:rra?^j I II BR ARY OF MEDICINE N ATIoMJU LIBR ARY OF MEDICINE NATIONAL LIBRARY OF MEDICINE N* 1 . Z fl iO A9V19I1 IVNOIÍVN 1NI3IQ3W iO UUII1 IVNOIÍVN 3NOI0JW IO A IIV I 9 I 1 IVNOIÍVN V19I1 IVNOIÍVN 1NI3I03W IO A » V * 9 II IVNOIÍVN 1NI3IQ1W JO A II V » 9 II IVNOIÍVN ]N NATIONAL LIBRARY OF MEDICINE NATIONAL LIBRARY OF MEDICINE NATIONAL LIBRARY OF m I D l «. l ! J&V INI3I01W IO AIVIII1 IVNOIIVN 1NI3I0IW IO A IV II 9 I 1 IVNOIIVN 1NI3I0ÍW IO AIVB9I1 1VNOI1 ^ RELATÓRIO aU^ ~r' Trabalhos Acadêmicos de 30 de Junlio de 1875 a 30 de Junlio- de 1876 APRESENTADO i < ô-t DO ítxit^j x_jx1>( xj EM SESSÃO MAGNA DE 30 DE JUNHO DE 1876 Pelo Secretario-Geral Çt\ ^ose |Jn*rint |Uça jfiljja Doutor em medicina pela Faculdade do Rio de Jaueiro, Bacharel em lettras pelo Imperial Collegio de D. Pedro II, Official da Imperial Ordem da Rosa, Cavalleiro da de Nosso Senhor Jesus-Christo, Commendador da Real Ordem Portugueza de Nossa Senhora da Conceição da Villa-Viçosa, Professor Honorário da Academia Imperial das Bellas-Artes, Medico Adjunto da Santa Casa da Misericórdia da Corte, Secre- tario-geral da Academia Imperial de Medicina do Rio de Janeiro, Secretario-geral da Sociedade Auxiliadora da Industria Nacional, Delegado da Inspectoria Geral da Iustrucção Publica da Corte, Secretario do Conselho Fiscal do Imperial Instituto Fluminense de Agricultura, Membro do Conselho da Sociedade Propagadora das Bellas-Artes, Membro Effectivo da Sociedade Vellosiana, Membro correspondente da Academia de Medicina de New-York, Membro correspondente das Sociedades Médicas de Illinois nos Estados-Unidos, Sciencias Médicas de Lisboa, de Historia Natural < lsis » em Dresden (Allemanha), de Hygiene de Pariz, Associação Medica de Buenos-Ayres, Anthropologica da Ilha de Cuba, Sócio Fundador da Sociedade Medica do Rio de Janeiro, etc, etc. RIO I>E JANEIRO TYP. UNIVERSAL DE E. & H f %r LAEMMEIMlV ^ qJ% v ^h^ 71, Rua dos Inválidos, 71 1879 8018 Tirando em separado o presente trabalho, não vai em nós pretenção de autor, apenas o desejo de colleccionarmos em um só volume o que corria impresso em vários números do jornal acadêmico, tornando difficil a consulta. Está, portanto, justificado o nosso propósito. Apreciando as diversas questões, guardámos sempre a lealdade precisa, buscando expor do melhor modo as idéas mantidas pelos nossos doutos companheiros. Sendo certo ser da maior conveniência o conhecimento exacto de suas opiniões, não nos eximimos de desenvolver alguns pontos em que se fazião opportunos maiores escla- recimentos, razão dos pormenores a que chegámos em muitos delles. Si este documento não tem valor scientifico, nem litte- rario, traduz ao menos o nosso interesse e zelo no desem- penho da honrosa tarefa que nos foi confiada. Dando á estampa em época tão afastada de sua leitura, seria motivo á censura, si esta decisão não estivesse subor- dinada a razões de conveniência. O novo archivo continha trabalhos de data anterior, e, devendo ser respeitada a ordem de antigüidade, só agora tocava-lhe a publicação ; explicada fica, pois, a demora havida. Resultado de cumprimento de deveres, aguarda a bene- volência do leitor com a qual conta Corte, Junho de 1879. O Autor. RELATÓRIO DOS Trabalhos Acaieniicos de 30 le Jnnlio ie 1815 a 30 de Junho de 1816 LIDO EM SESSÃO MAGNA DA ACADEMIA IMPERIAL DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO EM 30 DE JUNHO DE 1876 PELO SECRETARIO GERAL Pr. José j^ereira J^.ego j^ilho De 1'emploi du temps, du travail, est sorti tout ce qui mérite 1'amour, 1'estime et l'ad- miration des hommes: c'est un terroir fé- cotid, oú se-forme, croit et s'èlève sur Ia même tige le double germe du génie et de Ia vertu. Recueil de Discours. par N. A. Dubois pag. 2i. O estudo e a sciencia são os dous primeiros bens depois da virtude, disse-o inspiradaraente, um dis- tincto escriptor deste século. Negar estes principios, seria tarefa inglória: e, para quem tanto ousasse, sirvão de protesto as significativas palavras de Dubois quando proclama, « o amor do trabalho e da virtude », eis a única e fiel bússola que poderá conduzir com segurança atravez de todos os perigos. Severa tem sido a Academia para não desmentir estes salutares principios; conclusão a que che- garão sem reluctancia todos aquelles que a jul- garem com espirito desprevenido. Como padrão de sua gloria, basta dizer-se : 6 uma associação scientifica, que, apezar de toda a má vontade que lhe votão seus inimigos, conta 47 annos de existência nesta terra, onde a descrença e o indifferentismo lavra em tão alta escala em tudo o que se afasta dos interesses politicos e materiaes. Passarem revista todos os factos que constituirão o cabedal dos seus trabalhos no anno que hoje finda, seria tarefa longa, tantos e tão bem apro- veitados fôrão os esforços empregados pelos seus membros para attingirem ao alvo da justa e bem emprehendida jornada dos seus instituidores. Quasi todos os ramos das sciencias médicas, oc- cupárão sua particular attenção, mostrando os aca- dêmicos, empenhados na discussão dos variados e interessantes assumptos submettidos á sua analyse, muito estudo e melhor circumspecção. Sem fallarmos do jornal, que foi redigido com todo o critério e talento pelo illustrado acadêmico Dr. Peçanha da Silva, a quem, com segurança de bom êxito, confiou a Academia; nem tão pouco da tliesouraria, entregue hoje aos cuidados do nosso sympathico e mui apreciado consocio Dr. Menezes Brum, em quem tem certeza encontrará um digno imitador do sempre respeitado e não menos amado Dr. Nicolau Moreira, cuja ausência, ella, cheia de saudade, lamenta, embora saiba que se acha ao serviço da pátria e illustrando o nome brazileiro; impossivel seria alcançarmos a vossa benevolência, convidando-vos a ouvirdes desde já a historia de todas as questões discutidas, criticadas e lidas no anno acadêmico hoje encerrado. Exigi-lo seria pedir-vos um grande sacrifício, e a essa confirmação chegareis com facilidade, pelo que passo a noticiar-vos. - 3 — Si tivéssemos de indagar do valor de todas as observações apresentadas, muito longe iriamos, tendo de orientar-vos dos bons documentos scientificos, trazidos ao seu grêmio, pelos Srs. Drs. Pereira Guimarães, expondo três excellentes obser- vações, uma sobre o ainhum, outra sobre um aneu- rysma da carótida primitiva esquerda, curada com a applicacao da electricidade, e outra de um aneu- rysma popliteu, curado pela compressão mechanica e inlermittente da artéria crural, na dobra da vi- rilha ; Barão de Lavradio, referindo dous casos im- portantes, um de erysipela ambulante, depois da inoculaqâo da vaccina, e outro de varioloide mar- chando em commum com a vaccina', Carlos Eboli dando conta de observações interessantes de sua clinica hydrotherapica, tão apreciadas pelo corpo acadêmico, que as julgou dignas da censura do nosso intelligente consocio Dr. Brum; Baptista dos Santos, lendo uma observação de morte pelo chio- roformio, administrado com o fim de evitar as dores dependentes da cauterização de um cravo bobatico na planta do pé, e que deu logar a uma discussão distincta, em a qual os acadêmicos nella empe- nhados mantiverão o prestigio em que são tidas suas opiniões scientificas; Costa Ferraz, commu- nicaiido um caso importante de ecclampsia; Alfredo Piragibe, dando noticia de observações de bas- tante interesse sobre vaccina; Pires Ferreira apre- ciando um caso não menos valioso de Symble- pharon, terminado pela cura', Gama Lobo, final- mente, referindo duas observações não menos curiosas e dignas de estudo, sendo uma sobre um ectropion cicatricial da palpebra superior, e outra de uma cicatriz defeituosa da pelle da maxilla in- ferior, resultado de uma.- jistula da- carie dentaria, — 4 — cuja historia pede um longo desenvolvimento, tào interessantes são as considerações que cada uma suscita. Não obstante terem sido em sua quasi totali- dade objecto dos meus desvelos, não serão por vós conhecidas na presente sessão. Si deixarmos o terreno das observações, cumpre- nos affirmar, que não menores forão os recursos que lhes ministrarão seus membros, dando conta de importantes relatórios, já sobre questões trazidas á sua consulta, já sobre memórias apresentadas como titulos á inscripção no corpo acadêmico. Da analyse das memórias, a titulo de admissão, encarregarão-se, e bem se houverão, os Srs.: Dr. Menezes Brum, opinando sobre o trabalho do Dr. João Francisco de Souza, actual membro adjunto da Secção Medica, tendo por titulo : A prostituição no Rio de Janeiro, suas causas e medidas a adoptar para a sua não propagação; Dr.- Nicolau Moreira, ciando conta do merecimento da memória do Dr. Henrique Rey, candidato a um logar de membro correspondente, intitulada — Memória sobre as es- tatísticas da tísica no Rio de Janeiro, que, tendo sido favoravelmente aceita pela Academia, collocou o candidato com justiça na classe dos membros correspondentes estrangeiros; Dr. Soeiro Guarany, analysando um excellente estudo do Dr. José de Góes Siqueira, também sobre a prostituição no Rio de Janeiro e medidas que cumpre adoptar em favor de sua prophylaxia, ponto que seu autor desen- volveu com muito critério, e que tendo sido apre- sentada para titulo de admissão na classe dos membros adjuntos da Secção Medica, foi julgado prova cabal para inscreve-lo no numero dos nossos consocios, e assim satisfeito o seu desideratuin ; — 5 — Dr. Costa Ferraz, ajuizando do trabalho do Dr. José Rodrigues dos Santos, candidato a um logar de membro adjunto da Secção Cirúrgica, tendo por titulo—Do cauterio actual nas moléstias uterinas—, trabalho que lhe deu entrada para a referida classe, bem aceito como foi pelo relator. De não menor valor serião as reflexões a fazer sobre os bem preparados relatórios, que. a propósito das questões medico-legaes aventadas sobre os factos de Silveira e supposto Augusto Riecke, formularão as duas commissões ouvidas a este respeito ; bem como ao que redigio o Sr. Dr. Cosia Ferraz, opi- nando sobre a consulta feita pelo distincto clinico o Dr. Godoy Botelho, sobre um caso controver- tido de envenenamento pela strychnina, em que eião partes elle e o Dr. Souza Lima. Devem ainda ter um logar distincto as memórias apresentadas pelos Srs. Drs. Caminhoá e Souza Costa, tratando este fa febre amarella em Campinas, occupando-se aquelle com o Jaborandy; bem como os ajuizados estudos críticos do Sr. Dr. Rego César, sobre a Gymnastica medica de Schõnstrõm e Cli- nica Militar do Dr. Ennes;ea,s não menos inte- ressantes memórias dos Srs. Drs. Pereira Guima- rães sobre o ainhum, e Peçanha da Silva sobre as causas da mortalidade das creanças até 4 annos de idade, trabalho longo, bem preparado, e cuja con- sulta será feita sempre com proveito e interesse por aquelles que dirigirem seus estudos para esta especialidade. A analyse das discussões, será também matéria de desenvolvida narração, já a que foi levantada apro- posito da acção abortiva do sulfato de quinino., já sobre os relatórios apresentados a propósito dos exames medico-leyaes acima apontados, já sobre as causas, caracter e tratamento da febre amarei/a* já sobre as bases para um projecto sobre vaccinação e revaccinação, já em relação ás variadas obser- vações que ao juizo acadêmico fôrão submettidas. Assim, pois, satisfeito o compromisso que toma- mos de provar-vos que a extensão da matéria im- põe-nos o dever de furtar-vos ao prazer de conhe- cerclcs de todos os assumptos ventilados no anno ido, do que vos convencereis, quando forem elles publicados em os nossos annaes, occuparemos por momentos vosso precioso tempo com a exposição de alguns dos pontos importantes, e que fôrão objecto da attenção acadêmica sem que, repito, nossa reserva para os outros, na presente occasião, signifique menor distincção a elles consagrada. Apenas o desejo de evitarmos o enfado com a extensão e leitura de um mal elaborado trabalho, feito tão somente em cumprimento de dever. Dito o que apreciemos os diversos factos que mais despertarão a nossa attenção. Ia PARTE. Observações lidas. Os factos em medicina constituem um vasto arsenal que fornece os melhores materiaes para as doutrinas e theorias de que se compõe o patrimônio da sciencia propriamente dita. Consignemos nossos factos, tenhamos um archivo onde elles possão ser guardados e depois consultados, e poderemos mais tarde rejeitar como falsas algumas das opiniões que nos são impostas da Europa, porque então esta- remos habilitados a crear uma opinião nacional (1). fl) Torres Homem.—Annuario de observações, 1869. Prefacio, pag. y. — 7 — Adoptando estes pensamentos do talentoso escri- ptor, e um dos bellos ornamentos da g-erar'ão medica actual, externaremos com franqueza o nosso modo de pensar sobre o merecimento que votamos aos esforços empregados por aquelles, que arcando com os preconceitos e egoismo do século, vêm ainda depor no templo da sciencia o fructo de suas lu- cubrações, protestando assim de um modo heróico e significativo contra a inércia e preguiça dos gri- tadores, que só têm armas para censura, e nunca elementos para fazer alguma cousa de utilidade e aproveitável. De grande alcance é sem duvida o registro de todas as observações que tragão instrucção ao cli- nico, sempre involto em duvidas, quando chamado a resolver a serie de questões intrincadas que correm no vasto ramo das sciencias médicas e cirúrgicas. Clinica medica e cirúrgica sem observações seria uma utopia. A observação é a educação do medico e do cirurgião ; portanto sem ellaa sciencia do medi- co ou do cirurgião seria um edifício frágil que, destituído de sua pedra angular, se esboroaria cedo ou tarde, ou antes não chegaria nunca aos seus fins. Claro fica pelo que expendemos que nossos louvores serião immensos, si força tivéssemos para avaliar do gráo de importância das observações que fôrão apresentadas no corrente anno acadêmico; no entretanto, máo grado nossa incompetência, va- mos aprecia-las para melhor esclarecer o vosso espirito, que assim julgará do seu valor. Si não fôrão em grande numero os factos tra- zidos ao registro, versão todos elles sobre assumptos de importância, e que os tornão recommendaveise dignos de attenção. Dito isto encetemos a analyse. — 8 — Observação sobre um caso de « Aiuhum » pelo Dr. José Pereira Guimarães. Habitantes de um paiz onde a raça negra, dis- seminada por todas as provincias, concorre com um grande contingente para o algarismo da nossa população, é muito justo que tratemos de estudai- os morbos que lhe são peculiares; e este estudo tornar se-ha tanto mais interessante, quanto versar sobre moléstias que, si não são totalmente desco- nhecidas pelos homens da sciencia, são pelo menos tão mal e tão perfunctoriamente estudadas, que se pôde dizer : offerecem ao investigador um campo ainda inculto para ser arroteado (2). Assim se exprimio, ao lançar a palavra inicial sobre um excellente estudo intitulado—O ainhum, quando ainda seguia o curso acadêmico, um dos nossos mais distinctos médicos da geração pre- sente, e cujas glorias escolares serão sempre para si uma venturosa recordação, o Dr. Domingos de Almeida Martins Costa. E, portanto, um ponto importante aquelle esco- lhido pelo illustrado acadêmico Dr. Pereira Guima- rães, e que elle buscou desenvolver e apreciar com todo o discernimento., fir nando principios de grande peso, para aquelles que, se interessando por as- sumptos desta natureza, consultarão com vantagem, tendo de estudar uma moléstia que se apresenta com caracteres mui curiosos e extraordinários (3), os preciosos estudos feitos sobre a matéria pelos Drs. Pereira Guimarães e Martins Costa. (2) Do Ainhum.—Estudo sobre a moléstia conhecida sob esta deno- minação, por Domingos de Almeida Martins Costa.—1875. (3) Dr. Pereira Guimarães. - 9 - Todos estes trabalhos têm valor intrínseco, e para dar-lhes merecimento, apreço e utilidade, os seus autores não se pouparão de bem indagar todos os dados havidos na sciencia para elucidação de uma questão de tanto alcance scientifico, e onde os dous profissionaes, Pereira Guimarães e Martins Costa, disputarão a vantagem de melhor comprehensão e critica. Ao Sr. Dr. Moncorvo de Figueiredo, nosso apre- ciável consocio, deve-se a iniciação desta questão entre nós. Foi depois de sua judiciosa communicação em uma das sessões da Academia no anno de 1874, de um doente por elle encontrado e operado na província do Rio de Janeiro, e de cuja peça pa- thologica teve conhecimento a Academia, que ap- parecêrão os dous minuciosos e bem aproveitados estudos sobre o Ainhum. Parabéns sejão, pois, rendidos ao Sr.Dr. Moncorvo de Figueiredo, por ter concorrido directamente para producção de dous documentos scientificos, e que serão sempre lidos com satisfação e empenho, reve- lando em seus autores esmerada applicação e melhor aproveitamento. Destas Memórias nos occuparemos em outro logar; por emquanto demos contada observação de cuja analyse fomos desviados. Laborioso, e tendo como propósito firmado, alargar o horizonte das sciencias no ponto de vista pratico, dá conta o Dr. Pereira Guimarães de um caso de Ainhum, em que se dá uma excepção, tendo em vista o que está geralmente aceito nos annaes da sciencia em relação a esta moléstia. — 10 - Cogitemos do íácto. Sabido é, que o ainhum, é peculiar á raça negra e attaca os dedos minimos dos pés. Exactamente a esta questão se dirige o Sr. Dr. Pereira Guimarães, provando que já não se pode admittir esta idéa em absoluto, e refere um caso de ainhum, dado em um doente, entrado para a casa de saúde de Nossa Senhora d'Ajuda, de cor preta, soffrendo da moléstia nos dedos minimos do pé direito e quarto do pé esquerdo. Seus esforços investigadores ainda são desta vez secundados pelo distincto profissional o Sr. Dr. Martins Costa, que, segundo declara o próprio communicante, deu-lhe noticia de um doente da clinica do Dr. Baptista dos Santos, em que se davão as mesmas excepções. Continuem os dous intelligentes e applicados contendores em porfia tão justa, e a sciencia lhes será agradecida. Já é gloria e recompensa de subido quilate o poderem dizer: « até hoje não se conhecia entre nós um só caso em que outros dedos, a não serem os minimos dos pés, fossem affectados. Ficão agora consignados dous factos. » A Academia registra-os em seus Annaes com vivo interesse e maior re- gosijo, desejando que a perseverança, a boa von- tade e a applicação de tão distinctos obreiros sejão alentadas sempre de grande estimulo, para que elles, redobrando de esforços, disponhao-se a novos commettimentos, quer sobre o ponto em questão, quer em outros assumptos de não menor valimento que pedem estudo e escrupulosa attenção. — 11 - Aneurisma da Carótida primitiva esquerda. — Cura pela electricidade, pelo Dr. José Pereira Gui- marães. O distincto professor Holmes, inaugurando suas lições sobre o tratamento dos aneurismas no Royal College of Surgeons, diz, tratando dos meios em- pregados nos aneurismas thoraxicos e abdominaes, « que são elles remédios duvidosos, applicados a affecções quasi incuráveis; que os práticos, empre- gando-os, devem contar com freqüentes decepções, devendo esperar mais revezes do que successos; humilhante contraste com os resultados brilhantes fornecidos por muitas operações ; que isso, porém, não deve ser motivo de abstenção, porquanto a arte não pôde progredir senão fazendo face ás difficuldades, e não evitando-as; tanto mais, que si for possivel alliviar um pequeno numero de infe- lizes victimados por tão cruéis affecções, e salva-los de um destino inevitável por qualquer outra ma- neira, os sentimentos de humanidade e dever profissional nos impõem a obrigação de fazer esta tentativa, por mais difficil que possa ser, e por mais mortificante que seja o seu resultado (4). > Taes idéas dominarão forçosamente o espirito do muito lido acadêmico, e firme em taes principios e na primeira proposição estabelecida por Holmes no mesmo trabalho, « de que qualquer que seja a variedade de um aneurysma, por mais approximado que se ache do coração, não se deve considerar como incurável, convindo ao contrario submette-lo a um (t) Léçons sur le traitement des íinénrysmes par Tim. Holmes. Tra- diiitU de 1'anglais par le Dr. O. Caus.sidon.— Gazette des llopitaux. Vâ". 4;ir>, u. 55. 11 de Maio de 1*70. - 12 — tratamento methodico deíinito,interno ou externo», foi todo esforço para salvar o doente entregue aos seus cuidados. Desde Alph. Guérard, buscão os cirurgiões um recurso poderoso na electric idade para a cura do aneurysma, e pois, o illustrado autor da observação, pouco confiando nos meios de que poderia lançar mão no caso sujeito á sua apreciação, deliberou-se a applica-lo no seu doente, antes por desencargo de consciência do que na esperança de bom êxito, ou victoriado tratamento que ia encetar. O immortal Duchenne de Bolonha, fallando da electricidade localisada diz: « Dirigir e limitar o poder electrico nos órgãos, é abrir á observação um campo não explorado. A localisação deste poder permitte com effeito estudar certas propriedades phisiologicas dos órgãos, assim como suas pertur- bações pathologicas » (5). Mais uma prova para corroborar o judicioso pensamento de tão eximio escriptor. E o facto re- ferido á Academia no corrente anno em uma de suas sessões pelo nosso intelligente e applicado con- socio Dr. Pereira Guimarães. Tratava-se de um pardo que teve occasião de vêr pela primeira vez em Janeiro de 1874. Nessa época o aneurysma occupava a artéria carótida pri- mitiva esquerda e distava da clavicula dous e meio centimetros. Pensou em fazer a ligadura, mas não quizerão consentir na operação. Em principio de Outubro desse mesmo anno foi-lhe apresentado o doente. O tumor estava consideravelmente augrnen- tado e estendia-se até á clavicula. (b) Duchenne de Bologne. Del'électrisation localisée et de son appli- cation à Ia physiologie, á Ia pathologie et à lath> rapeuliquc—Pa-iz, 1855. Prèface. - 13 - Era impossivel tentar a ligadura. Seu desenvol- vimento se fizera tão rapidamente que fazia receiar a terminação prompta da vida do infeliz. Apresentou á Academia as | hotographias mos- trando perfeitamente o ^amanho do tumor. Lançou então mão da electriciclade, applicando os pólos de uma machina de inducção, um na parte superior e outro na parte inferior. Ora appro- \iinava, ora afastava os dous electrodos. Os choques erão bastante fortes e pelo doente muito accusados. A applicação durava dous minutos, porém, tinha logar de modo intermittente. Os músculos, principalmente o sterno—cleido— mastoideu contrahia-se, notando elle que o tumor diminuía de volume. Logo depois da applicação da electricidade, o tumor ficava mais duro e as pulsa- ções diminuião um pouco. Fôrão applicados seis choques electricos. O tumor foi sempre diminuindo. Em fins de Novembro exigirão a alta do doente, que se achava na casa de saúde de Nossa Senhora d Ajuda. Dous mezes depois teve elle occasião de encontrar o doente. O tumor tinha diminuído de volume, asseguran- do-lhe o doente que um mez depois de ter alta o tumor tinha cessado inteiramente de bater. Teve occasião de vê-lo ainda muitas vezes depois, no- tando que o tumor diminuia progressivamente. O doente foi apresentado á Academia, verificando ella que elle se achava inteiramente curado, res- tando apenas um pequeno núcleo duro, no ponto primitivamente occupado pelo aneurysma. Ao que acabamos de expor parece, que outra conclusão não pôde tirar-se a não ser, que este facto é muito importante, porque, não só é o umco conhecido de cura de aneurysma pelos choques — 11 - electricos; além de que nenhum escriptor estran- geiro, nem nacional, lembra o emprego simples- mente da electricidade para a cura dos aneurysmas. Observações importantes como esta, e a que passo a referir-vos, bem (^emonstrão que a Aca- demia vai sempre caminho do trabalho, e que de- clamadores são aquelles que a accusâo de inactiva. Aneurysma popliteu, curado pela Compressão Me- cânica e intermittente da artéria crural, na dobra da virilha, pelo Dr. José Pereira Guimarães. Foi o titulo de outra observação de grande valor apresentada pelo mesmo acadêmico, investigador consciencioso e que não cessa de trabalhar para elevar sua profissão á altura do seu sacerdócio. Esta observação refere-se a um facto de cura por inflammação e resolução espontânea de um enorme aneurysma da parte superior da femoral esquerda. Neste caso houve de notável não dar-se suppu- ração nem gangrena. Em autor algum encontrou elle exemplo de cura espontânea de aneurysmas tão grandes sem suppuração e gangrena. Ha além disso de particular estar o aneurysma assestado em um membro mutilado, tendo o doente soffrido, ha muitos annos, a amputação no terço superior da perna. A narração destes factos foi ouvida com toda a attenção; tanto foi o interesse que ella despeitou a todos os que ouvirão o minucioso e proficiente estudo feito pelo seu autor sobre dous casos tão interessantes. Sirva o seu modo de proceder de bom exemplo aos nossos consocios, e a Academia será sempre applaudida e apreciada pelos seus bons trabalhos. — 15 - Erysipela ambulante, depois da inocidação da vaccina, pelo Barão de Lavradio. Quem tiver bem presente ao espirito as palavras do eloqüente Macaulay, quando ao occupar-se das devastações feitas no xvn século, classifica a be- xiga como o mais terrivel de todos os ministros da morte (6), não pôde esquivar-se de aceitar como infundadas as razões de opposição levantadas con- tra o poder preservativo da vaccina. Dando conta destes acontecimentos, diz Macaulay: The ha voe ofthe plague had beenfar more rapid, bnt the plague had visited our shores only once or tivice within living memory, but the small-pox was alivays present, fieling the churchyards with corpses, leaviuy on those whose lives it spared the hideous traces of itspower, turning the babe into a changeling at which the mother shuddered and mcdcing the eyes and cheeks of the betrothed maiden objects of horror to the lover. (7) Neste expressivo quadro por elle traçado com mão de mestre, bem se vê o horror que deve inspi- rar á humanidade este terrivel flagello, que a tantas abherrações sujeita o organismo humano ; e, no entretanto, máo grado as provas positivas e incon- testáveis que em seu beneficio são trazidas diaria- mente, ainda ha espíritos prevenidos que buscão desconceituar o valor e a efíicacia deste poderoso meio preventivo. Sem podermos acompanhar aquelles que se alistão á seita dos que lhe contestão o seu valor preservativo, porque abraçamos de coração os bem ((j) Macaulay Ilistory of England, vol. iv3 pag. 350 (8 edit. is.>5; [7) Loco ei tato. — 16 — deduzidos preceitos do Dr. Nicolau Moreira (8) quando, discutindo a efíicacia da vaccina proclama acertadamente : « que negar a realidade dos effeitos preservativos da vaccina e a inocuidade de sua ap- plicação, é querer mostrar-se indifferente e insensível aos raios do sol, quando atravessar os meridianos das calidas regiões tropicaes » ; nem por isso nos esquivamos de declarar, que ha factos, que sendo mal interpretados e não merecendo a attenção es- crupulosaque devem ter perante um observador de critério, po lerião abalar crenças fortalecidas, si as observações tão numerosas, as experiências tão con- cludentes, e a somma dos factos accumulados nas estatísticas feitas pelos mais conspicuos e intelli- gentes clínicos, na phrase do autor citado, não obri- gassem a humanidade a cobrir de bênçãos ao dis- tincto medico de Berkeley, o immortal Jenner, pelo immenso alcance de sua tão importante desco- berta. Três observações interessantes trouxe ao conhe- cimento desta Academia o Sr. Barão de Lavradio, servindo ellas de pretexto para que mais uma vez deixasse bem patente ao espirito dos seus consocios o seu modo de pensar sobre tão grave questão, que por tantos lados devia ser mais acatada e melhor pensada. O primeiro facto e do qual, passamos a occupar- nos, refere-se a um caso de erysipela ambulante, depois da inoculação da vaccina. Dando conta deste facto, em sessão de 13 de Setembro de 1875, o Sr. Barão de Lavradio, de- pois de justificar de um modo significativo e fri- sante o valor da vaccinação, entende de seu dever (8) Efficacia da vaccina. Resposta a seus detractorcs pelo Dr. Nicolau Jotquim Moreira. Gazeta Medica do liio de Janeiro, 1862, pag. 112. - 17 — referir um caso de uma creança vaccinada com virus recentemente colhido no Instituto Vaccinico da Corte, e que no mesmo dia da inoculação apre- sentou-se com uma erysipela ambulante, que per- correu-lhe todo o corpo, sem entretanto revestir-se de malignidade nem pernieiosidade. Esta ultima circumstancia, na sua opinião, exclue a idéa de qualquer accusação á lanceta ou ao virus, sendo a dermite, de que a creança em questão já se resta- beleceu, devida á constituição medica reinante, não tendo sido a picada do instrumento, destinada á inoculação, senão a causa occasional; cumprindo outrosim notar que as pústulas vaccinicas desen- volvidas não fôrão regulares. E sem duvida digna de menção esta observação, attenta a sua importância e o interesse que deve ella despertar no espirito dos que se entregão ao estudo tão valioso da vaccinação erevaccinação. Parece á primeira vista que factos desta natureza de vão collocar de sobre aviso sobre a propaganda do emprego deste precioso invento em favor da humanidade, salvando-a das garras de tão pernicioso inimigo. O communicante explicou, porém, perfeita- mente o oceorrido, deixando a coberto o mereci- mento do meio prophylatico por excellencia. Varíola confluente consecutiva á inocidação. Não menos interessante é o caso em discussão, passado também na clinica do Sr. Barão de Lavra- dio. Deu-se em uma creança de um anno de idade, que havia sido vaccinada a pouco tempo no Insti- tuto Vaccinico da Corte, e que tendo deixado de com- parecer ao oitavo dia da vaccinação, por moléstia, á verificação, allegou o seu medico assistente que p. n. 2 - 18 — ella não se apresentava, por achar-se com varíola confluente consecutiva á inoculação vaccinica. O communicante, sem de modo algum duvidar do diagnostico constante do attestado do collega, mandou no entretanto a um dos vaccinadores do Instituto que fosse immediatamente observar as circumstancias em que se dava õ facto ; o que cum- prido, chegou-se ao conhecimento de que a creança fora accommettida de varíola no dia immediato á inoculação vaccinica, tendo, desde o ultimo dia que precedeu á sua inoculação, apresentado grande agitação durante o dia e a noite, a qual não podia ser interpretada pelas pessoas da casa. Chegou-se mais ao conhecimento de que na mesma casa havia uma menina de 8 annos de idade, vaccinada aos três mezes, eaccommettida nessa occasião de vario- loide; bem como que nessa creança em questão, a innoculação vaccinica não produzio resultado, tal já era nella o gráo de saturação da intoxicação va- riolica na occasião de ser vaccinada. Ainda no caso presente nada pôde ser allegado contra o poder preservativo da vaccina, tomada com o critério preciso essa questão. De não menor interesse scientifico é o terceiro facto de que deu noticia e de que passamos a occupar-nos. Varíola caminhando em commum com a vaccina. O indivíduo que deu logar á observação, foi vaccinado no Instituto Vaccinico da Corte, tendo a vaccina se desenvolvido com toda a regularidade. Foi no entretanto accommettido logo após a ino- culação de varioloide, inoculação que, é fora de duvida, foi muito a tempo applicada para attenuar — 19 — grandemente a manifestação da intoxicação va- riolica ; parecendo fora de duvida, mais acertado admittir que o individuo já se achava debaixo da influencia do principio morbifico, do que consi- derar a vaccina como causa productora do mal que o accommetêra. Aceita a coincidência, o que parece mais natural, ainda desta vez ficará a vaccina isempta das cen- suras que lhe caberia, si mal apreciada fosse a questão. Ao mesmo alvo se dirigem as bem deduzidas ob- servações do Sr. Dr. Piragibe ; por isso, deixamos de estuda-las em seus pormenores. Acreditamos, fora de contestação, que de inte- resse são os factos acima expostos, e sem mais ponderações, ao terminarmos, consignaremos as eloqüentes palavras de Sedillot, como uma profissão de fé em relação ao assumpto da vaccinação. Si o testemunho de tantas gerações não são bastantes para fortalecer as crenças e os princi- pios tão sabiamente plantados na sciencia por Jenner, difficil é precisar-se até onde irá o emper- ramento do espirito dos detractores da vaccina. Para nós, ainda não fôrão abalados os funda- mentos que lhe têm dado força atravez de tantos séculos, e por isso repetiremos com Sedillot: L'heureuse découverte de rimmortel Jenner a quelque chose de sublime quicommande ierespect. Tous les boinmes, toutes les populations répandues sur le globe, ont droit à ses bienfaits et ne les réclament jamais en vain. A son aspect, Ia plus cruelle, comme Ia plus hideuse des maladies, recule toujours ; et elle disparaitrait pour jamais, s'il était possible que Ia voix de Ia prudence se fit entendre par tout à Ia fois. Enfin que dirai-je ? 20 — Ia vaccinc, par Ia puissance et Ia perséverance dc sa vertu préservative, est devenue Tarche saintc Gardons-nous d'y toucher et ne faisons pas de nos fjrreurs une arme dirigée contre elle (9). Caso de morte pelo chloroformio.— Observação do Dr. João Baptista dos Santos. Qual de nós, diz Denonvilliers, não recorda-se estremecendo ainda da lembrança dos batimentos do coração, das cruéis inquietações que lhe têm causado, durante suas insomnias, o único pensa- mento, que pudesse um dia ser forçado pela mo- léstia a entregar um dos seus membros á faca do operador? Estas agitações, todo o mundo as compre- hende, todo o mundo as sentio, milhões de homens as têm partilhado, ellas têm mais de uma vez per- turbado seu somno, e hoje, graças á admirável des- coberta dos anesthesicos, esses milhões de homens vivem e repousão tranquillamente na confiança, de que, si myster tornar-se a intervenção da cirurgia, esta será isempta do cortejo de dores que ella ar- rastrava outr'ora após de si (10). Com effeito, quem reflectir bem nos soffrimentos atrozes que, em eras que já são idas passava o aquelles que erão obrigados a pedir á cirurgia allivio aos seus males, deve applaudir, cheio de entliu- siasmo, o importante successo por ella alcançado com a valiosa descoberta da anesthesia ; máo grado o terrivel vaticinio do distincto professor Velpeau, {'.)) Sedillot. Mémoire sur les révaccinations presente a rAcadémie Royalc de Médecíne.—Discours Préliminaire. Pag. 569 du Tome 8me des Mémoires de 1'Académie Royale de Médecine, Paris, 1810. (10) Denonvilliers. Bulletin de Ia Societé de Chirurgic, Tome iv, pag. 108. talento eminente, que julgava impossível a reali- zação de tão grande acontecimento, quando pro- clamou em seu interessante livro, estas memoráveis palavras : * Evitar a dor nas operações é uma chiméra que não pôde proseguir hoje. Instrumento cortante e dor são duas palavras que não se apre- sentão uma sem outra ao espirito dos doentes, c cuja associação convém admittir-se (11). » Não obstante merecer reparo este modo de pensar de tão eminente escriptor, não lhe devemos fazer senão a carga de descrer do futuro desen- volvimento das sciencias, parecendo que se deixava guiar pela historia pouco curiosa dos povos antigos, no tocante a esta questão, e cumpre conhe- cer-se, pois, que até ahi deve ser remontada a historia da anesthesia. Ouçamos Lacassagne (12) a este respeito : « E preciso remontar bem longe na antigüi- dade para achar os primeiros ensaios feitos com o fim de supprimir a dor. Nós não podemos senão citar as tentativas dos Assyrios que bus- carão produzir a perda do sentimento e do mo- vimento pela compressão das veias do pescoço, as boas intenções dos Gregos e dos Romanos que empregavão a pedra de Memphis. « Dioscorides e Plinio fazem menção da mandra- gora e alguns séculos mais tarde, na escola de Bo- lonha, Theodorico, frade pregador, depois bispo de Bistonto e de Servia, dava uma receita mui curiosa de uma droga destinada a produzir a anes- thesia preventiva. (11) Velpeau. Nouveaux éléments de médecine opératoire, 2e édit, Paris, 1839, Tomo i, pag. 32. (12) Lacassagne (Alexandre).—Des phénomènes psychologiques avant pendant et aprè^ 1'anesihésie provoquee. Mémoire recompensée pai 1'Academie (Prix Civricux ISiiS, Cap. 2», pag. 7 et suivantes. - 22 - t Na média idade, a mandragora reapparcee ainda. Em algumas occasiões, ella serve para mi- norar o supplicio dos desgraçados que a Santa Inquisição fazia torturar. « Eis aqui, em poucas palavras, a historia da anesthesia entre os povos da antigüidade e da idade média. Esta grave questão soffria como tantas outras a influencia do tempo e da época ; porquanto nesses séculos bárbaros, preoccupavão-se pouco da anesthesia, e os processos cirúrgicos não erão aperfeiçoados comparativamente aos instrumentos cie tortura. « Cuidava-se pouco, on pelo menos não se prestava senão uma grande Índifferença aos meios que pudessem acalmar a dôr. « O aperfeiçoamento das sciencias faz-se sempre sentir de um modo geral, e é muitas vezes de uma descoberta insignificante, ou da qual não se pôde presagiar o alcance, que sahirá uma serie de meios capazes de melhorar a sorte do homem. Deixar caminhar a civilisação, animar o progresso scien- tifico, é verdadeiramente comprehender a felici- dade da humanidade. «t O que temos dito prova, no entretanto, que esta idéa mui natural de alliviar o homem soffredor tinha passado atravez das idades da cirurgia. Uma civilisação maior, uma religião de caridade e de commiseração delia fazião todos os dias a necessi- dade e a importância. « No fim do século ultimo, um medico inglez, Beddoes, com o fim de estudar os effeitos dos gazes sobre os organismos, fundou por subscripção uma instituição pneumatica (Medicai pneumatíc institution) nos arredores de Bristol. — 23 — « Tocou a direcção do laboratório a Sir Ilumphry Davy, contando apenas 20 annos. Era elle que preparava os gazes. As primeiras expe- riências fôrão feitas com o protoxydo de azoto. O joven sábio admirou-se de sua acção particular: esse riso, essa exaltação do apparelho muscular não podião passar desapercebidos. Davy, com a perspicácia que caracterisa por si só o homem su- perior, comprehendeu ou adivinhou que, si o sys- tema nervoso era assim modificado, a dôr devia ser attenuada. E eis aqui a phrase que annunciou sua descoberta : « O protoxydo de azoto parece gozar, entre outras propriedades, da de destruir a dôr. Poder-se-hia empregar com vantagem em operações de cirurgia que não se acompanhem de grande effusao de sangue. » « Curiosos e sábios, todo o mundo quiz conhecer este gaz hilariante. « Mas alguns perigos fôrão assignalados, e tudo entrou no esquecimento. Depois do favor, o des- crédito. a Entretanto, o impulso estava dado. A cirurgia sentia cada vez mais a necessidade de uma tal descoberta, e no entanto um mestre tão pranteado Velpe..u, não ousava esperar, não acreditava mesmo em tal realisação. « E curioso de vêr os chimicos, os sábios em- pregar o ether como calmante ou antispasmodico, verificar casos de longa lethargia depois da inha- lação de seus vapores, sem no entretanto pensar jamais no emprego methodico deste agente nas operações. Quantas tentativas sem resultados ! «. O acaso devia conduzir Jackson a esta des- coberta. A applicação desta propriedade do ether - 24 - á cirurffia é admirável. Está alii o característico do gênio. « Durante o inverno de 1841 a 1842, traba- lhava elle em seu laboratório de Massachussetts, quando uma garrafa cheia de chloro se quebra entre suas mãos. Para acalmar as dores que lhe causaváo estes vapores, elle acredita que inhalações simultâneas de ammoniaco e ether podia allivia-lo. A calma chega e com ella os phenomenos anes- thesicos. Jackson comprehendeu em seguida as conseqüências deste acontecimento, mas não sa- bendo como experimentar, esperou quatro annos antes de communicar seus pormenores. Em 1846, Morton, dentista de Boston, guiado por seus con- selhos, experimentou sobre si e sobre seus clientes. O successo foi completo e os resultados fôrão pro- clamados . » Bem se vê pelo succinto, mas bem traçado esboço da historia da anesthesia feita por Lacas- sagne que, felizmente para a humanidade, não fôrão verdadeiros os vaticinios do illustre professor Velpeau, porquanto, como bem diz Darin (13), quando em 1844, apparecia em Nova-York a tra- ducção da Medicina operatoria de Velpeau, obra em que se lia a famosa sentença, de que evitar a dôr nas operações é uma chimera, nesse mesmo anno, um dentista de Hartford (Connetticut) inscre- via-se contra esta opinião, abrindo á cirurgia uma éra não menos brilhante, que a que começa com Uerophylo e Erasistrato, demonstrando sobre si mesmo que a suppressão da dôr nas operações cirúrgicas não é uma chimera, procurando pôr em pratica o que ouvira de Colton. (13) Darin. Eévue Critique sur les anesthesiqucs.—Archives Géné- rales de Médecine.—1875. Vol. i, Serie vr, Tomo 2."i, pag. 403 — 25 — Iloracio Wells, assim se chamava esse homem eminente, que secundando as vistas de Jackson, livrou de tão grandes embaraços a cirurgia, tantas vezes envolvida em lutas, para vencer os intrincados e mui especiaes problemas, que a cada passo precisa resolver, quando se lhe impõe o dever de alliviar o doente da dôr que o acabrunha, fazendo-o porém de modo, que para salva-lo desse estado que o tortura, poupe quanto possa seu constrangimento physico ou moral. Immenso foi o caminhar da sciencia para chegar a esse resultado ; felizmente, porém, desde essa era brilhante encetada por Wells, desappareceu o impossível : e hoje, graças a esse produeto da fértil concepção de um americano, ao passo que as lamentações e as lagrimas do soccorrido são poupadas, de mais animo e coragem se possue o operador para levar por diante os grandes com- mettimeníos que lhe pede quotidianamente a es- pinhosa tarefa da cirurgia. A descoberta da anesthesia, que foie é sem duvida de grande alcance para a cirurgia, não obstante os benefícios que tem prestado, conta grande numero de antagonistas respeitáveis, pelos muitos desastres a que tem dado logar. O facto trazido ao conhecimento desta Academia vem ainda comprova-lo. E objecto da observação importante sujeita á apre- ciação acadêmica, pelo nosso douto collega o Dr. Baptísta dos Santos, um caso de morte, dado em um doente na casa de saúde do Senhor Bom Jesus do Calvário, quando procedia á chloroformisação para cauterisar com ferro em braza um cravo bobatico da planta do pé ; tendo elle visto com sorpreza sua, exhalar o ultimo suspiro sob a influencia do — 20 - agente anesthesico, o chloroformio, e de um modo tão rápido, que forão infructiferos todos os meios empregados para o chamar á vida, embora, sentin- do a necessidade de não perder tempo, fizesse com toda a rapidez a cauterisação, tendo sub- mettido o seu doente apenas a uma anesthesia in- completa como fez, produzindo tão somente um ligeiro entorpecimento de sensibilidade. (14) E uma observação de muito merecimento, como á primeira vista se verá; assim considerarão os collegas acadêmicos, que tomarão parte na discus- são motivada pela sua apresentação, cujo empenho correspondeu ao valor do assumpto. O facto referido pelo Dr. Baptista dos Santos, e outros muitos que a sciencia registra de máo êxito trazidos pela applicação do chloroformio, serão motivo para que elle seja desprezado, como prejudicial e inconveniente, attentas as desgraças a que tem dado logar? Esta pergunta envolve implicitamente outra e vem a sêr : Convirá a substituição do chloroformio por outro agente anesthesico ? Difficil é satisfazer esta questão ; no entretanto analysemos: A propagação das idéas de Horacio Wells foi tomando desenvolvimento progressivo e a sciencia chirurgica não cessa de investigar os meios que possão auxilia-la para bem servir a causa da huma- nidade, e parece que por emquanto ainda não acha- rão os homens que se têm entregue a estas pesquizas razões para pôr de lado este poderoso agente the- rapeutico. (14) Dr. Baptista dos Santos. Observação de um caso de morte pelo chUroformio, communicaria á Academia Imperial de Medicina do Rio de Janeiro em sessão de 12 de Julho de 1875. Como é sabido, de todos os elementos, que a sciencia moderna tem prodigalisado, em favorda cirurgia para realisar o desideratum da anesthesia, occupão logar de predilecção o ether e o chloro- formio, ambos celebrisados e estimados pelas muitas vantagens que registrão, mas nem por isso isentos da responsabilidade que lhes tem cabido por muitas mortes, conservando porem a cirurgia humana, quasi por toda a parte o uso do chloroformio, como expendeu Claude Bernard (15), cuja acção é mais rápida e mais completa. Esta opinião, embora mui verdadeira, é contes- tada por eminentes cirurgiões, que, adoptão o parecer de Warringhton Haward (16), o qual, depois de impressionado dos bons effeitos produ- zidos pelo ether, na pratica dos americanos, e em particular na de Bigelow, como faz sentir Marcano, sustenta e admitte a superioridade do ether sobre o chloroformio; pois que, si o chloroformio é mais fácil de manejar, é por outro lado mais perigoso, sendo seus perigos mais difficeis de prever. Não procede por certo também a proposição que emittio de que a escolha que tem sido feita do chloro- formio, seja filha da facilidade com que se o maneja e da maneira enérgica por que Simpson a tem de- fendido. Ninguém contestará os perigos a que se expõe o doente, usando do chloroformio, não se podendo prevenir as innumeras hypotheses que podem ser levantadas em relação ao organismo, nem ás sus- ceptibilidades idiosyncrasicas de cada indivíduo; (15) Claude Bernard, Léçons sur les anesthesiques et l'a?phyxie. Paris 1875. pag. 51. (10) Warringliton Haward. On rther and chloroform as aneslhesties (Medicai cliirurgical transactions of London 1872). — 28 — isso porem não deve ser motivo para condonmar se ao olvido um meio therapeutico ou cirúrgico, que, si falha em um ou outro caso, aproveita á sciencia em uma infinidade de occasiões. Partir do particular para o geral, é um erro em todas as sciencias, doutrina perigosa em qualquer sciencia e muito mais em sciencias expostas a cada momento á critica e á censura, como são as scien- cias médicas e cirúrgicas. Poder-se-ha abraçar sem reserva a opinião de James Sawyer, (17) de Birmingham, quando ás perguntas por elle mesmo formuladas, Ia, si pode-se obter pelo ether uma insensibilidade tão perfeita como pelo chloroformio; 2a si o ether é menos pe- rigoso que o chloroformio ? responde pela affirma- tiva. Seguindo o seu modo de pensar, parece não res- tar duvida ao espirito em adopta-la, porquanto, como elle bem diz : deixando de lado a comparação das estatisticas de mortalidade, motive-se a opinião na única apreciação dos effeitos physiologicos dos dois anesthesicos. Com effeito, em quanto o chloroformio enfra- quece o coração, o ether estimula este órgão e torna o pulso mais cheio e mais vigoroso. Ora o perigo capital na anesthesia está sobretudo na parada do coração; logo si o ether permitte, mais que o chloro- formio, ao coração de conservar sua actividade, deve ser preferido a seu rival. Demais offerece ainda a vantagem sobre o chloroformio de occasionar raras vezes vômitos, a operação terminada.Verdade é que é preciso mais tempo para produzir a anesthesia quando se emprega o ether. Decisivo e terminante (17) British Madical Journal, December 1875. - 2ü — parece dever ser o caminho a seguir, em vista de tão abalisada opinião; força é porem confessar que até hoje ainda não estão determinadas as con- clusões positivas desta questão. A sciencia tem grande horizonte ainda a percorrer para tomar uma posição definitiva a respeito. Morgan (18), citado por Darin, diz: « Os anes- thesicos têm desde muito tempo contribuído aos progressos da arte e da pratica da cirurgia, pelo que torna-se de dia em dia mais importante o de- terminar-se o melhor processo a adoptar, para, tra- zendo o indivíduo ao estado de insensibilidade ne- cessária, assegurar a efíicacia do agente e além de tudo achar o mais inoffensivo. « O chloroformio é incontestavelmente, o agente que tem mais voga na Inglaterra e tem sem duvida prestado serviços inapreciaveis; mas pela incer- teza de sua acção e pelos riscos plenamente reconhe- cidos que faz correr sua administração, o uso desta substancia comporta um sentimento de pouca segurança, que nestes . últimos annos, mais parti- cularmente tem impressionado os médicos e o publico em um gráo tal que se têm feito esforços incessantes para achar um meio menos perigoso de produzir a anesthesia ; é o que provão a intro- ducção de novos agentes e numerosos apparelhos imaginados para essa applicação. t Toda a obra nova de cirurgia que vem a lume testemunha a noxiedade que comporta o uso do chloroformio. As instrucções são mais precisas, as advertências mais positivas; porém mau grado todos os conselhos, cuidados e precauções, os acci- dentes funestos se reproduzem. O maior numero das (ls) Morgan. Mémoire lueá Ia societé chirurgical dTilande. Archi- ves Céuérales dr Medicine, 1875, pag. 714, vol 1. - .30 — vezes a morte é repentina, chega no principio da chloroformisação, victimando de preferencia os indivíduos robustos e ás vezes em operações insig- nificantes. » Esta exposição, bem justifica a questão em litígio e tantas outras de que a sciencia tem pleno conhe- cimento. Apresentada á discussão, depois de for- muladas pelo seu autor as causas a que se deveria attríbuir a morte, disse elle justificando o seu es- cripto: attribuo a morte do meu doente a uma syn- cope determinada e aggravada pela anesthesia; conclusão a que chegou depois de buscar mostrar com grande talento e proficiência, se a uma as- phyxia, á uma sideração geral do systema nervoso ou á syncope. Na exposição escripta, bem como na oral deixou bem patente o escrúpulo com que procedeu. A anesthesia fez-se com todas as cautelas. Todos os meios de observação, com que se começa uma ope-* ração fôrão attendidos desde o exame do pulso, até o das pupillas, que na phrase do erudito Leblanc, (19) é «o manometro da anesthesia », pois que por ella se deve regular o emprego do chloroformio ; porquanto tem sempre observado a rnydriase ex- trema durante o perioclo de excitação, a qual cessa, á medida que a insensibilidade se pronuncia; a myosis lhe succede e desapparece por seu turno quando a anesthesia diminue. E com effeito de muito valor este exame. E comquanto, como se exprime o mesmo autor, a re- tracção não seja por si só uma prova sufficiente da insensibilidade, porquanto importa que a pupilla (19) Léblanc (Fernand) Essai sur les modifications de Ia pupillo produites par les ageuls lliérapeutiques. Thòso de doctorat.—Paris, 1875 Chloroforui". - 31 — retrahida esteja immovtl, é elle de muito valor e não deve ser esquecido. CoyneeBoudin asseverão o valor deste ultimo signal, mostrando que as excitações dolorosas, emquanto são percebidas, têm repercussão sobre a pupilla, que se dilata sob sua influencia, dando-se o contrario quando a anesthesia é completa, tornando-se neste caso a pupilla contrahida e inerte. Continuando, diz ainda o mesmo autor, o exame das pupillas tem uma importância pratica maior ainda. Indica que uma syncope vai-se produzir, devida a uma causa qualquer. Nestes casos as pupillas se düatão bruscamente, e attingem de re- pente o maximum de sua dilatação. Paulo Bert pensa que a myose chloroformica é um indicio de repouso da iris e não de um estado activo. Com todo o discernimento justificou-se o illustrado acadêmico do acontecimento imprevisto que foi para elle motivo de justa sorpreza. O Sr. Dr. Peçanha da Silva, que o succedeu na discussão, depois de manifestar as idéas que tem sobre este assumpto, entende que a causa da anes- thesia não é a anemia cerebral e sim a acção do chloroformio levada pela torrente sangüínea ás cellulas nervosas e sensitivas, mostrando-se bem inverso a facilidade com que se administra este agente que, ao lado do seu valor, tantos desgostos oceasiona ao cirurgião no exercício de sua pro- fissão. Nos justos receios que apresenta da applicação do ciiloroíórmio, o Sr. Dr. Peçanha da Silva, é acom- panhado pelo Sr. Dr. Pereira Guimarães, que acre- dita ser o chloroformio, de todos os anesthesicos, o mais perigoso. — 32 - Paliando em continuação, depois de analysar os diversos meios postos em pratica pelo distincto cirurgião que dirigio a operação, e lembrar a con- veniência de que tivesse sido empregada a titila- ção da glote com as barbas de uma penna, meio de que alcançou real proveito em três casos de sua clinica, dous na casa de saúde de Nossa Senhora d'Ajuda e um na Misericórdia, estuda os diversos modos por que se pode dar a morte pelo chlorofor- mio, concluindo as bem fundadas apreciações que fez, convidando os cirurgiões a dirigirem sua atten- ção para o ether e o gaz hilariante afim de ver, se podem, e até que ponto, substituir o chloroformio. O modo de pronunciar-se dos distinctos acadê- micos, sobre os perigos, que na pratica da cirurgia traz a applicação do chloroformio, é o reflexo das idéas alimentadas pelos autores que desta matéria se têm occupado. Ahi estão as significativas palavras de Ernesto Labbée expostas em sua mui recente revista critica dos anesthesicos, quando occupa-se dos meios para evitar os accidentes por elle produzidos, para com- parar as justas apreciações dos illustrados aca- dêmicos. Ernesto Labbée (20) diz: sendo admittido que os agentes anesthesicos são perigosos, uma das melhores maneiras de evita-los, é escolher o menos offensivo. Pelo que expuz, baseado na est ttis- tica, parece que o ether é preferível a todos os seus synergicos. Resta-me ennumerar outras provas fornecidas nos últimos annos em apoio desta su- perioridade. A acção estimulante do ether, tem (20) Ernesto Labbèc. Révue criti pie. De Fanestliésie chirurgicak:. Drs anoslUesiques. Journal de Thérapeutique de Gubler fy75—1 Pa;>. 179. — 33 - sobretudo sido posta em prova, porque excita as contracções cardíacas em logar de as deprimir, como faz o chloroformio, resultados alcançados pelas experiências feitas pela commissão de pes- quiza nomeiada pela sociedade real medico-cirur- gica de Londres. As conclusões a que elle chegou são as seguintes: « O chloroformio estimula a principio o coração, mas não tarda a deprimir sua acção, como pôde verificar-se auxiliando-se do hemodynamometro. Seus effeitos sobre a respiração, são de suspensão brusca, si a dose é forte, e demorar ou tornar seus movimentos menos profundos, si a dose é mode- rada. Levando a chloroformisação a seu extremo, as pulsações cessão ao mesmo tempo que os mo- vimentos respiratórios, mas o coração pode conti- nuar por alguns momentos ainda, Com o ether, observa-se: o estimulo do coração. O órgão bate mais vigorosamente e o mercúrio do hemodynamo- metro se eleva; apparece a respiração, porém mo- mentânea, com uma dose forte, ampliação e demora dos movimentos respiratórios, si a dose é moderada e no principio. A etherisação levada ao extremo, a respiração cessa, mas o coração bate sempre. » Donde se conclue, que, si o ether é menos tó- xico que o chloroformio, é por causa de suas pro- priedades estimulantes, assim pensando entre outros Morgan (J. M.), Henry Frentham, Butlin, Thomas Jones, Jones Cooper e outros. Não obstante todas estas considerações, jul- gamos tão difficil resolver esta questão, que não nos pronunciaremos sobre qualquer dos lados, dei- xando que o tempo, a experiência e melhores es- tudos assignalem o verdadeiro grau de importân- cia desta matéria, e o alvo a que se devem dirigir p. r. 3 - 34 - os cirurgiões, quando na pratica a anesthesia for exigida. E demais, não é para admirar que nada de po- sitivo possa estabelecer-se a este respeito, quando a acção physiologica ainda não foi definida, nem tão pouco o modo por que o chloroformio produz a morte. Para uns como Schuppert(21), ella é o resultado de uma anemia cerebral, determinando a perda dos batimentos do coração e dos movimentos respira- tórios, opinião brilhantemente contestada pelo Sr. Dr. Peçanha da Silva, que, firmado nas experiências de Claude Bernard, admitte, que é á acção do chloroformio levada pela torrente sangüínea ás cel- lulas nervosas e sensitivas, theoria geralmente aceita e que acompanhamos; seja como quer Larrey (22), que acredita que a morte pelo chloroformio, é devida principalmente a abolição progressiva das funcções dos centros nervosos, pela acção estupe- faciente do chloroformio, acção tanto mais rápida, quanto sua concentração é maior; seja como quer Duplay (23), pela afünidade particular que tem para os glóbulos sanguineos encoscorando seus involto- rios e tornando-os impróprios á hematose; seja como quer Perrin (24), fazendo-a dependente da parada brusca dos movimentos cardíacos; seja pela syn- cope como admitte Schiff, em conseqüência da acção paralysadora que tem o chloroformio sobre o sys- tema nervoso-vaso-motor ; seja pela asphyxia, como (21) Schuppert, de New-Orleans. Chloroformtod Deutsche Zeitscrift fúr Chirurgie 111. Ns. 5 e 6,12 December. (22) Larrey. Discussion de l'Ethérisation. Bulletin de 1'Academie Im- periale de Médecine de Paris. Tome 22,1856—1857 Pag. 937. (23) Duplay. Archives Générales de Médecine, 1820. Révue Critique sur les effets du chloroforme. (2i) Perrin et Lallemand (Ludger), Traité d'anesthesie chirurgicale Paus 1SG3. I vol. in 8 Pag. 3ü9. - 35 - querem alguns, modo admittido pelo Dr. Saboia e contestado pelo Dr. Pereira Guimarães, cuja opinião já ha muito foi batida por Chambert (25), quando em um dos seus melhores trabalhos sobre etherisação, formulou a seguinte conclusão: a as- phyxia nada tem que vêr com a rapidez da morte. Do exposto parece tornar-se bem claro, que até hoje, a única realidade sobre assumpto tão inte- ressante como este, é a duvida, não se podendo por isso aceitar nada como positivo. Adoptamos tão somente, para acompanhar a maioria, que representa a expressão da sciencia moderna, a maneira de ajuizar da questão por Claude Bernard, a qual, como bem diz Mathieu e V. Urbain (26), é a melhor, porque a acção physio- logica incontestável é, a que é por elle abraçada, e que attribue a morte á paralysia dos nervos da sensibilidade; paralysia que resulta da acção desta substancia sobre as cellulas nervosas do centro encephalico. Reproduzão-se as observações do valor e mere- cimento destas, e muito terá a ganhar a cirurgia brazileira. É um exemplo digno de ser imitado. Identificado com o grande pensamento de Hufe- land, de que o medico deve sacrificar, não só seu repouso, suas vantagens pessoaes, as commodi- dades e prazeres da vida, mesmo ainda sua saúde e sua existência, mesmo sendo necessário sua honra e reputação, não vacillou em pedir á Academia o julgamento do seu proceder, porquanto ella bem (25) Chambert. Des effets physiologiques et thèrapeutiques des éthers, Paris 1848. (26) Mathieu e V. Urbain. Des Gaz du Sang. ExpérienGes physiolngi- ques sar les circonstances qui en font varier Ia proportion dans ie syslème artcriel. Archives de Physiolosie Normale ei Katholugiquc. publiées por Brown-Sé\piard. Cliarcot et Vulpain. Tomc4me 1871—1872, l'ag. 58(5. — 3C> - sabia que aquelle illustre escriptor também dizia, « que o medico probo não vê senão a salvação de um homem; percebe que preferindo sua própria reputação elle actuaria como um puro egoísta e violaria a mais santa lei da medicina, pois que deve saber que é na intenção e não no resultado que determina suas acções, não tendo por isso de con- sultar senão o seu dever e sua consciência sem se inquietar com o que sobrevier. » Das outras observações não nos occuparemos no presente relatório, por serem ainda objecto de estudo acadêmico e não nos julgarmos portanto no direito de emittir o juizo acadêmico sobre elles, o que faremos no relatório futuro, si ainda nos couber a honrosa tarefa do secretariado. Dito isto, passemos á segunda parte, em que trataremos da febre amarella em Campinas e das outras questões que consideramos dever incluir nesta parte. 0 trabalho do Sr. Dr. Caminhoá, que muito devia prender nossa attenção, attenta a importância do assumpto, tratando, como trata de um vegetal brazileiro, o Jaborandy, cujas propriedades the- rapeuticas tão exaltadas têm sido, não pôde ainda ser objecto da presente resenha, visto só ter sido lido parte no anno que historiamos. Consignemos apenas aqui os nossos sinceros encomios pelo ta- lento e erudição, com que seu autor vai buscando discutir e investigar as questões que levão em vista descortinar o esplendido manancial da ma- téria medica brazileira, cujo futuro depende dos esforços e bôa vontade que forem empregados para seu desenvolvimento. Ir accumulando materiaes para tão interessante assumpto, é uma prova de verdadeira applicação - 37 - e bom senso, que não dispensão elogios, nem louvores, e que nós rendemos com a mais sincera e legitima satisfação. São serviços reaes, que dão glorias permanentes e que nunca serão destruidos, quaesquer que sejão os elementos que procurarem para diminuir-lhes o valor. Ainda uma vez, sinceros parabéns, e avante. Quando terminado este excellente manuscripto, seremos prompto em fazer-vos conhecer seu con- teúdo e merecimento. Tanto exige o interesse que ligamos a este ramo das sciencias naturaes. Assim tenhamos forças pai a satisfazer nosso empenho. 2.a PARTE. Memórias originaes e consultas. Comprehende-se bem o valor e importância dos trabalhos comprehendidos nesta parte. Todos aquelles que nelle figurarão, quer os motivados por consultas dirigidas, quer os originaes, são dignos de menção. Faremos em primeiro logar a apreciação sobre a febre amarella em Campinas, que sem con- testação, foi um dos mais distinctos. Apreciemos esta questão. Febre amarella em Campinas na província de \f S. Paulo. « As sciencias, diz Herschel (27), não podem ser nem bem cultivadas, nem bem sentidas, quando (27) Herschel. Discours sur 1'étude dela philosophie naturelle.— 1835. - 38 ellas são concentradas entre as mãos de um pequeno numero ; e, ainda que as condições de nossa exis- tência sobre a terra sejão taes que tudo o que acontece na vida não possa consentir de passa-la na felicidade, não ha lei alguma na natureza que reprima nossas necessidades intellectuaes e moraes. « As sciencias não são como os objectos de con- sumo, não se destroem pelo uso ; pelo contrario, es- tendem-se e aperfeiçoão-se. Não adquirem talvez um mais alto gráo de certeza, mas acreditão-se e perpe- tuão-se. Não ha corpo de doutrina, por mais seguro e experimentado que seja, que não ganhe e se aper- feiçoe, passando pela mão de milhares de homens. Os que amão e admirão as sciencias, por ellas, devem desejar que seus elementos estejão ao al- cance de todos, ainda que seja para vêr discutir os principios sobre os quaes ellas repousão, vêr desenvolver as conseqüências que dellas se de- duzem, afim de que recebão esta flexibilidade e extensão que podem só lhes dar homens de todas as classes, sem cessar empenhados em adapta-las ao seu uso. » Diante de idéas tão philosophicas e tão verda- deiras, não devemos estabelecer principios abso- lutos e que possão arrastrar a difriculdades serias na resolução de certos problemas, porque, como bem annunciou Condillac (28), a origem de nossos erros está no habito em que estamos de racio- cinar sobre as cousas das quaes não temos idéas, ou das quaes não temos senão idéas mal deter- minadas. ^28) Condillac. Essai sur rori Discutindo e pedindo providencias sobre este in- teressante ponto de hygiene, tem a Academia cumprido o seu dever ; resta-lhe aguardar os bons tempos em que alguma de tantas vozes levan- tadas em favor deste assumpto possa despertar a inércia e o indifferentismo dos que lhe devião prestar maior desvelo, para conseguir tornar rea- lidade tantos reclamos perdidos sem proveito. — 94 - Soffrimento das faculdades mentaes, em conse- qüência do abuso de bebidas alcoólicas (Con- sulta) (*) La loi pénale a pour roission de proteger 1'Btat, les institu- tions politiques, les personnes et les propriétés, contre. les attentats qui violent les droits et qui menacent Ia sécurité publique. Pour maintenir 1'ordre au sein des societes, le pouvoir souverain organise deux espèces de mesures :^ les mesures purement préventives et les mesures répressives. Les mesures préventives interviennent pour empecber que 1'ordre ne soit troublé et que les droits ne soient lésés. Ainsi, lorsqu'un individu estsliené, Ia loi veut qu'il soit seqüestre, s'il apparait que Ia liberte qu'on lui laisseralt exposerait Ia societé à quelques daDgers. Mais Ia loi n'a dú autoriser Ia séquestration d'un citoyen, motivée sur 1'aliénation mentale dont on le prétend atteint, qu'avee des précautions nombreuses, propres à prevenir des détentions arbitraires qui ne se sont que trop fréquemment produites. Pour qu'une personne puisse être privée de sa liberte, il faut que Ia perturbation de ses facultes intellec- tuelles soit manifeste, apparente, et que Ia détention soit indis- pensable pour prevenir les actes violents aux quels le fou pourrait se livrer, oa pour lui administrer les soins que son triste état exige. (De Ia monomanie, envisagée sous le rapport de l'ap- plicationdc Ia loi pénale, par M. Victor Molinier.) Quando se falia do estado social, como do mais seguro asylo da liberdade, dizHuet(67), convém toma-lo em suas condições necessárias, e por con- seguinte como o sustentaculo de um governo escla- recido e firme. Seria uma illusão funesta procurar a força da liberdade na destruição da autoridade, ou confundir esta com o despotismo, que é a sua corrupção. Nesta phrase concisa e clara, lança o illustre escriptor fundamento de doutrinas sãs, e que de- vião pezar muito no espirito dos que andão entre (*) Motivarão esta consulta os quesitos apresentados em sessão de 17 de Abril de 1876, pelo cidadão Alexandre da Costa Silveira, que são do teor seguinte : « Em defesa da minha liberdade, direito e pessoa, venho impetrar da illustrada corporação a graça de, fazendo-me passar por um exame severo, declarar : 1.° Se estou no gozo de minhas faculdades mentaes ? 2.° Se o medico da policia, do modo por que procedeu, estava auto- rizado a declarar-me alienado ? » (67) F. Huet. Le Ttègne Social du Chistianisme. Paris, 1853.— Pag. 49. — 95 — nós investidos do poder autoritário, para que me- lhor guiassem o seu modo de proceder, mais de uma vez, justa e legitimamente censurado. E mal de nós, se no descalabro em que ca- minhão as nossas cousas não tivéssemos o direito de protestar contra as irregularidades e desati- nos, que, com grande pezar dos homens sensatos, tantos transtornos trazem á marcha dos negócios públicos. Si contra os perigos que ameação a nossa segu- rança, não pudermos contar com a vigilância do espirito publico, e com o concurso franco e espon- tâneo de qualquer cidadão, teremos perdido todas as nossas esperanças ; porquanto, como bem disse Alberto de Broglie (68), quando nos propomos a fazer mudanças na educação nacional, ou na or- ganização administrativa, devemos ter muito em vista formar, pelo exercicio das franquezas locaes e pela salutar disciplina da liberdade, uma geração viril, sóbria no uso dos seus direitos e enérgica em sua defesa, tão afastada das cobiças chime- ricas, como dos terrores pusillanimes, que nem se deixe seduzir pelas promessas das revoluções, nem muito assustar com seus phantasmas, e que não visse alternativamente deixar-se tomar de as- salto por facciosos, nem se vender por um pouco de repouso ; porque nada ha de mais deplorável do que assistir resignado á vida de um povo em que—leis imperfeitas, erros governam en taes repe- tidos, costumes enfraquecidos, o individualismo personificado e a Índifferença progressiva para os interesses públicos, traduzindo uma inércia egois- tica, annuncião também sua agonia moral. (68) Albert de Broglie. Études morales et littéraires. Paris, 1853.— Préface.—Pag. X. • - 96 — Em vista disto, parece fora de duvida que a questão trazida ao seio desta academia era de ele- vado interesse social. Nada menos do que a liberdade postergada nos principios que lhe são mais caros, que vinha pedir o auxilio da sciencia contra o modo abusivo por que fora tratada. Era um cidadão que, tendo soffrido offensas em seus direitos, queria lavar a nodoa, de que um acto precipitado o tinha tornado victima, vendo assim restituidos os direitos que até então tinha gozado junto áquelles que o a^asalhavào, como um homem prestante e digno de confiança. Accusado de soffrer de suas faculdades mentaes, em conseqüência do abuso de bebidas alcoólicas, entendeu, apenas livre das cadêas em que esteve manietado, desde o dia de sua prisão, não para bem seu, e sim para evitar areproducção de attentados da natureza do seu, que devia protestar contra a violação de um direito sagrado, a liberdade, e então munio-se, não da baixeza, nem do insulto, mas da espada segura e que não falha—a sciencia. E terrivel seria, si, além da maléfica e altamente perniciosa pressão centralisadora em que vivemos, e em que só figura um certo grupo de felizes, não pudéssemos, em um caso da ordem deste, appellar para a sciencia, como salvaguarda segura, á qual não resiste a prepotência, nem tão pouco acha ele- mento para a sua vitalidade a inércia e a ignorância. Solon, analysando a melhor fôrma de governo popular, segundo refere o Abbade Millot (69), diz que é aquella em que a injuria feita a um particular é motivo de interesse a todos os cidadãos. Assim é com effeito, e por isso bem andou a academia tomando (69) Abbade Millol. Ilistoire Générale. Vol.I, Pag. 216. Tarallèle êe Sparte et d' Athénes. — 97 — a. si a discussão de tão interessante, embora me- lindroso assumpto. Era umpreito de dever e honra, tendo por juiz a sciencia. xV pressa e a irreflexão podião acarretar conseqüências desagradáveis, quer ao julgado, quer ao juiz, e, assim pensando, delegou ella o estudo dos quesitos formulados pelo reclamante a uma com- missão, composta dos acadêmicos Costa Ferraz,Rego César e Soeiro Guarany, substituido este posterior- mente pelo Sr. Costa Brancante, por averbar-se elle de suspeito. Tarefa espinhosa e ingrata tinhão os distinetos acadêmicos de desempenhar; nem por isso esmo- recerão diante da enorme responsabilidade, e o voto acadêmico foi em tempo satisfeito, apresen- tando a commissão um relatório, e que deixa pa- tente estudo, circumspecção e melhor bôa vontade em bem cumprir o mandato de que fôrã<> encar- regados. (**). (**) Era elle do teor seguinte: « Les juges d'inslruction ne doivent confter les expertises méuico ié- yales qu à des hommes éclairés et probes. La défense ne trouxera ja- mais un appui solide en sollicitant Ia coopération de Ia mauvaise foi, de Vignoranc et même du demi savoir. (Orfila.) » « Em desempenho do difficil encargo que nos foi commettido por esta illustre Academia Imperial de Medicina, em sessão de 17 de Abril do corrente anno, de responder aos seguintes quesitos, apresentado^ pelo cidadão Alexandre da Costa Silveira, em defesa da sua liberdade, direi- tos e pessoa: 1°, se está no gozo perfeito de suas faculdades mentaes ? 2°, se o medico da policia do modo por que procedeu estava autorizado a declara-l<> alienado? temos a honra de offerecer o seguinte: « Entendemos que a ordem lógica das idéas e dos factos exige a trans- posição dos quesitos, passando o segundo para primeiro e este para segut do. « Comprehende a Academia Imperial de Medicna que, tendo desap- parecido os phenomenos a que se refere vagamente o exame medico- legal do dia 18 de Novembro de 1875, confirmatorio do anterior, e oceultando o perito os seus motivos de convicção, não nos é possivel apreciar devidamente a conclusão, que menos importa nesta espécie de documentos, desde que não pôde ser verificada pelas premissas, que se não estabelecerão, pelo que somos forçados a considerar assim o primeiro como o segundo exame medico-legal abstractamente. « Podemos responder desdejá que o perito policial reputou-se autoriza- do a affirmar que o cidadão A^xandre da Costa Silveira «soffre dr P. R. ' - 98 — suas faculdades mentaes em conseqüência de abusos de bebidas alcoóli- cas », bem como a conveniência de ficar 24 horas em obseivação, não podendo nós, nem nenhum outro profissional verificar a exactidão desta conclusão. « Feitas estas observações para maior esclarecimento da Academia Imperial de Medicina, julgamos conveniente fazer a historia dos factos de que nos dá noticia o Diário Ofíicial de 13 de Abril do corrente, e constantes do offlcio do Dr. Chefe de Policia ao Ministro da Justiça, instruído com o parecer do medico da policia, informação do subdelega- do do Io districto da freguezia do Sacramento e do inspector do asylo de mendigos. « Consta da parte do subdelegado que em 15 de Novembro do anno passado fora recolhido ao xadrez da policia, de noite, Alexandre da Costa Silveira, morador em um quarto do 2o andar do prédio da rua de S. Jorge n. 1, por provocar os transeuntes, atirando garrafas e outros projectis e praticar actos immoraes. Accrescenta o subdelegado, embo- ra sem autoridade para tanto, que o preso apresenta todos os indícios de soffrer de alienação mental. «No dia 16 ordenou o chefe de policia que fosse examinado o preso, e no dia seguinte o medico da policia affirmou: soffre de suas faculda- des mentaes em conseqüência de abuso de bebidas alcoólicas; convém ficar até amanhã. « No dia 17, rei.ovado o exame, declara o medico da policia: « Confirmo o juizo do primitivo exame ; o paciente, porém, actualmente está per- feitamente calmo. » Este parecer já foi proferido no asylo, segundo o que está publicado. Além de tudo, este 2o exame é contraproduccente. « No asylo ficou o examinado, até que a 26 o inspector deste estabele- cimento requereu ao Chefe de Policia a remoção, com especialidade e urgência de Alexandre da Costa Silveira para o hospício de Pedro II, por soffrer de vez em quando de accessos de furor com tal intensidade que forçoso era conserva-lo em camisola de força. « A 4"de Dezembro, o provedor da Santa Casa da Misericórdia corn- .municava ao Chefe de Policia que em resposta ao offlcio de 26 do mez ultimo expedira ordem para ser recebido no Hospício de Pedro II Ale- xandre da Costa Silveira, que, na opinião do medico direclor do ser- viço sanitário daquelle estabelecimento, por quem fora, examinado, •mais precisava ser removido do asylo de mendigos onde se achava. « É, pois, certo que Alexandre da Costa Silveira, preso no dia 15 de Novembro de 1875, sahio do Hospício de Pedro II a 10 de Marco, tendo sido privado de sua liberdade por supposta loucura durante 115 dias. Repousão os direitos do homem, do cidadão, do pai de familias, sobre a consciência e responsabilidade dos médicos, e portanto maior deve ser o seu escrúpulo e circumspecção no exame minucioso, que devem fazer, antes de affirmarem um estado, que inhabilita o examina- do do exercício de todos os seus direitos, da administração de sua fazenda, do governo de sua pessoa, do gozo, emfim, de sua liberdade. « Illusoria seria a responsabilidade, se ao medico não cumprisse de- clarar especiiicadamente todos os phenomenos que observou, e dar as razões de sua convicção; pois que, occultando-as, escapa á critica e censura que lhes cabe. Os pareceres dos dias 17 e 18 de Novembro do perito policial não podem ser contemplados na ordem de documento medico-legal, têm tanta autoridade como o do inspector do asylo, ou a parte do subdelegado do 1° districto da freguezia do Sacramento; talvez menos, porque aquelle refere-se a accessos que confundio com os de furor, e poderião ser attribuidos antes á justa indignação da victima, excitada ainda pela violência com que se envolvera em camisola de força; e este a todos os indícios de alienação mental. « O perito policial, porém, assumindo uma infallibilidade contestada na sciencia dos mais celebres peritos^ ousa com dogmatismo dar a sua — 99 — sentença, sem fundamento algum de observação própria—a soffre de suas faculdades mentaes em conseqüência de abuso de bebidas alcoólicas !!l» « O soffrimento, qualquer que elle seja, revela-se ao medico ou ao ob- servador attento ou por symtomas externos ou por denuncias do próprio padecente. « O perito policial occultou á justiça e á victima a origem do juizo que formou, e nós temos o direito de interrogar: que phenomenos observou o perito policial, de onde concluísse que Alexandre da Costa Silveira soffria das faculdades mentaes ? « Porventura denunciou elle por si taes soffrimentos'' Não é presu- mível, porque o louco como o ébrio recusão-se obstinadamente a reco- nhecer o próprio mal, e ainda mais confessa-lo. Está provado pela in- formação do perito policial que vira só três vezes a Silveira, a Ia no dia 13 de Novembro, na 3a delegacia, em estado de embriaguez, a 2a e a 3» seguidamente nos dias 17 e 18. « No dia 13, vio-o por acaso, sem intenção de examina-lo. O que podemos affirmar, aceitando as declarações do perito policial, é que fundou os seus dous pareceres na informação do alçai de, o qual por uma temeridade bizarra julgou que ser o Sr. Alexandre da Costa Sil- veira hábil guarda-livros e dar-se ultimamente a embriaguez erão ele- mentos probatórios da supposta loucura. « Eis por que o perito policial conclue, nos seguintes termos: em conseqüência de taes informações, formulei o meu parecer. « Comprehende a Academia Imperial de Medicina que, referindo-se o perito policial ás informações do alcaide, e dellas tirando conseqüências fataes contra Alexandre da Costa Silveira, se não renunciou da respon- sabilidade legal, ao menos attribuio a moral a um empregado subal- terno da policia sem competência scientifica, ao alcaide, emfim. « A Academia Imperial de Medicina deve concordar que nós, membros da commissão, não podemos rebaixar a sciencia de que somos sacer- dotes ao ponto de contestar as observações do alcaide. « Não ha exame medico legal, e portanto falta o fundamento para se reconhecer aa procedência do juizo do perito policial; e como a lou- cura não se presume, mas é um estado excepcional e de gravíssimas conseqüências, deve ser provada. « O actual e acurado exame a que procedemos, por mais de quinze dias, em Alexandre da Costa Silveira, com 42 annos de idade, Brazileiro, solteiro, de estatura mais que regular, de construcçao forte, tempera- mento sangüíneo, musculoso, sem apresentar lesão alguma apreciável interna ou externa, a não ser um pterygio no olho direito e uma ver- ruga na palpebra inferior do mesmo olho, nos convenceu de estar de perfeita saúde. « Interrogado Silveira sobre sua vida passada e presente, e ainda sobre factos estranhos á sua pessoa, encontrámos sempre perfeita coordenação de idéas, respostas promptas e fáceis, e até certa viva- cidade no modo de exprimir-se. « Sempre em nossa presença, o fizemos escrever uma exposição cir- cumstanciada de tudo quanto com elle succedêra. de=de o dia em que fora preso, até o da sahida do hospício de Pedro II. Esta exposição vai annexa a este relatório. « No dia 23 do corrente, ás 8 horas da manhã, em companhia dos Srs. Drs. Pinto Júnior, Francisco Castellões, Theodulo Paiva e Theo- philo de Queiroz, e de Alexandre da Costa Silveira, visitámos o hos- pício de Pedro II, nos demorando até ás 11 horas. Dos Drs. Goulart e Nunes recebemos as mais minuciosas informações de que Silveira, a principio, apenas se mostrara tristonho, melancólico e nao querendo alimentar-se; mas que nunca denunciara indicio de perturbação cerebral. « Tendo o Sr Dr. Goulart a bondade de mostrar-nos o livro de observações, lá vimos que, na casa pertencente ao diagnostico, existia — 100 - o leito pela policia com um ponto de interrogação. As irmãs de cari- dade Iviarianua, veneravel superiora, Euphrasia e Josephina, as en- fermeiras que estiverào em coutacto com Silveira por quasi largos cem dias, fôrão accordes em assegurar-nos o estado tranquillo e in- leuro de suas faculdades mentaes. Referindo-nos Silveiia ter do hos- pício mandado, por pessoa que nos indicara, uma carta ao provedor da Sa.ita Casa, sim que a administração do estabelecimento soubesse, nos dirigimos com as pessoas acima citadas á casa do myjor Bento Luiz da Gama, instructur da escola de applicação d exercito, e delle ovemos a confir ação de ser exacto o que nos referira Silveira, como de ter entregue a carta. « Á exposição feita por Silveira acompanha uma cópia da carta. « Não resta, para a commissão, duvida de que Alexandre da Custa Silveira está no gozo perfeito de suas faculdades menaes. « Entretanto, duas palavras arriscadas com temeridade pelo medico policial bastarão paia autorizar a remessa de um supposto louco para o asylo de mendigos, e a sua clausura no hosp cio de Pedro II por quasi 100 dias ! « Pretende o medico policial escusar-se á responsabilidade dos soí- frimentos da victima, e quer fazer crer que, sem a menor intervenção : ua, e traia Alexandre da Costa Silveira para a casa dos loucos. Pro- testamos contra tão infundada escusa. « O perito policial parece que duvida da s a competência, ou i;ão dá ao juizo que proferio o valor que legalmente tem ! Julgado louco Costa Silveira, não lhe podia duvidar o destino, e eis a razão por que <> medico direclor do serviço samtario do hospício de Pedro II foi do opinião que mais precisava Silveira ser removido tio asylo de mesndigos, logar impróprio para a moléstia que se lhe suppunha, e que só depois de longas e cuidadosas observações pôde cem segurança ser reconhecida. O medico do hospício de Pedro II não podia, nem devia, ©rêr que o da policia condemnasse, como se louco fora, um cidadão no uso e gozo de todos os seus direitos, por inspirações d, alcaide: em honra de seu collega, ptesumio um exame prévio e receiou de con- testa-lo in limine, reseivando-se o direito do mais detido estudo. Foi illudida a sua espectativa, o que aconteceria a qualquer outro. « A lei civil, no intuito de acautelar a segurança individual de atusos repetidos com violência e escândalo, e por motivos reprovados, equi- parou os loucos de qualquer espécie aos menores, e pô-los sob a auto- iidade tutelar do juiz de orphãos. A interdicção de loucura não pôde ser fulminada senão após exame por dous peritos de sã consciência e tementes a Deus, cujos pareceres são autoados, e o ameaçado de in- lerdicto pôde requerer novos exames, até que o juizo, com pleno conhe- cimento da causa, profira a sentença, que é embargavel, e delia ainda ia yecurso para a superior instância ; e em respeito á liberdade, fazenda e segurança pessoal, qualquer que seja o valor dos prejuízos causados, pôde interpor supremo recurso da revista. « Estas sentenças nunca passão em julgado, e a todo o tempo ainda que louco fosse o interdicto, provada a superveniente lucidez, as pôde lazer revogar, e ser restaurado em seus direitos activos. « Tantas cautelas e garantias indicão a grandeza dos sacrifícios que a lei quer poupar ás victiraas da perseguição ou da fraude. Todas fstas garantias, desde tempos immemoriaes, fôrão atropelladas, preteridas e oonculcadas. O juiz de orphãos não foi ouvido, e Alexandre da Costa Silveira, se louco fora, não mereceu o favor, que a lei lhe concede, de se lhe nomear um curador. « Arrastado à policia por um supposto crime de que não apparecem v"stigíos, nem offendidos, é qualificado pelo alcaide que o denuncia como ébrio, e transformado em louco pelo subdelegado da freguezia — 101 — A perturbação da paz publica ê a palavra inicial do prólogo deste drama policial, em que infeliz- mente o papel da sciencia não esteve na altura do seu elevado ministério. Segundo refere a primeira peça official (*#*), que é* um officio do subdelegado do Io districto da do 1" districto do Sacramento, pelo inspector do asylo de mendigos, e como tal condemnado pelo perito policial ! « Louco, da policia removem-no para o asylo de mendigos, e dali para o hospício de Pedro II, onde todos uniformemente, médicos, irmã^ de caridade e empregados, considerão-no não só asizado, como affavel, intelligente, delicado, e delle guardão a mais agradável recordação. « Em 115 dias de clausura, suspeito ora de crime, ora de embria- guez, e até de loucura, privado da liberdade, da fazenda e do gozo de todos os seus direitos, sem que possa haver reparação da injuria ou alcançar o responsável 1 ! « O alcaide julgou louco por embriaguez Alexandre da Costa Sil- veira, e o medico policial homologou esta sentença. « A sciencia, que trabalha desde nosso primeiro pai e mestre por sorprender as leis da natureza dos mysterios em que íôrâo envolvidas, para suavisar as dores da humanidade e prevenir as moléstias, pro- tege e defende, como primeiro escudo, a liberdade e a vida contra os assaltos do crime e as perseguições dos oppressores. « A sciencia nunca se manchou com a cumplicidade dos planos que todos os dias a ambição e o-s ardis urdem contra as victimas que fazem; e, portanto, nós, qiv; nos honram'S de professar a medicina nesta nossa pátria livre e civilisada, devemos levantar um grito de angustia e de cond mnação, que corresponda á justa queixa d - cidadão Alexandre da Costa Silveira, declarado e condemnado policialmente como louco e ébrio, e, finalmente, retido por 115 longos dias sem au- toridade da lei, sem exame prévio, e contra todas as prescripções da sciencia medico-legal. « Do que exposto fica, outra não pôde ser a resposta dada aos que- sitos senão : « 1*, que o medico da policia, pelo modo por que procedeu, nao estava autorizado a declarar o lidadão Alexandre da Costa Silveira alienado. « 2a, que Alexandre da Costa Silveira está no gozo perfeito de suas faculdades mentaes.—Rio de Janeiro, Io de Maio de 1876.—Dr. Fer- nando Francisco da Costa Ferraz, relator.—Dr. João IHnto do R-go César.—Dr. Manoel Alves da Costa Brancante. — Visto.—Sala das sessões da Academia Imperial de Medicina, em Io de Maio de 1876.— Dr. José Pereira Rego Filho, secretario geral. » (*•*) « Subdelegacia do Io districto da freguezia do Sacramento, 16 de Novembro de 1875. . « Illm. e Exm. Sr.—Tendo sido recolhido ao xadrev: da policia hontem á noite Alexandre da Costa Silveira, morador em um quarto do 2o andar do prédio da rua de S. Jorge n. 1, o qual provocava os transeun- tes atirando-lhes garrafas e outro- projectis, e praticava actos ímmo- raes ; e como o mesmo apresenta todos os indícios de soffrer de alie- nação me tal, fica no mesmo x drez á disposição de V. Ex., afim de dar-lhe o destino que julgar conveniente. « Deus guarde a V. Ex.—Illm e Exm, Sr. Dr. Miguel Calmon du Pia e Almeida, digníssimo chefe de policia da corte.—O subd.legado, Joaquim José Teixeira de Carvalho. » — 102 - freguezia do SS. Sacramento, o reclamante atirava garrafas á rua e praticava immoralídades, que, por fatalidade, puderão ser observadas pela autoridade, embora elle morasse em um 2o andar e em casa de janellas de peitoril. Adolpho Chauveau e Faustino Helie ( 70 ), quando em seu excellente livro sobre theona do Código Penal procurão marcar o modo de proceder daquelles que se incumbem de testemunhar aos ma- gistrados e aos médicos, em um caso como o de be- bidas alcoólicas, em que mister se torna dar conta quer da quantidade, quer da qualidade ingeridas, quer da aptidão do individuo a supportar o álcool, recommendão : «que em presença de taes dificul- dades, a justiça deve caminhar com precaução, ro- deiar-se de todos os indicios, interrogar todas as pro- vas e todos os elementos que estejão â sua disposição. A natureza do facto, os actos diversos do agente, o interesse que elle tinha na acção, os hábitos de sua vida, todas estas circumstancias vêm depor ver- dade ou mentira.» O reclamante não alcançou as regalias que lhe devião proporcionar as idéas luminosas exaradas em um livro de tanto saber. Com sorpreza sua e da sociedade, que acom- panhou estes desagradáveis acontecimentos, vio sua sorte correr á revelia, achando-se preso, dado por louco e enclausurado, elle que poucos momentos antes havia deixado a mesa do trabalho na companhia Ferro-Carril de Pernambuco, onde foi empregado até o dia de sua prisão (****), como se deduz dos documentos abaixo exarados. (70) Adolphe Chauveau et Faustin Helie. Théorle du Coãe Penal. T. Io, pag. 518. (****) Diz o Dr. Honorio Ribeiro, director presidente da Ferro-Carril: « Satisfazendo o pedido do Sr. Alexandre da Costa Silveira, constante — 103 — Blackstone refere que a lei ingleza adopta o principio «que a falta de vontade em um homem be- bedo no momento cio crime, longe de servir de des- culpa, aggrava o delicto, por ser antes senhor de não se embriagar, principio este amplamente des- envolvido por Eduardo Cocke(71), o commentador do Código Criminal da Inglaterra, quando diz: «que o bebedo é um demônio voluntário, que é res- ponsável de todo o mal que elle pôde fazer no calor do vinho». Dominavão necessariamente estas idéas no pen- samento da autoridade que lançou sobre elle o verdict, e, comquanto não se produzissem em todo o processo provas que attestassem o allegado, o re- clamante é accusado de alienação mental, prova- velmente porque muita influencia exerceu sobre o juiz formador da culpa a doutrina de Damiron (72), quando em seu Curso de Philosophia diz: o ser a embriaguez de alguma sorte uma loucura artificial, que se dá em um momento, e que, comquanto ao dar-se atteste liberdade e morada imputavel, uma vez que vem e seu effeito é inteiro, ainda que se desta carta, respondo negativamente aos três quesitos seguintes, que se referem a desvios do livre exercício de suas faculdades intellcctuaes, abuso de bebidas alcoólicas e commettimento de faltas no exercício de suas funcções, como empregado que foi da companhia Ferro-Carril de Pernambuco até 15 de Novembro próximo passado (véspera da prisão), devendo accrescentar, em homenagem á verdade e justiça, que formo da probidade do Sr. Silveira o mais elevado conceito, á vista da sua maneira de proceder como empregado da Ferro-Carril de Pernambuco. Rio, 4 de Abril de 1876. » O Sr. Manoel Salgado Zenha respondeu : « Como director da Ferro-Carril de Pernambuco, confirmo quanto a ■respeito do Sr. Silveira escreveu na presente carta o meu digno collega, Dr. Honorio Augusto Ribeiro. Rio, 5 de Abril de 1876. » Finalmente, o Sr. Honorio Augusto Maia, director-thesoureiro, também confirmou por escripto a informação supra. Jornal do Commercio de 7 de Abril de 1876. (71) Eduardo Cocke. Commentaire sur le Code Criminei d'Angleterre. (72) Damiron. Cours de Philosophie. - 104 — faça a alma,qualquer actividade que ella desenvolva. seja em pensamento, seja em paixão, não ha mais livre arbítrio. » Assim jtil "ado, tinha de continuar nos soffrimen- tos inherení s á sua posição. Não sendo a policia casa de doi tios, não podia-se ir de encontro ás regras preseriptas nas questões judiciarias; pelo que, embora magistralmente proferido o diagnostico pela autoridade que iniciou o processo, era preciso satisfazer-se ao que manda a lei, pelo que ao perito policial foi pedida a opinião. Dizem todos aquelles que se têm occupado de jurisprudência medica, dizem Briand e Chaudé (73): « uma instrucção ministerial, de 30 de Setembro de 1826, chama a attenção dos magistrados e dos offi- ciaes de policia judiciaria sobre a escolha dos ho- mens da arte, de que elles se devem fazer acompa- nhar para os seus julgamentos nos corpos de de- líctos, doutrina que pôde ser applicada a qualquer caso em que a autoridade tenha de carecer do juizo de peritos, porque as operações de medicina legal sobretudo exigem esta precaução; ellas são mui difHceis e delicadas, têm uma grande influencia sobre o juizo dos negócios os mais graves; é um duplo motivo de não se as confiar senão a homens instruídos, experimentados e capazes de as bem fazer. » Era de suppôr que assim fosse, e que o poder disciplinar se encontrasse sempre diante de um juiz, embora severo, mas justo e imparcial, que lhe fornecesse dados seguros para um pronunciamento de voto, firmado em bôa justiça. Ha infelizmente um vicio enraizado entre nós, e (73) Briand et Chaudé. Manuel de Médecine Lêgale. Paris, pag. 1S>. — 105 — que será por muito tempo causa do nosso atrazo em todos os ramos da administração publica. Diante da melhor vontade de bem servir, falle- cem os recursos, pois que, como é proverbial, « creão-se os logares para os homens e não os homens para os logares, » e por este modo sacri- ficâo-se todos os interesses públicos, ainda mesmo nas questões sociaes as mais importantes. Accresce que a predominância que vai exer- cendo a escola allemã sobre o mundo scientifico, assim como tem trazido benefícios incalculáveis no desenvolvimento progressivo das sciencias, tem também influído para muitas aberrações que, em- bora demonstrem sciencia e aptidão grande, na grande arte do diagnostico, nem por isso deixão de prejudicar pelas subtilezas a que muitas vezes dão logar. Adepto dessa escola, o perito, apadrinhado pro- vavelmente com a valiosa opinião do distincto pro- fessor de Leipsig (74), que proclama três methodos de diagnostico, â distancia, objectivo e anamnetico, adoptou aquelle por ser o mais fácil e que melhor sem duvida deva ser aceito, para firmar um juizo de- finitivo e seguro nos problemas sempre graves, difficeis e duvidosos de alienação mental, por menos trabalhoso que é, visto que é feito ao primeiro olhar do observador, o que denota grande sagacidade e maior conhecimento das questões, para outros de menor cultura intellectual, excessivamente com- plicadas e sérias, para uma resolução prompta e im- mediata. E foi por isso forçosamente que, comquanto o distincto criminalista Mittermayer declare « que (74) Uhle et Wagner. Pathologie Générale, pag. 17 — 106 - era matéria penal a lei quer a justificação da verdade absoluta, por não poder coagir-se os magistrados ater como base obrigatória de seu juizo factos equí- vocos, » o perito, impressionado por tudo quanto ou- vira e lhe fora referido, esqueceu-se do preceito « de que é um dever sagrado, em todos os negócios em que a sciencia é convidada a auxiliar a justiça, con- servar-se em guarda contra toda a espécie de in- fluencia e de prevenção, fechando os ouvidos ao clamor publico, ordinariamente prompto a con- demnar. » Eis a causa efficiente de todos os trabalhos por que passou o reclamante, que tinha de curar da alma, que tão pervertida estava, tendo de soffrer um physico bastante deteriorado pelo abuso de bebidas alcoólicas, como attestava a policia e se lê no offlcio dirigido pelo perito ao Dr. Chefe de Policia em data de 7 de Abril, respondendo a outro que lhe fora enviado. (#####). (*****)—« Gabinete dos médicos da policia, 7 de Abril 1876. «Illm. e Exm. Sr.—Entendo do meu dever dirigir-me a V. Ex.,á vista das injustas apreciações do autor das Cartas de um Caipira, no artigo publicado no Jornal do Commercio de hoje, com referencia a Alexan- dre da Costa Silveira. «Em 17de Novembro do anno findo, eem virtude do despacho de V. Ex. no officio cuja cópia acompanha sob n. 1, examinei na sala livre desta repartição esse individuo, que reconheci ser o mesmo que a 13 desse mez tinha-se apresentado na 3a delegacia, requerendo exame de corpo de delicto, em tal estado de embriaguez que forçou o Sr. Dr 3.° delegado a faze-lo retirar por duas praças da sala das audiências pelas inconveniências ali praticadas ; no acto do exame o Sr. alcaide desta repartição informou-me também que esse individuo, hábil guarda-li- vros, ultimamente da< a-se á embriaguez. « Em conseqüência de taes informações, formulei o seguinte parecer: « Soffre de suas faculdades mentaes, em conseqüência de abuso de be- bidas alcoólicas ; convém ficar ainda até amanhã em observação.» « No dia seguinte, examinando-o de novo, notei que a exaltação e incoherencia de idéas tinhão desapparecido, aproveitando eu o ensejo para dar-lhe conselhos, que fôrão mal recebidos; nesse dia meu parecer foi o seguinte: « confirmo o juizo do primeiro pxame; o paciente, porém, actualmente está completamente calno. » Como V. Ex. sabe, não me cabe responsabilidade alguma pelo destino que teve posteriormente esse individuo. Entretanto, hoje que o autor da citada Carta de um Caipira com tanta malevolencia e leviandade procura atirar sobre mim essa responsabilidade, permitta V. Ex. algumas reflexões, sem — 107 — entrar na sustentação desses dous pareceres, resultado de minha con- vicção de então, que ainda é actualmente a mesma, corroborada não só pelos próprios dados fornecidos pela citada Carta de um Caipira, como lambem pelos documentos cujas cópias acompanhão sob. ns. 2e3, e que por mim fôrão requisitadas a V. Ex. «Esse individuo deu entrada no hospício de Pedro II, sem a menor intervenção do medico da policia ; passou do asylo de mendigos para o referido hospício, depois do exame de um medico do mesmo hospí- cio, e ali esteve noventa e quatro dias, segundo affirma o autor da cita- da Carta. « É crivei que esse individuo estivesss no hospício de Pedro II no- venta equatro dias não sendo alienado? «É crivei também que o medico daquelle estabelecimento, que o exami- nou no asylo de mendigos, desse parecer para que fosse elle ahi recolhi- do, se o julgasse no gozo perfeito de suas faculdades mentaes? « É tão ridícula a accusação, contida na citada Carta, que não abusaria do tempo de V. Ex., se não julgasse do meu rigoroso dever explicar a V. Ex., como chefe da repartição, todos os meus actos como medico da policia, como sempre fiz, maxime havendo tal prevenção do autor das Cartas de um Caipira contra os médicos da policia, que animou-se a affirmar que esses médicos tinhão asseverado pela inspecção de um cadáver ser elle de nacionalidade italiana! Sobre os attestados publicados na citada Carta nada diria, visto como V. Ex. e todos nós sabemos como são elles obtidos, se porventura não fossem publicados dous, sobre os quaes chamo a attenção de V. Ex.: « o 1.° do Sr. Dr. Goulart (*), isto é do medico que examinou esse e outro individuo no asylo de mendigos, e que os declarou alienados e precisando mais ser re- movidos do asylo para o hospício (officio do Exm. Sr. provedor da misericórdia de 4de Dezembro de 1875), o 2.° do inspector do asylo de mendigos (*), que em sua linguagem pittoresca diz a V. Ex., em oflicio de 26 de Novembro de 1875: que Alexandre da Costa da Silveira e outro soffrem de vez em quando accessos de furor com tal intensidade que forçoso é conserva-los em camisola de força! Declinando da com- petência do autor das Cartas de um Caipira e da do autor do ultimo attentado sobre medicina legal, permittirá V. Ex. que termine citando o trecho latino « Ne sutor ultra crepidam ». «Deus guardeaV. Ek.—Illm. e Exm. Sr. Dr. chefe de policia.—O Dr. Manoel Thomaz Coelho, medico da policia.— Confere.— Francisco José de Lima. Extrahido do Diário OfHcial do Império do Brazil de 13 de Abril de 1876.» (*) O Dr. Ignacio Francisco Goulart, medico director do hospício de Pedro II, declarou em 20 do mez findo: « Attesto que no Sr. Alexandre da Costa Silveira, durante o tempo que esteve em observação aqui, apenas se notou nos primeiros dias reluctancia a alimentar-se e estado hypocondriaco, não tendo tido accessos de delírio.»—Jornal do Commercio, 7 de Abril de 1876. Convindo avaliar-se dos dous documentos, desde já daremos noticia daquelle a que se refere o perito policial, reservando o outro para a occasião ern q ie nos occuparmos da Carta do Sr. Dr. Goulart. Esta vacillação do iisjjector do asylo de mendigos tem grande valor, para que possa ser esquecida. Eilo em sua integra: « Attesto que o Sr. Alexandre da Costa Silveira, durante o tempo que aqui cons>rvou-se (no asylo, já se vè), não manisfestou indicio algum de loucura, conservando-se apenas no dia em que entrou, remettido pela policia, e no seguinte, em üm estado de tristeza, portanio-se bem nus dias posteriores, até ser removido para o hospício de Pedro II.» « Asylo de mendigo-;, em 29 de Março de 1876.—O inspector José Agostinho Alves de Araújo.»— Jornal do Commercio de 7 de Abril de 1876. — 108 - Deduz-se do exposto que quem estudar despre- venido a marcha das questões, que correm nos nossos tribunaes sobre assumptos desta ordem, não pôde deixar de estranhar a facilidade com que se resolvem os problemas difficillimos que se pren- dem aos estudos medico-phsychologicos, causan- do-se ás vezes verdadeiras arbitrariedades por falta das noções mais triviaes que a elles se ligão. Guislain, distincto alienista, sensatamente escre- veu : t de todas as preoccupações scientificas a que me tenho entregue até então, diz o autor, o estudo das moléstias mentaes pareceu-me a mais árdua; dez annos de minha vida têm sido empregados em interrogar o homem vivo e o cadáver, dez outros em meditar sobre o que eu via; durante os últimos annos somente eu tenho aprendido a curar os alienados (75). » Quando um homem do saber de Guislain assim se enuncia, demonstrando a gravidade da resolução de taes problemas, entre nós qualquer leigo se julga no direito de firmar um diagnostico desta natureza, embora inteiramente estranho ao conhecimento de taes matérias, como mostra o primeiro officio que iniciou este processo, firmado pela autoridade po- licial, e que atraz ficou exarado. São facilidades perigosas e que podem causar transtornos de grande alcance ; bom era, portanto, que houvesse todo o critério na expedição de taes documentos, que muito prejudicão a nossa segu- rança. Em todos os paizes, estas questões tornão-se o alvo da maior cautela ; entre nós, superabunda a imprevidencia em casos taes. (75) Léçons orales sur les phrénopathies, ou Traité theorique et pratiqu' sur les maladies mentales. Bibliogrophie par Morei. Annales Médico-Psychologiqucs. Tome -íme 1852, page 609. — 109 — Teilleux bem define este escrúpulo que manifes- tamos em deixar-se correr á revelia assumptos de tanta magnitude como este, ao lançar as significa- tivas palavras que passamos a transcrever, ana- lysando um excellente estudo de Dumesnil. Passando em resenha o conteúdo do interessante trabalho, que submetteu á sua critica, escreve elle: « A missão do magistrado não pôde regularmente cumprir-se senão com esta condição: é que o dele- gado da justiça seja sempre judicioso, vigilante e rigoroso nas investigações a que a lei julgou con- veniente sujeitar os autores dos delictos ou crimes que firão a sã moral, lesem os interesses da socie- dade, ou compromettão a segurança publica (76).» Assim se procederia no caso em litigio ? não o comprovão as peças officiaes, que melhor era não fossem publicadas. Deixemos de lado este ponto, e entremos na apre- ciação da questão pelo que diz respeito ao diagnos- tico firmado. O ponto objectivo do relatório da commissão, em outro logar estampado, foi provar, pelos documen- tos que lhe fôrão entregues, officiaes e particulares, que o reclamante não tinha por fôrma alguma sido victima de uma embriaguez em qualquer dos pe- ríodos de fôrma aguda, e muito menos nesse gráo, em que a policia o collocára, e que seria classifi- cado no alcoolismo chronico. Do processo nada consta. Renhida e importante foi a discussão travada na apresentação do relatório, na qual se empenharão com vantagem os acadêmicos Carlos Frederico, (76) Des alienes et des enquêtes médico-légales par M. le docteur Du- mesnil, directeur-médecin eu chef de 1'asile des alienes de Quatre- Mares. Rouen 1860. Bibliogmphie pnr le docteur Teilleux. Annales Médico-Pshychologiques. Tome 7«>e, 1861, page 184. - 110 — Costa Ferraz, Brancante, Soeiro Guarany e Brum : tomando também parte aquelle que tem a honra de dirigir-vos a palavra neste momento. Foi nossa opinião, e nella ainda permanecemos, que, respeitados os documentos de instrucção do processo, impossível era admittir-se a hypothese pretendida. Em qual dos estados de embriaguez se achava o paciente ? É Legrand de Saule autoridade digna de todo o apreço na matéria. Vejamos como elle estereotypa os diversos estados de embriaguez que passamos a reproduzir, embora acreditemos que sufíiciente era limitarmo-nos a citar o provérbio italiano, bem vulgarisado, de que os primeiros copos de vinho dão sangue de cordeiro, que abranda, os seguintes sangue de tigre, que torna furioso, e os últimos sangue de porco, que faz rolar na lama. Lègrand define o estado da embriaguez nos se- guintes pensamentos : « Ha três períodos distinctos na embriaguez. Estabeleçamos quaes são os signaes próprios a cada uma das phases do delírio ébrio, e separe- mo-la, tanto quanto possível, assim expondo : «1.° Les facultes de Tintelligence et les forces physiques s'exaltent légèrement : sentiment de bien être ; rapidité de Ia pensée ; choix heureux d'expressions ; amabilité un peu exuberante, quel- ques incohérences dans le récit; paroles indis- crètes, irréfléchies ; integrité des sens ; conscience parfaite, tel est â peu près le tableau de ce premier degré, dans le quel le contentement de soi-même ne le cede que rarement aux emportements de Ia colère. « 2.° La vivacité de rimagination decroit, puis — 111 — s'éteint; Ia voix s'eleve progressivement et Ia tur- bulence arrive; Ia face se colore ou pâlit extra- ordinairement; les veines du cou se gonflent, Ia respiration prend un caractère anxieux, une cé- phalalgie congestive s'établit, les sens, d'abord affaiblis, s'emoussent, les mouvements sont incer- tains et quelques maladresses sont commises ; Ia prononciation s'embarasse, les membres inférieurs chancellent, des évacuations involontaires se ma- nifestent, Ia dissociation des idées et 1'incohé- rence des paroles augmentent sensiblement, Ia mé- moire fait naufrage, Ia volonté se paralyse, les passions s'allument, éclatent au moindre pretexte, et peuvent d'autant mieux conduire à des entrai- nements irrésistibles que les illusions, les hallu- cinations et les impulsions, qui apparaissent si fréquemment à cette période—s'accentue d'avan- tage. Le péril est imminent; Thomme, assimilable en ce moment au maniaque, est aussi dangereux pour lui même qu'il est pour les autres. « 3.° Un sommeil profond, apoplectique, accom- pagné de sterteur respiratoire, signale cette pé- riode ultime de 1'ivresse. Incapable de faire le bien ou le mal, étranger aux. choses du monde exté- rieur, Findividu que les excès ont plongé dans cet état abject n'offre plus que 1'aspect d'un grossier animal, avec cette singulière différence qu'il peut resister au froid et à 3a contagion, ainsi que Double l'a démontré. Absolument inoffensif pour Ia so- cieté, sa vie est exposée aux catastrophes d'un pé- rilleux hasard. (77) » Ha uma só peça que forneça elementos a uma deducção nesse sentido ? Parece que não. (77) Légrand de Saule. Elude sur 1'ivresse. Du crime acompli par 1'homme ivre, et des questions médico-légales relatives au delire ébrieux.—àazette des Hopitaux. — 112 — Não se achando o paciente dominado por esses três estados perfeitamente traçados por Légrand, muito menos daquelle estado, de que primeiro derão noticia Percy e Laurent (78), conhecido por embriaguez convulsiva, que, em nosso pensar, com- quanto se approxime um tanto do alcoolismo chro- nico, não pôde ser ainda aquilatado como tal, con- siderando-o antes como uma fôrma intermediária entre o alcoolismo agudo e chronico. Esta fôrma foi perfeitamente assignalada pelos referidos autores, que comparão o indivíduo delia affectado a um animal feroz, tendo delle a força, as agitações, o aspecto e a crueldade. Não adoptando esta fôrma, muito menos o po- deríamos julgar nas condições de um homem que soffresse, na occasião da consulta, do alcoolismo chronico, por isso que entendemos que, quando o ororanismo está saturado de álcool, o individuo exposto a essa terrivel aberração tem um facies característico, trazendo em si traços tão positivos, que nào permittem vacilaçâo, o que não se dava no caso em litígio, como se deprehende dos do- cumentos. Si passasse o reclamante pelo alcoolismo chro- nico, embora tivesse obrigação, em vista do cortejo das accusações que o assoberbarão, de guardar temperança e calma, elle teria procurado meios de escapar á vigilância dos que o acompanharão por cento e quinze dias, para encetar nova serie de façanhas, como acontece em geral, conservando, como foi publico e notório, o maior socego e toda a calma emquanto durou a discussão havida a seu respeito. (78) Percy et Laurent. Dictionaire des sciences méiicales, t. XXVI, page 2f'j. Também citado por Légrand. 113 — Si elle soffresse de delirium tremens não escapa- ria por certo ás vistas da commissão e de todos os acadêmicos que o observarão, porquanto não é este estado fácil de escapar aos olhos do observador, que acompanha um paciente de cuja observação conscienciosa carece para exercer o seu voto. Barkhausen, que occupou-se com vantagem do delirium tremens, o define moléstia que ataca os in- divíduos tendo feito longo abuso de bebidas espiri- tuosas, caracterizada principalmente pela pertur- bação das funcções nervosas, insomnia, delírio e hallucinações de natureza particular, freqüente- mente também pelo tremor dos membros, com ou sem febre. (Beobachtungen ueber den Saeuferwa- hnsinn oder das delirium tremens.—Brême 1825, p. 5 e 6. (79). Nenhum signal revelava um tal estado no pa- ciente. Apreciemos agora as diversas fôrmas de alcoolis- mo chronico, adoptando o pensamento de Huss. Em analyse mui importante, que a respeito do trabalho de tão distincto escriptor fez o Dr. Renau- din, perfeitamente resumio o modo de encarar este interessante assumpto pelo autor. De suas obser- vações nos serviremos para o estudo da matéria. Renaudin, expondo o pensamento de Huss, antes de entrar no estudo das diversas fôrmas do al- coolismo chronico, confirma em poucas palavras o que acima dissemos, apresentando as idéas de Barkhausen. Eis como elle define o delirium tremens : « A se. gunda fôrma do alcoolismo, ou o delirium tremens (79) Citado por A. Bierre de Boismont em seu estudo De quelguei nouvelles observalions sur Ia folí" des ivrognes. Annales Medico- Ptychologiques. Tome 4me 1852, page 377. F. R. 8 - 114 — se produz em conseqüência de uma intoxicação pro- gressiva, gradual, resultante não sempre de acces- sos repetidos de embriaguez, mas do uso excessivo de uma quantidade progressiva de bebidas, de sorte que, no momento em que a tolerância habitual vem a cessar, o individuo parece entrar sob a influen- cia total das quantidades ingeridas até então. Sem entrar aqui na descripção circumstanciada desta affecçâo, recordaremos somente que ella é caracte- rizada principalmente por insomnia, hallucinações de todos os sentidos e um tremor muscular tanto mais predominante quanto o doente affecta certas posições, ou procura entregar-se ao somno. Este estado, que participa do resto dos outros sympto- mas somáticos dos primeiros gráos, apresenta uma duração variável, que tem por crise um profundo collapso, de que é signal um somno bastante pesado. » (80) Mais adiante estuda as seis fôrmas que elle considera sub-typos, que serão lidas com muito interesse por aquelles que se entregarem a estu- dos desta natureza, e por elle denominadas : prodro- mica, assim chamada por preceder qualquer das outras fôrmas, e sobretudo a paralytica ; paralytica, que é a expressão de um phenomeno tóxico pro- duzido no systema nervoso-peripherico ou central, e tendo como primeira manifestação uma diminui- ção de forças, uni estado de entorpecimento no sys- tema motor; anesthesica, caracterisada pela obtusão parcial ou geral do sentimento, ainda que a moti- lidade nada tenha soffrido; hyperesthesica, cujos (80) De Valcoolisme chronique par M. le Dr. Magnus Huss. Analyse par M. le Dr. Renaudin. Annales Méãico-Psychologiques, Tome 5m« 1853, page 65. O trabalho, que é bastante interessante, tem por titulo : Chronische Alkoholskrankeit oder alcoholismus chronicus aus dem schwedischen über setz von Gerhard van dem. Busth. Stockholm. 1852. - 115 - symptomas característicos são a hyperesthesia e a dôr resultante da irritabilidade nevrálgica ; convul- siva, que tem seu ponto de partida no tremor que caracterisa a fôrma prodromica, em a qual se notão sobresaltos, elementos essenciaes da convulsão ; e epiléptica, definida suficientemente pelo nome que se lhe dá, e que não deve ser confundida com a fôrma precedente. A reproducção destas diversas fôrmas serião de muito interesse ; isso, porem, alongaria muito este artigo ; limitemo-nos a apresentar a bem resumida exposição feita pelo distincto crítico. Eórma prodromica. E assim chamada pelo Dr. Magnus porque ella precede qualquer das outras fôrmas e sobretudo á paralytica. Faz se delia uma espécie porque seu apparelho symptomatico é ho- mogêneo e constante; tem uma duração limitada e sua marcha não a conduz necessariamente a qualquer outra fôrma. E esta fôrma prodromica que nós temos achado caracterisada pelo tremor das mãos, a principio, se propagando a todos os membros, segundo o abuso mais ou menos continuo das be- bidas alcoólicas. O limite extremo deste typo é uma espécie de movimento choreico ao qual acompanhão formigamentos. A lingua é a sede do tremor ver- micular, e, mesmo depois de um somno prolon- gado, a palavra é difficil. Estes symptomas, que varião para mais ou menos, dependem da idio- syncrasia do individuo, e sobretudo também da quantidade de bebidas alcoólicas. Os que apresentão este typo de intoxicação accusão fraqueza de nervos e um accumulo de mucosidades no estômago; é para neutralisar esta situação que elles empregão as pre- parações alcoólicas como as mais convenientes a restabelecer o equilíbrio normal das funcções, — 116 - Quasi todos os alienistas, diz Renaudin conti- nuando, estão de accôrdo em reconhecer intima cor- relação entre o abuso das bebidas e os symptomas paralyticos', todavia convém não confundir estes symptomas com a paralysia propriamente dita. Fôrma paralytica.— Approxima-se muito mais do delirium tremens chronico, e que com pouca razão o Dr. Lunier designou sob o nome de para- lysia progressiva, differindo delia não só por suas causas anatômicas, senão também por sua patho- genia. É a expressão de um phenomeno tóxico produzido no systema nervoso peripherico ou cen- tral, e tendo como primeira manifestação uma diminuição de forças, um estado de entorpecimento no systema motor, que são a conseqüência dos phenomenos prodromicos assim expostos. Como os tremores, esta fraqueza começa pela periphería e se propaga dahi para o centro. Ha a principio uma espécie de incerteza tremula nos dedos, que ganha a mão mais ou menos promptamente. A pressão que ella exerce não é nem regular, nem continua. E abalosa e não persistente. O ante-braço e o braço participão delia depois, e, como os mús- culos da região escapular acabão por ser atacados deste relaxamento, resulta dahi que o circulo dos movimentos se restringe por demais. Os mesmos phenomenos se manifestão nas extremidades infe- riores, ora ao mesmo tempo, ora um pouco depois. Ha todavia esta differença que, si os pés se resen- tem em primeiro logar desta fraqueza, os doentes não têm disso consciência senão quando ganha o joelho. Ha gráos no desenvolvimento destes symp- tomas, até que todo o movimento torne-se im- possível, e que a dysphagia seja, para assim dizer, a conseqüência ultima. - 117 - Esta progressão possível do mal não é sempre uma conseqüência necessária do alcoolismo. 0 prin- cipio é variável como sua intensidade, e muitas vezes ella não começa senão depois da solução de uma affecçâo que se pôde considerar de alguma maneira como intermediária. É principalmente con- siderando a moléstia neste ponto de vista que se comprehende a possibilidade de sua cura, e qué se explicão certas intermittencias, como eu tenho tido occasião muitas vezes de observar na mmha pratica. Si estes symptomas nervoso-musculares constituem o typo fundamental da affecçâo, ha ou- tros accidentes que os complicão ou os seguem, e que importa conhecer. Numerosas modificações se operão no habito externo do doente, em sua constituição, A face toma um typo de apateta- mento,os olhos apresentão uma tinta icterica, a pelie, árida, tem um aspecto griseo, e o emmagrecimento faz todos os dias progressos mais sensíveis. Os phenomenos physicos não são menos salientes : o bebedo é pesado, sua intelligencia está enfraque- cida, e as hallucm ações intercorrentes organizão um verdadeiro delírio. Estas diversas modifica- ções ficão algumas vezes desapercebidas durante muito tempo, e quando a moléstia rompe com toda a i;ua intensidade, ser-se-hia tentado a acreditar em uma invasão súbita, emquanto que os commemo- rativos indicão um ponto de partida mais afas- tado. Quanto aos outros symptomas mencionados na fôrma precedente, elles são mais ou menos sa- lientes, conforme as condições pathologicas ; elles são antes complicações do que signaes caracterís- ticos. Fôrma anesthesica. — Caracterisada principal- mente pela obtusão parcial ou geral do sentimento, — 118 - ainda que a motilidade não tenha soffrido alteração alguma. E precisamente o que a distingue da fôrma paralytica propriamente dita, com a qual entre- tanto tem numerosas relações. É ainda pelas ex- tremidades superiores e inferiores que principia esta diminuição da sensibilidade embotadas prin- cipio, e inteiramente obscura no fim. É por excep- ção que esta insensibilidade principia por outra região, mas tudo leva a crer que, mesmo nestes casos, o diagnostico tem sido obscuro no principio. E nas duas mãos e nos dous pés ao mesmo tempo que esta insensibilidade se manifesta. Mas esta insensibilidade não é sempre no mesmo gráo nas duas partes symetricas. Ella ataca mui raras vezes o rosto e os órgãos geradores. É antes cutânea do que profunda, porque os músculos sub-jacentes vão participar quasi nada delia. E isso que ex- plica o serem estes doentes insensíveis a uma lesão superficial, emquanto que percebem uma picada mais profunda. Esta insensibilidade que, em seu principio, pôde affectar uma espécie de periodici- dade, tende no entretanto sem cessar a tornar-se continua e chronica, si o tratamento não vêm trazer alguma modificação a este estado. O formigamento, assignalado mais acima no principio do alcoo- lismo, desapparece, quando a anesthesia attinge um certo gráo, e é por esta successão de phenomenos que se explicão facilmente as hallucinações ne- gativas de certos hypochondriacos que têm pro- curado, no abuso dos licores, um meio de suavisar seus males imaginários. Emíinx, ainda que se ob- serve algumas vezes este tremor, elle desapparece geralmente, quando o typo que acabamos de des- crever está bem desenhado. Si for possível precisar com segurança as phases e os caracteres desta - 119 — affecçâo, não se pôde determinar a que gráo de in- toxicação ella corresponde. A arte não é sempre impotente contra ella. Os remédios e os cuidados hygienicos podem algumas vezes operar cura ; o maior numero de vezes, porém, o mal não faz mais do que peiorar, e termina-se pela morte. Ao mesmo tempo que esta insensibilidade phy- sica, a conservação apparente da intelligencia oc- culta um retardamento notável na formação dos pensamentos que têm perdido sua vivacidade pri- mitiva, e sobretudo sua precisão. A esta diminui- ção de energia intellectual corresponde ainda a diminuição da força moral. O somno agitado é in- terrompido pelos sonhos os mais phantasticos, e é sobretudo, sob a influencia desta situação, que se vê desenvolver uma hypochondria complicada muitas vezes de uma verdadeira transposição de sentimento e de personalidade. Emfim, se este es- tado se prolonga, acaba por chegar á demência, complicada ou não de paralysia geral. As funcções dos sentidos participão mais ou menos das modificações que acabamos de des- crever. A impulsâo erótica desapparece pouco a pouco, ainda que persista de ordinário o maior tempo possivel. As funcções digestivas perdem gradualmente sua actividade, e a vida acaba por extinguir-se em conseqüência dos progressos de uma gastro-enterites, arrastando ao ultimo gráo do marasmo. Fôrma hyperesthesica. — Em confronto á fôrma precedentemente descripta, vem naturalmente col- locar-se a que o autor designa sob o nome de hyperesthesica, e cuja rareza é tal que, durante muito tempo, tem-se acreditado que ella não pudesse existir a não ser como uma complicação passageira - 120 - dos outros typos. Os symptomas característicos são a hyperesthesia e a dôr resultante da irri- tabilidade nevrálgica. A hyperesthesia é sempre precedida dos symptomas prodromicos das fôrmas precedentes; parcial em certos casos, ella corres- ponde á anesthesia de outras partes. Este periodo de invasão tem uma duração que não se poderia precisar, e tem por caracter principal um estado vago de inquietação dolorosa e errática, que traz uma certa incerteza no diagnostico. Uma vez esta- belecida, ella se apresenta sob duas fôrmas distinc- tas, uma peripherica, outra interior. A hyperesthe- sia peripherica se manifesta sobretudo na perna, onde desenvolve-se um vivo sentimento de dôr. O doente experimenta na pelle uma espécie de ten- são dolorosa que o faz gritar, e o embaraça muito em seus movimentos. Esta sensação é algumas vezes ardente, t sem que o doente possa indicar a sede precisa. É no interior da barriga da perna que se manifesta a principio a hyperesthesia interna. A dôr se acompanha de uma sensação de calor ou frio. A pelle não é ahi mais sensível do que em qualquer outra parte, e, si o movimento não revela sempre o augmento da sensibilidade, a pressão é dolorosa na continuidade da extremidade. Estas dores se observão também em outros envenena- mentos, na continuação de nevralgias e de moléstias cerebro-spinaes. A duração da hyperesthesia não tem nada de fixa; coincide algumas vezes com os progressos da paralysia, oue pôde persistir depois de seu desapparecimento. É menos na medicação do que na mudança de existência e de meio que a hy- peresthesia pôde ceder. Quanto ás causas próprias, nada as indica, e não se pôde quasi suspeitar senão da idiosyncrasia do individuo. Todavia, como - 121 na continuação de orgias tem-se sempre dôr nos cabellos, mal aux cheveux (hyperesthesia cutânea), deve-se disso concluir que é um symptoma essen- cial do alcoolismo, e, sobretudo, uma fôrma typica desta affecçâo. Fôrma convulsiva.—Como seu nome indica, tem seu ponto de partida no tremor que caracterísa a fôrma prodromica, em que se notão sobresaltos, elementos essenciaes da convulsão. A convulsão se manifesta a principio por accessos, mas somente depois dos symptomas prodromicos. É mais raro que a invasão delia seja directa. Si ella tem por condição de causalidade primitiva as primeiras conseqüências somáticas da intoxicação, acha-se muitas vezes a causa determinante nas emoções vivas experimentadas na embriaguez. A principio mais brandas e facilmente consideradas como sig- naes precursores, os accessos augmentâo logo de intensidade ou se prolongão, e, quanto ao seu desen- volvimento, a observação não chegou a estabelecer regra precisa. Nada de regular em seu retorno, que, quotidiano em uns, não tem logar em outros senão em longos intervallos. Nada é mais variável do que a sua sede. Ora parciaes, ellas podem invadir suc- cessivamente todas as regiões, começando sempre pela peripheria ; ora geraes, não tendo sede deter- minada, mostrando-se de ordinário erráticas. Algu- mas vezes ellas são annunciadas por um sentimento quasi vertiginoso, acompanhado de um estado de hallucinação imperfeito; os sentidos se enfraquecem, e a consciência do eu diminue desde o começo, perdendo-se muitas vezes quando o accesso se apre- senta. Quando este termina, o doente cahe em um es- tado de prostração proporcionada á violência do ata- que, e como que alquebrado, sentindo a necessidade — 122 — de um somno reparador. Em outros, pelo contra- rio, não se manifesta phenomeno algum consecutivo. Si á sua reapparição o accesso não é submettido á regra alguma precisa, póde-se no entretanto affir- mar que é ella prompta na continuação de qualquer desvio novo de regimen que concorre poderosa- mente a augmentar a sua intensidade. Os phe- nomenos convulsivos têm isto de particular, que parecem muitas vezes ligar-se á forma prodromica de uma parte, e da outra a uma alteração funccio- nal ou orgânica do rachis nas diversas regiões de seu eixo. Si esta condição não se manifesta de uma maneira constante, ella é, pelo menos, mui freqüen- te, e esta freqüência poderia dar a pensar que, nos outros casos ella exista de uma maneira latente. O que é certo, é que em geral a irritação spinal acaba quasi sempre por se associar ao alcoolismo chronico em uma ou outra das phases do seu desenvolvimento. Fôrma epiléptica. — Sufíi cientemente definida pelo nome que se lhe dá, não deve ser confundida com a fôrma precedente. Todos os médicos no entretanto deixão de estabelecer esta distincção essencial. E verdade que a forma convulsiva pôde tornar-se epiléptica; mas a possibilidade desta transformação não impede que exista entre as duas fôrmas uma demarcação bastante saliente. A epi- lepsia por si pôde ser independente do alcoolismo; também não se torna ella um dos caracteres, senão quando tem sido precedida dos symptomas men- cionados nos artigos precedentes. Não basta que sobrevenha em um bebedo para que a relação de causalidade se estabeleça, é preciso ainda que a intoxicação se traduza pelos symptomas que lhe são próprios. Esta affecçâo, quando ella é alcoólica, - 123 — se declara principalmente depois de accessos reite- rados de delirium-tremens, sob a influencia de um estado vertiginoso, cujos principaes accidentes já fôrão indicados. A fôrma paralytica é algumas vezes uma grave complicação da fôrma epiléptica. A epilepsia dos bebedos se termina algumas vezes pela cura, quando ha mudança de regimen, ou que os progressos da idade têm diminuido successiva- mente a intensidade dos accessos. O autor refere que, por outro lado, elle tem observado bebedos tornarem-se epilépticos pela privação da aguar- dente, e não se desembaraçar de seus accessos senão depois de ter voltado ao uso deste liquido. Destes factos deduz-se que a epilepsia dos bebe- dos seria de natureza particular, que nós pode- ríamos considerar como demência. E aquella que fere mais as faculdades intellectuaes, e os doentes que são delia atacados são mais perigosos para a sociedade. » Eis o quadro perfeito de todas as desordens que poderião ser observadas e legitimar os aconteci- mentos que derão logar ás accusações soffridas pelo reclamante. Ninguém será capaz, porém, de encontrar, nos documentos expostos á censura acadêmica, base para chegar-se ás conclusões que motivem um voto afiirmativo aos quesitos sujeitos a julgamento. Das idéas apresentadas parece não poder-se te-lo como um bebedo habitual, porquanto, como diz Renaudin, na analyse citada, « si o homem possue, em sua idiosyncrasia, causas essenciaes de mo- léstia, suas relações com o mundo ambiente são uma fonte freqüente de condições de causalidade ás quaes elle se entrega, ou contra as quaes não reage sufncientemente. » — 124 - Nem sequer acreditamos que elle soffresse de dipsomania, que Hufeland considera moléstia dis- tíncta da loucura dos bebedos, e que foi pela pri- meira vez apresentada ao mundo scientifico em 1819 por um medico estabelecido na Rússia, o Dr. Bruhl-Cramer, e que consiste em uma pro- pensão irresistível a beber, embriagar-se, compa- rável á fome canina, e á qual se applica mui bem ò nome de polydipsia ébria. (81) Trélat, citado por Légrand, bem frisou este çstado, definindo os dipsomanos da seguinte fôrma : « os bebedos são homens que se embriagão apenas achão occasião de beber; os dipsomanos são doen- tes que se embriagão todas as vezes que um accesso os accommette. » (82) Ora, provado, em vista dos dados fornecidos, que o reclamante não era bebedo habitual, nem dipso- mano, muito menos aceitável é a idéa de alienação. Arrazoemos. Admittindo com Briand que a alienação consiste na ausência, na abolição, na lesão geral ou parcial das faculdades affectivas e moraes ou intellectuaes, acompanhando Marc (83), que « entende dever o medico classificar a embriaguez no numero das le- sões do entendimento, » parece-nos difficil fazer-se applicação destas doutrinas ao reclamante, porque os factos, quer posteriores á sua prisão, quer anteriores, até á data de pronunciar-se a Academia, não auto- rizavão com acerto a firmar esse juizo, a menos de ser elle arbitrário e injusto. (81) A. Brière de Boismont. De Ia folie des ivrognes. Trabalho citado. Fage 384. (82) Trélat. De Ia folie lucide, étudiée et considêrée au point de vue de Ia famille et de Ia societé. Paris, 1861, page 151. (83) Marc. De Ia folie considêrée dans ses rapports avec les questions médico-judiciaires. Paris, 1840. Tome 2me page 608. — 125 Julgado, no entretanto, como soffrendo de suas faculdades mentaes, foi este infeliz entregue aos cuidados do inspector do asylo de mendigos como doudo, para ali permanecer por algum tempo, visto no hospício de D. Pedro II não haver logares sufficientes para manter-se grande numero de alie- nados proletários, salvo quando elles se achão de todo furiosos. Esta circumstancia é bastante curiosa, para que a deixemos sem algumas reflexões. Protectora da sociedade, diz Evrat, a lei impôz para os alienados sua admissão em estabelecimen- tos especiaes, e a sciencia e a experiência têm re- conhecido e recommendado para estes doentes o isolamento ou o afastamento de toda a excitação prejudicial, qualquer que ella seja, a salubridade, a vista do céo e dos campos, e o mais possivel o exercício em pleno ar; todas prescripções que im- plicão que é preciso que os asylos, que em reali- dade são ao mesmo tempo logares de seqüestro e de tratamento, sejão isolados e situados no centro de um perímetro vasto, reunindo as condições que acabão de ser enunciadas e assim preservados da perturbação e excitação (84). De ha muito que tem-se comprehendido a van- tagem do tratamento moral aos alienados, cuja escola inaugurarão com vantagem Pinei e Daquin. Entre nós, sendo elle proletário, antes que seja furioso, dá-se-lhe como abrigo o asylo de mendigos, onde não se encontra a menor condição favorável a um tal estado. (84) Evrat. Deuxième étude sur Ia reconstruction projectée de 1'asile publique des alienes de 1'Isère. Annales medico-psycologiques. Tome 5-e> gme série, 1853, page 189. — 126 — Pois não seria já tempo de comprehender-se que cumpre prestar-se alguma attenção para este ramo importante da administração, e cessar o systema de enviar os doudos para essa casa? Bem se ex- pressou Dumesnil (85), dizendo : o alienado, por mais degradado que pareça por esta affecçâo, con- serva sempre, senão em suas manifestações constan- tes, ao menos virtualmente, restos de sua origem divina: razão, consciência e bondade; e é á parte espiritual de sua dualidade confundida, como diz Bossuet, em uma unidade mysteriosa a que o medico deve dirigir-se para desenvolver a razão, esclarecer a consciência, fallar ao coração, para provocar e sustentar os esforços do doente e reconquistar livre- mente sobre seus órgãos o império que dá a força moral. No asylo de mendigos, onde se poderá achar espaço, ar, luz, sol, águas abundantes e boas, orien- tação tão favorável quanto possível para assegurar o tratamento do alienado ali recolhido, e suavisar seu seqüestro, e onde elle encontre a calma, o reco- lhimento, o consolo, a alegria, com suavidade e se- gurança, condições indispensáveis para um asylo de alienados, como frisou Evrat? A casa dos alienados, disse o grande Esquircl, deve ser o mais poderoso instrumento de sua cura. O que diremos do nosso asylo de mendigos ? Cale- mo-nos, e não façamos commentarios. Apologista da escola que proclama a importân- cia do tratamento moral para o alienado, não po- demos deixar de contristarmo-nos e reclamar con- tra o máo costume de encetar o alienado proletário (85) Des alienes en Ecosse (1859). Extrait dun rapport traduit de 1'angíais par M. le Dr. Dumesnil. Annales medico psycologiques. Tome 7™% 3"»> série, 1861, page 276. — 127 — entre nós sua observação pelo asylo de men- digos. Hoje, não devem haver duas opiniões sobre o caminho a seguir em casos taes. Dos dous methodos que disputarão o tratamen- to da humanidade, o do seqüestro e violência, e o moral, não ha que duvidar sobre a escolha, diz Fournet. Inspirado nas mais salutares doutrinas, demons- trou á toda a evidencia essa superioridade, traduzin- do seu sentimento nestas significativas palavras: «Estes dous methodos de tratamento da humani- dade, e as considerações que venho de ligar a elles, resaltão da natureza das cousas, da natureza hu- mana em particular. «A força quebra e destroe, a intelligencia se assi- mila e vivifica. Unida ao coração, ella é, para o homem moral, o que a luz e o calor do sol são para a natureza orgânica. «A exaltação do coração e da intelligencia são, em todo o homem, um progresso sobre a vida pu- ramente corporea. «Na ordem social, nós verificamos igualmente, como um progresso, a substituição por demais pronunciada da intelligencia á força; é esse o prin- cipio de toda a industria, de toda a arte ; a própria sciencia não é senão o espirito, a lógica, a razão dos factos, abstrahidos destes factos e substituidos ao próprio facto. «A sciencia e a pratica medica nisso não têm outro principio, nem outro methodo como qualquer outra sciencia ou pratica humana, e não pôde ter outro. Em todas as cousas humanas, como no próprio homem, é da ordem material para a ordem intellectual e moral que se cumpre toda progressão; - 128 - o progresso da therapeutica, sobretudo em matéria de alienação mental, como o de qualquer outro ramo da medicina, está sujeito á mesma lei (86). » Confie-se um tratamento desta ordem ao inspec- tor do asylo de mendigos. E irrisório em demasia. Deixemos esta questão, que nos poderia levar mui longe, e entremos no assumpto que nos oc- cupava. Apreciemos esta phase da prisão do reclamante, que não pôde ser posta á margem. Tem crescido entre nós com vantagem a especu- lação, o que não é para admirar, si attendermos a que Hoeffer (87), citado por Mangin (88), diz ser uma verdade triste de confessar que os vicios do homem são um dos estimulantes principaes do pro- gresso ; fora de duvida é, portanto, que devemos participar dessa infelicidade, sectária inseparável e forçada como é ella do progresso. Intuitivo é, por- tanto, que deve ter tomado proporções descom- munaes a tarefa policial, dando isso logar a que repetidas vezes sejão preteridas as fôrmas obriga- tórias do processo. E o que se deu no caso em questão. Expliquemo-nos. Cumpre-nos censurar ter a autoridade se es- quecido de satisfazer ao seu dever, quando, reco- nhecido o reclamante privado de sua razão, não lhe deu um curador (89); nem poderá servir-lhe de desculpa allegar que aqui a espada da justiça (86) Dr. .1. Fournet. Le traitement moral de 1'aliénation, soit mentale, soit morale, a son príncipe et son modele dans Ia famille. Mémoire lu à Ia Société Médicale d'emulation, dans Ia séance du 4 Mars 1854. (87) Hoeffer. Histoire de Ia Chimie. (88) Mangin (Arthur). Les Poisons. Tours. mdccclxix. (89) Sendo de todo o interesse o conhecimento desta parte das nossas lei* civil e criminal, reproduziremo-la; tanto mais que, por ellas,bem se — 129 — já se levantava para ferir o accusado, firmada em um juizo de sciencia, e firmado por autoridade que, fazendo fé publica, devia ser mui acatada e melhor respeitada. Tal razão não pôde em absoluto apro- veitar. O erro deu-se, e foi elle uma das causas de tudo que occorreu. Qual a causa, porém, desses continuados desvios em matérias de tanto alcance? Existe desgraçadamente ainda entre os homens da sciencia e os homens da lei, entre os médicos e o foro, um espirito de opposição e como de suspeita reciproca, que nos fastos da justiça criminal tem vê o critério que deve presidir á declaração de achar se o individuo no estado de louco. «Leis civis—Art. 29. Os loucos de todo o gênero e os pródigos são equiparados aos menores, e a lei do mesmo modo os protege. «Art. 30. Elles são igualmente soccorridos com o beneficio da res- tituição. «Art. 177. Não será o pai administrador dos bens que pertencerem aos filhos por morte da mãi se padecer alienação mental, ou outra enfermidade que o impossibilite de os reger. «Art. 262. Não podem ser tutores ou curadores: Os loucos, os pró- digos e os impedidos por qualquer impedimento perpetuo (§ 3o). «Art. 311- Logo que o juiz dos orphãos souber que em sua jurisdicção ha algum demente, que pela sua loucura possa fazer mal, entrega-lo-ha a um curador que administre sua pessoa e bens. «Art. 319. Sendo necessário, o curador fará prender o demente para que não cause algum damno. «Art. 320. Se o demente fizer mal ou damno a outrem, o curador é responsável pela indemnisação, tendo havido culpa e negligencia. «Art. 321. A curadoria cessará logo que o demente recobre seu per- feito juizo, restituindo-se a livre administração de seus bens. «Art! 322. Sendo a loucura de lúcidos intervallos, durante elles regerá o demente seus bens, sem comtudo cessar a curadoria. «Art. 808. Serão obrigados á satisfação do damno, posto que não possão ser punidos: Os loucos de todo o gênero (§ 2o). «Art. 993 Não podem fazer testamento : Os loucos e os pródigos to- lhidos da administração de seus bens (§ 3o). «Art. 994. Não valerá o testamento dos loucos, quando affectados de loucura continua, ainda que as disposições pareção tão bem ordenadas como as faria qualquer pessoa em estado normal. «Art. 995. Havendo lúcidos intervallos, valerá o testamento feito no te;npo da remissão, àssim o coastan.lo claramente, e também valerá o testamento feito antes da ler cura. «Art. 996. Duvidando-se de ler sido o testamento feito no tempo da remissão, servirá de regra a qualidade das disposições. «Art. 997. Se as disposições forem razoáveis, como as faria qualquer outro em juizo perfeito, presume-se terem sido ordenadas durante o lúcido intervallo. i'. n. 0 — 130 — dado logar mais de uma vez a mui tristes resulta- dos, diz Lélut (90), e a isso attribuimos sem duvida o pouco apreço que sempre se dá ás questões ju- diciarias em que a medicina tem de intervir ; de modo que a imperfeição dos processos e o modo por que são elles organizados são um compromet- timento constante da sciencia, ainda que legitima e justamente representada. E si, adoptada esta hypothese, é terrivel o que corre por ahi de irregular e inconveniente, com grave prejuízo da nossa segurança individual, não podemos ficar inactivos e deixar de protestar com toda a energia, quando a própria sciencia dá arrhas, para que, nella arrimados, os homens da lei com- mettão arbitrariedades e injustiças, e tudo pela fa- cilidade com que se sustenta e se advoga entre nós, a theoria da irresponsabilidade dos funccionarios públicos das varias classes sociaes. Em bem da verdade, cumpre-nos dizer: não foi só a autoridade medica que claudicou neste proces- so, tudo foi pouco regular, e, ao occuparmo-nos «Art. 1.016. São causa-; legitimas para a desherdação dos descenden- tes pelos seus ascendentes: «Se desampararão os ascendentes que cahirão em alienação mental, não lhes prestando os soccorros precisos durante a enfermidade (§ 7o). «Art. 1.003. Não podem ser testemunhas nos testamentos : «Os loucos, e os pródigos tolhidos da administração dos seus bens (S 2o). ((Código Criminal—Art 10. Não se julgaráõ criminosos : «Os loucos de todo o gênero, salvo se tiverem lúcidos intervallos, e nelles commetterem o crime (§ 2"). «Art. 12. Os loucos, que tiverem commettido crimes, serão recolhidos às casas para elles destinadas, ou entregues ás suas familias, como ao juiz parecer mais conveniente. «Art. 18. São circumstancias attenuantes dos crimes : «Ter o delinqüente commettido o crime no estado de embriaguez (§9»). «Art. 64. Os delinqüentes que, sendo condemnados, se acharem no estado de loucura, não serão punidqr emquanto nesse estado se conservarem.» < (90) Lélut (F.). Note médico-légale à propôs- des condamnations pro- noncées par les tribunaux sur les individus fous avant et pendant Ia mauvaise action a eux imputée et écroués dans le mêine état. Anna- \ts medico-psycologiques. Tomei*1", 1818, pag. 132. — 131 — desta questão, não podemos deixar de registrar com pezar um facto, que envolve em si a infracção de direitos garantidos pelas leis naturaes e positivas. Dous documentos firmados pela mesma autori- dade, contradizendo-se manifestamente, declaran- do-se em um tque o reclamante é louco furioso, ca- rece de camisola para conter-se,y> e em outro «que ê elle homem socegado e calmo» (sendo este o segun- do) ; e, no entretanto, já vai tão longe a escola da irresponsabilidade entre nós que um agente official, e que deve merecer fé publica, dá duas attestações sobre um mesmo facto, e ninguém at- tende a isso. (*) A quantos commentarios poderíamos submetter esta questão ! Limitemo-nos, porém, a dizer : Si a mentira importa uma falsidade, e si a falsi- dade é um defeito de grande perigo em um parti- cular, é um delicto de muito peso em uma autori- dade; e, no entretanto, o inspector do asylo dos mendigos faltou á sua fé, dando a seus superiores occasião de procederem inconvenientemente, e de soffrerem por isso increpações bem merecidas; mas nem assim sujeitou-se elle á menor pena ou censura. E curiosa a confrontação destes dous documentos. De um já vos dei noticia em outro logar, e que foi fir- mado em 29 de Março de 1876, posterior aquelle que (*) « Cópia.—Asylo de mendigos, 26 de Novembro de 1875. Illm. e Exm. Sr. — Vou rogar a V. Ex. se digne solicitar do Exm. provedor da misericórdia a remoção de alguns alienados aqui existentes para o hospício de Pedro II, com especialidade e urgência de Alexan- dre da Costa Silveira, brazileiro, 'le 42 annos de idade, guarda-livros, i; de Álvaro Joaquim Nunes dos Santos portuguez, de 39 annos, com- inerciante, que soffrem.de vez em quando accessos de furor com tal intensidade que forçoso <■ conserva-los em camisolas de força, mor- mente o segundo, que durante o accesso só pôde conter-se amarrado mesmo dentro do cubículo, por ter já cornos pés arrombado a porta de um dos cubículos. Deus Guarde a V. Ex.—-Illm. e Exm. Sr. Dr. chefe de policia.— O inspector, José Agostinho Alves de Araújo.— Estava á margem.—■ Á 2». Oíficie-se. 26—11—75.—Confere, Francisco José de Lima. » — 132 — servira de instrucção ao processo, e que consta dos termos da cópia abaixo. Contentamo-nos em entre- ga-los á apreciação dos que se occuparem com esta questão. Sobre elles não emittiremos uma só palavra, tão grande é o vexame que nos produzio semelhante procedimento da parte de um agente official. E doloroso dizermos isso, mas o facto é real, e nenhuma providencia a seu respeito tomou-se, para prevenir a reproducção de taes asseverações, que trouxerão ao reclamante os castigos que ali experi- mentou com outros seus companheiros, e sobre os quaes guardarei silencio, como a prova mais elo- qüente de suas crueldades. Em bôa hora, porém, foi o reclamante retirado dali, graças ao distincto medico o Sr. Dr. Goulart, que, fallando a este propósito, declara que tratou de remover aquelle infeliz do asylo para o hospicio de Pedro II, porque, «se tal não acontecesse, estaria ainda hoje no asylo de mendigos desfiando estopa, se não estivesse já na eternidade.» (*) (') Hospício ce Pedro II 0 Sr. Dr. Manoel Thomaz Coelho e as Cartas de um Caipira Obtida do Exm. Sr. conselheiro provedor a devida autorização, vou informar ao publico do que se passou a respeito da admissão do Sr. Alexandre da Costa Silveira neste hospicio. afim de que se possa jul- gar a quem deve caber a responsabilidade de semelhante facto, que o Sr. Dr. Manoel Thomaz Coelho, em sua defesa apresentada ao Exm. Sr. Dr. chefe de policia desta corte, e publicada no Diário Official de 13 do corrente, tenta lançar sobre a minha humilde individualidade. Nos últimos dias de Novembro próximo findo, recebi um officio da secretaria da policia, que, para melhor esclarecimento da queslâo, publico em sua integra, com o despacho do Exm. Sr. conselheiro pro- vedur nelle exarado. «N. 6,732 —2a secção.—Secretaria da policia da corte. Rio de Janeiro, em 26 de Novembro de 1875.—Illm. e Exm. Sr.—Rogo a V. Ex. sirva- se mandar examinar por um dos médicos do hospicio de Pedi o II alguns alienados furiosos que achão-se no asylo de mendigos e orde- nar a admissão dos mesmos, naquelle estabelecimento, caso hajão vagas, e especialmente Alexandre da Costa Silveira e Joaquim Nunes dos Santos, que apresentão taes accessos de loucura, que só em camisa de foiça podem ser contidos. Deus Guarde a V. Ex.—Illm. e Exm. Sr. conselheiro Zacarias de Góes e Vasconcellos, provedor da Santa Casa — 133 - da Misericórdia. 0 chefe de policia, Miguel Calmon du Pin e Almeida. —Despacho.—Informe o Sr. mordomo do hospicio com parecer do Sr. Dr. director do serviço sanitário respectivo. Santa Casa, 27 de Novem- bro de 1875.—Vasconcellos.— Está conforme —O mordomo, T. S. Bit tencourt e Câmara.» Pelo que se deduz da exposição do Sr. Dr. Thomaz Coelho, deu ori- gem ao offlcio supra outro lambem inserto no mesmo Diário, servindo de documento muito importante nesta questão. Parecendo-me de summa conveniência a inserção aqui, tanto desse offlcio, como dos pareceres nelle inscriptos, assignados pelo Sr, medico da policia, aqui cs faço publicar. «Cópia.—Subdelegacia do 1° districto da freguezia do Sacramento, 16 de Novembro de 1875. «Illm. e Exm. Sr.—Tendo sido recolhido ao xadrez da policia, hon- tem á noite, Alexandre da Costa Silveira, morador em um quarto do 2o andar do prédio da rua de S. Jorge n. 1, o qual provocava os trans- euntes atirando-lhes garrafas e outros projectis e praticava acios im- moraes; e como o mesmo apresenta todos os indícios de soffrer de alie- nação mental, fica no mesmo xadrez á disposição de V. Ex , afim de dar-lhe o destino que julgar conveniente. «Deus Guarde aV. Ex. —Illm. e Exm. Sr. Dr. Miguel Calmon du Pin e Almeida, digníssimo chefe de policia da corte. — O subdelegado, Joaquim José Teixeira de Carvalho. «Estava á margem —Seja examinado. 16—11—75.—Soffre de suas faculdaJes mentaes em conseqüência de abuso de bebidas alcoólicas; convém ficar aind i até amanhã. Rio, 17-11-75.—O Dr. Thomaz Coelho. —Confirmo o juizo do Io exame; o paciente, porém, actualmente está perfeitamente calm >. Rio, 1811-75.—O De. Thomaz Coelho.—Asylo.— Confere, Francisco José de Lima.» Diiigi-me ao asylo de mendigos para dar execução ao despacho do Exm. Sr. conselheiro provedor, e ahi encontrei Álvaro N. dos Santos camisolado, e Alexandre da C. Silveira desfiando eslôpa. Observei ao guarda do asylo quee^te ultimo me parecia tranquillo, comquanto es- tivesse merencorio ; retorquio-me elle que Silveira era muito perigoso, porque tinha accessos impulsivos. Á vista da informação e do offlcio que tinha em meu poder, propuz que ambos fossem recolhidos ao hos- Eicio, e assim o determinou o Exm. Sr. provedor por despacho de 3 de •ezembro próximo passado. Antes de proseguir, convém informar ao publico que pelo regimento interno do hospicio de Pedro II (art. 23), os indivíduos ahi admittidos sã • postos em observação, até que o medico possa forn ar juizo defi- nitivo sobre seu estado mental, ainda quando tenhão sido julgados alienados pelo juiz competente ; só tem logar a matricula quando o pro- vedor o ordena á vista do parecer do medico respectivo. O Sr. Silveira, pois, apezar dos dous exames e julgamento do Sr. Dr. Thomaz Coelho, foi posto em observação, assim como seu companheiro, com as devidas cautelas, baseando-me nas informações obtidas no asylo, e nas recommendações do offlcio, que pedia sua admissão. Da observação dos primeiros 15 dias resultou que Silveira era taciturno, hypochondriaco. recusava alimentar-se e fazia todos os esfor- ços para estar em isolamento, apenas respondia aos médicos, declaran- do que não comeria, que morreria mesmo de fome, se não o puzessem em liberdade. Pergunto agora aoillustrado Sr. Dr. Thomaz Coelho, que, como lhe compete, muito deve saber deste ramo da pathologia: nas condições referidas é fácil fazer um diagnostico? Como S. S. sabe, na mania de - 134 - Este modo de pronunciar-se do intelligente e conspicuo clinico importava uma accusação séria, vindo corroborar o que dissemos em outro logar. Natural era, que fosse tornada em consideração, si vivêssemos em um paiz disciplinado, e não en- tregue aos vaivéns da sorte e ao tempo, o melhor regulador de nossa felicidade. Restrinja-se muito embora, diz Lélut, (91) em íórma deprimente com accessos impulsivos, taes são os symptomas mais communs, e para exemplo, apresento-lhe o companheiro de Silveira, Álvaro Nunes, que só depois de um mez apresentou-se em estado de fazer-se o diagnostico. Quer S. S. que por um acto de leviandade se repitão factos como o da rua dos Ourives, onde, pela fúria de um louco, quasi ião sendo victímas uma senhora e um official de marinha? Sabe S. S. quanto tempo foi preciso para verificar o estado mental daquelle infeliz, que aqui terminou seus dias? Quasi oito mezes, Sr. doutor. Nem isso deve admirar a S. S., que sabe que o professor Tar- dieu teve em observação durante mais de um anno um individuo do cuja integridade mental suspeitava a justiça. Ora, á vista das informações officiaes sobre o indivíduo em questão, não se me podo censurar a sua reclusão de alguns dias que me esforcei por suavisar o mais possível, como elle mesmo pôde attestar; procurou- se restrictamente conciliar o respeito á liberdade individual com a ga- santia social. Recapitulando o que acima, disse, conclue-se: 1.° Que os indivíduos removidos do asylo de mendigos para o hos- picio são admittidos em observação, e têm alta, ou matriculão-se se- gundo o resultado desta. 2.<> Que o Sr. Silveira esteve neste estabelecimento o tempo necessá- rio para fazer-se juízo seguro do estado de sua razão. 3.o Que, para quem entende de pathologia mental e cumpre os seus deveres conscienciosamente, um ligeiro exame, e sem informações, como acontece com os indivíduos levados ao asylo e ao hospicio de Pedro II, não é sufíiciente para julgar do estado mental de qualquer pessoa, ainda mesmo nos casos mais simples. Só a observação continuada por algum tempo pôde guiar o alienista prudente no descobrimento da verdade. Firmado, pois, na observação attenta, passei o attestado publicado na Carta de um Caipira de 7 do corrente, o qual tanto incommodou o ilius- trado medico da policia, que melhor teria feito, entretanto, seu diagnos- tico, uma vez que delle está convencido, como hoje ainda o affirma no Diário Official. Finalmente, direi que o Sr. Silveira, se não tivesse sido removido para o hospicio, estaria ainda hoje no asylo de mendigos desfiando estôpa se nõo estivesse já na eternidade. Paro aqui, convencido de que o publico licará sufficiunlemeule orien- tado sobre o assumpto, ao qual não pretendo voltar. Dr. Ignacio Francisco Goulart, medico-director. Hospicio de Pedro 11, 15 de Abril de 1876. (Extrahido do Jornal do Commercio.) (91/ Lélut. Obra citada. 135 — Beu6 limites os mais estreitos o circulo da sem razão, dessa que falsêa ou destróe o livre arbítrio e faz desapparecer a culpabilidade; mas uma vez estabelecido este circulo encontrem os des- graçados collocados nesse estado, não as grades da casa central ou do calceta, mas as portas de um estabelecimento de caridade. A alienação mental é, sem duvida, de todas as misérias humanas a mais lamentável, e entretanto ao aspecto de uma tal decadência, a sociedade de outr'ora recusava reconhecer .neste ente que a razão abandonava, o homem, o cidadão, a quem deve soccorro e protecção; pelo que era repellido do seu seio, e, em seu espanto, ella o confundia nas prisões com os mais vis infractores das leis, ou ella o degradava na parte mais afastada dos hospicios, afim de subtrahi-lo a todos os olhares. (92) E infelizmente a sorte do alienado proletário entre nós, quando não tem quem o proteja ou em- quanto não ha vaga no Hospicio de Pedro II, para ali ser accommodado. Esquecem-se aquelles que concorrem para isto, de que Brière de Boismont, dizia, com muita erudicção : t O soffrimento moral, tal é em ultima analyse, na maior parte dos casos, o ponto de partida da loucura. Nesse immenso labyrintho da vida todos soffrem, mas aquelles sobretudo que a natureza tem dotado de uma organização nervosa, impressioná- vel, susceptivel ao excesso. Quando a dôr chega a seu ultimo periodo, que ella não abranda mais, que ella tem quebrado as forças, as consolações ((.>2) Jules Falret. Lettre dírigée au rédacteur des Annales medico psychologiques. sur le patronage et asyle des colvi empregar a sangria geral nas primeiras 24 horas da moléstia, uma vez que o enfermo fosse plethorico, e a temperatura de 40° para cima. ____ da administração do sulphato de quinina, que são os paroxismos da febre que actuão de algum modo sobre o utero e provocão a expulsão do producto da concepção. Trata ainda da opinião de Boudin, mostrando as relações de analogia que apresentão as intoxicações saturninas, mercuriaes ou outras com a intoxicação paludosa, e a de Constantin Paul, que publicou na Gazeta dos Hospitaes, de 12 e 16 de Maio de 1860, uma serie de obser- vações que demonstrão a freqüência do aborto nas mulheres que são por muito tempo sujeitas ás ema- nações do chumbo. Entre estas, como entre aquellas, nas quaes tem permanecido por muito tempo a febre intermittente, ha alteração do sangue. Mas, para estas ultimas, diz elle, ha uma circumstancia que não tem sido percebida pelos observadores, e dahi vem sua discordância sobre esta questão: Os paroxismos por causa paludosa ou por causa tellurica occasionão o aborto; segue-se dahi que, se depois da administração da quinina o accesso volta, o parto prematuro pôde ter logar, não porque a mulher tenha tomado sulphato, porém porque o accesso voltou. Corrobora este seu modo de pensar com duas observações interessantes e dignas de consulta. A Rayer ainda acompanhão Canadu, que con- sidera os saes quinicos como o meio mais se- guro de excitar as contracções uterinas, na con- dição, porém, de ser dado em alta dose; Waren, que não conhece meio mais seguro de provocar o aborto [Bulletin de Thérapeutique, 1862, pag. 180), e John Lewis, que annuncia administrar fortes doses de sulphato de quinina em todos os casos em que ha rigidez do collo uterino, pelle sêcca e pulso duro, concorrentemente com ventosas — 213 - sêccas applicadas sobre a região sacra, e pedí- luvios quentes, e que elle espera então o amol- lecimento do collo e contracções regulares, com tanta certeza, como espera evacuações depois da administração da jalapa. Rich de Galveston refere alguns casos de inércia do utero vencidos pela quinina (140). Occupando-se deste autor, consigna Stillé que, se- gundo elle, o medicamento tem o poder de sustar a hemorrhagia que se dá nos phenomenos obscuros intermittentes, associando-o com stypticos directos; attribuindo-lhe também a suspensão das contrac- ções do utero, que ameação o aborto em taes circumstancias, sem duvida com acerto, visto como neutralisa o effeito malario inquietador. Con- tinuando, diz mais Stillé, tem-se também asseve- rado que de um lado torna as contracções ute- rinas mais activas durante o parto, e de outro que é um meio efficiente de vencer a rigidez do collo do utero ; que é possivel que, quando grandes doses do remédio são applicadas ás mulheres, a irritação produzida na bexiga possa propagar-se ao utero, produzindo bons ou máos effeitos, con- forme a condição em que exista este órgão (141). Churchill dá conta de um caso referido pelo Dr. Davis, em que a quinina foi dada a uma mulher grávida de cinco mezes, que estava sof- frendo por essa occasião de um ataque de febre intermittente terça, e, conforme o Dr. Davis, o remédio produzio aborto (142). Cazeaux, occupando-se das moléstias que podem (140) Charleston. Medicai Journal, Marcb, 1861. (141) Stillé (Alfred). Therapeutics and Matéria Medica, Philadelphiu, 1868. Vol. í, Pag. 446. (142) Churchill. Diseases of Women. Lonion, 1866. — 214 — existir durante a prenhez, e da influencia reci- proca que ellas exercem sobre sua marcha e ter- minação, diz, quando trata das moléstias endê- micas, referindo-se á febre intermittente: « Nin- guém duvida, como tem procurado demonstrar M. Ebrard, que as desordens graves, as perturbações profundas, que os accessos de febre produzem em toda a economia, os vômitos teimosos que assig- nalão bom numero de accessos, a tosse, a diarrhéa e as eólicas não possão determinar nas funcções da madre uma perturbação das mais pronunciadas, e que a fluxão, a congestão, que determina tantas vezes esta febre, não possão produzir a expulsão prematura do produeto da concepção. « E um facto, portanto, cuja possibilidade é in- contestável, e que traz naturalmente a indicação de fazer cessar promptamente este estado mór- bido ; também não tenho recordado a influencia das febres intermittentes sobre a prenhez, senão para ter occasião de repellir calorosamente o con- selho dado por algumas pessoas, e que consiste em rejeitar o sulphato de quinina, como mui pró- prio para provocar o aborto ou o parto prematuro. E á própria moléstia e não ao medicamento que convém certamente attribuir os abortos exprobra- dos ao sulphato de quinina. Tenho tido por minha parte occasião de emprega-lo seis vezes em épocas variáveis de prenhez, e nas doses de 50 a 75 cen- tigrms., e mesmo 1 gram. nas 24 horas, e nunca tive de arrepender-me. « Um grande numero de práticos, que, como Tha- zet, Delmas, Alamo, Ebrard, têm tido occasião de praticar por muito tempo nas localidades em que as febres intermittentes são endêmicas, não têm tido razão para se queixarem da acção do sul- — 215 — phato de quinina empregado nas mulheres grá- vidas. Não só é um medicamento innocente, porém ■ é o meio preventivo mais seguro quando o aborto torna-se imminente pelo facto de febre » (143). Cita ainda a commissão a opinião do Dr. Davy Blair, cirurgião geral da Guyana Ingleza, que de- clara ter sido prescripto por elle, e muitas vezes, a pacientes de todos os sexos e idades, até onde ha sido possível verificar quasi invariavelmente o cin- chonismo, durante 13 annos, provavelmente na applicação de muitos milhares de onças de sul- phato de quinina ; e durante esse tempo não tinha visto perigo algum de seus effeitos, com excepção de 3 ou 4 casos de aborto imputado (144). Colin, em um dos seus melhores trabalhos, por occasião de occupar-se do tratamento das febres intermittentes, discutindo a acção medica do sul- phato de quinina, mostra-se propenso á escola que attribue os abortos, não ao remédio, mas á acção perigosa que a diathese paludosa exerce sobre as mulheres grávidas, devendo-se ter muito em vista esta circumstancia. Seu pensamento é assim apresentado : « Estes factos nos levão a fallar da exprobração que di- rige Rayer ao sulphato de quinina, que teria, se- cundo elle, arrastrado ao aborto em quasi todas as úrcumstancias em que elle o tinha administrado turante o estado puerperal. Não pretendemos que, djrante a prenhez, as mulheres não supportem mais dificilmente do que de costume o medicamento en questão ; admittimos mesmo que dahi possão (1*3) Cazeaux (P). Traité théorique et pratique de Vart des accou- chemnts. 7«n« édition, revue et annotée par S. Tarnier. Paris 1867. Pag. 435. (1& Relatório citado. Pag. 15 do Tomo xxv dos Avmaes. — 216 — resultar accidentes mais sérios do que simples dores gastralgicas, e que os vômitos, já tão fre- qüentes e tão perigosos ás mulheres grávidas, possão tomar caracter de gravidade muito espe- cial sob a acção deste medicamento; mas cumpre ainda recordar que a diathese palustre tem uma acção muito mais perigosa sobre as mulheres pe- jadas, e é principalmente a esta intoxicação que se deve, nos paizes febris, attribuir a freqüência do aborto. As observações em apoio desta these são innumeras hoje ; mas apenas citaremos as conclu- sões a que tem chegado o Sr. Duboué em pre- sença dos factos por elle observados. « Para resumir em algumas palavras os caracteres espe- ciaes do impaludismo nas differentes phases que acompanha, na mulher, a importante funcção da geração, direi : que este impaludismo, nascido no logar ou importado, crêa para a mulher grávida, em todos os períodos da gestação, mais um pe- rigo do aborto e parto prematuro, perigo que procuraremos explicar mais tarde pelas conges- tões que provoca em muitos órgãos e em parti- cular no utero. « Apezar dos temores que proclama Rayer, o sulphato de quinina não deve ser desde logo considerado como um medicamento, antes útil do que perigoso durante a prenhez ? Não é ainda a febre que faz aqui o que se tem exprobrado a< medicamento ? « Não só a prenhez predispõe ás manifestações agudas da intoxicação palustre, como tamben o abalo nervoso e a hemorrhagia que succedemao parto aggravão ainda esta predisposição, e, íos paizes febris, o estado puerperal é uma das I ___ trace, even remotely, any uterine action conse- quent upon its exhibition. On the other hand, no one can question but that malarial poison does often incite to abortion and miscarriage, to say nothing of its blighting effect upon the fcetus and the cachexia which it induces in the mother. » O Dr. Wm. Lee, segundo o testemunho de Ashford, também é contrario á doutrina de que a quina seja abortiva. Segundo elle lhe informara, dá a quina ás mulheres grávidas justamente como faz ás outras, sem attender a essa condição especial, e não teve até então occasião de registrar um único facto que o demovesse desse modo de pensar. Emquanto os médicos americanos citados que- rião derrocar as idéas enunciadas por Monteverdi e sustentadas por outros clinicos distinctos, o illus- trado professor Gueneau de Mussy, em uma com- municação feita á Sociedade Therapeutica em 6 de Dezembro de 1871, veio em auxilio do pratico italiano. Nesta lição publicada na Gazeta Medica de Pariz de 12 de Outubro de 1872, e hoje reproduzida em sua clinica medica, assim se exprime o eru- dito pratico francez: « A acção da quina nas moléstias palustres é tão heróica, é para a humanidade um tão grande beneficio, que não se deve admirar que outras applicações deste medicamento tivessem sido es- quecidas de momento pelo papel que elle goza nestas affecções, onde merece muitas vezes o titulo de anchora sacra salutis, que lhe dava Sydenham. « Ha quarenta annos, muitos médicos restringião suas propriedades á sua acção, dita especifica, nas moléstias intermittentes miasmaticas, a uma acção tônica que se pedia sobretudo ao extracto de — 22i — quina cinzenta, isto é, a uma preparação que encerra pouco ou nada de quinina; um certo numero accrescentava-lhe uma propriedade anti- periodica, mysteriosa, como uma especificidade no impaludismo, talvez connexa a esta, e que achava sua applicação nos actos mórbidos, fraca e regularmente intermittentes; porém contestava-se sua utilidade nas remittentes symptomaticas, e sua opportunidade fora do circulo estreito que a therapeutica official tinha traçado. Em uma reacção natural contra o abuso que se tinha feito então que, verificando seus maravilhosos effeitos nas moléstias até então difficeis de curar, ás vezes mesmo quasi fatalmente mortaes, acreditou-se ter achado uma panacéa contra todos os males que afnigem a nossa espécie. « Este circulo devia ser bem depressa que- brado pela experiência; foi-se forçado a reco- nhecer que as applicações erão muito mais ex- tensas que não se tinha suspeitado. Indagou-se se sua pretendida especificidade não seria uma modalidade de acção physiologica que corres- pondesse ao estado particular do organismo nas moléstias palustres, mas que pudesse encontrar outras indicações. Sua intervenção efficaz no rheu- matismo febril foi verificada por aquelles mesmos que põem em duvida sua innocuidade. Applicou-se com successo á infecção pyogenica puerperal, que me parece idêntica com a pyogenia traumática. Não me admiro, pois, que nesta ultima ella conte partidários. « Alguns médicos têm querido fazer do seu emprego o tratamento geral da febre typhoide, arrastrados nesta via por sua incontestável effi- cacia em certas fôrmas e em certas indicações. — 223 — Emfim, não ha quasi pyrexias ou moléstias epi demicas em as quaes não se a tenha de novo ensaiado; não ha mesmo nellas nenhuma onde não tenha adquirido panegyristas. « Ha, eu creio, um estudo interessante a fazer das indicações e dos effeitos dos saes quinicos fora das moléstias palustres e da acção tônica commum da quina; estes últimos effeitos são mui conhe- cidos e muito provados para fornecer um as- sumpto muito interessante aos estudos da the- rapeutica clinica ; a physiologia therapeutica, pelo contrario, tem nesta questão, como em todas as que têm por objecto o modo de acção do me- dicamento, tudo a fazer, ou pelo menos a rever. « O emprego da quina nas hemorrhagias ute- rinas está longe de ser uma novidade. Tem-se preconisado nas hemorrhagias que acompanhão algumas vezes o principio da menstruação ou que precedem o seu termo. A quina vermelha tem sido especialmente aconselhada neste caso. Mas, em geral, eu creio que, dirigindo-se ao ex- tracto de quina, como aos compostos tônicos, procurava-se a acção modificadora que estas sub- stancias podião exercer sobre a crase do sangue, muito mais que uma modificação da circulação. Conhece-se entretanto, e tem-se muitas vezes in- vocado na explicação das acções therapeuticas do sulphato de quinina, sua acção sobre os vaso- motores e sobre os órgãos da circulação em geral. Parece-me provável que era preciso attribuir a esta acção a intervenção efficaz do sulphato de quinina nas metrorrhagias. » (152) rrssn Mo*l Gueneau de Mussy. Clinique Méãicale, 1875. Tome s»- contpag^T-D^iZíement des hémorrhagiesuterines parle sul- fhate de quinine. Corrobora este seu modo de apreciação com cinco observações interessantes, de que provavel- mente foi collaborador Bartharez, seu interno, que o seguia com todo o interesse, segundo o seu testemunho, e conclue, á pag. 414, do se- guinte modo: f A acção do sulphato de quinina sobre os vaso-motores uterinos justifica seu emprego em outras hemorrhagias, e eu tenho tido, nestes úl- timos tempos, occasião de verificar sua efficacia em alguns casos de hemoptyses. Eu o tenho aconselhado, entre outros, em uma moça que, sendo victima ha 15 dias de uma hemoptyses, que nenhuma medicação tinha podido deter, e que cedeu algumas horas depois do emprego de pilulas compostas de sulphato de quinina e extracto de quina. « A acção do sulphato de quinina sobre as fibras do utero tem sido admittida na America por muitos médicos, que têm recommendado este medicamento como estimulante da contracção ute- rina. « As observações que eu acabo de referir pa- recem-me concludentes ; parecem-me demonstrar a efficacia do sulphato de quinina em certas me- trorrhagias; é fácil de dar-se conta disto, se admittirmos, com um grande numero de obser- vadores, que este sal exerce uma acção poderosa sobre a contracção dos vasos e sobre a das fibras uterinas. « Depois que recolhi estas observações e que tenho exposto os resultados em minhas lições clinicas no Hotel Dieu, um medico eminente, o Dr. Duboué, de Pau, publicou um trabalho, no qual elle adduz novos factos em apoio da — 225 — opinião que eu tinha manifestado, e que estou contente de vêr partilhada por um collega tão distincto. d Em 1872, Watéle pai, membro da sociedade de Douai, apreciando o tratamento da pneumonia durante a prenhez, e tratando do succedaneo do centeio esporoado, experimentado nestes últimos tempos, o tartaro stibiado, falia do seu congênere, o sulphato de quinina, concluindo < que haverá prudência em evitar de ora avante, tanto quanto possivel, se algum correctivo não for achado, o uso dos medicamentos quinicos emquanto durar a pre- nhez. » (153) Bouqué par ticipa em absoluto da opinião de Monteverdi, e após interessantes observações, que apresenta para confirmar a doutrina que advoga, conclue nos seguintes termos : a Em uma sciencia tão incerta como a medi- cina, é necessário guardar grande cautela na adopção de novas idéas. Um facto que tinha sido notado apenas por dous ou três observadores não deve-se admittir como estabelecido, sem que corra o risco de, poucos dias depois, ser desapprovado por outros observadores tão applicados como nós. Cumpre, pois, esperar a sancção da observação futura, do que disserem novas pesquizas, appro- vando ou não as idéas "do medico italiano e por mim expostas. * (154) O Dr. Hillaert, de Sevenceken, citado por De- lefosse, refere dous factos de sua pratica « onde, diz elle, a administração deste sal heróico parece (153) Watéle. Du tiaitement de Ia pneumonie pendant Ia grossesse. Union Médicale 1872, n. 143. _ r (154) E. Bouqaé. Du sulphate de quinine comme succedane de 1'ergot de seigle. Annales ãe Ia Societé de Médecine de Gand. 1872. P. K. 15 — 2-26 - de uma acção análoga e mesmo mais activa e mais especial que a do centeio esporoado, administrado nas mesmas condições. > Cautermann, citado também pelo mesmo autor, e que exercia a clinica em Flandres, dá noticia de casos em que teve de receiar o aborto de- pois da administração do sal quinico, e outros em que, pelo contrario, não tem elle produzido nenhum effeito sobre o utero, não partilhando o optimismo de Bouqué, quando este faz presentir que o sul- phato de quinina acabará por destruir o centeio esporoado, e accrescenta: « parece, com effeito resaltar de todas as observações, que têm sido pro- duzidas, que a acção do sulphato de quinina sobre o utero não se manifesta senão com uma certa len- tidão ; é já um motivo de exclusão para este me- dicamento, em todos os casos em que importa obter promptos effeitos. » O Dr. James C. Harris não acredita que a quina origine contracções no utero grávido. Declara que durante o anno de 1839 praticara em Cedar Bluff. Alia., onde, durante o cutomno, a febre in- termittente prevaleceu em uma considerável exten- são, e da sua experiência clinica não pôde concluir que a quina, administrada ordinariamente, pos- suísse qualquer propriedade a que pudesse attribuir influencia sobre o utero grávido, produzindo-lhe contracções ; mas, pelo contrario, debaixo de certas condições, acredita ser elle o melhor remédio que conhece para destruir a causa e fazer cessar a concatenação dos symptomas, dos quaes dependia naquella localidade a freqüência dos abortos, que- rendo assim referir-se ás febres intermittentes de que acima falíamos. » (155) (155) American Practitioner, April 1872. Quinia as an Oxytocic. —- 227 — O Dr. James Brown, de New-Comerstown, de- clara ter gasto cerca de trinta annos na pratica da medicina no valle de Puscarawas, onde todas as moléstias revestem-se de fundo palustre, fazendo da quina a primeira necessidade em todas as esta- ções do anno. Nunca hesitou em prescreve-la mesmo nos casos de gravidez. Dá não só com vistas de fazer cessar o attaque da febre intermittente ou re- mittente, ou mesmo para sustentar os poderes da vida enfraquecidos pela moléstia. E, assim proce- dendo, nunca teve occasião de arrepender-se de emprega-la nas mulheres grávidas, com a mesma vantagem que nas pessoas fora destas condições, jamais tendo conseguido observar que ella des- pertasse contracções uterinas, ou por qualquer forma perturbasse as funcções normaes do systema uterino (156). O Dr. G. Erickson, de Kendallville, na Indiana septentrional, districto onde as moléstias paludosas são mui freqüentes, ou antes endêmicas, acredita que a quina não desenvolve contracções uterinas «de novo». Que, se ellas existem em um gráo mo- derado, têm apenas pequena ou nenhuma influencia sobre ellas. Mas nos períodos adiantados do parto, especialmente naquelle que se approxima do termo da gestação, então seu effeito é mais notável como oxytoxico, posto que com mais raridade. Seu effeito, segundo sua observação, era augmentar antes a força do que contribuir para freqüência das con- tracções uterinas (157). (156) James Brown. Md. of New-Comerstown. Obio. The American Journal of the Medicai Sciences. Pag. 287. July 1872. On the supposed Action of Quinia on the gravidus uterus. (157) G. Erickson Md. of Kendallville. Ind. Is Quinia an Oxytocic? The American Journal of the Medicai Sciences. Pag. 287. July 1872. — 228 — O Dr. O. H. Seeds, da Columbia, que exerceu por espaço de 12 annos uma pratica extensa na Columbia, Texas, e nos paizes circumvizinhos, região onde as condições do terreno favorecião a producção da malária, e onde as moléstias que reinão são, por conseguinte, o resultado da into- xicação palustre, tem observado com vantagem a acção da quina sobre o utero, e está convencido que na dysmenorrhéa, amenorrhéa, e outras mo- léstias do utero, resultantes de cachexia palustre, como dá-se nessa região, o único effeito que segue-se á applicação deste remédio é a de um estimulante do órgão, tendendo a restaurar suas funcções. Não tem visto um só caso de aborto, que pudesse ser attribuido ao uso do remédio. Cita entre outros factos, para confirmar seu modo de pensar, o se- guinte : « Foi chamado para vêr uma moça que parecia cm condições mortaes, suppondo-a a prin- cipio victima de algum veneno; mas uma senhora presente communicou-lhe que a doente tinha tomado uma dose exagerada de quina. Este estado desap- pareceu debaixo de um tratamento apropriado em 24 horas, confessando ella então que achava-se com 4 mezes e meio de gravidez, tendo tomado 70 a 80 grãos de quina para fazer reapparecer a menstruação que tinha desapparecido, o que cos- tumava fazer, e que deu á luz, 4 ou 5 mezes depois, uma criança sã, nada tendo soffrido, a não ser o incommodo de que acima nos occupámos. » (158) O Dr. R. H. Rutland, tem por espaço de 18 annos prescripto a quina em grandes doses, sem attender (158) O. II. Seeds. Md., of Columbia, Texas. On the Action of Quinia on the Uterus. The American Journal of the Medicai Sciences. October 1872. Pag. 437. - 229 — á condição de gravidez da doente, e nunca observou um só caso que fosse desfavorável á quina. Acha que, dado o medicamento contra a febre in- termittente, entre as mulheres pejadas, não produz aborto ; parece ao contrario preveni-lo. Não se dá isso porque elle possua qualquer poder especial para prevenir a quietação uterina, porém porque elle pôde afastar a excitação mórbida de que pode depender muito provavelmente a actividade uterina. Está convencido que a quina, nos casos em que ella é indicada, não tem propriedades oxytoxicas especiaes (159). O Dr. W. S. Playfair, referindo-se á opinião do Dr. F. K. Bailly, e ao relatório sobre obstetrícia, declara que o autor, dando o resultado de sua expe- riência, em um districto paludoso, achou que o aborto era excessivamente commum nas mulheres que sof- frem de febre intermittente, salvo quando o trata- mento antiperiodico podia ser seguido. Em todos estes casos recommenda, elle que a quinina deve ser empregada ampla e promptamente. Tem também administrado este medicamento durante o trabalho de parto com benéfico resultado. Nota igualmente que este trabalho era muitas vezes iniciado com ca- lefrios, e os effeitos deprimentes do accesso mias- matico torna vão as dores fracas e sem poder expul- sor. Nesta conjunctura, uma dose forte de quinina equilibraria mais a circulação, e tornaria as con- tracções mais fortes (160). Ainda citaremos a opinião de James Bordley, de Centre ville Md., para quem a quina não exerce (19) R. H. Rutland. Md. of Las Animas. Colorado. Oxytocic Action of Quinia. The Am. Journal of the Medicai Sciences, Oct. 1872. Pag 438. (160) Philadelphia Medicai and Surgical Report. November 1872. — 230 — influencia physiolngica directa ou indirecta sobre o utero. Vivendo e praticando em uma região muito assolada pela malária, e onde portanto tem empregado com vantagem diariamente a quina e seus preparados, só tem observações em sentido negativo. Assim não se daria, se o agente fosse um poderoso emmenagogo como se diz, porque nesse caso elle não teria deixado de dar esse resultado nas doentes sujeitas ao seu cuidado. Tem mesmo recordação de muitos casos em que o sulphato de quinina foi administrado diariamente e em largas e repetidas doses (em proporção de 10 e 15 grãos de cada vez), durante todos os períodos da gesta- ção, sem que um só caso registrasse dos effeitos que lhe são attribuidos. Não pôde concordar com Monteverdi, quando elle considera que as propriedades emmenago- gas da quina são superiores á do centeio, e só levada bastante longe a applicação produzirá con- tracções expulsoras, que darão em resultado o aborto ou o parto prematuro, como resultado de sua acção physiologica. Não acontecerá o mesmo em qualquer que fôr administrada em proporções a produzir effeitos tóxicos. Basta considerar-se o estado de impressionabilidade exagerada dos systemas nervoso e circulatório durante a prenhez, para não sorprendermo-nos de vêr conseqüências desastrosas acompanharem o uso de qualquer sub- stancia que leve sua excitação além dos limites da prudência, ou diminua os poderes vitaes em um gráo mórbido ; e minha experiência, diz elle, no tocante ao artigo agora em analyse; conduz-me muito concludentemente a asseverar: que elle deve ser dado em dose muito perigosa para que se dê o effeito apontado por Monteverdi ; e, quando assim — 231 — me exprimo, não trato do perigo devido somente ao aborto, mais ao geral de seus effeitos con- stitucionaes, especialmente aquelles que actuão sobre o systema nervoso. Parece-me que, exis- tindo durante os últimos mezes de gravidez a eon- dição altamente excitavel do systema nervoso, a acção peculiar da quina levada tão longe podia sujeitar a paciente a todos os desastres peculiares a esse estado. Sua opinião então baseada na própria experiência o conduz a ir mais longe e a affirmar com decidida convicção que a ver- dadeira acção physiologica da cinchona, empre- gada em dose a produzir quaesquer contracções uterinas, tende directamente a reprimir tal acção e a suspender contracções que ameacem o aborto. Allude principalmente ás ameaças resultantes da perturbação da malária. Demais, se for verdade, como asseverão alguns, que a cinchona diminue a proporção da fibrina do sangue, perdendo assim sua coagulabilidade, parece-lhe mui perigoso re- médio para ser empregado com esse fim, mesmo no caso de poder admitir-se a hypothese que elle possuísse tal poder emmenagogo, quando dado em quantidades racionaes (161.) César Bazin, praticando a medicina em loca- lidades onde as febres paludosas são endêmicas (pântanos de Sceaux e seus arredores), teve oc- casião muitas vezes de tratar febres intermittentes entre as mulheres grávidas, recorrendo sempre ao sulphato de quinina, sem que tivesse notado accidentes que se clevão attribuir ao medicamento. (161) James Bordley. Md. of Centreville Md. On The supposed Oxylocic Action of Chinchona. The American Journal o[ Tne Me- dicai Sciences. July 1872. Pag. 73. - 232 — São 16 as observações que registra para con- firmar este dizer. Nesse trabalho não nega que o sulphato de quinina possua um poder excito-motor sobre o utero. Se o verdade que este poder esteja de- monstrado pela observação e experimentação, o facto não é contradictorio com o que se sabe sobre o modo de acção do sulphato de quinina. Fará observar somente que na mulher as con- tracções provocadas por esta substancia são dif- ficeis de verificar-se, se, como adiantão os autores que têm tratado da questão, estas contracções não trazem dôr. Além disso, se procurar-se um ponto de com- paração no que se conhece do esporão de centeio, substancia mui estudada, maior deve ser a re- serva em um semelhante juizo. « A influencia do centeio não é duvidosa quando se propõe a tornar mais enérgicas as contracções fracas e lan- guidas; porém nada prova de uma maneira de- cisiva que seja próprio a fazer nascer contracções que não existião (Cazeaux). Mas estas contracções que o centeio e mais ainda o sulphato de qui- nina são incapazes de provocar, certos estados pathologicos as determmão freqüentemente. Sabe-se que o cholera, as febres eruptivas, a pneumonia, as febres intermittentes podem occasionar o parto prematuro e o aborto. Ora, como é sobretudo nos casos de febres intermittentes que o sulphato de quinina e as preparações da quinina achão sua indicação mais freqüente, vê-se immediata- mente o erro a que esta coincidência pôde dar logar. Por uma destas applicações tão communs do post hoc ergo propter hoc, faz-se carga ao remédio do que só deve ser imputado ao mal. Para que - 233 — se tivesse o direito de responsabilisar o sal qui- nico, seria preciso que elle tivesse produzido accidentes abortivos, não podendo ser attribuidos devidamente á outra causa; do contrario, a accu- sação seria sem fundamento. Está sub-entendido demais que se deve ter em attenção que as doses empregadas estejão nos limites das doses moderadas verdadeiramente therapeuticas. Seria difficil provar o que poderião, no estado de ges- tação, produzir doses exageradas e quasi tóxicas. Não se deve senão pensadamente resolver-se ao abandono de um meio tão precioso como é o sulphato de quinina. Elle salva a vida dos doentes nos casos de febres perniciosas, e, em outros casos, as nevralgias periódicas, por exemplo, achão nelle um allivio inestimável, não podendo outro qualquer meio suppri-lo. Não lhe parece prudente fazer nascer, por asserções pouco justificadas, escrúpulos que possão tornar o espirito do pratico, inquieto, indeciso e hesitante. Para terminar seu juízo sobre a questão, apoia-se nas seguintes palavras de Cazeaux: « E á própria mulher e não ao me- dicamento que convém attribuir os falsos partos exprobrados ao sulphato de quinina; não só é um medicamento innocente. porém é o meio preven- tivo mais seguro, quando o aborto tem se tornado imminente pelo facto da febre. » Esta conclusão é a única que lhe parece justificada pelos factos (162). Acompanha, portanto, as idéas acima enuncia- das, por nós ja expostas quando estudámos a opinião de Cazeaux. (162) César Bazin (Dr.J de Coibeille-en-Gâtinais. Le sulphate de quinine est il doué de propriétés abortives ? Gazette des Hopitauoc, pag. 666, 4ô année, 1873, n. 84. — 23i — O Dr. Delefosse, em uma these bem deduzida e cheia de observações, colhidas junto ao professor Verrier, declara que, pelo pouco que tem visto, não lhe resta duvida de ter o sulphato de qui- nina acção electiva sobre o utero, que elle pôde substituir o centeio sem o desthronar completa- mente, e, se lhe for permittido terminar por uma conclusão pessoal, acredita que, até nova ordem, o forceps será mesmo o melhor medicamento. Deve elle entretanto dizer que só observações nu- merosas e quotidianas, tendo por testemunho mé- dicos que facão autoridade, por experiências de medicina comparada, se poderá julgar completa- mente a questão do sulphato de quinina como abortivo (163). Cumpre-nos ainda consignar aqui as opiniões de três autores citados por Delefosse, e por elle apresentadas nos seguintes termos : « Ia. O Dr. A. Walraven, de Lamswaarde, tem visto o sulphato de quinina produzir muitas vezes o aborto; mas não tem visto produzir-se sobre- tudo nas mulheres de constituição sanguinea e que ingerião este heróico remédio de um modo immoderado. Elle tem notado, além disto, que este accidente se produzia sobretudo nos primeiros e últimos mezes de prenhez. Não ousa decidir arrogantemente a questão de saber se é a febre ou a quinina que produz o aborto ; em todo o caso, elle evita sempre com cuidado combater a febre intermittente em uma mulher pejada, mediante fortes doses de sulphato de quinina. « 2a. O Dr. Landmann cita 3 observações que (163) Eugéne Delefo-se. Du sulphate de quinine comme abortif. These de Paris n. 191, 1873, pag 24. - 235 — são em apoio do aborto causado depois da ad- ministração do sulphato de quinina. « 3a. O professor Simon Thomas acredita na acção abortiva do sulphato de quinina e da febre intermittente; cita nos 11° e 12° relatórios sobre a clinica obstetrica de Leyden que se produzirão 19 abortos em mulheres grávidas attacadas de febre intermittente, no maior numero de vezes do typo terção. Três casos se produzirão durante o anno acadêmico 58—59, e 16 casos durante o anno 59 — 60. Além disso, se produzirão três c-sos de parto prematuro e 5 casos de parto ante> do termo. Diz no entretanto que, em geral, a prenhez não é influenciada pela febre intermittente quando ella é regularmente tratada e cortada a tempo pelo sulphato de quinina em dose moderada. » [These citada, pags. VA e 13.) O Dr. Magnin, antigo interno dos hospitaes de Lyon, sustenta também nessa data uma these em que vem consignado grande numero de ob- servações devidas a Dubou', Cautermann, Horand, Eaton, Danielli, Bianchi, e nas quaes o sulphato de quinina tem dado logar, quer a ameaças de aborto, quer ao próprio aborto ; traz, outrosim, muitos factos de inércia uterina combatida pelo alludido medicamento, de metrorrhagias sustadas do mesmo modo; bem como três observações de experiências feitas sobre animaes, que nada adiantão a questão, embora revelem da parte de seu autor interesse scientifico (164). Hiram Plumb mostra que, tendo exercido a medicina por mais de 25 annos, em um districto 164 Magnirn (de Lyon). Action de Ia quinine sur les Abres mus- culaires lisses. These de Paris, 1873. — 236 — paludoso, administrou por muitas vezes quinina a mulheres grávidas, sem resultado funesto, temendo mais que uma continuação de frio e febre pro- vocasse o aborto ou o parto prematuro, do que a quinina que fosse precisa para sustar os accessos. Declara, outrosim, que, tendo administrado por mais de 15 annos o sulphato de quinina como oxytoxico, encetara o seu emprego nos casos de parto, em doentes enfraquecidas pela moléstia miasmatica, e, notando que a quinina não só sustentava a doente, como promovia o parto, continuou esta pratica até achar-se plenamente convencido de que com effeito produzia este resultado. Então receitou em muitos casos de parto demorado em doentes que não estavão deprimidas pela ma- lária (165). Rancillia, veterinário em Cayenna, adoptando a opinião de grande numero de médicos fran- cezes e italianos, que acreditão que o emprego do sulphato de quinina nas mulheres grávidas, para combater as febres intermittentes, dá logar muitas vezes a abortos, procura demonstrar experimen- talmente em cadelas a acção abortiva desse agente, empregando repetidas doses umas sobre outras, de cerca de 1 decigramma. As experiências por elle referidas trouxerão á discussão travada sobre este assumpto razão para que forçosamente a devamos consignar, sem quaesquer outras reflexões, que reservaremos para occasião opportuna (166). (165) Hiram Plumb. Md. of Red Creek. N. Y. on the Oxytocic. Properties of Quinia. The American Journal of lhe Medicai Sciences. July 1873, pas. 129. (166) Kancillia.— Artion abortive du sulphate de quinine démontrée sur les chiennes. Journal de Médecine Vélérinaire, 1873. — 237 - O Dr. William L. Lincoln, em um relatório sobre obstetrícia, feito á Sociedade Medica do Estado do Minnesota, diz que confidencialmente acredita que a quinina é um agente valioso, quando a dilatação tem tido logar e as dores não são fortes. Adduz varias observações, confirmando o seu asserto, e, referindo-se, ao terminar seu trabalho, á historia de dous casos, que lhe são próprios, occorridos em sua clinica, declara que a quinina foi por elle presurípta em dose valente nestes casos, e as suas clientes, não obstante em periodo adian- tado de gravidez, nada soffrêrão com a applicação do medicamento (167). Fôrão ainda publicados em 1873, data do tra- balho, de que em resumo acabamos de tratar, in- teressantes estudos firmados pelos Drs. Raines(168), Landis (169), Marsh (170) e Gruelmi (171), cujas idéas em nada moürficão as expostas, guardando elles o meio termo na adopção de seus pensa- mentos. Comquanto não produzamos juizo ou extracto de suas opiniões, nem por isso lhes dispensamos menor apreço, acreditando antes de grande vantagem a sua leitura. São fontes de instrucção no estudo desta importante questão, que não dispensa a consulta de qualquer docu- mento. (167) William L. Lincoln. Md. Report on Obsletrics, made to the Minnesoia State Medicai Society.— Transactions. Minnesota State Me- dicai Sociely. 1873.—Quinia as a partunent. (168) S L Raines. Md. Quinia as an Oxytocic. Phüadelphia medi- cai and surgical Report XXVIII Jannary 1873. Pag. 101. (169) H. G. Landis. Md. On the action ot Quinia on the uta-us du- rin^ the labour. Phüadelphia Medicai Times. February 18/3. Pag. 111. Í1701 M Marsh. On the influence of the sulfate of quinine and ma- lária for ei-iting the ahortion. Phüadelphia Med. Surgical Report. Aud :nte da Academia Imperial de Medicina. Annaes Brasilienses de Medi..-,na. Pag. 455Í do Tomo XXV. 1873-1874 — 2oi « Para negar-se a acção do sulphato de quinina sobre o utero, será preciso desconhecer sua acção hyposthenísante; factos práticos, tanto de outros como nossos, demonstrão que nem sempre actúa sobre o utero desfavoravelmente. « Temos tido muitas occasiões de tratar de febres intermittentes, estando nós acompanhada ora por distinctos médicos, ora sob nossa única responsabilidade, e, achando-se as doentes em di- versos períodos de gravidez, verificamos que nem sempre o aborto se deu, ficando as enfermas livres das febres, e dando á luz o producto da concepção no termo normal, posto ter-se empregado o sul- phato de quinina em doses ás vezes bem elevadas. « Em 1836, chamada para prestar soccorros a uma senhora grávida de três mezes, accommet- tida de uma hemorrhagia, disserão-nos que esta hemorrhagia datava de três dias, tendo intervallos em que cessava, para recomeçar no dia seguinte, quasi ás mesmas horas. O escoamento sangüíneo não era abundante; porém, como tinha augmen- tado, o marido e a mulher resolverão chamar-nos. Ouvidos os commemorativos, passámos a examinar a doente; nosso diagnostico foi: gravidez de três mezes, mais ou menos ; symptomas de aborto ; pres- crevemos nesse sentido hemostaticos, revulsivos, repouso e dieta conveniente. A hemorrhagia cessou em poucas horas; a senhora dormio. No dia se- guinte, quasi ás mesmas horas, nova hemorrhagia, repetição dos mesmos meios, addicionando clysteres laudanisados; cessou esta quinta hemorrhagia. No dia seguinte, ás mesmas horas, sexta hemor- rhagia. Sabendo que o Dr. Octaviano Maria da Rosa era o medico da casa, reclamei sua pre- sença; este, depois de ouvir-me, examinou a senhora, — 252 — concordou no diagnostico e no tratamento feito, posto que sem proveito; o collo uterino achava-se allongado como o deve ser nesta época, seu ori- fício não apresentava dilataçâo alguma. O diagnos- tico foi: prenhez de três mezes, ameaço de aborto por congestão uterina, subordinada ao elemento intermittente, e disse-nos: receite uma oitava de sulphato de quinina, divida o primeiro escropulo por papeis de oito grãos ; dê os três papeis hoje ; o segundo escropulo por papeis de seis grãos para tomar três papeis em um dia, e finalmente o terceiro escropulo por papeis de quatro grãos, dê três por dia, e o que sobrar divida em pequenas doses, por cima dos papeis duas vezes por dia ou uma, como quizer, um calix de limonada sulphurica. « Entendi que devia fazer vêr ao meu amigo e collega que eu não tinha observado na doente symptoma algum que caracterisa os accessos in- termittentes, ao que elle, rindo-se, rotorquio-me : « Pois, camarada, aprenda á sua custa, que não é raro que as hemorrhagias, as phlegmasias, as nevralgias, bem como os rheumatismos, sejão su- bordinados a um elemento intermittente ou pa- ludoso, conforme o logar onde se está, mas tão occulto que escapa aos principiantes como vossê. » i Submetti-me e obedeci inteiramente, aceitando agradecida os conselhos de um medico tão distincto como o era o Dr. Octaviano. « Com effeito, o escoamento sangüíneo foi gra- dualmente diminuindo ; a senhora do coronel Mar- condes se restabeleceu, e deu á luz um menino no termo normal. « Desde então, jamais deixei de empregar nas febres intermittentes o sulphato de quinina, fosse qual fosse o termo da gravidez, bem convencida de — 253 - que, quando o aborto ou o parto prematuro se dá, é a conseqüência da moléstia que indicou o em- prego do sulphato, e não da medicação. « Assim, creio que, sem abandonar o terreno da imparcialidade, se pôde concluir que o emprego do sulphato actúa sobre o utero por modo diverso, se- gundo o gênero da influencia que actúa mais ou menos sobre elle. « Assim, nas febres paludosas, o emprego do sul- phato de quinina, indicado pela moléstia, seja qual for o termo da gravidez, pôde evitar o aborto ou o parto prematuro, por causa de sua acção bem co- nhecida sobre o organismo em taes circumstancias; cortar a febre é fazer desapparecer uma bem pode- rosa causa do aborto ou do parto prematuro. « Nas congestões uterinas ou hemorrhagias, que affectão o caracter de periodicidade, como no caso já apontado, nas metrites, cujas dores se exasperão periodicamente, quasi ás mesmas horas, nas ute- ralgias que affectão esse caracter de periodicidade, bem como nos rheumatismos uterinos das lava- deiras, que apresentão-se periodicamente, o sulphato de quinina, não se excluindo outros meios, quero dizer, associado a outros medicamentos igualmente indicados, como, por exemplo, o ópio, a belladona, a camphora, o nitro e seus diversos preparados, é quasi sempre empregado com vantagem, seja qual for o termo da gravidez; reparem bem, senhores, que dissemos quasi sempre e não sempre. « Acreditamos que nestes casos a acção do sul- phato de quinina sobre o organismo é complexa e açode d'emblêe ás diversas indicações que se apre- sentão. i O que temos observado, sim, é que quando no órgão gestador ha disposição para a expulsão — 254 - do producto da concepção, seja qual fôr o termo da gestação, o sulphato de quinina empregado por diversos médicos nas febres intermittentes, ou em- pregado por nós, tem-nos parecido, talvez por causa de sua acção sedativa, facilitar muito o aborto ou parto prematuro, actuando principal- mente sobre o collo uterino, que adquire uma fle- xibilidade notável, operando-se facilmente a dila- tação de seu orifício. « Ainda ha pouco tempo, em meiados do mez de Março, fomos chamada para vêr a senhora do Sr. Manoel Fernandes, á rua do Ypiranga; fomos informada pela doente que, depois de uma falha de menstruação de dous mezes, queria dizer depois de uma suspensão catamenial, sentia ella, havia já três dias, escoar-se sangue pela manhã; temia um aborto complicado de hemorrhagia, como um que tinha tido em Portugal. Posto não ter sentido signaes de gravidez, examinámos a doente. Se bem que em taes casos um diagnostico seja difficil, incli- námo-nos comtudo para o diagnostico seguinte: Gravidez provável de dous para três mezes ; dispo- sição para o aborto. Prescrevemos : « Dia 15.— Repouso, limonada sulphurica aos cálices, e dieta conveniente ao seu temperamento lymphatico. i Dia 16,— Soubemos que tinha melhorado á tarde ; passou bem a noite, porém estava nessa manhã reapparecendo o escoamento com mais abun- dância. Depois de termos tocado o orifício do collo uterino, o qual não apresentava dilatação alguma, prescrevemos: Limonada sulphurica, xarope de ergotina meia chicara de três em três horas, clysteres laudanisados. — 255 — 15 gottas para 2 onças d'agua, 3 no intervallo de 24 horas ; continue o repouso. « Dia 17.-—Cousa alguma. Continue o repouso. < Limonada a longos intervallos sem ergotina. « Dia 18.—Reapparição do sangue, sempre pela manhã. Prescripção: « Continue a estada no leito, pílulas hemosta- ticas do Dr. Feijó : Ergotina........ 1/2 grão Sulphato de zinco. . . 1 grão Conserva de rosas. . . q. b, « Para tomar 3 pílulas por dia. Tomar os clys- teres laudanisados. « Dias 19 e 20.— Mesmo estado, mesma perio- dicidade, cessando o sangue á tarde. « Prescrevemos, já começando a duvidar da exis- tência da prenhez: Ergotina........ 1/2 grão Sulphato de quinina. .L a a, i j. j r aa 2 erraos Subcarbonato de terro.) ° « Três pílulas por dia: de manhã, ás 2 horas da tarde e ás 7 horas da noite. « Dias 21 e 22.— Foi passando melhor. Dia 23.— Fomos chamada ás 7 horas da noite para vêr a senhora, que se queixava de dores de cadeiras, e de ter reapparecido o sangue com mais abundância. Quando chegámos, antes das 8 horas, o escoamento sanguineo ia diminuindo. « Tocando, dêmos com o óvulo introduzido no collo; havia ligeiras contracções. Depois de mandar vir por precaução tudo o que pudesse vir a ser pre- ciso, fomos conversar e gracejar com a doente, se- nhora que tinha sido recebida por nós. Buscámos distrahi-la, fazemo-la contar-nos as suas diggressões pela Europa; justamente quando se achava em Pariz, - 256 — interrompeu a conversa para dizer-nos que lhe pa- recia que o aborto estava na vulva. « Com effeito, passando a mão por baixo do lençol, em menos de 3 ou 4 minutos, recebemos na palma da mão o óvulo inteiro, o que em aborto é uma grande vantagem. « Sendo essa senhora de temperamento lympha- tico, aconselhámos o uso da água ingleza por alguns dias, até julgarmos ser opportuno o uso do vinho chalybeado. « Essa senhora hoje passa bem, começa seus pas- seios pela chácara, e cedo tomará o vinho ferru- ginoso. « Portanto, quanto aquelles que propalão, por espirito de modernismo, a acção abortiva do sul- phato de quinina, responderemos que, á semelhança dos medicameutos abortivos os mais enérgicos, o sulphato de quinina falha muitas vezes, e quasi sempre nos factos práticos desmente essa reputação. « Temos tido occasião de assistir a um bom numero de partos clandestinos, cujas parturientes nos têm confessado ter tomado todos os medica- mentos reputados abortivos, não sendo olvidados o centeio, a sabina, a arruda, o carapiá ou contra- herva, o ananaz verde, etc, etc, e todas parião ao termo normal, e davão á luz as crianças bem dispostas; e quando o parto era prematuro, ou que recebíamos uma criança débil ou cachetica, fi- cávamos na duvida se isso era a conseqüência dos medicamentos ingeridos, se do aperto demasiado do espartilho, ou se da penosa pressão moral de- baixo da qual se achavão essas infelizes. Quanto á segunda parte, depois de dar conta das opiniões de Gúeniot, Duboué, Plumb, Bailly, Bartharez e Rabuteau, passa a fazer as observa- ções que entende convenientes, para mostrar que não ha necessidade de admittir acção especial no sulphato de quinina para provocação dos mens- truos, como se tem sustentado ; analysando em seguida os motivos sobre que se tem fundado a admissão da influencia especial sobre as fibras Uterinas, escreve: - 269 - « Alguns médicos, arrastados pelas experiências de Piorry e seu discipulo Pagés, que, vendo con- trahir-se o baço sob a influencia do sulphato de quinina, concluirão dessas experiências imperfeitas que a febre intermittente não era mais do que uma distensão do baço, curada facilmente pelo encurta- mento do mesmo por meio do sulphato de quinina, procurão attribuir a este sal a mesma acção phy- siologica sobre as fibras do utero. « Se tivessem, porém, reflectido um pouco, lem- brar-se-hião que taes experiências fôrão completa- reente annulladas pelas de Berard, Claud e Bernard e outros distinctos experimentadores, que nunca reconhcêrão essa decantada acção de contractili- dade no sulphato de quinina, e sim na stríchnina; e que, portanto, não ha razão para, por analogia ou inducção, sustentar a influencia do sulphato de quinina sobre o tecido uterino provocando o aborto. « Consultando-se os trabalhos do Eulemburg sobre a acção do sulphato de quinina em relação ao systema nervoso (193) vê-se que os resultados obtidos por este physiologista fôrão: que o sul- phato de quinina abate a força do coração, fazendo até mesmo cessar suas contracções; faz perder a incitabilidade dos músculos involuntários mais de- pressa do que a dos que se achão sujeitos á von- tade ; que, depois da applicação do sulphato de quinina, os animaes apresentão, conjunctamente com a fraqueza da respiração, uma falta absoluta de reacção para as irritações externas produzidas por meios chimicos ou mecânicos ; que, pelo seu modo de acção, o sulphato de quinina tem um poderoso antagonista na strychnina; finalmente, (193) Boletim da Academia das Sciencias. - 270 — que o sulphato de quinina não actua sobre a con- tractilidade muscular, sobre a irritabilidade dos nervos motores, e nem sobre as extremidades periphericas intra-musculares. « Sendo assim, como admittir-se a acção do sulphato de quinina sobre as fibras lisas do utero promovendo o aborto? Continuemos. « As experiências de Briquet, referidas á Socie- dade de Medicina do Sena, sobre o sulphato de qui- nina, são de um valor immenso á elucidação da matéria que se discute. t Injectada no sangue e do lado do coração uma solução de bisulphato de quinina, o animal torna-se instantaneamente cego, surdo, insensivel da boca e meio paralytico dos membros, acção esta que se estende, enfraquecendo o coração, e mesmo fazendo parar completamente suas pulsações, dimi- nuindo a respiração, a calorificação, e as funcções cerebraes, perturbações estas que se dissipão por si mesmas ou pelos excitantes, como, por exemplo, a surdez quinica a mais elevada, que desapparece rapidamente pela simples faradisação da orelha externa. « Estes phenomenos produzidos pelas prepa- rações quinicas não são o resultado de alteração de textura dos órgãos, pois que os effeitos se mani- festão rapidamente, e não deixão nos órgãos phleg- masia alguma. « O sulphato de quinina leva a acção hyposthe- nica por toda a parte onde actua, sobretudo nas porções dos apparelhos nervosos das vísceras desti- nadas a governa-las em relação á calorificação, cir- culação, etc.; o sulphato de quinina e os alcalóides seus congêneres podem rapidamente paralysar, e — 271 — de modo completo, as diversas partes dos appa- lelhos nervosos, e matar o coração ; o sulphato de quinina leva a perturbação aos apparelhos nervosos que servem de conductores ás synergias, insensibili- ■e ndo os órgãos onde vao ter esses fios conductores. r « Á vista destes factos, relatados por uma auto- ridade como Briquet, póde-se sustentar com boas azoes que o sulphato de quinina excita as fibras risas do utero, produzindo abortos por intermédio de contracções ? Pensa a commissão que não. « Muitos são os observadores que, estudando a acção physiologica do sulphato de quinina, e sua influencia sobre os systemas nervoso e muscular, nos podem fornecer razões contrarias á supposta acção deste agente therapeutico sobre as fibras uterinas. t Além dos dous de que acabamos de fallar poderíamos mencionar Legroux, ;ronneret, Blache e outros; mas, prescindindo destes, occupar-nos- hemos com as experiências de Colin. u Este observador, primeiro medico do exercito e professor no Vai de Graça, familiarisado com as investigações da therapeutica physiologica, mos- tra-nos que o sulphato de quinina impede a com- bustão intersticial, e por conseguinte a calorificação; abate o pulso por uma influencia sobre os fasciculos nervosos e musculares do coração, actuando directa- mente sobre a própria fibra muscular; que dini- culta os glóbulos vermelhos do sangue de se sobrecarregarem de oxygeneo, diminuindo os pro- ductos de combustão eliminados pela ourina. « Com o Sr. Colin concorda Bordier, que diz estar convencido que o poder contractil de um mús- culo desnudado cessa momentaneamente- quando — Í72 - em sua superfície se depõe certa quantidade de sal quinico. « Binz, que muito contribue actualmente por meio de suas experiências para o conhecimento da acção physiologica do sulphato de quinina, mostra que este agente enfraquece o pulso e abate a energia do coração; produz perturbações no órgão da pa- lavra, podendo dar logar ao mutismo, assim como á amaurose, como declara Graefe, sem que pelo ophtalmoscopio se notem alterações locaes. « Jolyet, emfim, diz que, applicado sobre os músculos, abole momentaneamente a irrhabilidade halleriana. « Das experiências que havemos citado, resulta que a acção physiologica do sulphato de quinina é caracterisada por modificações do systema nervoso, trazendo o abatimento das forças, se não uma para- lysia, e jamais a irritabilidade ou excitabilidade orgânica, promovendo augmento de contracções ou outros phenomenos musculares. « De tudo quanto tem exposto a commissão julga poder concluir que a opinião de que o sul- phato de quinina goza de acção abortiva não tem apoio, nem nos factos clinicos, nem na sua acção therapeutica e physiologica sobre o organismo; que nenhum receio deve haver de sua applicação nas mulheres grávidas accommettidas da malária, desde que seu emprego fôr reclamado; porquanto mais depressa se effectuará o aborto em virtude das con- gestões uterinas desafiadas pelos accessos febris, do que pela acção do sulphato de quinina. » (194) Resta-nos agora mostrar, se ha ou não identidade (194) Relatório da Coinmissão. Annaes Brazilienses de Medicina^ Tomo xxvi, n. 1». Junho de 1874. — 273 - de acção physiologica entre o sulphato de quinina e o centeio espigado. Estudar detidamente este ponto pedia-nos exten- são do trabalho, que reconhecemos já vai longo, nos limites de um relatório; nos soccorreremos, portanto, do quadro resumido apresentado por Plantard, que de algum modo pôde satisfazer, e é elle do teor seguinte: Acção physiologica do sulphato de quinina. Acção physiologica do centeio esporoado. Io. SOBRE OS ORGÀOS DA CIRCULAÇÃO Retardamento dos battimentos do coração, — diminuição da in- tensidade e da freqüência do pulso. Diminuição dos battimentos do coração,— pulso pequeno, refor- çado (Trousseau e Pidoux). 2°. SOBRE OS ÓRGÃOS DIGESTIVOS Gastralgia pouco freqüente, — náuseas algumas vezes,—vômitos, — diarrhéa algumas vezes. Gastralgia mais freqüente, — evacuações alvinas, —náuseas al- gumas vezes. 3°. SOBBE O SYSTEMA CEREBRO-ESPINHAL Zunido de ouvidos, — halluci- nações da vista, — ebriedade,— tremor muscular,—prostração. Sentimento de embriaguez, — zunidos, — perturbação da vista tem-sedhe attribuido a cataracta, vertigem,—stupôr. EFFEITOS THERAPEUT1C03 DO SULPHATO DE QUININA Io. Febres palustres,—todos os autores. 2o. Úteis nas congestões cere- braes, nas pulmonares. 3<>. Hemostatico nas hemorrha- gias nazaes, — uterinas, pulmo- nares, intestinaes. 4°. Nevralgias. 5». Contracções uterinas, — in- ■í«rmittentes Monteverdi. P. R. EFFEITOS THERAPEUTICOS DO CENTEIO ESPOROADO Febres intermittentes.—xxv ob- servações Duboué. Empregado para as mesmas af- fecções. Hemostatico das mesmas he- morrhagias. Nevralgias Duboué. Contracções uterinas. 18 — 274 — Do quadro exposto resalta, como diz o autor citado, identidade quasi perfeita da acção physio- logica e therapeutica do centeio esporoado e do sulphato de quinina ; convindo, porém, não es- quecer que, no que toca á acção sobre as fibras lisas, o centeio esporoado carece, para exerce-la, de uma disposição particular, um começo de con- tracção. Assim pensa Depaul, que declara ter, no correr de sua longa pratica, visto mais de cin- coenta mulheres que não abortarão, máo grado os esforços que fizerão para esse fim, lançando mão de altas doses do medicamento, com esse intento. (Trabalho citado, pag. 24.) Tal é o pé em que foi collocada esta impor- tante questão. Acreditamos ter dado conta exacta do que oc~ correu durante sua discussão, quer na imprensa, quer no seio acadêmico, o que melhor se verá consultando os interessantes documentos scien- tificos citados no corpo deste trabalho. Parece-nos, outrosim, que, do exame feito nos diversos do- cumentos apresentados, jamais se poderá chegar ao estabelecimento de proposições definitivas sobre a inconveniência da applicação deste meio thera- peutico nas mulheres, grávidas, receiando que sua acção abortiva possa prejudica-las. Antes se de- prehende que nenhum inconveniente existe, desde que houver critério no uso deste medicamento,. que, comquanto heróico, é muitas vezes empregada com abuso, tornando-se por isso muito preju- dicial, opinião com a qual nos achamos muita de accôrdo. Pensamos com aquelles que entendem ser tempa — 275 — de pôr barreiras ao pantoquinismo, tão desenvol- vido entre nós. Terminando, portanto, esta parte do nosso re- latório, diremos com Linas : « as propriedades phy- siologicas e therapeuticas dos medicamentos não são absolutas, são em grande parte subordinadas e correlativas á constituição, á idyosincrasia dos individuos, aos quaes se administra.» (195) Ora, se em qualquer condição tem o medico o dever de ter sempre presente ao seu espirito este preceito sentencioso traçado por Linas, muito mais quando tiver de prescreve-lo a uma mulher em perio- do de gestação, no qual tantas são as modificações importantes operadas no organismo, e perfeitamente assignaladas por Gueniot, citado pela commissão, e que assim diz : « As perturbações persistentes das grandes func- ções alterão a circulação uterina e sobreexcitão contracções latentes, exaltão a sensibilidade própria do utero, superactivão o desenvolvimento de suas fibras musculares, e preparão assim de uma ma- neira continua este órgão a entrar em jogo antes da época do parto. » Daqui se infere que a maior circumspecção deva presidir em casos taes, e que não empregamos em vão o pensamento de Bazin, quando o tomámos para epigraphe do presente artigo. Si nos achamos em erro, advogando as idéas dos que pendem para a innocuidade do medicamento^ venhão a observação cautelosa e os factos experi- mentaes traduzir em realidades as duvidas de que ainda é alvo a sciencia sobre este importante (195) A. Linas. Gazette Hebdomadaire de médecine et de chirur- gie. n. 8—23 Fevereiro 1872. — 276 — assumpto, e desde logo daremos apoio á opinião contraria, uma vez bem documentada. Tal é a doutrina que esposamos, em vista dos documentos que consultámos e tivemos de ana- lysar, historiando os acontecimentos acadêmicos. O futuro nos dirá onde a razão, onde o equi- voco ; por emquanto acreditamos difficil aceitar-se outra escola, a não ser a dos que admittem que o sulphato de quinina não tem acção abortiva. Dito o que, passemos ao estudo da terceira ques- tão ventilada, isto é—Bases para Vaccinação e Revaccinação. Bases sobre vaccinação e revaccinação. Le plus grand mal qui pourrait arriver à notre pays serait qu'il perde le courage et Ia confiance dans l'a?enir. (3. Doumenjou.—Uéiucation virile et Ia régénération sociale). Oxalá se compenetrassem os nossos estadistas desta judiciosa sentença, e pudesse ella servir-lhes sempre de norte. Então se convencerião de que os Governos bem doutrinados devem ter, como único alvo de suas cogitações, os benefícios concedidos para manu- tenção da segurança e bem-estar dos seus conci- dadãos. Seria esse o elemento natural de sua fortaleza e gloria, si, por um egoismo ingrato, não vissem, no geral, esse elevado encargo como uma capri- chosa distracção. Privados assim dos seus mais puros sentimentos, deixão-se guiar por uma singular aberração dos mais caros deveres, dahi originando-se essa intem- pestiva surdez, votada a todos os reclamos feitos em prol de tão legitimas idéas. — 277 — E assim se explica essa Índifferença perigosa, traduzindo um descuido imperdoável, além de um desdém descabido para as mais graves questões, deixando-as ir caminho do olvido, quando, pelo contrario, pedião solução immediata e melhores cui- dados. Si não trazem ellas vantagem aos interesses que vão em apoio do movimento politico, o sonho di- lecto desta malfadada terra, garantem o que ha de mais nobre e elevado—a paz e a prosperidade de um povo. Tanto bastava para que estas doutrinas tivessem melhor agasalho, e não esse teimoso esquecimento de que são victímas, sem se recordarem de que o menospreço, consagrado á vida e paz do cidadão, produzirá por fim no povo o scepticismo do espi- rito, na phrase de um erudito escriptor do século que corre, e dahi, forçosamente, o scepticismo do coração, o cumulo da decadência, e um verda- deiro crime. Esta corporação, porém, arrimada na douta ex- pressão de Puccinotti, de que « a medicina nunca se eleva tão alto como quando se esforça em pre- venir ou sustar as moléstias entre o povo,» não cessa um momento com os seus esforços para en- grandecer essa sciencia, cujo desenvolvimento se impôz, entendendo de tal arte prestar serviços reaes á pátria, que lhe é tão cara. Assim sendo, ella não só discute os problemas interessantes dessa prodigiosa sciencia, que de dia em dia emprega melhor material para arrancar á natureza o segredo de vencer, ou pelo me- nos moderar, o progresso e marcha dos innu- meros flagellos que tanto affligem a humanidade, como também prepara o que julga de bom aviso — 273 — para dotar o paiz de leis compatíveis com suas necessidades. Não está em sua alçada, bem o sabe, o preparo dessas leis ; nenhum inconveniente ha, porém, que ella tome a si essa iniciação. Seus melhores desejos, em dirigir conselhos que servissem para suavisar os males que tanto ator- mentão o povo, serião infructiferos, não podendo contar com o concurso seguro e legitimo da lei e da autoridade, elementos essenciaes para bem sa- tisfazer sua missão. Leis justas e bem deduzidas dão sempre garantia de ordem nos paizes cultos; jamais fôrão motivos para apprehensões desagradáveis ; antes é sempre razão de desordem e ruina para um povo conce- der-lhe illimitada liberdade, sem o freio necessário, para que elle avalie das vantagens de respeitar di- reitos e deveres, maxime tratando-se de questões que se podem remediar, prevenindo, por leis ade- quadas, acontecimentos mais funestos, do que o peso de satisfazer ás obrigações por ellas impostas. Nesse caso se acha a questão da vaccinação e revaccinação, que pede urgentemente lei na al- tura da actual geração, onde mais amplas garan- tias se encontrem para bem dirigir este serviço, visto as lacunas de que se resentem as leis exis- tentes . Esse empenho de ha muito é pedido. Já em 1850 escrevia, com muita sensatez, o intelligente Dr. Capistrano, de saudosa memória: « não basta que haja quem vaccine em todas as povoações, é preciso também meios coercitivos que obriguem o povo a submetter-se ao preservativo de uma mo- léstia hedionda e mortífera, zelo da parte dos vac- einadores em satisfazer bem os seus deveres, e — 279 — um incentivo da parte das autoridades, que os con- vide a serem zelosos e dedicados. » (196) Não vai nisso censura ás gerações idas, por não terem cuidado das matérias inherentes a este as- sumpto; antes, estudando a chronica desses tempos, manda a justiça que declaremos : que maior era o interesse guardado nessas épocas, por tudo o que tocava de perto á vida e saúde, do que o que hoje observamos; pelo menos o attestão os bons deli- neamentos que deixarão em suas legislações, que, bem interpretadas, ainda hoje produzirião optimos resultados, si não fosse habito inveterado con- demnarmos sempre, o que não é objecto de nos- sos desvelos. A Academia está convencida do quanto se es- forçara essa pleiade de brazileiros illustres, a quem coube outríora a melindrosa tarefa da nossa di- recção, de dotar-nos de todos os meios compatí- veis com a nossa felicidade; isso não priva de que ella acompanhe o movimento, almejando prompta reforma da legislação que nos rege, sobre esta ma- téria . Na inversão tumultuosa em que se têm collocado todos os poderes, produzindo completa desharmo- nia nas obrigações que lhes cabe, as leis em vigor deixão de ter a força necessária; attendendo á se- rie de argumentos trazidos em favor da incom- petência de quem as deva pôr em pratica, maxime perdurando esse ciúme de attribuições, que só serve para embaraçar a bôa marcha dos negócios pú- blicos. Á feitura das nossas leis preside, como se sabe, a maior pressa, dando-se logo a execução, antes (196) Dr. Atnonio José Rodrigues Capistrano. Algumas palavras $ob*e a vaccina. Rio de Janeiro, 1850, pag. 18. — 280 — que o tempo e a experiência demonstrem a sua con- veniência; dahi vêm muitas vezes os embaraços que apparecem, promulgando-se leis inteiramente em desaccôrdo com arestos preexistentes, que, si não destroem, pelo menos desvirtuão o pensa- mento. Dá-se perfeitamente esta hypothese no que diz respeito á pratica da vaccinação e revaccinação. Parecerá, á primeira vista, que, se pedindo com tanto interesse uma lei nesse sentido, isso demons- tre lacuna em nossa legislação. Como já dissemos, assim não é; mas, além de carecer a lei em vigor de retoques, sua execução está subordinada a dous poderes de natureza dif- ferente, e isso importa, além de retardamento na comminação das penas, pouca responsabilidade aos que devem zelar pela sua bôa execução, dividida como se acha essa obrigação. As primeiras disposições legaes, de que temos conhecimento, sobre este serviço, achão-se exa- radas na postura de 11 de Setembro de 1838. Até onde pôde ir nosso juizo, o estudo deste ti- tulo das posturas revela o muito interesse dispen- sado á vaccinação; e a imposição de uma multa aos reveis lhe dava, por certo, o caracter da obri- gatoriedade. Nesse trabalho, comquanto bem definido o fim a que a postura se propunha, a câmara municipal, a quem competia então deliberar, entendeu mo difica-la por um novo edital publicado em 1844, em- que alterou as disposições constantes desses par.- graphos, melhor applicação fazendo. O conhecimento dessas legislações, são de in- teresse para os que cogitão dessas matérias; por isso não vai resolução desarrazoada a sua notificação. — 281 — Aportaria de 11 de Setembro de 1838, a que acima alludimos, na part. 2a, tit. 11, legislando Bobre vaccina e expostos, diz: § 1.° Toda a pessoa do termo da cidade, que tiver a seu cargo a educação de alguma criança, de qualquer côr que seja, será obrigada a man- da-la á casa da vaccina para ser vaccinada ate pegar, ou faze-la vaccinar em casa, podendo-o, den- tro de três mezes do seu nascimento, e de um, de- pois que a tiver a seu cargo, passando desta idade e estando em saúde para receber o remédio. Os que se acharem em contravenção serão multados em 6$. As criadeiras encarregadas da criação dos ex- postos são também comprehendidas nesta disposição, levando-as ao deposito da Santa Casa para esse fim. §2.°i câmara espera da philantropia dos chefes de familias, moradores fora do termo da cidade, que facão cuidadosamente vaccinar as crianças em suas mesmas casas, emquanto não se organizarem, por meio facultativo, os estabelecimentos de vaccina nas freguezia s de fora, como a câmara tem em vista. § 3.° Qualquer pessoa que tiver mandado a vac- cinar outra, que tiver a seu cargo, será obrigada a tornar a manda-la á mesma casa de vaccina, nos dias que designarem os bilhetes que entregão os pro- fessores da administração vaccinica, ou do deposito dos expostos da Santa Casa, sob pena de serem mul- tados em 6$000. Os professores, que servem de es- crivães de taes commissões, darão todas as semanas ao procurador da Câmara uma relação assignada por todos os membros da mesma commissão, e tirada dos livros de assentos que fazem, em que declarem o nome do chefe da familia que não satisfez as dili- gencias acima prescriptas, a rua, numero da casa, — 282 — e o nome e qualidade da pessoa vaccinada, e com esta relação o procurador requererá a effectividade da multa, perante o juiz de paz respectivo. Quando as crianças morrerem ou adoecerem, os chefes das familias o poderáõ fazer certo á commissão da vac- cina respectiva, no dia em que deverião apresentar os vaccinados, para que esta não as inclua na re- lação. Acreditamos desnecessário descerá analyse para demonstrar que, assim disposta esta postura, sua reforma prompta devia ser exigida, e, de facto, a edilidade resolveu modifica-la pelo edital de 13 de Agosto de 1844, que é assim formulado: « A lllma. Câmara Municipal desta muito leal e valorosa cidade do Rio de Janeiro: faz saber, que, por Portaria da Secretaria dos Negócios do Impé- rio de 15 de Julho próximo passado, fôrão appro- vadas as seguintes Posturas, substitutivas ás dos §§ l°t 2o e 5o, do Tit. 11°, Secção 2a,das Ptsturas deli de Setembro de 1838. § 1.° Todas as pessoas, pais, tutores, curadores, amos e senhores, são obrigadas a levar ao Instituto Vaccinico, para ahi serem vaccinadas, as crianças até três mezes depois de nascidas, e os adultos logo que os tenha em seu poder, salvo para uns e outros o caso de moléstia, que a isso se opponha: o contraventor pa- gará uma multa de 10000. § 2.° A pessoa a quem pertencer o vaccinado, e que o não apresentar ao Instituto no oitavo dia em que fôr vaccinado, pagará a multa de 6$000. So poderá ser relevada desta multa, apresentando ao Instituto attestado de ter morrido a pessoa vacci- nada, ou achar-se com moléstia que a prive de com- parecer. § 3.° Toda a pessoa que tiver crianças ou adultos — 283 — para se vaccinar, se premunirá de uma guia do inspector do seu quarteirão, na qual declare que F... morador na rua tal, n. tal, leva para serem vaccina- dos F. . . e F. . . livres ou escravos, de idade. .. § 4.° O Instituto fornecerá aos inspectores as com- petentes guias. § 5.° O procurador da Câmara haverá, mensal- mente do secretario do Instituto uma relação dos in- fractores, para promover a arrecadação das multas. Como se vê, ainda não trata o edital da revacci- nação, nem abrange todos os pontos, no tocante á vaccinação; o Governo assim comprehendeu. man- dando executar, por Decr. n. 464 de 17 de Agosto de 1846, o Regulamento do Instituto Vaccinico. Ahi se achão melhor deduzidos os principios refe- rentes á vaccinação e revaccinação, como passamos a mostrar. No capitulo x, em que trata de revacci- nação, diz : Art. 24. A Junta Vaccinica da Corte estudará praticamente a revaccinação nas pessoas, a respeito das quaes haja toda a certeza de terem tido vaccina regular. As observações relativas a esta operação se- rão escriptas accuradamente, e seu resultado se declarará em additamento no certificado de vaccina antiga, ou nova. Art. 25. Os médicos e rÂrurgiões militares de mar e terra, tanto a bordo e nos quartéis, como nos hos- pitaes, ensaiaráõ também a revaccinação nas praças dos corpos, cujo tratamento lhes fôr commettido\ dando as providencias necessárias para que a opera- ção não venha a malograr-se por incúria do vacci- nado ou por causa do serviço; e transmittiráõ p)or es- cripto ao Inspector Geral o fructo de suas observa- ções. Está, portanto, neste capitulo bem determinada — 284 — a conveniência da revaccinação, e de ha muito es- taria definitivamente introduzida, si se guardasse mais respeito ao cumprimento da lei; não ha, portanto, innovação nos desejos de sua execução manifestados pela Academia ; apezar de alguém suppôr que essa resolução importava mais ônus ao nosso povo. No que toca á vaccinação, parece mais do que previdente o regulamento. A transcripção das dis- posições geraes, que fazem parte do capitulo xn, mostrará que esta idéa está perfeitamente prevenida em nossa legislação. A obrigatoriedade está ahi bem definida ; reproduzindo os artigos, melhor se verá. Art. 29. Todas as pessoas residentes no Império serão obrigadas a vaccinar-se, qualquer que seja a sua idade, sexo, estado, e condição. Exceptuão-se so- mente os que mostrarem ter tido vaccina regular, ou bexigas verdadeiras. Art. 30. As crianças de três mezes de idade, ou ainda menos, se fôr possível, dèveráõ ser vaccina- das; para o que os pois, senhores, administradores, e tutores as apresentarão dentro deste tempo. O prazo marcado neste artigo, ficará reduzido a 30 dias durante as epidemias de bexigas. Art. 31. Aquellas pessoas, em quem a vaccina tiver aproveitado, se dará um titulo de vaccinação, pelo qual mostrarão que já tiverão vaccina regu- lar ; mas, se três mezes depois da vaccinação não tiverem vaccina regular, disto mesmo os respectivos vaccinadores lhes darão um certificado; ficando comtudo obrigadas, neste ultimo caso, a tentar de novo a vaccinação três annos depois. Se, porém, passados seis mezes depois da ultima vaccinação infructuosa, apparecer alguma, epidemia de bexigas, — 285 — serão obrigadas a se apresentarem promptamente para serem de novo vaccinadas. Art. 32. E livre a qualquer do povo applicar o fluido vaccinico, nos logares onde não houver vac- cinadores legalmente autorizados. Art. 33. Toda a pessoa que, no caso do artigo antecedente, praticar com feliz êxito a vaccinação, dará disso um attestado ao vaccinado, e remetterá ao commissario vaccinador mais vizinho a lista das pessoas que tiver vaccinado, devendo nestas listas mencionar-se as circumstancias principaes, que ti- verem acompanhado o desenvolvimento das pústulas vaccinicas. Art. 34. O Inspector Geral fornecerá não so aos commissarios vaccinadores, como também ás pessoas que, na fôrma dos dous artigos precedentes se propuzerem a propagar a vaccina, certidões im- pressas, que os vaccinadores acabarão de encher. Art. 35. Ninguém poderá ser admittido, matri- culado, ou inscripto em qualquer estabelecimento ojfficinal ou litterario, publico ou particular, sem que mostre primeiramente que teve vaccina regular, ou bexigas naturaes, ou que foi vaccinado infruc- tuosamente, pelo menos três vezes ; nem continuar nos ditos estabelecimentos, se três annos depois da primeira não tiver Jeito nova tentativa, seguida de feliz êxito, ou igualmente repetida nos termos deste Regulamento. Art. 36. Todos os indivíduos que entrarem para o serviço do Exercito ou da Armada, ou os que forem admittidos a estabelecimentos de educação ou ofi- cinas, que estejão a cargo do Governo, serão pri- meiro que tudo vaccinados, a menos que mostrem estar preservados desta enfermidade os que já — 286 — tentarão a vaccinação nos termos prescriptos neste Regulamento. Art. 37. No caso de apparecer a epidemia das bexigas em qualquer ponto do Império, poderá o Governo ordenar que os vaccinadores levem a vac- cina aos logares infeccionados, arbitrando-lhes uma gratificação razoável. Art. 38. Os facultativos, tanto civis como mili- tares, do Exercito ou da Armada, que por ordem do Governo forem a algum logar, onde não haja medico, ou cirurgião vaccinador, para tratar de febres inter- mittentes, ou desempenhar alguma outra commissão semelhante, serão obrigados a vaccinar, e prestar os devidos esclarecimentos aos curiosos, que quizerem applicar o fluido vaccinico; comtanto que deste serviço não resulte embaraço â sua principal com- missão. Art. 39. Os presidentes e os commandantes das armas das províncias não remeterão para seu desti- no os recrutas, pertencentes ao Exercito ou Armada, sem que os tenhão mandado vaccinar, se antes o não tiverem sido com proveito; e do mesmo modo procederão a respeito dos meninos destinados aos arsenaes, e dos colonos militares, agrícolas ou in- dustriaes. Art. 40. Prêmios extraordinários são conferidos a qualquer pessoa nacional ou estrangeira, resi- dente no Império, que descobrir algum meio efficaz para perservar do contagio do sarampão, ou escar- latina, ou que achar algum novo perservativo mais vantajoso, mais efficaz, ou mais commodo, sendo igualmente efficaz contra a bexiga. Art. 41. As câmaras municipaes farão posturas apropriadas d execução do presente Regulamentoy — 287 — na parte que lhes toca, e o Inspector Geral e com- missarios vaccinadores representarão acerca daquel- lasque parecerem necessárias. Art. 42. Todos os encarregados da propagação da vaccina terão a mais escrupulosa vigilância em tudo quanto possa interessar a tão importante ser- viço; e procurarão esclarecer o Governo sobre todas as medidas que possão concorrer para generalisar e tornar efficazes a toda a população os benefícios da vaccina. Do exposto bem se vê que esta matéria foi legis- lada com certa cautela, parecendo incrível que nenhuma decisão se tenha tomado até hoje sobre as exigências pedidas pelo artigo 41 ; é no entre- tanto positivo ter presidido o maior escrúpulo para bem amparar a lei e dar-lhe a maior garantia para servir com vantagem a causa da humanidade, e é disso prova exhuberante a disposição do artigo 42. E como levamos em vista mostrar o zelo dos antigos, não podemos esquecer as boas disposições relativas á renovação da vaccina, de que, é força confessarmos, estamos em lamentável atrazo, nenhuma providencia se tendo tomado para esse mister. A legislação de 1846 é, nesse ponto, de mereci- mento, sendo incrível que se escrevesse este capi- tulo apenas para figurar nas paginas desse traba- lho, o que não acreditamos fosse intenção do legislador de então. Nada ha feito infelizmente sobre este ponto, o que é digno da mais formal censura. Ninguém será capaz de convencer-se de que, após 30 annos da decretação de uma lei, ainda se sinta a falta de um dos seus paragraphos mais importantes. Este desprezo á lei escripta dá prova cabal de — 288 — que não ha injustiça em nossa severidade, antes bonhomia por não dizer o quanto fora licito, á vista deste pouco amor votado pelos nossos actuaes administradores á causa publica, não obstante o bom preparo que a geração anterior lhes concedera. E triste que uma idolatria inconsiderada aos interesses de occasião os torne esquivos ao cum- primento das attenções e cuidados que delles devíamos esperar. É extraordinário, mas é fora de duvida, que os nossos antepassados tinhão em tamanha distincção estas questões de interesse publico, que um só re- gulamento daquella época não se consultará, sem que se encontrem prevenidas as mais proveitosas disposições para melhor acautelar o bem commum. Este capitulo de renovação de vaccina é bas- tante curioso em nosso pensar; assim tivesse elle tido execução, e não figurasse apenas nesse do- cumento para honra e gloria do legislador dessa época, e decisiva demonstração do nosso desapego em bem satisfazer aos mais óbvios deveres. Sua transcripção o provará. Esta matéria é discutida no capitulo xi do Regulamento sob o titulo de Regeneração da Vac- cina, e consta dos seguintes artigos : Art. 26. Se em alguma província do Império se descobrir a vaccina, ou varíola das vaccas(cow-pox), ou delia houverem algumas informações bem fun- dadas, o Governo mandará um facultativo ao logar para tomar conhecimento desta enfermidade, e re- metter o virus â Junta Vaccinica da Corte, para fazer as devidas experiências e observações. Além disto, dará o dito facultativo conta dos seus trabalhos ao Inspector Geral, em uma memória descriptiva, na qual mencionará todas as particularidades que devão — 289 — ser notadas. Esta memória será submettída ao exame da Junta Vaccinica, e remettida depois d Secretaria de Estado dos Negócios do Império com as observações da mesma junta. Art. 27. Todos os facultativos empregados na propagação da vaccina, auxiliados pelas autorida- des locaes, procurarão regenera-la innoculando-a convenientemente em animaes para isso apropriados, afim de se transmittir destes para crianças sãs e ro- bustas, das quaes se extrahirã para se propagar. Art. 28. A pessoa que conseguir regenerar o vírus vaccinico, descobrindo a varíola das vaccos (cow- pox),ou innoculando o fluido vaccinico em animaes, obterá um prêmio {de triplicado valor no primeiro caso) depois que se tiver reconhecido por todos os meios a verdade daquelle descobrimento, ou inno- culação. Estes prêmios serão conferidos emquanto a necessidade reclamar este incentivo. O Governo por si nada fez até hoje; cumpre-nos, porém, registrar que o distincto facultativo Dr. Ca- pistrano, de quem já demos noticia em outra parte, fez experiências nesse sentido, como melhor se verá consultando seu bem deduzido estudo. Já elle nesse tempo protestava por não se ter tomado deliberação alguma. Sirvão as suas palavras de coadjuvação ás nossas exigências. A pagina 6 do seu trabalho, escreve: « Steinbrenner diz que o cow-pox, longe de ser uma enfermidade extremamente rara, e que só apparece em alguns poucos paizes, é pelo contrario uma moléstia vasta, e que pôde accommetter as vaccas de todas as qualidades, e de todos os paizes do mundo; diz mais que Hcering prova que nem a, natureza do terreno, nem a sua maior ou menor — 290 — elevação acima do nivel do mar, concorrem para a producção do cow-pox, bem como que nenhuma importância lhe merece a qualidade de alimentação nos pastos, porque onde não os havia foi justa- mente onde elle foi encontrado, em Wurtemberg. Portanto, si na Inglaterra, na França, na Itália, na Allemanha, no reino de Wurtemberg, em Baden, em Roma, em Milão, assim como em Holstein, em Moidepore (vizinhanças de Calcutá), nos Esta- dos-Unidos, no Chile, etc, encontrou-se cow-pox, e si as vaccas de todas as qualidades, e de qualquer paiz, estão sujeitas a esta enfermidade, muito pro- vavelmente a encontraremos no Brazil; e si por ora tal não tem acontecido, deve-se sem duvida attribuir á ignorância do povo, á indolência dos médicos, e á ausência de uma medida do Governo, própria a animar esta sorte de indagações ; e tanto mais estou disto convencido, quanto que ha entre nós pessoas e médicos que affirmão tê-lo já visto ; por ex: o Sr. Dr. Ildefonso Gomes em uma vacca em Botafogo (no Berquó), na chácara de um F.Cardons, que as criava, e o Sr. Dr. Silva, em uma cabra que lhe pertencia. Parece-me, pois, que, si o Governo, em vez de em um artigo do Regulamento do Instituto Vaccinico, que não é conhecido nem pela millio- nesima parte do povo do Brazil, e no qual promette prêmios extraordinários a quem descobrir o cow- pox, declarasse por um outro meio qualquer que concedia o prêmio tal ou de tanto, mas que esta promessa fosse o mais possivel vulgarisada, man- dando até estampa-la nas folhinhas (que a gente do interior lê da primeira á ultima folha), e logo abaixo a descripção do cow-pox, o povo, assim ins- truido, e bem como os médicos, animados pelo incentivo do prêmio, que já sabem qual deve serP — 291 — provavelmente procurarião encontrar aquillo que só por falta de pesquizas, segundo creio, não tem entre nós apparecido. > Plenamente demonstrada a nossa proposição, bom será que melhor sorte lhe esteja reservada. É tudo quanto ha conhecido sobre a matéria, e do resumido esboço que fizemos claro fica que apenas tem havido má disposição para desenvolvei- as idéas perfeitamente delineadas. Assim melhor destino se dessem ás nossas leis. A leitura de um excellente trabalho do nosso esti- mado consocio o Dr. Baptista dos Santos, tendo por titulo—A revaccinação, seus effeitos e utilidade, veio despertar de novo a attenção da Academia, que re- solveu, em sessão de 3 de Maio de 1875, que se ofi- ciasse ao Governo, pedindo para tornar obrigatórias no Império a vaccinação e revaccinação. Nesse sentido officiando-se ao Governo Imperial em 29 de Maio do mesmo anno, deu logar a que elle expedisse em 15 de Julho, ainda desse anno, um Aviso, cujo teor é : « Em officio de 29 de Maio ultimo propôz V. S., em nome da Academia Imperial de Medicina, a providencia da vaccinação e revaccinação obriga- tórias, com o fim de prevenir os estragos da varíola. t E, confiado no zelo que distingue essa corpora- ção, resolvi encarrega-la de formular, no sentido in- dicado, um projecto contendo os preceitos necessá- rios, para ser submettido á consideração do poder legislativo, ao qual compete prover efficazmente sobre o assumpto. < O que V. S. fará constar á referida Academia, que, desempenhando com a possível brevidade a commissão, por já se achar muito adiantada a pre- sente sessão legislativa, prestará mais um importante — 292 — serviço a bem da salubridade publica.—Assignado. ^—José Bento da Cunha Figueiredo. » Natural era que a Academia, tomando a si esta tarefa, a confiasse ao autor da moção; foi, portanto, em sessão de 19 de Julho de 1875 encarregado de formular o projecto o illustrado Sr. Dr. Baptista dos Santos, que o apresentou em sessão de 26 de Julho desse mesmo anno, fazendo-o preceder de importan- tes considerações, findas as quaes fez a leitura do trabalho, cujos termos são: s Meus senhores—Tendo sido encarregado por esta Academia da honrosa commissão de redigira resposta ao Aviso do Ministério do Império de 15 de Julho, e bem assim um projecto de lei tornando obrigatórias, neste Império, a vaccinação e revac- cinação, venho hoje cumprir esse mandato, apresen- tando-vos o modesto trabalho que submetto ao vosso critério. « Acredito ter attendido a todas as exigências de uma medida hygienica desta ordem, e aos meios de leva-la a effeito no nosso paiz; entretanto, conside- rando a sua importância, sou o primeiro a reconhe- cer que o dito projecto, para ser offerecido aos altos poderes do Estado, precisa ainda ser submettido á discussão, e esclarecido por vossas luzes. Rio de Ja- neiro, 26 de Julho de 1875. —O Dr. Baptista dos Santos. í Em continuação figura a resposta ao Aviso, cujo teor é: « Illm. e Exm. Sr.—A Academia Imperial de Me- dicina, satisfazendo ao que lhe foi determinado pelo Governo Imperial, por Aviso do Ministério do Im- pério de 15 do corrente mez, tem a honra de sub- metter á consideração de V. Ex. um esboço de projecto de lei tornando obrigatórias, neste Império, — 293 — a vaccinação e revaccinação, como meios efficazes de prevenir as epidemias de varíola e de attenuar seus estragos. « Si a virtude preservativa da vaccina é um axioma medico, uma verdade tão incontestável como a propriedade contagiosa da varíola, e, si pela vac- cinaçà) e revaccinação, se pôde prevenir essa ter- rivel moléstia, que de tempos a tempos dizima as populações, importantes serviços prestaráõ á huma- nidade as associações médicas que se empenharem pela vulgarização dessa medida hygienica, e dignos do reconhecimento publico o Governo e os legisla- dores, que, por leis adequadas, directa ou indirecta- mente obrigatórias, conseguirem collocar os povos, confiados á sua solicitude, ao abrigo de tal flagello. « Entre os argumentos até hoje empregados pelos detractores da vaccina, com o fim de embaraçarem a popularisação de medidas que a tornem obriga- tória, sobresahe o temor de violar a liberdade indi- vidual, a liberdade dos pais de familia, impondo- se-lhes uma operação para a qual elles podem talvez ter repugnância. « Em logar de permittirem uma tão ampla protec- ção a essa liberdade oppressiva, liberdade de espécie nova, que pôde fazer de um indivíduo um foco de infecçãofatal aos seus concidadãos, disse o Dr. Cha- bannes, no Congresso Medico da França, em 1872, será mais justo que o legislador se preoccupe de uma outra liberdade, que é cem vezes mais individual, mais santa e mais sagrada, que prima sobre todas as ou- tras, a liberdade de viver. e Admittidas e aceitas como se achão, as proprie- dades preservativas da vaccina, e a necessidade das revaccinacões, a sociedade não tem mais o direito de respeitar tal ou tal liberdade secundaria ; ella as — 294 — deve sacrificar todas, para arrancar os cidadãos á morte. « Não se deve temer essa imperiosa imposição, desde que se attender a que as vaccinaçÕes e re- vaccinações têm por effeito não só conservar os dias daquelles aos quaes ella é applicada directa- mente, mas também os de numerosos indivíduos que morrem a cada instante, victímas do ridículo respeito de uma liberdade sem significação, a li- berdade de envenenar seus semelhantes. «A Academia Imperial de Medicina, pois, entende que, sendo a vaccina universalmente reconhecida hoje como preservativo seguro de uma moléstia tão grave, e que tantos males produz á humanidade, o Estado tem o direito de a impor obrigatoriamente, e que o Governo e os legisladores, que conseguirem satisfazer esta necessidade publica, tornar-se-hão credores da estima e da gratidão de seus concidadãos. * Deus Guarde a V. Ex.—Sala das sessões da Aca- demia Imperial de Medicina, 26 de Julho de 1875. «Illm. eExm. Sr. Conselheiro Dr. José Bento da Cunha Figueiredo, Ministro e Secretario de Estado dos Negócios do Império.» Terminada esta leitura, dá conta do projecto, que assim se achava organizado. Esboço de um projecto de lei tornando obrigatórias, no Império do Brazil, a vaccinação e revaccinação, apre- sentado ao Illm. e Exm. Sr. Conselheiro Dr. José Bento da Cunha Figueiredo, Ministro do Império, pela Academia Imperial de Medicina do Rio de Janeiro. Art. 1.° Um anno depois da promulgação desta lei, será indispensável a exhibição de certificado de vaccinação e revaccinação para: — 295 — § 1.° O provimento em qualquer emprego pu- blico estipendiado pelos cofres geral, provinciaes ou municipaes, accesso, promoção, augmento de ven- cimentos ou aposentadoria. § 2.° Admissão á matricula nos cursos de ins- trucção superior, collegios ou escolas de instrucção primaria e secundaria, publicas, particulares e de corporações religiosas. § 3.° Assentamento de praça no exercito, ar- mada, ou corpos arregimentados das províncias, assim como engajamento de serviços nos arsenaes, officinas, repartições e quaesquer outros estabeleci- mentos costeados pelo Estado. § 4.° Transmissão da propriedade de escravos, quer em praça, quer por escriptura publica, deven- do ser transcripto no respectivo instrumento sob pena de multa de 200$ ao official publico que o passar. Art. 2.° Nenhum casamento se celebrará, salvo in articulo mortis, qualquer que seja a religião dos nubentes, sem que estes apresentem o certificado do artigo 1.°, e nem se julgará nenhuma partilha sem que aos respectivos autos se junte o relativo a todos os interessados, sejão herdeiros ou legatarios, assim como dos escravos que facão parte do espolio. A infracção deste artigo importa, para o magis- trado ou sacerdote, a pena de multa até 200$ e o de suspensão, na reincidência. Art. 3.° Os pais, tutores, curadores, proprietários de escravos, e em geral todos os que tiverem a seu cargo a educação ou guarda de menores, ingê- nuos ou miseráveis, serão obrigados a faze-los vac- cinar e revaccinar, sob as mesmas penas do artigo anterior, ficando entendido que a de suspensão — 296 — somente poderá ser imposta aos que tiverem esse encargo por exercício de qualquer emprego. Art. 4.° O Governo providenciará em ordem a que tanto no exercito, armada e corpos arregimen- tados, como nos presídios e colônias militares ou civis, e quaesquer outros estabelecimentos manti- dos ou subvencionados pelos cofres públicos, sejão praticadas a vaccinação e revaccinação nos prazos marcados por esta lei. Art. 5.° A vaccinação será praticada no prazo de seis mezes, a contar do dia do nascimento, para os moradores das cidades e villas, e no de um anno para os que morarem no interior das províncias e longe da sede de commissões de vaccinação, e as revaccinações de 10 a 15 annos, depois da primeira vaccinação. Si, porém, apparecer em qual- quer povoação ou estabelecimento uma epidemia de varíola, serão immediatamente revaccinados to- dos os seus habitantes, sem attender-se ao tempo da primeira vaccinação. Art. 6.° O vaccinado ou revaccinado receberá do vaccinador um certificado, em que declarar-se-ha seu nome, idade, naturalidade e filiação. Este cer- tificado será registrado em livros próprios, por qualquer tabellião ou escrivão de paz, e as respecti- vas publicas-fôrmas ou certidões desse registro serão os únicos documentos aceitáveis para os fins desta lei. Art. 7.° A vaccinação e revaccinação continuarão a cargo do Instituto Vaccinico, que será reformado de modo a satisfazer as exigências do serviço publico, de seus delegados, dos provedores da saúde, médicos de partido das municipalidades, e de homens práticos, designados pelas mesmas — 297 — municipalidades, nos logares em que não houverem profissionaes. Art. 8.° Os bons serviços prestados neste mister, durante 10 annos, serão considerados relevantes, e darão direito á mercês honoríficas. Art. 9.° O Governo expedirá, os regulamentos necessários para a execução desta lei, e poderá impor multas que não exceda o ao máximo do art. 2o. Art. 10. Revogão-se as disposições em con- trario. Sujeito á apreciação do corpo acadêmico, nessa mesma sessão motivou elle discussão importante, na qual se empenharão os Srs. Drs. Pires Ferreira, Costa Ferraz, Nicoláo Moreira, Pereira Rego Filho e Piragibe. A Academia resolveu espaçar a discus- são do projecto para a próxima reunião, attenta a sua importância, tomando espontaneamente a seu cargo a impressão do referido projecto o Dr. Bap- tista dos Santos. Marcando-se sessão extraordinária em 6 de Agos- to, afim de o discutir amplamente, tomão ainda a pa- lavra nessa sessão os Drs. Caminhoá, Brancante, Piragibe, Pereira Rego Filho, Baptista dos Santos, Peçanha da Silva e Barão de Lavradio, e nessa reu- nião, após as reflexões formuladas pelo Barão de Lavradio e unanime accôrdo dos membros presen- tes, adoptou-se um substitutivo ás bases em discus- são, cujo teor era: — 298 — Bases para confecção de uma lei sobre a vaccinação e revacci- nação obrigatórias, apresentadas ao Governo Imperial pela Academia Imperial de Medicina, em virtude do Aviso de 15 de Julbo ultimo. Vaccinação obrigatória em todo o Império, ex- cepto para os que tiverem soffrido de varíola. Revaccinação, também obrigatória, nas seguintes condições : « Para provimento em qualquer emprego pu- blico, geral, provincial ou municipal; « Para admissão á matricula nos cursos de ins- trucção secundaria e superior em estabelecimentos públicos ou particulares, desde que o individuo tiver completado a idade em que deve ser ella praticada; t Para assentamento de praça no exercito e armada, ou corpos arregimentados, assim como para o engajamento do serviço nos arsenaes, ofíici- nas, repartições e quaesquer outros estabelecimen- tos custeados pelo Estado; « Para transmissão de propriedade dos escra- vos, quer em praça, quer por escriptura publica; « Pratica da vaccinação dentro de quatro mezes a contar do dia do nascimento para os moradores das cidades e villas mais próximas da sede do Go- verno, e dentro de um anno para as do interior; e da revaccinação no periodo de 12 a 15 annos de idade; c No caso, porém, de reinar a varíola epidê- mica, geral ou parcialmente, o Governo ordenará que se proceda á revaccinação geral em todos os estabelecimentos sob sua direcção, inclusive as prisões e hospitaes, no exercito e armada, assim como em todos os hospitaes públicos e particulares, e as autoridades encarregadas do serviço vaccinico envidaráõ de sua parte todos os esforços para al- cançarem o maior numero possivel de revaccinações — 299 — em seus districtos, levando-se este serviço em conta de relevantes; « Creação de Institutos Vaccinicos, para me- lhor execução do serviço, nas capitães de todas as províncias, á imitação do que existe nesta Corte, com o pessoal preciso, tendo em vista o gráo de sua população, assim como a de commissarios vaccina- dores municipaes e parochiaes, que se incumbão do serviço nos respectivos districtos; t Regulamentos adequados á útil execução da lei, nos quaes se estabeleção preceitos que garantão sua pratica rigorosa, se imponhão multas aquelles que a infringirem, e se confirão recompensas aos que a este respeito fizerem serviços relevantes. » Approvada a redacção desse substitutivo, em ses- são de 9 de Agosto, subio elle ao Governo em data de 11 de Agosto, acompanhado do seguinte officio: « Academia Imperial de Medicina.—Rio de Ja- neiro, 11 de Agosto de 1875.—Illm. e Exm. Sr.—Por Aviso de 15 de Julho ultimo, ordenou V. Ex. que a Academia Imperial de Medicina se encarregasse de formular um projecto contendo os preceitos necessários á providencia da vaccina- ção e revaccinação obrigatórias, para ser submettido á consideração do poder legislativo, ao qual com- pete prover sobre o assumpto, recommendando á Academia a brevidade possivel no desempenho desta commissão, por estar muito adiantada a presente sessão legislativa. « Cumprindo as determinações de V. Ex., e, com tanto mais satisfação quanto se trata da ad opção de uma medida de alta conveniência social e huma- nitária, e da qual unicamente se pôde esperar a at- tenuação, senão a extincção dos estragos da varíola, que todos os annos rouba centenares ou milhares — 300 — de vidas á população do Império, e, desejando, outrosim, corresponder ás boas intenções do Go- verno Imperial, a Academia accordou unanime- mente na adopção das bases que tenho a honra de enviar inclusas a V. Ex., na firme convicção de que uma lei em que ellas sejão adoptadas satisfará o fim que se tem em vista. « A Academia não desconhece as tramas que têm urdido os detractores da vaccina para impedir a aceitação deste recurso, já buscando fazer acredi- tar que a vaccinação é improficua contra a manifes- tação da varíola, até podendo causar outros inales, já sustentando que sua imposição é uma medida at- tentatoria á liberdade individual ; mas, a despeito de tudo isto, não deixará nunca de insistir por sua adopção ; porquanto, em primeiro logar, são tantas as provas experimentaes em favor da virtude pro- phylatica da vaccina contra a varíola, e da ne- nhuma influencia sobre os males que lhe attribuem, que taes accusações nenhum valor merecem ; em segundo logar, si é indubitavel ser livre a qual- quer deixar-se morrer desta ou daquella moléstia, não o é fazer morrer os outros do mesmo modo, constituindo-se um foco de contagio, de onde ella se irradie para multiplicar suas victímas ; e, por isso, é dever da sociedade garantir-se dos males que a ameação com a disseminação desses focos, buscan- do, no emprego dos meios adequados a neutraliza- los, o seu bem-estar e socêgo, obrigando todos ao recurso desses meios. i Deixando de parte outras considerações para não abusar da attenção de V. Ex., a Academia ter- minará dizendo que, não sendo mais hoje permit- tido pôr em duvida as virtudes prophyíaticas da vaccina contra a varíola, um dos mais terríveis — 301 — flagellos do homem, tem a sociedade o direito de impor o emprego da vaccinação, sendo certo que prestaráõ um serviço relevante ao paiz, o Governo e os legisladores que concorrerem para a conse- cução de uma medida tão altamente humanitária.— Deus Guarde a V. Ex.—Illm. Exm. Sr. Conse- lheiro Dr. José Bento da Cunha Figueiredo, Mi- nistro e Secretario de Estado dos Negócios do Império.—Assignaclo.— Barão de Lavradio.» Tendo a Academia cumprido o que lhe foi orde- nado, cabe agora ao Governo, de accôrdo com o poder legislativo, prevenir o que se tornar necessário para que tenhamos, quanto antes, traduzido em realidade o que é ambição geral dos bons patriotas. Não se tornão precisos desenvolvidos pormenores, que convenção da urgência de satisfazer a este de- sideratum; basta olhar-se com alguma attenção para os desoladores estragos que nos tem produzido a varíola, roubando annualmente centenares de vidas preciosas, para não se deixar um momento de solici- tar medidas preventivas contra um flagello que nos tem prejudicado em excesso. Sua destruição vai mais longe do que a produzida pela febre amarella, aliás o nosso maior espantalho. Seria intempestivo; do contrario daríamos uma noticia summaria das epidemias que nos têm asso- lado, e parece-nos não levaria a febre amarella van- tagem, antes representaria um papel insignificante junto á varíola, que nos tem dizimado de uma ma- neira atroz. Não acreditamos que, confiando-se á Academia um trabalho desta ordem, se tenha em vista ganhar tempo e entreter a curiosidade publica; antes mere- ce-nos tanto o actual administrador, que esperamos alguma decisão,de modo a regularisar-se este serviço. — 302 — Assim encontre a sua bôa vontade apoio sincero e decidido do corpo legislativo, que não pôde ser estranho á urgência desta medida. Tanto se deve esperar do seu patriotismo; por- quanto, si um ou outro se mostra infenso ás vanta- gens da vaccinação e revaccinação, os factos fallão tão alto, que toda a contestação baqueia; nem seria justo que por excepções de um ou outro insuc- cesso se tirassem deducções prejudiciaes á susten- tação destes dous principios tão salutares, como pre- servativos legitfmos e únicos de tão hedionda mo- léstia. Os melhores observadores votão unanimes por sua adopção; não vemos por isso motivos a que nós, por uma exquisita deliberação, não o aceitemos. Será uma obrigação benéfica, a que ficará exposto este povo, e uma lei de que jamais terá de se arre- pender. O phantasma do abuso, que serve sempre de es- torvo ás melhores idéas, talvez se opponha, para desvirtuar tão humanitário pensamento. Ainda assim, não vemos nisso motivo para qualquer desistência. Os fructos alcançados serão de muito maior apreço do que as torturas e desgostos trazidos pela não execução da lei, si a maldita hypothese do abuso se tornar effectiva. Si nos não couber a sorte de vermos admittidas as bases formuladas pela Academia, ao menos se pre- enchão as lacunas da lei em vigor, comtanto que offereça todo o apoio para uma bôa pratica deste serviço. Cumpre apenas aos que nos dirigem ter bem presente o pensamento de Bouillaud: « é um erro grande e commum tomar as duvidas de certos auto- res pela expressão real do estado da sciencia. » A tanto se limitão neste ponto as ambições da — 303 — nossa sociedade, que almeja a satisfação desta im- periosa necessidade. Os successos de todos os dias estão clamando por esse salvo-conducto, único de que a medicina pôde lançar mão em beneficio de tantos elementos proveitosos, arrebatados annualmente. Assim possão os seus votos achar echo junto daquelles que têm por dever primeiro velar pela nossa salvação. Continuar no estado em que se acha assumpto de tanta magnitude era forçar-nos a uma irrisão constante, como refractarios ás mais puras doutri- nas; razões ha, porém, para nutrirmos as mais seduc- toras esperanças, em vista da linguagem terminante guardada pelo documento official, que motivou o trabalho acadêmico. Assim o esperamos. Ditas estas palavras, pelas quaes temos deixado bem claras as idéas esposadas pela Academia e o seu desejo, passaremos a dar-vos conta da ultima ques- tão discutida:—Qual a causa da mortalidade das crianças até aos quatro annos de idade f Qual a causa da mortalidade das crianças até aos quatro annos de idade ? Quand donc les nations songeront elles à se glorifier de leurs conquêtes au profit de Ia race hu- niaine, et à decerner, dans leurs assisses universel- les, une palme au pays oú Ia mortalité será Ia plus faible, oú 1'état physique et moral des populations será élevé à Ia plus haute puissance ? (Boudet.—Discussion sur Ia mortalité des enfants. — Bulletin de 1'Académie Imjpériale de Médecine de Paris. Tome XXXII pag. 82.) Os preceitos exarados nesta synthese, demons- trão o alcance da questão suscitada. Nenhum empenho maior pôde interessar ao hy- gienista. — 304 — Pela apreciação dos elementos preparados por um povo, como garantia de seu futuro e vitali- dade, chega-se ao conhecimento preciso de sua grandeza ou decadência. Assim, está plenamente justificada a intenção acadêmica, propondo-se a desenvolver these de tanta magnitude, e mais uma vez revelado o seu desvelo, pela solução dos problemas inherentes ao nosso adiantamento moral. E de facto, bem gloriosa é a ambição de sefl^ trabalho e perseverança para vencer essa força de inércia, affeita a velhos hábitos, e que, buscando por um optimismo perigoso occultar os males que nos afiligem, trazem um repouso fictício e funesto aos nossos mais caros interesses. Cercão-se, porém, de mil difficuldades os estu- dos desta natureza, tão pouco se tem operado entre nós, sobre as sciencias de applicação pratica, fontes preciosas e indispensáveis nos problemas socioló- gicos, que dellas fazem base essencial. A deficiência de estatísticas bem organizadas, será sempre um embaraço serio, máo grado a posse dos melhores documentos scientificos de que se possa lançar mão para consulta. Sem esse recurso imperioso, será uma verda- deira utopia pretender-se firmar deducções signi- ficativas, que autorizem a sancção de quaesquer principios. A estatística, é uma necessidade palpitante em casos taes. Tirar illações em tão melindroso as- sumpto, sem um exame consciencioso e seguro, do que tenha traduzido a sciencia dos números, é arriscar proposições temerárias, e portanto pre- judiciaes. Mal preparadas, como no geral são as nossas — 305 — estatísticas, visto a falta de systema que preside á sua feitura, longe de servirem de ponto de apoio ás investigações de bom cultivo, serão antes au- xiliares ingratos, e, como taes, origem de traba- lhos incompletos. Razão por que acreditamos de bom aviso, pro- curar-se por todos os meios possiveis, estimular o gosto por estudos desta ordem, cuja aridez e precisão tanto afugentão aos cultores ; a vêr si os nossos vindouros encontrão, melhor traçado o norte para futuras pesquizas. É um imposto forçado, ao qual nos devemos sujeitar, si tivermos propósito assentado de dar pezo e valor ás conclusões que formularmos ; do contrario trilharemos sempre o terreno perigoso das hypotheses, o peior alvitre a seguir-se na elu- cidação desta interessante matéria. Cabe á estatística, como bem diz Maurício Block, fazer vêr, que na sociedade, assim como na natu- reza animada, os acontecimentos estão entre si nas relações de causa a effeito ; isso que é muito, não é tudo, tem também permittido distinguir certas causas e prevenir certos effeitos. Tanto basta para se avaliar do apreço deste valente obstáculo, que não pôde fornecer-nos es- peranças de feliz commettimento. Nada, porém, de tibieza em tão critica emergên- cia, antes maior dedicação e exposição franca de pensamento, contribuindo com o contingente de que podermos dispor em favor de uma causa, por demais humanitária. Assim devem pensar todos, vendo o numero pro- gressivo de crianças que são dizimadas annual- mente, privando-se o paiz dessas forças necesssa- rias á sua prosperidade. — 3C6 - É uma fonte de ruina nacional, que convém es- tancar-se, usando dos meios que a sciencia nos fa- culte, e, nenhum mais proveitoso do que fazer da hygiene « o objectivo principal da legislação >, na phrase do douto Bertillon. Esse deve ser o alvo de uma sociedade esclare- cida, e que, ambicionando as bênçãos e o respeito dos seus coévos e successores, não se poupe a sa- crifícios de momento, mais tarde, signaes positivos de sua adiantada civilização. E, se assim é, como evitarmos a censura por não termos ainda um registro civil, único gerador de uma estatística de confiança, apta a realisar as idéas progressistas de Schubert, definindo estatís- tica « a sciencia cujo fim é apresentar a situação actual dos povos civilisados, sob a relação de sua vida interna e externa, e de suas respectivas rela- ções? »(197). Dizer registro civil, é convir na analyse da mar- cha de todo o movimento social; é estereotypar com fidelidade a parte mais interessante da historia e vida de um povo. Pensamento complexo, legitima concatenação dos mais salutares principios sociaes, é elle um livra precioso, cheio de boas doutrinas, e cuja leitura dará conhecimentos precisos para se aquilatar do verdadeiro florescer de um povo, na sua ordem moral. Cadêa composta de innumeros elos, cada qual mais significativo como elemento de estudo no desen- volvimento ascendente, desse mundo infinito, cha- mado civilisação, mais ou menos effectiva, conforme (197) Handbuch der allgemeinen StaatsKunde von Europa. 1846. — 307 — a fortaleza de que elles se resentem, ninguém lhe tem contestado o valor. E uma preoccupação digna dos maiores attrac- tivos, e assim têm entendido todas as nações cultas, votando distincção especial ao seu preparo. Os nossos administradores também dispensarão- lhe attenção, pelo menos na codificação dos princi- pios regulamentares, como attestão as disposições encontradas na collecção de nossas leis; é, porem, notável, que as reclamações terminantes da ur- gência de sua execução não achem echo, antes motivem um silencio inexplicável e improficua solução para negocio de tanto peso. Ha, pois, lei escripta; ninguém conseguio, porém, decifrar a causa natural ou forçada que tenha de- terminado a não execução das leis promulgadas. Provemos o nosso arrazoado, dando conta do que revela a nossa legislação sobre a matéria. São conhecidos os Decretos : Io, n.° 798 de 18 de Junho de 1841, mandando procedera secularisação do registro dos actos do registro civil, suspenso pelo Decreto de 29 de Janeiro de 1852 ; 2,° n.° 5604 de 25 de Abril de 1874, mandando executar o regulamento do registro dos nascimentos, casa- mentos e óbitos, regulamento muito bem delineado, e cuja execução daria bastante força aos nossos trabalhos estatísticos. Este Decreto, foi resultante da autorização con- cedida pela Lei n.° 1829 de 9 de Setembro de 1870, que, decretando a organização da estatística geral, dava plenos poderes ao Governo para estabelecer o registro civil dos nascimentos, casamentos e óbitos, tornando dependente de approvação do poder legis- lativo, na parte relativa á penalidade com effeitos de registro, o regulamento que se expedisse. — 308 — Fazem ainda parte da collecção de nossas leis: o Regulamento n.° 3069 de 7 de Abril de 1863, e a Lei n.° 1144 de 11 de Setembro de 1861, que tratão do registro dos nascimentos das pessoas acatholicas, e bem assim o Decreto n.° 4968 de 24 de Maio de 1872 que se reporta ao nascimento de brazileiros em paizes estrangeiros ; e assim o Aviso de 31 de Maio de 1875, mandando executar o Regulamento de 1874. O que é extraordinário, depois do que levamos exposto, é não figurar ainda nada de definitivo que demonstre sua execução ! Cumpre, quanto antes, entrarmos no gozo de um beneficio, que é uma aspiração nacional. Qualquer que sejão os motivos que têm embargado sua rea- lisação, devem ter um paradeiro, tão graves são os prejuizos determinados por essa apathia. Outros não devem ser os nossos votos; é um passo indispensável á felicidade do nosso Brazil, tanto mais razoável para que se insista, afim de que elle figure como lei activa, e não como uma mera recordação dos tempos idos. Em questões desta ordem, cumpre adoptar-se a máxima de Confucio para programma ; sem o que nada caminhará, a menos, que nos queiramos illudir com a Índifferença de uns e o menospreço de outros. Aquelle philosopho proclamava bem alto: « a constância pôde adiantar lentamente; mais não inter- rompe jamais a obra que ella tem começado, e produz grandes cousas. Trazei cada dia um cesto de terra, vós fareis uma montanha.» Teimar, e teimar sempre ; a inércia ha de ceder um dia, e a disciplina virá. Nada, portanto, de desacoroçoarmos, alentemo-nos — 309 — longe disso das mais lisongeiras esperanças, de breve possuirmos em acção as excellentes dispo- sições lançadas nos regulamentos notados. Pelo exposto, acreditamos ter definido o nosso juizo, de modo a tornar clara a legitimidade dos escrúpulos que manifestámos, ao encetar este tra- balho. Ainda algumas reflexões preliminares, antes de cogitarmos do estudo principal. No delineamento de um ponto, como aquelle que nos occupa, múltiplas são as causas a que nos de- vemos dirigir para chegarmos a uma conclusão, senão definitiva, pelo menos approximada da ver- dade. Assumpto para vasta meditação, deve, no entre- tanto, ser circumscripto ás exigências de um rela- tório. Quando, dizia o erudito Dr. Corrêa de Azevedo, « a investigação medica tenta mergulhar suas vistas no labyrintho escuro e tortuoso das enfermidades e dos vicios, e que a medida escholastica pathologica nada consegue de claro e positivo, e que não se adapta á observação, convém affastarmo-nos do organismo physiologico e entrar em cheio na psy- chologia do homem em sociedade. Causas materiaes e causas moraes devem influenciar nessas devas- tações, que espantão, e nessas irregularidades, que prendem em perplexidade os mais sérios e reflec- tidos observadores. » (198). Do exposto é claro que as causas moraes devem (198). Dr. Luiz Corrêa de Azevedo. Memória lida na Academia Im- perial de Med'dna do Rio de Janeiro, em sessão de 26 de Julho de 1869 ao discutir-te a these: A que poderá ser attribuido o accresimo progressivo do numero de crianças nascidas mortas quer viáveis, quer não ? Pa". 112 du Tomo XXI dos Annaes Brazilienses de Medicina. — 310 — chamar em primeiro logar a attenção do hygienista; dahi se tirando desde logo a illação do grande papel que deva representar nesta matéria a educação da mulher, para que, tocando a época da maternidade, possa ella preencher o seu destino. A ella compete, na erudita phrase de Dumenjou, não só dar a vida do coração e a perfeição da alma á criança, mas também a vida do corpo; nessa sa- tisfação de deveres tão elevados, residindo a sua sacrosanta missão. (199). Fosse esse pensamento doutrina aproveitada entre nós; por certo não irião tão longe as perdas que lamentamos na infância, que, na falta da edu- cação physica e moral da mulher, encontrão um elemento productor de grande força. Não estando no geral bem preparadas, já nas suas disposições physicas, já nas moraes, torna-se- lhes muito difficil zelar o penhor que a natureza confia á sua guarda, esse ente, que na linguagem esclarecida de um eminente pensador do século, representa na familia o enviado de Deus e a benção do céo ; a realidade e a esperança, o presente e o futuro ; a alegria, a felicidade e a vida. Daqui se deprehende o quanto convém preparar, quem tem um encargo tão espinhoso, como é o de mãi de familias, definido com brilhantismo por uma das nossas mais robustas illustrações, quando disse: « O bello ideal da mãi de familia não está na mulher que principiando por casar-se sem amor acaba por atropeilar os sagrados instinctos do matrimônio, convertendo o lar doméstico em lobrego antro de trevas, de incúria e de deleixo ; não está também naquella que nega ao filho o calor do seu regaço, (199) J. Doumeniou. VEducation Virile et Ia réqénération sociale. Paris 1872. Pag. 68. - 3H - o nectar dos seus seios e o perfume dos seus lábios para que uma ruga prematura não venha usur- par-lhe a lisura da face; e ainda menos naquella que depõe nos braços da ama a criancinha que deve incommoda-la com os seus vagidos, impor- tuna-la com as suas dores e ser-lhe estorvo que, mariposa volúvel, vá de festa em festa, aspirando o aroma de flores n ocivas até encontrar o veneno do aspide que mata a alma maculando a pureza, veneno que converte a virtude em opprobrio, a fe- licidade em infâmia e o prazer em crudelissimo tra- vor de fel pestilento. « O ideal divino da mãi de familia, está, pelo contrario, na mulher que atravessando o periodo da juventude casta, pura e submissa ao preceito sanctificador da autoridade paterna, confia de um coração bem nascido a fé pura do seu, conside- rando o matrimônio como fusão necessária de dous amores e duas almas que aspirão completar e sanc- tificar-se no paraiso do lar doméstico, depurando-se no crysol de seus mútuos affectos inspirados do nobilissimo fim que os unia, e firmemente espe- rançados na palavra do filho de Deus, instituidor da radiante aureola que circumda tão sagrada união (200). » Do mesmo valor é a educação physica, que deve ser completa, e o progresso da razão humana o está proclamando; advertindo-nos que as condições phy- sicas da mulher, attendendo ao fim que lhe está re- servado, offerece tanta importância como as con- dições moraes; dando se, portanto, todo o apreço a estas, e esquecendo aquellas, sacrifica-se muitas (200) Dr Nicolau Moreira. Duas palavras sobre a educação moral da mulher. 1868. Pag. 11. — 312 — vezes a felicidade e grandeza das familias, ou antes os mais caros interesses da sociedade. Pensar, pois, na educação da mulher, é o pri- meiro dever do homem que almeja a prosperidade de sua pátria; cumpre apenas lembrar, que ella fôrma a metade do gênero humano; trabalhar, pois, para sua educação, é trabalhar para a nossa, assim o disse a Providencia, collocando no coração da mãi a fonte das virtudes da criança. Nella se symbolisa a familia, como elemento essencial que é dessa sublime instituição, necessá- ria, eterna e immutavel, cuja origem repousa nessa trindade mysteriosa representada pela autoridade, amor e respeito. Ninguém melhor desempenhará esse encargo, do que a mãi de familia quando educada nos ele- mentos indispensáveis a garantir-lhe a posse do governo moral dos espiritos, que é a coroação dos deveres inherentes á maternidade. Deve ir muito de esforço por isso para dar-se á mulher uma educação na altura de sua nobre missão, na familia residindo a verdadeira fonte do progresso social, como em sua decadência annun- cia-se a ruina da sociedade. A educação é, pois, o norte seguro da íehcidade das nações, e como a melhor é sem duvida a que tem sua base nas lições dictadas pelo coração, cumpre á mulher occupar o logar mais distincto, tendo sciencia de seus direitos e deveres. Assim pensava Mme. Bernier, dizendo, com muita sensatez: a ignorância em que as mulheres estão dos seus deveres, e o abuso que praticão de seu poder, lhes fazem perder a mais bella e a mais — 313 — preciosa das suas qualidades, a de serem úteis (201). Bem se vê o perigo de correr á revelia o preparo de um ente que tem de imprimir as primeiras pa- lavras desse livro mysterioso chamado educação, cujos caracteres cereão-se de mil difficuldades para serem bem comprehendidos. Razão subida têm os publicistas modernos, acon- selhando a elevação da mulher; e nós que seguimos a trilha do progresso, almejando para o nosso paiz um papel significativo nos destinos do mundo poli- tico e social, não podemos ser indifferentes ao de- plorável atrazo em que estão todas as nossas insti- tuições, no tocante á vigilância physica e moral do ente destinado á nossa regeneração. Estabelecer em dados positivos e claros, os argu- mentos comprobatorios das asserções emittidas, nos desviaria do nosso intento actual ; deixemos por tanto o assumpto em que nos empenhávamos para entrarmos em ponderações de outra ordem. Demonstrada a conveniência de adaptar á mulher á difficil tarefa de mãi de familia, iniciemos o es- tudo sobre a própria criança, registrando como prefacio a apreciação que devemos fazer, os pre- ceitos a observar em primeiro logar, tendo pre- sente o assumpto. Lançada no mundo a criança, duas funcções das mais importantes, a respiração e a digestão, que dependem uma e outra da vida vegetativa, e são essencialmente preparatórias de todos os actos da assimilação, se estabelecem bruscamente, e consti- tuem o primeiro e maior passo da criança na via do crescimento que ella é obrigada a percorrer (202). (201) Mme. Bernier. Discurso sobre a educação da mulher. Pag. 10. (202) F. Barrier. Traité -pratique des maladies de Venfance. Paris 1861, Pag. 2. — 314 — Tal o alvo a que se devem dirigir as primeiras vistas daquelles que cogitão das causas preponde- rantes para a mortalidade nas primeiras idades da vida. Occupa, pois, a nutrição um logar dos mais im- portantes na questão, consistindo,segundo Schwartz, não só na introducção de substancias alimentares no corpo, mas no ar, na água, na temperatura que vem do exterior. A luz parece-lhe também uma fonte de nutrição, bem como o movimento (203). Bem se traduz o valor da matéria, para que entremos em longos raciocínios que demonstrem o apreço a votar-se a este ponto, e, tratando-se de o apreciar, desperta desde logo a attenção o allei- tamento, elemento essencial na questão em litígio. E unanime o accôrdo das vantagens resultantes do exercicio desta importante funcção pela própria mãi, sem duvida o mais legitimo, e que melhores garantias offerece. Razões de ordem superior motivão muitas vezes a impossibilidade do seu emprego, tendo então de lançar-se mão, ou do alleitamento substitutivo, assim denominado por Caron (204), que consiste na annullação dos direitos maternos, em favor de uma mulher, livre ou escrava, de uma ama estranha, emfim ; ou do alleitamento pela mamadeira, permittindo criar as crianças, com o leite de animaes, que é o aleitamento artificial, ou do mixto, em o qual se tem em vista submetter os recemnascidos, quer ao uso do leite materno ou da ama, addicionado de uma certa proporção de ali- mentos supplementares, caldos, biscoutos, etc, seja, finalmente, ao alleitamento, na teta do animal, quasi sempre de uma cabra. (203) Schwartz. Traité d'éducation, 3e partie. Pag. 33. (201) A.. Caron. La Paériculture. Rouen, 1866. Pag. 191. — 31o — Estudemos rapidamente o valor de cada um. A utilidade do alleitamento materno é problema resolvido em bôa sciencia. E um dever imperioso : a mulher tem obrigação de satisfaze-lo, desde que motivos superiores á vontade não inipidâo o exer- cicio dessa funcção, necessária á criança e vantajosa para sua saúde. Gretty, considerando o coração de uma mãi como a obra prima da natureza, estereotypou em nobres caracteres a grande influencia que o alleitamento materno exerce sobre os costumes, e,'portanto, sobre a ordem social. Quem poderá duvidar do interesse que guarda a criança desde a tenra idade para as pessoas que provêm nas suas necessidades mais palpitantes ? Nesse interesse está a base da affeição extrema da criança, traduzindo seu reconhecimento a quem cuida de sua existência, sentimento que vai ganhando desenvolvimento, á medida que a razão faz pro- gressos, formando o laço o mais indissolúvel entre o filho e a mãi. Bem se vê a sublimidade desse empenho; por certo, menos é, como bem diz Menville de Ponsan, o acto da concepção e a conservação do feto durante nove mezes no seio materno, que fundão o direito das mulheres á ternura dos seus filhos, do que os cui- dados multiplicados que ellas lhes prodigalisão, com o seu leite, depois do nascimento, bem definido por Phedro, quando escreve—quoe lactat, mater magis quam quoe genuit.(20ô) Convém, outro-sim, ter em vista, que, estabele- cido como decisivo, ser o alleitamento materno o methodo por excellencia para criar uma criança, é (20o) Menville de Ponsan, Histoire Phüosophique et médicale de Ia femme, Paris 1858. T. 2. pag 249. — 316 — dever de tal ordem, que, evita-lo por capricho ao mero egoísmo, constitue um crime, digno da maior exprobração; além de que, cumpre não esquecer os beneficios trazidos á mulher que assim procede. Tão bem se achão traçados os deveres da mulher, destinada á mais elevada das missões, que ella não pôde eximir-se de ter como doutrina, estarem no parto, na prenhez e no alleitamento, os elos de uma mesma cadêa que a mãi deve conservar em perfeito estado de integridade por amor de sua existência e da de sua, prole. Afora condições excepcionaes, que possão pro- duzir abalos e moléstias graves, a mulher que nutre seu filho está menos sujeita a esses acci- dentes, do que aquella que se mostra estranha a tão salutar occupação. Não é preciso descer a ponderações de maior esforço para convenceram-nos daquillo que a con- sciência está dizendo ser um acto de reconheci- mento á grandeza da incumbência que a Providencia conferio á mulher, dando-lhe a gloriosa tarefa de mãi, symbolo mysterioso, cujo valor não acha tra- ducção possível, tão longe vai a sua significação. O segundo methodo que denominamos, acei- tando a designação de Caron, de substitutivo, é o dirigido por uma ama estranha, visto a annullação que a mãi faz dos seus direitos, forçada ou espon- taneamente. Se em qualquer circumstancia a audiência do medico é uma necessidade, desde que tratar-se da alimentação da criança, no caso vertente, quer se entregue a criança a uma vigilância segura na própria morada materna, quer se tenha de confiar aos cuidados de pessoa afastada das vistas ma- ternas, maior deve ser a responsabilidade. — 317 - O exame prévio da pessoa destinada a preencher esse encargo, é assumpto do maior alcance, tão grandes são os prejuízos que a sua má direcção, impressa em taes casos, pôde trazer sobre o desen- volvimento de uma cidade, ou antes sobre a pros- peridade de uma nação. 0 illustrado acadêmico Dr. Peçanha da Silva, em um interessante estudo feito sobre a questão, mostrando a necessidade de amparar a criança, esta- belecendo leis que protejão o ente mais fraco da humanidade, do mesmo modo que ha leis severas para o recrutamento, para a guarda nacional, entende que a Academia devia fazer sentir aos poderes do Estado, que é de necessidade palpi- tante a promulgação de uma lei penal para evitar e corrigir os abusos, freqüentemente observados na nossa sociedade, no que diz respeito á amamenta- ção láctea das crianças, quer seja desempenhada por escravas, quer por pessoas livres (206). Assim condemna, e com toda justiça, o estado de desprezo, em que tem ido caminho este ramo da nossa administração. Si não fallão bem alto as expressões lançadas pelo distincto consocio, reforce o seu pensar, o que dizia em 1865, o presidente da Junta Central de Hygiene Publica, dirigindo-se ao Governo Im- perial, em cujo relatório se lê : « A escassez das amas que se vai sentindo nesta cidade por falta de escravas, que são de ordinário as que se empregão neste mister, a cobiça que faz desenvolver em algumas pessoas o alto preço por que hoje se alugão, faz com que se annunciem todos os dias escravas, ou que já têm feito uma (206) Dr. Peçanha da Silva (JoãoDamasceno). Memória ou observações sobre a amamentação e as amas de leite. Annaes Brazilienses de Me- dicina. Tomo 21. Í869-1870. Pag. 256. — 318 - criação ou mais, e cujo leite já não contém prin- cipios nutritivos sufficientes, ou que não estando nestas condições, mas em peiores, soffrem de es- crophulas, tuberculos, syphilis, e outros incommo- dos, cujo germen transmittem ás pobres creanças que lhes são confiadas, e lhes fazem arrastar uma vida cheia de soffrimentos, on dão em resultado um trabalho de dentição, marcado por incommo- dos e perigos constantes, e que muitas vezes as levão á sepultura no meio dos maiores tormentos e afflicções. « E, pois, esta uma circumstancia que todo o cuidado deve merecer da administração publica, estabelecendo os meios de levar a effeito a cessação destes abusos, ou pela criação de commissões pa- rochiaes, encarregadas do exame prévio das amas que têm de ser annunciadas ao publico, ou encar- regando desse exame os membros do Instituto Vac- cinico, como mais conveniente parecer, estipulan- do-se um honorário para cada exame, pago pelos interessados, e não podendo-se annunciar ama al- guma sem que os encarregados desses exames cer- tifiquem de sua idoneidade, para o fim a que se destinão. Deste modo se evitarião muitos inconve- nientes que se não podem evitar pelo processo, hoje seguido por algumas pessoas, de leva-las a um medico para examina-las; porquanto, embora reconheça, que qualquer medico possa fazer esses exames, entendo que um juizo mais acertado fará aquelle que tiver o habito de uma observação es- pecial, adquirido com a pratica, e exames constan- tes, do que outros a quem faltem estes elemen- tos. » (207) (207) Dr. Pereira Rego (Barão de Lavradio).— Relatório do Presi- dente da Junta Central de Hygiene Publica.— Rio de Janeiro, 1865. Pag. 9. - 319 - Por nossa parte também já lavrámos um protesto, tão convencido estamos do contingente, que o al- leitamento mercenário fornece, em relação ao ob- jecto em discussão. O consideramos como um dos peiores elementos de destruição das crianças nas primeiras idades, e que máo grado os reclamos de todos os dias, permanece no estado em que o deixamos em 1875. Nesse documento, em que lamentávamos a nossa infelicidade, vendo a devastação que se opera an- nualmente nas crianças, devidas, entre outras cau- sas, á falta de vigilância votada ao alleitamento mercenário, escreviamos : « Já que nada temos, ao menos faça-se um regulamento para as amas de leite, que hoje con- stitue um ramo commercial tão lucrativo, para que o pai de familia, além do imposto onerosissimo que é forçado a pagar quando dellas necessita, não te- nha de vêr definhar lentamente seu filho, que, entre soluços e surdos suspiros, amaldiçoa seus progeni- tores por tê-lo trazido ao mundo, onde só teve martyrios e tormentos, sem nunca conhecer a ale- gria e satisfação » (208). Bem se comprehende até onde pôde pezar esta causa no estrago das crianças, nas primeiras idades, para que nos demoremos em formular argumentos em auxilio do alludido. É uma chaga fatal, embora os nossos abençoa- dos administradores pareção abraçar doutrina op- posta, tamanho é o desprezo consagrado á tão me- lindrosa questão; de dia para dia torna-se ella peior aos interesses da nossa geração, e é uma herança (208) Dr. Pereira Rego Filho (José) Relatório dos trabalhos da Academia Imperial de Medicina do Rio de Janeiro de 1874 a 1875. Pag. 43. - 320 — perigosa que legamos aos nossos vindouros, como que um attestado franco e decisivo do nosso atrazo, no conhecimento dos deveres inherentes aos com- promissos contrahidos por nós em favor do bem commum. Viria aqui a propósito mostrarmos a conve- niência da creação de asylos especiaes, em que se cuidasse da infância ; limitemo-nos, porém, a esta solicitação, que deve ser o ponto de partida a quaesquer medidas de outra ordem, no interes- sante assumpto da amamentação da ciiança entre nós, onde está tudo por fazer-se. Além dos inconvenientes inherentes á ama, que muitas vezes não offerece uma só das condições in- dispensáveis ao mister para o qual a destinão,cumpre ter presente: si é motivo a séria peoccupação, o de- sejo illusorio de muitas mais de pretenderem forçar a natureza, dando á criança alimentos impróprios á sua idade o que traz perturbações de muito alcance ao seu organismo, esse perigo não tem limites, quando se trate de uma ama mercenária. Levada do empenho natural de dar forças á cri- ança, procurando seu desenvolvimento rápido, ella busca auxiliar a amamentação com alimentos, sem que a criança disponha de dentes e quasi sempre de natureza imprópria ás suas disposições orgânicas, de modo a forçar o intestino a receber substancias que ella não pôde digerir, fácil sendo concluir-se a sorte que lhe está destinada em taes casos. E um facto tão commum entre nós as indigestões motivadas por excesso de alimentação ou sua impro- priedade, trazendo os abalos profundos da inner- vação, que inútil seria avivarmos o espirito dos que nos ouvem, para fortalecermos a crença em que nos achamos de entrar esta causa como um elemento — 321 — essencial na cifra da mortalidade que annualmente ceifa tantos filhos desta terra. Quanto ao alleitamento artificial, ou por meio da mamadeira, só a paciência e as precauções de que dependem, estão por si demonstrando a sua inferio- ridade. Mas havendo circumstancias em que é elle o meio único de satisfazer a necessidade da criança, só o admittimos guiado por uma mãi, única capaz de velar por sua dedicação e perseverança no fiel cumprimento de uma tarefa tão melindrosa. Força é, porém, dizermos, ser esse um dos pei- ores methodos, maxime entre nós, onde o leite da vacca, que é considerado como o mais próximo ao leite da mulher está pedindo leis repressivas, tão péssimo se apresenta elle ao mercado, nenhuma garantia offerecendo aos que delle têm de fazer uso; cumprindo outro sim não esquecer os cui- dados inherentes ao próprio instrumento, facto que, parecendo de nenhum apreço, tem motivos a ser pensado com todo o desvelo, já quanto á sua cons- trucção, já quanto ao seu estado de asseio, no que não entramos, por pertencerem estes dados a estu- dos de outra ordem. É um systema muito usado pela nossa classe pro- letária, e difficil nos seria pintar os abusos a que o sujeitão, tanto é sufficiente para aquilatar-se dos perigos e males por elle acarretados. Muitas são as crianças levadas a sepultura por este pernicioso systema. No alleitamento mixto, desde que elle fôr subor- dinado ás regras da hygiene, natural é suppôr-se a .sua vantagem, recommendada pelas condições ex- cepcionaes em que a mãi se vê collocada, por carecer bene 1. XXI V — Bouchaud. De Ia mort par inanition et études experimenta- les sur Ianutrition ches les noveaux-nés. Paris 1864. Thèse Inaugurale. —H C Lombard (de Genève) Quelques réflexions sur l education phy- sique des enfants. Genève 1866 -Bouchut. Traité pratiqu». des ma- ladies ríes nouveaux nés et des enfants à Ia mamelle. 5« edition- Paris 1867 pag 40 — Fonssagfives. Entretiens familiers d Hygiene. Paris 1867 Para mais pormenores leia-se a these interessante de Louis Odier tendo por titulo Recherches sur Ia loi d'accroissement des nou- veaux-nés constate par le système desjesées réguliêres et sur les condt- tiont d'un bon allaitement. Paris 18b3. — 328 — Virá aqui a propósito chamarmos a attenção para os factos ligados a época em que se desmama a criança, ás vezes assás antecipada e com grave prejuízo. E uma das questões interessantes na sua educa- ção physica mesmo nas que offerecem as melhores condições de saúde. Não se podem estabelecer dados definitivos sobre a época precisa em que este acto deva ter execução, porque elle deve variar em relação aos costumes nacionaes e locaes, e são de- pendentes da mãi ou ama, e da própria criança; parecendo no entretanto conveniente que esta ope- ração se effectue quando a criança possua doze dentes, salvo condições anormaes em que o medico consultado indicará o caminho a seguir-se. A operação deve ser posta em pratica gra- dualmente e de um modo lento, afim de que não se produzão abalos durante o processo na criança, tão importantes são as modificações que um desvio de bom regimen em taes casos pôde acarretar. Nesta época succumbem muitas crianças pela imprudência das pessoas encarregadas de sua vi- gilância. E um periodo em que toda a cautela é pouca, as precipitações prejudicando em excesso ; pois ahi está a hypochondria, revelando a neces- sidade de nossa proposição. Como bem expõe o Sr. Barão de Lavradio, « sobre- vêm esta moléstia sempre com a suspensão do al- leitamento, e annuncia-se, por uma tristeza extrema, e outros symptomas, que denotão que a innerva- ção, ou antes, as funcções cerebraes do menino se achão attacadas. » (218) (218) Dr. José Poreira Rego (Birã-i de Lavradio). Considerações sobre algumas moléstias de crianças mais freqüentes no Rio de Ja- neiro. Art. 11. Da hypochondria na primeira infância. Annaes Bra- silienses de Medicino.—Tomo 6, 1850—51. Pac;. 2. — 329 — É um estudo perfeitamente concebido, cuja lei- tura de muito proveito nos privamos de reproduzir, tão desenvolvido é. Sua consulta será de grande au- xilio e virá fortificar o nosso juizo sobre a matéria, demonstrando á luz da evidencia, o quanto convém attender-se sobre os cuidados, a guardar-se na época da suspensão do alleitamento, e quanto pode ella concorrer para augmentar o quadro da mortalidade. E um trabalho consciencioso, no qual revela seu autor accurada observação. Si a suspensão do alleitamento é matéria deli- cada, não menor é o cuidado que deva ser prodi- galizado á dentição, a que ella se acha ligada. O abuso de alimentação a que as mais sujeitão as crianças nesta época, concorre em muito para a aggravação de seu estado de saúde, e é exacta- mente a época em que maior numero de mortes se dão. Si não podemos appellar para a inanição como causa de morte, e*que é, como diz Chossat, uma causa de morte que caminha em frente, e em silencio com toda a moléstia, na qual a alimentação não está em seu estado normal, temos de lutar com a causa inversa, isto é, do excesso da alimentação ou da sua inconveniência, a qual, como bem diz, o Sr. Barão de Lavradio, não produzindo logo, como quasi sempre acontece, abalos profundos e violentos, capazes de determinar a morte prompta, acaba por cansar as forças digestivas, entretendo uma superexcitação permanente do apparelho digestivo, desafiando a diarrhéa e a mesenteritis, as quaes acarretão uma perversão de nutrição mais ou menos profunda, determinando a morte dentro do Io anno, si aquellas irritações e suas conseqüências marchão em pro- gressão ascendente e rápida, ou constituindo uma — 330 — predisposição futura para tuberculização mesente- rica, si desde o principio a sua marcha é lenta, e não se cuida em corrigir, ou fazer cessar as causas que a entretem. E ainda neste periodo, que o autor, citado mostra ser condição de maior mortalidade, a intensidade e freqüência das moléstias do apparelho digestivo e annexos, principalmente a diarrhéa, e nos expostos esta mesma moléstia, a ictericia com ou sem grandes alterações do fígado, as aphthas e dysenteria, sendo estas moléstias devidas, umas á insufficiencia da nutrição e ás aberrações funccionaes geraes que ella determina, outras a sua alimentação maior da que, comporta a acção digestiva de uma criança de tenra idade, ou de difficil digestão, tendo em vista supprir a falta de leite, como é uso entre nós na criação dos escravos e classes pobres, em as quaes as convulsões, tão communs nas primeiras idades, não são de ordinário mais do que o effeito de violentas indigestões ou de irritações gastro-in- testinaes (219). Desnecessário se torna descer a outras ponde- rações para provarmos a conveniência de se prestar a maior attenção para este ponto, e ser devido ao pouco caso votado a esta parte da hygiene, e educa- ção da primeira infância, que cumpre attribuir muitas mortes dadas no primeiro periodo da vida, maxime na classe pobre e entre os escravos. Antes de passarmos a outras considerações, não podemos esquecer o papel importante que representa neste periodo da vida, e ao qual devemos attribuir a morte de tantas crianças, a fraqueza congenial, (219) Dr. Pereira Rgo (Barão de Lavradio).—Mortalidade das cri- anças.—Relatoiio do Presidente da Junta Central de Hygiene Pu- blica 1870. Pag. 42. — 331 — ou antes certo gráo de cachexia mais ou menos adiantada, em que nascem muitas crianças, filhas de consanguineos ou não, sobretudo quando a organização dos seus progenitores é eivada de virus syphilitico ou de outras lesões que entibião as forças radicaes, cachexia que ás vezes é levada a tal ponto por occasião do nascimento, que a criança sobrevive poucas horas ou dias após elle; e outras vezes, apezar de não chegar a taes proporções, é de tal maneira refractaria ao uso de todos os meios hygie- nicos e therapeuticos os mais adequados a neutra- lisar seus effeitos desastrosos, que a criança arrastra uma vida precária e cheia de padecimentos para succumbir no fim de alguns mezes, e ordinariamente ao apparecerem os primeiros phenomenos da evo- lução dentaria, época em que também no geral se patenteão os phenomenos da hereditariedade mór- bida, quando a criança está sujeita a este legado infeliz (B. de Lavradio). De bom aviso seria também entrarmos na apre- ciação dos desvelos que cumpre prodigalisar neste periodo da vida, quer em relação ao vestuário, quer aos cuidados corporeos e leito da criança; isso, porém, nos levaria mui longe, razão para eximirmo- nos desse propósito. A outra funcção é a da respiração, a mais indis- pensável das funcções, que só se extinguira nos últimos momentos da existência. Mostrar até onde vai o empenho de tornar esta funcção uma realidade para a criança, seria exigir muito da narração de um relatório ; digamos, no entretanto, que uma bôa ou má habitação vai influir de um modo significativo sobre a saúde da criança; ahi temos a prova pal- pável das desgraças trazidas por esses antros peri- gosos chamados cortiços, essas catacumbas em que se sepultão em vida crianças e adultos, e onde o — 332 — observador consciencioso vai descortinar elementos poderosos da grande mortalidade das crianças. O hygienista que tiver a convicção de que ás más condições hygienicas da habitação se deve attribuir em grande parte as numerosas moléstias que destroem a criança desde que vem ao mundo, não poderá contestar a nossa asserção. Convém que ella offereça taes condições, que possa gozar de um ar puro, que é a metade do seu alimento, a metade de sua vida. Estudando a casa, lembrada está também a aera- ção, a luz, e a temperatura. A transgressão dos verdadeiros preceitos em que se elevem assentar estes principios, si não é uma causa elirecta da mor- talidade, será uma concausa poderosa. Ahi estão para prova as affecções bronchicas e pulmonares tão communs entre nós no Io anno de vida, devidas ás variações atmosphericas nos mezes de Abril a Setembro, e tudo oceasionado pela pouca attenção consagrada aos cuidados que sempre pro- digalisão para que se evitem variações rápidas e freqüentes das estações, em um clima tão variável como é o nosso. Para encerrarmos o estudo do primeiro periodo da vida, cumpre não esquecermo-nos da freqüência das convulsões, principalmente, no período da evo- lução dentaria, ou resultantes do effeito da here- ditariedade mórbida ou de movimentos reflexos, oceasionados, como já algures dissemos, a perturba- ções f unecionaes do apparelho digestivo,provocadas, quer por alimentação imprópria, quer por ser em quantidade incompatível com as forças do orga- nismo Vencido, pois, o primeiro periodo, isto é, do nascimento até 1 anno, indaguemos da época que agora nos cumpre estudar, isto é, de 1 a 4 annos. — 333 - Vem desde logo á idéa o tétano, que é também causa poderosa da mortalielade no primeiro periodo acima já tratado, o qual manifestando-se com mais ou menos freqüência,conforme a constituição medica reinante, não se acha subordinado como parece em outras idaeles,ás mudanças das estações,apparecendo em todas quasi com a mesma força. Pensão os nossos clinicos que devem ellas ser attribuidas á falta de asseio e limpeza do cordão um- bilical, e ao emprego de substancias mais ou menos irritantes, que ainda usão algumas comadres (*) appli- car sobre o cordão umbilical, com o fim de apres- sarem sua quécla, ou a cicatrização do umbigo, cujo cortejo de conseqüências é fácil descobrir-se, atten- elendo á extrema susceptibilidade nervosa nestas idades. Também não pôde ser posta á margem a fra- queza congenial, de que já falíamos, cujas causas, si não podem ser destruídas de todo, pelo menos serião attenuadas guardando-se mais respeito ás doutrinas hygienicas. A estas causas vêm se juntar as moléstias do tubo digestivo e seus annexos, por desvios do regi- men alimentar, concomitantemente com as febres periódicas, as moléstias do apparelho respiratório, quasi constantes entre nós, revestindo as suas diver- sas fôrmas, quer ataquem ao parenchyma pulmonar e mucosa bronchica, occasionando as broncho-pneu- monias tão graves sempre, quer dando origem ás diversas fôrmas de catarrhaes, em geral benignas, como nota o Sr. Barão de Lavradio, excepto quando offerecem a fôrma denominada suffocante, sempre muito grave. A complicação das febres periódicas é do maior (*) Chama o vulgo de comadres a mulheres que, nãoteodo habilitações, «são por abuso da arte obstelrica. — 331 — valor, maxime quando vem embaraçar a marcha das affecções respiratórias. As moléstias do apparelho cérebro espinhal me- recem menção especial neste periodo, quer sejão as desordens idiopathicas, quer sympathicas, e força é confessarmos que as nossas estatísticas demonstrão o seu crescimento desde 1864. Também offerece contingente importante neste periodo a coqueluche, a angina diphterica, o sa- rampão, a varíola; não devendo outrosim ser esque- cida a tuberculisação ^esenterica. Tal ,é pouco mais ou menos, o quadro que cum- príamos esboçar, devendo dizer antes de terminar- mos, que é este o período, segunda observa o Sr. Barão de Lavradio, no relatório citado, mais fe- liz das primeiras idades no Rio de Janeiro, con- clusão a que chegou, já pela observação clinica, já pelos algarismos registrados nas estatísticas, pela diminuta proporção da mortalidade, que nelle se dá, em comparação ás outras, regulando talvez 1/4; porque, além da menor freqüência das moléstias consumidoras das crianças, não se encontra, nas mais peculiares a este periodo, como sejão as angi- nas, sarampão e outras, essa gravidade que nellas se observãoem outros paizes, segundo sua observação clinica de trinta annos. Do exposto claro fica, que, satisfeitos os preceitos hygienicos, muito modificadas serião as nossas con- dições de mortalidade em relação ao periodo discu- tido; sendo que á insalubridade do clima não cabe a responsabilidade dos males que nos affligem. Oxalá se dispensasse attenção á nossa hygiene privada, buscando fornecer a essas idades uma ali- mentação proveitosa, dando-lhe outrosim casas em melhores condições hygienicae, e assim teríamos es- tancado uma das fontes das nossas ruínas. — 335 - Viesse outrosim a convicção a alguns espiritos emperrados, que ainda negão a perniciosidade dos casamentos consanguineos, e ahi achariamos ainda um elemento poderoso para modificar a cifra da mortalidade, si prohibidos fossem em absoluto, e assim retiraríamos, com grande vantagem para o nosso florescer, uma das causas de um numero prodigioso de crianças, que succumbem de fra- queza congenial. Levantassem por uma educação moral o espirito publico do abatimento em que caminha, acoro- çoando o vicio da prostituição, e evitaríamos nós as conseqüências desastrosas da syphilis, que rouba tantos elementos de vitalidade ao paiz, depondo no organismo das crianças germens para sua destrui- ção prematura. Cumprão-se, em uma palavra, os deveres im- postos pela bôa hygiene, e muito diminuida será a mortalidade infantil. Ao encerrarmos este artigo, incorreríamos em censura, si deixássemos de dar um voto de louvor ao nosso consocio o Sr. Dr. Peçanha da Silva, pelo estudo que iniciou a este respeito, trabalho, que, uma vez concluido, será vantajosamente apreciado. Está, portanto, encerrada a terceira parte do nosso relatório; restando-nos apenas a quarta para solver nosso compromisso. QUARTA PARTE Memórias de admissão Poucos fôrão os documentos sujeitos á aprecia- ção acadêmica no anno que historiamos ; concor- rendo aos logares de membros adjuntos na secção — 336 — medica, os Srs. Drs.: José de Goés Siqueira Filho e João Francisco de Souza; da cirúrgica, o Sr. Dr. José Rodrigues dos Santos; e para a classe dos membros correspondentes o Sr. Dr. Henrique Rey. Os pontos escolhidos fôrão importantes, reve- lando os seus autores aptidão nas doutrinas susten- tadas, comprovando o nosso juizo, as idéas exa- radas pelos relatores ao traçarem a sentença dos candidatos. As conclusões a que chegarão fôrão de todo fa- voráveis, reconhecendo nos trabalhos apresentados bôa leitura e melhor apreciação dos factos de que elles cogitavão. Entrarmos na analyse de cada uma destas me- mórias, seria a.busarmos, achando-se tão bem defi- nidos os relatórios apresentados pelos distinctos acadêmicos, encarregados da analyse. Limitar-nos-hemos, portanto a dizer, que fizerão objecto dos alludidos trabalhos os seguintes pontos: Estudo sobre a prostituição no Rio de Janeiro, suas causas e medidas a adoptar para sua não pro- pagação, trabalho do Sr. Dr. João Francisco de Souza, cuja analyse coube ao Sr. Dr. José Zeferino de Menezes Brum. Estudo sobre a prostituição no Rio de Janeiro, e medidas que cumpre adoptar em favor de sua pro- phylaxia, pertencente ao Sr. Dr. José de Góes Siqueira Filho, relatado pelo Sr. Dr. Alexandre José Soeiro de Faria Guarany. Noticiando os assumptos, temos convidado a avaliar-se da importância dos trabalhos que esco- lherão os candidatos, como elemento de prova de sua habilitação, para ter assento nesta Academia. A leitura dispensada a cada um destes documen- tos, perfeitamente delineados, cada um no sentido — 337 — das idéas esposadas por seus autores, conven- cerá da justiça porque se houve a nossa corporação, louvando-se de conta-los no numero dos seus con- socios. Outrotanto cabe-nos dizer do trabalho do Sr. Dr José Rodrigues dos Santos, tendo por titulo Do cauterio actual nas moléstias uterinas. Conhecido vantajosamente por outros trabalhos da especialidade que abraçou, não seremos nós que deixaríamos de acompanhar a academia no seu contentamento, vendo o illustre candidato inscripto no numero dos membros adjuntos da secção cirúr- gica, em vista das conclusões favoráveis a elle dispensadas pelo relator da memória, o Sr. Dr. Costa Ferraz. Para fecharmos este tópico diremos, ainda que na classe dos membros correspondentes figura, em vista do juizo formulado pelo nosso illustrado com- panheiro o Sr. Dr. Nicolau Joaquim Moreira, o talentoso e experimentado trabalhador, o Dr. Henri- que Rey. Dizer o seu nome é annunciar ao mundo scien- tifico, um dos melhores collab oradores que tem tido a medicina franceza. Sua acquisição será sempre um motivo de rego- sijo da corporação que o receber. O ponto escolhido foi Estatísticas da Tísica no Rio de Janeiro. De sua importância, ninguém duvidará; do como se houve o distincto medico disse-o o relator, acolhendo com satisfação a pretenção do candi- dato. Lamentamos que tão poucos fossem os escriptos apresentados ; não vá, porém, isso servir de prova á censura que pretendamos dirigir a aquelles que — 338 - devião disputar esses logares, tão somente o desejo de gravar-mos, que, pequena é ainda a seita dos que achão interesse na sua dedicação a trabalhos desta ordem ; seja, porque elles não offereção vantagens immediatas, seja, por quaesquer outras causas, que a nós não cumpre investigar. Não será, porém, isso motivo a desalento, na cohorte dos que sustentão o penhor confiado a sua guarda, que não se poupará a esforços para bem desempenhar a sua missão. Aqui concluimos a nossa tarefa. Si não fomos exacto no desenvolvimerto das questões discutidas pela nossa corporação, resta-nos o consolo de termos procurado dar u1 a testemunho do ouanto se esforça em bem desempenhar a sua lei orgânica, causa efficiente de termos preoccupado por tanto tempo vossa apreciosa attenção. Effeito de uma obrigação, deve ser motivo á maior, benevolência, o trabalho ene acabamos de apresen- tar, e dardo assim conta do uosso empenho, só nos cumpre ambicionar que voz mais autorizada e melhor preparada, seja interprete futuro dos sen- timentos acadêmicos nos annos que se succederem. Rio de Janeiro 30 de Junho de 1876. Dr. José Pereira Rego Filho. índice das matérias PAG. Observações preliminares....................... 1 PRIMEIRA PARTE OBSERVAÇÕES LIDAS Considerações geraes........................... 6 Um caso de «Ainhum», pelo Sr. Dr. José Pereira Guimarães. Reflexões........................ 8 Aneurysma da carótida primitiva esquerda. Cura pela electricidade, pelo Sr. Dr. José Pereira Gui- marães. Reflexões........................... 11 Aneurysma popliteu. Cura pela compressão mecânica e intermittente da artéria crural, na dobra da vi- rilha; pelo Sr. Dr. José Pereira Guimarães. Re- flexões .................................... 14 Erysipela ambulante, depois da inoculação da vaccina, pelo Sr. Barão de Lavradio................... 15 Varíola confluente consecutiva á inoculação, pelo Sr. Barão de Lavradio.......................• • • 17 Varíola caminhando em commum com a vaccina, pelo Sr. Barão de Lavradio........................ 18 Caso de morte pelo chloroformio. Observação do Sr. Dr. João Baptista dos Santos. Reflexões......... 20 SEGUNDA PARTE MEMÓRIAS ORIGINAES E CONSULTAS A febre amarella em Campinas, na província de S. Paulo. Consulta do Sr. Dr. Valentim José da Silveira Lopes. Estudo da questão............. 37 Auto de exame do supposto Augusto Rieeke. Questão — 340 — PAG. de identidade. Reflexões sobre o assumpto....... 58 Gymnastica medica sueca. Reflexões.............. 63 Extincção dos cortiços. Estabelecimentos de dormi- tórios públicos.............................. 73 Escassez das nossas águas potáveis. Necessidade de uma arborisação regular e creação de um código florestal.................................... 79 Soffrimento das faculdades mentaes, em conseqüência do abuso de bebidas alcoólicas. (Consulta.) Estudo da questão................................. 94 Do jaborandy. Reflexões sobre a memória do Sr. Dr. Caminhoá.................................. 151 Do ainhum. Idem sobre o trabalho do Sr. Dr. J. P. Guimarães................................. 158 Clinica militar do Dr. Ennes (Apreciação sobre a). . . 162 TERCEIRA PARTE DISCUSSÕES acadêmicas Qual a causa, caracter dominante da febre amarella actual, e tratamento que mais tem aproveitado?. . . 168 Da acção abortiva do sulphato de quinina......... 198 Bases sobre vaccinação e revaccinação............ 276 Qual a causa da mortalidade das crianças até aos quatro annos de idade ?....................... 303 QUARTA PARTE MEMÓRIAS de admissão Noticia rápida dos trabalhos..................... 336 Conclusão.................................... 338 IIio de Janeiro.—Typographia Universal de E. & II. Laemmert, 71 Kua dos Inválidos, 71. &VV- l-ATORIO DOS Trabalhos Acadêmicos cie 30 de Junho de-1875 3D"~de 'Junho de 1876 APRESENTADO Á do X\X^_J X..J Ha x) XX A> xlx A ÍT~\v_7 EM SESSÃO MAGNA DE 30 DE JUNHO tf~E 1876 Pelo Secretario-Geral gr. 3(ose gerara flego JfiI|o Doutor em me. icina pela Faculdade do Rio de Janeiro, Bacharel em lettras pelo Imperial Collegio de D. Pedro II, Official da Imperial Ordem da Rosa, Cavalleiro da de Nosso Senhor Jesus-Christo, Commendador da Real Ordem Portugueza de Nossa Senhora da Conceição da Villa-Viçosa, Professor Honorário da Academia Imperial da» Boi las-Artes, Medico Adjunto da Santa Casa da Misericórdia da Corte, Secre- tario-geral da Academia Imperial de Medicina do Rio de Janeiro, Secretario-geral da Sociedade Auxiliadora da Industria Nacional, Delegado da Ihspectoria Geral da Instrucção Publica da Corte, Secretario do Conselho Fiscal do Imperial Instituto Fluminense de Agricultura, Membro do Conselho da Sociedade Propagadora das Bellas-A^te.", Membro Effectivo da Sociedade Ycllosiana, Membro correspondente da Academia de Medicina de New-York, Membro cu-mpondente das Sociedades Médicas de Illinois nos Estados-Unidos, Sciencias Médicas de Lisboa, de Historia Natural «lsis » em Drcsden (Allemanha), de Hygiene de Tariz, Associação Medica de Buenos-Ayres, Anthropologica da Ilha de Cuba, Sócio Fundador da Sociedade Medica do Rio de Janeiro, etc, etc. l*IO r>K JANEIRO TYP. UNIVERSAL DE E. & H. LAEMMERT 71, Rua dos Inválidos, 71 1879 V Dos casamentos consanguineos. These inaugural, 1868. Rápido estudo sobre as epidemias de sarampão, que têm grassado no Rio de Janeiro, de 1836 a 1869 ; principaes complicações desta enfermidade nas crianças e seu trata- mento, 1870. Do envenenamento pela digital e digitalina. These de concurso, 1871. Parecer sobre a Memória do Dr. Carlos Eboli, tendo por titulo Estudo sobre Hydrotherapia, 1871. Diagnostico entre os envenenamentos e as moléstias natu- raes. Estudo sobre o assumpto, 1871. Do beriberi. Estudo critico sobre a Memória do Dr. J. F. da Silva Lima, 1872. Relatório dos trabalhos da Academia Imperial de Medicina, de Junho de 1873 a Junho de 1874. Da Hycfrotherapia. Estudo critico sobre o trabalho do Dr. Beni-Barde, 1874. Relatório dos trabalhos acadêmicos, de Junho de 1874 a Junho de 1875. Idem de 1875 a 1876. Idem de 1876 a 1877. Idem de 1877 a 1878. Alguns dados relativos á Estatística da Mortalidade de Buenos—Ayres, durante o anno de 1876. Estudo critico sobre o trabalho de igual titulo do Dr. Emílio R. Coni. A Albumino-Pymeluria. Estudo critico sobre trabalho de igual titulo do Dr. Martins Costa, 1878. Parecer sobre a memória do Dr. Manoel José de Oliveira tendo por titulo Nevrose com symptomas de Hydrophobia, Novembro de 1878. A febre amarella em 1877. Estudo critico sobre a Memória de igual titulo do Dr. José Maria Teixeira, 1878.. Do Ácido Salicylico. Salicylato de soda. Seus effeitos physiologicos e therapeuticos, 1879. Relatório dos trabalhos acadêmicos, de Junho de 1878 a Junho de 1879. ^ 178 1 r >"*l II...., 0, M(D|C|N( n.hom.L IIMMT Of MIOICINI NAIIONAI U..AIY Of MIDICINI í &. !> I01W ÍO AaVRail IVNOUVN ENI3I01W iO A * V 1 a II IVNOUVN 1NI3IQ1W JO AaVaSIl IVNOUVN IQ1W 40 AaVaai. IVNOUVN ÍNI3IQ1W 40 HVIII1 IVNOUVN 1NI3IQ1W iO A R V a« 11 IVNOUVN \J^s/ \ ONAL LIBRARY OF MEDICINE NATIONAL LIBRARY OF MEDICINE NATIONAL LIBRARY OF MEDICINE ioiw ío A«v«aii ivnouvn iNinaiw 40 A«vian ivnouvn 1 n i 3 i a 3 w 40 * . v » . n ivnouvn ONAL LIBRARY OF MEDICINE NATIONAL LIBRARY OF MEDICINE NATIONAL LIBRARY OF MEDICINI ã ^'' .e? ^P a > O i. '' t . B í\ ! .;$&. ^ATI^LLhÍ.A^yCfXcINE NATIONAL LIBRARY OF MEDICINE NATI ONAL tI..A.Y OFM^O 1 /V' í -? ^ 1NI3I03W 40 «IVIIM IVNOUVN INI3I01 W 40 AaVaRM IVNOUVN 1NI3I01W 40 A.vaan 1VN< Q> f *_ ^ijVrr- «%■ ,|«../-|y-*4a. *•«*••»•• "^ ' »>i ■ . irüi* \ •/.v:r.-.%--- .'.\'jt..-v,'xr-r .'. ■". .""■ - «*2.*., *VV*« ••"**+?. ,*.»,. JVí^ -*-a ^a/aAlífcJT&aaana^Il^"*-^ Ü?&Mji