado oculista o Sr. Dr. José Lourenço, na incisão da sclerotica, na hérnia espontânea ou provocada da iris e na excisão da parte herniada. PARTOS INDICAÇÃO DA OPERAÇÃO CESAREA I A operação cesarea só deve ser indicada, najnulher viva, nos limites extremos dos estreitamentos da bacia. ♦ II Seguindo a opinião do illustre professor de partos da Faculdade de Medicina de Paris, preferimos a cephalotripsia á operação cesariana até nos estreitamentos de 27 millimetros. I III A operação cesariana deve sempre ser praticada na mulher morta, quando houver probabilidades sobre a vida do feto. SECCÃO ACCESSORIA PROPOSIÇÕES PHYSICA QUE SOCCORROS PRESTA A PHYSICA A MEDICINA? I O rigor dos melhodos empregados pelos physicós no estudo dos factos de sua competência é, talvez, a primeira vantagem, que da physica aufere a medicina. II Existem na economia viva orgãos e apparelhos analogos aos estudados pelos physicos em seus gabinetes; logo, da physica virá a mais racional explicação dê seu funccionamento. III O emprego dos instrumentos de physica, tão generalisado hoje, no exa- me e na exploração dos orgãos doentes é uma prova do muito que a phy- sica tem prestado á medicina. GHIMIGA MINERAL ESTUDO CHIMÍCO DOS PTINCIPAES DERIVADOS DO PHOSPHORO I A allotropia do phosphoro é o facto dominante na historia das proprie- dades pbysicas d'este corpo. II Os ácidos meta-phosphorico, pyro-phosphorico e phosphorico ordinário são entidades chimicas distinctas. 104 HL E' do phospliureto de hydrogenio liquido que o bydrogenio phospbo- rado de Gengembre deve sua espontânea inflammabilidade. CHIMICA ORGÂNICA CONSTITUIÇÃO DOS CORPOS GORDUROSOS I Os corpos gordurosos são elheres de glycerina. II A glycerina é um álcool triatomico. III A glycerina, por mais que o digam, não tem sido artificialmente obtida; reproduzida-sim. BGTANICA RESPIRAÇÃO VEGETAL I A respiração vegetal consiste essencialmente nas modificações, que ex- perimenta a seiva por seu conflicto com os elementos do ar. II Ha um equilibrio providencial entre a respiração diurna das plantas e a respiração animal, radicalmente distinctas na naturesa dos productos exha- Jados. III E' a chlorophylla que, em presença da luz, decompõe o acido carbonico, - alimento da respiração vegetal. MEDICINA LEGAL ENVENENAMENTO PELO PH0SPH0R0 I Não é possível que tão cedo o envenenamento pelo pliosphoro tome, entre nós, as proporções assustadoras, que tem assumido na Europa. 105 II O processo de Mitscherlich, apesar de sua improíicuidade em algumas condições particulares, deve ser lido em muita conta peio medico-legista, no reconhecimento do phosphoro. III A essencia de thercbenlhina, se não é o anlidoto, é, sem duvida, o agente que domina a therapeutica do envenamento pelo phosphoro. PHARMACIA QUAL DOS VINHOS ENCONTRADOS NO NOSSO MERCADO DEVE SER PREFERIDO PARA PREPARAÇÃO DOS VINHOS MEDICINAES? I Variando os vinhos em sua composição e sendo também de naturesa differenlc os princípios, que devem ser por elles dissolvidos para constitui- rem-se em vinhos medicinaes, deve-se, antes de tudo, apropriar-se a com- posição do vinho á dos princípios, que elle tem de dissolver. II Os vinhos encontrados em nosso mercado são, em geral, artificiaes ou de qualidade inferior; não ofTerecem, portanto, as condições exigidas para servir de vehiculo ou dissolvente de princípios medicamentosos. III E', comtudo, preferível, para os effeitos indicados nas proposições ácima, o vinho branco de Lisboa.