3NTOXJA 
SOBRE A 
Acção physiologica e tterapcutlca 
DA 
CARICA PAPAVA 
(mamoeiro) 
PELO 
\X 
Membro da Academia Imperial de Medicina do Rio de Janeiro; professor 
honorário da Faculdade de Medicina de Santiago do Chile ; membro 
correspondente das Sociedades de Medicina de Pariz, Marselha, 
Alger, Genebra, Lisbôa, Santiago, Buenos-Ayres, etc. etc. 
RIO DE JANEIRO 
Typographia Académica — Rua d’Ajuda n. 47 
1879 Nota sobre a acção physiologica e therapeutica 
DÀ 
CARICA PAPAYA (MAMOEIRO) 
As Papayaceas constituem uma familia de plantas phaner- 
gamas, originarias das índias Orientaes, segundo alguns, e 
<iue existem em grande abundancia na America Meridional, 
quer no estado selvagem, quer no estado de cultura. 
Esta pequena familia conta dous generos: a Carica pa- 
pava (Lm.) a Carica liodecaphijlla (Vel.) e a Carica spinosa 
(VVelL) 
Esta ultima não é cultivada e habita as províncias de 
Pernambuco, Alagoas, Bahia, S. Paulo, Minas Geraes o 
Bio de Janeiro. 
Em algumas destas províncias o fructo da Carica spinosa 
é vulgarmeute conhecido pelo nome de Jaracatiá, Mamão 
bravo, Mamão do matto e de Mamata. 
A Carica papaya, que é o gecero typo das Papayaceas, 
ó geralmente cultivada em quasi todas as províncias do 6 
Brazil, e o seu fructo muito se approxima do das cucurUta- 
ceas, principalmente do genero cucumis, do qual é o melão 
uma especie. 
O nome vulgar da planta no Brazil é mamoeiro, assim 
como o de seu fructo— mamão. O mamoeiro cultivado at- 
tinge, de ordinário, a altura de dez a doze metros: o ma- 
moeiro selvagem cresce mais, elevando-se mesmo a altura 
de 25 a 30 metros. 
Daremos em rápidos traços a descripção bolanica da 
Carica papaya, typo das Papayaceas: 
O aspecto geral da arvore é bastante characlerislico: seu 
tronco é simples, vertical, não ramificado, diminuindo gra- 
dualmente de diâmetro da base para o apice, o qual é 
corôado de folhas, longamente pecioladas e espalmadas : 
elle é revestido de uma casca cinzenta e lisa, da qual se 
desprende, á menor solução de continuidade, um sueco 
leitoso com que nos occuparemos d’aqui a pouco. 
As ílôres são dioicas e só raramente monoicas, grupadas 
no apice do tronco. As flôres femeas, de côr amarella, tôm 
um cálice quinquedentado, curto; a corolla dialypetala, 
com cinco pétalas lineares; o estylete curto, termina por 
cinco stygmates lobulares; o ovário globuloso, unilocular, 
contendo cinco trophospermas parielaes pouco salientes, 
munidos de um grande numero de ovulos anatropos ; quando 
estes trophospermas são desiuvolvidos, parecem dividir o 
ovário em cinco lojas. As flores masculinas, de côr branca, 
tôm um cálice gamosepalo muito curto e quinquedentado, 
a corolla gamopetala regular, tubulosa, de cinco lobulos reflectidos; os estames são em numero de dez, cineo mais 
longos alternando com os lobulos da corolla, cinco mais 
curtos e subsesseis ; ovário rudimentario. 
O fructo, de côr verde, antes da maturação, e amarello- 
gerntna d’ovo, quando inleirauiente sazonado, defórmairre- 
gularmeule ovoide, offerece um aspecto um pouco analogo 
ao do melão, com cinco saliências em forma de gomos; ó 
ouco, polposo e encerra um numero considerável de sementes 
esphericas e escuras. O sabor do fructo é adocicado e ugra- 
davel, porém muito menos delicado que o do melão, ao 
qual ó tão injustameute assimilado. 
As flôres caem pouco a pouco, á proporção que o ovário 
cresce e se desinvolve de modo que, na época da maturi- 
dade, o fructo se apresenta pendente em uma parte culmi- 
nante do tronco liso. (Arruda Gamara.) As folhas são, como 
dissemos, espalmadas, labras, divididas em diflerentes 
lobulos oblongos e sinuosos. Segundo Fred. Hoeferk (1) a 
raiz da planta tem um cheiro analogo ao da couve podre. 
A Carica dodecaphilla ou Jaracatiá — é também de 
alio porte, tem o trouco reclilinio, cheio de espinhos.e pro- 
vido uo apice de folhas espalmadas e pecioladas. Delle 
lambem se desprende um sueco leitoso, quando ferido. A 
sua fructificação pouco differe da da Carica papaya; o fructo 
é menos desinvolvido e mais alongado que o desta. Segundo 
alguns autores, os indígenas conhecem esta planta sob o 
nome de Chamburu. Hoefer dizia, em 1850, que a arvore 
7 
(1) Diot. de bot. prat. Paris, 1850. da Carica papaya fornece uin sueco leitoso, amargo, que 
tem a propriedade de um veneno irritante; mixturado com a 
agua, accrescenta elle, é empregado para maceraras carnes 
coriaceas que se amollecem rapidameute. (1) 
Este autor diz o que é perfeitameute exacto entre nós: 
que o fructo verde da Carica papaya (Mamão) é usado 
verde como conserva, ou cozido, tendo então o sabor do 
melhor nabo. 
Almeida Pinto, aproveitando os manuscriptos do notável 
botânico brazileiro Arruda Gamara para o seu diccionàrio 
de botanica brazileira, diz nesta obra que o sueco leitoso 
(do matuoeiro), dissolvido n’agua, tem a propriedade de 
amollecer a carne que se immerge uesla mixlura, e até de- 
compõe-se esta em pouco tempo, si se descuidam de reti- 
ral-a depois de alguns minutos. Elle accrescenta que o 
mesmo sueco amacia a pelle das mãos e faz desapparecer 
as ephelides do rosto. 
Martius dizia que ha, a respeito desta planta, entre os 
brazileiros, a mesma persuasão que, na Europa, sobre a no- 
gueira, isto é, que a carue se torna melhor de cozer e mais 
tenra com a proximidade de suas folhas; por isso vi, es- 
creve elle, que costumav. m a embrulhar nellas periquitos e 
outros passaros. (2) 
Este facto, averiguado, uo llrazil, desde épocas primi- 
Iívís, ó também reconhecido desde antiga data na ludia. 
8 
(1) Loc. oit., p. 137. 
(I) Sgstema dc Mat. med. veg. brasextr. e trad. das obras de G. Fred. 
Fhil. de Martius por H. V. de Oliveira. Rio de Janeiro, 1854, p. 169. Os indígenas adoptaram o uso de amollecer a carne dura e 
resistente, lançando sobre ella uma pequena quantidade 
de sueco da carica papaya, e até mesmo, acreditando nos 
effeitos idênticos das simples exhalações da planta, suspen- 
diam em suas folhas as carnes e as aves que desejavam 
tornar mais tenras. A carne subineltida áaeção dissolvente 
da papaya, decompõe-se com muita rapidez; nós já tivemos 
repelidas occasiões de nos certificarmos deste facto assig- 
nado na Índia. Ahi tem-se mesmo observado que a carne 
dos porcos alimentados com as folhas da planta torna-se 
imprestável á conservação, não resistindo mesmo ao pro- 
cesso da salmoura. 
Em 1875, o Dr. Koy, medico inglez, iuslituio sobro as 
propriedades do s'ucco digestivo da carica papaya uma 
serie de experiencias que o Sr. Dr. G. Richelot, desta 
fórma resumio em um folhetim da Union Médicale de 6 do 
Fevereiro do mesmo anuo: 
« Si prenant la solulion de 1 gramme du suc concróté de 
popya (1) dans 3 grammes (Feaii dislillée, on mélange 
10 grammes de viaude de boeuf hachéeà 1 cenlimètre cube 
de cette solulion, et qu’on soumelle le mélange à rébullition 
pendant cinq minutes, on observe alors que la viande est 
devenue à moitié liquide. Nalurellement, on a conlrôlé 
cette exp rience par une expérience comparable. On a 
traité de Ia même façon, mais avec 10 grammes d’eau 
9 
(1) Esta denominação parece ser aquella por que é vulgarmente na índia 
conhecida a planta. 10 
pure, le mème poids de via ode, el celle-ci est restóe inal- 
terée. . 
« Si 1’on se borne à humecler la viande avec une petile 
quantité de la solution ci-dessus, la couche superficielle de 
la viande, qui esl en conlact avec la solution, se ramollit et 
dévient mucilagineuse: ce phenoraène se produil sans 
1’aide de la chaleur. 
« Prenez quatre verres: Metlez dans lepremier 10 gram- 
raes de bceuf cru, dans lo second 10 grammes de blanc 
d’oeuf, dans le troisième 10 grammes de glúten, et dans 
le quatrième 10 grauimes d’arrow-root. Yersez dans chacuu 
de ces quatre verres 3 grammes d’eau pure. Laissez macé- 
rer. Après vingt-quatre heures de macération, la viaude 
est devenue gélutineuse, le blanc d’ceuf est en pulpe, le 
glúten est ramolli el en partie dissous, rnaís Pafrow-rool est 
reste sec et sans changement. Au bout de deux jours, le 
blanc d’ceuf et mêmc le glúten sont coraplètemeut dissous. 
On sait corabien la solution aqueuse de glúten est difficile 
àoblenir.—Par comparaison, les mêmessubstances, traitóes 
par l’eau seule, dans les mêmes couditions, u’avaient subi 
aucune altéralion. 
« La solution de suc concentré de papya à raison de 
00 centigrammes, après avoir óté liltréo, dissout la viande. 
II résult de là, que Pagent dissolvanl du sue de papya 
est soluble dans Peau. 
« Le docleur Roy a examine au mieroscope la vi ande 
soumisc u raclion du suc de papyu. II a constaló uue 11 
désagregalion completo des fibres musculaires; les faia- 
ceaux ólaient dissociés et les fascicules ultimes eu voie de 
séparation. Et, de plus, cliose à prendre eu considóration, 
en ce momeut oíi lu question des microzoaires est à Pordre 
du jour, toute la masse íluide de la viande fourmillait de 
vibrions. » 
O Dr. Holder já havia antes lidooccasiâo de proceder a 
experiencias analogas ásdo l)r. Roy, tendo chegado a resul- 
tados idênticos aos deste observador. 
No primeiro volume do seu recente Tractado de theura- 
petica, occupando-se da pepsina, assim se exprime o Sr. 
professor Fonssagrives a esto respeito (p. 574): 
« Ou fail grand bruit en ce moinent des singulièrcs 
proprietés du suc propre du Carica Papaija de la famille 
des Papayaoées. Ge suc, appellé aussi lait dc mamoeiro, du 
nom vulgaire de 1’arhre qui Ie fournit, aurait la propriélé de 
dissoudre la viande avec une certaine rapiditó... 
« Uu médecin distingué de la marine, le Dr. Roy, pense 
qu’on pourrait employer avec succès ce suc propre comme 
ou emploie la pepsine. II serait certainemeut curieux d'étu- 
dierde plus prés cet agent. » 
O leite quer do caule quer do fructodo mamoeiro só póde 
ser obtido em mui pequena quantidade. E’ absolutamente 
impossível recolher-se quantidade sufíiciente delle para 
uma analyse chimica regular. Nós luclavamos com est i 
difficuldade, quando o Sr. Dr. Th. Peckolt, a quem tive 
occasiáo de communicar esse embaraço, me fez sentir que, 
pretendendo proceder á analyse do leite da carica papaya, 12 
em Cantagallo, renunciára a essa tentaliva pela difficnldade 
de obter a quantidade requerida para tal fim. 
Na verdade, a maior porção do leite do mamoeiro ( do 
caule e do fructo conjunctamenle ) que pudemos recolher 
do um grande numero de fructos e das picadas feitas em 
outros tantos caules foi o de 30 grammas; sendo para no- 
lar-se que concorria muito para esse volume de liquido os 
suecos aquosos simultaneamente extrahidos com o leitoso. 
I)e cinco fructos verdes, dos quaes exlrahimos paciente- 
mente todo o leite nelles contidos, apenas conseguimos 
obter 6 grammas. 
Uma outra circumslancia embaraça consideravelmente a 
analyse,vem a ser a rapidez extraordinária com que fer- 
menta o referido sueco leitoso. Poucos momentos depois 
da sua extracçào, entra em trabalho de fermentação. 
lv ainda esta circumslancia que torna menos facil a ex- 
perimentação dos seus eííeitos physiologicos e therapeu- 
ticos. 
Não obstante, emprehendemos uma serie de experiencias, 
afim de esludal-os e verificar, por nós mesmos, o valor das 
asserções firmadas pelos experimentadores que nos haviam 
precedido neste estudo. 
Ia EXPERIENCIA 
Ern um tubo de experiencias collocamos 10 grammas de 
carne crúa, reduzida a pequenos fragmentos, e sobre ella 
lançámos 1 gramma do leite do fructo verde do mamoeiro, 
diluido em 10 grammas d’agua. 
Em um segundo tubo introduzimos 10 grammas de graos 13 
de feijão (fayol) cozidos e fragmentados, e ajunctamos uma 
solução do leite idêntica á precedente. 
Em um terceiro tubo, finalmente, a 10 grammas de carne 
crua picada addicionamos uma solução alcoolica do leite, 
composta de 1 gramma de sueco e 10 grammas de álcool. 
Estes tres tubos foram conservados fechados por 24 horas, no 
fim das quaes observamos o seguinte : 
No primeiro tubo a carne achava-se quasi inteiramente 
dissolvida e exhalava um cheiro ainmoniacal extremamente 
forte e insupportavel. 
No segundo, a fécula do feijão conservava-se quasi in- 
tacta. 
No terceiro a carne achava-se endurecida, coriacea e quasi 
intacta. 
2a EXPER1ENCIA 
Collocamos em um tubo de experiencias 25 centigrammas 
do succodo fructo verde diluidoein 75centigrammas d’agua, 
ajunctainos 10 grammas de carne crua picada, e submettemos 
o conteúdo do tubo á ebullição durante cinco minutos, á 
chamma de álcool. 
No fim deste tempo toda a carne achava-se quasi diluida, 
offerecendo a consistência de mingáo (bouillie). 
3a EXPER1ENCIA. 
Uma solução do sueco composta de 75 centigrammas de 
sueco em 4 grammas d’agua é lançada em um tubo de vidro 
com 10 grammas de miolo de pão. O todo é submettido á 
ebullição durante cinco minutos. 
A massa do pão fica reduzida apenas a uma substancia 
pastosa, como acontece quando submettida á ebullição com 
a agua pura. O sueco leitoso não exerceu sobre ella uma 
verdadeira accão dissolvente. 14 
4» BXPEftlBNCIA. 
10 grammas de albumina são reunidas a uma solução 
de 1 gramma de sueco do fructo para 10 grammas d’agua, 
em um tubo de vidro. Submettemos o liquido á ebullição 
durante 3 minutos, no fim dos quaes é coagulada a prin- 
cipio pelo calor, e se dissolve depois corapletamente. 
Procedemos logo em seguida a contra-prova. A 10 gram- 
mas de leite ajunctamos 10 d’agua. Submettemos o liquido 
á ebullição durante 3 minutos, no fim dos quaes a albumina 
achava-se completamente coagulada. 
5* EXPERIENCIA 
Em um tubo de vidro lançamos 10 grammas de amido 
cozido e 1 gramma do leite do fructo verde diluido em 
10 grammas d’agua. No fim de cinco minutos de ebullição, 
nenhuma modificação se havia operado no amido, que apenas 
tornou-se mais fluido pela addicção das 10 g-rammas do 
liquido. 
A contra-prova com a addição de ag-ua pura deu resul- 
tado analog-o ao precedente. 
Estas experiencias foram reproduzidas muitas vezes, 
lauto com o sueco do fructo verde, como com o do tronco 
e sempre com o mesmo resultado. 
Delias julgamos poder tirar as seguiules conclusões : 
Io Que o sueco leitoso da carica papaya (quer do tronco, 
quer do fructo) exerce uma verdadeira acção dissolvente ou 
digestiva sobre as substancias azotadas; 
2o Que esta acção dissolvente se opera com a solução 
aquosa, ao passo que a solução alcoolica parece inteira- 
mente inerte; 15 
3* Que o sueco da carica papaya não aclua sobre as sub- 
stancias feculentas. 
Assignada a propriedade digestiva do sueco leitoso da 
carica papaya, passamos a investigar os seus efleitos phy- 
siologicos sobre o organismo, particularmeute a sua acçào 
local, quer sobre o tegumento externo, quer sobre a mu- 
cosa gastrica. 
A applicaçâo do leite do mamoeiro sobre a pelle guarne- 
cida da sua epiderme torna esta ultima mais macia, mais 
lisa, parecendo destruir as saliências que nella existem, por 
espessamenlo mais ou menos pronunciado de certos pontos 
da mesma epiderme. Alguns naturalistas atiirmam mesmo 
que esse leite applicado sobre a pelle fuz desapparecer as 
ephelides que nella existam. 
Para apreciar a acção da substancia sobre o derma e o 
tecido cellular sub-cutaneo procedemos a varias experiên- 
cias, que se podem resumir na seguinte : 
6* EXPERIENCIA. 
Injectamos, ás 6 horatf da tarde, na parte interna da coixa 
direita de um porco da índia, bastante desinvolvido e em 
boas condiçOes de saude, 2 grammas de leite de mamSo, im- 
mediatamente depois de extrahido do fructo verde. Um 
minuto depois começou o animal a soltar gritos, denun- 
ciando dôr intensa, e a andar diflicilmente, arrastando o 
membro em que fôra practicada a injecçao, e lambendo repe- 
tidas vezes a parte interna da coixa direita. Um quarto de 
hora depois, os movimentos tornaram-se mais lentos, o 
animal conservava-se quieto; quando, porém, tocavamos, 16 
mesmo de leve, no membro operado, soltava gemidos agudos 
e executava alguns movimentos forçadamente. Comia, 
comtudo, o capim que lhe era apresentado. O membro pos- 
terior esquerdo podia ser beliscado em toda a sua extensão 
sem accusar o animal dor alguma. 
6 horas e 25 m.— Os movimentos do membro posterior di- 
reito parecem ruais dolorosos ; o animal evita todo movi- 
mento, mesmo fustigado. A sensibilidade geral conserva-se 
intacta. 
6 horas e 35 m.—Começa a andar com rnais desembaraço, 
arrastando, porém, sempre, o membro posterior direito. 
6 horas e 45 m.—Injectamos no mesmo ponto da precedente 
injecção 1 gramma da solução concentrada do sueco lei- 
toso do mesmo fructo. Novos gemidos, o animal torna a 
guardar a immobilidade. Quando é fustigado, move-se com 
extrema difficuldade, p ira voltar promptamente ao repouso. 
Lambe de novo repetidamente a parte interna da coixa 
direita. 
6 horas e 50 m.—Mesmo provocado, nao quer mover-se 
nem andar e solta agudos gemidos quando incitado. 
7 horas.— A temperatura percebida pela mao parece mais 
baixa, a respiração é irregular, por sacadas, e intermittente. 
9 horas da noite.— O animal mostra-se um pouco abatido, 
achando-se o membro posterior direito bastante tetanisado. 
O ponto da coixa em que foi practicada a injecçao acha-se 
coberto de coágulos sanguíneos ; a sensibilidade neste ponto 
ainda se mostra muito exaltada : o animal solta gritos agu- 
dos, quando se procura imprimir algum movimento a esse 
membro. 
O animal foi abandonado até o dia seguinte. 
Na manha desse dia, o membro posterior direito couser- 
vava-se fortemeute tetanisado e extremamente sensivel; a 
temperatura desta parte, assim como a do resto do corpo, elevada. 0 animal conserva-se immovel, mas continua a 
comer o capim que se lhe apresenta. 
Considerável tumefacçao e rubor da parte interna da coixa 
em que fora practicada a injecçao. Nestas condicções per- 
maneceu o animal até a manha do terceiro dia, em que foi 
achado morto. 
Encontramos um vasto foco purulento comprehendendo 
toda a parte interna da coixa direita e uma parte correspon- 
dente do ventre. 
Os outros membros na occasiao do exame ainda se acha- 
vam flaccidos, porem o posterior direito estava completa- 
mente rijo. 
O pus que corria em grande abundancia de uma abertura 
feita com o bisturi exhalava um fétido insupportavel. 
Esta experiencia demonstra, como as analogas que prac- 
ticamos com igual resultado, a acção extremamente irri- 
tante do sueco leitoso da carica papaya. No animal, cuja 
observação acaoamos de reproduzir, a penetração delle no 
tecido subcutâneo determinou tal irritação, que um vasto 
loco purulento, seguido de rapida infecção pútrida, teve 
lugar no curto espaço de 36 horas approximadamente. 
A expressão das violentas dôres revelada pelo animal 
consecutivamente ás duas injecções denota ainda que a ir- 
ritação era violenta e duradoura. 
Pode-se, pois, concluir desta serie de experieucias que o 
sueco leitoso da carica papaya exerce sobre a pelle denu- 
dada ou sobre o tecido cellular subcutâneo uma acção acre- 
mente irritante, capaz de provocar uma inflammação inten- 
sissima da região. 
Para estudar a acção de contacto do leite do mamoeiro 
17 18 
sobre a mucosa digesliva, recorremos á seguinte expe- 
riencia: 
7a EXPERIENCIA 
A’s 10 horas da manha insinua-se no estomago de um 
porco da índia, do maior desenvolvimento e em perfeito es- 
tado de saude, 1 gramma de sueco do frneto verde diluido 
em 2 grammas d’agua. 
Logo depois o animal começa a mostrar-se agitado e a 
fazer esforços para vomitar, sem, comtudo, conseguil-o. 
A’s 10 1/2 horas, os esforços para vomitar desapparecem e 
o animal conserva-se tranquillo, immovel. 
Pelas 2 horas cessam os movimentos repetidos de deglu- 
tição e o animal mantem-se quasi immovel. 
Torna-se aphonico ; fustigado e picado por um instru- 
mento perfurante dá signaes de dôr, mas não solta um só 
grito, como acontece no estado de saude. 
A’s 8 horas da noite, corrimento sanguíneo pelas narinas. 
O animal recusa-se a comer desde o começo da experiencia, 
e, quando algumas folhas são introduzidas á força na boca, 
elle as deglute com muito grande difficuldade. 
Nestas condições conserva-se até á noite. 
No dia seguinte, estes phenomenos haviam-se dissipado 
em grande parte, notando-se na bandeja em que foi o animal 
guardado durante a noite grande quantidade de matérias 
fecaes, e gradualmente foi recuperando um estado de saude 
relativo. 
Oito dias depois reproduzimos neste mesmo animal a ex- 
periencia precedente. 
A’ 1 1/4 hora da tarde injectámos-lhe no estomago cerca 
de 2 grammas do leite extrahido pouco antes de um fructo 
verde de mainoeiro. A.’ 1 hora e 40 minutos, começa a expellir um liquido san- 
guinolento pela boca e pelas narinas. Conserva-se immovel 
e apenas um tremor passageiro da cabeça e dos musculos 
do pescoço se observa com intervallos màis ou menos longos. 
Dejecções repetidas e em grande numero duas horas depois; 
sensibilidade geral normal. A expulsão do liquido sanguino- 
lento continua duraute toda a noite, e o animal conserva-se 
sempre immovel, sem querer comer as folhas e o capim que 
são-lhe apresentados. Nem mesmo forçado elle póde deglu- 
tir; parece experimentar grande dor durante a passagem do 
alimento pelo pliarynge e pelo esophago. 
Durante 48 horas este estado perdura; apenas o animal 
recupera um pouco os movimentos e acceita, afinal, algum 
capim que lhe apresentámos. Na tarde do terceiro dia, apre- 
senta va-se immovel, extremamente abatido, com a tempe- 
ratura muito baixa e em completa resolução de membros. 
Este estado, que observámos desde 1 hora da tarde, foi-se 
accentuando gradualmente; a respiração foi-se tornando 
mais difficultosa e irregular, e, finalmente, ás 5 horas da 
tarde o animal succumbio 
Aberto immediatamente o ventre, encontrámos abundancia 
de liquido na cavidade peritoneal; o mesenterio averme- 
lhado, as grossas veias muito túrgidas; o estomago, que 
continha ainda algum alimento, sem haver soffrido a menor 
elaboração (capim e folhas trituradas pela mastigação), tinha 
a mucosa violacea, sobretudo, na grande curvatura do orgão, 
e uma ulceração, situada na parte média dessa curva- 
tura, compromettia todas as túnicas da parede gastrica. 
Sobre esta ulceração achava-se um coagulo sanguineo, que, 
retirado, deixava ver que a túnica peritoneal havia sido 
também invadida pelo processo ulcerativo. 
19 20 
Esta experiencia, bem como as lesões descobertas pela au- 
topsia do animal, indica qual o gráo de irritação que póde 
determinar a ingestão em dose alta do leite da Carica Pa- 
paya. Pode-se consideral-a como uma substancia causlica 
e corrosiva, tão profundos, rápidos e violentos são os 
eíTeitos do seu contacto sobre a mucosa digestiva. 
Ora, sendo o leite da carica papaya um verdadeiro toxico 
cáustico, é de toda a conveniência que os ensaios que hajam 
de seguir-se sobre o homem sejam feitos com a maior pru- 
dência e cautela. 
Da precedente experiencia ficou também demonstrada a 
sua propriedade purgativa e essa se exerce em larga escala. 
Julgamos, sob este ponto de vista, poder classificar essa 
substancia entre os drásticos. Segundo Desjardins (1), ha 
um meio de evitar os eíteitos corrosivos da carica papaya, 
vem a ser a cocção. E’ assim que este practico assegura 
haver observado os bons effeilos do leite de mamoeiro como 
aulhelmiutico. Elle acredita ser este o vermífugo mais activo 
da matéria medica, administrando-o na dose de 4 a 8 
grammas (depois de submettido a cocção em banho-maria), 
misturado com parles eguacs de oleo de ricino. 
Assevera mesmo o Sr. Desjardins que uma só dose desto 
vermífugo é suíBciente para provocar a expulsão de uma 
quantidade, ás vezes prodigiosa, de ascarides lombricoides. 
Propriedade idêntica possuem as sementes, e, sob este 
ponto de vista, julgamos preferível a administração destas 
(I) Dict. de mèd. de Littré et Robin. ultimas ao leite, embora se modifique pelo calorico a sua 
acção desorganisadora sobre os tecidos. Essa propriedade 
parece residir no acido resinôso encontrado na referida se- 
mente. 
Este acido foi isolado pelo Sr. Dr. Tb. Peckolt (1), trac- 
tando clle as sementes frescas com hydrato decai e álcool 
em ebullição e separado pelo acido muriatico. Elle apre- 
senta-se sob o aspecto de um pó amarello e de sabor pi- 
cante. 
À nova propriedade therapeulica que se póde attribuir 
á carica papaya vem a ser a de actuar sobre os alimentos, 
como acontece á pepsina; sendo para notar-se que, assim 
como esta, exerce aquella a sua influencia digestiva sobre 
as substancias albuminoides. 
Ainda quando, porém, osta propriedade digestiva fosse 
superior ou mesmo egual á da pepsina, a aequisição do 
leite do mamoeiro tornar-se-bia extremamente difficil pela 
diftieuldade não só de obter-se uma quantidade suffieiente 
do referido sueco, como ainda se tornaria impossível a sua 
conservação. A sua acção profundamente irritante constituo- 
se, além de tudo, um grave embaraço para a sua adopçào 
na lherapeutica das dyspepsias, visto como, na dose em que 
poderá actuar vantajosamenle nesse sentido, os eífeitos muis 
ou menos activos de irritação se demonstrarão. Portanto, 
sem entrar em mais largas considerações a este respeito, 
julgamos poder assegurar desde já que o sueco leitoso do 
mamoeiro está longe de poder substituir ouegualar á pep* 
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(I) Annlyses de matéria medica brazileira. Rio de Janeiro, 1868. sina no Iraclamtnto das dyspepsias. Será sem duvida um 
anthelminlhico poderoso, eutil, mas não satisfará, quanto a 
nós, aos usos therapeuticos em relação ás aíTeoções gástri- 
cas. 
Não se poderá, entretanto, na mesma planta encontrar 
outro orgão seu capaz de preencher o mesmo fim ? 
Para verificar esta hypothese procedemos a estudos so- 
bre as folhas da arvore, com os quaes chegamos aos se- 
guintes resultados: 
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8a EXPERIENCIA 
De uma decocção concentrada das folhas da carica papayn 
tomamos 10 grammas, que foram lançadas em um tubo, 
onde collocamos G grammas de carne crua reduzida a mui 
pequenos fragmentos. Submettemos o liquido â ebullição 
durante 3 minutos. A carne, então examinada, achava-se 
convertida em uma massa de aspecto gelatinoso e que fa- 
cilmente se podia esmagar entre os dedos. A contra-prova, 
operando-se com aguasimples, deu-nos resultados negativos. 
9a EXPERIENCIA 
10 grammas da mesma decocção silo lançadas em um 
tubo de experiencias, onde introduzimos G grammas de 
gelatina. Depois de 3 minutos de ebullição, a gelatina es- 
tava inteiramente dissolvida. O tubo foi posto á parte e 
24 horas depois a gelatina conservava-se liquefacta, conver- 
tida em um liquido xaroposo. 
A contra-prova feita com agua simples deu em resultado 
a dissolução da gelatina durante a ebullição, solidificando- 
se novamente esta depois do completo resfriamento. 23 
10a EXPERIENCIA 
As mesmas experiencias precedentes foram repetidas com 
a albumina e o resultado correspondeu ao obtido em re- 
lação às outras substancias albuminoides. 
Por estas expericncias (ic»i claro quo o producto da de- 
cocção das folhas da carica papaya exerço sobre cerla 
ordem de substancias uma ncção analoga á do sueco lei- 
toso do tronco e do fructo verde. 
Sendo nulla ou mui pouco pronunciada a sua acção irri- 
tante sobre u mucosa gastrica, não haverá que hesitar na 
sua inteira substituição ao sueco leitoso para as opplicações 
thorapeuticas. 
No intuito, pois, de introduzir na thernpeutica esta util 
planta, procuramos obter do sueco das folhas o fermento 
digestivo a que deve ella a sua importante propriedade. 
Demos preferencia ao sueco das folhas por já havermos 
experimentado, em nós mesmos, a sua infusão concentrada 
e verificado que o liquido, ingerido em pequena dose, não 
determina nenhuma acção de contacto irritante apreciável. 
Obtida uma certa quantidade de sueco, extrahido das 
folhas recentemente colhidas, filtramol-o, recolhendo um 
liquido amarello-esverdeado e turvo. A’ esta solução fil- 
trada ajuntamos o duplo do seu volume de álcool absoluto. 
Pouco e pouco foi se formando um precipitado ílocconoso, 
que íicou depois sobre o filtro. Esta substancia obtida, de 
côr ligeiramente esverdeada, amorpha, não é ma is do que o 
fermento da carica papaya, uma verdadeira pepsina vegetal, 
que denominamos cancina. Ella póde ser ainda purificada por novas precipitações e dissoluções, e secca com precau- 
ção em uma estufa, de uma temperatura nunca superior á 
40 gráus. 
EUa é insolúvel no álcool e perfeitamente solúvel n’agua 
distillada. Os ácidos fortes, como o chlorhydrico e o ní- 
trico, não actuam sobre ella ; o mesmo succede coui o bi- 
carbonato de soda, do potassa e com a potassa caustica. 
A caricina póde ser obtida na proporção do 4 °/0, pelo 
menos a fornecida pelo sueco das folhas. 
Queremos crêr que o mesmo succeda com o fermento ex- 
trahido do sueco das outras partes do vegetal. 
A caricina póde, pois, rivalisar com a pepsina, empre- 
gada nas condicções em que costuma ser usado este fermento 
animal. 
Nós ensaiamos, á principio, a solução aquosa da caricina 
em nós proprios e em diversas pessoas, notando todos nós 
que a digestão operava-se mais facilmente, sem, entretanto, 
experimentarmos o menor symploma de irritação gastrica. 
A caricina deve, cumtudo, ser empregada em menor dose do 
que a pepsina animal, visto que a sua acção parece ser mais 
energica que a desta. 
llesta, pois, á pharmacia appropriar-se de tão util aequi- 
sicão therapeutica para facultar a divulgação da pepsina 
vegetal. 
Aos nossos collegas do Brazil recommendamos o ensaio 
d’esta substancia exclusivamente tropical e que, pela extre- 
ma abundancia do vegetal em nosso clima, como pela sua 
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facil preparação, pode ser posta ú venda por um baixo 
preço. 
IXão devemos, todavia, levar muito longe nosso enlhu- 
siasmo, antes de mais largo emprego da caricina. Artes 
de novos factos devidamente observados, não ousaremos 
apregoar a eílicacia sem limites d’este fermento nas diver- 
sas aíFecções do tubo digestivo. Isto tem tanto mais razão 
de ser, quanto a nossa experiencia e assidua observação 
têm-uos demonstrado que as indicações para o emprego 
eSicaz da pepsina animal são muito mais reduzidas do 
que geralmcrte se pensa. 
FIM