INFLUENCIA DAS EXPERIENOIAS PHYSIOLOGICAS SOBRE 0 PROGRESSO DA MEDICINA PRATICA PELO IDPi. J-. E.. TBTXBIKA. IDE SOUZA RIO DE JANEIRO TirPOGRAPHIA ACADÉMICA 73 RUA SETE DE SETEMBRO 73 1879 DISSERTAÇÃO O Da influencia que têm exercido as experiencias physiologicas no progresso da medicina pratica II a été moins fait pour Ia médecine d’Hyppo- crate à Fagon que d’Harvey à Claude Bernard. (P. Lorain.—Tempêrature du corps humain, 1877.) .... Medicine is undergoing a great revolu- tion; and to one it is certain thatwe liave arrived at the epoch in its history wliieh demands that the truth in science and the truth in art shouid no longer kept ascender— (Bennett.— Clinicai lectures, 1868.) PRELIMINARES II y a plus à faire à interpreter les interpre- tations qu’à interpreter les choses. (Montaigne.) Para evocar â barra do tribunal clinico e instaurar processo decisivo âs noções abstractas que está amontoando o progredir in- cessante e rápido da physiologia moderna, nao só a magistratura da critica histórica nao fez soar ainda para todas a solemne hora do julgamento, como fôra mister alliar ao eminente valor do sabio a summa autoridade do pratico, à instrucçao difflcil e fecunda dos laboratorios, o habito das enfermarias, a vida longa dos hospitaes. Escolhendo o presente assumpto para ponto de dissertação de uma these inaugural, por esta e outras razões de nao somenos al- cance, aventuramos-nos a rude labor, a temerário emprehendi- mento. Sem duvida que deslumbra a manifestação inicial esplendida das sciencias biológicas que ora vemos surgirem, revestindo o ca- rácter severo e franco da positividade em sua emancipação quasi total do poderio violento e despotico das concepções mistico-phi- losophicas ! Poderemos, pois, ser indifferentes, nós que nos achamos no dominio do concreto, no terreno das applicações uteis ; nós, clinicos, havemos de mentir á sa lógica scientifica, e, retrahindo-nos â tenda do empirismo tradicional, deixar passar a caravana explora- dora que vai rica de investigações ferteis e nos offerece já tantas conquistas inalienáveis ? 6 Esta evolução é deste século, é contemporânea, fazem-se á nossa vista as transformações radicaes a que assistimos maravilha- dos, sem poder medir, sem prever mesmo toda a extensão no futuro. Si o methodo não é recente, novo é o caracter de seu pro- gramma, e ha quem se ufane ainda de intitular-se seide de theorias gastas, de pura verbosidade scientifica. Mas com serem de trinta annos, a bem dizer, com serem de hoje, devemos negar ou amesquinhar a importância de tão fru- ctuosos resultados ? E’ verdade que o numero dos factos adquiridos pela experi- mentação physiologica em reiterados descobrimentos, quer pela quantidade e disposição desordenada, quer por falta já de uma só interpretação bem filiada e irrecusável, fatiga e enleia a intelligencia. E’ o aturdimento da riqueza ! Entre tantas gemmas preciosissimas a aspera tarefa consiste em examinar as de mais fino quilate, em escolher as de melhor agua. Porém, como avaliar de animo fôrro os productos experimen- taes, quando nos proprios clássicos que dogmatisam sobre o estado presente da sciencia physiologica os vemos dispares e na apparen- cia inconciliáveis, sem que a instituição de uma critica efficaz, firme em todas as condições, senhora de todas as circumstancias que os originaram, vá distribuindo em parcellas homogéneas de um lado os depurados e evidentes e de outro os inadmissiveis por viciados e incompletos ? Vai nisso o que poderá dar certa leveza e tornar culpa venial a dos que, atidos a ideias peccas, averbam de inúteis á pratica medica, de simples curiosidades zoologicas, ou diversões de gabine- te, aos dados experimentaes. E’ mais facil exprimir uma repulsa, de que seguir a verdade ás calmas regiões onde vão morrer sem força as tempestades das controvérsias banaes. Quotidianamente ouvimos que a medicina não póde aspirar a sciencia exacta e deixar de ser um acervo de conjecturas prefcen- ciosas, uma arte imperfeita emquanto se não souber o que é a vida em sua essencia ! Esta herezia scientifica passaria sem mais reparo, se não andassem com a turba incompetente a repetil-a ainda muitos da profissão medica ! Arrazôa-se hoje nesse sentickfdo mesmo modo que outr?ora ; os arg*umentos detractores são quasi sempre assim, nem mais vigo- rosos, nem mais subtis, e por estacionários julgam-se de pedra. A taes asserções ocas e impavesadas redargúem as affirmações enér- gicas dos factos que não param em extasis contemplativos estereis. Ora, é uma cousa supposta fatal e indispensável que os pheno- menos estejam subordinados á invariabilidade de leis cujo pesquizar resume toda a especulação positiva de outra sorte impraticável; e os actos dos organismos, por mais complexos que sejam, nao escapam a este requisito, unico susceptivel de leval-os á previsão. E’ o que Claude Bernard insiste em chamar o derminismo phenomenal. Entre o precisar das leis puramente physicas e o das leis biológi- cas ou vitaes a distincção essencial está em que o destas é de uma determinabilidade excessivamente mais delicada. Também, só o habito theologo-metaphysico de philosophar, que ainda algema um bom numero de intelligencias, é que permitte affirmar agora que os phenomenos da vida não são regidos por principios immutaveis, mas sujeitos a forças indeterminadas ou so- brenaturaes. E’ em virtude desta mesma deplorável anarchia que os que não mais trepidam em considerar a astronomia, por exem- plo, verdadeira sciencia, embora não conheça nem se preoccupe ella com saber o que é a gravitação em essencia, acham-se pouco dis- postos a dar fóros scientificos á biologia, que faz praça de ignorar o que seja a causa primeira da vida. O conhecimento completo da historia do progresso intellectual é que mostra ao homem que tentar estabelecer e resolver as insolú- veis questões de origeáa e de causa primordial, que se suppõe ser uma tendencia nativa do espirito, não é outra cousa mais do que vicio de methodo, de tradição e de habito. Foi este exame analy- tico que fortaleceu a physica e a chimica ensinando-as a limitarem-se á investigação da lei e do modo de sua execução, e vigorisa já tantas cabeças adstrictas neste momento em biologia ás modestas, mas fecundas regiões do relativo, do cognoscivel, na feliz expressão de Herbert Spencer. A biologia abstracta, quer pela anatomia (statica), quer pela physiologia (dynamica), percebeu que se não cura mais de apprehender um principio vital phantastico a presidir funcções e combater mo- léstias (a anima de Stahl ou o archeu de Van-Helmont), mas sim 8 determinar as propriedades irreductiveis, immanentes á matéria or- ganisada, que estabelecem as condições physico-chimicas da vida. E’ nesta direcçáo triumphal da biologia abstracta que a biologia concreta ou historia natural, da qual fazem parte a pathologia e a therapeutica, se está enriquecendo de immarcessiveis louros. A lei da uniformidade dos phenomenos hygidos e morbidos, proclamada por Broussais e verificada por Bernard, Wirchow e todos os experimentadores, nao dá mais logar ao receio de Bordeu de um consorcio forçado entre o dogma e o empirismo. O empirismo, no valor philosophico e completo da expressão, nao deixará de ser nunca jámais o ponto de partida da medicina scien- tifica, porém só a esse emprego instrumental provisorio se deverá restringir ; nao passar d’ahi e querer tocar com a mao o progresso, é dar costas ao rumo, é pretender ver para diante com os olhos voltados para traz. Comprehendemos facilmente que guardem o que traz o gran- de visto do passado ; mas, que o mantenham só por vir de longe quando mudaram todos os motivos de permanenCia activa, equivalêra alimentar a esperança de em um dia galvanisarem-se múmias. Este falso amor á tradição nao detem a physiologia contemporânea que sabe ser necessário verificar o que foi simplesmente observado, e basta olhar sempre em frente para notar a avultarem e crescerem importantes factos já tantas vezes vistos quantas nao percebidos. A missão das gerações novas é accumular o capital legado pelas velhas gerações com os juros que vai vencendo o desenvolvi- mento collectivo da intelligencia humana. Quando nao fossem multiplicadas as acquisições experimentaes e sumptuoso o portico do diagnostico physico levantado por ellas á pratica moderna, para legitimar o impulso actual fora sufificiente o conhecimento de vários termos da acttvidade nutritiva, da dfferença nas propriedades das duas raizes anteriores e posteriores dos nervos rachidianos, das circulações locaes e das funcções vaso-motoras, recentes descobri- mentos estes que caracterisam mais profundamente a arte hodierna do que mesmo o da circulação geral com que Harvey de um só golpe exautorou a antiga medicina. Certo, tolhe-nos a evidente incompetência para rever variadis- simos experimentos e traçar aqui o inventario critico do estado das questões physiologicas em suas applicações numerosissimas á cli- 9 nica. Depois, como ter por firmado que a utilidade que nos escapa hoje deixe de ser amanha attendida e aproveitada *? Não obstante ao sahir dos bancos escolares para a lide afanosa da clinica esforçar-se a intelligencia para, collocando-se em um ponto de vista largo e synthetico, considerar o modo mais scientifico de interpretar e resolver os mais geraes problemas que se lhe apre- sentarão constantemente, exija embora esta operação requisitos raros e superiores, sempre nos pareceu altamente apropriada e util. Si em face de um enorme quadro dirigirmos-nos logo edeti ver- mos-nos a examinar em o recanto da téla as evoluções ligeiras de pequenas curvas, correremos o risco de não adquirir ou de perder a forte impressão do conjuncto, que é tudo. E’ forçoso tirar a limpo o que em muitas circumstancias nos dá a theoria para amanharmos com exito o terreno arido da pratica. A physiologia, base da medicina clinica, não é para todos, como devera, uma verdade incontestável. A sciencia experimen- tal é arvore pejada de viçosos fructos e por isso mesmo sujeita ao desacato dos assaltos. Negativas e duvidas aventam-nas homens de effectiva noto- riedade para que se lhes recuse discussão. Além disso, como em toda a parte e para todo o progresso pullulam eterno impugnadores apparentemente bem autorisados, carece levar funda a convicção que as investigações opulentas da physioiogia, patbologia e thera- peutica estreitamente unidas já têm revolucionado a arte de curar e marcham assentando em campos não exbauridos o território vasto de sua grandiosa actividade. Achar-se-hâo neste trabalho em contribuição continua as ideias dos autores que nos guiaram, muitas mesmo tomadas em segun- da mão : exigiam um tal feito a natureza do nosso assumpto, o plano que adoptámos e a falta de recursos de todo ogenero. Também convém notar aqui que, qualquer que seja a matéria destas disserta- ções monographicas, não cessarão de ser compilações mais ou menos felizes da velha escola anatomo-patbologica, ou catalogos de obser- vações, de circumstancias já mais ou menos apreciadas, emquanto se não poder abrir entre nós, como já o conseguio Ludwig na Allema- nha (Leipsig), a perenne fonte de modestas e bem trabalhadas memórias originaes, instaurando, a par de ensino clinico impres- cindível, uma clinica de investigação experimental. Assim, si nao dissimulamos a dificuldade, não fazemos alarde de ousadia. A benevolencia dos que nos julgarem manifestar-se-ha na consideração dos que entendemos serem bastantes e rigorosos motivos de nossa escolha. E’ como nos apresentamos ao juizo dos que nos lerem. PRIMEIRA PARTE I Summario.—k arte de curar precedeu a medicina scientiíica.—Razões históricas desta Inversão lógica.—Períodos de evolução e necessidade de elementos subsidiários. —Matéria organisada.— Noções positivas sobre sua constituição e attributos.— —Vida vegetativa e vida animal.—0 caracter essencial da vida está na nutrição e o da morte na inanição dos elementos anatómicos.—Idéas de Virchow e Claude Bernard.—Da filiação chronologica deduz-se a filiação dogmatica.—Van- tagens da classificação positiva de nossos conhecimentos.—Reforma ulterior : a sciencia guia a arte.—Medicina arte ou sciencia ?—Duplo caracter scientifico- artistico da clinica. E’ de importância fundamental examinar rapidamente aqui como se estabelecem os mutuos serviços e as intimas relações entre a sciencia e a arte, a theoria e a pratica. Posto que nossas faculdades especulativas tendam espon- tâneas a percorrer diversas phases e estádios, mesmo nas intelli- gencias as mais bem conformadas esta pregressao é vagarosa e necessita de um impulso energico e constante. Entre os productores desta força o mais poderoso e inevitável nasce das urgências da applicaçao. « Nao ha sciencia cuja marcha devesse ter sido tao es- treitamente ligada ao desenvolvimento da arte correspondente, como mostra a historia da biologia comparada á arte medica; a supe- rior complicação de uma tal sciencia e a importância preponderante de uma tal arte explicam facilmente esta connexao tao intima. » (Comte). Todavia a lógica parecia provar que o inverso devêra succeder. Mas, ao em vez da lógica, a historia nas primeiras por- tadas das idades primitivas apresenta-nos o homem, em luta pela existenci i, a apparelhar armas e utensis, e descobrir remedios para as suas dores, antes que as noções mecanicas, chimicas e physio- lógicas o fizessem suspeitar os naturalíssimos princípios que são o alicerce pujante dessas operações. A complexidade immensa dos phenomenos gerados nos seres vivos não podia de modo algum ser percebida em suas connexões estreitas, sem que o conhecimento prévio, mais ou menos per- feito do meio exterior, fosse mostrando que factos apparentemente mysteriosos conseguiam-se reduzir a condições cada vez mais simples. Certo, a impossibilidade evaporou-se, desde que a pe- quena somma de saber positivo sempre a crescer attingio o ponto de affirmar que a matéria organica é simples modificação da inor- gânica ou mineral, e mais tarde que a matéria organisada não passa de um caso particular da matéria organica. Em face da estranheza, do imprevisto e incoinprehensivel que ostentava a moléstia, julgava-se assistir á erupção da cólera di- vina a punir precitos, ou á influencia maléfica de potestades sobre- naturaes em ludibrio feroz com a humanidade soffredora. A pra ■ tica nessas idades fetichicas consistia no uso dos exorcismos ou de substancias mysteriosas. Com as regularisações sociaes enfe- charam-se as multiplicadas observações de curas maravilhosas attribuidas a um Deus protector da saude, e as tradições da pratica recolheram-se aos templos. Eram estes os hospitaes, onde o sacerdote fez-se medico e a prece tornou-se o medicamento efficaz. A primeira exhibição da arte de curar por entre as densas caligens theologicas, da medicina theurgica, conserva ainda ves- tígios indeleveis de sua passagem no seio impressionavel das massas rudes e supersticiosas. Depois, os theoremas geométricos e os ligeiros dados da as- tronomia e da physica terrestre surgem, tenue scentelha, por entre os nevoeiros intellectuaes, e os ensaios reservadissimos e temerários da grossa anatomia animal, ajuntando uma parcella. mais â somma scientifica, levam Hippocrates a arrebatar a arte ás naves sagradas, a olvidar as tradições mythicas e a contem- plar a natureza que o rodeia. Hippocrates começa de ensinar que as moléstias dependem de uma causa natural, e mais que cada estado morbido denuncia-se por uma manifestação typica. O as- pecto do doente, o habitus externus é observado, os symptomas são colleccionados, as influencias das agoas e dos climas attendidas na propagação das epidemias ; e as grandes theorias das crises e da constituição medica formularam-se com toda a imperfeição primitiva que lhes deu o caracter de intencionalidade. Comtudo, a especulação hyppocratica havia apanhado já o que ha de esseucialmente capital no facto pathologico. Si fosse dado a esta idéa o ser seguida e explo- rada, por um processo puramente racional chegar-se-hia desde logo á relação estreita entre a saude e a moléstia ; mas, não existindo a noção de lei pliysiologica, considerou-se a doença alheia ás cir- cumstaucias condicionaes da saude e cousa essencial e independente. A. natureza medicatriz era a força capaz de curar e o unico recurso das escolas de Cós e de Cnido. Galleno guarda o legado hyppocratico e o dos médicos alexandrinos, aproveita-se da metaphysica grega, principalmente dos estudos aristotelicos da natureza, e fanda a poly- pharmacia com os trabalhos da therapeutica empirici de Scribonius Largus e de Dioscoride : a arte ganha em recursos medicamentosos, porém a impossibilidade de uma direcção positiva leva Galleno a subordinar suas tentativas de experiencias anatorno-physiologicas ás affirmaçOes desvairadas de sua pratica. E’ de notar que a physica permittia então noções mais claras e geraes sobre o denso, o movimento, o estático, o fluido, o volátil, o doce, o acre, o frio, o calor; porém o espirito metaphysico ahi estava a fazel-as dependentes de forças particulares e multiplices. Durante os mil annos da escolástica, a pratica medica grego-romana não se perde, mas fica suffocada entre as fachas da theosophia e dialectica, e essas forças, tornando-se de mais em mais subtis, são referidas a creações phantasticas e magicas. O largo cyclo hyppocratico-gallenico representa os ensaios metaphysicos da segunda phase da medicina, cujos apologistas e mesmo continuadores puros são numerosos ainda entre os retarda- tários e timidos. Em um tempo menos remoto, em que da alchimia nascêra a therapeutica de Paracelso, brotara a chimica ; a mecanica e a phy- sica possuem melhores noções, e Yésale conseguira já illudir as per- seguições inquisitoriaes, percorrendo com seu escalpello a topogra- phia organica ; Harvey e Aselli poem á claro a infinita proficuidade do methodo experimental em medicina pelas primeiras tentativas, que tantas bastaram para o descobrimento da grande circulação do sangue e da circulação lymphatica. Quarenta aunos mais tarde é dado a Boerhaave o dizer : « D’ora avante a medicina póde ser cultivada fóra de toda seita, porque lioje a dirigem certos feitos em a anatomia, 11a botanica, 11a chimica, na physica, na mecanica e na própria pratica. » O professor Daremberg' que cita e traduz estas linhas das Institutiones commenta-as nos seguintes razoaveis termos : « Certa- mente não se poderia contestar o numero, nem a grandeza destes descobrimentos no tempo de Boerhaave ; mas, como se tem visto, os usos que delles fizeram os médicos, sem excepção do proprio Boerhaave, provam bem que as mais bellas invenções em anatomia, em physiologia e mesmo em mecanica pouco aproveitam ao progresso da medicina quando uma clinica séria não lhes vem em auxilio, e quando, longe de adstringirein-se ao caminho da observação e da experiencia, aproveitam-se precisamente estas invenções quer para apoiarem hypotheses caducas, quer para formarein-se novas sobre a physiologia ou a patliologia. » Cada progresso tem seu tempo proprio e está incessantemente a suscitar maiores explosões. Morgagni e Haller são no ineiado do XVIII século os promotores mais salientes e decididos do verda- deiro methodo nos estudos biologicos. O fundador da anatomia pa- thologica tende a penetrar no modo de formação e natureza das moléstias, confrontando-lhes os symptomas com as lesões paten- teadas na autopsia; e Haller, esforçado operário da physiologia experimental pela escrupulosa precisão de suas experiencias, em- penlia-se na analyse das diversas partes do corpo, distinguindo as irritáveis das não irritáveis, as sensíveis das insensíveis. Estes estudos não podem triumphar immediatamente pelas forças que lhes oppõem a inércia dos preconceitos e o espirito argucioso da velha lógica. Nesse tempo a pratica, imperita ainda para conhecer os es- tados morbidos Íntimos da economia, deixava passar sem reflexão as graves e frequentes affecções pulmonares-cardiacas que ella não sabia apprehender, seguir e combater passo a passo. Quando a organização chegou a ser considerada não mais em sua superficialidade gengraphica, porém em sua structura geologica, se me permittem taes expressões, é que os trabalhos seculares tor- naram-se fecundos. Foi nos princípios do presente século que 0 espirito superior de Bichat levou de frente a reforma capaz de tolher toda reacçâo para o passado e emiaentemente própria a alentar a coragem do futuro. Desde que Bichat destacou e descreveu tecidos determinados, ajuntando-lhes a classificação correlativa de propriedades também de- terminadas, os elementos analyticos do problema biologico ficaram traçados por mão de mestre, a anatomia e a physiologia recebiam o mais agigantado e vigoroso impeto no solo firme das idéas positivas. Entretanto os phenomenos physico-chimicos produzidos no orga- nismo não eram apreciados ainda em todo seu valor, de modo que o genio reformador sabisse puro da atmosphera confinada das dou- trinas vitalistas em que vivia : d’ahi suas exageradas proposições sobre a differença capital entre as forças physicas e vitaes. A physiologia moderna ficou incumbida da rectificação e a vai fazendo, declarando que, si a physiologia não é em sua essencia pura, nem phvsica, nem chimica, e fica irrevogável e indestructivel a au- tonomia hierarchica que lhe deu Bichat, as propriedades biológicas decorrem directamente das energias physico-cliimicas. Por essa época de extraordinária actividade é que as partes menos avançadas da pratica submettem-se irresistivelmente e com vantagem immensa ás applicações combinadas da physica e da anatomia pathologica. Avenbrugger, Corvisart, Piorry e Laenec notaram que os orgãos per- cutidos e auscultados emittem sons e produzem sensações tactis corre- lativos ao seu estado structural normal e pathologico ; e os ruidos que acompanham as alterações respiratórias e os batimentos cardio- vasculares são phenomenos dependentes da densidade do tecido pul- monar, do calibre dos vasos e modificações intimas do coração que a necropsia revela. A acústica guiou o espirito medico e poz á dispo- sição da clinica os processos irnmedialos e mediatos de reconhecer os ruidos morbidos e physiologicos, de comparal-os e aquilatar-lhes o valor semeiotico para um diagnostico positivo. Na combinação complementaria e imprescindivel do plessi- metro e do stethoscopo viam os que então se estreiavam na medicina clinica abrir-se o manancial de ricos proventos que a nova geração não cessa de aprofundar, como bem demonstra uma das applicações mais recentes e interessantes que deste genero de diagnostico physico fez, entre outros, Depaul á determinação exacta da prenhez e de certas condições do feto na cavidade uterina. Com os subsidios physicos da percussão e auscultação, podiam jà os nossos inciadores modernos, deparando-se-lhes grande numero de vezes o morbo devastador, avisinhar-se seguros do leito do enfermo sem que dahi os afugentassem os tormentos moraes que em nossos maiores despertava a consciência de iningoados recursos. A. nosologia, a debater-se no cahos clamava por fiat lux e o ouvio de Broussais, o mais fogoso e brilhante dos reformadores que surgi- ram do seio da sciencia medica. Broussais firma-se na sabia divisão dos tecidos dada por Bichat e perante ella exprobra os systemas de pathologia que consideravam a economia em massa e como essenciaes ou primittivamente geraes affecções definidas e Incaes. O ousado doutrinário de « Yal de Grace » escreveu em seu es- tandarte desfraldado :—Em nome da medicina physiologica—e ati- rou-se de viseira erguida na arena de encarniçada pugna até hoje sem exemplo nos annaes das sciencias. Foi a primeira vez que em propaganda tão apaixonada e vehemente se vio a palavra medicina ligada por um pratico ao epitheto de physiologica ; mas convém notar que a palavra physiologica escreveu-se aqui para oppor-se á expressão ontologica com que Broussais sabiamente designava a me- dicina de seu tempo. Pena é que as experiencias physiologicas de que dispuzesse o reformador para as applicações â pathologia não ultrapassassem então o âmbito estreito em que alcançaram collo- cal-as, as theorias de Haller sobre a irritabilidade. Prefaciando um dos seus mais bellos livros « L’irritation et la folie » e definindo o methodo physiologico, declarou Broussais : «Não é a abstracção vida que se trata de estudar, mas os orgãos vivos, pois nem as forças nem as propriedades podem ser consideradas in- dependenteinente dos orgãos e dos tecidos. E’ portanto indispensá- vel que o medico tenha sempre a matéria dos orgãos presente a seu espirito. » A insuflficiencia de leis physiologicas, a falta de disci- plina experimental, não eram para arredar e fazer recuar do despe- nhadeiro dos systemas o espirito revolucionário e dogmático de Broussais. Também foi a primeira vez que se vio um systema me- dico apparelhar-se com todos os dados da observação de sua época. Parecem trazer o cunho da actualidade estas incisivas palavras : « O que curou uma moléstia sem apreciar com recfcidão as modifi- cações physiologicas por meio das quaes operou tal cura, não tem certeza de reconhecer nem curar a mesma moléstia, quando se apre- sentar ella de novo ; donde resulta necessariamente que nem os successos nem os revezes dos ontologistas servirão a tornal-os bons práticos nem a habilit.al-os a formar outros. » Não se sabe o que mais admirar aqui, si o desmedido alcance da idéa concebida ha quarenta annos, si o recto e firme do golpe que ainda córta justo, como si o vibrasse agora a vigorosa mão do denodado campeao. Das demasias da celebre cruzada e suas deducções intempestivas e falsas resente-se a pratica contemporânea. Foi nessa luta que se formou a grande escola da observação pura ou organo-patbologica da qual sahiram os Louis, os Chomel, os Cruveilhier, Grisole, Trousseau, Andral e Bouillaud. Estes dous úl- timos eram até 1876 as testemunhas vivas dessa grande effervescencia intellectual e achavam-se collocados como dous postes graníticos entre a sciencia de hontem e a sciencia de hoje. Resta ainda o teste- munho eloquente de Bouillaud. A pratica allemâ teria nesse tempo em Hahnemann uma esperança do bom caminho experimental, si o IUuminismo não o des- viasse da empreza, fazendo de um innovador possivel um simples agitador. Para mais arrojado e certeiro voo carecia a pesquiza biologica de uma direcção que a levasse dos tecidos aos elementos histologicos : já a physica lhe havia preparado no microscopio de Leuwenhoeck a verdadeira bússola anatómica. Desde então só trés elementos, a cellula, a fibra muscular e o tubo nervoso, foram sufficientes para a arcbitectura do organismo animal. O problema ficou excessivamente simplificado. Lavoisier, Berzelius, Raspail e Liebig, penetrando no segredo chimico da natureza dos corpos brutos, observaram que no mundo orgânico nada se extremava do mundo inorgânico, e, contra a idéa de Buffon, demonstraram que alguns gazes e residuos salinos eram todo o material que em ultima analyse continham as cinzas do que vivera. Lavoisier, de balança em punho, estabeleceu experimentalmente a verdade scientifica exarada neste incisivo verso do sabio cautor do— « De natura rerum» —: Ex nihilo, nihil, in nihilum nil posse reverte—; donde seu famoso axioma: Nada se perde, nada se crêa na natureza. O biologista, em face de elementos em via permanente de composição e decomposição, comprehendeu que para formular o problema da nu- trição e obter-lhe o resultado chimico e physiologico era necessário isolar os intermediários dos elementos anatómicos, os preenchedores das lacunas que separam uns dos outros, o nervo, o musculo e a cel- lula. A lente do miscroscopio e os reactivos da chimica mostraram ao anatomista até que ponto á analyse era dado separar os princípios im- mediatos, ou partes constituintes da matéria organisada, além das quaes não se avança sem desarranjo molecular inevitável. A maxima conquista da analogia estava adquirida : o corpo liumano, como o das plantas e dos animaes são regidos por leis ge- raes da matéria e por leis especiaes á modificação molecular que os distingue e caracterisa. A noção fundamental da constituição dos organismos não podia ser mais derogada : era scientifica ! Sabe-se agora que a matéria organizada, quer se apresente semfórma typica (amorpha), como os plasmas do sangue, dalympha, blasthemas ou substancias intercellulares ; quer se ostente sob varias modalidades (elementos anatómicos), como as cellulas, as fibras e os tubos, é constituída pela união molecular intima de tres classes de principios immediatos : Ia, principios de origem mineral, voláteis ou cristallisaveis, entre os quaes observam-se o oxigeno, o hydro- geno, o azoto, o carbono, a agua, o ferro e diversos saes, tendo por base a soda, a potassa, magnesia e ammonea ; 2a, principios orgâni- cos, voláteis ou cristallisaveis, uns, como os saes orgânicos, a uréa, a xantina, a creatina, a cholesterina, etc., productos de desassimilação capazes de accidentes toxicos em permanência na economia, outros proprios á assimilação, como as matérias graxas e as sacharinas ; 3a, emfím, principios de origem organica coaguláveis, de composição chi- mica extremamente complexa, contando um só cristallisavel, a hemo- globina e chamados todos substancias proteicas ou albuminoides. A vida é inherente a estas partes elementares amorpha e figurada de todos os corpos organisados, e seus attributos dynamicos resumem a concepção mais simples e scientifica da vida. Exceptuando-se os seres unicellulares (amibas, rhisopodos, gregarinas, etc.), segundo a adequada imagem de Turpin e Yirchow, representa o organismo vasta confederação ; e da mesma sorte que nas sociedades humanas os individuos colligados constituem os mu- nicipios, estes provincias e estas o estado, as individualidades anatómicas congregam-se para gerar os tecidos, os tecidos os orgãos e estes a economia inteira. Sendo assim, desde que, diz Yirchow : c( um membro qualquer começa de cahir em inactividade nociva á communhão ou leva existência parasitaria á custa do conjuncto, a moléstia irrompe. A moléstia destroe todas as illusões que se possam fazer sobre a unidade substancial do organismo : o soffrimento como a cura só são possiveis emquanto ba na communidade um certo nu- mero de partes sas capazes de viver e ter acção. » Comprehende-se consequentemente, confirma Bernard « que quando, por exemplo, morre um individuo de uma moléstia apresentando uma lesão loca- lisada no tubo digestivo, ou no coração, orgão central da circulação, não é, em derradeira analyse, a moléstia cardíaca ou intestinal que produzio a morte, mas a perturbação destas funcções que desarranjou o mecanismo vital e arrebatou aos elementos textis do organismo os únicos meios regulares pelos quaes podiam elles communicar com o exterior, receber-lhes os excitantes, e assim acharam-se estes elementos na impossibilidade de manifestar suas propriedades e suc- cumbiram : em realidade, é somente a morte destas partes elemen- tares, destas cellulas, o que constitue a morte de todo o organismo. » Agita-se o organismo inteiro em labor perpetuo de renovação molecular. Por entre o meio cosmico exbibe elle o papel dos dyalisado- res a extrahir as substancias assimiláveis e a excretar as desassimi- laveis. As perdag da machina viva tendem a reparar-se immediata- mente ; dos tecidos onde são regeitadas deixam as excreções um vacuo que outras substancias permeiaveis correm logo a preencher. Esse movimento de composição e decomposição, esse vae-vem vital representa o phenomeno da nutrição, a nutrictilidade, attributo dyna- mico primordial dos seres organisados. Os phenomenos de crescimento e deperecimento distinguem a evolutilidade e os de genese e reproduc- ção determinam o terceiro attributo dynamico fundamental o de re- productilidade e natalidade. Todos estes actos essenciaes subordinam-se ao da nutrição que caracterisa por si só a vida e cuja perversão é condição constante de toda moléstia. Mas si a nutrição, a evolução e a genese são propriedades dos elementos anatómicos e têm sob suas dependencias a vida vegetativa,vida commum ás plantas e aos animaes, só dous dos elementos, a fibra muscular que se contrahe e o tubo ner- voso que sente e irradia á distancia manifestações diversas, dão aos animaes o apanagio de outras duas actividades essenciaes, a con- tractiUdade e a nervilidade : a contracção e a innervação defininem a vida animal. A um tempo distinctas e solidarias, essas cinco propriedades entram em jogo mutuo, são as alavancas de todas as mecanicas vivas, 20 e o resultado de seu concurso é tudo o que se observa no harmonioso conjuncto das organisações. Facil é perturbar o equilíbrio de uma molécula da massa or- ganisada em metamorphose incessante ; o frio, o calor, a electrici- dade, as substancias toxicas e medicamentosas podem imial-a, e essa solicitação ao desarranjo do equilíbrio instável, que é a irri- tação, não provoca o irrompimento de nenhuma outra energia au- tónoma e especifica, refere-se sempre a uma das cinco mencionadas actividades fundamentaes : a irritação funceional é o poder de func- cionar, a irritação nutritiva o poder de se*nutrir, a irritação formadora o poder de se reproduzir. O termo irritabilidade vale como expressão synthetica, mas como exprimindo propriedade elementar distincta é ocioso, falso, metaphysico. Assim de aperfeiçoamento em aperfeiçoamento, de generalisa- ção em generalisaçâo foi-nos permittido chegar á phase positiva da biologia, phase em que concebe-se a vida, não principio, não resultado, mas abstracção pura, resumindo o conjuncto das propriedades inhe- rentes, immanentes á matéria organizada. A observação comparada e a experimentação comparada são os processos instrumentaes empre- gados para esclarecer e reduzir o que por longos séculos fôra inexpli- cável e diffuso. E’ que o augmento progressivo das sciencias e a in- fluencia reciproca, longe de atordoarem pela confusão, antes aclaram e harmonizam pelo seriamento, fazendo entrarem umas nas outras as verdades—corollarios—, e por esse facto só restringindo a um pequeno numero o grosso volume das thezes universaes. Está nisso a le- gitimidade do paradoxo leibnitziano — « as sciencias resumem-se por augmento — ». De posse actualmente da noção scientifica da vida,, a ana- tomia e a physiologia não concedem mais entrada em seus umbraes a explicações phantasiosas, a feição das physicas celeste e terrestre, que ricas de leis positivas, repelliram para sempre qualquer inter- venção indébita do ontologismo-mystico. Porém, quantos infatigáveis batalhadores não morderam a arena de pelejar renhido, sempre a reproduzir-se rápido e lento a extinguir-se, para que possuíssemos essas victoriosas verdades tão fáceis de obter ao primeiro imaginar ? A razão de nossa superiori- dade nasce de que contamos agora com temperadas armas defensivas contra a brutal tutela de caducos processos, e damos-nos mais precavidos e discretos a seducção de hypotlieses espúrias. O genio humano é funcção de seu tempo... Só podia ser assim a conquista, palmo a palmo ; precisara que de idade em idade os conhecimentos positivos mais geraes e consideráveis das chamadas sciencias inor- gânicas se fossem superpondo como outros tantos pontos até en- contrar os que constituem a sciencia organica, e desta duplicada linha uma só ficasse prolongada e infinda. No imperfeito esboço que delineamos da paciente e laboriosa genese da biologia vê-se o espirito humano, a medida da compli- cação crescente dos phenomenos, ir reunindo todos os artifícios logicos de que dispõem as sciencias mais simples para manter-se em posição segura de superar obstáculos proporcionaes a maximas diffículdades. A observação, a experimentação e a comparação encon- tram-se congregadas bem á vontade para mostrar neste diffícilimo genero de estudos a soberania de que as reveste um tal congraça- mento. Salta, pois a luz da evidencia que, si ao biologista ou medico é irracional limitar-se a um só, ao primeiro dos tres instru- mentos logicos na resolução de seus graves problemas, é, no entanto, elle o mais autorizado a dirigir-lhes convenientemente a applicação mecanica. Si o physico e o cliimico no meio de suas especialidades mais simples e geraes também os usam, são, todavia, os menos competences para conhecer-lhes as condições exactas e próprias no escabroso terreno do novo emprego. Dos requisitos do espirito biologico e sua lenta evolução nos dá verdadeiro ensino a systematisação scientifica do legislador da « Philosophia Positiva ». A biologia, nessa filiação seriada chronologica e também ra- cional e dogmatica, fórma o penúltimo élo da cadeia que se cerra com a sciencia dos organismos em collectividade social ou a sociologia. Para certeza de que os physicos e os chímicos, sendo aptos para ins- tituir experimentos, não o são para interpretal-os em physiologia ou medicina, não bastam os revezes dos açodamentos funestos a que o enthusiasmo de seus reaes progressos levou-os a identificarem os actos nervosos, por exemplo com os phenomenos electricos, as molés- tias com o máximo ou minimo gráo de alcalinidade e accidez dos humores; é forçosa a instrucção incutida pela lei hierarchica da serie positiva, escaleira, representando outros tantos degráos, um só dos 22 quaes, no dizer de Littré « não póde ser salteado sem prejuízo para a intellig’encia e a instrucção. » Só deste modo perfeitamente apercebida e armada passa a sciencia a servir de guia diligente e fiel aos adiantamentos da arte. A famosa questão de definir as relações entre a sciencia e a arte parece facilmente elucidavel. Com o insigne professor de clinica medica de Edimbourg, Bennett, temos como « lei estabelecida que, mais avançada é uma sciencia especial, mais perfeita se acha a arte correspondente, e que a verdadeira theoria n’uma produz regras fixas na outra. » Proseguindo nesta ordem de idéas, diz ainda o illustre Bennett (e damos aqui suas textuaes palavras) : « The art navigation, for instance, is certain in so far as it is based on tbe Science of astro- nomy, which admit of exact caleulation. In like manner tlie only way of improvisig the art of medicine is to advance the Science of physiology. » Mas de certo o que é a medicina ? arte ou sciencia *? Taes interrogativas têm recebido respostas differentes e aberto vasa a controvérsias ardentes. E’ que nem todas as intelligencias têm em justa medida o valor lexicographico desses dous vocábulos e como nota Bourdet « os applicam ellas muitas vezes despropositada e confusamente, embaraçando-se para dizer de modo geral o que entendem pela palavra arte applicada a certo conjuncto de praticas ou conhecimentos, ou pela palavra sciencia dada a tal outro, mê- me qaancPeUes ne se trompent pas apparemment. Dizer-se que a medicina é puramente arte, que a influencia scientifica desnatura, ou aífirmar o inverso, porque o medico se não assemelha ao artista que em sua obra só faz realizar livremente uma idéa vaga, um sentimento pessoal, é perder de vista o que philosophi- camente distingue a arte, são modos falsos de entender as cousas e nocivos ao progresso positivo. Yimos em todo o decurso deste capitulo como a medicina-arte segue desde sua origem movimentos ascensionaes para a biologia ou medicina-sciencia, e como esta chega a subordinar a primeira, não para annullal-a, antes para desbravar-lhe as urzes do caminho e dar-lhe novo fio de Ariadne no labyrintho das applicações uteis. Com serem logicamente casadas, não se confundem as missões 23 da sciencia e da arte ; como diz Comte : « pertence a uma o conhecer e portanto o prever, a outra o poder e por-consequência o operar » ; é o que sustenta o sabio clinico escossez : « o objecto da sciencia é descobrir factos e determinar leis ; consiste o da arte em cumprir um fim e determinar os meios de effectual-o. » E’ na clinica que a medicina reveste o duplo caracter de sciencia e de arte. Como scien- cia appella a pratica incessantemente para as noções abstractas e concretas da biologia, isto é, para a anatomia,physiologia, pathologia e therapeutica, e assim as sciencia? physico-chimicas não accesso- rias mas subsidiarias da sciencia da vida ; como arte a clinica tem por alvo os doentes, examinando-lhes o estado sob a triada—diagmose, progmose e tratamento.—Sem o beijo ardente dos princípios scienti- ficos, sem a impregmação desse influxo, o pratico nunca seria me- dico, ficaria apenas um empírico vulg-ar, « prescriptor formularum sed non curator morborum. » II Summario.—A intima união do statico e do dynamico caracterisa toda a hypothese positiva em medicina.— A pesquiza da lesão anatómica se deve de alliar, succe- dendo a experimentação no vivo.—A physiologia experimental comparada éo mais seguro guia da arte medica.—Exemplos.—Observações espontâneas.—Meio de pensar anatomicamente.—Escola medica de Louis.—Observações provocadas.—Meio de pensar physiologicamente.—Vivisecções.—Homem e anima-vili.—Preconceitos. —A physiologia emenda seus proprios erros.—Phase menos perfeita da experimen- tação.—Factos.—Entrada franca da physiologia experimental na clinica.—Vivi- secções microscópicas. — Reactivos biologicos. — Reactivo curarico. — Reactivo strychinico.—Deducções experirnentaes sobre a interpretação e mecanismo das generalisações mórbidas esuas localisações.—Explicações modernas das predispo- sições e das idyosincrasias normaes e pathologicas. E’ licito considerar o organismo como apto a entrar em mo- vimento e como movendo-se realmente, isto é, no estado inactivo ou statico e no estado movei ou dgnamico. A. especulação medico-biologica caracterisa-se abrangendo em elevado conjuncto a séde e a funcção, o statico e o dynamico, a ana- tomia e a physiologia. Cuvier e outros anatomistas sonharam realizar esperanças physiologicas com auxilio unico das noções de structura; e d’ahi a expressão schematica :—dado um orgão achar ou determinar-lhe a funcção. Era retrahir o legitimo dominio da especulação positiva limitar o problema biologico á concisão de uma formula incompleta. Partir da analogia de structura a similitude do acto é doutrina perigosa que levará a erros inevitáveis, a theorias estereis. Os co- nhecimentos anatómicos, histologicos mesmos, sem a iniciativa experimental e as idéas que desta brotam sobre o funccionamento dos orgãos e propriedades dos tecidos, ficam muitas vezes condem- nados ao silencio frio, ao mutismo desanimador. Orgãos ha de structura hoje bem determinada, sem que entretanto o segredo de seu emprego nos fosse já desvendado pelo escalpello e o proprio microscopio no cadaver. No homem e nos mamiferos as disposições architectonicas das glandulas salivares e muciparas assemelham-se tanto que nota Koelliker : « Quem descreve uma está dispensado de descrever as outras. » Assim que distincção funccional estabeleceriam entre essas glandulas juizos anatómicos ? Todavia Cl. Bernard sujeito á direcçSío physiologica, e pondo-se a caminho dos experimentos em animaes vivos, deixou patente que, si todas as mencionadas glân- dulas tinham a secreção por funcç&o coramum, discriminavam-se fatalmente pelos usos e natureza dos liquidos secretados. Por esta razao o im mortal experimentador teve de annexar a glandula paro- tida ao acto da mastigação, a mbmaxillar ao da gustaçEo e a sub- lingual com as boccaes mudparux ao mecanismo da deglutição. Esse mesmo logico proceder levou o professor do Collegio de França a marcar os usos e composição do sueco pancreatico que a anatomia isolada igualava aos da saliva pela identidade plastica do pancreas com as glandulas da extremidade superior do apparelho digestivo. Si as experiencias de Spallanzani, a observação espontânea no canadiano de W. Beaumont e os experimentos de Bernard, Schiff e outros physiologistas nao nos houvessem feito conhecer o papel chimico das glandulas estomacaes, durante a digestão, ainda acre- ditaríamos na concepção anatómica a fazer do estomago um novo triturador de alimentos. De posse destes factos e dos meios de compor artificialmente os suecos naturaes das glandulas digestivas que de applicações praticas nao dimanaram para a hygiene bromatologica e a therapeu- tica de certas dyspepsias chimicas ? A idéa de structura, em verdade, implica a de funeçao, porém sao variaveis as relações entre um orgao dado e sua funeçao, e o methodo anatomico é insufficiente para em muitos casos dar-nos a comprehender a discriminação de propriedades em conformações analogas. Tal foi o facto da differença entre as propriedades sen- sitiva e motora das duas raizes posteriores e anteriores do eixo medular, que sómente as experiencias de Magendie, Longet e Ber- nard lograram estatuir de modo irrecusável. Numero de exemplos de outra ordem existem. Ahi estão os factos das acções toxicas e medicamentosas sobre os quaes dada a palavra para explicarem-nos anatomistas e histologistas guar- dariam elles ainda todo o mysterio. E’ porque pergunta Ber- nard : « Como poderíamos, por exemplo, deduzir a acção da strychni-' na da anatomia da medula espinhal, a do curare da structura dos nervos, a co oxydo de carbono da histologia do globulo sanguíneo ? Só a experimentação nos ensinou taes factos e sem ella jamais os houvéramos conhecido » Não estamos a agitar inútil questão de attribuições e preroga- tivas, como parece : os falsos systemas do solidismo e humorismo foram em pathologia consequência lógica do despercebimento de uma tal distribuição de papeis. Do que vamos traçando nao se infira que pretendamos apoucar a real importância de uma sciencia em proveito de outra, que fôra illicito, quando nao pueril fomentar rivalidades deste genero. A anatomia e a physiologia sao os dous rebentos mais floridos do tronco biologico, e a clinica, que os assi- mila a ambos, aponta-nos um, a — physiologia, — a explicar o valor dos symptomas creados pela séde da lesão e a distinguir o outro, — a anatomia,— lesões que a analogia semeiologica levaria a confundir. A’ histologia se deve a discriminação entre a cncephalitc e o amollecimento cerebral; a separação da ataxia locomotora e da paralysia espinhal infantil do confuso quadro das necroses, a ella o conhecimento de que a paralysia labio-glosso-laryngéa caracterisa-se pela atrophia dos núcleos de origem dos nervos bulhares. Mas exemplos ha em que uma alteração anatómica disperta symptomas que em emergencia apreciavelmente semelhante a mesma lesão é quasi silenciosa. Basta citarmos um interessante caso que observámos na clinica do professor Torres Homem : era o de um glioma occupando o lobo direito inteiro do cerebello de um menino de quatorze annos, em cujo caso a amaurose com mydriase, a surdez e a cephalalgia formaram só o complexo semeiotico do neoplasma encephalico de séde topographica assim imprecisavel. Si a phy- siologia cerebellosa, actualmente a refazer seus estudos, nenhuma luz nos ministrou, menos no cadaver nos explicou a anatomia pathologica a correlação do que vimos em vida com o que presen- ciamos namorte. Demais, estados morbidos ha que se revelam unicamente por perturbações funccionaes bem discriminadas pela physiologia, aos quaes a necropsia não póde referir lesão anatómica, isto é, alte- ração material visivel. E’ o que succede principalmente na maioria das intoxicações, que em ultima analyse nada mais são do que moléstias ; nos accidentes cerebro-espinhaes das phlegmasias e das febres graves sem lesão primitiva e localisada do apparelho da innervação. Só a analogia physiologica no estudo das condiçOes normaes da excitabilidade do elemento nervoso permitte-nos pe- netrar na razão pathogenica de iguaes phenomenos. Investigações experimentaes assentaram que os requisitos imprescindiveis para a permanência da excitabilidade nervosa hygida são : alternativa de repouso e actividade; circulação regular do liquido nutritivo; composição normal do sangue, e a integridade da constituição material do orgão. Para obter-se explosão mórbida da sensibilidade, movimento e idealidade é bastante que se passem desordens em qualquer das tres condições necessárias sem que todavia o requisito mais importante, o da inte- gridade plastica, seja indispensável primitivamente para a modificação da excitabilidade das cellulas e conductibilidade dos tubos nervosos. A.’ formula—Dado o orgão determinar-lhe a funcção—convém ajuntar esta outra—Dada a funcção determinar o orgão—, e só assim este scliema modificado, não obstante a expressão synthetica vasta que ainda encerra, tem o mérito de trazer logo á ideia em linguagem algébrica todo o magno problema da biologia. O que não deve ficar duvidoso é que no estabelecer da hypo- these ou inducção investigadora a iniciativa ha de partir da inves- tidura experimental sobre o vivo, e que a legitima competência anatómica adstringe-se ao ensinamento a posteriori das particulari- dades do acto, do mecanismo da funcção. E’ de uma exigencia capital o connubio do statico e do dynamico para termos o que hoje chamam a histo-physiologia. Divorciados nos primeiros exposi- tores da sciencia physiologica, a lacuna era sensível, mas felizmente nestes últimos tempos a falta começa de ser sanada, e os recentes tratados dos professores Budge, Wundt e de Beaunis affirmam e satisfazem a necessidade urgente dessa união. Fora ocioso por em evidencia a importância da observação simples, mas a filiação biologica ja nos fez ver que, si esse é o pri- meiro recurso da medicina, nao póde ser o unico, nem o mais vanta- joso. Falseia o physiologista a indole de sua sciencia limitando-se á observação exterior do indivíduo vivo. Este methodo simples e unico ao mathematico poder-se-ha denominar—de observações espontâ- neas. — O anatomista alarga o processo das observações espon- tâneas quando leva e imbebe o escalpello no cadaver, mas tal me- thodo nao nos póde collocar além da notaçao differencial entre phenomenos compostos. Foi 11a posse dos liabitos da observação pura que se gerou e robusteceu a escola anatomo-pathologica,a veneranda iniciadora da grande geraçao medica moderna : com ella aprendemos a conhecer os resultados do trabalho no laboratorio occulto do organismo doente, com ella a isolar signaes diagnósticos, com ella a enriquecer os quadros nosoographicos, com ella, emfim, a adquirir a arte de pensar anatomicamente. Todo processo consistia, como ensi: íava Louis, em recolher com a mesma attençao, indistincta e despreoccupada- mente, os factos que se apresentassem ás vistas do observador que os devêra classificar e numerar, isto nao só no leito do enfermo, como no amphitheatro, si a autopsia viesse completar a observação. Foi este modo de trabalhar frio, secco, e meio obscuro, a dizer- se cheio do espirito hyppocratico, que permittio a Louis incutir nas intelligencias perturbadas com os torneios estrondosos dos laenecistas e broussaisistas que a verdade das cousas está nos factos, mesmo os mais grosseiros e insignificantes. Este processo requeria sobretudo paciência e boa vontade, e teve logo por si extensas phalanges de operários honestos e laboriosos que chegaram a representar 0 que se póde intitular de respeitável burgueziá medica. As intelligencias mais vivas e emprehendedoras nao tardaram em perceber que nessa einpreza de numerar estatísticas e categori- sar symptomas e lesões vai muita força esgotada sem recompensa equivalente, que 0 methodo de Louis é uma só das faces, a primitiva, do verdadeiro methodo em medicina. Certamente a grande tarefa da sciencia hodierna nao se resu- me a notar differenças nos factos analysados, dessa missão primeira passa ella á concepção das unidades phenomenaes. Porém, como apprehender as causas próximas da ligaçao dos phenomenos, as leis que os produzem, senão despojando os factos conhecidos de sua vestimenta pesada, destacando-os na transparência da nudez, penetrando no seio intimo que os elabora e obrigando-os em exhibições forçadas a dar-nos os delicadíssimos fios que os mantêm e atam % Uma áerie de observações deste genero, de observãções provo- cadas, é que constitue 0 methodo experimental. De seu emprego quotidiano a nova escola medica contemporânea vai extrahindo 0 segredo de aprendermos a pensar physiologicamente. 29 Com as vivisecções deu o biologista a primeira investida 11a estrada longa, promettedora e franca da experimentação. Com 0 bis- touri entra elleno organismo vivo, extirpa orgaos, secciona nervos e espera que a provocada desordem no funccionalismo animal expli- que-lhe 0 mecanismo dos orgãos, as propriedades dos nervos. Vivic- seccionou-se 0 proprio homem e seriam estas as experiencias mais con- cludentes, si a consciência moderna as podesse tolerar e desculpasse os médicos dos Ptolomeus da imputação de haverem submettido a torturas experimentaes os condemnados á morte ; pois nâo prevalece a defesa de Celso de que tal crueldade devesse « aproveitar a urna multidão no decurso de todos os séculos. » Si a philantropia tem aqui natural cabimento, não passa de affectado sentimentalismo 0 que se açula contra as vivisecções. O parlamento inglez, acolhendo a opposição systematica das sociedades proteccionistas contra esse pro- cesso scientifico, e legislando sobre 0 facto, de 11 a estas queixas ridi- culas proporçOes lastimáveis. Si se crê licito immolar milhares de victimas para satisfazer as exigências do estomago, como oppôr-se a um ou outro sacrificio que a sciencia exige para dar o pabulum da verdade ao cerebro humano ? Esta questão das vivisecções foi e ainda é vivamente discutida nas sociedades sabias : alguns as jul- gam imprescindíveis para novas pesquizas, recusando-lhes, entre- tanto, a necessidade nas exposições doutrinaes ; outros oppoem como argumento 0 preconceito de que não ha que concluir dos animaes ao homem. Não coinprehendemos os escrúpulos restringidores dos pri- meiros, porque a physiologia é essencialmente sciencia de experi- mentação comparada, basêa-se em factos e deve ensinar com factos a vista, que são as provas em apoio de suas asserções ; quanto á re- pulsa systematica dos segundos,0 methodo comparativo experimental e os progressos da medicina contemporânea ahi estão para protestar contra affirmações de tal natureza, subversivas de toda realidade scientifica. Sabemos já que a matéria viva é substancialmente a mesma em todos os seres, pois as propriedades ou energias vitaes, postas em conflicto pela invasão experimental, se devem de manifestar idên- ticas em cireumstancias também iguaes. Ha, sem duvida, muitas particularidades de organisação que alteram a producção dos pheno- menos e levam a erros de interpretação espíritos menos prevenidos. Si seccionarem-se os dous nervos faciaes de um coelho, por exemplo, phenomenos de paralysia serão observados immediatamente em toda face; mas, si a esta operação submetter-se o cavallo, ao lado dos symptomas da paralysia ter-se-hão signaes evidentes da asphy- xia e a morte do animal. Ora, um exame superficial desse facto levaria a imprecauçao a suppor que o seccionamento dos faciaes dá signaes duplos de pa- ralysia e asphyxia, quando tal não ha. Si nesta experiencia vê-se também a explosão de phenomenos asphyxicos no cavallo, é que este animal, paralysadas as membranas das narinas, occlusos estes ori- fícios e tendo o larynge em relação com a abertura posterior das fossas nasaes, não conhece o meio de respirar pela bocca, como o coelho. Mas a biologia indica a importância das differenças de con- dições organicas, não só de uma especie a outra em toda a escala zoologica, como as variedades anatómicas a que está sujeito o mesmo animal ; de sorte que, sendo em principio todos proprios para as vivisecções e experiencias, a diversidade de structura permitte ao physiologista, por uma escolha prudente, evitar embaraços e acci- dentes operatorios. Assim, para estudar-se a acção das substancias introduzidas pela via gastrica, é preferido o coelho que não vomita, ao cão que vomita com extrema facilidade ; sabe-se que a digestão vegetal, por exemplo, é mais prolongada no estomago dos ruminantes do que no dos herbivoros, que a têm sobretudo intestinal como o homem ; para a secção separada do pneumogastrico e do sympathico o coelho e o cavallo offerecem extraordinárias vantagens, porque nestes mami- feros os dous nervos se acham distinctos, como no homem, e não in- fimamente unidos, como no cão ; por outro lado o cão é máis ade- quado ás operações sobre o ventre, resiste mais á dor, e quasi sempre escapa aos accidentes peritoniticos que no cavallo surgem frequente- mente. Si os physiologistas só se exercitassem sobre uma especie, po- der-se-hia temer a generalisação, mas os experimentadores sujeitam a repetidos exames desde os bactraceos até os solipedes. A persis- tência de vitalidade que se observa nos animaes chamados de sangue frio após a abertura do corpo e mutilação dos orgãos é de valioso re- curso para as analyses dos laboratorios, e dahi os motivos de sua preferencia. À physiologia consegue já, o que parecêra impossível, vencer o obstáculo da escolha de animaes identificando rapidamente e á vontade condições vitaes diversas. Cl. Bernard alcançou obter com- modas experiencías em um coelho dando-lhe a resistência vital dos animaes de sangue frio, por uma refrigeração energica a moderar a hematose e os phenomenos chimicos fontes de calor : a transplan- tação do mamífero ao seu gráo habitual de temperatura fel-o voltar ao primittivo estado. Pela secção da medula espinhal no ponto de união da região dorsal e da cervical o mesmo professor pôde também produzir no coelho e no cao um resfriamento considerável : a tempe- ratura rectal do coelho marcando antes do seccionamento 40°c. baixou depois da operação a 24 sendo a temperatura ambiente de 18°c. O primitivo desconhecimento das referidas circumstancias e muitas vezes das condições em que se collocavam os experi- mentadores sao a origem de divergências em certos resultados obtidos, mas a pratica seguida e variada tem prevenido os incaicos, simplificado as manobras operatórias, e, pelos estudos e empregos da anesthesia etherea, chloroformica e chloroformico-morphinica, remove convenientemente a dôr e todas as reacções do concensus geral. A physiologia experimental tem em subido gráo o raro privilegio de conhecer suas faltas, corrigil-as e manter-se de sobre- aviso perante probabilidades de deducções inverifícaveis no futuro. Os physiologdstas sabem a quanto labor imperfeito nao se entrega o que só institue experiencías para ver, o que desattende ao rigor do methodo e aceita como preceito a exagerada phrase de Ma- gendie : « Quando experimento só tenho ouvidos e olhos, nao tenho cerebro. » As hypotheses e as theorias clamam contra tal condem- naçao, de modo algum assentida, das sciencias positivas. Ninguém nunca reconheceu melhor o valor das hypotheses e lhes soube dar nobre digmidade de que o apostolo da grande philosophia ; para elle o que distingue toda hypothese a priori ou metaphysica da positiva ou scientifica é o cunho luminoso de verificabilidade com que estas se apparainentam ; e, pois, desde que um raciocínio se firma em factos bem observados, é um ponto de partida seguro e esperançoso para mais destemidos voos experimentaes. Bernard em seu famoso livro — I ntroduction à Vétade de la medicine experimentale— cita vários e edificantes exemplos de como á physiologia é dado o criticar-se e julgar stoicamente de seus actos, traçando ahi esta concisa regra : « Quando o facto que se encontra acha-se em oppo- sição com uma tlieoria reinante, é preciso aceital-o e desprezar a theoria, mesmo quando, sustentada por grandes nomes, fôr geral- mente adoptada. » Quem não vê n stas palavras o verdadeiro e unico criterium positivo ? A physiologia experimental guarda a fé que, bem determi- nadas as condições elementares da producção dos phenomenos, não haverá contraditas entre os observadores : o que uma vez se dá reproduzir-se-ha nas mesmas circumstancias, estando na variação causal o porque das modificabilidades funccionaes. « Este ponto de partida fundamental, como diz o professor Sedillot em seu prefacio das — Contribuitions à la cirurgie — é indispensável ao medico, cnjo espirito hesita e juizo se perturba si não está convencido da constância dos factos submettidos a sua investigação. » O methodo experimental nota que sem a lei da invariabilidade phenomenal não ha sciencia possivel ; e pois a palavra excepção é moeda falsa que em medicina mais do que em qualquer outra parte tem curso provisorio forçado, cuja emissão abusiva é preciso reprimir e cortar. E’ perante a solidariedade de todos os elementos e activi- dades organicas, fundamentada pelos proprios experimentos biolo- gicos, que a physiologia averba de falsas as conclusões vitalistas e systematicas que em nome da solidaria unidade da vida repellem os methodos vivisecceis e os demais instrumentos experimentaes. Opporem-se imperradamente á experimentação quando não lhe es- capa a solidariedade vital é quererem resistir impotentes á onda vo- lumosa do progresso que lhes passa por cima. Em verdade, a experimentação não se deve ater ás puras in- vestigações vivisecceis. Actualmente que o microscopio leva-nos a conhecer os elementos architectonicos dos tecidos e dos orgãos o processo operatorio póde ir até o mais intimo da organisação reve- lada e roubar-lhes o sigillo da vitalidade. Não obstante, somos devedores ás simples vivisecções de im- mensos conhecimentos : da lei geral da grande evolução circulatória do sangue, das localisações de funcções em vários orgãos, das pro- priedades dos centros nervosos e a importantíssima differença entre as raizes anteriores e posteriores da medula. As referencias â prá- tica eram tão directas que bastou estender-se a applicaeão dos ani- maes ao homem para que a pathologia se enriquecesse, se depurasse, e a physiologia experimental entrasse franca e imponentemente na clinica medica e o laboratorio travasse relações com o hospital. Porém as vivisecções« bi4»uri s&o só por si insuficientes para a completa analyse das circulações loeaes e do dynamismo nervoso. Com o auxilio do microscopio as vivisecções entram em phase mais perfeita cham ida das vivisecções microscópicas. A circulação ca- pillar, a funcção do sangue e a genese dos globulos, leucocytos e he- matias, o physiologista observou sob a lamina do microscopio, em condições physicas convenientes, de modo a transmittir-nos valiosis- simo ensino. Entretanto o isolamento da actividade commum a que fica sujeita a individualidade anatómica em observação tao melin- drosa, o longo exercicio pratico que exigem as vivisecções microscó- picas nao deixam a este nitido processo experimental toda perfeição imaginável. As experiencias de Orfiila e Bernard sobre a acçao de diversos toxicos na economia animal dotaram a therapeutica e as averigua- ções medioo-legaes de finissimas armas; mas Bernard percebeu tam- bém que c ensino dos venenos utilisaria as próprias analyses phy- siologicas e podiam servir os toxicos de verdadeiros bistouris de subtilíssimos gumes destinados á scisão de tal ou tal elemento, de modo que se verificassem exactamente as desordens que uma lesão unica acarreta á harmonia do conjuncto orgânico. A critica experimental encontrou desde então nesses instru- mentos antisanguinarios inesperados meios de provocar reacções vitaes e de verificações decisivas. O curare e a strychnina são os reactivos biologicos de acção per- feitamente elucidada e que melhores serviços prestam aos experi- mentadores. Foi com o veneno dos índios americanos que Bernard fez a contraprova ou evidenciou com maxima elegancia a realidade das differenças funccionaes nas raizes nervosas ; com elle cortou ainda a questão da irritabilidade halleriana, provando que o musculo é a utomnomo em sua excitabilidade, isto é, que, fóra de qualquer penetração e terminação nervosa interfibrilár, a cófitràctilidade 34 muscular mostra-se constante. Variando a dóse do toxico e detendo- se no exame das phases dessa absorpção, o professor do Collegio de França obteve distinguir cora uma precisão até então impraticável os nervos motores entre si, os voluntários dos respiratórios, estes dos vaso-motores e na classe dos vaso-motores os que parecem presidir á dilatação activa dos vasos dos que promovem a contracção vas- cular. A determinação de tres phases no acto da absorpção, sua im- tancia, independencia e até duração relativa demonstra-se facilmente com as injecções na economia de dóses bem calculadas dos reactivos biologicos. Suppunha-se outr’ora que as veias eram os vehiculos encar- regados da absorpção, com o descobrimento dos lymphaticos exhau- toraram-se as veias em favor exclusivo dos vasos brancos até que Magendie alcançou demonstrar a verdade da absorpção venosa. E’ hoje um facto geral para a physiologia e de extenso alcance pratico que não basta estabelecer-se o contacto da substancia, que se quer fazer absorvida, com os capillares por meio das quaes penetra ella no sangue (absorpção externa) ; mas é necessário que a corrente san- guínea transporte a substancia (transporte) e por fim chegada aos capillares dos tecidos se introduza ella entre os elementos anatómi- cos, sobre os quaes se passa a acção absorvente (absorpção interna). A’ priori suppor-se-hia que das tres phases a que mais tempo des- pende é a do transporte que gasta a duração total de uma dupla evo- lução circulatória, quando é exactamente a mais rapida. A physio- logia calcula entre vinte dous a trinta e seis segundos o limite má- ximo do tempo comprehendido entre o instante em que a substancia injectada na extremidade central de uma veia attinge o coração di- reito, atravessa a area pulmonar, e do coração esquerdo expellida para as artérias passa as malhas capillares e volta á extremidade periférica da veia pela qual a guiou o experimentador : demais a velocidade da circulação está na razão directa da corpulência do ani- mal e de sua excitabilidade nervosa. A segunda phase é a mais veloz, a primeira demorada e igual á somma da primeira e da ter- 35 ceira juntas. Outro facto é que a absorpçSo dá-se em todos os orgSos, porque sao todos regados por capillares e contêm tecido laminoso ou cellular, e antes que a substancia absorvida produza um effeito ul- timo e geral se póde reduzir e localisar este effeito, conforme a ra- pidez e acçao particular da substancia. O reactivo curarico possue uma acçao localisada sobre as pla- cas nervo-motoras e póde-se com dóse sufficiente intoxicar um grupo só de musculos sem affectar os demais nervo-motores da economia e matar o animal, porém basta augmentar convenientemente a dóse para que o veneno absorvido e diluido no sangue manifeste o terrivel effeito asphyxico da paralysia geral. Está nestas noções experimen- taes um thesouro pratico. Sem que o receio da intoxicação genera- lisada detenha o clinico póde elle fazer repouzar um grupo muscular convulsionado com o emprego da injecçao de dóses de curare previa- mente calculadas para effeito absolutamente local. Cremos que os resultados nullos que se tem visto dar no tétanos o uso do curare, a par dos effeitos beneficos de que também ha exemplos, explica-se pela dificuldade da dosagem para o fim a que o applicamos. O reactivo strychnico é antagonista do reactivo curarico. E’ certo que os nervos motores esgotam-se também sob a acçao da stry- chnina, mas em tal caso é pela influencia da medula sobre os nervos motores, inverso do que faz o curare, porquanto o proprio deste é cortar as vibrações motoras dos nervos que vao ascendendo até per- der-se no centro das irradiações medulares ! tanto assim é que Cl. Bernard poude em certas experiencias separando o nervo motor do centro fazer sobreviver o dito nervo à excitação e esgoto das acções reflexas provocadas pelo envenenamento strychnico. O effeito geral dado pela intoxicação strychnica é em ultima analyse uma serie de effeitos locaes sobre o complexo de cellulas da matéria cinzenta da medula. A neutral isaçao destes dous reactivos é simplesmente apparente e de nenhum modo comparável â dos ácidos pelas bases, como sobre o modo de actuar antagonista dos ehamados-contra venenos ainda é na pratica supposição errónea. A analyse physiologica mostra que manifestam-se ambas as acções como que a sobreporem-se, de sorte que a superposição dos effeitos parece collocar o organismo em circumstancias próprias a eliminar com maxima facilidade e escapar ao envenenamento. Si já nos fossem bem conhecidas as acções elementares de grapde numero de substancias toxicas e medicamentosas as appli- caçOes á pratica seriam frequentes, levando-se a elementos determi- nados a calculada influencia do agente toxico ou medico, e desta arte conseguiríamos utilisar localmente a medicina venenos que só são terríveis quando actuam sobre a economia inteira. As acções das substancias introduzidas no sangue não se dirigem sempre aos ele- mentos nervosos, outros ha como o oxido de carbono que mostram eleição decidida pelos globulos sanguíneos, e como a digitalis pela fibra muscular. As substancias toxicas e medicamentosas em geral localisam suas actividades antes em certos elementos dos mesmos te- cidos do que em outros : o curare concentra sua acção sobre o ele- mento motor dos nervos, emquanto a strychnina prefere o elemento sensitivo ; o oxido de carbono escolhe as heraatias e despreza os leu- cocytos ; e analogamente ao poder do agente physico electrico, e que elege especies musculares para excitar com mais intensidade, a acção da digilatina ou digitalis se exerce com mais força sobre as fibras contracteis do coração. Noções experimentaes como estas são suficientes para ensi- nar-nos que as propriedades electi vas das substancias deleterias e therapeuticas sobre os elementos texteis não fazem mais de que aug- mentar ou diminuir a intensidade das energias elementares, produ- zindo phenomenos comparáveis aos symptomas morbidos. Si a gene- ralisaçào dos effeitos não é detida e suífocada em uma das duas primeiras phases da absorpção, quer pela ligadura augmentando a tensão venosa, como ensinou Magendie, quer pelo processo da respi- ração artificial, com que miinoseou a pratica o pbysiologista inglez Brodie, a ruptura do equilíbrio vital permanecendo seguir-se-ha a morte inevitavelmente. E’ desta arte que a analyse physiologica nos arrasta á analyse pathologicae intima-nos a repudiar m limine quaes- quer doutrinas que tendam a attribuir âs moléstias o poder creador de forças estranhas ás que constituam as propriedades biológicas. O pouco que resumimos sobre as condições de generalisação dos effeitos do curare e da strychnina deixa reconhecer o meca- nismo das generalisações mórbidas. Como aquelles estes se gene- ralisam, por intermédio ora de uma ora de outra das duas correntes centrípetas que formam uma cadeia ininterrupta em todo o organismo: ou pelo systema sanguíneo, ou directamente pelo systema nervoso. Logo que o principio nocivo infeccioso ou coptagioso entra 37 pela via vasculo-centripeta, o augmento da tensão venosa póde detêl-o; mas, dada que seja a absorpção externa, o envenenamento morbido póde ainda ser interrompido na segunda phase absorvente do transporte em seu trajecto pela superfície eliminadora dos pul- mões, que é o que sóe succeder, quando injecta-se nas veias de animaes o hydrogeneo sulfurado e venol-os sobreviverem, esca- pando ao effeito geral desse terrivel gaz toxico. Porém, si a pri- meira phase da absorpçao fizer-se immediatamente pelas vias aerias, e mucosa pulmonar, ainda que seja possivel uma eliminação da substancia pelo filtro renal, esta é sempre em pequena escala e delongada para que o effeito pernicioso completo não haja de pro- duzir-se. Sabe d’aqui uma consequência pratica e vem a ser : que a superfície pulmonar leva lampas ás mucosas e ao derma em energia absorvente ; a historia das infecções se esclarece e a arte de curar ganha um novo methodo de introducção de medicamentos, no caso em que qualquer outra via absorvente negue-se a recebêl-os e não se permitta espera. O valor deste facto experimental já foi sanccionado em 1868 pela pratica do Dr. Jousset (de Bellesme), que obteve dous casos de rapidissima cura, um delles em uma creança em desesperado accesso pernicioso, injectando-lhe pela traehéa 35 centigrammas de uma solução de chlorydrato de quinina. Abundam as experiencias para provar o mecanismo das ge- neralisações pelo systema nervoso sensitivo ; mas basta citarmos a seguinte de Cl. Bernard que, como todas as deste immortal phy- siologista, tem o admiravel cunho da precisa perfeição. Bernard injecta areia na artéria femoral de um cão, a areia vai até aos ca- pillares onde as moléculas arenosas reunem-se em verdadeiros throinbus e não passam ás veias. Logo após a injecção o animal dá signaes de dôr e surge violenta a reacção geral febril. Para tirar a limpo que estes effeitos nascem ua influencia exclusiva do systema nervoso sensitivo o insigne professor corta primeiro as raizes anteriores ou centrifugas do membro injectado e observa os mesmos factos, accrescendo mais o da paralysia : é só depois de seccionar as raizes centrípetas ou posteriores que se põe um paradeiro á transmissão das impressões periphericas ao centro : os effeitos locaes proseguem isolados em sua evolução; a dôr e a febre é que não ir- rompem mais. Isto mesmo se observará irritando o tecido eellular ou conjunctivo, produzindo-se uma lesão limitada, local qualquer, um 38 phlegmão, por exemplo: a ddr, gerada pela excitação contripeta até a medula, irradiar-se-ha por acção reflexa aos vaso-motores, ao coração ; e a perda do appetite, e o crescimento da tensão das radiaes, o máo estar, o calor, emfim, mostrarão a febre em completo esplendor. A reacção generalisada por irritações mecanicas também gerar-se-ha por absorpções deleterias ou simples excitações peri- phericas sem lesão ou com lesão insignificantissima. As theorias a priori, as idéas vitalistas fizeram Pinei e outros médicos consi- derarem essenciaes moléstias a que elles davam como caracteristico o não se acharem ligadas a alteração material de nenhum genero. Essa .reacçao febril creada experimentalmente por excitações ner- vosas, pela dor, seria em tal modo de entender uma febre essencial. Já Broussais combatera esses principios, e, si errou na lesão enterica exclusiva que elle attribuio ás moléstias, deixou firmado que, por mais vagos e na apparencia independentes, todos os estados morbidos referem-se a alterações anatómicas dos orgãos e dos teci- dos. Nós hoje sabemos que póde não haver lesão anatómica nem dos orgâos, nem dos tecidos, mas também affirmamos que o que é im- possivelé haver moléstia sem modificações moleculares dos elementos orgânicos. O caracter de uma affecção essencial é, dizemos com o professor Sée « affectar primitiva e dynamicamente o systema ner- voso, de sorte que, si se produzem lesões, são ellas consecutivas ». O biologista mesmo agora não possue meios de verificar a diffierença material que se opéra no arranjo molecular entre um nervo em estado normal e um mesmo nervo em excitação, semelhantemente ao physico que não sabe dizer de que natureza é a nova alteração molecular que distingue da simples barra de aço uma barra de ferro imantado. A physiologia experimental deixa vêr que o que é per- mittido chamar a essencialidade mórbida só existe emquanto se não faz determinações para qualquer orgão, bastando para isso irritar- se previamente no animal em experiencia o nervo vago, ou o plexus cardíaco, ou o solar do grande symphatico para crear-se a predisposição local: no primeiro caso de uma pneumonia, de uma pericardite, no segundo e no terceiro de uma peritonite, com os respectivos cortejos de consequências habituaes. Si o animal é posto anteriormente em estado de susceptibilidade nervosa, por excitações reflectidas ou abs- tinência prolongada, o experimentador, creando a predisposição in- flammatoria pela secção dos plexus visceraes, chega a prever mesmo, segundo a correspondência organica dos nervos irritados, qual a localisação phlegmasica que deve fazer explosão. As experiencias physiologicas desvendam e subordinam ás leis ordinárias da vida os velhos mysterios das predisposições mórbidas das idyosincrasias ou impressionabilidade individuaes. As aptidões mórbidas, adquiridas pelo perturbamento da in- nervação, variam correlativamente aos modos etiologicos ou agentes morbificos. Os individuos em abstinência ou inanidos offerecem menos opportunidade pathologica a certas causas deleterias e ma- xima vulnerabilidade a outras. Os animaes enfraquecidos degra- dam-se na escala zoologica e offerecem a venenos, como o curare e a strychnina, resistência notável e em proporção inversa á força ner- vosa, ao passo que se tornam assim excessivamente vulneráveis aos envenenamentos pútridos, ao processo infeccioso, às affecções parasi- tarias. Neste ponto de vista os agentes morbificos actuam no homem de dous modos : ou como os toxicos nevrosthenicos, de influencia em relação directa com a energia nervosa ; ou como os virus, de influen- cia em relaçao inversa com esta mesma energia. Bem averiguada pelo pratico a natureza dessas condições etiologicas, corajosamente a combaterá elle ou melhor prevenir-lhes-ha as devastações. No caso dos agentes morbidos actuarem como os venenos nevrosicos a indi- cação causal será enfraquecer os individuos, augmentando-lhes desfarte a resistência vital; quando ao contrario as causas de molés- tia operarem como os virus, de preferencia sobre as constituições fracas, será nos tonicos de todo genero que o clinico encontrará seu arsenal e boas armas para prevenir ou destruir essa vulnerabilidade especial a moléstias virulentas e infecciosas. Não é só na variabili- dade das condições organicas intimas, por assim dizer, que a physio- logia colloca a razao das predisposições, mas também na influencia do meio cosmico ou circumstancias exteriores ; o coelho-rã do pro- fessor Bernard é um nitido exemplo desta segunda ordem de factos condicionaes. 40 A. palavra idyoúncraúa é permittida ainda hoje na technica, mas sem aquelle sentido lato e vago que lhe davam nossos maiores quando consideravam idyc dncrasicos, inexplicáveis, phenomenos que se passam por vezes nas nevroses, principalmente na hysteria, agora conhecidos pela physiologia como verdadeiros phenomenos re- flexos. A observação experimental instrue-nos de que não é só em espeeies animaes diversas, mas em indivíduos da mesma raça, que notam-se divergências de susceptibilidades ou idyosincrasias, em relação sempre com 0 estado do systema nervoso. Sabemos experimentalmente que um orgão ou glandula que absorve em repouso perde este poder dês que começa seu funcciona- mento secretor. Os factos idyosincrasicos, insolitos, conhecidos em therapeutica sob o nome tolerância medicamentosa, explicam-se assim não só por differença de dóse, porém mesmo por simples suspensão ou enfraquecimento do poder absorvente. Certas idyosincrasias accidentaes, transitórias, creadas por mo- léstias, correm directa ou indirectamente por conta de perturbações dè innervação. Na mania aguda, como nos paroxismos da febre in- termittente, a suspensão da actividade absorvente parece depender directamente da influencia nervosa, pois, finda a crise, resta a idyo- sincrasia, volta a absorpçâo ao estado physiologico. Na hypersecre- ção serosa intestinal dos cholericos está a causa da impossibilidade de fazer-se absorver pelas paredes intestinaes qualquer medicamento nesta moléstia ; ora esta hypersecreção com toda probabilidade re- sulta de acções nervosas. Estas mesmas explicações esclarecem a comprehensâo da ídyo- sincrasia dos typhicos em supportarem sem embriaguez exageradas dóses de álcool a que normalmente não resistiriam, e semelhante- mer.te a dos peritoniticos na resistência que mantêm à verdadeira intoxicação opiacea. Sem duvida que a pratica quotidiana guia-se pela physiologia no conhecimento de taes factos, pois é na sciencia e só nella que se acha o verdadeiro tacto medico. Summario.—Impossibilidade de marcar positivamente onde cessa a saude e começa a moléstia.—Identidade de leis.—Noções sobre agenese da chlorose ; ieucocythemia,' catarrho gástrico ; catarrho uterino.—A physiologia pathologica não pode ser sys- tematisação de leis especiaes.—Genese geral dos elementos das producções mór- bidas.—Os symptomas são reacções do organismo que se referem a tres grupos de phenomenos physiologicos; nervo-dynamicos; chimicos; plásticos.— Semeiotica experimental.—Moléstias experimentaes.—Generalidades sobre a interpretação mo- derna do processo infeccioso.—Consequências praticas.—Synthese biologica.—Todo apparelho de demonstração representa uma synthese phenomenal.—Methodo gra- phico.— Coração e pulso artificiaes de Marey.—Ruidos cardio-vasculares.—Lei expe- rimental dos ruidos e sopros respiratórios.—Registradores graphicos.—Serviço do pneumographo no tétanos.—Auxiliares mecânicos da pratica contemporânea.— Preconceitos.—Desprestigio dos systemas médicos.—A medicina positiva tem por systema não fundar systema.—A classificação de médicos physiologistas e médicos práticos não tem mais razão de ser na medicina contemporânea. Possuímos o conhecimento experimental de que por simples influencias nervosas cream-se preponderâncias pathologicas, in- fluencias nervosas dando a luz a phenomenos tanto mais compli- cados, a reacções tanto mais violentas, quanto mais ascende-se na serie animal, quanto maior é a superioridade e a delicadeza structural da innervação : o systema nervoso além de seus attributos especiaes é capitulado pela physiologia de sy*tema regulador. E’ a razão por que no homem os actos orgânicos hygidos, e morbidos, a todo o instante offerecem-se ao nosso aspecto como verdadeiros prothêos. Em tudo isso a observação, a experimentação e a comparação nos estão a lembrar, constante, que não ba limites bem traçados entre a saude e a moléstia, e, bem ao contrario, entre o normal e o anormal interpoem-se transições gradativas, lentas, infinitas. Uma exageração ao máximo ou uma exageração ao minimo ligam fre- quentemente condições physiologicas a condições pathologicas. E’ assim que na actividade organica excessiva durante o cyclo evo- lucionai do indivíduo, na menstruação ou ovolução, na prenhez ou puerperalidade, observa-se, ora diminuição dos globulos rubros do sangue ou aglobulia bematica, outras vezes um augmento dos glo- bulos brancos ou hypergdobulia leucocytica. Na primeira cir- cumstancia tem-se uma anemia transitória,, na segunda uma leuco- cytose passageira, sem caracteres bem assignalados. Rompa-se, 42 porém, de todo o equilíbrio oscillante, por exemplo, entre as forças de desenvolvimento e os meios reparadores, que o excesso de dimi- nuição das hematias gerará, a chlorose, e o excesso no augmento dos leucocytos poderá ter por consequência a leucocytose permanente ou leucocythemia. As experiencias de Beaumont e de Blondlot verificaram a exageração do curso sanguíneo no acto da digestão estomacal e com ella augmento do sueco gástrico e destroços epitheliaes nos líqui- dos secretados pela mucosa ruborisada. Si, como succede com os grandes bebedores e gastronomos, introduz-se indirectamente no- tável quantidade de liquido no systema vascular, a tensão sanguínea sobe de ponto, dilatam-se Os capillares, e a persistência desse estado na circuliçlo do estomago é a causa mecanica e frequente do ca- tarrho gástrico. As mais das vezes chega-se á irritação inflam- matoria da mucosa gastrica por um processo chimico, quando as ingestões de alimentos abundantes ou de má qualidade não encon- tram nas glandulas pepticas a acidez conveniente para a chimifi- cação, entrando as matérias albuminoides, assim insolúveis, em fermentações anómalas. Durante as épocas do erethismo ovarico, épocas cathameniaes ou de expulsão do ovo sazonado, a par da hyperhemia crescente e activissima do orgão gestador, as secreções uterinas augmentam e alteram-se. Nestas circumstancias produz-se verdadeiro estado catarrhal physiologico, o qual, para tornar-se pathologico, só pre- cisa que a cong*estão da mucosa do utero e suas alterações secretivas excedam o prazo costumeiro ou sobrevenham extemporâneas. Exemplos tão simples servem para assentar a verdade do enca- deiamento intimo entre a saude e a moléstia, a qual em ultima analyse será sempre consequência de actos pliysiologicos exagerados. Querer distinguir, como bem observa Cl. Bernard, as leis da vida normal das leis da vida mórbida, seria disting*uir « as leis da me- canica de uma casa que desaba das leis da mecanica de uma casa que se mantém de pé ». A instituição de uma physiologia pathologica, como systematisação de leis especiaes, nSo póde ser legitimada. Ella tem processos proprios, sem duvida, mas as modalidades organicas ou funccionaes que estes provocam não differem das que são susci- tadas a apparecerem pelos meios mecânicos e chimicos do physiolo- gista experimentador. 43 Em pathologia geral, como em pathologia especial, a experi- mentação physiologica evidencia a existência de um facto : é que a genese das producções mórbidas resulta das condições primordiaes seguintes : Io, causas exteriores ; 2o, causas intimas ou espontâneas; 3o, aptidões organicas ou individuaes a acquiescerem ou a reagirem contra as explosões das modificações moleculares solicitadas directa ou indirectamente pelas causas espontâneas ou as exteriores. As moléstias ou modificações moleculares são resultantes sempre da actividade exagerada ao máximo ou ao minimo dos seguintes ele- mentos: Io, da elaboração cellular ; 2o, da evolução circulatória que traz e reconduz os materiaes assimiláveis e desassimilados do traba- lho cellular ; 3o, da acção dupla dos nervos sobre os vasos e sobre as cellulas ; 4o, da acção dos centros nervosos talvez dupla como a dos nervos ; 5o, do acto sensitivo inconsciente que, por excitação desses centros, dá origem aos chamados actos reflexos. O que dirige o pro- gnostico das producções mórbidas assim geradas não é certamente a causa externa ou a intima provocadora; mas o ponto de partida, o elemento posto em acção pela condição etiologica primordial. Com- prehende-se que, si o ponto de partida fôr o exagero ao máximo ou ao minimo da elaboração cellular, as manifestações externas ou symptomaticas que representam, então, os actos do elemento, antes tenderão a localizar-se que a generalizar-se ; ao contrario, longe de virem a ser simples epiphenomenos, os symptomas estarão indicando extrema gravidade, si o ponto de partida achar-se nos centros ner- vosos ou mesmo nos nervos. Quaesquer que sejam, espontâneos ou morbificos, artificiaes ou experimentaes os modos etiologicos que despertem as reacções das actividades elementares, dar-se-hâo no organismo tres series de effeitos, tres grupos de phenomenos, embora quasi sempre ligados, essencialmente distinctos: Io, phenomenos nervo-dynamicos ; 2o, phenomenos de ordem chimica; 3o, phenomenos plásticos ou de for- mação e desenvolvimento. As causas morbificas não geram mais do que impressões novas, dando effeitos ou symptomas destas tres series, symptomas que os processos experimentaes sao exactos em imitar. A semeiotica experimental estatue-se sobre essas tres ordens de manifestações exteriores. Cortando ou excitando certas zonas do systema nervoso central ou peripherico, imitam-se os symptomas nervo-dynamicos: tosses, anesthesias akinesias, palpitações, convulsões, etc. ; por este mecanismo, ou ainda ligando vasos, reproduzem-se os symptomas chimicos : glgcosuria, polguria, albuminúria, uremia, etc. ; por iguaes processos suscita-se o apparecimento dos symptomas plásticos : atrophias, hypertrophias, steatoses, ou degenerescencias, etc. Os physiologistas não se contentam em imitar fielmente esses factos ou syndromas, proseguem no estudo do mecanismo creador de ver- dadeiras moléstias coustitucionaes como a gotta e a. diabetes. Brown-Se- quard já alcançou produzir em coelhos uma epilepsia transmissível por herança. Os phenomenos desta moléstia experimental são tão analogos aos da espontânea que é com razão que M. Lanceraux observa, si se acha bem provado que os casos espontâneos dessa nevrose não sejam herdados de progenitores cuja epilepsia fosse gera- da accidentalmente também por um traumatismo. Si a identidade aqui póde ainda ser sujeita a contestações, ninguém negará despre- venido que o physiologista crêa o amollecimento cerebral e as moléstias certamente parasitarias, como a sarna e a trichinose (de parasitas ani- maes), e a tinha farosa, o ptyriasis versicolor, o herpes tonsurante, a sto- matite aphtosa infantil, em que os parasitas são vegetaes microscopicos. Quem ousará contestar a identidade das moléstias experimentaes .toxicas—septicemia e moléstias virulentas—com os casos espontâneos clinicamente observados ? E’ no estudo comparativo das inoculações que se multiplicam prodigiosamente os trabalhos da experimentação contemporânea. Antigamente só o ar era conhecido como vehiculo da casualidade mórbida chamada ínfecção, de sorte que o processo infeccioso foi sempre opposto ao contagio. Hoje a physiologia, como a chimica e o microscopio, aprofundam de tal modo estas questões que a interpre- tação do processo infeccioso de limitada tornou-se vastissima. Co- nhecem-se na actualidade para os agentes essencialmente infecciosos, os infecto-contagiosos e os puramente contagiosos ou virulentos, dois modos de apparição: por autochthonia e heterochlhonia. Os agentes do processo infeccioso, miasmas e virus, não se coufundem mais com os venenos e peçonhas, pois as analyses experimentaes mostram que 45 os agentes geraes da infecção propagam-se e reproduzem-se em um meio couveniente. I)eve-se a ChaufFard uma boa distincção a res- peito : para este profjssor os venenos e peçonhas actuam immediata- mente á absorpção, são proporcionaes a estas e decrescem também proporcionalmente á eliminação pelos eraunctorios orgânicos ; em contrario, os miasmas e virus para manifestarem-se carecem de passar por um cyclo obscuro variavel, conhecido sob o nome de in- cubação. A propagação infecciosa por heterochthonia é a que se ob- serva mais frequentemente. A infecção por contagio, propriamente dito, faz-se por inoculação, como na sarna, na trichinose, etc., mo- léstias francamente parasitarias, em que o principio contagioso é apprehensivel, tangível; por contacto immediato, como nas moléstias sépticas ou septicoídes; por contacto mediato, como nas moléstias essencialmente virulentas a tirarem suas propriedades de humores especiaes ou antes dos corpúsculos, das granulações humoricas, ver- dadeiros elementos anatómicos, onde o principio contagioso, o virus, revela-se por manifestações especiaes. Estes factos singulares não nos espantam, a nós que sabemos por experiencias o que ha de espe- cial no trabalho de cada elemento anatomico, como cada glandula, por exemplo, elabora em seu seio productos como a pepúna, a bile, a ptyalina, a mucina, o sperma, que se não acham no sangue; como as glandulas salivares mostram-se refractarias a deixar passarem por seus domínios certos principios injectados no sangue. De duas incógnitas consta o problema do processo infeccioso que os novos methodos de investigação experimental estão desven- dando e procurando pôr em evidencia: Io, qual o modo de acção das matérias infecciosas e virulentas; 2o, qual a natureza e quaes os ele- mentos verdadeiramente activos destas matérias. Os experimenta- dores iniciaram taes estudos por determinarem os resultados da pe- netração no organismo de infusões vegetaes, de sangue fresco mantido na temperatura normal, até 15 ou 20 horas, de substancias em via de putrefacção, de pús pútrido, etc. Consegue-se a penetração por injecções feitas nas veias, no tecido cellular; nas serosas, nas vias, aerias e gastricas: a via gastrica parece a menos favoravel á obtenção do envenenamento séptico ; talvez porque o sueco gástrico destroe, segundo Bernard e Collin, o poder infeccioso. Sem contarmos com particularidades próprias, a qualidade da matéria injectada e a via que a recebe, póde-se dizer de um modo geral que, depois de um 46 intervallo, variando de horas a dias, e que representa a incubação, o primeiro phenomeno que salta ao observador é a explosão febril se- guida de signaes analogos aos typhoides; vornitos biliosos, san- grentos, diarrhéa de fôrmas variaveis e emmagrecimento progres- sivo dos animaes até a terminação, que é na maioria dos casos a morte mais ou menos rapida. O insigne physiologista Chauveau, cujas experiencias são ca- bedaes de subido alcance nestas indagações, injectando um centi- metro cubico de pús pútrido no tecido cellular de cavallos, verificou que esta injecção acarreta um vasto phlegmão terminando por gan- grena e em poucos dias matando o animal. Si a substancia é injectada em uma solução diluida a 40, veem-se ainda symptomas de inflammaçao interna, resolvendo-se as mais das vezes. Os expe- rimentadores confirmam unanimes a activa energia do veneno séptico em dóses minimas, sujeita, todavia, á influencia da aptidão do animal e á natureza ds seu sangue. A. necropsia descobre lesões de differentes generos nos orgâos, especialmente alterações chimicas e anatómicas no liquido sanguineo, onde o microscopio vê aiuda ele- mentos moveis que a maioria dos experimentadores têm considerado como verdadeiros seres vegetaes e animaes e a que donominam bacteries, vibriões, etc. A real natureza destes elementos não se acha elucidada, e a crer-se na valiosissima opinião de Robin serão todos cogumelos vegetaes e da mesma especie do Leptothrix buccalis, que, dos parasitas cryptogamicos do homem e dos animaes, é o unico co- nhecido satisfactoriamente. Esta moléstia, produzida totius substancice pela experimentação, não differe em ponto algum das moléstias sépticas conhecidas pelos observadores sob os nomes de infecção pútrida e infecção purulenta. Ella dá ao sangue, aos humores e aos tecidos a propriedade virulenta, virulência esta que cresce de intensidade â medida que se vai trans- mittindo de um animal a outro : o caracter virulento exagera-se até certo ponto em proporção inversa da dóse. Actualmente a observação clinica, apoiada na experimentação physio-chimica, tem geralmente por verificados, como já dissemos, os modos autochthono e heterochthono da evolução das moléstias miasmaticas e virulentas. Fóra de meios contagiosos e mesmo insa- lubres notam-se exemplos de septico-pyoemia ; a cirurgia sabe infe- lizmente que, não obstante o resguardo cauteloso das feridas ao con- tacto do ar por apparelhos apropriados, como o de occlusão de Guerin, a auto-infecçao se manifesta, da mesma fórma que nos casos de focos purulentos internos visceraes e nos factos isolados da scepti- cemia das paridas ou febre puerperal: a iufecção nesta ultima mo- léstia é consecutiva á possibilidade da phlebite, lymphangite, de alterações secretivas do utero physiologicamente traumatisado, ou ainda pela retenção de moléculas placentarias putrefactas. O modo heterochthono é o mais commum e comprehende as infecçOes miasmatica pura, sem contagio, como a da febre palustre ; as moléstias miasmatico-contagiosas, como o cholera, a febre amarella, etc. ; as moléstias contagiosas miasmaticas, como a febre puerperal, a septicemia, etc. ; as essencialmente virulentas, de vírus fixo e voloteis, ora fixos como o da syphiles (de origem humana), ou voláteis como o da vacina, etc. (de origem animal). Os esclarecimentos desta parte do problema, as explicações tangiveis dos modos evolutivos e semeioticos do processo infeccioso, explicações interessantissimas e vastas, sobre as quaes não podemos nem devemos entrar por miudo, representam um progresso real para a hygiene privada e publica e para as condições da boa therapeutica, isto é, da therapeutica que não desconhece mais as circumstancias em que se dão as invasões mórbidas e os vestígios que vão ellas imprimindo no organismo in- teiro. A natureza dos agentes infecciosos é questão que, mau grado o investigar constante e penoso de famosa pleiade de experimenta- dores, neste momento mesmo, é calorosamente debatida e contrapro- vada no seio da academia de Paris, pois acha-se intimamente ligada ao problema chimico das fermentações que não obteve ainda solução definitiva. Não obstante, como as interpretações, experimentaes estão legando á therapeutica do processo infeccioso geral importantes re- sultados práticos, e os delicados e recentes trabalhos de Chauveau vão arrastando a adhesão de numero de espíritos á sua theoria das partes verdadeiramente activas do contagio, temos por imprescindível dar mesmo em conciso resumo o que sabemos a respeito. A mais antiga noção da natureza dos miasmas e dos virus é a que os suppõe verdadeiros venenos chimicos, isoláveis e eminente- mente diffusiveis sem serem voláteis. Dizemos antigo este modo de ver, relativamente fallando, porque é tal a marcha rapida da sciencia experimental que se a não póde sujeitar á chronologia commum ; ás 48 pesquizas feitas hontem seguem-se tantas outras novas que as pri- meiras hão de ser tomadas forçadamente de velhice precoce. Berg- man, que defende esta ideia, obteve o veneno por diffusão em uma combinação de acido sulphurico e denominou-o sulphato de pepúna: o cirurgião Verneuil deu curso a esta interpretação. Parece certo que, injectando-se os extractos cbimicos das ma- térias pútridas, a infecçao se dê ; mas é certo também que se nao consegue após a transmissibilidade da virulência, além de que nao ha analogia, como já vimos, entre o agente infeccioso susceptivel de reproducçao e de intensidade maior em dose menor—com o veneno chimico, que se nao reproduz, nem se torna intenso por diminuição de quantidade. Panum acredita que, para a infecçao inoculavel, concorreria a aoçao dos infusorios demonstrados no sangue. Davaine em 1863, es- tudando a natureza da virulência carbunculosa, verificou nos hu- mores respectivos a existência de corpúsculos locomoventes, como tendo apparelhos de movimento, verdadeiros seres a produzirem por sua presença e excessiva fecundidade reproductora a putrefacçao que dá causa á infecçao virulenta. Para que o parasitismo morbido expli- casse todo o processo infeccioso em geral os experimentadores dei- taram máos ás analyses minuciosas e surgiram descobrimentos novos de microphytos e micro&oarios nos humores dos typhicos, dos variolicos, dos diphtericos, dos affectados do impaludismo, dos escarlatinosos, rubeolicos, etc., etc., todos bacteries e vibriões, mas de especies dif- ferentes, de structura própria e energia autonoma. O conhecimento da organização da levada-a da cerveja, da exis- tência do fermento figurado tõrula crcvisice, gerador da fermentação alcoolica, e nessa mesma levadura o conhecimento de outra .sub- stancia organica, fermento amorpho, especialmente incumbida da metempsycose do assucar de canna em assucar de uva, fórma a base em que assenta boje a analyse chimica de todo o processo fer- mentescivel, susceptivel de se apresentar sob dous aspectos. Desde 1858 que a fermentação vinica, a fermentação acética, etc., são devi- das, segundo Pasteur e grande numero de cbimicos com elle, á pre- sença e multiplicação de fermentos figurados, seres vivos, animaes ou vegetaes, que se nutrem, crescem e reproduzem : a transformação da matéria fermentescivel corre, assim, por conta das necessidades vi- taes dos infusorios em seu seio. Cada fermentação deste genero tem seu fermento proprio, da mesma sorte que as fermentações produzidas por fermentos amorphos também os possuem específicos ; a mudança dos amylaceos em assucar sob a acção da ptyalina salivar, a meta- morphose dos albuminoides pela pepsina do sueco gástrico, o desdo- bramento das gorduras em glycerina e ácidos graxos sob a acçao da pancreatina do sueco pancreatico, sao exemplos de fermentações geradas por fermentos amorphos. Cl. Bernard demonstrou que no proprio sangue se dá o processo fermentiscivel, pois, injectando amygdalina (matéria fermentiscivel) e emulsina (fermento amorpbo) em animaes, os vio elle morrerem envenenados pelo acido cyanhy- drico, que é o producto dessa fermentação. Em 1863 a discussão dos trabalhos de Pasteur na Academia de Sciencias retumbou como écho extraordinário, causando emoção violenta na Academia de Medicina, á qual Davaine sujeitara nessa época suas experiencias sobre a natureza parasitaria do virus car- bunculoso. Pasteur combatia a theoria do contacto de Berzelius, que olhava a fermentação como phenomeno catalytico analogo á formação d’agua na presença da platina porosa ; e com a mesma caracteris- tica impetuosidade oppunha-se á theoria de Liebig que explicava o phenomeno catalytico attribuindo ao fermento um movimento molecular destruidor do connubio chimico das substancias fermen- tisciveis. Para Pasteur a putrefaeção representa um effeito, ou serie de effeitos fermentiveis dependentes das necessidades vitaes que ahi se desenvolvem. A pathologia animada, a theoria parasitaria do processo in- feccioso, parecera achar seu fundamento chimico nas experiencias de Pasteur : os germens filiformes dos seres microscopicos a pene- trarem a pelle, a insinuarem-se nos vasos, a invadirem todo o sangue, são os operários da desorganisação pútrida : os vibriões destruidores não se locupletam só em nossos cadaveres, também se aprazem dos organismos vivos onde banqueteiam-se atirando-nos a ameaça da morte, que é a moléstia. Em verdade o fundamento chimico da pathologia animada não poderia ser mais solido si a própria theoria chimica não transgredisse a lei suprema da hierarchia philosophica positiva, recorrendo, como observa Berthelot, para explicar um facto que lhe é peculiar desconhecido a factos biologicos mais natural- mente ignorados ainda ; pois, si é racional que a chimica ministre explicações á analyse interpretativa dos factos biologicos, não cabe a estes autorisação philosophica para explicarem phenomenos chimi- cos. Masnao consiste só neste meio racional a fraqueza da doutrina que attribue a natureza do processo infeccioso á fermentação para- sitaria ; as investigações experimentaes proseguem, verificando que nem sempre nos agentes infecciosos mostram-se infusorios ; que no proprio sangue normal existem as granulações, tomadas por mycro- phitos e microsoarios ; que as injecções bacteridianas nem sempre geram a septicemia e a virulência ; que a bacteridiania emfim nao é uma condição sine qua non. Para as moléstias essencial mente viru- lentas Chauveau trouxe provas em contrario do parasitismo real- mente nitidas e poderosas. Para este sabio physiologista a existência dos germens infusorios é um facto meramente accidental nos humo- res: o botão vaccinal no quinto dia de infecção, por exemplo, não con- tendo protozoários, dá por inoculação excellente vaccina. Chauveau, praticando a filtração dos humores, o isolamento das granulações moleculares solidas em suspensão no liquido de todos os elementos anatómicos, chegou ás seguintes conclusões : « Io, experimentando com humores virulentos gradual e progressivamente diluidos em um vehiculo inerte, a actividade destes humores se manifestará não como se fosse uniformemente espalhada no seio da massa e adstricta a todas as moléculas, mas como o attributo exclusivo de al- gumas dispersas aqui e acolá, e tanto mais afastadas umas das outras quanto a diluição é mais extensa ; 2o, as substancias dis- solvidas no seruin retiradas isoladamente se mostrarão completa- mente estranhas a toda actividade virulenta ; 3o, o mesmo isola- mento sendo praticado, com as partículas figuradas, suspensas no serum, a inoculação destas partículas, isoladas de modo absoluto, produzirá os mesmos effeitos que a do humor completo ». Os elementos verdadeiramente activos das matérias infecciosas parecem ser, por estas experiencias brilhantes, os corpúsculos so- lidos como agentes viruliferos. Dieulafoy, aceitando estas conclu- sões, acredita que os miasmas não são outra cousa mais do que os corpúsculos virulentos, cujo vehiculo é então o ar atmospherico. As relações intimas do processo infeccioso são favoráveis a tal modo de ver. O transporte dos agentes a longas distancias do fóco da infecção, certas extravagancias predilectivas dos miasmas e virus consistindo em atacarem de um bairro determinado ruas, deixando intermediárias incólumes e ainda de urna mesma rua um só lado respeitando o lado opposto, não se póde naturalmente conceber quando acredita-se que o principio virulento seja de natureza li- quida ou gazosa. Os experimentadores veterinários obtiveram desenvolver em cavallos submettidos a fadigas forçadas o virus do morvo agudo sem inoculação prévia. Os uhra-contagionistas recusam-se a admitir a espontaneidade do processo infeccioso, que para elles equivaleria a uma prova impossivel da geração sem germens preexistentes; mas vai nesta recusa o que chama a velha lógica petição de principio, porquanto sobre a theoria parasitaria se basêa ella e é exactamente o que está em questão. Para o que diz respeito ás moléstias essencialmente contagiosas as experiencias ulteriores repellem o parasitismo como condição causal, e a sua apparição em taes casos deve ser consi- derada accidental, effeito da mesma infecção. As experiencias confirmam o valor das notas da observação sobre a necessidade da aptidão individual e mostram toda a importância das condições de raça ou ethchnologas. Sobre certos casos de antagonismo no pro- cesso infeccioso comsigo mesmo fundamenta-se a noção da immuni- dade adquirida. Nesta noção fez a antiga pratica repousar os methodos de tratamento prophylactico das inoculações preventivas, o da varioli- sação, da syphilisação, etc., com a inoculação da própria variola para preservar da possibilidade de um perigo expunha-se pela antiga pratica ás eventualidades do mesmo perigo com successo raro e du- vidoso. Para as tentativas de syphilisação concorreriam as mesmas razões, si não houvesse outras de ordem moral a repellil-as in limine. As noções de immunidade adquirida levaram as experiencias de Jenner ao descobrimento das vantagens e inocuidade da inoculação vacci- nal, vantagem e inocuidade que a longa experiencia de oitenta annos confirma todos os dias. Suppoz-se por muito tempo que a lei da invariabilidade dos typos morbidos soffria uma excepção no tocante á vaccina animal, que para Depaul, por exemplo, seria a variola hu- mana transformada. Pretendeu-se obter vaccina inoculando pus vario- lico nos animaes. Tal idéa encerrava consequências funestas, como a experimentação veio provar, demonstrando a não identidade das duas affecções virulentas. Chauveau, fundamentando a não identidade da vaccina com a variola, ensina além disso que o virus vaccinico é especifico, e propriedade de certos animaes (homem, boi e cavallo), o que elle chama funcção vaccinogena. Chauveau affirma que a inoculação do virus vaccinico localisa a infecção virulenta, que vê generalisada quando o mesmo virus é levado immediatamente â torrente circulatória. Propõe-se para explicar o facto daimmunidade adquirida uma comparação com o que se observa no processo fermentivo, no qual nota-se que, fermentada a matéria fermentiscivel, novas addic- ções de fermento tornam-se inactivas. Isto explicaria alguma cousa, si, como diz Picot nas bellissimas lições feitas sobre este assumpto, « se demonstrasse no organismo, sob a influencia das in- fecções, o desapparecimento compatível com a vida, de um corpo fer- mentiscivel qualquer, não se reproduzindo mais depois de sua des- truição. » O que vale confessar é que a sciencia experimental nada conseguio ainda de positivo sobre este ponto. A natureza dos agentes infecciosos, não obstante o muito que se tem feito para o seu real conhecimento, e a autoridade de certas theorias que o têm como adquirido já, é também cousa ainda obscura e controversa, mas sobre a qual felizmente a elaboração experimental prosegue infatigável. Si Robin, dizendo que ahi se passam « modi- ficações materiaes, produzindo mudanças de estado molecular, ana- logas ás que se observam na transformação do phosphoro commum em phosphoro vermelho », nada esclarece a respeito, deixa todavia bem traçado o verdadeiro terreno em que devem sulcar os arados da investigação physio-chimica. O que se não póde negar é que como auxiliar da experimentação physiologica a prophylaxia do processo infeccioso aufere lucros positivos e muito ha por auferir. Para o tratamento curativo, o unico especifico irrecusável são os saes de quinina na infecção palustre ou febre intermittente : oriundo da indicação empirica, a acção de tão precioso remedio é ainda um problema a resolver, não obstante a opinião do experimen- tador allemão Binz, para quem os saes de quinina e sobretudo o chlo- rydrato desse alcaloide são tidos como fermentiscidas. Binz vio a quinina em alta dóse deter os movimentos brownianos dos infuso- rios ; Vulpian e depois Bochefontaine confirmaram estas experiên- cias, notando a elevadissima dóse do sal quinico ; de sorte que para 53 se obter a acção fermentiscida precisára dar ao doente esse medica- mento na dóse de 12, 15 ou 17 grammas nas vinte quatro horas, acre- ditando Binz que os insuccessos sao causados pela administração parca e timida do especifico. Esta explicação repousa infelizmente sobre a hypothese vaga do parasitismo infeccioso ; além de que a observação quotidiam mostra que uma gramma até duas de quinina podia acarretar uma cura de intermittencia palustre apparatosa, em- quanto dóses mais exageradas confessam-se impotentes para fazer descer a temperatura, mesmo modesta, de outras affecções presup- postas também parasitarias. Sem duvida que sob a impressão da pathologia animada dos fermentos a therapeutica dos miasmas e virus conseguiram a acquisição de desinfectantes preciosos como o acido phenico, o creosoto, o silicato de soda e hoje mesmo o acido sal- licylico. Nas affecções antes miasmaticas do que contagiosas, como a septicemia, a acçao local dos phenicatos e sallicylatos parece vanta- josa, mas nem o uso interno do acido phenico na variola e na febre typhoide, nem o do creosoto na mesma febre typhoide, dão resul- tados decisivos. São de Cl. Bernard as seguintes palavras : « Os meios que im- pedem as fermentações organicas ou que neutralisam a acçao dos fer- mentos nao têm podido ser empregados com successo em medicina, porque fora necessário para isso mudarem-se as propriedades do sangue a ponto tal que a vida nao fôra mais possivel. » Temos para nós que a esperança do bom exito na indicação curativa do processo infeccioso está sobretudo dependendo ainda de varias incógnitas do problema sobre as quaes trabalha a experimentação. Nestes últimos tempos as experiencias, principalmente as de Villemain e as de Chauveau, tendem a trazer para o quadro immenso das moléstias virulentas uma já muito conhecida, mas nao como tal, —a tuberculose. Estes experimentadores injectaram em diversos animaes soluções de massas tuberculosas e dizem ter obtido a trans- missão da moléstia. Julgando defeituoso este inethodo e attribuidas as lesões observadas a infarctus embolicos, Chauveau recorreu á experimentação pela via gastrica, dando a caes a ingestão dessas massas, e por esse meio manifestaram-se os conhecidos symptomas da diathese. Sabemos de um facto que, por ser quasi idêntico, valeria uma 54 experiencia; dizemos quasi idêntico, porque em vez de massas tuber- culosas o animal dava-se voluntariamente á ingestão dos esputos de um tuberculoso nos últimos períodos da consumpção. Tem-se dito que o aleitamento pelas vaccas tuberculosas em outros animaes prova o contagio da affecção pelos resultados obtidos. Nas escolas veterinárias a experimentação comparada occupa-se seriamente dessa importantíssima questão. São estudos estes que apenas se ini- ciam e sobre o que seria imprudente qualquer antecipação, mas comprehende-se que thesouro de vantagens praticas não tirará d’ahi a hygiene, quando mesmo mallograda a pretendida inoculabilidade ou virulência do tubérculo. E’ desta direcção synthetica da experimentação que lia de vir a certeza scientifica. Toda vez que o experimentador puder sujeitar o organismo ás condições marcadas pela observação analytica e re- produzir pbenomenos normaes ou series de phenomenos morbidos, a synthese biologica estará feita. A palavra synthese perde aqui seu puro caracter abstracto de mera operação do espirito ; seu objecto con- creto não é reconstruir o que a analyse decompõe, mas verificar, confirmar, demonstrar ; todo o apparelho de experimentação exprime uma synthese phenomenal : está nisso, como ensina a physica, o que distingue mesmo o methodo experimental. Para os estudos cbimicos já fez ver Berthelot, na sciencia nova a que ligou seu nome, de que maravilhas não são capazes as com- binações syntheticas. Comtudo não nos passa pela mente o medir e approximar a commodidade de que ainda é susceptivel o emprego deste instrumento referido á cbimica organica, dos abrolhos que se antolham a aggredir o biologista na synthese dos phenomenos, dos factos, das propriedades da matéria organisada, cujas reproducções resultam não só da natureza e proporção em peso, mas essencial- mente do arranjo molecular dessa matéria. Não obstante, onde a syn- these biologica se tem achado mais á vontade é na pratica de fazer renascer fóra do organismo o elemento chimico e melhor o elemento physico do acto vital. Ninguém contestará de certo que a passagem do ar atmospherico atravez de uma membrana organica contendo 55 sangue venoso não o torne rutilante e rubro e reproduza por syn- these o acto da hematose ou transformação sanguínea nas cellulas pulmonares ; que o addicionamento de um acido, a mistura feita de carne e suecos gástricos em um simples matrás não imite a digestão estomacal; que o contacto artificial do ovulum com o licor esper- matico não reproduza o phenomeno da fecundação natural. Mas é na reproducção dos actos physico-dynamicos que naturalmente, como afíirma Marey, estas demonstrações syntheticas tornam-se mais realizáveis e evidentes. E’ ao illustre physiologista Marey que se deve particularmente o desenvolvimento da iniciativa de servir-se a physiologia das in- flexões de uma curva geométrica para fixar e transmittir aos olhos as variações do phenomeno vital. E’ por esse meio que o mecanismo dos musculos intercostaes internos na funcção respiratória se acha retractado no apparelho de Bernouilli e Hamberger. A engenhosa construcção schematica de Weber também representa á vista a me- cânica da circulação e a causa fundamental de sua existência. Marey trabalha sem cessar nos melhoramentos dados á synthese biologica com o grande auxiliar que elle denominou methodo graphico. Por esse meio graphico a natureza intima da circulação, as pressões variá- veis na pleura e nos bronchios, toda a mecanica, emfim, do acto res- piratório escapando á observação e á própria experimentação directa, se refaz por synthese com proveito incontestável para a theoria e a pratica. Com a synthese biologica resolveram-se as controvérsias rela- tivas aos movimentos cardiacos. Dizia-se outrora, modificando a theoria de Harvey, que o choque do coração resultava da contracção ventricular, depois pensou-se ao contrario com Beau que o choque cardiaco era produzido pela diástole súbita do ventrículo no momento da systole auricular : os práticos dividiam-se nessa interpretação. Marey recorreu á synthese e pôz a claro a dependencia entre a pulsação cardíaca e a contracção ventricular, e isto por meio de curvas que se desenham nas elevações synchronicas de duas ala- vancas collocadas uma no ventrículo direito e outra na aurícula do mesmo lado, ao mesmo tempo que o carchographo registra a evo- lução da ponta do centro motor sanguíneo. O engenhoso physiolo- gista construio um coração artificial que, posto a trabalhar, dá ao tacto a sensação do choque e ás alavancas traçado idêntico ao que offerece o orgâo natural. Assim Marey demonstra graphicamente e com admiravel precisão as variedades normaes e mórbidas do choque, das oscillações e ruidos cardíacos. Mostrou além disso que, si se communica movimento a um liquido em um tubo de borracha, observa-se o phenomeno do pulso chamado bisfericns ou dicroto, e explica-lhe a manifestação organica pelas oscillações da columna sanguínea por entre os tubos elásticos arteriaes. O dicrolismo, de muito conhecido como phenomeno pathologico, tomou, desde então, legitimo logar na ordem dos factos também normaes. A’s celebres experiencias instituídas na escola pratica de Pariz por Beau de uin lado e por Chauveau, Marey e Longet do outro, para decidirem das opiniOes divergentes sobre os rythmos normaes e so- pros cardi'0-vasculares, devemos toda a luz sobre a questão dada pelo methodo grapbico. Laenec, que descobrio e deu a explicação dos dons rythmos cardíacos, attribuio o primeiro á contracção dos ventrículos e o segundo á contracção das aurículas. Depois Rouanet apresentou a theoria valvular, que dá o ruido systolico por conta da tensão brusca das valvulas auriculo-ventriculares, e o segundo, o dyastolico por conta do mesmo mecanismo das valvulas sigmoides. A theoria de Rouanet era experimental e a critica moderna nada teve a mudar nessa interpretação, a não ser que o primeiro ruido, produzido por um esforço poderoso do coração, é um tom muscular, surdo, grave, e tem por causa não só a tensão valvular, mas também a própria con- tractilidade muscular das cavidades cardíacas. As demais theorias estavam em opposição com os princípios da acústica e por si cahiram; mesmo a de Beau, que se baseava sobre algumas idéas sãs da pliysica, não resistio á prova physiologica de seu desaccordo com os factos ex- perimentaes. Das condições geradoras dos tons normaesoardio-vasculares resulta que estes ruidos são productos de vibrações solidas. Os mur- murios pathologicos são vibrações liquidas, apresentam uma tonali- dade distincta e trazem ao ouvido ou ao stethoscopo a sensação de verdadeiro sopro. Sabe-se em physica que a agua que se escoa rapi- damente atravez de um tubo, experimentando uma dilatação súbita e mudança brusca de pressão no orifício, produz o que se chama veia fluida ; donde ruidos de sopro e vibrações musicaes, além do frémito apreciável nas paredes do tubo, segundo a intensidade do sopro. Por consequência, desde que em um ponto qualquer da machina hydrau- lica sanguínea irromperem taes circumstancias nascerão também as condições physicas para o ruido pathologico, para o sopro. As transmissões das vibrações musicaes organicas podem fazer-se a teci- dos circumvisinhos em distancias minimas ou maximas, conforme a tonalidade do sopro deixa ouvir diversos timbres ou modalidades, chamados de serra, piado, etc., variedades sonoras estas que se observam geralmente nas lesões oricas do coração pelas vibrações dos lábios dos orifícios, sobretudo quando taes orifícios se acham retalha- dos ou esphacelados. As condições physicas para o sopro existem nas stenoses e insuíficiencias aorticas e auriculo-ventriculares ; nas ectasias vasculares ; nas phlebarterias; na compressão das carotidas, femoraes e veias jugulares, na depressão geral da tensão sanguínea. Dos mesmos princípios hydraulicos que formulam a lei dos ruidos circulatórios a physiologia experimental extrahe outra lei, a que preside a genese dos murmurios respiratórios e que se póde exprimir assim : « O ar em circulação nos tubos inertes ou vivos só gera ruido ou sopro si passa de uma parte estreitada a uma parte mais larga ». As experiencias de Chauveau e Bopdet assen- taram esta lei e destruíram as interpretações de Laenec a acre- ditar que os ruidos respiratórios são produzidos pelo attrito do ar contra as paredes da trachéa, dos bronchios e dos utriculos pulmo- nares, e por exclusiva a de Beau que os tinba como retumbancia do 58 ruido laryngeano. A theoria de Laenec nao tem fundamento, como mostraram os experimentadores, porque cortando-se em um cavallo, de ruidos respiratórios normaes, a trachéa abaixo logo do larijnge, e mantida a abertura por meio de um tubo de aço, a auscultação dá por falta do ruido traeheal ; o que se ouve é um ruido curto e cla- ríssimo, e só na inspiração nota a escuta producção no pulmão de um ruido vesicular mais intenso que d’antes ; com a adaptação á tracbéa de um tubo de borracha equivalente, a escuta revela nesse ponto silencio inspiratorio, na expiração lig*eiro sopro crescendo de intensidade para a extremidade livre do tubo, e no tliorax nada nota de novo. Ora, si a interpretação pelo attrito fosse real, o ruido traeheal não só não se modificaria com a secção da trachéa, como augmentaria com o alongamento desse tubo devido ao de borracha adaptado. À theoria de Beau é condemnada por essa mesma experiencia, pois, si todos os murmurios respiratórios são échos do laryngeano, a escuta do thorax do animal, separada a trachéa do larynge, não revelaria a persistência do murmurio vesicular, que é até mais claro. Reiterados experimentos com resultados sempre idênticos levaram Chauveau e Bondet a darem a respiração physiologica como con- sequência de ruidos respiratórios superiores ou laryngeanos e dos infe- riores ou bronchicos. Quando se faz respirar fortemente um homem são, que é auscultado, percebe-se na região laryngéa um ruido tanto inspiratorio como expiratorio : a veia fluida que o gera se estabelece no primeiro caso pela passagem do ar da glotte á trachéa, no se- gundo pela dilatação que experimenta, passando do estreito glottico a expansão pharyngeana. O endurecimento pulmonar favorece a propagação do ruido laryngeano que é o mesmo sopro bronchico, sopro tubario. Os ruidos inferiores ouvidos no thorax, são os murmurios vesiculares e de- pendem da passagem do ar das ramificações bronchicas ás cavidades dos utriculos pulmonares. Si todos os ruidos morbidos respiratórios não recebem ainda explicação pela lei experimental, o sopro cavernoso, os estertores sibilantes, os estertores mucosos interpretam-se facilmente. M. Peyneau (nos Archivos de Medicina, 1877) apresentou uma theoria em contribuição á respiratória das veias fluidas. Para Peyneau « o sopro inspiratorio é uma resultante dos ruidos laryngo-bron- chicos normaes anormalinente perceptiveis; respiração soprante, sopro pleuritieo, sopro pneumonico ; o sopro expiratorio resulta das veias fluidas que se produzem na passagem do ar das ramificações bronchicas aos troncos, no ponto de confluência dos raminhos imper- meiaveis. » Não podendo tratar por mais tempo desta questão, damos as duas conclusões do auctor, dirigindo os curiosos para o seu citado tra- balho. Com os registradores como o pneumographo para o estudo da respiração, o sphygmographo para o pulso, o cardiographo para o co- ração, o thermographo para o calor, o miographo para a contracçâo muscular e a propagação nervosa, vê-se que esta synthese graphica dos phenomenos vitaes chegar-se-ha a applicar a todos elles reduc- tiveis de mais em mais a condições dynamicas. O professor Mosso (de Turim) não ha muito acabou de permit- tir ao methodo experimental graphico o medir com a maxima pre- cisão compativel a influencia dos centros nervosos sobre os vaso- motores, verificando assim que todo phenomeno cerebral ou psycbico retumba sobre a circulação periférica. O registrador do physiologista italiano nao só é de feliz applicaçao ao estudo exacto das funcções cerebraes, da influencia das chamadas causas normaes, mas ao estudo da acçao nevrosthenica dos medicamentos, como o provou com o chloral. M. Ch. Rouget apresentou em 1876 á « Sociedade de Biologia » uma curiosa nota sobre o valor do pneumographo no prognostico e tratamento do tétanos. Os traçados pneumographicos que mostram o estado dos musculos inspiradores e dos expiradnres nessa moléstia são guias preciosos. O pneumographo torna patente a inutilidade de praticar-se a tracheotomia para evitar a asphyxia quando são os mus- culos inspiradores os que se acham compromettidos. O pneumographo prova que o que mata no tétanos é a explosão asphyxica. 60 Calvos os casos ainda pouco conhecidos e fugazes, os clínicos contemporâneos, estribados nos meios physicos e chimicos do diag- nostico, como o stethoscopo, o plessimei.ro, o thermometro, a semeologia das urinas, o sphygmographo, o pneumographo, o especulum, o laryngoscopo, ophthalmoscopo e o microscopio, não devem soffrer mais a escandalosa frequência dos desaccordos juntos a um septicismo desabonador dos créditos da arte. E não se diga, como em um recente tratado de clinica, o do Dr. Gallard, que esse luxo instrumental de nenhum modo substituirá a experiencia do bom senso, complemento necessário do que se chama olho medico, tacto medico, duas cousas estas que ninguém aprende e que ninguém ensinará ! Essas pretenciosas phrases olho medico, tacto medico, são dous chavões artiliciaes que, só podem signi- ficar alguma cousa para os que olh im como superfluidades as acqui- sições dos renovamentos scientificos, para os que deliciam-se com possuir as mãos por thermometro e o sphygmographo armado nas polpas das dedos ! Sem duvida que a nova pratica scientifica está requerendo consummada perícia no apparelhar dos instru- mentos, no manejar dos reactivos chimicos e vitaes, mas, embora maior, como para todas as cousas, a dificuldade é só inicial. Reco- nhecemos, comtudo, que, fóra dos hospitaes, será o emprego rigoroso de todos os auxiliares mecânicos, por muito tempo ainda, dispen- dioso e pesado. Porém o que nos compete declarar aqui é que pela união methodica, hierarchica ascendente, da observação, experimen- tação, e comparação, a medicina experimental ou melhor ainda a medicina positiva se approximará o mais possível do seu ideial. Representa esse ideial a necessidade de fazer attingirem os problemas physio- logicos á clara precisão de que são dotados os mecanico-chimicos, nos quaes das diversas condições da questão se póde modificar á vontade uma, destacar a incógnita e achar-lhe o valor na mudança correlativa que então se patenteia. A altiva dignidade do methodo experimental está na attitude firme de conquistar generalisações curtas, leis fecundas e guardar um desapego frio ás tneorias, por mais fascinações que desenvolvam, quando não encontrem ellas apoio decidido na applicação rigorosa dos factos clinicos. Perante a energia da sciencia deste modo com- prehendida é que assistimos a cada momento ao desabar irremediável das edificações desordenadas com que os systemas de uma medicina metaphysica — vitalismo, organicismo e organo-vitalismo—derramavam carregadas sombras sobre as rotas da pratica, já de si tao tortuosas e obscuras. A medicina positiva não se arroga o prestigio de estabelecer quaesquer seitas, ella tem por systema nao fundar systemas. O que a pbysiologia experimental comparada ou physiologia positiva já sabe e ensina é que o como dos factos vitaes nao se adivinha, nem se inventa ; que a moléstia deve ser seguida e desalojada de seus mais intimos recônditos ; que para conhecer, emfim, o que exprime um symptoma convém referil-o ao mecanismo normal e contar com todas as diversidades que podem caracterisar-lhe a natureza e a origem. Quanto é commum, por exemplo, observar-se a dyspnéa fóra das lesões especiaes do apparelho respiratório ! E como então com- prehender-lhe signiiicaçâo nas anemias, moléstias cardíacas, hydro- pisias, paroxismos febris, prenhez, etc., si não soubéssemos pela expe- rimentação que a d: fficuldade de respirar resulta da perturbação da hematose, da troca incompleta entre ) gaz acido carbonico do sangue e o ar atmospherico, si não soubéssemos que basta uma alteração na crase do licôr sanguíneo ou um embaraço mecânico em qualquer orgão para que a irrigação pulmonar seja mal feita e a paralysia da funcção respiratória se manifeste ? Repetimos, e não cessaremos de o fazer em todo decurso de nosso trabalho, que a conciliação que se está operando de dia em dia sahe da subordinação ás leis biológicas como ponto de partida commum da theoria e da pratica : a clinica apprehende a moléstia na exterioridade de sua producção e regularidade evolutiva, a phy- siologia interroga-lhe o mecanismo e ensina os meios de reagir scientificamente sobre ella. Qualquer dichotomia neste associamento será sempre uma violação deplorável e funestissima. Os exemplos celebres dos Andral e dos Bennett, dos Rayer e dos Traube, dos Behier, dos Frerichs e dos Jaccoud, etc., são suf- ficientes para attestar que a pretendida linha divisória entre médicos physiologistas e médicos práticos não tem mais razão de ser na me- dicina contemporânea. SEGUNDA PARTE I Sommario.— Meio interior.—Sua evolução circulatória—Condições hydrodynamicas do meio interior.—Lei experimental sobre a patliogenia da hypertrophia cardiaca senil.—Pressão sanguínea.—Condições pathogenicas geraes das hemorrhagias.— Tonus vascular.—Noções anatomo-physiologicas sobre o grande sympathico.— Vaso-motores.—Experiência fundamental.—Innervação cardiaca.—Syncope.-Hy- perkinesia ou palpitações.—Perturbações vasculares sob acção vaso-motora.— Analyse experimental do pulso—Analyse physio-chimica do meio interior.—Com- posição do plasma.—Princípios mineraes—Hvpotheses physio-chimicas sobre o rachitismo e a osteomalaeia.—Princípios orgânicos do plasma.—Primeiro grupo: princípios nutritivos—Gordura.—Circulação iutra-organica da gordura,—Lypemia ; hyperlypemia; polycarcia—Consequências praticas.—Condições etiologicasdachy- luria.—Assucar.—Circulação intra-organica do assucar.—Noções dadas pelas expe- riências de Cl. Bernard.—Outras experiencias e outras interpretações.—Glycemia ; glycosuria experimental.—Diabetes.—Theorias diabetes e deducções thera- peuticas. A concepção positiva da vida suppõe como factores obrigados uma organisação e dous meios: um exterior em que se agita o ser constituido ; outro interior em que realizam-se os phenomenos vitaes intimos. No decorrer dos séculos anteriores foi sendo conhecida e transmittida â medicina a acçâo modificadora do primeiro ou meio cosmico ; mas, só começou o verdadeiro progresso quando a subtilís- sima. experimentação physiologica descobrio (e só ella o podia) que as condições vitaes próprias aos seres completamente organisados existem realmente em um liquido interior contendo gazes e mate- riaes nutritivos e extractivos de todos os elementos que nelle se ba- nham e vivem. Este meio interior nos vegetaes é a seiva e nos animaes o sangue. Antes mesmo das investigações de Harvey a importância do humor sanguíneo como que era instinctivamente apreciada : os hu- moristas pareciam adivinhar-lhe o valor. Era o sangue que nas moléstias representava o papel de depositário principal das matérias peccantes. As analyses anatómicas e histológicas notando depois a vida dos elementos texteis distrahiam-se na elaboração da pathologia cellular, tornando-se-lhes quasi despercebida a existência san- guínea. Foi Cl. Bernard quem chamou a attenção experimental sobre essa inadvertência perigosa, que a systematisação metaphysica ia fazendo degenerar em grave falta, em enorme erro. O sangue vem a ser uma secreção geral de todo organismo : a condições do meio exterior cosmico ajunta o meio interior outras que lhe são peculiares. A densidade do liquido sanguíneo é superior á da agua. Tem-se praticado varias experiencias para determinar a quantidade de sangue existente normalmente no organismo; mas comprehende-se que não podem dar ellas senão algarismos approxi- mativos, visto actuarem causas de variabilidade no calculo, as cir- cumstancias de idade, sexo, magreza e obesidade. Todavia, com os melhores methodos para taes avaliações, Panum verificou que nos inanidos a massa do sangue póde baixar, porém sempre em relação com o peso do corpo do animal, massa que no estado normal, segundo í AVelcher e a confirmação de Heidenhain, ó—do peso total do corpo. 15 Si no estado pathalogico fosse facil e sempre possível resolver esse problema, só assim se acharia a determinação scientifica do estado plethorico. Nas plantas, como nos animaes de temperatura variavel ou de sangue frio, o meio interior está immediatamente subordinado aos modificadores cosmicos; porém nos animaes de sangue quente a nova atmospliera interna é de alguma sorte independente, reage contra o exterior e mantém uma temperatura suíficiente para aquecer os seres elementares que se lhe abrigam no *seio. 0 calor do sangue entre 38° e 40° varia de um decimo de gráo. No coração direito a temperatura é superior á do esquerdo, o calor arterial perde-se sensivelmente á medida que as artérias dis- tanciam-se do orgão central ; o sangue das veias superficiaes em virtude das irradiações thermicas cutaneas é mais frio que o das veias splanchnicas : da mistura destas duas correntes, actuando como dous factores, gera-se a temperatura do sangue do coração direi- to, ponto em que desembocam as duas veias cavas. As fontes calorí- ficas do sangue estão em todos os processos chimicos e mecânicos da thermogenese organica : atritos, combustões, fermentações, cataly- ses e desdobramentos, Só Harvey em 1628 firmou com o meíhodo experimental a grande verdade de que o sangue circula, isto é, que uma molécula sanguínea, despedida de uma estação qualquer de seus canaes, volta após alguns segundos ao ponto primeiro da partida. O movimento do sangue não depende só da acção impulsiva do coração como se suppoz com Harvey, mas da elasticidade vascular que o promove e favorece, diminuindo-lhe as resistências e tornando nos capillares em escoamento continuo e uniforme a impulsão cardíaca intermit- tente. xis variações na circulação periférica dependem também de uma outra propriedade inherente á structura dos canaes—a contrac- tilidade vascular.—Estas duas propriedades dos conductos concor- rem para a transformação da impulsão cardíaca em uma nova força —a tensão ou a pressão dos vasos—, tensão ou pressão representando o esforço que o liquido sangmineo exerce contra as paredes que o en- carceram : a tensão vascu ar é proporcional ao impulso do coração e e a difficuldade que o sangue tem de vencer em seu transito atravez dos capillares. Na differença da pressão do sangue nos segmentos da curva evolutiva e na mantença deste effeito está toda a causa do movimento circulatório do meio interior, sujeito assim ás leis geraes da hydro- dynamica. A perda da elasticidade arterial sobrecarrega o trabalho do centro motor para suppril-a, sobrecarga que traz mais força e maior volume ao musculo: este facto explica de modo simples a pathogenia da hypertrophia senil do coração, pois que nos velhos a força elás- tica das artérias íica compromettida pelo processo da degenerescencia calcarea ou atheromatosa. E’ a pliysiologia experimental quem define o encadeiamento dessas lesões que a anatomia pathologica via coincidirem sem esta- belecer-lhes a lei pathogenica, sem resolver, si a alteração arterial senil é que arrastava a hypertrophia cardiaca dos velhos, ou si a lesão cardiaca é que produzia a degenerescencia arterial. Devem-se a Haley os primeiros ensaios experimentaes sobre a medida da pressão vascular. Após elle Magendíe, Ludwig, Marey e Chauveau proseguiram nesses estudos, alliando ao manometro com- pensador o registrador graphico. Sabe-se que ha realmente uma pressão intra-cardiaca, gerando-se e dissipando-se no acto da con- tracção : nas artérias o mercúrio do manometro ascende e mostra a cada contracçâo cardiaca nova ascensão momentânea ; seguindo-se que o phenomeno da pressão arterial deriva-se de duas causas : da contracçâo cardiaca e da resistência opposta ao sangue pelas finas ramificações desses vasos. Nos capillares sabe-se, sem lhe assignar um valor certo (pois que a medida directa é impossível), que a pressão é intermediária entre a das artérias afferentes e a das veias efferentes, baixando e augmentando com ellas. Sob a pressão dos capillares é que estão a formação da lympha, as permutas do sangue com os tecidos, e por ella regulam os capil- lares a transudação do plasma atravez de suas paredes. Sob esta pressão fazem-se as circulações locaes. São as experiencias physiologicas que provam estarem os va- sos sujeitos a variar notavelmente de calibre, e accentuarem-se mais em um do que em outros estas variações constantes. Não só as expe- riencias directas poem fóra de duvida a existência da contractili- dade vascular, como ainda indirectamente póde-se provar o facto. Si se risca com um instrumento a pelle dorsal da mão, debuxa-se um traço pallido ; é que essa irritação provoca a impermeabilidade dos vasos cutâneos ao transito sanguineo nesse ponto. O frio, a electrici- dade e o calor produzem acções antagónicas ; o frio e a electricidade refreiam os vasos, ao passo que o calor os esporeia. Explicam-se por esses effeitos sobre a contractilidade vascular os usos therapeuticos de taes agentes physicos. Os agentes chimicos irritantes, ácidos ou alcalinos, actuam também sobre o apparelho muscular dos vasos, diminuindo-lhes a luz dos tubos. A pressão atmospherica modifica a propriedade contractil vascular e a depressão das forças dos indi- víduos produz o relaxamento das paredes dos vasos, ultimo facto este que explica a facilidade das hemorrhagias secundarias nos doentes debilitados. 66 Estas noções sobre a pressão sanguiuea permittem estabelecer de um modo geral a genese das hemorrhagias em tres grupamentos. Os vasos chegam á ruptura de suas túnicas indispensável â produc- ção das hemorrhagias : Io, ou por exagero da pressão sanguinea; 2o, ou por abatimento da pressão externa e do sustentáculo que a tena- cidade muscular e a distensão permanente da pelle offerecem aos vasos ; 3o, ou, emfim, pelas alterações structuraes dos proprios vasos. O apparelho musculo-vascular está sempre em estado de semi- contracção, a que os physiologistas chamam tonus vascular. O excitante physiologico permanente de que depende o tonus vascylar ,é produzido por nervos especiaes que animam os elementos musculares contracteis dos vasos e são por isso chamados nervos vaso- motores. Estes nervos emanam de vasto departamento constituido pelo ganglionar ou grande sympathico. Parece hoje geralmente estabelecido o accordo entre physiolo- gistas e anatomistas para admittir-se que este grande nervo não constitue um systema á parte, pois não só se liga elle ao eixo cerebro- rachidiano por meio de ramos directos, como ainda associa-se ao sys- tema cerebro-espinhal para a architectura de seus numerosos plexus- visceraes. O grande sympathico é autonojno, sem duvida, mas sua autonomia é fraccionaria e excessivamente dividida. Na formação das vísceras as diversas acções nervosas elementares que regularisam as elaborações cellulares podem ser tidas como independentes em certo limitadissimo sentido, mas estas microsGopicas fracções autonômicas necessitam de travar relação com um pequeno centro commum e es- tabelecer a unidade funccional de cada zona liistologica do orgão ; d’ahi o plexus nervoso externo, que representa a somma dos contin- gentes phenomenaes dos ganglios intra-organicos. Mas estas vísceras ou orgãos, que operam segundo o principio da divisão do trabalho, não se mantêm estranhas ao resultado final para que concorrem, o novo congresso se estabelece, representado por plexus de primeira ordem, como o solar e o lombo-aortico (Poincaré). Porém as funçções têm por sua vez necessidades correlativas a regu- lar, e para isso é o cordão do sympathico que lhes offerece novo ponto de congraçamento. Finalmente, as subdivisões autonômicas do func- cionalismo vegelativo, assim combinadas e congregadas no grande nervo ganglionar, constituem o fundo de receita da vida de relação, que representa os saques espoliadores. Deste modo a vida vegetativa e a vida animal ou de relação carecem também de combinar a capacidade de suas transacções económicas : os raminhos communicantes vaso-motores fundindo-se com as raizes medullares, provêm essa necessidade ultima. Concebe-se, portanto, que para o conjuncto das acções reflexas vaso-motoras não ha um centro unico director bulbar ; que as que se passam em qual- quer zona do organismo têm por intermediários, quer os focos motores intra-medullares, quer o poder reflector dos ganglios sympathicos, mais ou menos dependentes. Destas noções sobre este mecanismo saem agora as explicações dos echos physiologicos, conhecidos outr’ora sob o nome vago desympathias, taescomo as connexões funccionaes entre a menstruação e o desenvolvimento das mamas, e entre a evolução do testiculo e o abaixamento do registro vocal pelas modi- ficações do larynge. O modo de terminação dos filetes nervosos ganglionares no apparelho motor vascular parece analogo ao dos demais nervos, mas este objecto é ainda um estudo anatomico e de cujo conheci- mento exacto podemos prescindir para assentar a importância da in- nervação vaso-motora nos phenomenos das circulações periphericas e locaes, tantas e tão frequentes são já as applicações experimentaes de seu mecanismo á pathologia, ao diagnostico topographico e ás indi- cações curativas. E’ ao lidador immortal, ao infatigável pòrpagandista da expe- rimentação medica, Cl. Bernard, que deve a sciencia desde o anno de 1852 as primeiras notas explicativas do mecanismo vaso-motor. E’ certo também que quasi ao mesmo tempo na America, no Philadelphia medicai exmaminer, o não menos eminente Brown-Se- quard, sem conhecimento das experíencias do professor francez, chegou ao mesmo resultado com a mesma manobra operatória. A secção do cordão cervical do sympathico constitue a celebre experiencia fundamental da acção dos filetes nervosos sobre as túni- cas vasculares. Cortando na região cervical de um coelho o cordão do gíande sympathico, viram os citados experimentadores, alguns 68 instantes logo depois, luxuosos cortejos de phenomenos irem-se suc- cedendo do lado correspondente á secção : os vasos dilataram-se ni- miamente e acceleraram seus movimentos pulsáteis ; a pelle rubo- risa-se, enturgece-se e ostenta uma elevação tbermica exagerada ; a sensibilidade surge na dor ; a pupilla retrae-se ; foge o globo ocu- lar para o fundo da orbita ; as palpebras deformam-se ; acbata-se e ulcera-se a cornea, e a hyperidrose se manifesta, isto é, um suor abun- dante distilla gota a gota da região paralysada. Si se galvanisa o ganglio ou a extremidade peripherica do nervo seccionado, todo este cortejo desapparece para dar logar a outra ostentação phenomenal radicalmente antagónica : a pallidez, o resfriamento, a mydriase, a exo- phtalmia e a nova apparição de um signal, a modificação secretora da sa- liva. Os primeiros phenomenos, pelo córte, dependem da paralysia do tonus vascular e consecutivo augmento da pressão sanguinea ; os segundos, pela excitação galvanica, pôem fóra de duvida a acção constrictora dos vaso-môtores. Desta e de outras experiencias conclue-se que o grande sympathico exerce por acção vaso-motora influencia sobre a pressão vascular, sobre a calorificação e resfriamento, sobre a sensibilidade, absorpção, nutrição e secreção: é o verdadeiro agente da mímica interna ou mímica emocional,traduzindo a timidez e o pudor, e isto tanto melbor quanto, como succede nas mulheres e nas crean- ças, mais accentuada é a força da dispersão nervosa. O conhecimento da acção dcs vaso-motores espinhaes é mais recente. O grande experimentador allemão Ludwig notãra que a corda do tympano influe sobre a circulação e secreção da glandula sub-maxil- lar. Cl. Bernard, por seu processo de secção e electrisação successiva, mostrou que, paralysando-se por córte este filete nervoso, os vasos constringem-se, e que pela electrisação dilatam-se, vendo-se então o sangue das veias glandulares correr rutilante e jorrar por impetos â abertura do tubo nervoso. A corda do tympano apresenta-se como typo de segunda ordem de nervos motores, dos chamados vaso-dilatadores. Cl. Bernard diz ter encontrado outros nervos dotados de acção idêntica. Yulpian achou também nervos dilatadores, mas não os distribue exclusiva- mente pelo systema cerebro-rachidiano, visto como sobre os proprios splanchnicos observou a acção dilatadora, pensando quasi com Schiff que estas acções antagonistas são exercidas pelo mesmo sym- pathico, que as irradia ambas, ainda que em menor numero as dilata- doras. A physiologia e a clinica aceitam de accordo a acçâo vaso- constristora como um facto bem definido, e principalmente a clinica reconhece duas modalidades diversas—activa e passiva—para o phe- nomeno opposto, o ia dilatação vascular. Deste ultimo facto é que não se acha bem estabelecido até agora o mecanismo, isto é, si para as duas fôrmas de dilatação, activa e passiva, ha agentes anatómicos correlativos, ou si uma só especie de fibras nervosas, ora em activi- dade, ora em repouso, póde dar conta do que indicou a experimenta- ção e notou após a observação pratica. A innervação cardíaca está também experimentalmente esta- belecida : a contractilidade do centro sanguíneo é regularisada por ganglios auto-motores de Remak, por ganglios excitadores e moderadores. Do coração e de seus ganglios partem nervos centrípetas derivados dos depressores de Cyon e Ludwig, do vago ou pneumogastrico e do sympathico, que os poem em intimidade com o centro bulbo-espinhal, donde emittem-se fibras centrífugas aos vasos. Não obstante a existência desses elementos nervosos, a experi- mentação tem demonstrado anterior e posteriormente que as con- tracções cardíacas parecem dispensar as vezes o auxilio dos nervos, como mostra a permanência delias no coração arrancado do peito e a sua existência no orgâo do embryão antes da adjuncção do systema nervoso. Todavia este luxo de innervação é que constitue o appa- relho reflector, por meio do qual as irradiações bulbo-medullares per- mittem o centro sanguíneo actuar sobre os vasos. Não são pois só as continuidades cavitarias que estabelecem as relações cardio-vasculares ; o systema nervoso concorre para es- treitar-lhes as communicações intimas. Depois disto, concebe-se à priori que as modificações nervosas da energia e frequência do impulso cardíaco retumbem sobre os vasos, e, reciprocamente, as alternativas motoras do calibre dos vasos influam sobre o coração ; mas a critica experimental observa que esta influencia não é inevitá- vel, e que se dá de ordinário quando as modificações são bruscas e rapidas, porquanto as impressões partidas quer de um, quer de outro poúto, podem dispersar-se em actos reflexos que se esgotam, sem que o centro bulbo-meduílar chegue a tempo de percebêl-os. A posse dessas leis normaes leva a physiologia a dar satisfactorias idéas praticas á medicina no que diz respeito á pathogenia e tratamento ra- cional da syncope e da hyperkinesia cardíaca ou palp íações. Tanto um como outro dos dous phenomenos diversos dependem, quer directa- mente de perturbações circulatórias, quer indirectamente de vicios da innervação cardiaca. A’s perturbações circulatórias directas filiam- se as syncopes de origem mecanica e as hyperkinesias da mesma origem, aos vicios de innervação do coração estão ligadas as syncopes de causa nervo-paralytica e nervo-excitativa e a hyperkinesia-nervo- paralytica, por excitação do nervo moderador pneumogastrico, e a nervo-excitativa por excitação do grande sympathico. Todos os indivíduos esgotados por desperdícios, hemorrhagias, secreções exageradas, anemias, inaniçao,etc., acham-se em imminen- cia de syncope, bastando só para que se effectue romper-se o equi- líbrio entre a evolução circulatória e a força de gravidade. De ha muito ensinaram as experiencias de Piorry que, sangrando-se um animal até predispôl-o á syncope, só era preciso têl-o em posição ver- tical para que esta se manifestasse, cessando logo esse estado com o reapparecimento dos movimentos respiratórios ecardíacos, desde que o experimentador suspendesse o animal de cabeça para baixo, o que valera contrabalançar a influencia da gravidade. Desta noção im- portante sobre a attitude tirou a pratica grande recurso para o trata- mento da syncope. A paralysia do coração por suppressão de sangue nos gaoglios intra-cardiacos e nos ganglios auxiliares medullares constitue a syn- cope paralytica. A excitação da acção moderadora do pneumogas- trico sobre o centro cardíaco dálogar àsyncope nervo-excitativa, quepóde ser immediata e mediata por acção reflexa, como succede na que se produz por occasiâo de dor violenta, ou fazendo-se sobre o epigastró rija percussão : a falta de oxigeno no sangue ou o augmento relativo nelle do acido carbonico acarreta o exagero da acção bulbar,que, assim como é capaz de gerar a dyspnéa por excitação da funcção respira- toria do pneumogastrieo, póde gerar a syncope por excitação desse mesmo nervo moderador do coração. A hyperkinesia cardíaca consiste em pulsações frequentes e desordenadas, conscientes e inconscientes, chegando por vezes a anar- chia rithmica atai ponto que ha, naphrase deBouillaud um verdadeiro delírio do coração. As experiencias de Marey sobre a tensão sanguínea deram a lei de que as pulsações cardíacas acham-se na razão inversa da tensão sanguínea ou arterial. Ora, como conhecemos já, a tensão arterial está subordinada á pura acção hydrodynamica e também á innervação cardio-vascular. A acção hydrodynamica pura oumecanica é clara na genese das palpitações e actuam como causas dessa especie o exercício muscular e a attitude. Cl. Bernard fez ver que sob a influen- cia do exercício muscular baixa a tensão arterial, facto este que depende não só do relaxamento da contractilidade como principal- mente da dilatação vascular, que então se estabelece pela acção do calor que se gera : isto faz comprehender-se porque o coração não avança na marcha na razão dos embaraços. As attitudes como causas explicam porque os cardíacos, por exemplo, sentem na posição vertical palpitações violentes, visto como a circulação das partes inferiores fazendo-se sob o simples concurso da força da gravidade, a tensão di- minue. A posição horizontal nos indivíduos nervosos parece dar logar também á hyperkinesia que de real não existe, traduzindo antes um excesso de impressionabilidade, de que dá conta o nervosismo, exa- gerada ainda mais pela excitação mental, que é provocada pelo accesso do sangue favorecido pela posição. As palpitações que sur- gem no decubitus esquerdo não correspondem a excesso de pulsação cardíaca, são imaginarias: o coração, como diz o professor Sée cc é mo- mentaneamente comprimido e mais lenta sua contracção, porém por isso mesmo a sensação mais brusca e o abalo mais vivo. » A interpretação das duas classes de hyperkinesias nervosas não póde ter o significado facil e decisivo das palpitações mecanicas. A divisão que permitte fazer a physiologia é na realidade simples; mas, como observa o professor Jaccoud, « na applicação faltam de- marcações solidas para esta divisão dichotomica e chega-se forçada- mente a uma repartição arbitraria, porque a mór parte das causas destas palpitações permittem indifferentemente uma e outra inter- pretação. » A clinica sancciona a existência das perturbações vasculares indicadas pela experimentação sobre o grande sympathico. Varia- dissimas observações de tumores na região do pescoço e de trauma- tismos interessando o cordão cervical do sympathico reproduzem as lesões verificadas nos animaes. Com o soccorro das noções sobre os reflexos vaso-motores, comprehende-se na pratica como a irritação de um plexus visceral remoto consegue realizar perturbações vascu- lares cephalicas. E’ por este mecanismo reflexo vascular que na prenhez e nas perdas cathameniaes observam-se ás vezes fluxões sanguíneas para a cabeça e as lesões uterinas geram cephalalgias limitadas : o ere- thismo do plexus coronário stomachico e o do hemorrhoídario provocam com mais ou menos intensidade as mesmas perturbações vasculares cephalicas. O professor Gubler foi o primeiro que chamou a attençâo dos práticos sobre o colorido purpureo do rosto dos pneumonicos e deu-lhe o valor de um symptoma, observando mais que, nos casos em que a phlegmasia pulmonar é unilateral, a vermelhidão desenha- se sobre o lado da face correspondente. E’ a irritação, o erethismo do plexus pulmonar que produz a dilatação dos capillares da face : a mancha rosea do rosto dos tuberculosos tem a mesma explicação. Taes actos reflexos manifestam-se ainda em departamentos nervo-motores differentes. Assim notam-se congestões visceraes e mesmo hemorrhagias intestinaes nos casos de queimaduras extensas: os nervos cutâneos cerebro-rachidianos conduzem a violenta exci- tação a medulla, que a trausmitte então ás visceras pelos nervos vasculares : os ictus hemorrhagicos supplementares que se interpre- tam por theorias obscuras de metastases não têm outra significação. As lesões medullares exercem influencia pathologica sobre as modi- ficações vaso-motoras : haverá ao lado da medulla lesada, quando são unilateraes as lesões, abaixamentos mais ou menos pronunciados da temperatura com palor e cyanose dos tegumentos, tudo como in- dicou Brown Sequard. A clinica confirma que as próprias moléstias dos hemzspherios cerebraes das camadas opticas, dos corpos striados, têm acção sobre os reflexos vaso-motores. Em casos de hemorrhagias ce- rebraes observa-se no membro paralysado, tempos depois do ataque, uma exageração thermica, tão elevada por vezes que a sangria faz ver o sangue venoso conservando parte dos caracteres do sangue ar- terial. Esta asserção de que os membros paralysados dos hemi- plegicos podem apresentar augmento de calor deixou de ser uma heresia medica, como era, hoje que o complexo funccionamento dos nervos vasculares começa de entender-se e receber explicações. As febres e as anemias fazem nascer indirectamente, por acção vaso-motora no coração e nas grossas artérias, verdadeiros ruidos de sopro explicados pela veia fluida formada pela modificação dos vasos dilatados ou constrictos, segundo as experiencias phy- siologicas de que já fallámos, e não pelo attrito sonoro do sangue nas artérias, como parecia a Beau. E’ por um mecanismo vaso-motor que se podem produzir também as oscillações do pulso. Como já havemos dito alguma cousa sobre os serviços pres- tados pela physiologia na interpretação dos signaes acústicos com que exploramos a circulação hygida ou mórbida, convém antes de passar além, vindo mesmo a calhar, dizer em poucas palavras o que ensina a experimentação sobre um outro signal a todo o instante consultado pelo pratico, isto é, sobre os choques ou pulsações que aprecia o dedo explorador exercendo leve pressão sobre artérias su- perficiaes, a radial commummente, sobre o pulso, ernfim. A res- peito deste importante pbenomeno de ha longos séculos trabalha a imaginação arbritraria dos práticos. A experimentação physiolo- gica tem reconhecido o grande valor deste phenomeno como signal diagnostico, principalmente na interpretação dos estados morbidos do apparelho vasculo-cardiaco. Ella poz em evidencia a ignorada causa productora do pulso e, representando no papel, e substi- tuindo por sensações visuaes as fugitivas e contingentissimas sen- sações tácteis do antigo processo exploratorio, escreveu o epitapbio das discussões intermináveis sobre as nomenclaturas subjectivas de singulares qualidades com a vellia medicina decorava a pulsação radial. E’para notar, todavia, que um auxilio instrumental sempre julgou-se necessário para a observação das nuanças, da fórma dç gráo do pulso. Empregou-se a principio o contador de Galileu, depois o clepsydro, a ampulheta e por fim o relogio de segundos. Todas estas innovações progressivas foram constantemente acompanhadas pelas exprobrações condemnatorias e os risos zombadores do immobilismo rotineiro. Não ó, portanto, para estranhar a recepção pura, o aco- lhimento desconfiado que actualmente ainda encontra o sphygmographo em sua installaçâo definitiva em todas as clinicas. Foi Yierordot o primeiro que concebeu e realizou a idéa de amplificar as oscillaçOes do pulso por intermédio de uma alavanca que as fosse escrevendo em um cylindro movei. O kymographion de Ludwig, posto que menos complicado, era de uso ainda impossível por não contar com todos os requisitos de perfeição. Foi Marey que o conseguio aperfeiçoar, manter a desejada regularidade e todas as condições de um apparelho bom, portátil e applicavel ao braço humano ao instrumento de Yierordot, para cujo apparelho manteve o habil physiologista francez o nome de sphygmographo que lhe dera o inventor allemão. Por meio deste engenhoso e preciso machinismo, Marey indicou a existência combinada dos dous factores—a acçâo impulsiva do coração e a tensão arterial — na genese das pulsações radiaes, ao mesmo tempo que estabeleceu-lhes a lei de frequência:— A frequência do pulso está na razão inversa da tensão arterial. — Esta lei, de que já nos servimos, tratando das palpitações e da syncope, tem de novo aqui a sancção dos factos seguintes : basta abaixar o braço ou eleval-o para variar o pulso ; a sangria, que diminue a tensão arterial, accelera o pulso; a compressão da aorta, que aug- menta-lhe a tensão, modera as pulsações arteriaes ; as influencias vaso-motoras constrictoras ou dilatadoras, ora augmentando, ora diminuindo a tensão sanguínea, abaixam ou elevam a frequência do pulso. Bordeu dizia que o pulso accelera-se depois da sangria, por- que havia oppressão de forças do doente ; mas o sphygmographo mostra que o pulso forte não depende sempre de uma systole forte, e que mesmo na agonia a força de impulsão arterial póde elevar-se, como bem demonstrou um caso de intoxicação opiacea. Tivemos occasião de notar já que o phenomeno do dicrotismo se acha interpretado pela experimentação como fórma normal do pulso : o pulso dicroto ou bisferiens resulta da velocidade que ganha a onda sanguínea e da elasticidade dos vasos, que dão a estes uma direcção centrífuga e centrípeta alternada. Marey provou que os embaraços respiratórios diminuem a frequência do pulso, aogmentando a tensão arterial, e pôz a claro as alterações sphygmographicas do pulso senil. Os traçados gra- phicos obtidos por Marey sobre as oscillações do radial nos aneu- rismas da aorta, nas stenoses e insuíficiencia desse tronco, nas lesões oricas e valvulares do coração, são typos admiráveis e de um valor pathognomonico. Lorain registrou traçados sphygmographicos em varias outras affecções, como o rheumatismo, a meningite, o estado puerperal, a pneu- monia, a febre typhoide, o cholera, etc. Nas obras especiaes desses au- tores encontrar-se-hâo as figuras que não podemos reproduzir aqui. As analyses graphicas do pulso já prestam serviços assig- nalados á clinica nas moléstias cardio-vasculares e ao estudo compa- rativo dos diversos traçados em outras circumstancias mórbidas parece reservado ainda um futuro largo e promettedor. Antes mesmo de possuírem leis particulares sobre a evo- lução circulatória do meio interior, sobre as circulações locaes, as investigações physiologicas, depois do descobrimento de Harvey, com a instituição positiva dos conhecimentos chimicos, dirigiam já a actividade indagadora sobre a constituição plastica do sangue, cujo valor a respeito do funccionamento nutritivo é hoje por todos verificado e proclamado. Desde que se conseguio, extrahindo o sangue dos vasos, obstar-lhe a coagulação rapida, por meio da mistura salina do sulphato de soda, uma simples filtração separou a parte liquida ou plasma da solida ou globular. Assim a chimica physiologica ficou segura do terreno em que deviam assentar distinctamente os admi- ráveis processos de sua analyse miuda e fertilíssima. A composição chimica do plasma varia em sua passagem atravez dos orgâos e dos tecidos, segundo o estado de movimento trophico das moléculas histoliticas : o plasma como que é indif- ferente e passivo ante as metamorphoses continuas a que concorre. Ao contrario os globulos, como elementos anatoinicos que são, revestem fórma determinada, gozam de real independencia, vivem, reproduzem-se e morrem no plasma, após haverem presidido a maxima parte das necessidades vitaes. Tomado em conjuncto, o liquido hematico do homem azulece fracamente o papel de turnesol. Parece que a alcalinidade é uma condição para a vida, pois que a morte dá ao sangue reacções acidas, devidas, sem duvida, ao desencadeiamento de certas fermentações. Acham-se no sangue as tres classes de principios immediatos, que já tivemos occasião de ennumerar, mineraes orgânicos e albu- minoides, principios nutritivos e excretivos ou assimiláveis e de- sassimilaveis. Tanto os principios nutritivos como excretivos podem ser en- contrados no meio interior, fóra dos instantes em que se fazem os actos da digestão. A digestão é pois uma funcçâo discontinua ; a nutrição, o acto nutritivo, contra a idéa de Cuvier, é um phenomeno que não cessa com as interrupções digestivas : em jejum mesmo todos os animaes são carnivoros, nutrem-se por authophagia, de- voram-se a si mesmos, na expressão de Bernard. O meio interior é o grande celleiro do organismo e quando a inanição mata qualquer animal é que expoliações irreparáveis esgotaram o reservatório sanguineo. O modo de desenvolvimento do maior numero de moléstias das distrophias, sobretudo, jamais seria comprehendido pela pratica sem as idéas que a experimentação extrae das analyses physio-chimicas do sangue. Si em verdade se não póde affirmar que os processos de com- binação e decomposição empregados pelo laboratorio animal sejam idênticos ao do laboratorio chimico, a cellula em um, a retorta no outro, a identidade dos productos é de tal ordem frisante que só este conhecimento nos deve de satisfazer como guia. A nutrição é a funcção mãe de todas as funcções e nessa qua- lidade extraordiniria e infinitamente complexa: si muito se con- quistou nesse terreno muito ha ainda nelle por explorar e adquirir. O jorro luminoso que derrama a physiologia experimental não nos cega de enthusiasmo irreflectido para que tenhamos, em sua colheita de verdades, a maior somma delles por nitidas e evidentes. Si as explicações de certos actos morbidos não escapam ainda a objecções serias e profundas, é que a funcção normal de que a moléstia é só exageração ou desarranjo não se acha completamente esclarecida pela critica experimental. A physiologia moderna não tem só feito, como dizem, oppor ás hypotheses antigas novas hypotheses; quando isto assim fosse, as theorias geradas pelos methodos rigidos comtemporaneos deverão ter a nossa adherencia pelo simples effeito de substituírem por veri- ficabilidades activas numero de concepções phantasticas, de suppo- sições caducas e vãs. De que serviço é capaz o que ainda é mesmo hypothese, mas hypothese positiva, que o diga a therapeutica a despojar-se de pesadas cargas e a ganhar forças vivas, inesperadas e uteis. Entre os princípios mineraes resalta o gaz oxigeno que penetra com o ar, purpurisa, o sangue arterial e se fixa particularmente nos globulos vermelhos. O gaz carbonico livre e em estado de carbo- natos sae dos tecidos, dissolve-se no plasma e absorvido em di- minuta proporção pelos globulos concentra-se no sangue das veias, ás quaes dá um colorido escuro, eliminando-se pelo pulmão e em parte pela superfície tegumentaria. O azoto não só entra no orga- nismo pelas vias respiratórias e por ellas é regeitado, como também nelle se introduz de envolta com as substancias alimentares. A agua existe abundantemente no plasma, na razão de 92 a 93 por 100. Si esta quantidade manutendora da fluidez sanguínea exagera-se e sidestroe-se-lhe a combinação com os albuminoides, graves desordens poderão surgir: a hypersecreção aquosa intestinal dos cholericos seria devida, segundo Robin, a esse dissociamento chimico operado pela infecção. Nada permitte pensar que a agua se forme no plasma por connubio directo do oxigeno com o hydrogeno das bebidas e alimentos. Depois de servir a diversas secreções a agua é expulsa pela urina, o suor e a exhalação pulmonar. A soda, a potassa, o enxofre, o phosphoro, o chloro, etc., têm a mesma origem, desdobram-se no acto intimo da nutrição, servem-se de dissolventes recíprocos e eliminam-se pelos emunctorios or- gânicos. Outros princípios mineraes acham-se accidentalmente no plasma : o ferro, por exemplo, deve ser attribuido a moléculas desta- cadas das hematias ou globulos vermelhos. A insufficiencia dos princípios mineraes, dos saes calcareos, so- bretudo, parece dar conta da falta de ossificação das cartilagens epy- plysiarias, que constitue um dos elementos positivos da modificação rachitica : a frequência da relação entre a debilidade adquirida ou nativa da constituição infantil e a ossificação tardia e incompleta do esqueleto, referem, talvez, a moléstia a uma perturbação funccional da nutrição. A osteomalacia ou amollecimento do arcabouço, moléstia quasi exclusiva ás puerperas, é explicada pela dissolução e reabsorpção dos saes calcareos das alavancas ósseas do apparelho locomotor. Entre os princípios orgânicos, os da segunda classe, uns são assimiláveis, outros desassimilaveis, e por isso divididos em dous grupos. Constituem o primeiro grupo os proprios para a nutrição— as gorduras e o assucar. A antiga doutrina ehimica, estabelecendo que a gordura, o as- sucar e todos os princípios immediatos passavam já formados das plantas para os animaes, é hoje justamente condemnada como errónea por exclusiva. Nos animaes nâo se effectuam sómente os actos de combustão e oxydação, mas também os de formação e reducção. Separado o plasma, durante a elaboração digestiva, tem a apparencia opalescente e leitosa devida á gordura que é acarretada com os alimentos pelos lymphaticos chyliferos. Primeiramente soffre ella o simples processo physico da emulsão, devida aos suecos pran- creaticos, intestinaes e á bile, absorvendo-se certa quantidade pelos capillares sanguíneos e atravessando a maxima parte com o chylo o canal thoracico até despejar-se na torrente circulatória. Ahi em contacto com a soda do sangue saponifica-se, dando os ácidos graxos, oleatos, margaratos, etc. A somma das substancias graxas absor- vidas com os ingesta não é proporcional á que despende o organismo para formar os paniculos adiposos no tecido laminoso ou conjunctivo e com a que se escapa com os elementos constitutivos da secreção se- bacea, por exemplo, e da secreção lactea ; donde a necessidade de sua formação intra-organica, formação devida, conforme autorisados pareceres, a decomposições albuminoides. A existência de matérias gordurosas no corpo ou lypemia acaba por produzir a hypelypemia, o estado morbido polysarsico ou obsesico, seguido muitas vezes da steatose hepatica e da morte. Todos os pro- cessos experimentaes, postos em contribuição na genese da meta- morphose graxa dos tecidos dos animaes, constituem series etiolo- gicas, representadas sempre por uma desproporcionalidade entre a gordura, que é combustível, e o oxygeno, que é comburente, quer augumente a gordura, quer diminua o oxygeno. O regimen Banting, formulado por W. Harvey, e que tem provocado tão grandes ru- mores nestes últimos tempos na Inglaterra, não deve seus successos no tratamento da polysarda e não á consideração exacta das indica- ções physiologicas. Os corpos graxos, como matérias assimiláveis que são, servem de contingentes á hematopoyese e por isso se não eliminam pelo emunctorio renal; mas succede algumas vezes que a urina apre- sente-se leitosa e o reactivo etherio e o exame microscopico desco- brem-lhe globulos brilhantes oleaginosos, grupamento de granula- ções graxas ao lado do leucocythos, de albumina e mesmo de he- matias, como acontece sob a influencia deleteria dos climas quentes, das condições telluricas e hydro-tliermicas dos paizes intertropicaes. E’ o que constitue a albumino pymeluria, moléstia entre nós conhecida sob o nome de chyluria ou hemato-chyluria. Para muitos é a impressão climatérica que exerce acção di- recta sobre essa creação nosologica, pois nos climas quentes e hú- midos a degradação e atonia das funcções, digestivas não permit- tem a emulsão perfeita das gorduras e estas, ingeridas enr excesso e assim incombustas nos capillares geraes e inabsorviveis, saem pelas urinas com as substancias excrementicias sanguíneas. Nestes últimos tempos a presença de vermes entre os elemen- tos microscopicos das urinas leitosas, indicada a primeira vez por 80 Wucherer (da Bahia), vermes por isso conhecidos sob o nome de fila- rias Wuchererias, tem attrahido a curiosidade de bons observadores para concepção de um morbo parasitario. Para esses a influencia meteoro-tellurica das zonas tórridas exerce uma acçâo simples- mente indirecta como protectora da genese e reproducçâo destes hel- minthos no meio cosmico. Na opinião do Dr. Julio de Moura a chy- luria seria devida â ruptura dos capillares lymphaticos e sanguineos dos rins dilacerados pelos hematozoarios. E’ uma hypothese verifi- cável esta, e cabe á anatomia pathologica o proval-a, mostrando claramente na filaria Wuchereria uma condição causal e não uma simples coincidência mórbida como se está no direito de suppor ainda. Um parasiticida, faria aqui também a therapeutica esclare- cer o diagnostico, si não o aííirmasse de vez. 0 assucar é producto de secreção interna e um dos elementos constantes do sangue. 0 assucar animal é idêntico á glycose ou assucar de uva, o unico directamente fermentiscivel e que se acha também nos rebentos germinativos das plantas. A saccharose ou assucar de canna C12 H11 O11 só fermenta quando transformado em glycose C12 H12 O12; quando injectado no sangue, é eliminado em natu- reza e portanto inassimilavel, salvo si o fermento inverlivo do intestino delgado o metamorphosêa em assucar intervertido ou mistura em partes iguaes de glycose e levulose. O amidon, que é a origem do assucar nos vegetaes, em consequência de uma hydrataçâo na pre- sença do fermento diastasico,existe igual mente no sangue, conforme a demonstração de Magendie : é o ligado que o elabora segundo Bernard, e o põe atravez de suas paredes cellulares em contacto com a diastase dos capillares sanguineos. O amidon animal é uma sub- stancia amorplia, branca dando à reacção pelo iodo a cor vermelho escura do acajú : é o que Cl. Bernard chama matéria glicogena, Rouget zoamylina, Schiff inulina e hepatina, Pavy. E’ a matéria glicogena que seguindo a torrente circulatória depõe assucar em certos orgãos, como, por exemplo, nos musculos. As classicas e monumentaes ex- periências do immortal professor do Collegio de França avaliaram como dosagem media geral da substancia saccliarina no organismo 1 gr., 26 por 1:000 como proporção media constante no sangue arte- rial, e a proporção media variavel de 0 gr., 40 a 0 gr.,92 por 1:000 no sangue venoso, conforme a séde anatómica das veias, jugulares ou cavas. D’aqui se vê que parte do principio saccharino desapparece em seu transito atravez dos capillares, e para que a proporção media no sangue arterial fique constante, como dissemos, parece que em um ponto qualquer do trajecto sangunneo uma restituição se esta- belece. Às mencionadas cifras podem variar, conforme o estado de digestibilidade ou de abstinência; sendo no primeiro caso de 1 g*r. 79 por 100 no tecido hepático do homem e no segundo de 2 gr, 140 por 100 no mesmo tecido. A glycemia acha-se constituída quando existe no sangue assucar na proporção de 2 gr, 50 por 1,000. Desde que esta cifra augmenta dá a hy per glycemia, desfaz-se a barreira que o fig-ado oppõe á eliminação e a substancia sacchariaa é regeitada atra- vez do philtro renal. E’ a exageração do estado glycemico que produz o que então se chama glycosuria. Cl. Bernard ensina que mesmo no caso de abstinência prolongada o assucar não diminue, ao contrario cresce um pouco, mas, si se vai até a inanição e a morte, a cifra do principio saccharino baixa e até desapparece ; as moléstias, como as phlegmasias, diminuem a proporção do assucar no sangue, mas as febres infecciosas não exercem acção alguma sobre a glycemia. Este modo facil e brilhante de interpretar a genese e circulação iutra-organica do assucar tem soffrido posteriormente objecções e alterações cujo valor experimental o proprio CL Bernard com outros physiologistas foram constantes em medir e sopezar. Oppõem-se, como theorias contrarias á de Cl. Bernard, as interpretações de Rouget, de Pavy e de Schiff. Para Rouget a glycogenese não é uma funcção exclusivamente hepatica ; ella é diffusa como no periodo embryonario ; todos os tecidos em nutrição intima formam o amidon animal á custa das matérias saccharinas que recebem pelo acto da digestão, e reenviam á torrente circulatória assucar producto da metamorphose da zoa- mylina. As analyses experimentaes infirmam a theoria de Rouget mostrando uma diminuição do assucar no sangue venoso muscular antes e depois da contracção dos musculos. Para o physiologista inglez, aiitig*o discípulo de Bernard, Pavy, a glycogenese deve ser considerada plienomeno cadavérico, por- quanto as experiencias do inclyfco physiologista francez não foram feitas no tecido hepático extrahido instantaneamente do organismo vivo. O physiologista allemão Schiíf é inais decidido do que Pavy em negar a gdycogenese normal. Para elle a inulina ou o fermento transformador da glycose só apparece post-mortem ou quando repousa o sangue, como succede ao ligarem-se as arté- rias de um membro ou a comprimir-se a aorta abdominal. Bernard e Dalton fizeram ver em contraprova, pondo-se nas condiçOes das experiencias instantaneas de que fallàra Pavy, que este e os outros physiologistas não haviam em suas analyses contado com a presença dos albuminoides, que é necessário separar ajuntando ao decocto hepático sulphato de soda, porque, guardadas estas conve- niências, o reactivo cúprico revela logo a formação do oxidulo de cobre, que é o denunciador infallivel da existência do assucar. Dalton confirma a glycogenia hepatica physiologica. Elle extrahio rapida- mente o figado do organismo, e em operações em que gastou apenas segundos vio a proporção do assucar ir crescendo no orgâo, desde quatro horas depois da refeição do animal até vinte quatro horas de- pois, em que montou a cifra da glycose a 2 gr., 675 por 1,000. Estas experiencias de Dalton parecem irrecusáveis e decisivas. Cl. Bernard indicou que, injectando assucar na veia jugular, esta substancia elimina-se incontinenti pela urina, mas que o mesmo não succede quando a injecção é praticada na veia porta, pela bar- reira que o figado oppõe á passagem do assucar para o exterior. Para tirar âs veias mezaraicas todo o mysterioso poder que se lhe attribua nesta funcção, o illustre professor, depois de ligar a veia porta, in- jecta glycose nas supraditas mezaraicas e a matéria saecharina eli- mina-se rapidamente. C-1. Bernard reservou o nome de glycomria ali- mentar para as desta especie. Corlat (de Lyon) vio nas affecções inte- ressando o figado confirmarem-se cliuicamente as ideias do sabio professor. Por ultimo, Lepine, submettendo um cyrrhotico á expe- riencia clinica da ingestão de 300 a 500 grammas diarias de glycose, vio também a eliminação do assucar fazer-se immediatamente ; a destruição da barreira hepatica explicando a manifestação da glijco- suria alimentar. Consideram-se meios capazes de crear experimentalmente a hyperglycemia, e consecutivamente a glycosuria, as injecções de substancias na veia porta, e a sua ligadura, a compressão do abdó- men, a electrisação do diaphragma e dos abdominaes, a ligadura de um membro, emfim, tudo que possa provocar um embaraço circula- tório e occasionar a liyperhemia hepatica e a superactividade da for- mação da matéria glycogena e da diastase animal que o metamor- phosêa. Mas, seja uma hvperhemia hepatica ou outro o mechanismo intermediário que ligue a causa ao effeito a physiologia experimental demonstra e a clinica sancciona entre esta categoria de factos a importância real e infallivel de outra influencia provocadora, a in- fluencia nervosa. Foi Cl. Bernard quem a descobrio por sua celebre experiencia da picada bulbar em um dos tres pontos do triângulo do pavimento do quarto ventrículo. Picando o bulbo em uma zona situada entre a origem do nervo pneumogastrico e a do acústico e examinando-se logo, a excreção urinaria cresce de ponto e tem-se o que se chama polijuria-, si o estylete operatorio fere entre o ponto glycosurico e o po- lyurico, a urina soffre a alteração albuminosa e tem-se o phenomeno conhecido por albuminúria. Esta associação phenomenal merece nota, pois que os dous pri- meiros, a glycosuria e a polyuria, surgem na moléstia intitulada dia- betes e representam mesmo os factos fundamentaes desse estado mor- bido, ajuntando-se-lhe muitas vezes o terceiro, a albuminúria, a qual denota grave complicação quando existente. Limitando-se a excitação bulbar ao ponto entre o pneumogas- trico e acústico, no coelho, por exemplo,- a urina destes animaes augmenta em quantidade, e de turva e alcalina que é torna-se acida, clara, transparente ; fervendo-se-a com certa porção de reactivo cu- pro-potassico de Felhing (*), forma-se log-o o precipitado vermelho de oxidulo de cobre, que indica positivamente a existência de assucar no liquido excretado. Mas esta influencia nervosa não se limita a região bulbar. Schiff notou que a excreção saccharina, permanecendo por semanas, provoca-se por lesões da protuberância e desde a medulla (*) Cl. Bernard deu uma formula titulada deste licôr de modo que 10 centímetros cu- bicos do reactivo são descorados e precipitados por Ogr. 05 de assucar ; a formula é a seguinte: Sulpkato de cobre 35 gr. 46 ; sal de seignette 200 gr.00; lessivia de soda 500 centim. cúbicos (24° Beaumé). alongada até ao nivel da medulla lombar, não só lesando-se os fas- ciculos anteriores, como ainda os posteriores do eixo nervoso espi- nhal. Outros experimentadores têm visto a glycosuria em lesões do cerebello, das camadas oplicas, dos pedúnculos, etc. Cl. Bernard, tentando saber qual o mecanismo da glycosuria nas lesões bulbares, poz experimentalmente o pneumogastrico fóra de qualquer acçâo directa, porquanto a electrisação de sua extre- midade central e periphreicas cortadas, quer no abdómen, quer no pescoço, não produzem modificação alguma sobre a circulação hepá- tica e só excepcionalmente actuarão quando as excitações partirem da região thoracica. Sendo assim, a excitação bulbar glycogenica, ganha o figado por intermédio do grande sympathico, que a recebe da medulla transmittida pelo bulbo. A contraprova destas interpretações está nas experiencias de- monstrativas que o cordão cervical não é o caminho percorrido e que seccionada a medulla espinhal em toda região cervical corresponden- te a lesão bulbar não gera a glycosuria. Para Bernard e Vulpian a transmissibilidade se faria pelos nervos splanchnicos, visto como de- pois de seu seccionamento transversal a excitação da zona glycosurica não produz a emissão do assucar consecutiva, e com esta singularidade que, si a secção destes nervos é feita depois da excitação bulbar, não obstante, a modificação hepatica prosegue, como si os splanchnicos estivessem intac.tos : é que a excitação secretiva não differe nestes casos da que se dá nas glandulas salivares, nas experiencias sobre a corda do tympano. Acredita Schiff que,si os nervos splanchnicos não provocam neste ultimo caso a glycosuria, é que a sua secção produz uma paralysia de todos os vasos abdominaes, que, assim dilatados passivamente, absor- vem todo sangue que devêra ir exagerar a circulação hepatica. Este physiologista, ao contrario de Bernard e Vulpian, pensa em um phenomeno vaso-motor ordinário de paralysia passiva, phe- nomeno que os physiologistas francezes attribuem á excitação das fibras nervosas dilatadoras activas e secretoras. A critica experimeutal não pôde ainda chegar a um accordo sobre o valor destas interpretações espec.iaes, mas, seja como for, o que é facto já agora bem averiguado e assente é que o figado, por sua funcção glycogeaica, á orgão directamente interessado nagenese da diabetes, e mais que as lesões nervosas tem, na maioria dos casos clinicos desta grave moléstia, influencia activa incontestável. Além disso Cl. Bernard conseguio assentar o mecanismo da circulaçâointra-organica do assucar sobre experiencias de tal modo irrevogáveis e claras que a pratica adquire d’ora avante nesse co- nhecimento manancial perenne de aperfeiçoamentos para romper de todo com as instituições arbitrarias de medicações symptomaticas e basear racionalmente a indicação prophylactica e curativa da glyco- suria permanente. A diabetes assucarada é hoje uma moléstia cujas manifesta- ções variadissimas e profundas explicam-se todas sem sahir das leis geraes do organismo, onde não ha mais matérias peccantes a expulsar, como acreditavam antigos médicos. A historia biologica do assucar escripta pela physiologia experimental e as deducções naturaes e rigorosas que desses conhecimentos se tiram para o estado diabético provam á saciedade quanto vai de artificioso e inútil nos compêndios communs de patbologãa geral a catalogarem sem o criterium positi- vo definições metaphysicas do estado morbido : desses conhecimentos experimentaes o que resulta de positivo é que as moléstias, como estados orgânicos que são, não vêm a ser mais do que exaltações func- cionaes normaes, correlativas sempre a alterações, quer physicas, quer chimicas ou propriamente anatómicas do organismo. E’ certo que os experimentadores não alcançaram ainda repro- duzir a glycosuria permanente e com aqnella fórina grave e interes- sante, em que é ella acompanhada de perdas de uréa ou de azoluria. Para Lecorché, que especialmente tem chamado a attençâo sobre a azoturia nestes casos, a quantidade de uréa em excesso na diabetes seria geralmente proporcional á quantidade assucar eliminada pela urina : « na diabetes a azoturia é consequência forçada da producção de assucar á custa das substancias azotadas vindas de fóra ou das procedentes do organismo. Do desdobramento exagerado das sub- stancias azotadas resulta de uma parte o assucar, da outra a uréa. E’ a este desdobramento que se vai exagerando com a intensidade da diabetes, que é devida á azoturia.» E’ para esta forma da glycosuria que os pathologistas moder- nos querem reservar propriamente o nome de diabetes. Mas as ex- periencias pliysiologicas recentissimas apoiadas pela clinica e a anatomia pathologica, a darem ao fígado mais um papel preponde- rante nas funcções desassimiladoras para produzir a uréa, não estão indicando as relações intimas entre a glycosuria e a azoturia ? A. diabetes dos laboratorios tem sido até hoje passageira, em verdade o diremos ; o proprio Schiff a vio durar algumas semanas apenas em seus animaes, arrebatados todavia por outras affecções intercorrentes, modalidade ephemera essa confirmada pela clinica em diversos esta- dos morbidos e nelles verificada a filiação etiologica estabelecida na provocação da glycosuria experimental. Porém essa situação de impossibilidade dos laboratorios que outra cousa mais prova senão que o problema não é simples e a so- lução definitiva depende de incógnitas que nos escapam ainda envol- tas no desconhecimento em que estamos de factos positivos sobre a evolução chimica das matérias azotadas, de todos os intermediários ao grande acto de desassimilação e por consequência de suas aber- rações perturbadoras ? Cl. Bernard no ultimo primoroso resumo que publicou das preciosas experiencias sobre este assumpto (desde 1849 até 1877) deu como causa de todas estas vacillações a conclusão geral de que a questão de origem da matéria glycogena ainda não está julgada! Si estas imperfeições podem explicar a opinião de notáveis pathologistas contemporâneos em separarem, sem sahiretn todavia do terreno physiologico, o que elles chamam verdadeira dia- betes da glycosuria experimental, não ha razões serias que façam de modo algum valerem as concepções pathogenicas, como a de Marchai de Cal vi, puramente clinicas e extra-experimentaes. E’ a experimentação que nos leva a aprehender a natureza real e a relação próxima de subordinação entre os symptomas cha- mados primitivos e constantes da diabetes e os secundários ou consecu- tivos, demostrando-nos que os primeiros são phenomenos physiolo- gicos exagerados e os segundos modificações filiadas a immensa excitabilidade funccional. O que vem a ser a glycosuria ou melituria senão um resultado da hyperglycemia, estado sanguineo que se observa em qualquer idade, após ingestões enormes de feculentos, na puerperalidade e na lactação, como indica a emissão de assucar pelas urinas ? O que a polyuria, mesmo a directamente nervosa, senão o augmento de excreção urinaria, consequeucia da concentração gly- cosurica do sangue que activa as condicções endosmoticas dos capila- res, produz maior quantidade d’agua para solver o assucar, excesso d’agua que augmenta a pressão arterial dos vasos renaes ? E não ex- plica isto a diminuição do suor, a constipação do ventre e a exhalação aquosa da respiração ? O que vem a ser npolydipsia senão o exagero da sede que tem a razão de ser na polyuria ? O que a polyphagia senão o excesso de fome resultando já do desperdício dos princípios nutri- tivos ? E isto não nos dá conta etiologica da dyspepsia diabética e dos vomitos ? O emmagrecimento ou authophagia não é também um facto normal, como para todos os animaes abstinentes provou Cl. Bernard, e provocado pelas perdas ureicas ? A. azoturia o que mais é do que a hypersecreção da uréa ? E esta desassimilação pro- teica, produzindo o marasmo e a intoxicação profunda dos centros nervosos, não bastaria para dar a razão dos phlegmões diffiisos e gan- grenosos, das phleginanias cutaneas e visceraes, como os furunculox, o an- traz, a dyarrhéa, e emfim a consumpção pulmonar ? Os accidentes essencialmente nervosos, como a amblyapia, a cataracta, não estão in- dicando uma modificação da actividade encephalica Os sympto- mas secundários da impotência e esterilidade porque se dão, si não pela impressão que sobre os centros nervosos exerce o sangue alte- rado e pela acção do assucar sobre os zoospermas? E quando pre- coces estes dois factos não os explica bem a alteração primittiva dos centros nervosos ? Em todo este complexo morbido nada ha, pois, de estranho. A anatomia pathologica confirma a pbysiologia em fazer esta da hyperglyceinia a condição base da diabetes : mostra a necropsia lesões diversas do figado caracteristicas da superactividade hepatica; lesões variaveis dos centros nervosos, e modificações consecutivas ao processo diabético em diversos departamentos orgânicos, como a congestão e a steatose dos rins. Os oitenta e quatro casos apresen- tados ainda em 1875 pelo venerando Andral são pela mór parte comprobatorios da experimentação. Com taes dados podemos agora recordar rapidamente as indi- cações therapeuticas filiadas ás doctrinas scientificas da diabetes, desde os primeiros ensaios experimentaes até hoje. A mais antiga concepção racional do mecanismo da diabetes, desde as primeiras noções positivas sobre a digestão, desde Rol lo (1797) até Bouchardat (1838,) consistia em admittir o que hoje se chama hyperglycemia como procedente da alimentação assucarada e feculenta e de suas modificações na chimica digestiva. Nessa hypothese Bouchardat instituio a medicação destinada a impedir a introducção de assucar na economia, medicação representada pela escolha do regimen ali- mentar azotado, pepsina, levadura de cerveja, pão especial de glúten, etc. Com os estudos para a alimentação electiva dos diabéticos, publicados desde então em seus Annuarios, tem o professor Bou- chardat feito progredir immenso a liygiene alimentar ou broma- tologica. Mas nessa hypotliese occultava-se uma interrogativa sem resposta: porque só lião de apresentar os diabéticos assucar no sangue em proporções notáveis? Mialhe e Reynoso responderam dizendo que o assucar destroe-se no organismo normal e elimina-se em natureza no estado diabético ; mas a respeito do processo des- truidor divergiram as opiniões dos dous citados autores. Para Mialhe (*) o sangue hygddo é alcalino e essa alcalinidade destroe o assucar, que aliás accumula-se no sangue diabético porque este tem bastante acidez favoravel a tal accumulo ; para Reynoso a pre- sença do assucar nas urinas é um effeito da hematose insufficiente, pois que em todos os casos em que a combustão do assucar for detida no pulmão surgirá a glycosuria. D’ahi as indicações essenciaes para esses autores eram favorecer a eliminação do assucar, apres- sando a sua destructibilidade; nesse sentido accuariam os alcalinos, agymnastica, as inhalações de oxygeno, o perm mganato de potassa, o acido láctico, etc. Filiam-se á theoria da não destruição do assucar segundo o modo de ver de Reynoso, as mais novas de Pettenkoffer e Voit, para os quaes o globulo perde na diabetes a propriedade de fixar o oxygeno, e ainda a mais recente de Cantani a acreditar que a glycose normal differe da glycose diabética ou paraglycote, que se não destróe no sangue por menos oxidavel que é. Porém desde 1848 até 1877 que Cl. Bernard trabalhou demonstrando que a glycemia é uma funcção normal, e si o assucar augmenta pela ingestão dos fe- culentos também cresce pela alimentação azotada. Segundo elle basta a seguinte decisiva experiencia para provar a possibilidade da transformação das matérias azotadas em glycogeno : de ovos de moscas depostos sobre a carne, da qual é impossivel extrahir o menor traço de matéria glycog-ena ou glycose, vêm-se nascer vermes que alimentados por esta carne contêm em seus corpos grande copia de amidon animal facilmente extractivel. Esta matéria glycogena (*; Miallie em 1866 apresentou uma outra theoria da diabetes, passando a conside- rai a como uma nevropatliia chronica affectando todos os nervos secretores. muda-se após em glycose e ulteriormente é utilisada na metamor- phose dos insectos. Einfim Bernard ensina que si o assucar é um dos elementos constantes do sangue é também producto da transfor- mação das matérias azotadas por um trabalho metabólico das cellulas hepaticas sob a influencia nervosa.... À possibilidade da transformação das matérias azotadas em assucar levou ainda Wolfberg* em 1876, ein virtude de varias expe- riências iustituidas com a aliment-ição inixta, a formular a conclusão seguinte : «que a quantidade de matéria glycogetia localisada no figado depende da quantidade de albuminoides decompostos no or- ganismo». Sob as ideias de Bernard instituiram-se igualmente metliodos curativos, com o opio, a valeriana, o broinureto de po- tassium, a electricidade, etc. As theorias de Rouget, Pavy e Schiíf, das quaes as de Senator e Jaccoud são apenas ligeiras combinações, não fundaram therapeutica especial e julgamos sufliciente aqui o que já sobre ellas expuzemos. E’ em virtude assim dos progressos experimentaes que se tem chegado a explicar porque a therapeutica de Bouchardat é fallivel em muitos casos de glycosuria simples, principal mente nas fôrmas graves ; porque os alcalinos aproveitam as vezes como facilitadores da digestão e tornam-se perig*osos n’outras, nos casos graves de gly- cosuria azoturica, por causa de sua propriedade hypercomburente augmentar a eliminação ureica ; porque, finalmente, todos os meios, com effeito notável sobre os actos da nutrição intima, dão alguns re- sultados beneficos. Conforme as observações de vários autores, é ainda para Lecorché o opio em pequenas dóses, e não nas de 3 grammas diarias em que o ministrava Trousseau, o melhor medica- mento da glycosuria azoturica. Todavia depois do que expuzemos pretender uma solução só para a generalidade dos casos de gly- cosuria diabética seria, por emquanto ao menos, ir-se contra todos os dados physiologicos e clínicos até agora adquiridos. 11 Summario.—Analyse experimentai do meio interior (continuação).— Segundo grupo dos princípios do plasma: excrelivos.— Depuração orgauica.— Uréa.—Uremia cxp- rimentai.—Deducções praticas.— Uratos.-— Urecemia ou diaíhese urica. Gotta.—e Tentativas cxperimentaes sobre a natureza do rheumatismo.— A therapeutica ra- cional do rlieumatismo ainda não está estabelecida.—Causas da icterícia.—Bile e depuração biliar. — Deducções experimentaes.— Pathogenia da iclericia grave cholesteremia. —Conclusão. 0 segundo grupo dos princípios immediatos da segunda classe, o das matérias excrementicias, resulta do desdobramento dos albuminoides e é regeitado, pelas urinas, pelo suor, pela bile e pelas secreções mórbidas das serosas, e do tecido conjunctivo, cellular ou luminoso. Para a uréa (CH4Az-0), que é o principal dos excretivos, acreditam Robin e outros com elle que se não trata de simples oxidação geral, mas de desdobramentos successivos dessas matérias. As experiencias recentes de Heysine,de Stokvis, de Turher e Ludwig, de Meissner, de Cyon no terreno propriamente physiolo- gico, das de Murchisson, Brouardel e Charcot sob o ponto de vista inais verdadeiramente clinico, tendem a firmar positivamente que, si é possível o desdobramento dos albuminoides no sangue, esta funccão desassimiladora é também uma funcção preponderante das cellulas hepaticas. Meissner, impressionado pela enorme copia de acido urieo que se encontra no fígado dos passaros, passou a expe- rimentar sobre mamíferos, e submettendo o figado dos animaes ao processo da lavagem, como para o decobrimento da glycose fizera Bernard, deparou-se ao physiologista allemâo a existência da uréa na glandula hepatica. Cyon chegou a resultados verificativos dos de Meissner. Esse igualmente celebre physiologista tomou o figado de um animal recentemente morto e collocando o orgão, segundo o methodo de Ludwig, em um meio de temperatura idêntica á das condições vitaes, obteve as duas seguintes experiencias: Ia expe- riencia — Sangue que mão passou pelo figado, sob 100 cc — 0,gr09 ; sangue que atravessou a glandula uma vez — 0,grl4 ; — 2a expe- riencia — Sangue antes de passar — 0,gr08 ; —depois de haver pas- sado uma vez — 0,grl4 ; — depois de duas passagens — 0,gr017(5. Brouardel ein sua interessantíssima memória sobre — Vurèe et U foie — assenta estas duas conclusões sobre a maior ou a menor copia de uréa excretada a depender quer da alteração ou integridade da* cellulas hepatu-as, quer da actividade maxima ou minima da circula- ção do fígado. Ern diversos casos pathologicos o exame clinico pelos meios experimentaes hoje ao seu alcance nota que em varias alte- rações do fígado a taxa da uréa sobe ou diminue. Daremos alguns exemplos dentre os das conclusões da citada memória de Brouardel. Assim é que na ictericia grave a taxa da uréa baixa, mas não di- minue a ponto de desapparecer, ao passo que na ictericia simples a cifra é normal; a abundancia da uréa excretada permitte favoravel prog- nostico: na hepatite sappurada, mesmo durante a abcedação e a febre, a cifra da uréa baixa consideravelmente : na hepatite intersticial, tanto no estado inicial hypertrophico, como na atrophia consecutiva da glandula, a quantidade de uréa decresce, continuando embora a alimentar-se o doente : na congestão do figado o algarismo da uréa eleva-se : na diabetes, que é uma moléstia ante-pyretica, a taxa da uréa attinge por vezes, como já tivemos occasião de dizer, elevadís- sima cifra. Nesta ultima moléstia são tão notáveis as variações entre o assucar e a uréa excretados que é com razão que Brouardel julga-se autorisado a perguntar si ao menos não haverá communidade nas duas origens. Como vemos, a solução deste problema se está iniciando de modo positivo pela verificação mutua das experiencias dos hospitaes com as experiencias dos laboratorios, e é de esperar em breve a evi- dente demonstração da verdade. A quantidade de uréa contida no sangue varia nos indivíduos em sua taxa diaria e mantem-seem proporções muitas vezes conside- ráveis, não obstante a extrema solubilidade desse producto. Ontr'ora em que os reactivos chimicos, como o azotato de mercúrio, o chloro, etc., sensíveis á uréa, não eram reconhecidos como taes, negou-se a preexistencia desse principio da depuração organica do sangue, e, (coisa notável!) esta negativa servio para repellir racionalmente a opinião dos que suppunham e theorisavam sobre a preexistencia de todos os elementos chimicos no sangue, e olhavam as glandulas como puros philtros separadores; donde o nome de orgãos de secreção [sccernere, separar] que lhes deram. Entretanto, esta ideia sobre o íunccionamento glandular, inadmissível por generica, é perfeita- mente exaeta no que respeita á funcção renal, agora que sabemos, pelas experiencias de Bernard e Barreswill e de outros jà mencio- nados experimentadores, que a uréa é producto de dessassimilação das substancias albuminoides constituintes, dessassimilação de que parece estar principalmente incumbido o fígado, limitando-se os rins, como os demais emunctorios, a philtrar o resultado final depu- rativo. Os intermediários no desdobramento ehimico formador da uréa, como o acido urico, a chnlesterina, a xantina, a creatina, a leucma, etc., guardam proporções menores nas derradeiras cinzas das com- bustões e metamorphoses intra-organicas. Si estas substancias, que, como vemos, sfio expulsas do meio interior, pelas urinas, pelas vias intestinaes, pelas glandulas salivares e pela superfície tegumentaria, ahi permanecem, explosões mórbidas differentes, verdadeiras intoxi- cações irromperão. A phvsio-chimica experimental, a que devemos a explicação desses factos ainda não ha muito complet rmente igno- rados, tem boje os práticos de sobre-aviso sobre a genese dos auto- envenenamentos, si não para evital-os, o que é por vezes impossivel, para favorecer ao menos pelos meios ao seu alcance as funcções des- assimiladoras do trabalho depurador. O processo morbido da uretnia indubitavelmente occupa, por terriveis e rápidos effeitos, o primeiro logar entre os auto-envene- namentos do meio interior. Os physiologistas indicam a producção mais ou menos com- pleta dos phenomenos uremicos, detendo no sangue as matérias da depuração organica. Extirpando-se os rins a um cão, ou li- gando-se-lhe as artérias renaes ou os ureteres, algumas horas após, que podem ser comparadas ao periodo de incubação das moléstias infecciosas, vê-se surgir uma affecção mortal, cujos phenomenos ini- ciaes são : vomitos abundantes, vezes ácidos, vezes ammoniacaes, seguidos de dejecções diarrheicas fétidas e negras ; depois desordens nervosas vêm dar colorido novo e movimento ao quadro symptoma- tico que sedelinêa, e o animal morre nos estrebuchamentos das con- vulsões tónicas e clonicas de toda musculatura, semelhantes ás que caracterisam os ncccxsos eclampticos. Na clinica as manifestações analogas não têm todas o mesmo tvpo caracteristico : em certos casos, ao invez da excitabilidade ner- vosa, é a par lvsia desse systema, denunciaudo-se por um estado Comatoso intermittente, o que desperta e. attençâo do pratico : em outras occasiões a fónna reveladora do auto-envenenamento guarda o cunho mixto: aos accessos convulsivos entremeia-se a resolução muscular do coma. A intoxicação uremica em seu mecanismo acha-se ligada á alteração anatómica do parenchyma renal, especialmente ás exfolia- ções das cellulas epitheliaes que revestem os tubos uriniferos de Ferrein e Henle ; donde a diversidade de suas fôrmas tnais ou menos graves em correlação com as lesões mais ou menos profundas dos rins. À persistência de grande quantidade de albumina no liquido urinário, albumina dependente, como veremos, de differentes meca- nismos, tem em eminencia a explosão uremica : é quasi sempre a albuminúria que abre a porta de entrada á uremia. Não obstante não ser a albuminúria subordinada em todas as circuinstancias a uma lesão renal preexistente, a passagem anormal da albumina atravez dos elementos cellulares do principal orgão depurador acaba por alterar-lhe a nutrição intima; e a invasão estranha, entravando o funccionalismo da machina excretora, a anuria é a consequência, sendo os productos excretivos habituaes armazenados no sangue, e a intoxicação certa. E’ o que sóe succe- der sobretudo na mphritite intersticial (cont.racted kidney), moléstia de Bright, na qual é a uremia a terminação frequente. Devêra-se suppôr á priori que a intoxicação uremica fosse coirimum á ncphritilc parenchijmatosa, onde o desperdicio de albumina é mais intenso e as devastações renaes mais profundas do que nas outras fôrmas ; porém convém notar desde já que a insufflciencia da depuração urinaria encontra nesses casos nas hydropisias que se estabelecem um novo emunctorio orgânico, verdadeira valvula de segurança aberta ao desembaraçainento dos productos da desassimilação. Às obliterações bilateraes dos ureteres, ou sua compressão por kistos ovaricos e mesmo pelo tumor fetal, chegam a acarretar im- mediata ou mediatameute o envenenamento uremico ; é o que se pôde apreciar também na reabsorpção rapida do derramamento anasarchico. As experiencias physiologicas deixam comprehender facilmente todos esses modos etiologicos. Já no «Journal de Magendie de 1822» encontram-se as ex- periencias de Vauquelin e Ségalas instituídas para saber-se, si a in- jecção da urina in tolo seria inócua ou nociva Estes experimenta- dores observaram que os animaes em experiencia morriam into- xicados. Porém, estes accidentes mortaes a critica posterior attribuio não á acção própria da urina, mas a embolias pulmonares causadas pelas partículas cellulares injectadas com a urina não pliil- trada, porquanto, nos casos em que se tem cuidado da philtração prévia, a injecção urinosa não provoca o envenenamento. Concor- damos com Picot que esta apreciação opponente de Rosenstein, por elle citado, não parece decisiva, pois, em verdade, custa immenso o comprehender-se como sejam sufficientes para inutilisarem a consi- derável superfície da hematose pulmonar uns diminutos numeros de cristaes salinos e de partículas epitlieliaes, que tantos são os que podem existir na pequena dóse de urina injectada nas experiencias de Yauquelin e Ségalas. O certo é que a ideia do envenenamento uremico pela acção da urina in tolo foi abandonada, e outros experimentadores aceitaram por conclusão a intoxicação sanguínea occasionada pelo accumulo de um principio unico da urina, a — uréa. Mais tarde chegou-se a conhecer que a uréa podia ser injectada impunemeiite no sangue e até usada como diurético. Frericks, tendo em vista a aptidão da uréa a desdobrar-se, na presença do fermento mucoso, em carbonato de ammonea, e, considerando que nas experiencias pliysiologicas o encontro de saes ammoniacaes nas secreções gastro-intestinaes está indicando que esse desdobramento póde ser intra-organico, con- sidera o envenenamento uremico não como uma uremia, mas como uma ammonemia. As fórmulas chimicas mostram certamente a fácil transformação da uréa, por uma forte hydratação, em carbonato de ammonea, e nós sabemos já por varias experiencias que as fer- mentações se podem dar no organismo; mas o cabonato de ammonea encontrado no sangue é em diminuta quantidade, e diz o mesmo Freriehs tel-o achado em autopsias feitas muitas horas de- pois da morte dos uremicos, circumstancia esta que parece plau- sível levar-nos a admittir que o sal ammoniacal seja antes então um puro resultado da fermentação pútrida post mortem. Além disso, como caracteristico, dá o sabio medico experi- mentador allemão a presença das exlialaçOes ammoniacaes no ar ex- pirado dos uremicos, caracteristico de pouco valor, não só pelo processo revelador empregado, como por depararem-se também traços de amraonea no ar atmospherico, e poder ainda apparecer o carbonato desta base nos estados morbidos dos dentes e da mucosa boccal. Por estas e outras razões, novas experiencias levaram a explicar o envenenamento uremico pelo deposito no sangue de todos os princípios extractivos, com excepção da uréa. Por ultimo, im- pressionado pelas hydropisias errantes que se mostram na albumi- núria brightica, e pela própria anasarca tão commurn, pensou o sabio clinico experimentador Traube na existência de um edema en- cephalico para explicar a pat.hogenia do phenomeno uremico. Este edema só não se daria quando a fluidez do liquido sanguíneo, augmentada a tensão vascular, não bastasse para o pro- duzir : o mesmo edema encepbalico traria como consequência a ane- mia dos centros nervosos. A theoria de Traube orna-se de attractivos clínicos pela facilidade com que interpreta, ora a explosão das con- vulsões, ora o appareciinento isolado do coma uremico : segundo esta doutrina correm as convulsões por conta do edema e da anemia do bulbo e da protuberância, cabendo o coma por contado edema e da anemia dos lobos cerebraes. Niemeyer aceita a doutrina citada para explicar os casos em que a simples intoxicação chimica parece dif- íicil de satisfazer o espirito. Picot procurou verificar a theoria da encephalop ithia por edema proposta pelo sabio medico allemão. Nesse intuito o illustre professor francez injectou agua em dóses variaveis nas veias de coe- lhos e cães, indicando como a morte nestes casos é susceptivel de nu- merosas interpretações. Picot vio com surpreza em sua serie de experiencias produzirem-se symptomas analog'os aos da uremia pela simples injecção em cães e coelhos de uma pequena quantidade de sal commurn dissolvido n’agua ! Poincaré pretende attribuir os phenomenos uremicos a altera- ções primittivas dos centros nervosos. No entanto, o que resulta de todos os dados experimentaes até agora colhidos, o que parece positivo, é que a uremia é uma con- sequência da armazenagem forçada no sangue, não de um principio chimico especial, mas de todos os princípios da urina, principalmente os extractivos, correndo por conta das modificações circulatórias dos c entros nervosos as modalidades de que é susceptivel a encephalo- pathia uremica. E’ a opinião de Rommelaere adoptada por Picot, que com elle abraçamos também por unica admissivel no estado actual da pbysiologia. Para o diagnostico a pbysiologia nos ensina qne ao exame den- simetrico da massa total da urina nas 24 horas se haja de reunir o exame microscopico consecutivo, como dons elementos imprescindí- veis de um juizo serio neste caso. Não é a anuria e a diminuição da taxa normal da urina que hão de guiar o diagnostico, pois a taxa normal da urina entre 1000 e 1500 grammas pode ser mantida e mesmo excedida, como ha exemplos na uremia: e nada aqui ha de contradictorio, porque o que constitue a funcção renal é a philtração das cinzas da nutrição e não o escoamento de maior ou menor volume d’agua. A indicação therapeutica basêa-se na discriminação physio- logica dos modos de actuar das causas da insufficiencia urinaria. Espoliar o sangue, por meio dos drásticos e diuréticos, dos materiaes ur.inosos contidos em seu interior é um meio racional, e que ainda pelo abaixamento da pressão que produz serve também para com- bater com vantagem a encephalopathia por edema. Todas as causas capazes de exagerar a formação de uratos no sangue e de impedire a eliminação desses productos excretivos creain um estado dyscrasico,—a diathese urica ou melhor a uricemia, —na excellente expressão de Yulpian. Encontram-se então infarctus de acido urico ou de uratos nos orgãos e nos tecidos articulares, constituindo os tophos das arthropathias gottosas. A cólica nephritica não é mais do que a manifestação da lithiase renal, expressão por sua vez da localisação da uricemia nos rins. Algumas moléstias apre- sentam a notável coincidência do excesso de acido urico no sangue : a nephrite albuminosa, a cachexia saturnina e a diabetes são desse nu- mero. O acido urico (C3 H> Az 4 0:i) é um producto mais oxidado e menos solúvel que a uréa. Na urina das 24 horas encontram-se apenas 0, gr. 50. Este acido forma-se nos elementos anatómicos por desdobramentos intermediários ao nascimento da uréa, e, como para este corpo, factos experímentaes e certas noções clinicas parecem dar o fígado a séde principal da formação do acido urico. Meissner extrahio uma vez sobre 500 grammas do fígado de uma gallinacea 0, gr. 31 de acido urico, e de outra vez sobre 298 grammas obteve 0, gr. 14 do mesmo acido, quantidade já bastante notável, no dizer de Charcot, si se tiver em consideração a pouca solubilidade desse acido. No sangue e nos tecidos o acido urico acba-se em combinação com a soda, potassa, cal e ammonea, constituindo os uratos dessas bases : nos tubos renaes esses uratos desdobram-se e formam o acido urico que se encontra nas urinas. Os antigos médicos humoristas do século 1.7 e parte do 18, para os quaes e"a desconhecido o descobrimento do acido urico (acido li- thico) por Scheele (1775) nos cálculos urinários e na urina, acredi- taram com Sydenham que os symptomas da gotta eram representados pelos esforços da natureza a expellir do seio as materies morbi geradas por cocções imperfeitas das vias gastro-intestinaes. Garrod, notando as relações existentes entre a gotta e os de- pósitos renaes, institnio experiencias physio-chimicas para demons- trar que a gotta aguda ou chronica é correlativa a sedimento de acido urico no sangue a infiltrar-se como urato de soda nas cartila- gens diartroidaes, formando os tophus articulares, e mesmo no tecido cellular produzindo muitas vezes os infarctus sub-cutaneos. As experiencias notáveis de Zalesky mostraram que, pela liga- dura dos uretéres de diversos animaes, consegue-se provocar depó- sitos de uratos de soda nos folliculos do estomago, nas interfibrillas musculares, nas paredes cardiacas, etc. Concebendo-se a saturação urica do organismo, concebe-se, baseado em factos experimentaes, a possibilidade das concreções uraticas em diversos pontos orgânicos e comprehende-se facilmente a existência dos accessos gottoso-vis- ceraes. Algumas observações clinicas affirmam a realidade de per- turbações hepaticas concorrendo com os accessos gottosos, e em certas circumstancias mesmo premontorias delles. Gaultier-Bois- siére em si proprio vio a congestão do fígado preceder os accessos dessa intoxicação urica. Os pathologistas inglezes contemporâneos consideram na gotta um estado hepático permanente a que elles de- nominam torpor of the liver. Murchison, que chega a dizer gout, like diabetis is the result of a funclional derangements of the liver, guarda, todavia, certas reservas a respeito da questão. Comtudo, as appro- ximações da clinica aos dados experimentaes são ainda bem frisantes neste terreno, Yê-se também aqui que a observação clinica só es- pera que a physiologia experimental derrame toda luz sobre as novas funcções desassimiladoras do figado que os experimentos contemporâneos vão em caminho de firmar irrefutáveis. Sem duvida, que a noção da dyscrasia urica é fundamental, embora não nos esclareça ella, por emquanto, as evoluções clinicas dos accessos gottosos, essas fluxões súbitas a transportarem o tra- balho morbido, as concreções tophaceas das articulações ás visceras e das visceras ás articulações. As analyses de Garrod, Bence Jones e outros levaram a pra- tica a um progresso positivo ; ellas dão a razão physiologica das in- dicações curativas empiricamente deduzidas da simples observação clinica dos antigos, A indicação formal é obstar o nascimento do acido urico em excesso. O uso empírico dos alcalinos justificou-se como dissolventes que são dos infarctos uraticos. Garrod, estudando os effeitos separados dos saes de soda, potassa e da lithina, como dis- solventes das concreções uricas, vio que a acção da soda é nulla, a da potassa fraca e incompleta e que só a da lithina é poderosa e completa. A lithina é uma substancia intra-organica, como a po- tassa e a soda: as analyses espectraes de Bunsen e Kirchoff verifi- caram-lhe a existência no leite e no sangue humano. Outro processo morbido constitucional de manifestações appro- ximadas da gotta é o rheumatismo articular; e tal é a sua similitude apparente que muitos autores têm sido levados a confundil-os. Nao julgamos com o professor Jaccoud que haja em verdade radical an- tagonismo entre o rheumatismo, principalmente o da fórma clironica, e a urecemia gottosa; mas, quanto a nós, só no sentido de que no pro- cesso rheumatico trata-se igualmente de uma dyscrasia, de uma moléstia totius subtiancice, de um envenenamento, emfim. O processo gottoso está com effeito mais ou menos bem averiguado ; trata-se positivamente de uma dyscrasia urica, endemica, de algum modo, nas refinadas classes aristocráticas européas, e que parece ir feliz- mente desapparecendo como vão também esses artifícios sociaes em que ella predomina. O rlieumatismo póde-se dizer que não conliece, nem zonas geographicas para isolar-se, nem mostra predilecção por classes favorecidas ou desfavorecidas, é commum, frequente e cos- mopolita : para sua explosão aguda basta só um brusco e rápido res- friamento. A physiologia, a medicina experimental, procuram aiuda conhecer a verdadeira natureza do processo rheumatico. Tendo-se em vi«ta que a impressão do frio húmido, provocando a suppressão brusca da perspiração cutanea, é de um modo geral a causa próxima das manifestações rheumaticas, acredita-se com razão que esta causa produza um envenenamento pela retenção no organismo dos princí- pios elimináveis pela pelle. Porém, como o suor não contém sómente sudoralos mais ou menos conhecidos, mas ainda outras substancias, tenta-se saber qual é verdadeiramente o toxico. O processo experi- mental pelo envernizamento animal prova que nestes casos a morte dá-se pela asphyxia que surge com a retenção do acido carbonico no sangue, como para adiante veremos. Este dado physiologico leva alguns a attribuirem o rheumatismo á retenção do acido carbonico no sangue e nos tecidos. Crêm outros que no facto experimental mencionado produz-se também um principio gazoso azotado de nat u- reza supposta ammoniacal que nestas circumstancias retem-se no sangue e mesmo nos tecidos, como phosphato—ammoniaco—magne- siano. Alguns autores, considerando a analogia exterior das arthro- pathias rheumaticas com as arthropathias nervosas, estudadas por Charcot, pretendem que se trata no processo rheumatico unicamente de alterações do systema nervoso. Esta theoria basêa-se na existên- cia hypotlietica dos nervos trophicos de Samuel, e interpreta pelas ir- ritações desses nervos a mobilidade e as localisações successivas do processo rheumatismal. Estas opiniões no estado actual da sciencia só devem ser tidas comohypotheses. O que até agora pelo menos pa- rece mais provável é que se trata de um estado constitucional dyscra- sico,e nesta direcçâo é queas tentativas experimentaes como que estão indicando a via por onde se chegará á verdade. O que se deduz de tudo isto é que, os dados da experimentação sendo insufficientes até esta data para guiar-nos sobre a natureza do rheumatismo e suas verdadeiras condições pathogenícas, a therapeutica scientifica deste processo morbido está ainda por estabelecer-se. A clinica sabe que em varias affecções do figado e quando por qualquer razão a permeabilidade dos canaliculos biliares se acha destruída tingem-se as mucosas dos enfermos e mesmo toda túnica cutanea de um colorido amarello-açafroado chamado icterícia : a maxima ou minima intensidade do estado ictérico depende de stáse biliar nos conductos hepáticos. E’ a experimentação physiologica que permitte ao pratico penetrar na intimidade desses phenomenos, pelas noções que ella accumula sobre o mecanismo da secreção da bile e a composição chi mica desse liquido, tão importante no processo geral da depuração organica. A bile é um liquido elaborado pelas cellulas hepaticas, de cor verdoenga, fluido, e tornando-se viscoso por sua deposição na ve- sícula biliar. Esta secreção do figado, que é continua, exacerba-se durante a digestão, derramando-se bruscamente pelo canal choledoco no duodenum á passagem do chymo por esse departamento intes- tinal. Sua composição chimica é extremamente complexa. Na bile humana encontram-se princípios tanto da primeira, como da segunda e terceira classe. Entre os princípios de segunda classe, além da uréa e do acido urico cuja importância pathologica já conhecemos, existem os ácidos (jlijcocholico (C26 Az06) e taurocholico (C26 H43 AzS07) que, combinados com a soda, formam o glycocholato e o taurocholato de soda, os chamados saes biliares, notáveis por sua acção ante-fermen- tiscivel sobre as matérias intestinaes. Estes ácidos decompoem-se no intestino e desapparecem nos sedimentos excrementicios : a chi- mica faz suppôr os desdobramentos do acido glychocolico em acido cholalicn e e do acido taurocholico em acido cholalicn e taurina. Entre os princípios da segunda classe nota-se ainda a chõlesterina que representa um papel pathologico importantíssimo, e que, con- forme as analyses de Flint, é um producto de desassimilação do tecido nervoso que o figado separa do sangue e vai na bile, atravessando o intestino, transformar-se em stercorina ou serolina e assim evacuar-se pelo rectum. As chamadas matérias corantes da bile, isto é, a biliverdina e seus congeneres constituem com a mucosina todos os princípios da terceira classe. Na opinião de Longet a bile não é indispensável ao trabalho da digestão em geral, mas, não obstante, o escoamento delia para o exterior (nos casos de fistula biliar), não é compatível com a vida, senão quando uma alimentação copiosa compensa-lhe a perda inces- sante. A bile seria assim um producto de excreção, mas só condi- cionalmente excrementicio. Dissemos que a intensidade da coloração ictérica subordina-se ao gráo de stase biliar e podemos agora avançar que a genese da ictericia é provocada pela penetração da bile no sangue, quer nas obliterações dos conductos excretores, quer ainda na impermeabili- dade dos canaliculos biliares microscopicos interlobulares e intralo- bulares, nos quaes Ebstein observou exs o dações catarrhaes : ulti- mamente Picot e Cornil viram ligadas manifestações ictéricas a lesões desses canaliculos. Estes factos novos da anatomia micrographica têm extraordinário ilcance, pois permittem uma interpretação ruais positiva da producção ictérica biliosa, e a restringir, senão a exau- torar mesmo, a hypothese da ide icia sanguínea ou hemapheica, fun- dada na analogia das reacções chimicas entre as matérias corantes da bile e a hematoidiua, mataria corante do sangue, e em que pelo facto da destruição dos globulos vermelhos, sob a acção dos ácidos biliares, a biliverdina se produziria pelas transformações succes- sivas da hemoglobina separada no processo destruidor. O que as analyses criticas experimentaes minuciosas e recentes permittem ter por certo é que, na grande maioria dos casos, a idericia simples de- pende da passagem da bile no sangue, correndo os accidentes da idericia grave a cargo da transfusão dessa mesma bile in toto e em proporção enorme. A medicina experimental mostra que a bile pódeser um veneno morbido e por dous processos realiza-lhe a penetração no meio inte- rior : pela ligadura do canal choledoco, que acarreta a retenção do humor bilioso nos canaes biliares e sua absorpção consecutiva ; ou directamente pela injecção desse producto nas veias. Feltz e Ritter, injectando a bile em dóses progressivas, escla- receram as vacillações que resultados experimentaes anteriores man- tinham ainda a respeito. E eis como Picot resume as consequências a que chegaram esses autores: « No cão na dóse de 2 a 8 g*rammas é a bile promptamente eliminada pela saliva, a urina e as fezes. A in- jecção é seguida de um pouco de mao-estar e de ligeirissimo abaixa- mento da temperatura, alguns décimos de gráo ; os animaes restabe- lecem-se promptamente. Entre 8 e 15 grammas, observam-se diarrhéas biliosas, vomitos alimentares, depois biliosos, depois san- guinolentos, urinas de mais em mais carregadas ; comtudo curam-se os animaes ainda. Entre 15 e 25 grammas, vêm-se sobrevir accidentes nervosos, convulsivos, tetaniformes, após comatosos. Antes da agonia a temperatura cae de um gráo. No sangue dos animaes mortos encontra-se uma grande diflfiuencia dos globulos vermelhos ; o ser um é carregado de pós granulo-gordurosos e colora-se em ver- melho, o que indica uma dissolução da hemoglobina. Os gazes do sangue modificam-se em suas proporções ; diminue o oxigeno, o acido carbonico augmenta, factos estes em relação com a alteração das he- matias. A urina contém ácidos biliares e a analyse espectral ahi demonstra as raias de absorpção da hemoglobina. » As experiencias dos citados professores de Nancy proseguiram em novas indagações. A bile, como sabemos, tem uma composição complexa, os seus princípios corantes são de uma diffusibilidade ex- trema e podem desapparecer, mantendo-se todavia a proporção dos saes biliares em estado normal na razão de 55 a 62 por 1:000. Con- vinha, pois, precisar a acção própria a cada uma dessas matérias, e foi o que fizeram Feltz e Ritter. Estes experimentadores pelo mesmo methodo de injecção nas veias e dosagem progressiva verificaram as acções isoladas da bileverdina, da bilerubma e a da bileprasina. Esta ultima matéria a bileprasina com a bilefuscina parecem própria aos cálculos biliares, derivando-se ambas por hydratação da bilerubina e a bileverdina que existem na bile liquida. Os experimentadores reconheceram que a penetração dessas substancias provoca icterícias analogas ás icterícias simples, passageiras, sem accidentes encepha- licos, e ás exsudações hemorrhagicas das mucosas e de outros tecidos conhecidos como caracterisadores da icterícia grave. Injectando pelo mesmo processo ainda os saes biliares glycocholato e laurocholato viram Feltz e Ritter que estes saes destroem o globulo sanguíneo dos ani- maes em que são injectados,os quaes apresentam então lesões hepáti- cas e desordens semelhantes ás que na icterícia grave observa a clinica. Para estes experimentadores o taurocbolato é mais activo que o glycocholato, obtendo-se com sua mistura um poderoso toxico. Os mesmos professores, em certos destes últimos casos, fizeram notar augmento de cholesterina no sangue, verdadeira cholesteremia, accu- mulo de cholesterina que Flint já havia indicado, attribuindo mesmo a esse estado do sangue os accidentes nervosos da icterícia grave. Entretanto, Flint não experimentára o effeito isolado da cholesterina. Feltz e Ritter, conseguindo a solubilidade dessa substancia, injectaram-na nas veias e chegaram por seus resultados â contes- tação da hypothese de Flint por absoluta. Todavia experiencias allemãs contemporâneas de Kolleman Muller justificaram a ideia de Flint. Nestes casos a cholesterina injectada sob a fórma liquida, obtida pela trituração da substancia em glycerina, e diluida em uma mistura d’agua de sabão, produzio nos animaes as desordens nervosas de que temos fallado. Este facto parece bem aceitavel, pois, sendo a cholesterina producto de excreção nervosa, a sua re- tenção no meio interior equivale a reterem-se os elementos nervosos em seus proprios detritus excrementicios. A’ vista destes conhecimentos experimentaes que hoje pos- suímos, não ha razão para acreditar com Monneret e Trousseau, a seguirem antigos pareceres, que a icterícia grave é uma pyrexia infecciosa. O que nos ensinam as experiencias modernas é, como já vimos, que na icterícia grave trata-se de um envenenamento pela bile sob a acção dos saes biliares que, destruindo as hematias, acarretam as hemorrliagias mucosas, da pelle e das serosas, e também degnerescencias reuaes e cardíacas, assim como as desordens nervo- dynamicas, phenomenos últimos estes correndo igualmente, em algumas circumstancias, por conta do estado cholesteremico do meio interior. A medicina experimental nos previne da gravidade destas circumstancias, pois só a penetração e retenção dos saes biliares e da cholesterina no sangue, mesmo quando não haja lesão hepatica primitiva, podem provocal-as, como ainda as dos rins, do coração, etc. Para verificar-se a presença dos saes biliares na urina a expe- rimentação oíferece â clinica um methodo expedito : basta adoçar a urina com um pouco de assucar e mergulhar ahi uma tira de papel de philtro humedecido em seguida em acido sulphurico diluido ; de- pois de deseccar-se o papel cautelosamente observa-se que ad- quire um colorido violáceo ou purpureo, visivel ainda quando os saes biliares existem em diminutissima proporção no liquido urinário. O emprego dos drásticos, especialmente dos chamados cholea- gogos, e dos diuréticos conjunctamente, satisfazem o modo racional da indicação curativa deste processo morbido. III Summario.—Analyse physio-cliimica do meio interior (continuação).—Substancias pro- teicas ou principios immediatos da terceira classe.—Destino e evolução dos albu- minoides.— Condições experimentaes da albuminúria e modos etiologos clí- nicos correlativos.—Diagnostico physio-chimico da albuminúria.—Noção errónea por exclusiva, primitivamente dada pela anatomia pathologica sobre a pathogenia do processo albuininurico.—impossibilidade de uma tlierapeutica uniforme na al- buminúria.—Hypo-albuminose.—Modos hydropigenos.—Hydropisia dyscrasica.— Hydropisía mecanica e condições próprias de sua genese.—Indicações praticas.— Coagulação do sangue.—Interpretações physio-chimicas do phenomeno.—Â fibrina produz-se n’um desdobramento da plasmina.— Consequências.— Elementos patlio- genicos dos thrombus.—Thromboses curativas.—Lei geral das obliterações em- bolicas.—Hematias e leucocytos.—Micrometria sanguínea e sua importância pra- tica.—Genese e destruição globular.—Processo inflammatorio.—Processo ische- mico.— Processo hyperhemico.— Inflammação experimental.—Experiências por acções sobre tecidos vasculares; não vasculares ; e excitações nervosas.—Syn- these do mecanismo.—Vicio metaphysico no exclusivismo das interpretações.— Quadrilátero celsiano.—Deducções praticas. As matérias proteicas, ou principios immediatos da terceira classe, são particularmente constituidos por duas substancias—a plasmina e a serena, ou, como se diz de modo geral, por albumina, /?- brina, etc. Introduzidos com os alimentos, os albuminoides soffrem do acido gástrico o processo desaggregador molecular, e o sueco das glandulas pepticas os metamorphoseam em prptonas isomericas, porém solúveis, assimiláveis e incoagnlaveis ao calor. Depois deste processo ficam as matérias albuminoides aptas á reparação compen- sadora dos déficits orgânicos, á restauração dos tecidos, á mantença da proporcionalidade normal da albumina do plasma, da albumina dos globulos, e finalmente á formação das substancias quaternarias. A origem da albu nina do sangue não é só extra-organica, mas bôa parte das matérias proteicas provêm de todas as regiOes do proprio organismo : a enorme proporção de albuminoides na lymplia derramada no meio interior falia a favor da genese intra-organica, também desses principios immediatos. Acreditou-se outr’ora com Mialhe que a albumina do sangue não era diffusivel por sua identidade com a do ovo, mas as experiên- cias de vários autores modernos repellem tal semelhança de consti- tuiçao chimica : a albumina do ovo desvia o plano de polarisaçáo apenas até 230°, a do sangue até 270°, e a albumina do plasma, além disso, contém menos enxofre, e quando pura é solúvel no ether, o que se nao dá com a primeira. As novas experiencias sáo conformes em provar que a albumina do sangue ou do plasma ó diffusivel, e que esta diffusibilidade é directamente relativa ao gráo de satura- ção da solução e á pressão supportada : a albumina peptonica goza do poder diffusivel em gráo duas vezes mais intenso que a commum. A albumina existe no plasma em estado livre, ou em combi- nação salina sodica, ou antes o que os autores chamam ordinaria- mente albumina é a metalburnina copulada com a serina, metalbu- mina isomero da fibrina, e gerados ambos estes corpos pelo desdobra- mento da plasmina. Este modo de interpretar as geneses chimicas da albumina e da fibrina, devido a Denis (de Commercy) e cuja adop- çao precisa está reservada ao futuro da physio-chimica, é já de uma rigorosa simplicidade, como nenhum outro, para facilitar-nos a comprehensao dos phenomenos albuminuricos e os da coagulação sanguinea. Sem determo-nos mais, por emquanto, no assumpto da genese e evolução dos proteicos, a que havemos de voltar mais tarde, pode- mos desde agora ter por certo, que é instabilissimo o estado de equilibrio molecular dos albuminoides, numerosas as modificações isomericas, e a sua quantidade, variavel no plasma, proporcional á das peptonas ou albuminoses, isto é, das substancias alimenticias liquefeitas e absorviveis. A urina normal náo contém albumina. Si as experiencias de Bernard evidenciaram o limite da saturaçao glycosica do meio inte- rior, á experimentação nao foi concedido ainda saber qual o limite de saturaçao albuminoidica do sangue. Nao obstante, as deducções experimentaes explicam as causas de seu augmenxo no organismo, augmento que se observará toda vez que se nao conservarem guar- dadas as proporcionalidades entre os movimentos productivos e os destructivos, quer na genese interna como na extra-organica dos pro- teicos. Porém, si a albumina nao existe normalmente no liquido urinário, ahi se fará ella reconhecer quando a proporção no plasma fôr exagerada, quando houver superalbuminose, no dizer de Gubler. Esta matéria proteica philtrar-se-ha atravez dos tecidos renaes sob duas condiçOes ainda mais importantes : quer sob uma forte pressão sanguínea, quer por modificações do estado molecular. A presença da albumina nas urinas constitue, pois, um phe- nomeno pathologico, o syndroma clinico ilbuminuria ou leucomuria de Grubler. Sob o ponto de vista nosologioo o phenomeno albumi- nurico occupa a classe dos symptomas communs, como a dyspnéa, o vomito, a paralysia, a hydropisia, etc. Os experimentadores podem augmentar a proporção dos albu- minoides no sangue e ultrapassar o desconhecido limite de sua saturação sob a influencia de um regimen fortemente albuminoso, e porinjecções intra-venosas de matérias proteicas, albumina d’ovo, leite ou serum ; ou podem ainda conseguir a superalbuminose, impedindo, por falta de oxygeno, a destruição dessas matérias : a urina revela então que a albumina é eliminada. Certo, é quasi raríssimo, no estado normal dos indivíduos, observar-se, após a digestão de grande quantidade de albuminoides, a excreção leucomurica. Como succede com o assucar, a cuja elimi- nação oppõe-se a barreira hepatica, á producção da albuminúria parece também oppôr-se o figado, armazenando os proteicos para os gastos das suas funcções desassimiladoras. No estado pathologico a clinica nota o valor real desses factos como condições etiologicas : taes sao as albuminúrias nos casos de re- sorpção dos derramamentos pleuriticos, opulentos en albuminoides; nos de suppressão brusca do aleitamento, e de certas secrecções ricas em proteicos ; taes ainda os casos de superalbuminose nas circum- stancias de diminuição ou destruição dos globulos vermelhos, como na asphyxia, nas profundas alterações dos orgaos respiratórios, na anemia geral e na leucocythemia. Foi propriamente sobre estas duas causas d’albuminuria que o professor Gubler assentou a sua theoria pathogenica deste pheno- meno. Mas a physiologia mostra ainda que a passagem da albumi- na nas urinas exprime uma alteração da funcção uropoietica, ura- poiése, que normalmente se acha subordinada, conforme dados experimentaes, ás seguintes dependencias : integridade das condições mecanicas da circulação dos rins ; normalidade histo-chimica do liquido sanguíneo ; permanência hygida do philtro renal. Qualquer destas influencias, perturbadas, gera o facto morbido, e a analyse scientifica as consegue isolar ; porém são ellas complices na maio- ria dos casos clínicos, e na evolução do processo pathologieo guardam uma notável reciprocidade,de acção. Com a lig’adura da veia renal, a injeeçâo da agua no systema circulatório, a obliteração embolica dos capillares dos glomerulos de Malpigli, a excitação bulbar ou picada do pavimento do quarto ven- trículo, a excitação medullar, a própria excitação dos hemispherios cerebraes com ás lesões vaso-motoras, emfim, a physiologia ou me- dicina experimental demonstra que a albuminúria chega aeífectuar- se directa ou indirectamente pelo augmento da pressão vasculo-renal e que a diffusibilidade do proteico atravez dos epitheliuns normaes dos rins é sempre correlativa a esta pressão. A realisação clinica desta fórma de albuminúria encontra-se nas hyperhemias renaes, nas cardio-pathias geradoras do rin cardíaco, nos primeiros accessos invasores do envenenamento palustre, em certas albuminúrias cha- madas nervosas, na dos cholericos e na maioria das albuminúrias puerperaes. Si é verdade que a chimica não obteve especificar até agora as modalidades isomericas da albumina excretada, não é menos certo que a experimentação chega a perturbar o equilíbrio instável dos albuminoides, provocando as oscillações moleculares que alteram a constituição hygida do liquido sanguíneo. Com aintroducção de serum de albuminuricos em animaes sãos, de matérias albuminoides e globulos de seres de especies differentes em outros seres, ou de ani- maes scepticemicos em outros animaes em bom estado de saúde; com a penetração no organismo do mercúrio, chumbo, prata e outros metálicos ; com a suppressão das funcções cutaneas pelo methodo do envernizamento, leva-se uma alteração notável á constituição liisto- chimica do meio interior, e a albumina, modificada em seu estado de proteico assimilável, torna-se inassimilavel, philtravel, e elimina-se pelo apparelho renal. Estas condições albuminuricas estão estabe- lecidas nos casos das intoxicações saturnina, mercurial, argentea, cúprica e talvez em outros ; nas moléstias infecciosas e virulen- tas, como a scepticemia, a escarlatina, a variola, o sarampão, a febre amarella, etc.; nas queimaduras extensas, nos resfriamentos prolon- gados, no rheumatismo, etc. Por diversos processos a experimentação produz a alteração material dos rins : descamação epithelial dos tubos uriniferos e de- generescenciagranulorgordurosa das cellulas. Com uma dóse sufti- ciente de cantharidas, com a mantença por algum tempo de animaes em estufas de elevada temperatura, as lesões do parenchyma renal são inevitáveis. A clinica confirma a realidade destes factos nas le- sões variadissimas dos rins: nephrites, lethiase renal, etc. Mas estas lesões, a maxima parte das vezes, nos casos pathologicos, longe de serem primitivas, são consecutivas á philtrabilidade da urina albuminurica em outras condições anteriormente mencionadas, ou mesmo á passagem da urina contendo outras subtancias estranhas. À experimentação produz ainda nos últimos períodos da inanição uma albuminúria notável, encontrando-se neste caso, simultâneas, muitas das condições citadas no mecanismo etiolo- gico da excreção albuminurica. Ainda na clinica depara-se-nos um exemplo equivalente, o das albuminúrias cacheticas, reco- nhecendo, como diz Picot, « um mecanismo productor dos mais complexos, no qual representam papeis as alterações san- guíneas, as lesões globulares, as modalidades anatómicas do coração, do figado, dos rins, algumas vezes mesmo as throm- boses das veias renaes ou das veias cavas. » O ensino que nos dá a physio-chimica sobre a proprie- dade que tem a albumina de coagular-se pelo calor a 72°, de precipitar-se sob a acção de reactivos, como o álcool, os ácidos azotico e phenico, de formar combinações insolúveis com corpos como o tanino e o ferro-cyanureto de potassium, é de um grande alcance pratiso, pois permitte-nos passar além das qualidades physicas variaveis do liquido urinário a meios seguros de um diagnostico chimico, base de toda a apreciação ulterior em taes circumstancias. O exame clinico da verificação da albumina na excreção urinaria realisa-se facilmente com o processo clássico de tratar a urina, depois de phltrada, pelo acido azotico e a ebu- lição successiva. Com estes dous meios, o acido nitrico e o calor, não isolados, mas consecutivos, a substancia albuminoide nunca se nega á pesquiza; si existe, accusa-se immediatamente. Mas esta verificação só não basta; o diagnostico chi- mico tem elementos para levar o pratico a saber positivamente de que fórma apresenta-se o phenomeno, si passageiro, si per- manente ou chronico, e assim poder traçar as bases do prog- nostico, sempre grave na albuminúria permanente. Esses ele- mentos são as dosagens do principio proteico excretado nas 24 horas. Têm-se apresentado diversos processos de manobras complexas e nem sempre infalliveis, como o methodo volumé- trico, o polarimetrico de Becquerel e o do licor titulado de ferro- cyanureto de potassium ; mas o da ponderação é o mais simples e de sufficiente precisão. Consiste a manobra em tratar a urina, como se soe fazer no prccesso clássico do exame simples e derramar após o precipitado sobre um pbiltro de antemão pesado ; depois de purificar pela agua quente o álcool e o ether, tanto o preci- pitado como o philtro, das impurezas que elles possam haver acarretado, matérias corantes, gordurosas, etc., submettem-se á desecação pela estufa philtro e precipitado; a nova pezada que se pratica em seguida dá, por extracçâo do peso do philtro, o peso da albumina. Si pela queima do precipitado se o expurga de saes que possa conter, cbtem-se ainda uma dosa- gem mais precisa. Na albuminúria a dosagem da albumina em estado secco dá a média de 6 a 12 grammas nas 24 horas. A noção nascida da anatomia pathologica sobre a patho- genia do processo albuminurico, adquirida no estudo das alte- rações do parenchyma renal nas affecções brighticas, é errónea por exclusiva, pois refere como facto primordial dessa genese mórbida uma lesão cellular dos rins. Ora, a experimentação physiologica nos ha indicado outras varias condições clinicamente comparadas e que também não podem de per si, isoladamente ser consideradas modos primeiros essenciaes da pathogenia leu- comurica. O que em verdade a pratica tende a admittir como facto constante e primitivo é o augmento de pressão nos vasos dos rins, e por consequência uma simples modificação physica do orgão, a hyperhemia renal. As variadissimas indicações etiologicas e pathogenicas no- tadas pelas experiencias; as fôrmas clinicas multiplices com que a pratica vê revestir-se a albuminúria e as lesões renaes que a histo-pathologia verifica em gráos diversos, variaveis também, conforme as exigências que os provocam, previnem claramente toda a concepção impossível de uma therapeutica uniforme em similhante processo. O tratamento racional não póde ter por base senão a apreciação exacta ou muito aproximada, o que sempre é mais realisavel, de todas as circumstancias geradoras da albuminúria e suas fôrmas corres- pondentes. A anormal eliminação da albumina do sangue, saqueiando o meio interior, creando-lhe o estado de empobrecimento ou hypo- albuminnso, produz as hydropisias que a clinica observa constantes nas albuminúrias brighticas, especialmente na fórma typica da molés- tia de Bright (grosso rin branco ou nephrite parenchymatosa) e em muitos outros casos de alterações sanguíneas evidentes. Como resultado de numerosas analyses, deduz-se que, nas circumstancias em que o sangue não chega a conter mais de 67 por 100 de albumina, o syndroma liydropico é infallivel. E’com o auxilio dos factos experimentaes que se sabe distinguir hoje os modos hydropigenicos, isto é, como as lesões chimicas do san- gue podem dar vastas imphiltrações serosas (hydropisias dyscrasicas), e como os embaraços âs correntes sanguínea e lympliatica são con- dições tão favoráveis aos derramamentos bydropicos (hydropisias mecanicas) communs e frequentemente observados. Pelas noções physicas sobre as leis de osmose achamos-nos advertidos de que as soluções dos corpos colioides tornam-se tanto menos diffusiveis atravez das membranas porosas, quanto mais con- centrados são, radical antithese do que acontece com as matérias cristalloides, cujo poder de diffusão é notável e extremamente rápido. Ainda mais : as experiencias physio-chimícas assentaram que na hypo-albuminose, â perda das substancias colioides ou diminuição dos albuminoides, seguia-se um augmento correlativo das substancias cristalloides, dos saes solúveis do plasma, uma parte de albumina, por exemplo, substituindo-se por oito partes de chlorureto de so- dium ; donde a conclusão de que o abaixamento do grão de concen- tração das soluções colioides do sangue e o augmento proporcional de concentração das cristalloides no mesmo sangue facilitam de modo admiravel os extravasamentos do plasma, que constituem a serosidade das hydropisias dyscrasicas. E’ assim que as transudações hydropicas no tecido cellular e nas cavidades passam-se clinicamente nos casos em que a repa- ração dos materiaes proteicos é insufficiente, como nas anemias fá~ melicas. A experimentação physiologica dá nma prova evidente dessa etiologia : si secciona-se o nervo sciatico de uma ran, deixa-se o animal em abstinência, desenv'olve-se posteriormente um edema no membro paralytico, edema que desapparece logo que se alimenta a ran, e reproduz-se á vontade desde que se volta a inanir o animal. Os edemas dos convalescentes e as imphiltrações fugazes e erradias das extremidades, na tuberculose, na carcinose, diabetes, emfinl nos estados cacheticos, não têm outra razão de ser senão a hypo-albu- minose, a diminuição da taxa media normal da albumina, que é re- presentada por 75 por 1000 de serum. O mesmo se dá em outra ordem de factos, nos da espoliação di- recta dos materiaes proteicos: as consequências hydropicas dos desperdicios hemorrhagicos, qualquer que seja aliaz a causa imme- diata delles, tem aqui a filiação natural: nas evacuações chronicas da dysenteria, na espoliação da albumina do sangue, as imphiltrações não têm outra orig'em : e o mesmo dar-se-hia por oceasiâo das de- jecções cholericas abundantes, si em taes casos a quantidade da al- bumina eliminada pelo intestino não fosse minima, como é. O estado de desalbuminação, elemento pathogenico destas hy- dropisias dyscrasicas, ainda que um pouco obscuro, acha-se, pois, bem definido. Muitas vezes, é verdade, a hypoalbuminose por si só não basta, ella só crêa a predisposição, a imminencia hydropica, e para que a exosmose serosa faça explosão concorre o subsidio do elemento mecânico gerador. As hydroptsias mecânico,s têm um processo pathogenico mais claro e geral. Pelos dados que possuímos sobre as condições hydro- dynamicas do meio interior, sabemos já que a transudação pias- matica realisa-se sob a força da pressão sanguínea dos capillares, e que a reabsorpção do plasma, que vem dos tecidos, é executada pelas veias de um: lado, e pelos lymphaticos do outro. O exagero da primeira destas condições da nutrição geral, em todo o systema ca- pillar, ou n’um só ponto limitado delle, e os embaraços á execução das segundas, isto é, di reabsorpção venosa e plasmatica, constituem os elementos pathogenicos do processo hydropico mecânico. A physiologia experimental com Magendie, Bernard, etC., in- dicou que a injecção de um grande volume d’agua no systema arterial produz as extravasações hydropicas por augmento da pressão intra-vascular, e a clinica as observa, caracterisadas pelo brusco da estréa e o rápido da duração, desde que os emunctorios do organismo, exautorados ou lentos em suas funcçOes, cessam de o ser reestabelecendo as condições normaes da tensão sanguínea. A im- permeabilidade de um certo numero de capillares, produzindo uma fluxão collateral, chega a gerar a pressão suficiente para que haja philtrabilidade anormal do plasma ; e a hydropisia effectua-se por- que as veias e os lymphaticos nao têm capacidade absorvente, capaz de aspirar todo liquido transudado. Os edemas dos abcessos, das inflammações, e mesmo das feridas leves em partes vascularisadis- simas sao exemplos deste genero. Parece poder-se filiar a uma impermeabilidade semelhante nas artérias pouco calibrosas a hydropisia anasarchica chamada na pratica de essencial ou idiopathica, nos resfriamentos intensos a que se expõe o corpo em transpiração : é a própria transpiração que fornece este mecanismo hydropigeno, pois nestas circumstancias, em que os vasos estão dilatados e a circulação é activa e opulenta, é quando exactamente o frio os surprehende, constringindo-os pela contracti- lidade dupla dos musculos circumvisinhos e das próprias túnicas musculares. Porém a influencia nervosa vaso-dilatadora póde por si só gerar a exaltação de pressão intravascular e esta interpretação scientifica cabe ás taes hydropisias idiopathicas ou á fngore, quandm longe de anasarchicas ou geraes, limitam-se a simples ascite ou a edemas cellulares precoces. A experiencia da secção cervical do sympathico deu-nos as bases desta influencia nervosa. O professor Jaccoud vio no sexto dia apparecer um edema ros membros paralysados por uma lesão cerebro-espinhal. E’ a hydropisia assim g*erada que os médicos al- lemâes do nosso tempo denominam de hydr.ops paralyticus. Quando supprimida a causa de um derramamento a comprimir artérias e veias, evacua-se a serosidade que produzia uma pressão exterior sobre os vasos, não é raro vêl-o reproduzir-se, porque a suppressão da pressão exterior augmenta a intravascular. E’ a hydropisia chamada ex vacuo : os derramamentos pleuriticos nas atrophias pulmonares são desta especie. Desde 1680 que Lower começou de estabelecer as primeiras tentativas experimentaes, que têm sido seguidas e variadas até hoje por diversos experimentadores e que demonstram a genese das hy- dropisias pela obstrucção venosa. Os antigos experimentadores diver- giam em seus resultados, vendo uns hydropisias seguirem-se á ligadura de grossos ramos venosos, não as obtendo outros. As experiencias contemporâneas dão a razão desses factos contradictorios na apparencia, pelos progressos adquiridos no conhecimento ana- tómico das anastomoses venosas e suas ramificações â poderem supprir o trabalho de um tronco obliterado, e ainda mais pelas idéas que hoje possuimos sobre a acção hydropigena nervosa-vaso- motora. Para que a obliteração de um tronco venoso produza derramamento é preciso que a pressão intravascular exalte-se de modo a embaraçar a absorpçao venosa, pressão equivalente â que suscita a ligadura de muitas veias : é o que realiza também a acçao nervosa. Nessa nova ordem de factos a physiologia ensina que a séde eos limites do derramamento estão em rigorosa relaçao com a distribui- ção das ramificações venosas tributarias. Comprehende-se como um obstáculo oppondo-se ao desaguar da veia porta e das veias super- hepaticas na cava ascendente promove rápido derramamento abdo- minal; como os obstáculos intra-cardiacos, principalmente nas lesões oricas e valvulares do coração direito, em communicação directa com a embocadura das duas cavas, chegam a promover facilmente uma infiltração generalisada; como, emfim, as alterações pulmonares, que diminuem a superfície circulatória (emphysema generalisado, tuber- culose chronica, etc.) fazem-se seguir com mais ou menos rapidez de imphiltrações anasarchicas. A ultima classe de elementos pathogenicos do processo hy- dropico mecânico corre por conta da diminuição na actividade da absorpçao lymphatica. Depois do descobrimento de Aselli sobre a circulação nos vasos brancos os práticos referiam as imphiltrações hy- dropicas á ruptura desses vasos a derramarem lympha nos tecidos. Os conhecimentos experimentaes ulteriores fazem justiça a esta ideia, restringindo-lhe o valor real, sem desconsiderar-lhe a possibi- lidade do effeito. O tratamento das hydropisias acha-se hoje scientificamente estabelecido, e possue poderosas armas debelladoras decisivas. A indicação causal nem sempre póde ser satisfeita nas condições me- cânicas das imphiltrações serosas, mas nos casos em que são ellas effeito da hypo-albuminose, nas imphiltraçOes dvscrasicas, as bate- rias que são aqui os tonicos de todo genero, assestar-se-hão certeiras contra o elemento pathogenico. A indicação mórbida, que consiste em dar esgoto ao extrava- samento, é preenchida por diversos meios, a que a experimentação ajunta mais o emprego das correntes electricas continuas nos casos de edemas. No emprego da electricidade contra a hydropisia, tendo- se em vista o transporte do liquido de um pólo ao outro, aconselha Remak, que colloque-se o pólo positivo sobre o logar das imphiltra- çOes cellulares, e o pólo negativo acima, nas partes illesas. E’ ás substancias proteicas que o plasma deve a coagulabiUdadc. 0 conhecimento do mecanismo do phenomeno da coagulação san- guínea é de um interesse pratico immediato para que dispensemos- nos de resumir o que melhor se sabe experimental mente a respeito: â analyse physiologica da albumina, cujas consequências clinicas rnais importantes anteriormente apreciámos, ajuntaremos a da fibri- na cuja importância não é somenos. Pouco tempo depois de extrahir-se, o sangue normal de um tubo vascular, cougula-se elle, istoé, divide-se em uma parte liquida, a representar o serum, e em uma gelea, espessa que representa o coagulo, em que o exame microscopico descobre uma substancia fi- brillar, que é a fibrina concreta, de envolta com os globulos brancos e vermelhos. Como é a presença da fibrina que realiza a coagulação, sem o que tal phenomeno se não produz, julgou-se a principio que esta substancia existia formada no meio interior, e que a uma proprieda- de vital desconhecida devia-se o não se precipitar ella dentro do or- ganismo no estadophysiologico, e não effectuarem-se assim coagula- ções intra-organicas normaes. Porém, como comprehender nesta hypothese o coagulo espontâneo que fórma o sangue da veia renal, em que se não divisa vestigio de fibrina, com submettêl-o ainda mesmo ao processo separador pela bustonagem ? Como os coágulos successivos de que é capaz o sangue da veia splenica depois de des- fibrinado ao ponto presumivel de se não poder mais coagular ? A explicação de Lehmann, de que a fibrina gasta-se no fígado, e a de Simon, de que ella se destróe no rin, não parecem sanccionadas para adinittidas. Estas difíiculdades as analyses experimentaes mais trabalhadas removem pela conclusão de que a fibrina não preexiste formada no plasma. Os estudos áe Robiti, Sée, Feltz e outros biolo- gistas francezes verificam as notáveis e rigorosas experiencias de Denis, que concluíram pela existência no sanguede duas substancias albuminoides particulares—a plasmina dissolvida e a serina.—A. plas- mina dissolvida desdobra-se, conforme Denis, em dous isomeros em plasmina concreta ou fibrina dos autores e em metalbumina ultima sub- stancia esta que une-se á serina para fórmar a albumina commum. Deduz-se daqui que o phenomeno da coagulação resume-se todo em um simples processo de desdobramento. Dos trabalhos allemães de Virchow e de Al. Schimidt está re- saltando também a formal negativa da preexistencia da fibrina no plasma e a proclamação de sua origem devida a metamorplioses. Mas os elementos analyticos de que se serviram estes dous biologãstas para chegar a tal consequência positiva, longe de possuírem o necessário cunho chimico que brilha na theoria franceza, deixam-se envolver ainda de obscurecimentos hypotheticos arbitrários. Virchow admittia a existência de uma matéria a que chamou /iônaogg/ia,íormando-se nos parenchymas, donde os vasos lympbaticos a levam ao sangue, em cujo plasma, sob a influencia do oxigeno, transforma-se em fibrina. Ora, si a riqueza em fibrina dependesse assim da maior vascularisação lymphatica, como conciliar a hyperinose 11a phlegmasia rheuma- tica das synoviaes, membranas tão pobres de lympbaticos ? Mas a interpretação de Virchow cahe de todo sob 0 facto de coagular-se 0 sangue no vacuo e na intoxicação carbónica. A doutrina de Schimidt approxima-se mais da de Denis. Ella explica a coagulação pela se- paração da matéria fibrinogena, sob a influencia de outro albuminoide, a existir também no plasma a globulina ou a fibrinoplastica. Diffícil- mente comprehende-se com este modo de vêr a fluidez do meio inte- rior, contendo sempre um em frente do outro estes dous geradores da coagulabilidade. Schimidt tentou responder posteriormente á objec- ção que nascia desse]facto, admittindo mais um novo factor, um fer mento especial necessário para provocar a mistura da matéria fibri- nogena com a fibrino-plastica e dar logar á coagulação,fermento este cadavérico ou que só se mostraria quando, lesadas em sua structura, as paredes vasculares nEo se lhe podessem oppôr á formaçEo. Mas ainda aqui, sendo o oxigeno o elemento sine qua non da genese fer- mentiscivel, protesta contra taes ideias a coagulabilidade do sangue fóra de toda a inhalaçEo oxidante. Entretanto, si estas doutrinas vascillam em divergências secundarias, accordam todas com a de Denis, como dissemos, para estabelecer o facto fundamental de que a fibrina nEo preexiste no organismo, gera-se por metamorphose dos albuminoides. A fluidez do sangue nos vasos ha, pois, por causa o náo des- dobramento da plasmina, desdobramento que se dá toda vez que o náo contrariam as causas bem conhecidas de opposiçao, como o mo- vimento do liquido sanguineo e a integridade structural dos canaes por elle percorrido. Portanto, qualquer perturbação considerável no estado da nutrição geral, que, provocando a degenerescencia car- díaca, modifique a principal força de propulsão do liquido sanguineo, ou ainda as inflammações dos conductores vasculares (phlebites e en- darterites), as atheromasias, trazendo desigualdades por descamaçao epithelial e rugas na superfície interna dos vasos, sao condições bas- tantes para realizar a coagulabilidade vital que constitue as coagu- lações pathologicas ou thrombus. As thromboses observadas no estado puerperal, dando logar à moléstia denominada phlegmatia alba dolens, tem explicação nos men- cionados elementos etiologicos dessas obliterações fixas ou authoch- thonas. O desdobramento intra-vascular dá plasmina póde também ser promovido por influencia sobre o sangue de certos agentes physico-chimicos, como o calor abaixo de 45°, o perchlorureto de ferro, o chlorato de potassa, o acido tartarico, etc. Representam estes meios verdadeiros processos coagulativos de cujo conhecimento experimental tanto se aproveita a therapeutica na pratica de effectuar thromboses curativas. As observações anatomo-pathologicas e experimentaes de Yir- chow e outros biologistas estabeleceram as leis de um novo processo morbido, constituído por novas obliterações que se effectuam a um deslocamento e emigração do thrombus, e perfeitamente caracterisado, sob o nome de processo embolico. Para que a embolia se dê não se exige só a presença do coagulo original, mas são necessários ele- mentos que lhe favoreçam o movimento viajor na correntesa san- guínea, taes como : a disposição coniforme prolongada do thrombus ; sua pouca solidez ; sua situação á frente de embocaduras collateraes permeáveis, para qut o coagulo incessantemente batido pela onda sanguínea dissocie-se e emigre; e nfim, condições accidentaes capazes todas de mobilial-o para a partidi, que e o que distingue a oblite- ração por embolia. Pigmentos, detritos cellulares, etc., produzem obliterações semelhantes ás promovidas por fragmentos de coágulos destacados. As experiencias hematológicas relativamente antigas de An- dral e Gavarret enunciaram que entre a infiammaçao e o excessivo desenvolvimento da íibrina existe uma connexao importante. E’ particularmente nas phlegmasias do pulmão, das mem- branas synoviaes e de certas serosas, sobretudo quando coexiste o elemento pyrectico, que a crase sanguinea se modifica, e lia a cha- mada hyperinose ou dyscrasia fibrinosa. Mas este enunciado está longe de ser ode uma lei geral, nem tao pouco estabelece que o augmento da íibrina preceda o irrompimento dos phenomenos phle- gmasicos locaes, para que se professe em pathologia as infundamen- tadas hypotheses de que o sangue se opulenta de íibrina em razao de uma diathese inflammatoria, identificando-se a hypetfibrinose com o processo phlegmasico, e este por sua vez com o estado febril. As analyses modernas confirmam a doutrina do accrescimo de íibrina na maioria das inflammações pyrecticas, mas esclarecem melhor os factos, e demonstram que o augmento das matérias plasmaticas nao é absoluto, porquanto, si cresce a plasmina diminue a serina, fa- zendo-se deste modo o excesso à custa de uma diminuição : é o que além disto se observa em processos physiologicos, como o da diges- tão, e nos morbidos sem caracter phlegmasicos, como os estados anémicos. O que verdadeiramente ha, por consequência, nao é um ex- cesso de fibrina, pois que este corresponde á diminuição da serina, mas uma plasmina imperfeita, no dizer do professor Sée, e mais facil de dissorciar-se. A quantidade e a rapidez da coagulação não se aclia em pro- porção com os poderes nutritivos e formadores do sangue. O liquido plasmatico, que transuda atravez dos vasos em condições próprias a tal extravasamento, soffre naturalmente já mo- dificações chimicas pelo facto de exsudação e consecutivamente pela influencia que sobre elle exerceram os elementos anatómicos assim inundados; donde nem se póde considerar como possuindo a mesma constituição do verdadeiro plasma os exsudatos plasmaticos. A theoria faz prever que haja exsudatos cuja plasmina desdobra-se logo â passagem atravez dos vasos, e outros em que tal desdo- bramento se não effectua instantâneo : o que estão a confirmar a observação anatomo-pathologica e a pratica de todos os dias. Parece-nos que a classificação dos exsudatos inflammatorios em exsudatos coagulados e não coagulados é mais clara e positiva que a de exsudatos serosos e fibrinosos, porquanto as noções experimentaes mais concludentes citadas levam a affirmarmos que ambos elles contêm fibrina. A reabsorpção desses exsudatos liquifeitos é o que caracterisa a resolução inflammatoria, isto é, a restituição ad inte- gram das partes lesadas. O que se denomina codea do coagulo, isto é, sua parte superfi- cial, formada por uma camada de plasmina concreta ou fibrina, des- corada pelo abandono e precipitação dos globulos vermelhos, é um simples phenomeno physico dependente da lentidão da retracção do coagulo, pela submersão prematura dos globulos vermelhos, e não um signal pathognomonico das pyrexias e inflammações. O que os práticos chamavam impropriamente codea inflammatoria é um phe- nomeno normal e que se observa em processos pathologícos oppostos. Do ligeirissimo resumo que fizemos de tão vasto estudo expe- rimental tira-se mais uma notável conclusão pratica, como indicou o professor Sée,—é que a fibrina não se desenvolve espontaneamente para causar moléstias, visto só existir como plasmina, do mesmo modo que não a póde fazer augmentar-se a acção tópica dos orgãos phlogosados. Comprehende-se que só o microscopio revelaria na massa do sangue in toto a existência de pequenos discos coloridos, achatados, deprimidos em suas duas faces ceutraes, sem núcleos, e de seis a sete micromillimetros de diâmetro, da mesma sorte que só elle podia indicar a presença de corpúsculos pallidos, nucleados, es- phericos, dotados de movimentos amiboides e de oito a quatro mi- cromillimetros de diâmetro : sao os primeiros os globulos vermelhos ou hematias (Gruthuisen) e os segundos os globulos brancos ou leu- cocytos (Robin). Os leucocytos, independente do sangue onde os demonstrou Spallanzani, encontram-se em todos os liquidos orga- nisados, normaes ou pathologicos, com excepçao da bile e do suor, e também no meio interior de todos os animaes, ao contrario das hematias que só vivem no sangue dos animaes vertebrados. Quando Malpigh no sangue extrahido do ouriço, Leuwenhveck no do homem, notaram a existência dos corpúsculos sanguineos, sob as ideias vitalistas então reinantes, passaram esses elementos como modificações mórbidas produzidas á extracçâo do sangue: verifi- cados que foram, dentro dos capillares dos bactracios, contestou-se ainda que existissem normalmente dentro dos vasos dos mamíferos, até que as demonstrações dos globulos sanguineos a circularem nos capillares das orelhas dos ratos e nos dos mesentericos dos coelhos pôde triumphar de todas essas objecções systematicas. Os globulos, repetimos, sEo verdadeiras cellulas em suspensão no plasma, nu- trem-se, vivem, e a seu turno levam a nutrição pelo oxigeno que acarretam á todos os elementos orgânicos. A qualquer alteração na constituição normal do meio interior as hematias responderão como cymbalos sonoros : todo o fnnccionalismo orgânico se paralysará desde que forem ellas impedidas ou despojadas de seu papel de vehiculos vitaes. A micrometria sanguínea é de um grande valor. Já as ana- lyses physio-chimicas mostraram que as liematias variam conforme o sexo, a idade e o estado hygido ou pathologico : nos recemnas- eidos, nas creanças e nas mulheres, sendo, segundo Robin, a propor- ção maior do que nos adultos. A mulher que, sob o ponto de vista das fôrmas e das proporções do craneo e da face, é, na opinião do antropologista Welcher, um ser intermediário entre a creança e o adulto, sustenta ainda esta mesma relação, como vemos, no que res- peita ao numero dos globulos vermelhos do sangue. São importantes os trabalhos de Malassez sobre a micrometria sanguinea. Este habil experimentador pôz em pratica um novo me- thodo de estudar a riqueza globular do sangue e chegou aos resul- tados seguintes: O sangue dos grossos vasos gnarda a mesma riqueza globular, que cresce, aliás em uma arteriola ; o sangue venoso differe em globulos conforme o estado funccional dos orgãos ; na pelle a receita globular é elevada, augmento que se póde obstar impedindo-se a evaporação cutanea ou produzindo-se uma conges- tão, quer por paralysia dos vaso-constrictores, quer por excitação dos vaso-dilatadores, vendo-se crescer ainda mais a receita dos glo- bulos, si a congestão provocada fôr passiva por um obstáculo á cir- culação ; no systema muscular cresce a receita proporcionalmente ao estado statico ou dynamico dosmusculos; nas glandulas dá-se o inverso ; durante a secreção ou o dynamismo glandular, a receita globular diminua da mesma fórma que no intestino ; no baço os glo- bulos parecem augmentar, e diminuir no fígado; no cerebro o accrescimo é pouco notável. Malassez indica ainda que ha differença na riqueza globular do sangue do mesmo indivíduo conforme o meio em que habita e a profissão que exerce, e que a quantidade dos glo- bulos cresce mais no inverno e no campo do que no verão e nas cidades. Wilbouichewith (de Moscou), seguindo o processo de Ma- lassez e attendendo a todas as condições de variabilidade, experi- mentou em Pariz no inverno de 1873 a 1874 e chegou ao conheci- mento de que o algarismo normal das hematias, contado em um millimetro cubico de sangue no homem são, varia entre 4.200,000 e 6.477,000 ; o dos leucocytos entre 6,900 e 8,550 : a relação dos glo- bulos rubros e brancos variou nessas experiencias de 603 a 757 e não de 300 como é a relação supposta. A. taxa média dos globulos vermelhos nos adultos, conforme as experiencias de Keges (dos Es- tados Unidos) feitas com o hematimctro de Hayem, é de 5.000,000 por millimetro cubico, podendo elevar-se a 6.000,000. Nota o citado ex- perimentador que esta cifra raras /ezes baixa na anemia além de 3,000. Conclue elle, além disso, que nas cidades, onde a aglobulia é frequente constituindo uma fórma especial conhecida por anemia das grandes cidades, si a micrometria notar que a cifra das hematias é de 4.000,000, esse algarismo globular estará indicando bom estado de saude. Os ensinos práticos dados pela numeração globular sangui- nea são, pois, importantes para o diagnostico do gráo das aglobu- lias e também para os eífeitos bematogenos dos medicamentos. Por este processo experimental sabe-se, por exemplo, que os purgativos provocam um momentâneo accrescimo das hematias na cachexia plumbica, provavelmente por concentração ; conhece-se também a efflcacia do effeito hematogeno dos ferruginosos nas ane- mias em geral. O estudo micrometico sobre a acção das preparações de mercúrio no augmento e diminuição da taxa globular permitte á pratica indicações precisas dos mercuriaes nos accidentes primários da syphilis. O tratamento, conforme as experiencias de Wilbuiche- witch, deve-se dividir em muitos periodos. A hypoglobulia que coincide com os primeiros accidentes combate-se com o mercúrio em pequenas dóses, o que augmenta a principio os globulos vermelhos diminuindo os brancos : este emprego deve ir até verificar-se a di- minuição dos globulos vermelhos. Desde esse instante suspender- se-ha a administração do mercúrio até que a hypoglobulia reap- pareça. Então voltar-se-ha de novo ao tratamento mercurial, que será suspenso ainda, logo ao tornar-se a reproduzir a diminuição dos globulos. Os globulos, como cellulas que sao, nascem e multiplicam-se e perecem ou destroem-se. Por numerosissimas que sejam as ex- periencias feitas sobre o modo de formação dos leucocytos e das he- matias os experimentadores divergem em interpretações variadas. Os leucocytos nao se formam só na lympha e no chylo derramado pelo canal thoracico e pela grande veia lymphatica na torrente circu- latória ; por toda a parte em que houver ganglios lymphaticos e or- gãos lymphoides ou hemato-poeiticos originar-se-hão leucocytos. No liquido recebido á superfície de uma ferida nascente vêem-se surgir sem progenitores figurados granulações que não são outra cousa mais do que leucocytos ou globulos de pús. Esse ap- pareciinento tem sido interpretado como devido á reproducção de cellulas epitheliaes e outras, sem que, todavia, nunca se demons- trasse a formação dos intermediários a tal reproducção. O nasci- mento rápido desses elementos figurados, onde anteriormente nada existia de similhante, como em diversas experiencias se tem obser- vado, e nos liqnidos dos vesicatórios notou Onimus, explicou-se com Cohnhein pela passagem dos leucocytos atravez doscapillares em vir- tude de hypotheticas slomatas vasculares e das expansões sarcodicas ou amiboides desses corpúsculos. As experiencias de Robin, Bernard, Picot, etc., negam energicamente a possibilidade de tal passagem ou diapedése, assim como serem os leucocytos precedidos em sua ge- nese por elementos cellulares. Seja qual fôr a doutrina que se adopte, o que é facto capital para todos é que existem orgãos, como o baço, os ganglios lymphaticos, a glandula thyroide, o figado, os folliculos intestinaes, etc., que incumbem-se propositalmente de supprir-se 11a genese dos leucocytos 110 meio interior. Portanto comprehende-se bem como se póde extirpar 0 baço, ou 0 thymus, ou um desses apparelhos hematopoieticos, sem prejuizo notável para 0 funcciona- lismo vital. Os leucocytos por transformações produzem as hematias, e, segundo a hypothese mais provável e de curso mais geral, 0 baço é 0 fóco principal dessa metamorphose, cujas pliases evolutivas in- termediárias se tem ahi apreciado. O sangue que se renova após as sangrias successivas apresenta estados intermédios á transforma- ção dos globulos brancos em vermelhos. Mas 0 facto inexplicado ainda do apparecimento no embryão das hematias antecipadas aos leucocytos, faz com que este grave problema careça para uma so- lução definitiva de provas mais reiteradas e nitidas. Que os globulos nascem e reproduzem-se no organismo é 0 que não soffre mais va- cillações. Magendie e Bernard extrahiram de cães dóses de sangue mais consideráveis que 0 peso dos respectivos animaes e, se lhes produziram a hydrohemia, não lhes observaram a morte; donde a conclusão forçada de que 0 sangue renasce e por ventura com elle os globulos que são seus principios vivificadores. A destructibili- dade das hematias está igualmente demonstrada pela transfusão de sangue de aves em mamiferos e vice-versa. Estas experiencias são claras, porque os globulos ellipticos das aves não se podem confundir com os redondos dos mamiferos, prestando-se ellas além disso á de- terminação exacta do tempo da vital permanência dos globulos. A vida das hematias é verificada em geral como hebdomada- ria. A destructibilidade dos leucocytos parece também um facto. Deve de ser por um processo de fragmentação lenta em de- tritos granulo-gordurosos que os globulos brancos ou globulos do pús novamente formados desappareçam com os exsudatos, reabsor- vidos como estes, quando os phenomenos infiammatorios terminam- se resolvendo-se, sem que cheguem ao periodo chamado de mppuração. E’ pelo menos interpretação mais segura do que acreditar que os leucocytos penetram de novo nos vasos cujas aberturas não foram até hoje demonstradas pela anatomia. Hoje, que a sciencia se acha de accôrdo em admittir a identi- dade dos leucocytos com os globulos de pús, comprehendem-se as vantagens das noções physiologicas sobre a genese e destruição glo- bular para solução do problema da pyogenia. Estas ideias e os conhecimentos que havemos recordado sobre a constituição histo-chimica do sangue e de sua circulação levam- nos agora directa e habilitadamente á referir-nos a um grande pro- cesso morbido essencialmente subordinado a modificações physicas e mecanicas do meio interior, a dar um resumo critico das deduc- ções experimentaes no mecanismo das condições phlegmasicas. Suspendemos, portanto, neste ponto as considerações em que iamos entrar, sobre as propriedades physiologicas da hematias e analyse dos gazes do sangue, a que voltaremos para guiar-nos a novas applicações. Antes, porém, cremos poder e dever apresentar resu- mida synthese dos factos expendidos em todo o nosso trabalho a respeito de dous phenomenos fundamentaes — a ischemia e a hyperhe- mia — que são processos inseparáveis e bases do processo inflam- matorio. O processo ischemico representa uma exageração ao ininimo na distribuição do liquido sanguíneo nutritivo. Comprehende-se que quando a diminuição fôr extensa produza-se a anemia geral. O processo ischemico póde ser chamado também de anemia local, e isto sem confusão, desde que sabemos que amassa do sangue conser- va aqui todos os seus princípios, que não ha lesão chimica, emfim. Por noções anteriores é para nós um facto, que a circulação depende do impulso cardíaco e da tensão vascular. Ora, em primeiro logar o coração póde diminuir a força impulsiva, quer por embaraços em seu apparelho valvular e orico, quer por alterações structuraes de suas paredes; de outro lado a conducção do sangue das artérias aos capillares soffrerá estorvos por atheromasias, thrombus, embolias ou qualquer causa que arraste e retenha o sangue por algum tempo em certo departamento orgânico, mecanismo de ischemia este, pa- tente nos casos de syncopes sobrevindas a puncções evacuadoras rapidas de ascite, etc. Em segundo logar a diminuição na repar- tição do sangue póde partir dos capillares por impermeabilidade de seus conductos e retracções de seu calibre por conta das contracções das próprias fibrillas musculares de que são munidos certos delles, contracções provocadas, quer directamente, por agentes me- cânicos (attritos etc.), por physicos (frio, calor, electricidade), por agentes chimicos e medicamentosos (adstringentes, cáusticos); quer por acções vaso-motoras directas e reflexas (impressões moraes, im- pressões sensoriaes, etc.); finalmente soffrerá o sangue vicio de dis- tribuição quando a própria rede capillar houver desapparecido em alguns pontos por atrophia, como observa-se em moléstias em que tal phenomeno é susceptivel de gerar-se. Foi basêado nestes princípios physiologicos que Potain firmou as duas modalidades da anemia localou por falta de transporte do sangue aos capillares, ou pela recusa dos capillares em receber esse liquido. Os experimentos physiologicos a respeito das circulações lo- caes instruem-nos sobre o poderem ellas apresentar mesmo normal- mente variações numerosas. Desde que nos vasos de um orgão qualquer, ou em um departamento orgânico ultrapassem estas oscillações os limites ordinários, ou accumule-se ahi quantidade de sangue, que não a costumeira, o phenomeno congestivo, o processo hyperhvmico constituir-se-ha em todo rigor da expressão pathologica. Factos experimentaes provam claro que o desequilíbrio .entre a receita e a despeza do sangue é a essencial condição pathogenica da hy- perliemica. Esta falta de equilibrio dá-se de dous modos : ou por accrescimo de receita, donde a ideia de energico affluxo para os orgãos e congestão activa, ou por economia na despeza venosa, por difficuldade da partida do sangue e distensão consecutiva e progressiva dos capil- lares, donde a qualificação de congestão passiva que então lhe cabe. Assim o processo hyperhemico achará causas para existir, quando a pressão arterial fôr superior â normal, ficando na mesma cifra a des- peza venosa, ou quando a pressãofintra-vascular, o volume de san- gue a percorrer as artérias, não variar, diminuindo a despeza venosa. Raro dâ-se na clinica a reunião destas duas circumstancias, mas o phenorneno póde observar-se, como já o notámos, em um caso de hyperhemia hepatica, intensa n’um individuo presa de palustres, e tendo ao mesmo tempo uma \insuficiência mitral: os ca- lafrios da febre dando a congestão hepatica activa compensadora pela constricção dos capillares periphericos, e a lesão cardíaca, carreando um obstáculo á circulação de retorno, e por consequência gerando a congestão passiva do figado. As hyperhemias promovidas pelas ven- tosas realisam o connubio das duas causas das congestões activas e passivas. Nos symptomas destas diversas especies de hyperhemias con- firmam-se as suas diiferenças orginaes. Si abstrahirmos os signaes communs a ambas, como a turgencia, a transudação serosa, a pre- disposição hemorrhagica e as alterações secretivas, veremos que ao colorido purpureo vivo da fluxão oppõe-se a cor violeta livida da stase ; em contrario da excitação funccional, oxigenação superabun- dante, exagerada nutrição e augmento na taxa thermogenica da primeira, observaremos na segunda a carbonificação do sangue e os symptomas de depressão e inércia. Tendo em vista o que nos ensina a experimentação physio- logica sobre a pressão sanguínea cuja elevação é a causa geral da congestão activa, haveremos também as leis próprias á genese deste processo. Como sabemos, resultaram das investigações de Marey sobre a evolução circulatória as leis seguintes : 1. a A pressão sanguínea é a resultante da energia contractil do coração. Ora, quando os capillares existem mui proximos das ar- térias, como succede no rin, facilmente realisa-se a dilatação ca- pillar, e é por este mecanismo que a hypertrophia cardíaca promove a congestão renal, o rin cardíaco, etc. ; 2. a A pressão, em media, elevada nas artérias decresce pro- gressivamente por causa das resistências que se deparam ao sangue em sua travessia a tubos menos calibrosos. Ora, a experimentação, injectando grossa corrente liquida nas veias, logra dilatar geral- mente os capillares e exagerar a pressão, mecanismo este que se accentua nas congestões consecutivas á suppressão de perdas habi- tuaes, como as cathameniaes, hemorrhoidarias, etc. 3. a A. existência de um obstáculo sobre artéria, veia ou capilla- res, assoberba a pressão acima do obstáculo. Explica-se por este theo- rema a producção das fluxões collateraes, que são as que sobrevêm em torno dos tubérculos neo-formados, das embolias capillares a oblite- rarem os pequenos vasos das zonas em que se assestam e a exagera- rem a pressão nos circumvisinbos: é ainda esta noção que interpreta a genese da aureola hyperhemica desenvolvida nos fócos phlegma- sicos ; 4. a O augmento do calibre dos vasos diminuindo as resistên- cias á velocidade sanguinea, eleva a pressão nos tubos dilatados. Ora, esta dilatação, os experimentos demonstram subordinar-se á contractilidade autonoma das fibrillas musculo-vasculares, ou á acçâo nervosa directa e reflexa, constrictora e dilatadora dos vaso- motores. Não reproduziremos exemplos já por nós citados de fluxões por mecanismo vaso-inotor, exemplos comprehendidos na pratica, depois dos descobrimentos da innervação vascular por Bernard, Brown-Se- quard, Schiff, Budge, etc. O que não devemos é deixar de notar a generalisação, certamente censurável, da influencia vaso-motora a interpretar as fluxões, que correm por conta da excitação directa da contractilidade muscular das arteriolas, propriedade contractil immanente aos musculos, autonoma como o provou o reactivo cura- rico nas experiencias de Longet e de Bernard. Os experimentos de (Jtto Weber puzeram fóra de duvida, que é realmente de modo directo, sobre as fibrillas dos vasos nas zonas nas quaes os nervos vasculares se têm previamente seccionado, que actua a excitação congestiva. As hyperhemias provocadas pelos rubefacíentes (iodo, essencia de mostarda, etc.) de acção análoga á do frio, constringindo e dilatando após os vasos, as que se ostentam em membros paralysados, e outros, são realisações desses modos mecânicos, independentes do systema nervoso ; 5. a A pressão vascular exagerar-se-lia ainda pelo abaixa- mento da pressão exterior a que estão sujeitos normalmente os vasos. A applicação deste theorema explica as liyperliemias ex-vacuo, as quaes geram as hydropisias do mesmo genero, como já dissemos. O celebre aphorismo— ubi irritatio, ibi fluxus—« não menos no- tável por sua antiguidade, como pela verdade que encerra», no dizer do professor Jaccoud, não parece, todavia, base segura para sobre elle estabelecer-se uma classe de congestões irritativas por irritação do tec:do orgânico. A hypothese de Brown-Sequard, que lhe fôra por ventura favoravel a explicar a dilatação vascular, na experiencia sob a glandula sub-maxillar, por uma superactividade funccional do orgão, Yulpian bem fez notar que se não fundamentou pela critica experimental de Bernard, mostrando o escoamento salivar antes da dilatação dos vasos: com a de Wittcli, observando que, sob a influen- cia do curare, a saliva cessa de escorrer muito antes da dilatação vascular; com a de Heidenhain, que intoxicando cães com sulphato de atropina, notou a dilatação dos vasos na falta absoluta da secre- ção glandular. Estas congestões irritativas entram experimentalmente na categoria das produzidas por influencias nervosas reflexas e na ordem das provocadas pela abolição directa da contractilidade dos musculos vasculares. A congestão passiva ou stase depende de estorvos mecânicos do coração esquerdo e das artérias, exagerando-se a pressão acima do obstáculo e de proche en proche até as radiculas venosas do pulmão. O embaraço póde partir dos proprios capillares pulmonares, da ar- téria pulmonar, coração direito, e das veias de qualquer região. Assim possue-se um primeiro grupo etiologico da congestão passiva, e sua fórma puramente mecanica. A segunda fórma é constituída pelo segundo grupo etiologico, firmado sobre o enfraquecimento do poderoso agente da desobstruc- ção venosa, a diminuição do vis â tergo, agente que outro não é senão a pressão arterial dependente, conforme as leis de Marey, de dous factores,—a energia cardíaca, ea elasticidade arterial.—Os exemplos clínicos desta fórma são numerosos. Nas moléstias adynamicas a con- gestão passiva é promovida pela degenerescencia albuminosa ou mes- mo gordurosa do coração, por obliterações embolicas ou thrombosicas. A aspiração thoracica diminuída detem o curso do sangue nas cavi- dades cardíacas direitas e localisa a congestão nas veias pulmonares. A congestão raras vezes sendo geral, ao passo que o é a des- ordem mecanica circulatória, requer-se uma circumstancia para que o phenomeno se localise, e é ao que se presta a gravidade, determi- nando-lhe por séde as partes declives na grande maioria dos casos clínicos ; donde a denominação de hypostaticos commummente cabida aos processos congestivos desta especie. O tratamento da hyperhemia deve de variar, por consequência, segundo as classes das mencionadas condições do mecanismo. Entre- tanto póde-se dizer em these que o essencial das indicações é remover a causa determinante do processo, e em seguida baixar a pressão, e restabelecer o calibre dos conductos vasculares, duas ultimas condi- ções estas que em definitivo são as constituintes das congestões. A experimentação contemporânea, procurando comprehender a pathogenia do processo inflammatorio, ha concluído por esta ver- dade quasi unanime : que a anemia local e a congestão activa colla- teral entram em jogo alternativo na genese dos phenomenos phle- gmasicos. Os biologistas tomam por ponto de partida de suas expe- riências, tecidos, quer vasculares, como o mesenterio e a lingua de vários animaes, quer não vasculares, como a cornea, a cartilagem, quer, finalmente, os nervos sensitivos. Eis um succinto resumo do que têm verificado os experimen- tadores : Installando-se para o exame microscopico um tecido transpa- rente e vascularisado, sob a acção atmospberica, ou por applicações de excitantes e soluçOes levemente causticas, observam todos o phenomeno incial da contracção dos vasos, as mais das vezes na se- guinte ordem—arteriolas, capillares e veias—diminuição de calibre esta, que carrêa menor intensidade na força da corrente sanguínea e favorece a apreciação visual dos elementos suspensos no plasma : nos vasos não sujeitos a excitação artificial a velocidade do sangue sobe de ponto. Após tempo variavel, conforme o animal, bactracio ou mamífero, a contractilidade dos vasos constrictos vai-se esgo- tando, e em certos logares dilatam-se elles ii regularmente. Estas desigualdades diametricas melhor permittem ainda o retardamento do curso do sangue, formando-se então na parede in- terna do vaso uma camada branca, constituída pelo plasma e pelo accumulo dos globulos brancos locomoveis, que a viscosidade própria e a evolução retardada do sangue levaram a agglomerarem-se em- quanto nesse mesmo tempo as hematias vão, seguindo pela axil do vaso o curso lento do resto do sangue. Nos capillares particular- mente, duas horas ou tres a cinco horas depois do periodo inicial das experieucias, segundo a classe do animal, notam-se alternativas, de mais em mais frequentes, na direcçao da corrente sanguínea, phe- nomeno ao qual deu Picot a caracteristica denominação de balancea- mento. Por fim a circulação detem-se de todo nos tubos de mór diâmetro primeiro, após nos capillares, e tanto uns como outros os- tentam-se repletos de elementos globulares, distinguindo-se entre estes as hematias a congregarem-se em verdadeira magma, e aqui e alli a appariçâo de leucocytos. Nos capillares assim obstruídos têm-se observado e descripto as peregrinações e deformações por que então passam os leucocytos : nos vasos circumvisinhos dâ-se a flu- xao collateral e é rapida a circulação. Durante a manifestação destes phenomenos o augmento da tensão sanguínea origina a transudaçao do plasma a embeber os tecidos dos espaços inter-vasculares. No liquido plasmatico destes espaços surgem existências novas de ele- mentos que tornam-se em verdadeiros leucocytos, Estes mesmos corpúsculos apparecem também ao longo das paredes externas dos vasos, capillares ou nao, em pontos em que nao existem cellulas la- minosas ou conjunctivas, e finalmente enchem-se todos os espaços de granulações e de leucocytos que também circumdam os conducto- res vasculares. Quando aprecia-se a evolução do labor inflammatorio, intro- duzindo-se ou injectando-se na cavidade peritoneal da ra corpos estranhos solidos ou soluções diluidas de substancias causticas, como fez Feltz, e depois repetio Picot em grande numero de animaes, vê-se com os pbenomenos já expostos accentuar-se progressivamente o augmento de volume dos corpúsculos conjunctivos, que entram na structura da serosa, sem todavia desapparecer-lhes o núcleo, que só mais tarde acaba por nao ser visivel, reduzindo-se os corpúsculos a massa granulosissima. Bem depressa estas cellulas modificam-se, destacam de si pro- longamentos e as granulações que as enchem parecem passar por um processo de degenerescencia primitivamente albuminosa e gor- durosa depois. Em virtude do desenvolvimento excessivo os ele- mentos ccnstituem-se em conductos a communicarem uns com os outros. As mesmas apparencias de degeneração notam-se nao só nos núcleos dos capillares como nas hematias amontoadas no interior dos vasos e nos proprios leucocytos. Como phenomeno constante do pro- cesso inflammatorio, observa-se a dehiscencia das cellulas epithe- liaes que forram a superfície do peritoneo. Segundo demonstrou Saviotti, citado por Schiff, quando a applicação sobre os tecidos é feita por substancias simplesmente rubefacientes, os phenome- nos vasculares estreara,, não por contracções primitivas, mas por uma dilatação seguida de contracção ulterior. Estas modifica- ções de ordem em nada prejudicam a concepção do processo, ellas têm sempre por consequência difficuldacles circulatórias, que acabam por eífectuar os phenomenos do processo inflammatorio. Nos tecidos nao vasculares a experimentação mostra o des- envolvimento de factos notavelmente analogos. Na kerattie experimental o primeiro phenomeno que se vê no tecido da cornea é a manifestação, em torno do ponto lesado, de pequenas linhas coloridas circulares, a estenderem-se progressiva- mente para a peripheria da membrana que ostenta-se lactescente em toda superfície, chegando a apresentar muitas vezes col- leçções de pús, e até perfurações, si o animal nao é logo sacrificado: nessas circumstancias o processo phlegmasico propaga-se ás con- junctivas, dando conjunctivites, mais ou menos intensas. Fazendo-se secções da cornea nos diversos cyclos do trabalho inflammatorio, e submettidas então ao exame micrographico, vêem- se os corpúsculos corneanos mais volumosos e dilatados os prolon- gamentos que os unem, dilatações que os podem fazer chegarem a constituir perfeitos canaes. Logo os corpúsculos e seus canaes regorgitam de granaiuções a desenvolverem-se de mais em mais, desaggregrando-se por vezes em fragmentos que se arredondam e apresentam núcleos semelhantes aos dos globulos brancos do sangue ou leucocytos. A. formação da matéria granulosa amorplia, a na- tureza degenerativa da cornea e de suas cellulas ou corpúsculos, phenomeno de degenerescencia analogo ao que se dá nas membranas vasculares, dependem immediatamente da destruição anornalados suecos nutritivos, vindos no caso presente dos vasos periphericos, sédes também de modificações circulatórias. Tanto em uma como na outra das duas situações experimen- taes, verifica-se que na marcha cyclica das phlegmasias ha des- truição de elementos anatómicos normaes, formação de elementos novos, perturbações circulatórias correlativas, e nada mais observa- se do que actos physiologicos modificados, isto é, exacerbaçõés ao máximo e ao minimo dos phenomenos trophicos a passarem-se in- cessantes na matéria organizada viva. Os physiologistas ensinam que, além das lesões chimicas ou traumaticas dos elementos anatómicos, a simples secção dos nervos sensitivos ou motores basta para provocar a explosão inflammatoria. Sabemos que, pelo córte do ganglio cervical do sympathico, a con- gestão intensa que se produz pela dilatação vascular póde promover a manifestação de phenomenos phlegmasicos, â mais leve causa excitante dos tecidos cephalicos ou faciaes. Desde Magendie que vários experimentadores verificaram com elle conjunctivites, iritis e keratites como consequência da secção intra-craneana do nervo trigemio. Bernard pensa que o córte do quinto par acarreta lesões trophicas porque o trigemio contém nervos dilatadores que normal- mente equilibram a influencia dos filetes constrictores, e desde que esta sobrepuja a acção contrabalançadora dos dilatadores , as perturbações nutritivas não se podem deixar de dar. Brown Séquard indicou a facilidade com que se constituem sédes de tra- balho phlegmasico os membros cujos nervos acham-se prévia- mente seccionados. Cl. Bernard conseguio crear, como já dissemos, predisposições inflammatorias da pleura, do pericárdio e do peritoneo, seccionando os plexos nervosos respectivos. Por outro lado, a clinica contemporânea, com o professor Charcot e outros, descreve erup- ções herpeticas, affecções dermatosas dependentes da influencia do systema nervoso, assim como inflammações articulares ou arthro- pathias em casos de hemiplegias, ataxias, etc. Brown-Séquard acabou por observar que as arthrites consecutivas a lesões da medulla não eram só factos clinicos, pois podiam-n’as apresentar os animaes em experimentos analogos ás lesões mórbidas. O que é certo hoje, é que as observaçães dos hospitaes e laboratorios eoncordam para dar á excitação do systema nervoso uma influencia determinante na etiologia da inflammação. Alguns autores, como Charcot, apoiam-se na doutrina dos ner- vos trophicos de Samuel para explicar o mecanismo da acção dos nervos como pontos de partida do processo inflammatorio. Si a exis- tência desses nervos especiaes se achasse experimentalmente com- provada, si não fôra hypothese arbitraria, como é, nada seria mais facil do que dar conta dessa influencia e suppôl-a assim em todos os casos constante e independente da circulação. Desde que, tratando aqui dos phenomenos circulatórios locaes, temos sómente de exami- nar como o systema nervoso preside as variações quantitativas na irrigação sanguínea dos tecidos, e sabemos que os vaso-motores fazem séquito sempre aos elementos centrípetos e centrífugos, sen- sitivos e motores, a permanente excitação desses nervos vasculares, promovendo contracções da túnica coutractil dos vasos com dilataçao próxima e peripherica, ou vice-versa, póde só bastar para a compre- hensao de todas as circumstancias rigorosamente phlegmasicas, sobrevindas sobre tal influencia directa ou reflexa por excitações dos nervos sensitivos. Nao acreditamos com Duchenne em que « si os nervos tro- phicosnao existissem, fora preciso invental-os ». Todavia, si a exis- tência de nervos distinctos com acções chimicas é, como aflirmamos, recusavel, o mesmo se nao dâ com a hypothese admissível de que a substancia cinzenta do myelencephalo, os ganglios sensitivos me- dullares e os ganglios do grande sympathico forneçam aos nervos centrípetos e centrífugos propriedades trophicas como lhes fornecem motoras e sensitivas, pois sao os centros nervosos os administradores de toda a actividade da organisaçao animal. Para nao desviarmos-nos do plano que concebêmos para esta dissertação, em outra parte delia voltaremos ao assumpto. Os dados experimentaes também demonstram que fóra das excitações sobre os elementos anatómicos (cellulas conjunctivas e epitheliaes) e especialmeute sobre os tubos nervosos, a inflammaçao tem por facto inicial determinações directas sobre a musculatura vascular, acarretando irregularidades diametricas nos conductos sanguíneos e a stase consecutiva. Por uma acçao directa do frio sobre os vasos cutâneos dila- tados, em virtude de elevada temperatura do meio ambiente, con- cebe-se perfeitamente como a exposição do corpo ao resfriamento brusco, por uma corrente de ar húmido, gera phlegmasias profundas de localisações variadas, conforme as individuaes predisposições. Rosenthal, submettendo animaes a um meio de 40°C, notou- lhes mydriase ou dilataçao pupillar, excessiva acceleraçao dos movi- mentos cardíacos e enfraquecimento muscular extremo. Evitando este physiologista a morte desses animaes com retiral-os para outro meio de temperatura coramum, vio-os sobreviverem, e o calor cen- tral que então possuiam, designado pela exploração thermometrica rectal em 42° e 44°, descer até 36° e inesmo abaixo, e só depois de muitas horas ascender, voltando ao primitivo estado normal. É que os vasos cutâneos dos animaes dilatados pelo calor, ao sabirem elles da atmosphera artificialmente aquecida para a habitual, apresen- tavam uma semi-paralysia, um esgoto de sua contractilidade, que os não permittia constringirem-se, sob a influencia da atmosphera mais fria ou ordinaria a que passaram. Ora, a physiologia nos ha ensinado, que a repartição do calor orgânico é feita de modo que a temperatura conserva-se sensivel- mente igual nas regiões profundas ou centraes, emquanto pela peri- pheria seu desperdício é incessante, facto este provado por Cl. Bernard, quando mostrou o sangue venoso intra-organico, muito mais quente que o venoso superficial. Conprehende-se o resfria- mento dos animaes de Rosenthal, dando-se nelles perdas de calor consideráveis por todo tegumento, até que se podesse restabelecer a contractilidade vascular peripherica. Esta experiencia póde dar a explicação do mecanismo do resfriamento productor das inflam- mações. E’ facto vulgaríssimo o de vermos pessoas que, permanecendo em logares de grandes reuniões, (salas de baile, theatros, etc.) em cujos meios a temperatura regula de 30° a 35° e mais, passam instan- taneamente para uma atmosphera muito mais fria e húmida que de súbito augmenta ainda o desperdício thermico. Por esta transição brusca os vasos superficiaes dilatados até a paralysia deixam circu- larem volumosas ondas de sangue, que resfriadas rapidamente, re- fluem para os orgãos e voltam á superfície a refrigerarem-se de novo; donde a perda do equilíbrio do calorico central normal e o refrigera- mento sanguíneo interior. Posteriormente, sob a mesma acção do frio, os vasos periphericos recuperam a contractalidade semi-es- gotada pelo calor, e surgem então as congestões collateraes ; e as alternativas irregulares constrictoras e dilatadoras são as condições suffícientes para determinar a deflagração inflammatoria. Outros casos ha, no entanto, em que este mecanismo, de- duzido das experiencias de Rosenthal, não é bastante para inter- pretar a acção do resfriamento, e as acções reflexas vaso-motoras têm todo cabimento e merecem invocadas. Taes são aquelles em que o frio húmido prolongado sobre os pés provoca, para orgãos sem a mini ma connexao vascular com a parte resfriada, processos phlegrnasicos differentes, como corgsa em uns, bronchne, pneumonia, pleuriz, etc. , em outros, de conformidade com a imminencia mórbida individual, particular a cada um. Sob a influencia de causas mecanicas, physicas, chimicas e biológicas, extra ou intra-organicas, a inflammação póde ter por ponto de partida o elemento anatomico figurado ou amorpho, o vaso e os nervos : a nenhum é elle especial e exclusivo. E’ pelo menos o que parece claro á deducção imparcial e positiva dos trabalhos ex- perimentaes. Quer seja vascular o tecido e directamente extraia dos canaes sanguineos os materiaes de sua nutrição, quer não seja vas- cularisado e nutra-se por imbibição, parasita dos mananciaes que os capillares transportam aos tecidos circumvisinhos, os phenomenos phlegrnasicos, que sobre ambos realisam-se, representam sempre uma perturbação do movimento trophico ou nutritivo dos elementos, ca- racterisada por alterações circulatórias com predominância de um de seus dous estados fundamentaes : o estado ischemico ou o hyperhemico. Si á anemia cabe o predominio, a evolução trophica é exagerada ao minimo, e os elementos normaes soífrem differentes phases dege- nerativas atrophicas e necrobioticas, impropriamente chamadas regres- sivas pelos histologistas allemães : estabelecendo-se ao mesmo tempo a exsudação plasmatica deixa formarem-se ella em seu seio ele- mentos, como os leucocytos de classe biologica inferior. Si, ao contrario, é a hyperhemia que sobresahe no scenario do drama mor- bido, logo, desde os primeiros instantes observa-se hgperthophia ou incrementação volumosa dos elementos já existentes, e a hgperplasia ou a hypergenese de elementos novos. E’ a cargo do estado geral das condições nutritivas anteriores ao processo que fica a consequência ultima— degenerescencia ou liy- perplasia—dos elementos anatómicos, dos tecidos e das regiões le- sadas. Todavia, qualquer que, dos elementos variaveis e possiveis de affectarem-se na estréa da moléstia, seja o promotor da invasão pblegmasica, a concepção positiva histo-physiologica do processo fica sempre a mesma. Salvo certas differenças technologicas peculiares ao modo de intrepretar de cada um dos experimentadores, a descripçâo da genese do phenomeno inflammatorio é no fundo a mesma para todos. Mas a critica positiva faz-nos assistir a transviamentos doutrinários, em que cahiram os proprios grandes e disciplinados espiritos, a cujos esforços devemos o conhecimento dos intimos phenomenos da inflam- inação. Arrastou-os o vicio metapliysico; uma ideia philosophica bas- tarda, preconcebida, invadio o dominio austero da sciencia e alimen- tou-lhes a falsa esperança de referirem a urna força ideial unica elementos mecânicos tão variados e distinctos da matéria organisada. Falseada a educação biologica, o proprio exercicio experimental, que tão salutar é ao pensamento, tornou-se quasi impotente para fazêl-os repudiar o illogico exclusivismo em que estacionados dogmatisam. Foi no principio metaphysico—ornais cellula e celíula—que Virchow assentou a sua interpretação tão celebre dos factos essen- ciaes da inflammação. O typo do processo está para elle nos pheno- menos que se passam nos tecidos não vasculares; ahi, como em todos os tecidos, a cellula conjunctiva, que se entumesce e augmenta de vo- lume em virtude de uma irritação nutritiva, é o elemento inicial unico: os elementos novos são proliferações cellulares, organizando-se uns, e outros transformando-se em globulos de pús, como resultado de uma nova irritação, a irritação formadora : as modificações circulatórias que parecem primitivas não são senão secundarias aos vasos para dar- lhes os materiaes necessários á sua intuscepção, que estes variam de calibre. Até 1867 a theoria virchowiana arregimentava a opinião quasi geral, e só conhecia por antagonista poderosa a interpretação de Robin, que reivindicava para os vasos a importância que lhes é direito e já antevista pela observação preterita, ainda que inhabil a demonstrar-lhe o mecanismo real. O illustre chefe da escola franceza pensa com razão que, dar os elementos novos como resultados verdadeiros e constantes de trans- formações cellulares, é attribuir a uma simples explicação caracter de demonstração que não possue. Robin pugna pelo valor da exsu- dação vascular, e indica que é no exsudato a enriquecer-se com os detritos da degenerescencia dos elementos anatómicos que consti- tue-se o meio organisado eminentemente adequado á appariçâo por gene:se de cellulas novas sem predecessoras figuradas analogas. Ideias extra-scientiticas sobretudo conservavam arredia deste modo de vêr a maxima parte dos biologistas. Era esta a situação da sciencia, quando Cohnheim instituio novo methodo de analyse experimental para taes problemas. Caute- risaudo préviamente a cornea da rã, este experimentador injectou no sangue do animal um liquido colorido por uma solução de anilina e vio que os globulos de pús que surgiam na membrana inflammada traziam claros vestígios da coloração anilinica. Partindo ainda da fórmula preconcebida—ornais cellula e cellula— attribuio Cohnlieim o apparecimento dos leucocytos á emigração dos globulos brancos do sangue atravez dos vasos, em razão de seus movimentos amifoides, e das stomitas ou ostiolos vasculares: é com o exsudato que elles passam por diapedcze para formar o pús, ou transformar-se depois em cellulas do tecido conjunctivo. A publicação desta experiencia despertou immediata e viva reacção contra a theoria exclusivamente cellular admittida. Essa metamorphose brusca das opiniões prova bem o viciamento metaphysico, a fraqueza originaria da primitiva hypothese dominadora absoluta. Nesse sentido fizeram-se logo outras experiencias com injecções coloridas, e a matéria corante encon- trára-se em verdade a tingir os globulos de pús. Si a opinião de Cohnheim foi aceita por muitos dos biologistas que comprovaram-lhe as analyses, boa parte delles recusaram recebel-a como a fiel inter- pretação dos factos. Recklingausen, por exemplo, depois de haver cauterisado a cornea, destacou-a do animal, manteve-a em um banho de serum de temperatura conveniente, e passou a examinal-a ao mi- croscopio: o augmento de volume dos corpúsculos corneanos e a ap- parição dos leucocytos tiram a limpo que a presença de elementos novos purulentos não é devida á emigração vascular dos globulos brancos. O colorido dos leucocytos, em que se fundamenta Cohnheim, é naturalmente causado pela transudação do plasma, tinto pela substancia corante. Como não houvesse a anatomia comprovado a existência de aberturas parietaes nos capillares, o mesmo biologista allemão Cohnheim voltou em 1873 a sustentar sua theoria da diapedése, mas com modificação notável : não são mais odiolos ou stomatas normaes nos vasos que permittem a passagem dos leucocytos, porém é em al- terações physicas ou chimicas dos canaes sanguíneos, alterações in- determinadas ainda, afidrma Cohnheim, que se deve de achar o facto primittivo do processo inflammatorio. Quando não peccasse por pretendida generalisação esta theo- ria, ainda assim não fora agora mais feliz, porque, si os experimen- tadores têm observado alterações structuraes dos capillares no pro- gresso da evolução phlegmasica, nunca as referiram primitivas á estréa do processo. Comtudo, deste movimento reaccionario contra o exclusivismo virchowiano, resultou um facto positivo, que a lógica metaphysica havia obscurecido—a restauração do valor real das acções vasculares. A outra reacção util foi a que obrigou a reconhecer-se o papel valioso do systema nervoso, como causa também essencial da inflammação. Ainda aqui ha uma interpretação exclusiva, arbi- traria, a basear-se sobre a hypothese dos nervos trnphicoa especiaes. Desde que o systema nervoso é positivamente um regulador orgânico, póde muitas vezes sob esse unico titulo constituir-se ponto de par- tida deste processo morbido. Sahir desta concepção é fazer meta- physica na sciencia. A vetusta observação admittia quatro signaes, como sympto- mas cardinaes do phenomeno phlegmasico : o rubor, o calor, a dôr e o tumor, A observação moderna conhece-os sob o nome de quadri- látero de Celso; associa-os ás alterações das regiões inflammadas; mas sabe, o que se não reconhecêra outr’ora, existirem elles em outros estados pathologicos, e não possuírem a importância caracteristica com que os condecoravam os antigos práticos. A experimentação contemporânea ministra â pratica noções positivas para a explicação das diversas faces do quadrilátero Cel- siano. O rubor resulta de que a corrente sanguínea capillar a esta- belecer-se rapida nao dá tempo á troca dos gazes do sangue, isto é, a cederem as hematias o oxigeno que as purpurisa, e a recolherem o acido carbonico que lhes empresta o colorido rubro-escuro ; além de que pelo facto de seu estacionamento consecutivo nos vasos, per- dem os mesmos globulos o oxigeno, e com elle a cor vermelha que lhes é própria : as vezes um terceiro factor sobrevem para intensa- mente tingir os tecidos—as hemorrhagias capillares inter-cellulares. O calor, independente da elevação thermica, produzida pelo affluxo do sangue nos vasos dilatados, é gerado também pelo incremento das combustões intersticiaes nos fócos inflammatorios. O tumor ou edema inflammatorio varia com a elasticidade maior ou menor dos tecidos iadim mdos, e refere-se á concurrencia ou apparição succes- siva dos seguintes termos das plvises do processo : a dilatação dos vasos, a hypertrophia dos elementos, a transulição pl ismatica, a collecção de pús. O signal dôr é direetamente proporcional á riqueza nervosa da região, e indirectamente á inextensibilidade dos tecidos : as mesmas causas geradoras da tumefacção carreiam a compressão dos nervos sensitivos, os qu les, além disso, podem antes por si mesmos apresentar exaltações dolorificas, quando nelles também se passem alterações trophicas. E’ em virtude do movimento sanguíneo anormalmente impetuoso nos capillares das regiOes inflammadas e ricas de filetes nervosos, sobretudo nos tecidos bridados por laminas aponevroticas resistentes, que percebe-se uma sensação pulsátil ex- tremamente dolorosa, como succede çom a dos panarnsose phlegmões. Um signal muitas vezes precioso para o diagnostico medico da lesão phlegmasica, é o symptoma frbre. As condições mecanicas deste phenomeno achar-se-hão apreciadas na synthese critica dos conhecimentos experimentaes sobre o processo febril. As modernas ideias sobre a evolução histo-physiologica da iuflammação acarretam reformas decisivas nas indicações da the- rapeutica das phlegmasias. O tratamento começou de ganhar per- dendo, e a perda, que representa aqui um lucro enorme, resultou do banimento do emprego absoluto das sangrias, como juguladoras da inflamrnação. Logo que a physiologia demonstrou não haver fi- brina formada por acção tópica dos orgãos inflammados, que deva ser eliminada do sangue ; que a resolução, a terminação mais prompta a dar-se é fatalmente precedida de diversas phases evolutivas—a exosinose vascular, a formação do exsudato, etc., operações todas que se não fazem rapidas, e por precoces que sejam hão de percorrer cyclos determinados a seu desenvolvimento, a consequência lumi- nosa para a pratica foi que as phlegmasias são indomáveis em sua marcha e não ha detel-as. E’ verdade que as experiencias mostram nas sangrias o poder de exonerar o sangue de uma certa quantidade de liquido, de deprimir a pressão sanguínea no systema circulatório e assim favorecer aliquefacção dos exsudatos. Neste facto vêm certos reaccionarios um recurso para proseguirem em seu methodo espo- liador infrene. Porém a sciencia, por outro lado, não os absolve, in- dicando os drásticos, os sudoríficos e os diurecticos, corno capazes do mesmo effeito prompto, sem as tão funestas consequências das de- predações sanguíneas repetidas. Nesses meios é que o pratico encon- trará os melhores aperitivos da alimentação liquida dos tecidos absor- ventes. Não lia lógica nenhuma que possa dar razão a quem quer que, para favorecer a eliminação de uma substancia inútil á nutrição do organismo, julgue conveniente roubar o que elle tem de essencial para essa mesma nutrição. Todavia é preciso confessar que a opposição á phlebotomia não póde pretender a systematica também, como a isso a ia levando a theoria exclusivamente cellular. Hoje a sciencia indica o uso da san- gria no processo inflammatorio, a reclamações imperiosas de perigo imminente, como soe succeder algumas vezes, quando nas plilegma- sias thoracicas a fluxão collateral e violenta e com ella a dyspnéa an- gustiosa consecutiva estão apontando a explosão asphyxica. Haven- do-nos ensinado os estudos physiologicos que a debilidade organica, estorvando o movimento trophico dos elementos anatómicos, exalta a tendencia das inflammações a terminarem por degenerescencias, a unica indicação scientifica invariável a dominar todaatherapeutica é a que manda collocar-se o doente em condições taes que possa esperar e auxiliar o termo normal do trabalho pathologico. IV Síímmario.— Ànalyse physio-chimica do meio interior (continuação.)—Funcção respira- tória.—Oxidações internas.—Gazes do sangue.—Analyse espectral do sangue e seus resultados práticos.—Origem do calor animal.— Distribuição, desperdício e equiiibrio thermico.—Mecanismo da febre.—Conclusões praticas.—Experiências e deducções sobre a respiração intima.—Lei de Schiíf sobre a abolição da excitabi- lidade muscular e nervosa.—Interpretação de moditicações funccionaes simellian- tes na asphyxia, na congestão e ischemia. —Transfusão do sangue.— Aperfeiçoa- mentos práticos.— Injecçõts lacteas intra-venosas.—Conservação do meio interior e suas condições.— Consequeneias.— Acção barométrica sobre a composição dos gazes do sangue.—Processo asphyxico e sua therapeutica experimental.—Deduc- ções praticas das experiencias de P. Bert.—Noções bromatologicas geraes.—Appli- cação á hygiene dos paizes quentes. A oxidação mais ou menos lenta de todos os elementos histo- lógicos, oxidação ou absorpçao de oxigeno que arrasta, como tra- balho correlativo, o desprendimento de acido carbonico, é a condição essencial da vida, pois é o que constitue o respirar interno, um dos actos primordiaes da nutrição. Esta permuta de gazes, esta assi- milação e desassimilação gazosa, este respirar profundo dos tecidos, é em geral uma verdadeira combustão, como a comparara La- voisier, combustão em que a vida é o reverbero que se ateia. Passa agora, verdade inconcussa, que nao ha relaçao exacta, como se imaginou outr’ora, entre o oxigeno absorvido, e o acido car- bonico exh ilado pelos pulmões. Sabe-se e.Tectivamente, que o oxigeno, absorvido pelos animaes em jejum, nIo chega para dar a somma de gaz carbonico desprendido, e que na elaboração digestiva a receita de oxig»i > nao guarda proporções com a despesa de car- bono ; donde a natural conclusão de que a eco íornia reserva o exce- dente de oxigeno para outros mistéres de que carece Si ti verdade que a respiraçi) edemi deixa de eífectuar-se por excesso de carbono, e a combustão chitnica por falta de oxigeno, como é patente no facto experimental de nao poder respirar um ani- mal em atmosphera de partes iguaes de oxigeno e de carbono, em- quanto ahi a chainma de uma vela se nao extingme, nao é menos certo que o organismo adquire permissão de viver em um meio, no qual morreria outro qualquer que para tal bruscamente passasse. E’ o que bem claro vê-se pela experimentação, quando colloca-se uma ave sob a campana de mercúrio, e duas ou tres horas depois introduz-se outra sob o mesmo apparelho : emquanto a primeira con- tinua a respirar, cabe a recem-vinda presa de violentas e instantâ- neas convulsões. O phenomeno chi mico da combustão, consistindo essencialmente na queima das substancias organicas, realisa-se por toda parte em que apparece o vehiculo vital do oxigeno. Sem duvida, que não é na superfície de 210 metros quadrados, que tantos conta a vascularisadissima area pulmonar, que realisam-se as combustões, as oxidações intimas. Atravez das tenues membranas dos fundos de sacco dos utriculos pulmonares dá-se simplesmente a grande per- muta gazosa das hematias com o meio aereo, o que em proprio repre- senta o acto respiratório ; mas é no interior do organismo, onde devem-se de achar as mesmas condições physicas para a osmose e a diffusão, que ha ao mesmo tempo combustão real, destruição de princípios constituintes e accessorios dos tecidos, acolhendo o glo- bulo a excreção carbónica dos elementos, após haver-lhes dado o necessário oxigeno para o custeio do movimento trophico das mo- léculas. A verdade experimental da respiração interna, da nutrição gazosa dos tecidos, separados dos orgaos e mergulhados em um banho de ar oxigenado, como também a intensidade variavel desta absorpção, foram indicadas por Spallanzani, por Liebig, Yalentin e P. Bert. O illustre professor da Sorbonna collocou fragmentos de te- cidos muscular, nervoso e glandul ir na própria atmosphera oxige- nada do sangue durante certo tempo, e analysando após os gazes do meio em que jaziam os troços texteis, verificou que os tecidos absor- viam desiguaes soinmas de oxigeno, e em troca exhalavam quanti- dades diversas de acido carbonico : foram os musculos os que mais respiraram, depois os nervos e em seguida as glandulas. Esta expe- riencia obteve a confirmação do sabio Bernard. O immortal physio- logista nao só ensinou que o sangue purpurisa-se dentro de provetes, e, deixado á livre influencia do ar, ennegrece-se, com excepção de sua camada superficial, o que bem demonstra o poder absorvente dos globulos, a respiração globular ; como também ainda fez ver-se que atravessando as malhas dos capillares a entrelaçarem os tecidos, perd3 o sangue oxigeno e ganha gaz carbonico, variando a funcção dos elementos com a intensidade variavel do cambio gazoso. Da mesma sorte que encontra-se nos globulos a maior quan- tidade de oxigeno, havendo apenas o plasma em dissolução pequena parte, é no plasma que existe a maxima somma de acido carbonico, possuindo os globulos só uma quantidade proporcionalmente minima. Por investigações sobre os gdobulos sanguíneos, é que os phy- siologistas têm encontrado a explicação das propriedades e mecanis- mo funccional de trio importantes corpúsculos. Os grandes resul- tados assim obtidos vêm provar á saciedade, que para a biologia é sempre possível todo progresso, desde que se limita ella a procurar o como dos phenomenos vitaes nas propriedades physico-chimicas de que estes dependem. A. funcção respiratória dos globulos lhes é inherente a própria substancia : do mesmo que nas folhas ha uma matéria verde, a chlo- rophylla, que gosa affinidade poderosa para o carbono atmospherico, entre as matérias albuminoides das hematias ha uma substancia especial, a unica cristallisavel dessa classe, a hemoglobina ou hemato- cristallina, que combina-se com o oxigeno aereo e facilmente desfaz este consorcio chimico na presença de outros gazes, como o acido carbonico, o hydrogeno e o oxido de carbono. Com este ultimo, com o oxido de carbono, todo divorcio é impossível : a hemoglobina realisa com elle uma . combinação estável, permanente, mas fatal : é pelo contacto com o oxido de carbono que os globulos deixam o oxigeno ser expulso de seu seio, envenenain-se e morrem. O envenenamento globular é um facto verificado por Bernard em suas experiencias sobre a intoxicação pelos vapores do carvão e comprovado por Hopper-Seyler por meio um novo processo, o da analyse espectral dos gazes do sangue. Quando examina-se a imagem espectral que reflete o sangue oxigenado, veem-se formarem-se entre as extremidades da cor amarella do espectroscopio duas fitas es- curas, chamadas fitas de absorpção da hemoglobina : mas si de seu oxigeno se priva a hemoglobina, por meio de um agente reductor qualquer, como o sulphydrato de ammonium, percebe-se que as duas fitas de absorpção fundem-se em uma só e occupam todo o espaço amarello : a hemoglobina oxido-carbonadi não é reductivel, e resiste á decomposição do sangue. A applicação do espectroscopo á analyse do sangue dá, em uma pequena quantidade de liquido, resultados práticos tão preciosos e tão rápidos, que a clinica medico-legal tira já delia recursos admiráveis. A solução do problema da oxidação interna acha-se ligada á da origem do calor animal. A longa discussão travada pelos expe- rimentadores para conhecer-se a séde real das oxidações parece re- solvida pelos experimentos contemporâneos. As analyses do sangue desde Spallanzani até P. Bert levam á conclusão que as oxidações fazem-se fora dos capillares, na intimi- dade dos tecidos ; que os capillares geraes representam papel idêntico aos da zona pulmonar, dando-se nelles uma simples troca de gazes, differindo só a respiração externa da respiração profunda em que, nesta é o oxigeno que sahe dos capillares para pôr-se em contacto com os tecidos, e a substancia reductora ou o acido carbonico que entra para coinbinar-se com o oxigeno do sangue. No seio, pois, dos elementos anatómicos, onde passam-se as oxidações organicas, é que existem occultas as fontes thermogenicas. Todos os tecidos, com excepção do corneo, produzem calor, mas são os musculos, os centros e peripheria nervosos e as glân- dulas os considerados fócos activos da calorificação animal. Os musculos não são combustores, mas fócos de combinação dos mate- riaes que produzem as duas rações de calor a que Cl. Bernard denomi- nou ração df, actitiíade e ração dc gasto, isto, é, a que se transforma em trabalho mecânico e a que é utilisada para as necessidades do orge- nismo: as influencias caloríficas das actividades periphericas e centraes do systema nervoso, não passam mais despercebidas a ninguém : a influencia do calor glandular é devida á superactividade circulatória determinando a hyperactividade funccional, e se compre- hende assim que o poder secretivo continuo em certas glandulas exalta-se ou decresce segundo as necessidades caloríficas do or- ganismo. No pulmão, em cujo acto respiratório effectua-se a oxidação da hemoglobina, ha desprendimento tliermico, mas este calor é logo absorvido para a realização da metamorphose do acido carbonico dissolvido ao estado gazoso. Devemos á tlieoria de Lavoisier a iniciação positiva destes es- tudos ; porém ella, que dava a superfície pulmonar como principal fóco calorífico, não encontra mais hoje sustentáculo para manter-se. Agora não são mais as oxidações consideradas únicos processos chi- micos da thermogenese animal. Cl. Bernard indicou que o sangue a voltar dos apparelhos glandulares é vermelho e de elevada tempe- ratara, e Berthelot fez notar-se que o calor gera-se no organismo sempre que uma substancia absorva agua, como na decomposição e hydratação dos graxos, nos desdobramentos dos albuminoides, dos hydrocarbonados, em todos os actos, emfim, de metamorplioses iso- mericas. Ha ainda as acções mrcanicas, como os attritos das ondas sanguineas nos tubos vasculares, os attritos das superfícies articula- res, dos tendões, etc., que com as contracções dos musculos refe- rem-se também a processos chimicos equivalentes. Finalmente com Cl. Bernard diremos que a thermogenese « não é funcçâo de nenhum orgao especial , mas uma faculdade geral pertencendo a todos os tecidos dotados de vida, nos quaes effectuam-se os phenomenos da nutrição.» Os physiologistas, por meio do calorimetro, e de methodos in- directos, comprovando os resultados adquiridos por um e outro meio, chegaram a approximações da quantidade de calor produzido pelo corpo humano em máximo estado de repouso nas 24 horas, cuja cifra media é de 2:700 calorias : A temperatura do corpo depende das condições seguintes : da somina do calor gerado ; da quantidade de calor que o sangue cede e recebe dos tecidos ; emfim do estado physico do meio cosmico; isto é do funccionalismo orgânico ; da alimentação ; da temperatura ex- terior. Com a uniformidade thermica do sangue arterial e a extrema variabilidade do sangue venoso, todo systema vascular, na opinião de Beaunis, poderá ser comparado á um apparelho irrigador de agoa quente, cujos caloríficos seriam os musculos e alguns outros orgãos. O organismo á medida que gera calor e o distribue, igualmente o vai perdendo. Como todos os corpos, o corpo humano também possue a conduetibilidade e a irradiação caloríficas. No poder ou propriedade da irradiação está uma importantís- sima causa de perda thermica : a maior parte do calor produzido irradia-se pela superfície cutanea, e este desperdício, conforme a lei geral newtoniana, é proporcional á differença entre 0 calor animal e a temperatura atmospherica. As causas de exagerada irradiação acham-se no exterior ou mesmo no organismo: ou é 0 renovamento rápido do ar, em con- tacto com a pelle, que augmenta a perda, 011 a producção anormal dilata os capillares e envia assim volumosas correntes á refrigeração cósmica. Basêa-se outra condição de perda no principio physico de que a agua absorve calorico para passar do estado liquido ao de vapor. Esta causa espoliadora tem por séde as superfícies pulmonar e cutanea, onde realisa-se o phenomeno da vaporisação dos liquidos exh alados. Novas causas de desperdício tbermico nascem da des- peza a que se obriga o organismo para aquecer o ar inspirado e os alimentos e bebidas, os ingesta, emfira. Yê-se dos cálculos feitos sobre o valor relativo por 100 destas perdas, que é pela superfície cutanea sujeita ás duas causas espoliadoras — irradiação e evapo- ração — que se dá o desperdicio máximo de 90 por 100 ; d’onde a consequência, que os organismos, que houverem a superfície cutanea mais extensa em relação com a massa do corpo, perderão mais calor, e em compensação será nelles mais intensa a genese thermica equi- libradora. Segundo os princípios da physica a temperatura do corpo humano é também igual ao calor gerado menos o calor perdido. A applicação das avaliações thermometricas á physiologia e á clinica trouxe á pratica a demarcação da cifra normal do calor orgâ- nico. Os algarismos primitivamente apresentados não combinam, mas estas divergências numéricas nasceram dos variados pontos arbitrariamente escolhidos pelos exploradores — a pelle, a boca, a vagina e a cavidade rectal — . O rectum e a vagina, explorados com o thermometro, são as melhores regiões para obter-se uma tempera- tura sensivelmente igual á do sangue : tem-se avaliado de 37° a 37°5 o gráo de calor medio destes canaes. É a temperatura normal in- querida na fossa axillar a adoptada hoje como expressão compara- tiva para as indagações clinicas : resultou de numerosas vantagens praticas a convenção geral de admittir-se este ponto para tal genero de explorações. O thermometro, applicado á axilla de milhares de in- divíduos, tem permittido estabelecer as cifras de 36°25 a 37°5, como limites normaes do calor orgânico: taxas inferiores ou superiores ás destes algarismos serão, na opinião de Wunderlich, conside- radas sempre suspeitas, salvo influencias particulares determinadas. A mantença desta temperatura constante e quasi independente do meio externo, ao menos emquanto o calor cosmico não ultrapassa o máximo ou o minimo de certos limites, é assegurada pelo equilí- brio thermico entre as producções e as perdas. Este equilíbrio está sujeito a duas causas de variabilidade : á maior ou menor intensidade dos processos chimicos geradores nos orgâos, ou a variações do desperdicio, dependentes, como já dissemos, quer do proprio organismo, quer do meio atmospherico. A permanência do equilibrio entre as condições de variabili- dade suppõe á priori na economia a existência de um apparelbo regu- larisador : é o que demonstram as experiencias physiologicas com- binadas com os factos da observação pratica. Assim como o sangue encarrega-se da distribuição geral do calorico, o systema nervoso, por intermédio sobretudo dos vaso-mo- tores, incumbe-se do importantismo papel de regedor dessa repartição thermica. Porém as ideias experimentaes, que até este momento possuimos sobre o saber, si, independente dos vasos, este modo de acção nervosa actua directo na thermogenese, são ainda indecisas e incompletas para que extraiam-se delias deducções formaes. Para Cl. Bernard «independente da acção vaso-motora, o grande sympatbico exerce uma acção thermica.» O grande sympa- thico, para elle, não é sómente um nervo dilatador vascular, é um nervo calorífico ; não é só um constrictor dos vasos, é também um nervo frigorifico. Quando, pela secção do sympatbico, a influencia dilatadora augmenta a temperatura da circumscripção, não é só pelo maior afílaxo sanguíneo, mas pelo exaltamento das mutações chimicas nutritivas da zona correspondente. O que a tal modo de ver levou o sabio pliysiologista, foi não só o facto de conservar-se o calor na parte muito superior ao do lado opposto, embora extinctos todos os phenomenos da congestão artificial, como também o augmento thermico, notado não obstante a ligadura prévia das veias das orelhas do animal. Assim, no entender de Ber- nard os nervos caloríficos dilatam os vasos e açulam as metamorpho- ses chimicas dos tecidos ; os nervos frigoríficos constrigem os tubos sanguíneos e refreiam a actividade chimica da nutrição, influindo emfim o systema nervoso de um modo especial sobre a thermogenese além de sua acção repartidora do calor. Como se vê, Cl. Bernard comprehende esta acção thermica especial do sympathico exercendo- se todavia por intermédio das combinações chimicas dos tecidos. Recentemente o experimentador allemão Tscheschichin, fa- zendo a secção transversal da protuberância annullar de um coelho, antes do ponto de terminação da medulla alongada, e produzindo desta arte notável elevação de temperatura, pensou que ha um centro moderador da combustão, differente dos centros dos nervos vaso-motores, centro moderador onde os nervos thermicos munir-se- hiam de calor para levar aos tecidos. Si a secção é praticada sobre o bulbo ou sobre a medulla cervical, em vez da elevação de calor, observa-se um abaixamento thermico progressivo. Considerando este novo factor, Tscheschichin acreditou que o mecanismo nervoso da calorificação dependeria de dous centros : as partes do encephalo situadas antes do bulbo representariam, com relação á medulla e ao bulbo, o papel de centro moderador, e o proprio bulbo conteria o centro productor subordinado ao freio do primeiro. Esta interpretação tem soffrido objecções serias das verificações experimentaes, cuja discussão não podemos reproduzir aqui, endereçando os que desejam conhecer a historia minuciosa da questão ás celebres lições de Vulpian sobre os vaso-motores. Entretanto a interpretação que melhor cabe ás experiencias de Tscheschichin é a que propoem Naunyn e Quincke, para os quaes a medulla influe sobre o calor animal simplesmente como centro vaso-motor, porquanto arrasta o seu seccionamento a paralysia dos musculos vasculares profundos e periphericos, e é perdendo assim a influencia sobre os vasos que a acção regularisadora esgota-se, e quando se não tem o cuidado de impedir o desperdicio thermico a degradação calorifica se estabelece. Heidenhain confirma esta con- cepção, e, mostrando que a excitação do sciatico, após a separação da protuberância da medulla alongada, reproduz o abaixamento de temperatura, deixa patente não exercerem os centros cerebraes acção nenhuma especial sobre a thermogenese. Achamos aqui re- novado ensejo para repetir que, desde haver-se como positivo o facto dos attributos reguladores do systema nervoso, nada ha que esteja exigindo uma localisação especial para taes attributos no que respeita á repartição thermica ; de outra sorte será invocar-se, na feliz expressão de Wunderlich «uma influencia mystica sobre os pro- cessos chimicos ». O complexo phenomeno pathologico conhecido sob o nome de febre de modo algum escapára á observação preterita. Neste pro- cesso morbido não ha funcção que em geral se não comprometta, arrastada na voragem da explosão febril: as profundas modificações circulatórias, as perturbações imponentes do apparelho gastro-intes- tinal, as vehementes modalidades excitativas e depressivas do sys- tema nervoso, e sobretudo as labaredas da fogueira interna e o esbrazeiamento das superfícies tegumentarias estão apontando a grave importância de tal pbenomeno. A constância do calor, quasi sempre facil de apreciar-se, fôra jà desde as priscas éras considerada signal de grande monta, patho- gnomonico da pyrexia; e, quando não houvesse outros dados para pro- va desta asserção, para crer-se no valor que a elevação da tempe- ratura merecera dos mais antigos observadores, a denominação de calor prceter mturarn que a este processo dava o Hippocrates romano é o melhor argumento. Deixando á historia a apreciação instructiva das ideias que, intermediárias â nossa época, correram sobre a natureza do processo pyrectico, diremos apenas que nos primeiros alvores deste século duas theorias oppostas e metapliysicas, uma exclusivamente organicista e outra vitalista, tomaram a peito explicar como se devêra considerar o pbenomeno febre: para a primeira, lesOes locaes, enterites, angioleucites, etc., deteminavam directa ou indirectamente, por alterações humo- raes ou nervosas, a apparição febril ; para a segunda, a causa pri- meira da pyretogenia residia toda nas modalidades meramente func- cionaes, essenciaes do principio vital. Bem a analyse physiologica positiva dos factos, vão seria ainda qualquer edificio theorico. Comtudo nenhum desvario doutrinal pôde illudir a eloquente advertência da simples observação, e todos os pyretologistas, organicistas e vitalistas, guardavam como ponto de partida um accordo reciproco — a exacerbação calorífica, sym- ptoma pathognomonico da genese febril. A iniciativa experimental assentou que se devia começar por saber primeiro, como chegaram-se a ligar uns aos outros symptomas isolados, cujo conjuncto constitue o syndroma pyrectico. Coube ao tliermometro a iniciação da tarefa. A thermometria confirmou que a febre installa-se no organismo desde que, elevando- se a taxa normal do calor, persiste por certo tempo esta exacerbação. Nisto não ficou o serviço da thermometria : as explorações de Gavarret, chamando a attenção sobre o calor central no periodo de calafrio, varreram com o preconceito commum de que neste periodo havia degradação calorífica. Essa ideia á priori, errónea, arraigara-se tanto no espirito geral, que, por extraordinária que fosse a verdade annunciada por De Haien sobre a permanência de calor intenso no calafrio, por ella passaram então os práticos sem attendêl-a. Hoje não soffre du- vida que exactamente no fim do periodo de calafrio é que a ascensão thermica sóbe de ponto para manter-se no estado de calor, começar a baixar com a invasão do suor e cabir de novo no gráo normal. O thermometro mostrou que em todas as pyrexias o cyclo thermico consta de tres phases caracteristicas: um periodo inicial de augmento ou ascendente ; um periodo de fastigium ou de estado ; um periodo des- cendente ou terminal. As curvas tbermoscopicas foram mais longe no ensino que transmittiram, provando que as durações variaveis destes periodos podem caracterisar as aiíferentes especies de pyrexias a invadirem o organismo. A demonstração clinica e experimental da elevação thermica durante o processo -ebril provocou a primeira interpretação scien- tifica do mecanismo da febre, interpretação que manteve-se corrente até 1863. Nessa hypothese, sejam quaes forem as causas pyreto- genas, sob a influencia delias activam-se os phenomenos da oxi- dação, da combustão respiratória intima, e transborda a fonte geradora do calorico. Com o descobrimento dos vaso-motores e das circulações locaes ; com a noção de que a combustão é por si só insufíiciente, pensaram alguns physiologistas que o augmento de calor póde depender sómente de uma modificação no systema nervoso regularisador da distribuição thermica ; oppostamente conceberam outros que a exacerbação calorífica deve correr a cargo de exage- radas producções de calor central. Na primeira destas duas opiniões ha logar para dous modos de explicar o phenomeno. Assim, póde-se conceber : l.° Si o thermometro axillar prova a ascensão thermica, não é que haja real augmento da temperatura hygida ; a febre resulta da grande abundancia de sangue que passa pelos vasos dilatados da peripheria, como succede no caso da experiencia sobre o cervical ou grande sympathico ; é um simples phenomeno nervoso o que se dá: a algidez ou o calafrio do estado inicial da intermittencia febril tem razão de ser na tetanisação das túnicas vasculares dos vasos afasta- dos do centro do corpo, detendo-se desta arte a circulação periphe- rica, e o sangue irresfriavel em tal situação logra no interior um extraordinário calor ; 2.° A. febre não é devida á maior producçâo do calor orgânico, mas sim á retensão delle por suspensão ou diminuição das perdas thermicas. A causa pyretogena, exercendo directa influencia sobre os centros nervosos, determina uma excitação que acarreta a con- tracção dos vasos periphericos, contracção vascular que se póde originar por impressão reflexa de qualquer zona organica: o calafrio não conheceria outra causa inicial. Foram estas as bases das duas interpretações analogas apre- sentadas á sciencia na mesma época pelos illustres physiologistas, francez e allemão, Marey e Traube. Si ambas as citadas theorias dão satisfactoria explicação da genese do estado algido, são havidas como incompletas, para fazer comprehender-se o augmento de calor que precede o calafrio, e a exageração thermica que acompanha as perdas, exagero demonstrado pelas cinzas da combustão evidentes nas urinas e na exhalação pulmonar. Pelas experiencias directas de Leyden e de Liebermeister, sabe-se que a cifra do calor perdido pela irradiação cutanea do febri- citante é mais alta que a do desperdicio normal, avaliado pelos mesmos processos experimentaes ; portanto, para que a tempera- tura no periodo de calafrio apresente a elevação que ostenta, é de toda necessidade a producçao thermica. Por estas razões fica assen- tado, que o crescido gráo da temperatura na febre não tem por absoluta origem a suppressâo unica das perdas de calor. A inter- pretação, pois, do phenomeuo pela hyperproducção também perma- nece legitimada. Ainda que sobre esta base experimental duas novas concep- ções estabelecem-se, de nenhum modo exclusivas : ou as diversas substancias pyretogeuas determinam por si mesmas o excesso de todas as actividades physico-chimicas dos tecidos, ou tal effeito só é realisavel por meio de acções directas ou reflexas do systema nervoso sobre a elaboração physico-chimica thermogenetica. O processo febril provocado por injecções de substancias pútridas no sangue, perfeita- mente comparado ao das pyrexias infecciosas, inflammatoria ou traumatica, bem mostram a possibilidade das duas concepções: ou a superactividade thermogenetica é causada por um conflicto inicial entre a matéria organisada dos elementos anatómicos e as substan- cias pyretogeuas contidas no sangue; ou estas substancias excitam immediatamente os centros nervosos, que fazem retumbar sobre os tecidos esta perturbação especial, promovendo de modo directo ou reflexo a excitação dos actos thermogenicos. Cl. Bernard acredita, como já dissemos, em acção thermica pelo systema nervoso, e appli- cando á febre a sua theoria sobre a thermogenese animal pro- nuncia-se nos seguintes termos: « Ha duas ordens de phenomenos nutritivos: um de destruição, de desdobramento, outro de organisação ou de synthese organica. Dão-se estes últimos phenomenos sob a in- fluencia dos nervos frigoríficos ; os phenomenos de combustão são mais especialmente regidos pelos nervos vaso-motores dilatadores ou caloríficos. Ora, a febre nada mais é do que a exageração da acção destes nervos caloríficos que partem da medulla e não uma paralysia dos vaso-constrictores. » O que a experimentação e a observação clinica guarda como noções bem formadas, é que no processo febril ha desenfreiada com- bustão de todos os princípios do organismo, e que entre os dous fac- tores da thermogenese animal—perda e producção—ha um desequi- líbrio notável. Parece, por consequência, que, conforme a causa pyretogena, a origem do phenomeno accentue-se, quer por modifi- cações directas do processo nutritivo sem intervenção inicial dos ner- vos, quer por influencia indirecta intermediária do apparelho vaso- motor. E’ certo que a physiologia não nos dá uma theoria geral irre- cusável para explicar a pathogenese da febre ; mas indica-nos clara- mente a razão das relações de seus diversos phenomenos, e faz repousar a therapeutica desse processo sobre noções hoje bem posi- tivas. Si as experiencias dos laboratorios e'a observação dos effeitos da insolação apontam a exaltação thermica como o agente morbido em que reside todo o perigo, como o compromettedor da vida geral a atacar elementos anatómicos determinados, a fibra muscular, o glo- bulo sanguíneo, a cellula nervoso, é evidente que, não obstante a marcha cyclica deste processo, é preciso carregar sobre elle, actuar sobre o calor e neutralisar-lhe os effeitos. Os dous modos etiologos experimentaes sobre os quaes se constitue o processo distinguem e classificam em duas grandes classes todas as especialidades pyreticas: febre nervosa e febre infecciosa e inflammatoria. Uma indicação causal é quasi impossível, escapa quasi sempre. O que convém é con- centrar os esforços, sobretudo, na neutralisacão do calor e na ex- tincção das combustões intersticiaes. A pratica baseada sobre certos experimentos e observações possue um grupo de substancias e meios capazes de actuar neste sentido : a digilatina, o sulphato de quinina, a veratrina, as abluções e banhos frios, etc. O thermometro ahi es- tará sempre para mostrar que, á proporção que diminue o calorico, o melhoramento do estado geral se vai patenteando até a cura. Por variadíssimas experiencias os physiologistas tornam evi- dente a importância vital das oxidações internas. Os experimentos deixam claro que sem a irrigação sanguínea arterial, a contractili- dade muscular agonisa e desapparece. Estudando Krishaber os ef- feitos do apparelho anti-hemorrhagico de físmarck, calculou em uma liora e trinta e cinco minutos o tempo necessário para que a sup- pressão da corrente sanguínea pela ligadura elastica, attinja nos membros a propriedade biologica dos musculos. Brown-Sequard já liavia mostrado que é impossível disper- tar-se a contractilidade com injecções de serum e de sangue venoso, conseguindo-se acordal-a todavia sómente com uma introducção nova de sangue arterial, ou mesmo de sangue desfibrinado e oxige- nado. Foi ainda este sabio physiologista que por suas pesquizas sobre a ligadura das carotidas e vertebraes dos coelhos mencionou que, após a applicação do laço constrictor nos vasos, os animaes caem inertes, detem-se-lhes a respiração e morrem : porém, si o ex- perimentador suspende em tempo a compressão das vertebraes ou promove a respiração artificial, podem ainda os animaes recuperar a vida. Brown-Sequard verificou também que as funcções cerebraes paralvsam-se por falta de influxo de sangue oxigenado, e transfun- dindo á cabeça de um decapitado sangue arterial pelas carotidas e vertebraes vio o eminente physiologista contrahirem-se as faces ao animal, moverem-se-lhe os olhos e agitarem-se-lhe os lábios como em verdadeira resurreição. Os experimentadores mostraram que a ligadura das coronna- rias produz a parada do coração, do mesmo modo que em um meio carbonado cessa esse orgâo de contraliir-se, recobrando o perdido rithmo logo que se lhe restitue o gaz essencialmente respirável. Com as funcções de todo systema nervoso succede o mesmo, e os experimentos a respeito sao accordes e concludentes. As ligaduras da aorta por Longet, Flourens e Scbiff, as obliterações e embolias das artérias espinhaes por Panum e Cohn, Ivusmaul e Tenner, in- dicam que a medulla ischemiada perde a propriedade de conductor e de centro de innervaçao. Por sua generalidade é sobremaneira no- tável a seguinte experiencia do illustre Yulpian : a ligadura do bulbo da aorta em uma rã motiva immediata suspensão da corrente arterial, comtudo sentem-se ainda os batimentos cardiacos do ani- mal : duas ou tres horas depois o bactracio cae em completo estado de inércia e apparentemente parece morto ; uma hora após este es- tado desata-se o vaso e em seguida, alguns minutos em que man- tern-se ainda a inércia geral, começa-se a perceber fraca contracção dos hyoideus, mais tarde sobresaltos e finalmente a restauração da contractilidade da musculatura inteira : com o reapparecimento da respiração, consegue-se, então, dispertar movimentos reflexos, effec- tuando-se só muito mais tarde os actos nervosos voluntários. Estas experiencias dão conta da celebre lei formulada por SchiffPara produzir-se a abolição da contractilidade é preciso subtrahir total- mente o elemento muscular á acção do sangue ; mas para aniquilar a excitabilidade do elemento nervoso é só sufficiente que a quanti- dade do liquido, por excellencia nutritivo, seja apenas notavelmente diminuida. Os diversos factos referidos permittem-nos penetrar no se- gredo da symptomatologia das anemias locaes do cerebro e da me- dulla ; comprehender as oscillações desses phenomenos, correlativas ás diíferentes modalidades da circulação de taes orgâos, e como o apparecimento de uma circulação collateral póde nesses casos escla- recer o espirito do pratico sobre ulteriores consequências. Ainda náo é tudo : a physiologia dá a razao da similitude das modificações funccionaes em processos morbidos de diversa natureza, como soe succeder na asphyxia, na cong'estáo e anemia cerebraes. E’ sabido que, quando a combustão é lenta e opera-se com pouco oxigeno, forma-se o oxido de carbono : ora, é o que se passa no sangue quando a combustão respiratória faz-se com insufficiente volume aereo, ou é estorvada por causas analogas ás que pro- movem o estado asphyxico. Acontece então que o sangue desoxi- genado e sobrecarregado de gaz carbonico transmitte-se ao coração esquerdo, donde parte para o encephalo, cujos elementos, baldos de gaz oxidante para operar a permuta gazosa, acabam por perder a excitabilidade ; da mesma sorte que a parada da circulação central determina por um lado inópia de oxigeno, por outro riqueza de acido carbonico, originando-se deste facto os effeitos asphyxiantes da anemia : semelhantemente a stase sanguínea dos capillares do encephalo carrea a dilatação irregular desses tenues cylindros tu- bulados ; a normalidade da circulação altera-se, alteração esta que traz perda de oxigeno e excesso de acido carbonico ; donde falta de nutrição gazosa e os effeitos asphyxicos da congestão. Sob este ponto de vista não se exorbitará avançando que a ischemia e a hyperhemia encephalicas nada mais são do que asphyxias locaes. Quantas applicaçOés de maxima utilidade se não extrahem das mencionadas experiencias para a semeiologia das aglobulias ? Delias tirou a therapeutica contemporânea um decisivo recurso —a transf usão de sangue.—Si os elementos anatómicos respiram, e é no sangue, no meio interior, que se lhes deparam os materiaes para a nutrição gazosa, a ideia de transfundir esse liquido nutritivo aos in- divíduos exangues, ou cujo meio interior se acha defraudado e em imminencia de morte, occorreu logo â pratica scientifica, maravilhada das resurreições que por este meio consegue a physiologda expe- rimental. Os experimentadores analysaram comparativamente o sangue do homem com o das outras especies animaes, e ensinando que as hematias são reactivos vitaes pelo oxigeno que transportam, a pra- tica tem como resolvido hoje que a transfusão deve de ser levada a effeito com sangue de seres da mesma especie. Além disso, mos- trando a pbysiologia que as cellulas vermelhas são por si sós suffi- cientes para a regeneração das propriedades biológicas em desappa- rição imminente, aprendeu a pratica que a desfibrinação do sangue, longe de inconveniente, tem a vantagem de conjurar ou evitar a formação de thrombus ou embolias mortaes. Tratando-se apenas de uma simples addição, poder -se-ha pro- veitosamente transfundir com sangue de mamiferos de diversas espe- cies; mas, si o caso exige uma completa substituição, o sangue trans- fuso, sendo de especie differente, não dará senão ephemeros successos. Com estas noções e aperfeiçoamento ganhou este methodo cu- rativo na pratica a sancção definitiva do professor Behier. Não é só desta arte que a physiologia experimental fornece á clinica o único meio de superar a morte nos estados agonicos das anemias puerperaes por desperdicio hemorrhagico, e intoxicações pelos venenos liematicos, emfim dos casos de alterações profundas da crase sanguínea. O exame cliimico das composições do chylo e do leite, estabele- cendo completa analogia entre esses licores, mostra o chylo — gor- dura emulsionada em um liquido seroso — , o leite — gordura divi- dida molecularmente e suspensa n’agua com caseina e assucar e uma proporção pequena de 6 de saes por 1.000 — . Ora, a physiologia havendo-nos feito vêr como o chylo mistura-se immediatamente ao sangue, e o humor sanguíneo após as phases digestivas ostenta pelas modificações de colorido a intima juncção com o opalescente licor dos chyliferos, dispertou a ideia de que o leite, que se póde dizer um chylo elaborado nas cellulas das glandulas mamarias, seria sem inconveniente injectado nas veias. Esta inducção positiva re- cebeu das experiencias de Donné, sobre coelhos e cães, uma confir- mação brilhante. Fundamentando-se nestes dados, foi o Dr. Hodder (de Toranto) quem primeiro ousou reproduzir esta experiencia clini- camente, praticando de uma só vez a injecção intra-veuosa de 14 onças de leite em um caso de cholera asiatico. Mais tarde o Dr. Hower (de New-York), para salvar um inanido, recorreu a este meio injectando 6 onças de leite de cabra na veia cephalica do enfermo. Estas tentativas experimentaes e clinicas levaram o professor Gallard Thomaz (de New York) a ensaiar as injecções intra-venosas lacteas fiutritivas como um metliodo tlierapeutico substituindo com vanta- gem a transfusão do sangue : os esplendidos successos que o hão coroado e os estudos por elle recolhidos em sete operações deste ge- nero autorisaram-no a dar por firmadas já as conclusões seguintes : (c l.° A injecção do leite no systema circulatório, em vez da transfusão do sangue, é metliodo perfeitamente seguro e praticável, evitando-se com elle as difficuldades e perigos da ultima operação ; « 2.° Neste processo só será empregado leite extrahido de uma vacca sã e poucos minutos antes da operação. O leite decomposto é prejudicial e não se o empregará pela mesma razão que condemna o sangue alterado ; « 3.° Um tubo de vidro e outro de borracha terminando em pequena canula é o melhor, mais seguro e mais facil para praticar esta operação. Um apparelho mais complicado póde favorecer a en- trada do ar nas veias, apezar de todas as precauções ; « 4.° A injecção intra-venosa do leite é muito mais facil que a transfusão do sangue; « 5.° A injecção do leite é seguida geralmente de um calafrio e e rapida ascensão thermica. Depois nota-se grande melhora nas condições do enfermo ; « 6.° Não limito o uso das injecções lacteas aos casos de pros- tracção de forças por hemorrhagia, como também as tenho por indi- cadas quando ha alteração profunda na crase sanguinea, como suc- cede no cholera, febre typhoide, eclampsia puerperal, etc. ; « 7.° Não devem injectar-se mais de 8 onças de leite em cada operação; « 8.° Finalmente, creio que, si o leite satisfaz nestas circum- stancias o objectivo tlierapeutico da transfusão do sangue, o uso das injecções lacteas haverá creado nova éra nesta interessante parte da medicina. Convicto disso, seria ir contra minhas próprias convicções si não predissesse a este processo um brilhante e util porvir. » Estão de accôrdo com as supracitadas conclusões de Gallard Thomaz as notas de experiencias e observações ultimamente cornmu- nicadas á «Sociedade de Biologia» por Bocliefontaine e Laborde. Quer a transfusão de sangue, quer a injecção intra-venosa de leite, são admiráveis acquisições que a pratica contemporânea deve ásciencia experimental. Quando mais certa se poderia considerar de segura a presa, vê-se actualmente rechaçada a morte pela acção energica e decisiva destes dous heroicos meios da therapeutica hodierna. Da analyse experimental do meio interior, em sua constituição hygida, comparada á analyse experimental de suas modificações pliysicas, chimicas e anatómicas, a physiologia deduz que a conser- vação do meio interior está a depender das seguintes condições : 1. a Suíficiencia perfeita da alimentação gazosa, liquida e so- lida, para que se dê a assimilação e a desassimilaçâo dos productos inúteis, isto é, a renovação molecular. 2. a Que a taxa normal das perdas não suba ao máximo ou desça ao minimo ; 3. a Que os materiaes do sangue se não desfalquem, ou grandes perturbações geraes se não produzam ; 4. a Que, emfim, directa ou indirectamente, substancias foras- teiras, alheias á nutrição, não invadam o sangue e o contaminem. Foi á luz desses factos experimentaes que o professor G. Sée brilhantemente formulou sua primorosa classificação dos estados anémicos, explicou-lbes o variadíssimo mecanismo, aproveitando todos os dados adquiridos para a interpretação positiva dos signaes semeioticos de tão variadas dyscrasias. A respiração ou a permuta gazosa entre os tecidos e as liema- tias fazem-se, como já dissemos, por osmose e diffusão, e em virtude das conhecidas leis physicas de Dalton e de Bunsen sobre a absorpção dos gazes pelos liquidos. As experiencias de P. Bert sobre a acção ba- rométrica na composição dos gazes do sangue são demonstrativas, para deixar definido que, si a pressão aerea augmenta, cresce a pro- porção de oxigeno absorvido : si diminue, a pressão, baixa com ella o volume de oxigeno : ò acido carbonico está em relação directa com sua tensão na atmosphera e total pressão do meio respirável ex- terno; a exhalação carbónica em proporção inversa á diminuição da pressão barométrica. Muitas experiencias igualmente ensinam-nos que, embora em proporção minima, existe a permuta respiratória atravez do tegu- mento externo. Pelo envernizamento da túnica epidérmica de vários animaes, ou pela impermeabilidade de toda a superfície cutanea, os physiologistas veem a explosão dos syinptomas asphyxicos com col- lapso, convulsões tónicas e clonicas, e paralvsias do membro poste- rior : assignalando a negridão do sangue, a liyperhemia e echymoses dos orgãos, a autopsia confirma a morte por asphyxia. E’ por esta asphyxia cutanea que a physiologia interpreta o mecanismo da morte em certas varíolas confluentes e em outras affecções tegumen- tarias generalisadas, produzindo a impermeabilidade do revestimento epidérmico. A’ analyse experimental do sangue deve a pratica medica a noção exacta do processo asphyxico, processo a caracterisar-se pela desapparição inais ou menos total de oxigeno, e considerável accres- cimo de acido carbonico no sangue. Não é mais licito conceber este estado morbido como o ultimo termo de serie formada pela íypu- thymia, a syncope e a sgncope grave, tal como era quando explicava-se por asphyxia a morte causada pela paralysia dos batimentos car- díacos. Pelo conhecimento do mecanismo de todas as categorias etio- logicas do processo asphyxico firmado pela physiologia, a therapeu- tica habilitou-se a resumir em dous grandes grupamentos os modos etiologicos do processo em causas accidentaes e em causas subordinadas materiaes, como as consecutivas ás lesões das vias aereas e as cardia- c is que acabam por motivar a suppressão da hematose. A indicação scientifica consiste em administrar oxigeno ao sangue e desfazer o excesso de carbono. Para este fim, além de outros meios proprios a algumas causas accidentaes, conta actual- mente a therapeutica physiologica com a respiração artificial, com as elcctrisações intermiltentes, e com a transfusão sanguínea. Ha muito observava a pratica que sómente fracas variações barométricas supporta o homem no meio cosmico. Si a ousadia o leva a remontar-se ás cumiadas das serranias, o mal das montanhas torna-lhe ahi impossivel o viver; si é nas profundezas da terra que elle aspira penetrar, vem ainda o mal dos mergulhadores detel-o nesse novo arrojo. E’ que a fatalidade pathologica ahi está para marcar-lhe li- mitada zona respirável. Os médicos conheciam os terriveis pheno- menos dos accidentes que assim se geram, mas á observação simples impossivel attribuir taes effeitos morbidos â diminuição da ab- sorpção de oxigeno correlativa ao abaixamento da pressão do meio aereo, explicação que póde dar hoje Jourdanet, quando chama de anoxyemia a anemia especial das altitudes, por elle observada nos platós das cordilheiras mexicanas. Evitar o mal era o unico ensino pratico que da observação se deduzira. Foi muito sem duvida, mas não tudo. As já referidas ex- periências de Bert não só assentaram o facto da influencia baro- métrica sobre a oxigenação sanguinea, como concluiram com sobejas provas que podia-se equilibrar a nutrição gazosa sem mudar a pressão do meio aereo, augmentando simplesmente a proporção rela- tiva do gaz nutritivo : « pouco oxigeno em pressão ou muito oxi- geno, toda a influencia que as modificações da pressão barométrica exercem sobre os seres vivos resume-se nestes termos. » Fundou-se assim a barotherapia. Com apropriados apparelhos é dado agora á tlierapeutica irrigar á vontade com o oxigeno vivi- ficador a arvore respiratória dos pneumonicos e tuberculosos, fa- zendo-os inspirarem no ar comprimido e respirarem na atmospliera rarefeita. Ao encerrarmos esta parte de nossa dissertação lembraremos rapidamente algumas applicações experimentaes á hygiene ali- mentar e geral do viver dos paizes quentes. Tem-se por alimento ou producto biochimico uma mistura de principios vegetaes ou animaes, azotados ou não, e mineraes, assimi- laveis pela mór parte, mas contendo, entretanto, substancias também impróprias á renovação molecular. São condições da substancia ali- menticia passar pelo sangue após a metamorphose a que a sujeita a influencia chimica dos suecos digestivos ; queimar-se sob a acção comburente do oxigeno, e saldar os déficits das perdas organicas. A absorpção dos alimentos é sempre proporcional á receita nu- tritiva e só reconhece limites no poder endosmotico dos tecidos ab- sorventes. Desde que para nós é hoje uma verdade resultar a calorificação de differentes processos chimicos, e não ser senão um equivalente chimico do movimento, não se concebe mais com Liebig alimentos especialmente thermogenicos. O verdadeiro criterium ex- perimental para avaliar a ração media normal do homem, isto é, para calcular a taxa necessária á evolução trophica de cada orgão e a permanência do peso total do corpo, funda-se no principio de que é necessário um equilibrio constante entre os ingesta e os excreta, entre a receita e a despeza. Acha-se o homem dos paizes equinoxiaes no estado physio- logico dos bactracios, dos reptis e do feto, e, embora respire elle um ar dilatado e menos rico de oxigeno, o figado é tudo, o pulmão pouco é. Os habitantes de taes zonas differem, todavia, essencialmente sob este ponto de vista dos animaes de sangue frio, porque, embora o calor externo lhes chegue para manter-se em gráo conveniente de temperatura, não conhecem tregoas á genese thermica desperdiçan- do-se o excesso calorífico pela transpiração intensa e incessante. Nestas condições hvgienicas deve-se ter em vista a escolha do regímen, a das causas que activam a thermogenese, subtrahindo o excesso de calor produzido, a dos agentes que favorecem a completa oxidação, alli- viando o trabalho hepático, renal e cutâneo. No regimen deverá ser feito o menor uso possível das gorduras, evitado o abuso dos feculentos e comedido o excesso dos azotados, excesso que, promovendo a exageração da funeção renal, já de si na- turalmente exagerada nestes climas, acarretará graves conse- quências. Os herbáceos devem ser acolhidos por uteis, pois, também como purgativos, menos os seus inconvenientes, podem, sem au- gmentar a bile, provocar a hypersecreção biliosa : é porém o arroz a substancia que a physiologia parece estar apontando como alimento typo para a base do regãmen dos indígenas dos paizes quentes. (*) A hydrotherapia, as abluções frias sao os melhores agentes que activam a calorificação, desfalcando o excesso thermico. A gym- nastica, os alcalinos, etc., sao os agentes que favorecem a oxidação completa 3 poupam 0 labor forçado do ligado, dos rins e da epiderme. Nac cabe de certo em tan ligeiro esboço numerar mesmo as mais geraes e proveitosíssimas noções que a physiologia está legando á hygiene : basta-nos dizer, para concluir, que a experimentação tem verificado a magna influencia do meio, desse modificador por excellencia, e indica já muitas applicações essenciaes como capazes de refreiar-lhe 0 despotismo e fortalecer os organismos na troca in- cessante que com elle sustenta. (*) Veja-se a seguinte analyse de Payen comparativa da composição chimica do arroz e do trigo semi-duro de Briés, analyse transcripta da these de Cademoy.—Etude d’étiolg. pliys. des mald. des org. de sécrétion excrementitielle dans les climats chauds.— Paris, 1860. TKIGO ARROZ Amidon 70,05 89,15 Matérias azotadas 15.25 7,05 Dextrina e substancias congeneres. 7,00 1.00 Matérias gordurosas 1.95 0,80 Celluiosc e tecidos vegetaes 3.00 1,10 Matérias mineraes 2.75 0,90 TERCEIRA PARTE I Summahio. —Da innervação.—Mecanismo dos conductores periphericos.—Poder excito- motor. — Phenomenos geraes do systema nervoso. —Lesões dos nervos e de seus centros, e sua influencia sobre a nutrição intima. —Reciproco accordo e esclareci- mento mutuo das observações experimentaes, histo-palliologicas e clinicas.—Hypo • theses sobre o mecanismo especiai dessas perturbações trophicas. — Das atrophias impropriamente ditas reflexas. —Nevralgias.— Anestliesia.—Perturbações da sensi- bilidade nas moléstias da medulla, do mesocephalo e do encephalo. — Resultados experiíncntaes e clínicos. — Paralysias directas e por excitação peripherica. — Per- turbações motoras de origem centraes.— Factos experimentaes e clínicos.—Possibi- lidade de um diagnostico topographico.—Localisações espeeiaes.— Centros motores sub-eorticaes. —Centros sensitivos. —Conclusões. Sabe-se, como acabamos de ver, que para exercer-se normal- mente, ou perturbar-se o movimento de renovação molecular con- tinuo, basta de modo geral a actividade funccional própria dos elementos anatómicos. Todavia, a physiologia também nos ensina que, desde que os nervos entram, factores do mecanismo orgânico, em virtude da universal lei da—divisão do trabalho—entre todas as individualidades associadas, o systema nervoso toma parte activa no variado programma da vida vegetativa. Certo, não só os actos mole- culares ou chimicos de assimilação e desassimilação, como até mesmo uma especie de motilidade automatica e de impressionabilidade incon- sciente, de rudimentarias analogias com os verdadeiros phenomenos de locomoção e de sensib.lidade, podem ser notados na grande multidão anonyma dos seres inferiores, sem que vestígio algum de innervação seja em flagrante apprehendido. E’ que o apparecimento da inner- vação na machina viva equivale a um symbolo de aperfeiçoamento na evolução natural progressiva. Graças aos innumeraveis emissários que do encephalo e da medulla destacam-se e entrelaçam-se, expan- dem-se e ramiflcam-se por todos os departamentos da elaboração vital, por todas as vastissimas e superficiaes zonas das relações exte- riores, os centros ner vosos recebem e registram as excitações intimas e externas, transformam-nas em descargas dynamicas, em ordens expedidas instantaneas ou intermittentes, constituindo-se assim chefes administrativos das operações trophicas e do movimento, além de exclusivos fócos que são de toda a sensibilidade, obreiros e a um tempo directores da sensação e do pensamento. Todo o systema nervoso resume-se a duas especies de elemen- tos : tubos e cédulas. Os tubos são organisados por substancia branca, e as cellulas por substancia cinzenta. Yalor physiologico diverso possuem estes dous elementos. As cellulas ostentam-se nas extre- midades periphericas, ligam-se aqui e alli ás ramificações tubu- losas, e são encontradas em grupamentos consideráveis constituindo os centros nervosos e as expansões enormes do eixo centro-espinhal. Na peripheria (corpúsculos do tacto, gauglios sympathicos) reforçam ellas as impressões colhidas pelos tubos, para nos centros torna- rem-se por seus pólos ou prolongamentos o ponto de partida dos con- ductores sensitivos e motores ás superfícies epitheliaes e aos agentes activos da locomoção. Os grandes factos capitaes descobertos pela experimentação de que na manifestação nervosa ha nervos distinctos em sensitivos- motores ou mixtos, conforme suas aptidões conductoras centrípeta ou centrífuga, ou duplamente centrípeta e centrífuga, tem sido a mais segura base de todos os phenomenos clínicos bem averiguados no dominio morbido do systema nervoso, O que não parecia claro ao espirito dos primeiros experimenta- dores era si a differença de propriedade physiologica dos conductores correspondia realmente á differença structural do agente nervoso. Multiplicados experimentos agora, e entre esses o da desorganisação dos nervos, quando separados de seus centros trophicos por Waller, os da reunião do lingual ao hypo-glosso por Vulpian e Phillipeau, e por ultimo os dos enxertos animaes por P. Bert, estabelecem clara a verdade no mecanismo dos cordões conductores : os nervos podem transmittir indifferentemente nos dous sentidos centrípeto e centrí- fugo, e tudo depende da origem e terminação do conductor. A im- portantíssima distincção entre o elemento motor e o elemento sensi- tivo permanece, sabendo-se porém que não ha vias anatómicas di- versas preestabelecidas, que um nervo é sensitivo, centrípeto e, na phrase de Marshal-Hall, incidente ou eisodico por sua origem sensitiva lio eixo cerebro-espinhal, e sua terminação em cellulas próprias a recolherem as impressões sensoriaes ; da mesma sorte que o outro é motor, centrífugo reflexo ou exodico, porque emerge do centro motor do mesmo eixo e termina em placas adherentes ás fibrillas dos mús- culos. Não obstante as anastomoses repetidas e intimas, a indepen- dência physiologica dos tubos nervosos se acha assentada : não só a dos nervos sensitivos, entre si, como a dos motores igualmente reci- proca. A priori, a/producção de movimentos muitas vezes associados parece contradizer a independencia dos nervos motores ; mas é que a associação não se dá porque a corrente dynamica passe de um motor a outro, e sim porque o cerebro harmonisa-lhes e coordena-lhes os impulsos. A independencia funccional dos nervos sensitivos não se ve- rifica experimentalmente nos animaes, porque são elles incompe- tentes jpara informar-nos dos limites precisos das sensações; mas demonstra-se directamente no homem pelo conhecido facto, de que a sensação dolorosa não se manifesta nunca nos filetes nervosos acima do ponto que foi excitado. Outro theorema experimental é o que estabelece a verdade que o cerebro refere sempre as impressões desenvolvidas no trajeclo dos cordões sensitivos ás regiões periphericas, em que se distribuem os tubos reuni- dos em fasciculos neste cordão : os factos quotidianos da dormência da perna e formigamentos nas plantas dos pés pela compressão do sciatico na côxa, são singelas experiencias comprobatorias directas da lei citada e deduzida por Poincaré dos principies de Muller. Este principio chamado—lei da excentricidade—não prejudica a noção da sensibilidade localisada no proprio ponto do cordão exci- tado : o descobrimento anatomico dos nervi-nervorum por Sappey esclarece o facto, pois que ficam no proprio ponto excitado as extre- midades periphericas destes nervos dos nervos. Excitanies vários, physicos, mecânicos e chimicos actuam sobre os nervos; rnas é a electricidide o mais especial excitante do systema nervoso. Os trabalhos experimentaes de Matteu ;i, de Du- Boys-Reymond, de Rosenthal e outros indicaram relações i tesperadas entre os phenomenos nervosos e os electricos. Si desuuda-se o nervo de um animal, e applicam-se os dous pólos de uma pilha, produz-se uma corrente que desvia a agulha do galvanometro, corrente que se não limita, como em outro qualquer fio humedecido, á porção comprehendida entre os dous pólos : nos nervos o desvio da agulha mostra-se aquem e além do segmento limitado pelos dous pólos da pilha. Os phenomenos denominados de — força eleclro-motora, força electro-tanica, vanação negatica, levaram alguns espíritos a identifica- rem a nervilidade com a electridade. Já se nos proporcionou o ensejo de pronunciarmo-nos sobre a origem philosophica desta identificação infundada, tanto mais quando sabemos quão dissemelhantes são as leis da conductilidade nervosa e electrica. Pelas experiencias de Helmoltz mede-se a velocidade da corrente nervosa em 32 metros por segundo, ao passo que a corrente electrica no 'mesmo espaço de tempo percorre 500,000 kilometros. Os supracitados phenomenos galvanicos no tecido nervoso parecem antes manifestações parallelas aos da electridade, provocados pelo jogo activo das mutuações moleculares ou chimicas da matéria orga- nisada, por actos de nutrição e alteração dos nervos, antes eífeitos do que causas da nervilidade. E’ pelo menos esta a opinião sabia- mente reservada de Du-Boys-Reymond. Um facto assignalado por Magendie nos nervos rachidianos e que promoveu longa discussão entre os experimentadores é o que Cl. Bernard chamou de sensibilidade recurrente. A recurrencia nervosa revela-se por signaes de dôr, que dá o animal á excitação da raiz an- terior, por exemplo, que é sabido empregar-se na conductilidade mo- tora ou centrífuga. Comprovado o facto e dadas as razões da inobser- vância muitas vezes por sua desapparição rapida no esgoto nervoso, e não se podendo attribuir a recurrencia a um phenomeno de con- tacto, em virtude da lei de independencia mutua dos conductores, Cl. Bernard explicou-a pela engenhosissima hypothese de que al- guns tubos ou fibras das raizes sensitivas ou posteriores interrom- piam seu trajecto da medulla á peripheria, remontando ao centro medullar pelas raizes anteriores; e tanto parece isto exacto que, após a secção da raiz posterior, a raiz anterior correspondente não apre- senta mais os singulares caracteres dessa sensibilidade. A recur- rencia nervosa é uma lei geral para todos os nervos : como bem verificaram as recentes experiencias de Arloing* e Tripier, as alças nervosas chegam a passar não só do ne-vo sensitivo ao motor, mas ainda de um sensitivo a outro semelhante. Um dos phenomenos mais geraes da innervaeão é a chamada —acção reflexa. O acto reflexo ou o poder excito-motor é o verdadeiro caracteristico da nervilidade. O reconhecimento da existência destas acções especiaes não podia deixar, portanto, de ser um dos primeiros factos adquiridos no estudo experimental. Foi Prochaska o primeiro experimentador,que nos derradeiros annos do século passado descobrio o poder excito-motor, limi- tando-o todavia á medulla rachidiana. Depois deste physiologista, Legallois demonstrou em 1812 ser a medulla um centro autonomo, com funcções independentes do cerebro. E’ real que G-alleno já houvera notado que as lesões mórbidas e as secções do eixo espinhal destroem o sentimento e o movimento voluntário nas zonas abaixo do ponto seccionado ou doente; mas, não obstante, esta noção passou despercebida e até Prochaska e Legallois era a medulla considerada ainda um grosso nervo, e o cerebro o unico centro da innervação. Os trabalhos physiologicos feitos na direcção da analyse do poder excito-motor foram continuados por Pfliig'er e por Marshal-Hall, aos qu rns devem-se as principaes leis sobre tão pronunciados e importantíssimos phenomenos. Para que se dê um acto reflexo, faz-se mister, eomo condição essencial, que entre o nervo sensitivo e o motor exista um núcleo de substancia cinzenta ; donde a conclusão a priori, verificada pelos ex- perimentos, de que os reflexos se reproduzirão em fragmentos me- dullares isolados, como no eixo espinhal inteiro. Os factos observados após as decapitações de diversos animaes, as notas de Lallemand sobre os movimentos de fetus anencephalos quando excitados, emfim, innumeraveis provas deixam evidente, que a transformação do phenomeno sensitivo no phenom no motor accentua- se melhor, adquire maxima desenvoltura nas partes do eixo espinhal, cujas relações com o encephalo não mais existem : os musculos cor- respondentes, incapazes de movimentos intencionaes, agitam-se vivarnente á menor excitação cutanea. Este interessante phenomeno, que recordaremos mais tarde, tem a causa envolta ainda em theorias obscuras; mas, seja qual fôr, o que é certo e podemos avançar desde já, é que entre os factos experimentaes a respeito e os symptomas clinicos existe o mais perfeito accôrdo. A presença do systema nervoso na structura animal denuncia- se por quatro ordens principaes de acções differentes : actos trophicos; actos sensitivos-, actos motores; actos de ideialidade. Os tubos ou fibras sáo, pois, simples conductores da influencia nervosa, e as cellulas os le- gitimos orgaos onde elaboram-se e transformam-se as propriedades dos diversos elementos de tao delicado tecido. Esboçadas estas bases, passamos a recolher as principaes con- quistas da experimentação applicada ao conhecimento das moléstias dos conductores nervosos e de seus centros. Possuindo já o meca- nismo da acção do grande sympathico sobre a vascularisaçao no exame dos processos geraes morbidos, que passamos em revista, só referiremos aqui as ideias adquiridas sobre as perturbações dos nervos periphericos e dos seus centros encephalo-medullares. E, para que se faça a necessária ligaçao entre estes factos e os anteriormente expendidos, iniciaremos estas novas considerações pela analyse, a largos traços, dos actos trophicos dos centros nervosos. Em todo decurso de nossa dissertiçao critico-historica dos progressos médicos devidos á experimeutaçao physiologica nos phe- nomenos normaes e pathologicos dependentes das circulações locaes, verificamos a influencia directa e reflexa dos gangdios e tubos do sympathico sobre as lesões de nutrição ; mas ha ainda uma cate- goria á parte de dijsirophias (musculares e cutaneas) que nao parecem revelar, como se tem supposto, estado nenhum de paralysia passiva ou activa dos vasos motores, ao menos isoladamente, e para as quaes a critica experimental recente é levada a admittir a influencia do myelenceph ilo ou centro encephalo-medullar, sobretudo da medulla e do bulbo, influencia aos musculos e á pelle transmittida, nao por tubos especiaes nutritivos, mas pelos proprios nervos motores e sensitivos. Os trabalhos micrographicos contemporâneos sobre a structura do tecido nervoso têm concorrido immenso para os esclarecimentos mutuos que a clinica e a experimentação se estão prestando no es- tudo das alterações trophicas consecutivas ás moléstias dos nervos periphericos, da medulla e do encephalo. Os physiologistas seccionando a raiz anterior de um nervo mixto, do sciatico, por exemplo, observam que esta operação pro- move modificações notáveis á textura e segmento peripherico (frag- mentação da myelina, multiplicação dos núcleos da bainha de Schwanu, etc.), ao passo que o segmento central, em relação com a medulla,permanece intacto, apresentando apenas muito tempo depois uma diminuição de diâmetro ; donde a conclusão de Valler, Vulpian e outros, de que a substancia cinzenta da medulla é o centro tro- phico dos nervos motores. Por sujeição ao mesmo exame dos segmentos do córte da raiz posterior entre a medulla e o ganglio extrahio-se a consequência de que o ganglio espinal é o centro trophico dos nervos sensitivos. Foi pelo mesmo processo analytico sobre os tubos do sympathico que os citados physiologistas dedu- ziram que os centros nutritivos destes tubos variam de séde, ora no myeíencephalo, ora nos ganglios do grande cordão nervoso gan- glionar. A clinica observa, como consequência de feridas, nevrites, nevro- mas e outros estados morbidos dos nervos insuíficientemente conhe- cidos ainda, alterações cutaneas, oecupandoas mais simples, sob o as- pecto de psoriâsis, a epiderme, e o que mais é, apresentando-se acom- panhadas quasi sempre de violenta liyperesthesia. Estas erupções podem irromper de mais fundo segundo a trajectoria dos conduc- tores, e affectar a fórma de zona ou ainda os caracteres de pemphygòs, do echtyma, etc. A experimentação encontra embaraços em repro- duzir sobre animaes, pela secção dos nervos, as lesões trophicas da pelle de modo tão nitido como as que a observação clinica encontra no homem, isto pela razão simples de que a túnica tegumentaria hu- mana, pela actividade de suas funcções e condições de textura, é a unica própria a taes alterações. Os músculos ou agentes activos do apparelho locomotor offe- recem, pelo córte dos nervos que nelles se ramificam, modificações consideráveis da propriedade contractil, e revelam perturbações pro- gressivas e profundas da nutrição intima. 0 exame histologico indica que as alterações successivas dos fasciculos musculares con- sistem sobretudo em uma atrophia simples, não gordurosa. Um facto que a experimentação deixa'fpatente é, que um anuo mesmo após a conductores nervososjchega-se a perceber ainda a contrac- tilidade nos musculos paralysados. À diminuição desta propriedade é lenta, como diz Vulpian, e a proporcional ao numero de fascículos musculares primitivos que desappareceram por atrophia ». Os fasci- culos recobram toda a energia contractil, quando pela reunião dos dous segmentos dos nervos seccionados a porção peripherica se chega a regenerar. A experimentação e a clinica registram nos agentes passivos da locomoção, nao só alterações articulares semelhando as do rheu- matismo sub-agudo, denominadas arlhropnth>as por Charcot, como também as pmo*tites e nec n a aconitina, o ether, o acido cyanhydrico, etc., expli- cando-se, por isso, a razão de suas indicações para apaziguarem as tempestades convulsivas das nevroses. Quando em um paraplégico não mais se alcança determinação reflexa, claro é o signal de que a medulla jaz compromettida em toda a extensão do segmento lombar correspondente. Pelo exposto, escu- sado é lembrar os uteis ensinamentos práticos a resabirem dessas experiencias comparadas com os factos pathologicos. Quando estudamos os experimentos sobre a acção do grande sympathico, aceitamos o modo de ver mais admissivel no estado dos conhecimentos experimentaes, isto é, que o apparelho central da innervação da vida vegetativa não é exclusivo ao nervo gan- glionar, mas constituído por um systema de associação federativo, sujeito á alta direcçâo da medulla, que regularisa toda funcçâo me- cânica e intervem para submettel-a ás influencias cerebraes. Esta concepção encontra ainda solido fundamento nos factos a segui- rem-se. A physiologia, baseada nas experiencias de Budge, Goltz e Granuzzi, etc., a determinarem de modo mais ou menos preciso os centros reflexos medullares, explica facilmente as perturbações da micção, das exonerações alvinas, das funcções genitaes, etc., obser- vadas nas moléstias da medulla. Não tomando em conta pequenas divergências de séde bem li- mitadas, havemos por suficiente mencionar aqui o modo de ver de Budge sobre o funccionamento do centro genito-espinhal, ou. o que é o mesmo, do núcleo de substancia cinzenta da região lombar (entre a 4a, a 5a e a 6a vertebras lombares nos cães e coelhos) em cujo ponto têm o centro das acções reflexas não só os nervos vesicaes, como os orgãos genitaes e os sphincteres anaes. No homem como nos animaes as moléstias da região lombar ou dorso-lombar são muitas vezes acompanhadas de incontinência urinaria, de defecações involuntárias e de impotência; porém quando a lesão assenta-se sobre o segmento acima da expansão dorso-lom- bar, poder-se-hão, a principio, deixar de observar estes phenomenos, determinando-se então um estado todo opposto, de perturbações visceraes, retenção de urinas, constipação opinaz e tympanite, partos sem dôr, e de polluções sem sensações voluptuosas. Nos seguintes termos resume o professor Jaccoud em seu esti- mado estudo sobre as —«Paraplegies et 1’ataxie du mouvement» — a theoria experimental de Budge: «Ha duas differentes direcções para as fibras nervosas motoras da bexiga; existe uma nas raizes anterio- res do terceiro e do quarto nervos sagrados; no plexus hypogastrico, a outra. A. primeira via é unida ao cerebro por um cordão nervoso que, do pedunculo cerebral, desce aos cordões anteriores da medulla espinhal; quanto aos nervos visceraes motores contidos no plexus, nascem elles de uma parte limitadissima da medulla lombar. Sendo assim, as fibras que transmittem á bexiga a impulsão voluntária, isto é, as fibras motoras do sphincter, devem estar exclusivamente contidas no cordão cerebro-sagrado; quanto ás fibras motoras, que nascidas na medulla dirigem-se á bexiga pelo plexus hypogastrico, são ellas completamente estranhas ao acto voluntário e distribuem-se nos musculos expulsores da urina. Concebe-se perfeitamente que uma lesão possa abolir as funcções no centro vesico-espinhal sem attingir ao mesmo tempo o outro systema motor.)) Raciocinios analogos per- mittem comprehender-se o mecanismo das modificações mórbidas intestinaes e genitaes e suas differenças segundo as sédes das lesões do eixo cerebro-rachidiano. Comprehende-se que as lesões do segmento que contém o centro genito-especial paralyse completamente este centro reflexo; donde paralysia completa da bexiga, ou do grosso intestino, ou dos nervos sensitivo-motores regentes das funcções genitaes e o relaxamento dos sphincteres vesico-anaes e a impotência: nenhuma acção quer voluntária,quer reflexa póde mais pôr em jogo esses diversos agentes. Sendo, ao contrario, a séde da lesão na região dorso-cervical, a acti- vidade excito-motora ou tónica do centro genito-espinhal não se deterá mais. por excitações suspensivas do centro de refreiamento situado no mesocephalo. A acção do grande sympathico sobre a pupilla já nos foi reve- lada pelas celebres experiencias de Bernard e Brown-Sequard ; porém ao mesmo tempo quasi Budge e Waller indicaram que, da quinta vertebra cervical á sexta, existia na medulla um segmento que himi-seccionado actua sobre a iris,a circulação conjunctival e optica, do mesmo modo que a secção do sympathico ou a influencia vaso- motora: é o segmento ou centro cílio-espinhal. Foi assim que a physio- logia fez utilisarem-se a pathologia e a pratica da razão por que nas lesões da medulla dorso-cervical observam-se perturbações oculo- pupillares (atresia ou mydriase), ora em um, ora nos dons olhos. Toda vez, portanto, que os phenomenos oculo-pupillares forem observados antes da explosão paralytica nos membros, correrão elles por conta da acção especial dos filetes cervicaes do sympathico que emanam do centro cilio-espinhal, e mais tarde, quando acompanhados de paraly- sia, deverão ser então attribuidos á acção própria do citado centro. Já em outros pontos de nossa dissertação referimo-nos, e não voltaremos aqui, ao que ha de positivo sobre a acção bulbo-medullar nas modificações calorificas e circulatórias por intermédio do meca- nismo vaso-motor. As alterações respiratórias nas moléstias raehidianas, como compressões, feridas, fracturas de vertebras cervicaes, em todas, emfim, capazes de promover a paraplegia cervical, só começam a ter a necessária explicação hoje, graças aos dados physiologicos. Sabe-se que é na medulla a residência dos fócos de origem dos nervos intercostaes e os diaphragmaticos inspiradores e expiradores. Por meio de uma secção transversal paralysando-se a influencia do grande dentado e dos peitoraes, si a acção é feita atraz do quinto par dos nervos cervicaes, póde-se suspender os movimentos respiratórios costaes, conservando-se todavia a respiração diaphragmatica pela permanência hygida, integra, do nervo phrenico que emerge do seg- mento superior ao seccionado: basta porém um córte praticado acima da emergencia do phrenico, para que a asphyxia rapida se manifeste pela dupla suspensão das respirações costal e diaphragmatica ou abdominal. No entender de Vulpian, a producção do retardamento no vai-vem respiratório deve correr por conta da possibilidade de uma excitação á dilatação nas origens do pneumogastrico, que é o que se nota quando, no animal, electrisa-se, com uma corrente de intensi- dade media, a extremidade superior do dito nervo seccionado. Ch. Bell concebia, como fasciculos respiratórios, os cordões lateraes da medulla. Para Clarke, o centro respiratório medullar existe no cordão intermedio-lateral. E’ Schiff que limita este centro ao nivel do primeiro nervo cervical, pois para esse sabio physiologista a hemisecçâo da medulla neste ponto paralysa os movimentos respi- ratórios do lado correspondente. Brown-Sequard, repetindo esta ex- riencia de Schiff, chegou a resultado contraditorio, e Yulpian com elle acredita que,em relação com a funcção respiratória,tem a medulla apenas uma influencia simplesmente conductora, achando-se exclu- sivamente no centro bulbar o fóco gerador da excitação respiratória. Não obstante, a opinião de conter a medulla centros respirató- rios, dependentes, em verdade, do centro bulbar, desse que é, na phrase de Flourens, o primeiro motor central da respiração, torna-se acei- tável e faz comprehender-se facilmente as correspondências de nivel entre as lesões medullares e as paralysias dos musculos respiratórios. Comprehende-se que o excitante parta dos bronchios pelo pneumogastrico a emergir do bulbo, irradiando-se a excitação para cima e para baixo pelos núcleos da substancia cinzenta medullar, outros tantos pontos de implantação dos nervos que presidem á me- cânica da respiração. Deve-se a Flourens a revelação clara da propriedade de um pequeno ponto de substancia cinzenta, previsto pelas experiencias de Legallois, correspondendo ao bico do calamus escripiorius que jaz no bulbo, como é corrente, na parte inferior do quarto ventrículo. Este triângulo, que não possue maior volume do de uma cabeça de alfi- nete, é o primeiro motor central da respiração, é o nó vital na metapho- rica expressão de Flourens. Sobre este ponto a etherisação ou chloroformisaçâo, fáceis isoladores da sensibilidade e de quasi toda motilidade, encontram ma- xima resistência : este núcleo nervoso parece ser o ultimum moriens de todo o systema. Mas o que sobre elle attrahio toda a attençâo, o que celebrisou a experiencia de Flourens, foi o ensino adquirido por ella, de que basta a minima lesão a destruir esse ponto para pro- duzir-se rapida ou subitamente a morte ; donde o nome de nó vital que lhe coube. Na expressão—nó vital— \ê-se ainda uma intenção metaphysica de que se aproveitaram logo os vitalistas, fazendo sup- pôr ser essa a residência predilecta do principio vital. Sobre uma experiencia de Brown-Sequard, praticada no bulbo dos bactracios, sem o resultado da abolição respiratória indicada pelas de Flourens em mamiferos, apoiaram-se os organicistas para repellir a ideia vi- talista, objectando—que nem sempre o nó vital eranecessario á vida—. E assim vio-se que, para repellir uma interpretação grosseira e er- rónea, ia-se sacrificando a verdade, partindo-se de uma contradicção apparente, posteriormente explicada. A razão do insuccesso da ex- periencia de Brown-Sequard estava em não fazer elle o córte do nó vital como suppunham, pois nos bactracios se acha este ao nivel do bordo posterior do cerebello, em zona, portanto, differente da que lhe é séde nos mamíferos. Hoje todos os experimentadores que repeti- ram as experiencias de Flourens e instituiram novas sobre a exis- tência e limite do centro respiratório bulbar tiraram a limpo todo o mecanismo da morte súbita, ou rnais ou menos rapida, conforme a natureza das lesões bulbares. E’ verdade já agora inabalavel que o ponto circumscripto por Flourens detem a respiração, e nos ani- maes de sangue quente provoca morte fulminante. Si a secção é feita acima desse centro respiratório, vê-se que, nos cavallos por exemplo, o movimento dos músculos dilatadores das narinas, os faciaes são paralysados, conservando-se incólumes os musculos respiratórios do tronco ; mas si a secção é praticada abaixo cessa então o mecanismo duplo dos músculos intercostaes e dos respiratórios da face. O facto de ser o bulbo, pelos filetes do sympathico, e pelas ramificações do pneumogastrico a enviar ao coração, centro também dos movimentos cardíacos, fez pensara Brown-Sequard que todos os casos de morte súbita por lesões bulbares eram exclusivamente re- sultado da brusca parada do coração. Este exclusivismo não tem razão de ser, como provou Vulpian e verificou o proprio Brown- Sequard em numero de experiencias em que, no momento em que havia explosão syncopal, só a respiração se extinguira: os bati- mentos cardíacos proseguiam, mas o sangue chegara ao mesoceplialo impotente para restaurar-lhe as funcções esgotadas. Em outra parte de nosso trabalho, citamos factos nos quaes o modo de vêr de Brown-Sequard póde ter particularmente todo cabimento. As previsões da physiologia sobre a gravidade immensa das lesões do bulbo compromettedoras do centro respiratório estão com- provadas pela clinica a poder explicar agora como as lesões da articulação do axis com o atlas, como as thromboses basillares (ex- periencia de Vulpian e observação de Hayen) e as hemorrhagias, quer traumaticas, quer espontâneas, produzem a morte fulminante e a asphyxia mais ou menos súbita da paralysia labio-glosso- laryngéa. E’ por uma excitação inicial e depressão consecutiva do centro respiratório que a physiologia explica a morte de um doente, apresentando uma tosse nervosa, espasmódica oriunda da excita- ção do pneumogastrico, tosse seguida logo de estertor tracheo- laryngeano e rapidamente de asphyxia fatal. O estertor tracheo-laryngeano, como signal prognostico, toma um elevado valor, porque este phenomeno indica evidentemente que a glotte não mais recebe do ramo pneumogastrico do nervo re- currente paralysado a influencia dilatadora suficiente para dar livre passagem á corrente de ar aspirado que então penetra attri- tando as cordas vocaes inertes. Na paralysia da sensibilidade laryngéa observada nos hyste- ricos, epilépticos, e como precursora também da paralysia labio- glosso-laryngéa, é o nervo laryngeo superior o que, segundo as experiencias de Longet, deve de ser supposto compromettido. A’s experiencias e exames laryngoscopicos de Krishaber devem- se interessantes conhecimentos sobre a tosse e o espasmo da glotte. Estas experiencias permittem prever que quando a mucosa la- ryngeana tiver qualquer aífecção a hyperesthesial-a, bastará um simples contacto coma passagem do ar para promovera contracção reflexa de todos os musculos expiradores, do que resultará tosse violenta, ao passo que a excitação por uma substancia epispatica, actuando sobre a sensibilidade geral da mucosa, provocará movimen- tos de inspiração estridula e penosa, caracterisando a occlusão tónica ou o spasmo da glotte, e isto sem que os movimentos expiratorios accelerem-se e haja tosse. Actualmente os estudos experimentaes sobre o mecanismo da respiração e a dyspnéa em geral não mais consentem desconhe- cer-se a considerável acção dos nervos e dos centros respiratórios sobre a pathogenia das asthmas. As hypotheses anatomo-pathologicas a confundirem o emba- raço respiratório de certos emphysematosos com as crises asthma- ticas, a dyspnéa anhelante das congestões pulmonares com as ancias e as suffocações da asthma, em verdadeiros effeitos que não causas fundavam-se, pois, si é certo que a asthma póde gerar o emphysema e carrear a congestão pulmonar, em suas ultimas phases entre esses estados morbidos, nenhuma outra particularidade mais ha que as approxime. A discussão pathogenica só se permitte agora para saber posi- tivamente qual a séde, a natureza da lesão e o mecanismo do processo asthmatico. Tratar-se-ha de uma paralysia ou de um espasmo dos agentes respiratórios ? O centro regedor do mecanismo só actua no processo e virtude da excitação peripherica que o provoca? ou existe nelle causa real do estado morbido? Sem entrar na analyse miuda da questão, devemos dizer que o que a critica experimental e os novos experimentos parecem fazer conceber é tratar-se neste caso de um estado tetânico, de uma contracção espasmódica da ins- piração : a dyspnéa laboriosa asthmatica póde ser provocada com seus angustiosos accessos por uma impressão peripherica ; mas a accentuação da moléstia com todos os caracteres da asthma bem definida desperta a hypothese realisavel de uma alteração central consecutiva ás constantes excitações da peripheria : da mesma sorte que a moléstia póde ser attribuida á iniciativa de mudanças nas con- dições materiaes do proprio centro respiratório. Como se vê, a experimentação tende sempre a repellir destes terrenos a funesta tendencia exclusivista, já por vezes indicada, como últimos arrancos de uma metaphysica que busca refugio e tenta em desesperado e vão esforço estabelecer, sobre a variabilidade incessante das condições da mecanica viva, a consagração de um absurdo batido hoje nas sciencias de todos os lados, a restauração do anachronico absoluto, quando em tudo se vai patenteando de mais em mais o sabio principio da relatividade das cousas. 201 É sob a direcção bulbar que os nervos presidem as contracções dos musculos intrínsecos do larynge. O pneumo-gastrico e o ramo bulbar do espinhal a atravessarem o plexus gangliforme do pneu- ino-gastrico formando os filetes laryngeanos do recurrente, são os dous nervos que combinam suas influencias phonetica e respirató- ria, para eíFectuar-se pelo laryng*e a emissão dosada e rithmada do som. O papel do recurrente já Galleno conhecera; mas de quasi todos passou o mecanismo do larynge despercebido até o século ultimo, em que Ferrier emittio a theoria das cordas vocaes sobre a formação da voz nos animaes e no homem. Após o arrancamento do espinhal, como praticou Bernard, só uma das funcções laryn- geanas ficou supprimida, e esta foi a da phonação, correndo tudo inais no tubo laryngeo por conta do pneumo-gastrico, cuja excita- ção, é certo, não actua localmente sobre o larynge, mas sobre o meca- nismo respiratório. Das experiencias de Longet sobre a excitação do recurrente e também das de Krishaber sobre o mesmo nervo, deduz-se a occlusão facil da glotte, o seu espasmo, todas as vezes que existirem lesões como succede frequentemente com as ectasias da aorta thoraxica, assestadas na direcção ou origem desse ramo nervoso ou de seus troncos — o espinhal e o pneumo-gastrico — : nos casos dos aneurismas thoraxicos, similhantemente ás alterações phoneticas, as dyspnéas asthmaticas têm facil explicação physiolo- gica em um phenomeno também de compressão nervosa. Detemos-nos nestas considerações, dizendo, sem entrar em mi- núcias, uma vez por todas, que foi a physiologia experimental quem verdadeiramente creou a pathologia nervosa do larynge. Para articular-se o som e haver linguagem é necessário ser elle elaborado e modificado pelas contracções dos musculos do pha- rynge, do véo do paladar, etc., efFeitos estes que suppõem influencia de novos nervos, como o glosso-pharyngeo, o livpo-glosso e o facial. Da experimentação sobre esses conductores e a sua anatomia normal deduzia-se já a influencia central do bulbo sobre o encadeia- mento de todos os movimentos para exteriorisar-se a palavra ; mas a experimentação directa e a anatomia pathologica congregam-se para dar nova prova de tal influencia. Extrahindo o cerebro e a protuberância de um animal em que conserve-se o bulbo, o viviseccionado gritará com um grito rápido e secco, sempre que se o excitar ; porém, desde que o bulbo fôr profun- damente lesado, nenhuma emissão phonica será então percebida ; a excitação produzirá movimentos reflexos. Pelas alterações mais ou menos variadas da phonação e propriamente as da articulação, che- gar-se-ha a conhecer a séde da moléstia no bulbo, e a acompa- nhar-se-lhe os progTessos devastadores em os núcleos originários dos nervos que cooperam em tão importante mecanismo. As theorias eng-enhosas apresentadas para explicarem a genese especial da elocução ou da palavra nenhum fundamento experi- mental possuem em seu favor ; de resto é patente a impossibilidade das vivisecções para determinarem-n’a. A physiologia experimental ensina serem os nervos bulbares, como o hypo glosso a excitar a lingua a dispôr-se na abobada pala- tina para fazer caminhar o bolo alimentar para o pbarynge, e o facial a dar por tensão ao véo do paladar um plano de resistência á mesma lingua, os conuctores que trabalham na mecanica da degiutição local : é por ella que igualmente sabemos ainda serem os nervos bulbares, como o glosso-pharing-eo e o pneumogastrico, os que, pro- duzindo a ascensão, a imaginação do pbarynge e os movimentos ver- miculares do cesophago, agenciam o mecanismo da deglutição pha- ryngeana e cesophagiana. A experimentação dá além disso prova "directa de ser o bulbo quem preside o encadeiamento dos movimentos da deglutição. Si a um animal arranca-se o cerebro, a protuberância e o cerebello, os actos reflexos da deglutição não se perturbam, bas- tando, ao contrario, lesar o bulbo para que o animal manifeste imme- diatamente a incapacidade de deglutir. Póde-se nestas circum- stancias observar a incontinência salivar, que deverá ser attribuida ao haverem-se compromettido os núcleos originários do trigemio. Quando um doente apresentar perturbações deste genero, impossíveis de explicarem-se Jpor compressões do conductor pharyngo-cesopha- giano, estas noções pbysiologicas deixam á pratica luminosas indi- cações para seguir-se a séde da moléstia até a zona bulbar do rneso- cephalo. A. physiologia experimental legitimamente conclue de suas variadíssimas analyses sobre as lesões dos nervos, que todo o eixo cerebro-espinhal responde ás excitações periphericas por modifica- çOes moleculares especiaes, de natureza ainda ignota. Essas altera- ções dos elementos anatómicos dos centros nervosos traduzem-se por perturbações funccionaes de séde, de marcha e caracteres particu- lares ; tétanos traumático, clioréa reflexa ou symptomatica, epilepsia reflexa ou experimental. E’ pela suppressão da excitação, toda vez que não logrou ella attingir a um periodo de permanência capaz de determinar a alte- ração dos centros, que explicam-se os successos das secções dos nervos lesados, nos casos de cura mencionados em taes especies de nevroses. Numerosos e constantes accumulam-se os esforços da experi- mentação para conseguir adquirir clara ideia do mecanismo patho- genico de tão frequentes enfermidades. E’ certo que sobre a interpretação dos phenomenos tetânicos nada por ora obteve a physiologia. Só uma vez alcançou Brown- Sequard reproduzir o tétanos introduzindo um prego na pata de um animal, meio a que setenta vezes recorreu Weir-Mitchel sem fructo em nenhum delles. Si os experimentadores não poderam também realisar a syn- tbese das convulsões choreiformes, o facto da existência espontânea frequente da cboréa nos cães sobremodo favorece a physiologia para instuir-nos sobre a séde circumscripta da causa dessa hyperki- nesia do apparelho de transmissão e coordenação motora. Chauveau diz haver visto persistirem os movimentos choreicos depois da sepa- ração da medulla do encephalo pela secção da região atloidiana, durante o tempo em que produziram-se os movimentos cardíacos. As experiencias de Onimus e Legros sobre cães choreicos fizeram conhecer que o córte pela linha mediana de todo o comprimento da medulla não provocava a abolição dos movimentos convulsivos, cada metade do orgão mantendo sobre a metade homologa do corpo o seu estimulo pathologico. Nestas mesmas experiencias veio-se, por meio de traçados graphicos, á noção precisa de que os *■' aios espas- módicos enfraqueciam-se até desapparecer, si excisavam-se, ou pro- gressivamente destruiam-se os cordões e cornos posteriores, e isto não obstante a permanência das relações encephalicas da medulla. Mas para este caso, como para o tétanos, como para todos os estados morbidos conhecidos sob o nome de nevroses, a falta do criterium anatomico deixa vaga e fluctuante a natureza da moléstia, não porque lhe falte uma modificação material qualquer que a histo-pathologia investigue debalde, mas porque as lesões encontradas não fixam-se nem guardam caracteres univocos. Deste modo só uma das incó- gnitas do problema pathologico, só uma das necessidades praticas póde ter solução, póde ser preenchida : é a questão de séde. Para esse fim é já sufliciente a interpretação symptomatica, a analyse phy- siologica das perturbações predominantes. A physiologia experimental sob a iniciativa de Brown-Sequard construio a synthese completa da nevrose epiléptica. O celebre phy- siologista demonstrou que as lesões do bulbo, as da medulla, e não só estas como também as dos nervos, especialmente as do nervo sciatico, eram próprias a provocar a deflagração do ictus epiléptico e todo seu cortejo convulsivo. Brown-Sequard, poupando o bulbo na pratica da destruição total do encephalo, verificou que nem por isso deixava de manifes- tar-se o ataque epiléptico. Kussmaul e Tenner, por processos diffe- rentes destes, e pouco tempo depois do grande physiologista ame- ricano, viram também as excitações electricas, impotentes para, actuando nos hemispherios cerebraes, promover a epilepsia, rapi- damente a determinarem, desde que,feita a ablação dos hemispherios, dirigiam-se as correntes sobre a base do encephalo. Estes factos deitaram por terra as velhas concepções sobre a pathogenia de tão grave nevrose, e enfraqueceram a opinião de Luys e Yoisin, de que fosse o cerebello o orgão reforçador das con- vulsões. A existência da epilepsia reflexa, havida como simples hypo- these, recebeu da experimentação um fundamento real. Dividindo ao meio, ou dilacerando com a ponta do escalpello a região dorsal ou a lombar dos animaes, Brown-Sequard conseguio crear á vontade essa moléstia, e mostrou que nos seus porquinhos da índia, ainda se- manas depois de operados, os accessos sobrevinham com singula- rissima regularidede, A explosão epiléptica ficou ao arbitrio do experimentador logo ao reconhecer-se ser sufficiente excitar-se a pelle do angulo da mandibula, dahi ao olho, á orelha e quasi até á espadua dos animaes assim tornados epilépticos, para despertarem-se desde o grito, a quéda, até as convulsões clonicas generalisadas, todas as phases caracteristicas da epilepsia espontânea. Brown-Sequard fez notar uma interessante particularidade, consistindo em que a parte da pelle, com o privilegio de responder á excitação, e deter- minar o ataque, corresponde sempre ao lado lesado da medulla, po- dendo a face e o pescoço de ambos os lados promover o accesso, si bilateral também fôr a lesão do eixo espinhal. A excitação cutanea representa a aura, sensação de caracter variavel, mas especial, ver- dadeiro arauto a preceder sempre a estréa do ataque : a região de onde parece ella partir recebeu de Brown-Sequard o expressivo nome de zona epileptogena. Uma outra notável particularidade é que esta zona, emquanto durão accesso, possue menos sensibilidade que a do lado homologo, e que a excitação directa dos nervos que a innervam não serve de fagulha á explosão nevronica, ao passo que, si seccionados são, com este facto cessam e desapparecem os ataques espontâneos. Finalmente o infatigável e abalisado experimentador obser- vou ainda que a excitação periplierica, por um traumatismo ou impressão interna, quer dos nervos lombares, quer do sciatico, ou das ramificações nervosas destes troncos, quer do proprio sympathico abdominal, determinam a epilepsia. Desde 1850 até 1869 o eminente physiologista colleccionara quarenta e uma observações comprobatorias de suas bellas e instru- ctivas experiencias. Em trinta casos a existência da zona epilepto- gena, embora em sédes variaveis, accusava-se patente. Lanceraux cita a observação de Defoix, em cujo caso era bas- tante picar-se a aza do nariz ou o labio superior do doente para de- sabar a tempestade epiléptica. Dieulafoy lembra também outro caso por elle visto, em que a zona epileptogena apreciava-se bem em um indivíduo affectado de uma sciatica traumatica esquerda, e no qual a excitação da pelle do pescoço e da face do lado esquerdo promovia convulsões a toda parte correspondente do corpo. Westphall cita também a apreciação da zona epileptogena em dous indivíduos. Maior fôra talvez o numero destes exemplos, si não só o escrupulo de pesquizar em todos os pontos da superfície tegumentaria, como o de promover as crizes, não tolhessem os indagadores no descobrimento e limitação do fóco gerador dos accessos. Brown-Sequard prova até onde vai a analogia perfeita da mo- léstia por elle experimentalmente creada com a espontânea a gerar- se por modificações primitivas dos centros. « Tão grande numero de factos hei recolhido a este respeito, diz. elle, que a analogia entre a epilepsia do homem e a de meus animaes não póde ser maior. Posso accrescentar que na mór parte dos casos de epilepsia real e completa, como nos casos de simples vertigem, uma irritação existe que parte de um nervo centrípeto, e particularmente de suas partes periphericas, quer na pelle, quer nas diversas membranas mucosas. Medico nenhum ha talvez a praticar muitos annos que deixe de conhecer casos desta ordem ; não obstante, como quasi todos os autores que recentemente escreveram sobre a epilepsia consideram estes casos especiaes, devo insistir sobre a importante asserção que, mesmo na chamada epilepsia idiopathica, póde-se achar uma irri- tação partindo de certos nervos centrípetos e causando os ataques. Importa também ajuntar que não ha radical differença entre os symptomas da epilepsia sympathica e os da epilepsia idiopathica. » O mesmo experimentador acabou por mostrar, além disso, como uma prova mais de semelhança, a perpetuidade e transmissi- bilidade por herança da affecção nos seus animaes artificialmente epilépticos. Sem pretender passar revista a todos os phenomenos desta ne- vrose, notaremos sómente como os principaes delles são, nos casos mais regulares, scientificamente filiados pelo celebre physiologista. Partindo de que a epilepsia parece devida á excitabilidade reflexa exagerada da base do encephalo, e especialmente da inedulla alon- gada, explica-se bem como a excitação de qualquer parte excito- motora do systema nervoso provoca a pallidez súbita da face pela contracção vascular dessa zona e a dos lobos cerebraes, e o espasmo de alguns musculos dos olhos e .do rosto ; como a perda do conheci- mento produz-se por essa contracção dos vasos dos hemispherios, por essa anemia dos lobos seguida de congestão ou accumulo san- guíneo na base do encephalo ; e depois como a diffusão da excitação primitiva desperta a contracção tónica dos musculos expiradores la- ryngeanos, do pescoço e do thorax, ou por outra o laryngismus e o tra- chelismus, ainda mais fáceis pelo accumulo sanguíneo da base do encephalo ; como o grito e a suspensão respiratória succedem á contracção tónica dos musculos expiradores citados ; estendem-se as contracções tónicas até os membros, e a perda do conhecimento e o estado muscular e a quéda se seguem immediatamente ; como a as- phyxia e o embaraço circulatório virão forçosamente, devidos ao estado do larynge e do thorax ; depois as convulsões clonicas, a salivação, a erecção, etc., convulsões a que põe termo o esgoto nervoso reflexo, persistindo a energia dos centros respiratórios ; e logo após o coma ou somno pesado. Em verdade que tal filiação mecanica é insufficiente para dar conta dos phenomenos em alguns casos, nos quaes esta mencionada ordem não se conserva. Brown-Sequard parece exagerar a acção real dos vaso-motores. Uma nota que convém fazer aqui, é que a aura, pelo menos a sensação percebida immediata á invasão do accesso, póde ter uma origem central e do centro referir-se á peri- pheria. Tal noção em nada prejudica a valiosissima advertência do grande experimentador americano, quando elle ensina que, embora persista a alteração nervosa primitiva causa da epilepsia, cessa esta affecção desde que seccionam-se os nervos da aura ou da zona epi- leptogena, ou como se faz na pratica, quando cinge-se uma ligadura á parte donde provem a sensação especial, ou com ventosas, cauté- rios ou vesicatórios in ipso loco aborta-se a eminente deflagração con- vulsiva. O proprio Brown-Sequard, dando a razão experimental destes factos antigamente conhecidos, exautorou a velha crença de que taes meios revulsivos interceptassem a aura ou a excitação par- tida da peripheria, e a substituio pela concepção de uma modificação na excitação centrípeta sufficiente para dirigir-se ao centro produc- tor das convulsões e abortar a evolução do trabalho epiléptico ; ha, por acção reflexa vaso-motora, na phrase do experimentador, « uma mudança na nutrição dos centros nervosos, e dos nervos que servem á transmissão da aura ». Todavia esta noção não póde pretender a exclusiva, porquanto, como reflecte Yulpian, é possivel que « modificações moleculares, não nutritivas no sentido proprio da palavra, possam-se dar directamente nos centros nervosos, sob a influencia de impressões especiaes. » A. principal regra therapeutica consiste, conforme ás vistas de Brown-Sequard, em « procurar si a moléstia tem uma causa pe- ripherica », o que se poderá muitas vezes saber pelas testemunhas do ataque, ou pela exploração electrica da pelle, ou melhor ainda pela applicação alternativa de ligaduras aos quatro membros, e, encontrada que seja, impedil-a de manter a zona epileptogena, e destruil-a. E’ convicção de Brown-Sequard que esta causa existirá mais vezes do que é supposta commummente na pratica. Em todos os casos a indicação pathogenica geral é abater a excitabilidade reflexa assoberbada, e para esse fim a physiologia aponta o bro- mureto de potassium, o chloral, o bromureto de ammonium, etc., ou o bromureto de potassium e o de ammonium ambos juntos, como aconselha Brown-Sequard. Magnan e outros experimentadores reconheceram a existência de uma epilepsia provocada em animaes por injecções intra-venosas de essencia de absintho. Entre as convulsões epileptiformes desta intoxicação e os agitamentos convulsivos da epilepsia experimen- talmente despertada pelas lesões dos nervos e da medulla é notável e perfeita a analogia, mas as condições pathogenicas da epilepsia absinthica a distanciam da nevrose commum e da artificial de Brown-Sequard : na producção experimental do absinthismo agudo dá-se uma excitação immediata da substancia myelencephalica, por influencia directa do veneno sobre o bulbo e o eixo cerebro-espinhal; donde a dilatação vascular da pia-mater e dos hemispherios, exacta- mente o opposto do que succede na nevrose espontânea e na reflexa. Proseguindo neste genero de experiencias os physiologistas têm estudado todos os accidentes do absinthismo agudo e chronico ; e não só isso, obtiveram elles reproduzir ainda nos animaes todas as nuanças de que é capaz a intoxicação alcoolica, aguda e chronica. Pela administração complexa das duas substancias ao mesmo tempo, observam os experimentadores que o envenamento ostenta caracteres duplos, um verdadeiro syndroma no qual é sempre possivel discri- minarem-se os effeitos proprios aos dous venenos. Na intoxicação absinthica ordinariamente inauguram o espe- táculo convulsivo epileptiforme phenomenos delirantes e hallucina- ções variadas ; no alcoolismo, reproduzido nos animaes, accen- tuam-se também as variedades symptomaticas, conhecidas no homem, desde o nervosismo, as hallucinações, a estupidez, até o delirium tremens do bêbado de profissão e a degradação physiolo- gica, e mesmo a morte accidental que esta miséria do organismo tantas vezes provoca e prepara. « Este parallelo entre o alcoolismo franco e o absinthismo servirá á hygiene publica e á medicina legal, tanto quanto á clinica, diz Dieulafov, e isto pela demonstração de que não é indifferente a composição de um licor forte, fazendo antever-se a razão por que os absinthicos parecem procrear mais epilépticos do que os alcoolicos puros, provando que o abuso do absintho é mais perigoso que o do álcool, mostrando que a degradação intellectual parece maior e mais rapida, que as hallucinações, emfim, são mais communs nos bebedo- res de absintho do que nos de álcool ou vinho. » As analyses anatomo-pathologicas feitas pelos experimenta- dores nos animaes alcoolicos não são menos instructivas para a pra- tica e assentam no verdadeiro terreno de legitimo congraçamento as opiniões por muito tempo divergentes dos pathologistas, sobre a pathogenia da pachymeningite, tão commum aos paralyticos geraes e aos alcoolicos. Referindo-nos ás graves desordens provocadas pela suppressão da sanguinificaçâo em diversas partes do organismo, principalmente ás anemias locaes do encephalo e da medulla, lembramos as instru- ctivas experiencias das obstrucções bruscas dos vasos encepbalicos e medullares ; mas então deixamos passar sem reparo um notável resultado a que chegaram os experimentadores, isto é, a producção da necrose ou amollecimento do cerebro e da medulla nas regiões ische- miadas desses centros nervosos. Outr’ora, amollecimento que não fosse inflammatorio não se concebia. Esta falsa ideia, que fazia do amollecimento um syno- nymo de encephalite, começou de ser batida por Wircbow com os progressos da histo-patliologia ; mas foi a experimentação physio- logica que lhe deu o golpe de graça, quando, pela producção artificial das embolias arteriaes e capillares do cerebro e da medulla, logrou surprehender a lesão com todas as suas phases no mesmo momento em que se ião ellas installando. As nuanças de colorido, constituindo o amollecimento branco e o hemorrhagico de que é susceptivel a polpa encephalo-medullar, obtiveram logo a explicação unica possivel. A necrobiose ischemica da polpa nevrosa torna-se mais ou menos vermelha ou hemorrhagica pelo seguinte mecanismo: obliteradas as artérias cessa o vis à tergo nos capillares do território emboliado, e a pressão intra-venosa que se estabelece, provocando o retrocesso do fluxo sanguineo nestas venu- las e capillares, acarreta uma ruptura vascular ou transudações plasmaticas coloridas pela hematina dos globulos. A necrobiose ischemica cerebral, por embolias ou thromboses, é uma affecção bem conhecida na clinica humana. Outro tanto se não póde dizer do amollecimento medullar, a cujo respeito os dados interessantes que se possuem são todos da pathologia experimental. Comtudo, na pratica, em casos de affecções cardíacas ou de altera- ções atheromatosas, alguns factos ha, como o de Tuchwell e os dous de Leyden, de obliterações e amollecimento no centro medullar, perfeitamente observados. A’experimentação directa sobre animaes deve a pathologia cerebral também a descripção do processo intimo da encephalile aguda. Por meio de injecções intra-cerebraes de bromureto de potassium, iodadas ou cantharidianas, pôde Hayem estudar diversas especies de neoplasias inflammatorias, gerando-se segundo a intensidade e energia da substancia injectada ; donde as principaes divisões e fôr- mas anatómicas da encephalite, algumas das quaes têm ainda por fazer a sua historia pathologica e clinica. Um precioso meio com que a experimentação physiologica brindou a pratica para guial-a no juizo diagnostico das affecções nervosas, foi sem duvida alguma o emprego das explorações elec- tricas. Com a electricidade de inducção ou correntes faradtcas e com a electricidade da pilha ou correntes galvanicas produzem-se nos ner- vos e centros nervosos àcções que se manifestam por sensações e movimentos ou contracções musculares. Estas duas especies de elec- tricidades não se traduzem por phenomenos da mesma intensidade : as correntes faradicas actuam mais bruscas e energicas tanto sobre os nervos como sobre os musculos. As correntes galvanicas, appli- cadas aos nervos, operam diversamente, conforme as funcçOes dos nervos e segundo a collocação dos pólos da pilha : si dirige-se sobre um nervo-motor a corrente directa ou descendente, traduz-se ella com violência maior que a outra : nos nervos mixtos e sensitivos é o contrario observado. Em geral, segundo Onimus e Legros, quando dirigem-se sobre a medulla as correntes da pilha exagera-se a ex- citabilidade espinhal, si o pólo positivo é applicado na parte infe- rior » o negativo na parte superior do eixo medullar, isto é, si a corrente fôr ascendente, dando-se exactamente o opposto, si os pólos forem invertidos, isto é, si a corrente fôr descendente. Póde-se suppor á prion que qualquer perturbação dos nervos periphericos, ou do apparelho bulbo-espinal retumbe sobre os phe- nomenos electricos e denuncie-se por alterações ou suspensões da sensibilidade electro-cutanea e da contractilidade electro-muscular. E’ o que a physiologia e a observação clinica estão à posteriori de- monstrando todos os dias. Quando se der o caso de, sob a forte influencia da corrente de inducção, faltar a sensibilidade electro-cutanea, indicará este phe- nomeno a existência de uma profunda lesão nos nervos periphericos; ao contrario a hyperesthesia muscular sob a mesma acção faradica, produzindo-se em um membro paralysado por traumatismo peri- pherico, será acolhido como signal lisongeiro de prognostico favo- rável. A apreciação dos effeitos da contractilidade electro-muscular, quer no estado normal, quer no pathologico, levou os exploradores a considerarem a propriedade contractil sob dous aspectos—a gal- vano-muscular e a farado-muscular, conforme a natureza especial das duas correntes electricas empregadas. Sendo a corrente de inducção mais energica do que a continua, quando a observação in- dica diminuição da contractilidade sob sua influencia, é este facto de maxima importância, cabendo valor a corrente continua, antes pela exacerbação do poder contractil que ella promove, do que pelo inverso, principalmente, quando applicado directámente sobre os musculos. Vê-se, pois, que só da analyse comparativa de uma dupla exploração diversa é que resultarão bem fundamentadas noçOes. E’ aos estudos de Duchenne sobre a applicação da electricidade faradica e aos de Remak sob a da corrente galvanica que devemos todos os preciosos conhecimentos práticos que possuimos. Outros experimentadores proseguiram nestes estudos e entre elles notavelmente Onimus e Legros em França. Das analyses comparativas sob as duas influencias electricas nos nervos dedu- zem-se, como fez ver Onimus, varias indicações precisas, que se podem reduzir a alguns grupos principaes. Assim, si as influencias das duas electricidades, isoladamente, não logram despertar, quer a contractilidade faradica, quer a galvanica, é que lavrou pelo sys- tema nervosa completo processo destruidor : toda vez que houver uma degenerescencia rapida dos tubos nervosos e já se fôr estabe- lecendo a alteração steatosica dos musculos, não se dispertará a contractilidade pela corrente de inducção, dando-se apenas levís- sima contracção pela corrente continua que neste caso perder-se-lia mais tarde que a primeira : sempre que a contractilidade galvano- muscular persistir ou augmentar-se. apezar da abolição ou quasi total diminuição do poder contractil sob a acção da electricidade faradica, tratar-se-ha positivamente de uma paralysia peripherica, por lesões constantes dos filetes intra-musculares dos nervos motores sem alteração grave dos musculos : quando houver paralysias, mas conservarem-se intactas ou illesas as duas contractilidades, fara- dica e galvanica, é que nem os conductores periphericos, nem a zona medullar que os transmitte, soífrem em sua integridade, achando-se a causa da perturbação motora em origem central ce- rebral. A exploração electro-muscular nos casos de affecções espi- nhaes dá, como nas moléstias dos nervos periphericos, resultados diversos e de inestimável preço. Póde-se affirmar que, sempre que a contractilidade se houver perdido de todo, este symptoma estará localisando a lesão nas cellulas motoras. Já tivemos occasião de mencionar a differença que ostenta a contractilidade electro-muscu- lar 11a paralysia espinhal da infancia e na atrophia muscular pro- gressiva, e só diremos agora que a analyse semeiotica, pelas corren- tes electricas, permitte ainda nas moléstias da medulla precisar-se o mais possível a extensão da lesão, e mesmo o seu typo progressivo, si, como observou Onimus, a corrente contínua fraca chega a pro- duzir a erupção de pequenas vesículas em relação com o pólo nega- tivo. Como remate a estas noções, que nos dão a applicação da elec- tricidade ao exame dos phenomenos biologicos, lembraremos que o agente electrico em geral suppriíne a actividade espasmódica dos intestinos, do utero, emfim, de todos os musculos da vida animal. Para terminar esta exposição dos esforços da physiologia ex- perimental, no dominio morbido do systema nervoso, recordaremos que, si nem sempre em animaes, pela difiiculdade de obter nítidos os phenomenos das perturbações da motilidade, da sensibilidade e sobretudo das alterações do instincto e intellectivas, são claras e precisas as noções adquiridas, todavia, a dissociação funccional dis- tribuída pela analyse physiologica, em oppondo a actividade volun- tária consciente do cerebro á actividade involuntária inconsciente do apparelho espinhal, fornece á clinica elementos positivos de uma justa apreciação pratica. Á analyse physiologdca dos symptomas cerebro-espinhaes (depressivos e excitativos) deve-se ainda uma preciosa noção, a que mostra que as exacerbações da excitabilidade nervosa podem provir de modos antagónicos da evolução circulatória e não servem de cri- terium pratico ás determinações therapeuticas scientificamente obri- gadas a partir sempre das condições particulares do organismo enfermo. QUARTA PARTE CAPITULO UNICO Conclusão Summamo.—Influencia dos progressos da physiologia sobre a therapeutica.—Força me- dicatriz e sua interpretação positiva.—Espectação aetiva.—Não são como agentes específicos ou mysteriosos, nem como neutralisantes chimicos, que actuam os me- dicamentos. —Medicamentos preciosos empiricamente descobertos, mantidos e do- sados na pratica pela observação clinica.—Iniciativa experimental de Bichat e Rernard.— Notas phvsiologicas sobre algumas substancias e sobre os anesthesieos. — A acção physiologica é a própria acção physico-chimica, provocada na matéria organisada viva.—Além de geral a acção physiologica partieularisa-se sobre um elemento isolado.—Si a physiologia não regula ainda os usos clínicos, pelo conhe- cimento das vias absorventes e duração da eliminação dos medicamentos, fornece preciosos dados á pratica.—Experiências de Bernard e Rabuteau sobre os opiáceos. —Apomorphina como novo emetico.—Chloral.—Estudos sobre a digitalis.—Vera- trina.—Alcaloides das solanaceas virosas— Belladona ou atropina.—Eserina e pilo- carpina.—Medicamentos mineraes recentes : bromurelo de potassium.— Associações empíricas de remedios e associações experimentaes.—Eleclrotherapia.— Medicina das energias— Lei therapeutica atómica ou thermica de Rabuteau.—Conclusões ge- raes e fim. Até aqui havemos apreciado como a physiologia experimental nos está fornecendo interessantíssimos dados para surprehender as condições geneticas da moléstia, e, explicando a evolução dos actos morbidos, conforme as próprias leis geraes do organismo, dirige-nos na judiciosa intuição das indicações que reclamam para o restabale- cimento do equilibrio funccional desfeito as molleculas ou elementos amorphos e figurados da matéria organisada, perturbada em seu arranjo hygido ou constituição normal. E’ tempo, pois, de darmos por terminado este trabalho, apresentando em duas ou tres palavras mais a conclusão ultima das considerações a que fomos levados no decurso inteiro desta synthese critico-historica. Todavia como, quanto ao valor real dos progressos experimentaes sobre o particularíssimo conhecimento de nossos meios de acção therapeutica, parece de pé ainda um scepticismo mais ou menos legalisado 11a pratica, é antes preciso vêr de mais perto até onde vai, e não confundil-o, para a justificação que cabe, no estado de nossos conhecimentos, a certas reservas de uma sensata prudência. Pelo que havemos colhido na historia da biologia, no exame dos serviços da experimentação physiologica applicada á clinica, certamente que não resta mais do que averbar de absurda a concepção de Trousseau da impossibilidade de constituir-se scientificamente o conjuncto dos methodos curativos. A existência de uma therapeutica racional tem-se-nos demonstrado sempre real e não illusoria. E’ uma verdade experimentalmente verificada, que todos os elementos, que todas as partes liquidas ou solidas do corpo mani- festam uma actividade regeneradora incessante; os antigos a pre- sentiram, exprimiam-na attribuindo a uma força sobrenatural ou estranha, á força medicatriz. A physiologia reconheceu o valor enorme da noção positiva deste facto para a therapeutica. Comtudo, si ella aconselha á pratica a expectação, não a limita á passividade systema- tica, immerita e nociva: a espectação recommendada ao clinico é essa attitude de vigilância activa, prompta a intervir desde que o estado physiologica que regenera os orgãos vai desfallecendo no combate que dá ás causas perturbadoras externas ou mesmo intimas. São os medicamentos os agentes sob cuja influencia secundar- se-hão os esforços biologicos, e o pratico modificará, accelerando ou retardando, a marcha das moléstias ou perturbações vitaes. Perante as mais simples noções de physiologia não ha logar para a hypothese de que as substancias medicamentosas dirijam-se no interior do organismo ao agente morbifico; o arsénico, por exem- plo, ao vicio tuberculoso, o mercúrio ao syphilitico, etc., da mesma sorte que não ha ingresso para a concepção de que o remedio neutra- lisa a moléstia, como as bases neutralisam os ácidos. Sem duvida que a physiologia tirou a limpo que a moléstia não é nenhuma especie de individualidade contra a qual se não possa abrir luta senão armado de um instrumento especial, remedio especifico, ou de mysteriosa acçao, que vale o mesmo. O methodo experimental está a provar quotidianamente que na unica região scientifica —a da relatividade—os cendaes do mysterio nao resistem nunca ao esforços audaciosos da penetração do saber, e rasgam-se, deixando patente em toda nudez paga a verdade pura, no fundo luminoso de que a des- tacam os reverbéros da intelligencia humana. Certo, que hoje a preoccupaçao da especificidade como se a enten- dia outr’ora nenhuma ideia aproveitável nos poderá trazer. Clara- mente se está notando que o verdadeiro progresso para a therapeutica começou no momento em que foram desapparecendo para sempre os systemas especulativos que lhe serviam de frágil pedestal, e a premiam no estreito circulo das deducções exclusivas e arbitrarias. Longe, portanto, de resultar o desanimo de ta] catastrophe, esse desapparecimento, operado pela onda crescente do saber biologico, deixou-nos dilatados terrenos para edificações novas da arte de curar, cujos alicerces sao constituidos pelos materiaes de todos os conheci- mentos positivos, sem excepçáo das noções exactas extrahidas das variadas condições particulares do indivíduo enfermo. Grande foi o numero dos medicamentos introduzidos na thera- peutica sob ideias theoricas, muitas vezes extravagantes, como as baseadas sobre a fôrma dos vegetaes, o colorido das flores, emfim, sobre as qualidades physicas das substancias. Destes, muitos tiveram o merecido olvido, guardam outros ainda duvidoso conceito, e só um pequeno numero logrou ver verificarem-se pelos práticos suas tradi- ções empíricas, generalisar-se, regularisar-se sua administração e ter legitima permanência nos usos médicos, embora não lhes expli- casse e classificasse os effeitos nenhuma ideia scientifica ou experi- mental. Foi assim que o mercúrio e o iodo foram considerados precio- sos meios contra a syphilis, a ipecacuanha contra a dysenteria, a quina contra a febre intermittente e alguns effeitos dos antimoniaes e do opio poderam ser acatados pelos clínicos. Com o desenvolvimento das manipulações da chimica mineral adquirio a arfe os saes de mag- nesia, os de bismutho e outras preparações novas, sem que todavia nenhuma justificação achassem para seus usos fóra da que lhes po- deria dar o empirismo razoavel. Só á experimentação physiologica ficou reservado dizer como actuam os medicamentos para um resul- tado .therapeutico. Bichat que, determinando propriedades vitaes inherentes aos tecidos, reformou a anatomia e a physiologia, foi natural mente tam- bém o primeiro que concebeu a grandiosa ideia de investigara acção medicamentosa ou toxica, não sobre as moléstias que são phenomenos complexos, mas sobre as funcções mais simples, sobre as proprieda- des dos tecidos. Deteve-o a morte em tão curta e gloriosa carreira, não lhe pemittindo mais do que indicar a direcção positiva do pro- blema therapeutico. Também não era esta ainda a occasião propicia, pois só cincoenta annos mais tarde, perante a histologia a destacar os elementos dos tecidos e dos humores, e a chimica a extrahir os princípios aotivos cristallísados dos medicamentos, coube ao fecundo espirito do immortal Bernard a definitiva solução do problema de Bichat, a Lúcida c magna comprehensão de seu programina biologico. Máo grado as contestações metaphysicas de práticos como Trousseau, Cl. Bernard, firme em suas ideias que só as experiencias nos animaes permittem fazer convenientemente as analyses physiologicas qve esclarecerão e explicarão os effeitos medicamentoso« observados no homem, mostrou o oxydo de carbono a aniquilar as hematicas; a strychnina a actuar sobre as cellulas motoras da medulla; o curare sobre as placas nervosas terminaes; a nicotina a produzir por intermédio da excitação do sympathico a contractilidade das fibras lisas; o ether, o chlorofor- mio, os anesthesicos todos a estabelecerem por acções successivas ca- tegorias entre os nervos sensitivos abolindo « os nervos dos sentidos especiaes, depois os das sensações externas, menos claramente localisadas [tacto, dor), depois os dos actos reflexos inconsc:ente, depois, em fim, os-dos acios reflexos complelamenle automáticos, sem cuja funcção não poderá a vida permanecer (respiração, circulação). » Assim procedendo, o grande ex- perimentador deixou irrevogável o direito em que estava a sciencia para passar da contemplação dos resultados complexos das substan- cias á analyse das acções que ellas exercem não só sobre os orgãos e tecidos, como sobre os elementos e os humores. As acções medicamentosas não manifestam outra cousa mais do que propriedãdes physico-chimicas, mas propriedades pbysico- chimicas provocadas na matéria organisada viva e por isso chamadas physiologicas. Tara que a acção physiologica se produza é preciso que o medicamento penetre por absorpção no meio interior, e com o plasma sanguíneo transude dos vasos para imbeber os tecidos e pôr-se em contacto com o elemento preferido, até que delle o eli- minem as secreções organicas, particularmente a excreção renal. D’aqui se vê que, além de um eífeito geral, o medicamento possue uma acção isolada. Portanto, desde que se saiba sobre que elemento particular opera a substancia, e que genero de modificações lhe carreia ella, poder-se-ha dizer bem conhecida a acção physiologica. Em verdade, apezar de multiplicados estudos sobre meios de reconhecido valor pratico, não se lhes conhece ainda senão a acção geral, sendo a propriedade elementar duvidosa ou completamente ignorada. Eis porque, si a experimentação justifica o emprego do qui- nino como anti-pyrectico por seu eífeito sobre a circulação, é impo- tente airida para explicar positivamente a acção curativa desta substancia nas infecções palustres ; eis porque, si o sabermos que os mercuriaes são moderadores da nutrição, abaixam a temperatura e em pequenas dóses augmentam as hematias e destroem os leuco- cytos faz-nos comprehender os seus effeitos nas phlegmasias, esta acção geral ante-plastica não nos esclarece sobre o favorecer o mer- curio a reabsorpçâo dos productos syphiliticos de preferencia a quaesquer outras neoformações. Comtudo a experimentação nos ensina já o sufflciente para conhecer que a salivação mercurial é um accidente a evitar, e não merece a importância que lhe attribuiam os práticos, suppondo-a vehiculo expulsador da rnateria morbifica ; do mesmo modo que, advertindo da intensidade da eliminação mer- curial pela secreção lactea, fundamenta a pratica de administrar-se o mercúrio ás amas de leite nos casos de svphilis infantil. Fôra-nos permittido proseguir em analogas considerações a respeito dos effeitos igualmente diffusos de outras substancias cuja acção curativa é conhecida, e incompleta a explicação physiologica ; porém basta-nos dizer que, si os conhecimentos experimentaes im- perfeitos que sobre ellas ainda hoje possuimos não estabelecem-lhes a regra dos usos clínicos, os modos deste emprego e melhores meios de administração devem á physiologia indicações valiosas, presump- cões verificáveis e uteis extrahidas das analyses comparativas das vias absorventes e do tempo dispendido 11a duração da eliminação. Logo que a chimica conseguio determinai* no sueco extrema- mente composto do papaver somniferum bases bem definidas, e não deixar duvidas sobre ser essa droga constituida por uma confusa mistura, Cl. Bernard demonstrou também como a experimentação physiologica obtinha isolar as propriedades distinctas de tão diver- sos principios, e assegurar ao pratico o manejo dos opiáceos sem os tacteamentos perigosos da velha therapeutica. Em mais de duzen- tas experiencias verificou o celebre physiologista a influencia com- parativa dos alcaloides do opium. As indagações foram encami- nhadas sobre seis principios : a morphina, narceina, codeína, narcotina, papaverina, e thebaina. Bernard não só demarcou-lhes a differença de effeitos, como categorisou e medio-lhes o gráo de intensidade. Rabuteau reproduzio estas analyses em cento e cincoenta experiencias, não só nos animaes como no homem, nos hospitaes da Caridade e Piedade, observando uma modificação para as conclusões do professor do Collegio de França, porquanto a actividade dos alca- loides opiáceos não se revela em relação ao homem precisamente no mesmo gráo que nos animaes. Dos seis mencionados principios activos Bernard vio que só tres gozavam de acção hypnotica ou soporifica, e os grupou na se- guinte ordem : narceina, morphina e codeína ; os outros só têm effeitos convulsionantes e toxicos. Como convulsionantes actuam a thebaina, a papaverina, narcotina, codeína e morphina ; como toxi- cos a thebaina, a codeína, a papaverina a narceina, a morphina e a narcotina. No homem é a morphina que deve occupar o primeiro logar, nas classificações como soporifero e como toxico. Estudando Rabuteau a acção analgésica ou resolutiva dos opiáceos, indicou a morphina como o mais energico dos citados alcaloides. Pelo exame da influencia dessas substancias sobre os intestinos reconheceu o mesmo experimentador que a morphina era também o mais impor- tante no effeito anexosmatico, não impedindo os demais as cc. rentes exosmoticas dos intestinos. Não obstante a primazia da morphina como hypnotico e anal- gésico, a narceina, que no grupamento de Bernard occupa a princi- pal classe, parece dever de ser a preferida nos usos therapeuticos, não como mais activa, mas como de sufficiente effeito para, na dóse de 0&r*25, produzir o almejado somno, sem motivar o enfado e a fadiga que sóe acarretar o despertar do hypnotismo morphinico. Observando a acção do acido chlorydrico sobre a morpbina, os chimicos obtiveram uma substancia que, decomposta pelo carbonato de soda, dá um producto que não differe da morphina, senão por uma molécula d’agua de mais. Os experimentadores descobriram- lhe propriedades emeticas analogas e superiores á da emetina. Por injecção hypodermica na dóse de 0sr-006 a 0er-01, e por via gastrica na dóse de 0sr-01 a 0sr-02, os vomitos são infalliveis. Em muitas in- toxicações a apomorphina substituirá com vantagem o tartaro e a ipéca. Além do cliloroformio e do ether, introduzidos na pratica pela experimentação physiologica, e sobre cujas analyses se tem baseado a sua applicação medica e cirúrgica, com auxilio da chimica os ex- perimentadores possuem actualmente mais um importante anes- tliesico que differe do álcool por cinco átomos de hydrogeno de menos e a introducçâo nova na molécula de tres átomos de chloro. Pela noção de que o chloral na presença dos alcalis desdobra-se em cliloroformio e acido formico, Liebriech aventou a hypothese de que no labotatorio orgânico os ale? lis do sangue provocavam esta mesma metamorphose. A experimentação physiologica confirmou a hypo- these : o chloral desdobra-se no sangue sob a influencia do bicarbo- nato de soda em chloroformio e formiato de soda, formiato que em seguida metamorphosea-se em bicarbonato da mesma base. A voga do chloral desde i.868 para cá é justificada todos os dias ; o somno chloralico tem sobre o dos outros anesthesicos a vantagem de ser calmo e poder-se prolongar á vontade. O chloral tem ainda uma acção importante, a de diminuir a energia excito-motora da medulla. Nas mãos do medico o chloral presta mais brilhantes serviços que o chloroformio nas do cirurgião, porquanto ás propriedades sedativas do chloroformio ajunta mais a aldehyde trichlorada as propriedades hypnoticas dos opiáceos. Os estudos sobre a digitalis são outro notável exemplo dos serviços pelos experimentadores prestados á therapeutica. A historia physiologica da digitalis não está de todo expurgada de pontos controversos, mas pelos trabalhos de Traube e de Hictz consideram-se já como factos certos que nas condições normaes e em fracas dóses a digitalis eleva a tensão arterial; diminue o numero dos batimentos cardíacos; excita a contractilidade dos musculos lisos, e abaixa a temperatura e a taxa da uréa, Destes effeitos physiologi- cos se ha deduzido usos tberapeu ticos que a clinica tem rectiflcado e regulado. Foi como diurética e hydragoga que a digitalis fez entrada empirica na pratica medica. Esta acção, defendida por uns e con- testada por outros, defendida pelos que viam os derramamentos hydropieos desapparecerem á diurése abundante provocada pela digitalis nas hydropisias cardíacas, e contestada pelos que não só não viam ceder-lhes as liydropisia-s brighticas, como até apontavam-lhe nocivos resultados, foi pelo professor Hirtz experimental e claramente distincta: «A digitalis não actua sobre o rin, e só é diurética em certos casos pathologicos, em que a circulação geral se acha embara- çada. Regularisando o curso do sangue nos differentes orgãos, e em particular no rin, mantêm ella o regular funccionainento deste orgão, e por consequência um augmento de secreção; emquanto no estado physiologico e nas moléstias em que a circulação não entra em jogo perde a digitalis toda propridade diurética ». Os progressos da chi- mica trouxeram para os estudos desta substancia um aperfei- çoamento physiologico : em logar da matéria amorpha conhecida por digitalina de Homolle e Quevenne, cuja energia variavel explica as opiniões divergentes, dispõe-se já de um principio dez vezes mais activo e verdadeiramente puro no alcaloide cristallino deNativelle. Uma substancia igualmente pura e energica em seus eífeitos paralyso-musculares é a veratrina, alcaloide extrahido das plantas da familia das colchicacies ou melanthaceas. Outros princípios activissimos, como a cristallisação por condi- ção de pureza, têm sido objecto de novas e interessantes indagações: taes são os alcaloides dos princípios medicamentosos do grupo phar- macologico das solanaceas virosas, como a atropina, a daturina, a hyos- ciamina e a nicotina. A belladona, como todos os remedios antigos empregados em- pirica e arbitrariamente, goza hoje de applicações positivas e sérias como modificadorayla innervação e da myotilidade. Póde-se recorrer a atropa-bcdladona em fraca dóse para excitar as fibras lisas do intes- tino e empregal-a em altas dóses para diminuir a sensibilidade, ou fazer relaxarem-se todas as fibras musculares : topicamente os dous últimos eífeitos são obtidos com pequenas dóses do medicamento. E’ porém á acção mysteriosa que a atropina deve os seus usos quoti- dianos na oculistica. Como modificadores da innervação, atresiadores pupillares e 223 antagonistas da atropina possue a pratica contemporânea a eserina ou principio activo cristallisado da fava de Calabar, e por investi- gações mais recentes a pilocarpina, alcaloide do vegetal brasileiro pUocarpus pinalus ou jaborandy. As acquisições novas para a therapeutica não consistem só em medicamentos provindos directa ou indirectamente de substan- cias vegetaes ou animaes. É certo que entre os de procedência mineral bem poucos são de data recente, mas nesta classe alguns ha, como os bromuretos alcalinos, cujo emprego é moderníssimo. 0 bro- rnureto de potassium é das preparações bromuradas a que mais attenções deve aos physiologistas experimentadores. Olha-se a acçao deste importante medicamento como diffusa por todo systema nevro- muscular. Elle actua como bromureto sobre o encephalo e a medulla, por suas propriedades sedativas, synergicas as dos anesthesicos, e nesta qualidade e mais ainda como sal de potassium sobre o musculo cardíaco produzindo em dóses toxicas a paralysia de toda contracti- lidade muscular. Sob os auspícios da experimentação physiologica tem sido o bromureto de potassium empregado nas diversas nevroses, mas é sobretudo contra a epilepsia que todos os práticos exaltam e observam os seus admiráveis effeitos hyposthenisantes : o bromureto de potas- sium é o único medicamento que no dizer de Legrand-Du-Saule « suspende a epilepsia, e desarma o epiléptico. » A acção synergica do bromureto, dos opiáceos, dochloroformio, do ether, e do eliloral sobre o systema nervoso estabelece um facto de grande alcance pratico, e que consiste em saber-se que a admi- nistração simultânea ou a curtos intervallos de pequenas dóses de cada uma dessas substancias, nunca deixa de dar o resultado que se deseja, e a que muitas vezes se nega cada um dos mesmos medica- mentos isolados. « Outr’ora, diz Rabuteau, faziam-se com os remedios associa- ções as mais numerosas e extravagantes, como se as podem ver na composição da theriaca ou do diascordium. Muitas vezes eram van- tajosas taes associações ; mas hoje desprezam-se ou não archivam-se nos livros senão aquellas cujo valor real resulta de uma experimen- tação clinica e physiologica bem feita. Assim citamos a associação do chloroformio ou do bromoformio ou do chloral com os opiáceos, para reforçar os effeitos analgésicos destes últimos. De seu lado Brown-Sequard observou que a associação da belladona com o estramonio,o meimendro, a papoula, a cicuta, o aco- nito e o canamo das índias, não só augmenta a salutar influencia destes remedios, como parece também diminuir algum de seus máos effeitos. Elle obteve maiores vantagens contra a nevralgia ou contra outras dores, da combinação dos extractos de cada uma destas plan- tas, do que de uma qualquer d’entre ellas empregada só, ou da associação de duas ou tres sómente. » Nós já vimos como a electricidade era indicada á pratica, ex- cellente recurso de exploração diagnostica nas moléstias de systema nervoso; pois destas noções extrahe a physiologia o emprego das correntes electricas como meio tlierapeutico. Os processos electrotberapicos não se podiam constituir com a solidez e certeza que possuem, sem o rigoroso conhecimento das leis electro-physiologicas. O empirismo mesmo o mais audaz encontra aqui uma barreira, pois só no saber physiologico está a garantia das successos 11a diffl- cil manobra desta nova arma. E’ no tratamento das paralysias que a electricidade ostenta todo seu valor curativo : as funcções dos nervos restabelecem-se pelo tratamento electrico sempre que os con- ductores nervosos não soffrem nenhum processo destruidor. Entre- tanto, havendo frequentes vezes, a par da paralysia, uma atrophia muscular, as duas correntes galvanicas e faradicas serão ambas em- pregadas ao mesmo tempo sobre os nervos e sobre os musculos, porque, quando não responda mais á corrente voltaica a contracti- lidaae muscular, não se recusa á excitação da corrente de Faraday. Si a electricidade actua therapeuticamente como um excitante enér- gico pelos apparelhos de inducçâo, ou eleclro-magneiicos e magneto- electricos, ella opera também como um calmante, um sedativo pelas correntes continuas ou das pilhas. Tem-se aconselhado a electrotherapia ás aífecções que denun- ciam uma superactividade medullar. Havendo-se em consideração a influencia das correntes da pilha e 0 seu poder electrolytico sobre a contractilidade dos vasos e composição dos humores, vê-se que é dado á electrotherapia prestar reaes serviços em estados congestivos locaes, nos engorgitamentos ganglionares e glandulares. Sem podermos entrar aqui em todas as indicações que se têm feito da electricidade, devemos dizer comtudo que este meio thera- peutico está destinado a grandes futuros e se acha ainda hoje longe de fazer valer os reaes serviços que se está no direito de esperar delle. Os conhecimentos da physica applicados pela physiologia á arte de curar vão já constituindo ao lado da therapeutica pharmaco- logica outra, tanto, senão, mais preciosa—a medicina das energias— no dizer dePapillon. Ainda que menos extensas e mais rudimentarias a par da electrotherapia as applicações do calor e do frio que constituem a thermotherapia, as applicações da pressão atmospherica ou da gravi- dade, e as dos effeitos da luz estão já formando a barotherapia e a phototherapia. Uma lei fecunda para a arte de curar ultimamente descoberta e formulada é a que marca a relação existente entre a natureza chi- mica do corpo, e o gráo de seu poder toxico e medicamentoso, lei devida ás investigações experimentaes de Kabuteau e a que elle de- nomina de atómica ou (hermica. Notando que a actividade dos saes metallicos é tanto mais energica, quanto mais elevado é o peso ato- mico do metal contido no sal, o infatigável experimentador obteve a lei. Ora, sabendo-se pelo principio verificado de Dulong e Petit —que os pesos atomicos dos corpos simples são em razão inversa de seus calores especifícos—a lei de Rabuteau enuncia-se também di- zendo-se que os metaes são tanto mais aclivos, quanto mais fracos seus ca- lores específicos.— Com excepçâo dos congeneres do chloro, ou monoa- tomicos, a lei estende-se a todos os metalloides. Além de um interesse scientifico ou theorico este descobri- mento impõe-se por estimado valor pratico. Em virtude desta lei a taboa dos pesos atomicos constitue uma pozologia rigorosa para o clinico eo deixa previamente seguro da intensidade relativa de todas as drogas mineraes. Perante factos desta ordem, e os variados progressos que ha- vemos mostrado, não se deverá, no estado actual da sciencia, re- correr ás lacunas que lhe pesam, para contestar os adiantamentos á que a impellem quotidianamente as pesquizas pbysiologicas com auxilio do methodo experimental. Como em pathologia, na therapeutica, dissemos já, muita cousa nos escapa e de outras só estribamo-nos em hypotheses posi- tivas, ainda por verificar, mas no meio destes testemunhos de im- perfeição é preciso reconhecer vasto numero de problemas biologicos completamente resolvidos, e de cujas soluçOes a pratica medica apro- veita dia para dia. Do desenvolvimento adquirido pela medicina scientifica, do que damos pallidos reflexos neste trabalho, julgamos-nos autorisado a considerar a pathologia como um simples corollario da physiologia e a therapeutica também delia deducçáo perenne. O empirismo mesmo o mais digno e razoavel será sempre transitório. FIM ÍNDICE bibliographico Aug. Conte. Philosonhie positive, 1822. Audralet Gavarret. Recti. sur les modif. de prop. de quelques príncipes du sang 1840. Andhui. De 1’iníl. des étud-histolog. sur laconnaiss. de rnalad. du syst. nerveux. These de concours, 1875. Andrat. Documents pour servir à 1’hist. de la glvcosurie. Acad. des sc., 1875. 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Linha Erros Emendas 40 21 resta cessa 44 30 Hoje a physiologia, como a chi- mica e o mieroscopio, apro- fundam Hoje a physiologia com a chi mica è o mieroscopio aprofunda 48 4 sulphato de pepsina sulphato de sepsína 50 2 meio racional vicio radical 53 7 podia pode 59 19 cansas normaes causas maraes 70 10 origem, origem; 74 8 pura, fria, 79 15 e não senão 80 13 o diagnostico a etiologia 85 31 precedentes procedentes i 12 20 musculares vasculares 135 20 as modificações Circulatórias que parecem secundarias aos vasos para dar-lhes os maté- rias necessários á sua intus- cepção, etc. as modificações circula- tórias que parecem primi- tivas não são senão secun- darias; é pelo appello que as cellulas mandam aos vasos para dar-lhes os materiaes necessários á sua intusns- cepção, etc. 138 36 para proseguirem para proseguir 150 26 Ainda que Ainda aqui 160 23 não conhecem tregoas á genese tliermica não ponhece tregoas a gene- se tliermica 108 7 de Valler de AValler 170 32 não mais executam não mais escutam INFLUENCIA DAS physiologicas SOBRE 0 PROGRESSO DA MEDICINA'PRATICA PELO IDE. «T. E. TEIXEIKA IDE SOUZA RIO DE JANEIRO TYPOGKAPHIA ACADÉMICA 73 RUA SETE DE SETEMBRO 73 1879