wz 310 I32p 1837 ''i-%\ :IMBEKT 'wí%'' :-) / NATIONAL LIBRARY OF MEDICINE Bethesda, Maryland fíry f*tff &~t /** /✓> *& *êt.- UMA PALAVRA SOBRE O CHARLATANISMO POR 3. #. si. %mmm, DOUTOR EM MEDICINA D\ FACULDADE DE MONTPELLIER . CONFIRMADO PELA DO RIO DE JANEIRO ; MEMBRO HONORÁRIO DA SOCIEDADE REAL DE MEDICINA DE MARSELHA , E EEFECTIVO DVS SOCIEDADES LITERÁRIA E AUXILIADORA DA INDUSTRIA RACIONAL DO RIO DE JANEIRO, CtC. RIO DE JANEIRO 9 ■JTYP. DE J. S. SAINT-AMANT E L. A. BÜRGAIN, rua d'alfandega, n. J 31, Í837, / > 0UMA PALAVRA SOBRB 0 CHARLATANISMO £ OS CHARLATÕES Mü.NSIEUR LE PHÍSIDEXT DE l'í\(;ADÉM1E l.UMÍItlALE DE MÉDECEVE DE IUO DE JANEIRO, Monsieur le Prcsidcnf, Lors de Ia création de racndémie impérinle de médecine de Rio de Janeiro, j'aceeptai le titre de membre titulaire. qnl me fut concede sans qu'il y ait eu, de ma part, demande ou sollicitalion. Dé- sirant correspondre de raon mieux à celte faveur, bien sentie, j'appliquai mon zele ei mon assidnilé à suivre les travaux de cette naissanie Corpora- tion savante. Mais aujourd'hui, m.il^ré le regrei vif et sincère que jen éprouve, je me vois contrnint, pour sati>iaire àee qu'exin;e mon amour-propre, de retioncer à 1'honneur et aux avantajies qui peuvent être ítttachés à celte dislincliori flatleuse. ei fe vien.s, en conséquence. vous prier de laire agréer }íia déiuissiou à qui de droit. UA3I> SENHOR PRESIDENTE DA ACADEMIA IMPERIAL Dl JiEDE<:i:VA DO RIO DE JANEIRO. i7/.m* Senhor Presidente, Ao crear-se a academia imperial de medicina do Rio de Janeiro, aceitei o titulo de nr-m uo titu- lar que me foi concedido, sem que houvesse da minha parte pedido ou sollicitaçao Desejando corresponder o melhor possível a esta bem aprecia- da honra, -ppliqueio meu zeloe minha assiduidade a seguir os trabalhos desta nascente corpora- ção «cientifica. Hoje porém , não obstante o pezar vivo e sincero que experimento, vejo-me constrangido a renunciar, por amor próprio, ás vantagens que polcm resultar desta distincçàQ lwmgeira ; e venho, em conseqüência dNto. ro- ga r-vo< que façais aceilai ininiia demissão a tinem «ouipetir. — VI — Cede délermination , monsieur le président, Serait suseeplihle de faisse intcrprélalio >, si je ue prenais le soin de Ia ju»lifí'er aux yeux de 1'acadé- mie le p< lil nombre, alteindra lôt ou tard, mieux ju.;ée e! mieux appréciée, à loule ia hauteur de sa phi- lanlrooioue inission, c'esl à-dire, au perfeetion- nemenl de 1'hygiène publique adaplée au Brésil ei à des découvei les progiessives pou les sciences médieales. !l c nvient actuellement, mon>ieur le président, et je vous en demande Ia permission, que je de- cline les motifs sur lesquels j'appuie 1'envoi de tua démission. 1 e 17 du móis de maidernb»r, en séance géné- rale, 1'académie, délü.érant sur le pro^riiniiiie de Ia séance publique, parut mellre un iristaut en doute que les sections respeclives pussent, vu le court es- paredetemp^ à parcourir, élahorer un tr ivail com- plel. C» Ia étaut, je demandai Ia parole et j'eus Ia harilivsse ou Ia présomplion d'offrir un simple mémoire, à défaut de mieux, le cs échéant. pour êlre annexé aux discours d'usage. qui devaient êlre prononeés dans cetle prochaine séance so- lemnelle : ma pi oposition n'eut pasce jour làdau- tre suite. LViais le 27 du même móis, autre séance géné- rale de 1'académie, Ia deuxiètne putie de l'or- die du jour, portait textuellement: Leitura d'u- mu memória do doutor Jmbert sobre o charlata- nismo cos charlatões. Ainsi officiellement avise, je iny rendis pouctuellement. ParreíTetdescirooastaaces, de deuxième dia dizia textualmente: Leitura de uma memória do Dr. Imbc-t sobre o charlatanismo e os charlatões. Assim oficialmente avisado, dirigi-me pessoalmen- te a esta sessão. Pelo efíeito das circunstancias, a leitura de mi* — TIII — le était, Ia lecture de mon mémoire passa h Ia p> eu ièie p<«rlie de 1'ordre du jour, ei |e«ie\ais natun llcmeut ui'altendie, sí-cIuimI le respecl que 1'acauémie porte à sou réglemei t, à ce que celte lecture ne soulfrirait aujune difficulté. Toulefois, mon étonnement dut être grand, quand, dans le conrsd'une dbrussion a licipée t assezanimée. il fut avance, par un ou deux de nies estimables confrères, que le litre de mon liav ,,l leur semblait peu propre a salisfaire a Torneio-,>t d'une séance publique, et cia, monsietn le oré- sident, sans connailre encore, ni daigner mên.e condescendre à apprécier 1'esprit, boii ou ma(i7 vais, qui avail preside à sa rédaction ! jugeirteut qui paraíira peu équitable aux yeux de lout hom- Bic imparlial. J'avouerai ingénuement, pour mon pn.pre compte. monsieur le président, qn'uuo prevention si insolite eut droit de me surp.^vi- dre et de me faire recueillir en moi nième. J é- tais en effel déjà bien disposé, et ma démarche franche et loyale le démonlre sans replique, à me soumeltre à une juste mais bienveillanle critique, telle qu'elle doit êlre exercée en íamille, si Tacá- démie avail trouvé motif d'y recourir après audi- tinn de ma composition. Mais, permeltez-moi de le dire, le senlimenl de ce que je dois à moi- même et au tilre dont ['exerçais alors les altribu- lions au sein de rac;dc'mie, me contraignit à ne poinl passer indifléreut ou insensible devant Ia prevention liltér;.irc, rigtureuse, inouie, dont ma bonne foi c!ait en ce moment récompen- sée. .le m'abstins toutefois de réclamer 1'ordre da jour ainsi que j'en avais le droil, du moins \q me le persuade; et resserrant aussilol mon rnodes- te manusciit, que j aliais soumeltre à Ia sanctioa *— IX —• nha memória, que estava indicada na segunda pai te di od-in do dia, passou para a primeira; e conhecendo a jexaetidão com que a academia ob- serva o seu regimento, devia eu naturalmente es- perar que esta leitura nenhuma difficuldade so- fresse. Todavia, qual não seria a minha admiração, quando, no decurso de uma discussão anlicipada e assaz calorosa, foi proferido por dous dos wieus estimaveis colegas, que o titulo do meu trabalho pouco próprio lhes parecia paia satisfazer ao orna- mento de uma sessão publica, e islo, Sr. presidente, sem conhecer ainda oescriplo, nem mesmo J.ignar- se apreciar o espirito, bom ou máo. que havia pie- sidido á sua redacção ! juizo este que parecerá pouco justo aos olhos de qualquer homem im- parcial. Sr. presi lente, por minha própria con- ta, confessarei ingenuamente que tão insólita prevenção com rasão me surprehendco e fez reconcentrar em mim mesmo. Eu já estava, com eífeito, bem disposto ( e o meu procedimento franco e leal assaz o demonstra) a submetler-me a uma justa m >s benevola critica, qual deve ser exercida em familia, se a academia tivesse a- chado motivos para recorrer aella, depois de ouvir a minha composição; pdtém, seja-3ie licito dizê-lo, o sentimento de minha própria dignida- de, e o litulo cujas attribuições exercia no seio da academia, constrangera <>-me a não submelter- me, iii( ifferente ou insensível, á prevenção literá- ria rigorosa , inairiita , com que era então a minha boa fé recompensada ! Abstive-me, pois, de reclamar a execução da lidera do dia, ao que eslava autorisado, ao menos disto me persuado ; e giiardandi immedi ilamente o meu modesto ma- Buscripio, que ia submelter á sanecão acadêmica B •*•*■ X -—* académiqiie (précaMtion indispensable, selon m* manièie de voir.et les u>ages. pour tout .Uí- moire qui. émané d'un corps savant, a pour but de distraite ou d'intéresser un impo^ant, au- ^uste ei brillanl ^uditoire) je me retirai Ia séan* ce levée, sinon salisfait, du moins éclairé sur Ia lésolutiou ultérieure que j'av;iis à prendre. En vue de ces fails authenliques, vohe iustice, monsieur le président, reconn >ilra, jem'en flatte, que Ia démarche que jepreiub l.t liberte de faire •auj.-rès de vous u'est poiut enf.-nl du caprice , mais un acte de dignile qui m'»*st commandé par rbopérieuse necessite ou je suis de souscrire aux conven.nces sociales , dont je suis un esclave soumis. .le considere aussi conme une obligation de convenance de vous informer, monsieur le pré- sident, qn'à Ia présenle dé»ermination j ai adjoint celle de livrer mon discours à 1'impression et d'y ân<érer textueJIcmerit. en lote, et dans Ia langue qui me sert à Técrire, Ia letlre que j'ai 1'honnear de vous adresser. Désirant être jugé complèie- anent, je devais celte dém oehe aux personues honorables, de tons rangs, qui otil daigné. dan<; eette capitale, m'aeeorder le don précieux de Jeur bienveillance ou de leuramilié. L'académie possède, parmi les travaux de ses membres, deux mémoires que j'eus 1'honneur de lire devant Ia section de rnédecine à 'aquelle j'ap- partenais: |'nn intitule Quelqnes réflexioas sur Ia sensibiiité ; et Tanti-e, Dnt plns. Cependsnt, si, ái-\o è- I 'tir peu d'irn; ínance. et en raison de ma dérnibson, 1'académie ne jtigeait pas convenable '— 73. — {precaução indispensável para toda a memória qn-e, dimanadade um corpo scientifico, tem cor fim distrahir ou interessar um vener-avel. augu--lo e brilhante auditório), retirei-me, depois de levan- tada a sessão, se nao satisfeito ao menos conhe- cendo a resolução ullerior uueme cumpria tomar. A' vista destes factns aulhenticos, lisongeio me, Sr. presidenta', de que vo^íi ju.>iiça reconhece- rá, que o passo que agora dou não é i\\ho do capricho, mas sim um aclo de dignidade, que rne prescreve a imperiosa necessidade em que me adio de satisfazer ás conveniências suciaes, de que sou rigoroso observador. Demais, considero, v'r. presidente, como rima obrigação de conveni ncia --o< ial o inibi mar-vos c ■ que, com a presente determinação, tomei igual- mente a de dar o meu di.-curso á imprensa. b UMA PALAVRA SOBRE O CHARLATANISMO E OS CHARLATÕES. SENHORES, Para qualquer que tiver uma pareella deste gênero precioso, que moralmente se convencionou designar coaa o nome de philosophia, fica exuberantemente demons- trado que nossa espécie, que tão altas prerogativ as se altribuio sobre os mais entes da çreação, se acha mui- tas vezes em fallencia no que respeita ao juizo, e que çstá bem longe de fazer sempre um aso útil deste outro atlributo—arasão-—de que o dotou a Divindade. Qual- quer indivíduo propenso á prevenção poderia, em v«r- dado, conlestardhe o dom absoluto deste attributo, se de vez em quando a humanidade delia não fizesse bri- lhar algumas faíscas, que assaz denotão que esta luz do espirito ó inberente á sua naturesa. Este pensamento philosophico, por abstracto que se- ja, muitas vezes foi o tópico de minhas meditações, e çonduz-mc boje, como irresistivelmente, a deixar cor- rer minha pcnna sobre hum assumpto que prova toda a força e justesa da proposição que acabo de eniitlirj quero fallar do charlatanismo e dos charlatões. É tal, senhores, a tendência do ^espirito humano, que tudo quanto parece afastar-se das leis geralmente aceitas, e oíFerecer alguma apparencia de maravilhoso, leiu o direito de subjugar por uma espécie de encanta* > — 2 — ínenlo c fascinação, cpie arasão ou nãopôde ou não quer de;:iir, cem o re.eiode 'C-vancccr mui dep.esa i..;ia illusão que agfe-.ia e seduz. É sobre esta dispo^cão do nosso moral para aceitar, sem reflexão, tudo quanto promelte 'acil ou maravilhosamente sr.u<:e ou pra.-.cr, que ein todos os tempos espe. ulou ocharl; lanis- mo, para ter aludidos e victimas, oraenfeilamio-secom obarr' te da s( iencia, ora cebrindo-se com a mascarada rebgião, da virtude, da sabe loria, de gênio ou da ma- gia. Tratarei, neste discurso, do charlatanismo medi- cai, annexamio ao meu assumpto tudo quanto lhe pu- der servir de prova. E em primeiro lu^ar, senhores , não será ocioso endagar quacs possão ser as causas prncipaes que tanto incremento dão á industria desses pelotiqueiros, de .es charlatões que, intrusos, oceulto ou ostensivamente, in- tromentem-se no exercício da medicina, desta nobre sciencia, da qual Hipocrales firmou as sublimes bases, e que, por progressos suecessivos, depois deste divino mestre, elevou-se a tal ponto, ecom laes princípios, que todos os homens esclarecidos a collocárão no numero das sciencias mais úteis , honra que lhe é incontes- tavelmente i.evida, attenta a importância de seus fins. Se, para entrarmos em matéria, diHgimos nossa atten- ção sobre o estado moral do homem, quando doente, descobrimos verosimilhantemenle a causa mais podero- sa de todo o charlatanismo. Com efleito, mal experi- menta o homem alguma aíleração no equilíbrio das mo- las harmônicas que presidem á marcha regular de suas funteõ^s physica» *-u vilães, raro é que elle con- serve o inteiro uso de suas faculdades inteücctuaes, e que üão oe.xe dirigir mais ou menos sua imaginação en- traqueciaa por um sem numero de erros e prejuisos, de ã — que está cheio, e que então não cessão de inquietado. Em uma palavra , o homem , quando attacado de huina iníermidade qualquer, bem como u na cera maleavcl, presla-se a todas as impressões que a poríia buscão communicar-ihe. Semelhante, de ora avante , a uma criança dócil, obediente e submissa , assim como cale ente débil, cuja rasão não se desenvolveo ainda, chega aos lábios a borda da taça que contém uma beberagem sa- lutar ou mortífera , pouco cuidoso em indagar pri- meiro seé ella doce ouamargosa; submissão, ou,anles, credulidade, que o põeá disposição de qualquer indivíduo sem lilulos conhecidos, nem talentos, que fizer resoar a seus ouvidos, ou penetrarem seu peito, a lisongeira esperança de recuperar cm breve a saúde. É fácil de comprehender-sc que, cm tal circunstancia, a audaz impostura ou a temeridade prevalece contra a prudente circunspecção da experiência e do saber;,; pois quem pô- de, na nossa natureza, aíiumar que se subtrahirá sem- pre ao attractivo que iisongca c* seus desejos e espe- ranças ? Assim é que, seja ou não servida por ministros oriho- doxos, a medicina vê curvar-se aos seus cíecrelos o po- der e as grandesas, a riqucsa c os talentos, a ignorância e a mediocridade. Sua influencia é tal , que freqüen- temente tem d satisfação, no interesse da conservação , de obter o sacriíicio de paixões, gostos c prazeres per- niciosos. A autoridade da medecina é muilo imperiosa , ninguém o contesta, e esta autoridade chega ás vezes ao mais violento despotismo. Diante delia está a submis- são curvada, pálida e tremula, que apenas possuo um. clarão de esperança, ullima consolação que ainda anima o moribundo inclinado para as bordas do túmulo. E como poderia admirar esta disposição moral áquclle C rpic não ignora de quanto preço é aos olhos do vulgo a lelicida de de \i\er? Esta facilidade em acreditar sem exa- me, que notamos nos doentes, encontra-se com espe- cialidade nos espirites simples , isto é, nas pessoas que vi1* em na ignorância absoluta dos manejos que a sciencia dos charlatões inventou, para disfarçar a falsidade de suas acções com o verniz da verdade. A credulidade 4 deleito que igualmente se encontra assaz commumment» nas pessoas de bem, pois a boa fé, que difficilmentc sus- peita ardis, costuma obrar como pensa, acolhe como sente, e raras vezes se arma de prevenção para duvidar antes de admitlir. Mais o ultimo typo de excesso de con- fiança que designamos, se manifesta notoriamente no ente- que padece, por isso que o temor da morlc se apodera do espirito de certos indivíduos fracos e pusillanimos, ou cruéis solíruncntos os leva a apegar-se , sem hesi- tação ou reflexão, a tudo epianto pôde nclles disporia* tuna illusão ou esperança enganadora. jEsla credulidade, observar-se-ha, não existe ella na natureza ? e que dese- jos mais fervorosos pódc o homem infermo formar, a não ser o de afastar a morte, que se lhe antolha prestei a feri-lo? £ Não é natural, além d'isto, que cllcprocure^ pelos meios mais extraordinários, e menos suceptiveis de sustentar a prova de um raciocínio sensato, aplacar a dor que mata cem vezes por dia , c cem vezes por dia faz da existência de um doente um lormcnto, um enferno sobre a terra? Nisto concordamos, quanto ás bases, mas não nos meios, quando não são filhos do jui* so ou da experiência; pois, accrescenlaremos, o acaso ó um cego que algumas vezes fere a doença , e quasi snnnre o doente. Se semrrc tivéssemos o bom senso de comprehender a nossa missão neste planeta, onde, por assim dizer, nã$ apparccemos íenão como simples viajantes, que prra^ mente se lisongeão de chegar ao termo de sua viagem , muilo menor receio teriamos da morte, dcsla lei rigoro- sa, a única que se não pôde illudir, pois que nos fere tanlo no seio da desgraça como no da prosperidade. Sim, senhores, menos espanto nos inspiraria a morte , se qui- séssemos lembrar-nos de que Deos submetteo toda a raça humana, reis c subdilos, ao terrível nive! de sua justiça, a qual prescreveu que tudo voltaria ao nada, donde sahi- mos, excepto, todavia, essa porção immorla! de nós mes- mos, a alma, sopro ctherco, que torna a chamar a si, por ger uma emanação de sua divindade, e que nos concedeo para servir-nos de guia, e dirigir-nos sabiamente na' vereda escabrosa do dever c da virtude, para que fomos creados. Todavia, notai a contradícçâo do espirito humano ! O homem tem medo de morrer, c não obstante arrosira gra- tuitamente amorle, cisto quando desfruta perfeita ande: para tal provar, citarei este guerreiro que expõe temera- riamente seus dias nos azares de um combate; aquelle sábio , todo ensoberbecido , que vence as distancias , por entre mil perigos, para surprchender os segredos da na- tureza., não, as mais das vezes (podeis acredita-lo) com o fim de demonstrar cabalmente a existência de um pri- meiro motor que tudo regula , mas sim para submettcr os phenomenos geraes do universo aos frios cálculos das leis da allracção c da reflexão ; lambem o espirito forte, que, com sophismas, procura tirar uma conclusão, acre- dita (o insensato !■) que tudo em nós é barro ou matéria; c finalmente , vede aquelle outro libertino, que, inlregue aos prazeres sensuaes, despresando os conselhos da ex- periência , se desvanece com os vãos sonhos de uma vo < luptuosidade eterna. Pois bem! estes indivíduos, emais. — (5 ftiiíros que me seria ídcil enunciar,credes de boamente , senhores , que el'es pensem u:;í só momento na morte e nas suas conseqüência:1 JNão! Arrosf ão-na por basoíia, e a despresão ou esqueção , pertuadidos , quando ein es- tado de saude , de qnc são tão invulneráveis como Achi- Jes, ou que procedam de uma raça ímmorlal. Mas, venha de improviso a menor dor, o menor symploma de molés- tia, surprchemler esses mesmos indivíduos.... oh! então são diujnos de compaixão! dá os não vcconhcccreis : olíe- recem um aspecto moral diametralmente opposlo; e da temeridade , incre .unidade , jactancia , c ex- cessiva coníiança n'um longo porvir de vida , se vêem cahir, cm geral, n'unia espécie c;e abatimento, pusillani- midade , torpor c receio do anuiquilamcnlo , como bem o mostrou Vollairc, o ímpio Voltaire, implorando os soe- corros da religião. O sábio , pelo contrario , e o homem religioso, a quem a rasf.o persuadio que, além do túmulo, ainda existe alguma cousa de indefinito, porém real, são verdadeiramente os únicos que saibão encarar sua des- truí cão material com a serena resignação de uma phi- lofophia consoladora , por isso que a esperança de uma outra vida nunca abandona sua alma, o que comprova o exemplo de Sócrates , bebendo a cíeuta com tranquilii- dade , e continuando a discorrer com os seus dissipulos sobre a nossa immorlalidado , cuja existência lhes de- monstrava com crenças que sua penetração ia beber no céo, ainda que prhado fosse dos soecoros de uma re- velação divina. Neste ultimo ponto de vista , julgai , senhores, da força admirável mie pôde. inspirara re■■« ligíão de Chrislo, conlemplan \.> aquelle inf diz monar cha , Luiz XVI, escrevendo ou dictando diante dos al- gozes esle suborne iestrn^cnlo , no qual sua alma tão }v:;f.. lão grande c virUiosa não duvida um só iustanlb da misericórdia do seu Deos ; c , por um esforço mais que humane, per .loa generosamente aos seus inimigos, a cs: cs mesmos assassinos cuja ferocidade se não satis- fez em oiianlo não ensopou as mãos no sangue do cor- deiro ! Oh ! senhores, quão serias lições para aquelles que querem e sabem aproveita-las! Conheço, senhores, a quanto me exponho, apro-' veilando- ne assim do meu assumpto para emitlir certos princípios e idéas que talvez pareção oppostas á tendeu-» cia dos princípios e das idéas do século ; não importa! Como o homem que vai chegando ao ocaso da vida de- ve ter, anão ser néscio ou imbecil, vistas fixas e deter- minadas sobre o bem e o mal, o justo e o injusto, procla- mo as minhas opiniões e os meus princípios com tanto mais liberdade e independência, (quando acho oceasião para isso) quanio me parecem melhores , tendo , além disto, a convicção intima de lhes ser fiel, a despeito de todos os sacrifícios que possão as circunstancias exigir: consciência religiosa,, moral e politica são thesouros de- masiado preciosos para p>-los sobre o catavenlo que gi- ra com o sopre das paixões e dos interesses políticos. Seja como for, é especulando dcxtramenle sobre o aguílhão da dor, sobre a credulidade dos doentes e o re-> ceio que tem da morte, que o charlatanismo e os charla- tões grangcão esta grande aura popular, que os põe acima dos entes ordinários. E isto, sem duvida, o cu- mulo da loucura ;(t mais os tempos presentes e passados deixão por isto dealtestar o facto ? Citemos. A historia , em cujas paginas imparciacs se estampão as virtudes, os vicios e os erros do gênero humano, aponta fados curiosos e notáveis de credulidade, que mostrão a que ponto de íraquesa pôde chegar arasão, quando dominada pelo receio da morte, Escolherei, eu* — 8 — tre outros exemplos, o de Luiz XI. Estelyranno feroz, quede certo não era desprovido de algu ias grandes • qualidades , que a posteridade não lhe contestou, levou a credulidi.de e superstição ao ultimo ponto, com o alvo de alas!ar para sempre a morte, que nunca deixou de ins- pirar-lhe o maior horror. A superstição o levava a tra- zer sempre sobre o corpo um pedaço da verdadeira crhz, como se com esta reliquia veneranda pudesse es- perar conseguir a impunidade de sua poiitica machiave- lica c da falia de cumprimento ás suas promessas c a seus juramentos. Nunca conservava a casaca que trazia, ou o cavallo que montava no momento em que vinha a saber de algum acontecimento funesto : singular aber- ração do espirito, que liga uma idéa de ventura ou des- graça aos objectos malcriacs os mais indispensáveis ! Encerrado no seu caslello do Plcssis Ia Toar, ali era accommeltido de todos os temores que podião infundir na sua alma o remorso, a imagem do passado, o espec- tro do futuro, invocando em altos gritos os soecorros da medicina. Na fé de que sua débil existência dependia desta sciencia, entregou-se a Jacques Coyíicr, seu Es- culapio, aquém dava com mão pródiga ouro e presen- tes, dobrando-sc aos seus caprichos, supporlando, sem murmurar, as mais acerbas censuras de um homem que, em vez de chamar, como era o seu dever, a alma doseu augusto clienle ao caminho da verdade , procura- va, pelo contrario, ainda desviar o seu espirito enfermo, para saciar o seu extraordinário amor ás riquezas. Lslc medico, ou, antes , esie despresivel aslrologo , pouco recommendavel, administrava a Luiz XI os remédios mais violentos e complicados; o, cousa atroz ! persuadia ao rei que recuperaria sua força e mocidade, banhando-se lio sanjmc de um grande inúmero de infelizes crianças! — 9 —. Onprobrio eterno aesse homem sanguinário, aesse char* latão feroz ! ^ Mas, como pôde Jacques Coylier subjugar um caracter tão indomável como o do filho de Carlos VII?. . . Como, senhores? Explorando a credulidade do mònarcha, c o horror que linha á morte. Em uma ocea- sião, chegou Jacques Coylier a dizer-lhe «Bem sei que um dia dcsles querereis desfazer-vos de mim, como de tantos outros; porém, tomei minhas medidas, e juro pela páscoa deos que não me haveis de sobreviver três \ezes vinte e quatro horas. O medico que hoje empregas* se lão ridícula como insolcnte lingoagem, seria manie- ■tado e levado a um hospital de doudos. Mas assim não sucedeu neste tempo de ignorância, e Luiz XI, em extre^ mo atemorisado com semelhante prophecia, tratou com mais aíleiç.ão o seu medico, ou antes o charlatão Coy- ticr, como para prolongar-lhe a existência. O philoso- pho eo m oralista perguntão, e com muita razão, como era possível que a morte inspirasse tanto terror a esse soberano. A religião logo lhes responde: que, interro- gando a sua consciência, Luiz XI, supersticiosoe cré- dulo, sentia remorsos que lhe transtornarão o espirito, e (a tanto chega as vezes os desvarios do orgulho e do po- der) queria, a todo o custo, uma imortalidade material. Se bem que, felizmente, estejamos longe desses tem- pos de superstiçãoe ignorância, em que o charlatanismo empregava meios tão absurdos para, com a credulida- de dos homens, satisfazer a sua sórdida ambição, não deixa por isso de subsistir esta praga social debaixo, cer- tamente, de outro aspecto menos hediondo e repug- nante, porém não menos perigoso ou ridículo. O char- latanismo, no tempo actual, tem por principio cobrir- se com uma mascara que sempre harmonise com a mar- cha c o tom da sociedade sobre a qual exercita seuim- — 10 — ■pcrio; todavia, tem o maior cuidado em variar suas for- mas e linguagem segundo a classe que quer submetier ásuaacção, pois muito differc o charlatanismo dos palá- cios do das choupanas. Todavia, senhores, tenhamos a curiosidade de seguir o charlatanismo nas suas diversas revoluções seculares, para acompanha-lo até o tempo aclual, até esie século XIX, que se diz de luzesederasão , mas no qual ooiser- vador imparcial descobre certos symptomas de loucura e demência, de que lhe cumpre curar-se para merecer o nome de século de sabedoria, com que alguns querem brinda-lo. Comtudo, sejamos generosos, e não levemos mui longe a analyse dos seus fados e gestos, pois a indulgência para si é sentimento natural, se não de tudo evangélico. Na infância dos povos e na ignorância da idade me- dia, era tido por certo que os astros exercião uma influ- encia extraordinária sobre as moléstias; e c^ta opinião, que não está de tudo desvanecida (porque é tão diíicil desaraigar um prejuiso , por absurdo que seja , como fazer triumphar uma verdade ulil ao gênero humano) servio de texto a um sem numero de charlatões, para dar preço ás suas peloticas. Consultou-se, pois, os astros no tratamento das enfermidades, e existia astrologos de profissão, que não somente pretendião ler no fuluro» mais também tratavão as moléstias segundo os miserá- veis princípios da astrologia. Todavia, o que parecerá ainda mais extraordinário, é que, nesses séculos de tre« vas, verdadeiros me iicos não se tenhão sempre preser^ vado, tanto na sua pratica, como nos seus escriptosé desta tendência dos espíritos a acreditar em semelhan- tes chimcras.j? Mas, não existe ainda indícios da astro- logia medicai como meio lherepeutico ? Queua ousari^ — 11 -, ttega-lo, quando sabemos, com cert^sa, que algumas velhas tem a simplicidade de acreditar que, apresen- tando a parle posterior de um recém-nascido a lua, a meia noite , será ellc preservado de certas moíesiias? d A religião do século XIY, alumiaua c dirigida por uma sã phdosophia, isto é, aquclla que quer os pro- gressos da inlelligencia, tomando por norma a ra.-ão e uma morai a( urada, poderia admittir, só porque a his- toria tal relata, que entes humanos recebessem da Pro- videncia o poder sobrenatural de aplacar os males de seus -emcüianles, pelo efleilo de uma simples inspira- ção, que não procedesse de esludo e meditação.' De certo que n.m; pois esta faculdade divina nm íoi ver- da eiramcnle concedida senão a um homem, ei" ho- mem era o filho de Dcos, e, portanto, uma excede 10. Depois do augusto myslerio da redempção, my^.erio, confessamo-lo altamente, ao qual devemos inaprecia- veis bencíicios sociacs e consoladoras prome sas de immortalidadc, todas as creaturas humanas nascerão, o, provavelmente até o fim dos séculos, nascerão com con- dições de organisação, com pouca ..diferença, material c moralmente semelhantes, e cuja expressão de funccões pó eelevar-se, é verdade, ale o gênio, mas nunca che- gar ao sobrenatural, pois pretender que a alguém seja dado transpor os limites da humanidade, é um acto de sem-rasão e demência. £ Dado isto, como é possível acreditar que a raça au- gusta que reinou com tanta brandura, gloria c illuslra- ção sobre a nação amais polida, culta c esclarecida, entre todas as nações esclarecidas, polidas e cultas, e du- rante tantos séculos......sobre a França, finalmente! quem poderá admittir, digo, a não ser cotado de um tspirito simples e crédulo, que os monarchas procedeu - p — 1'2 — les de u ^ tronco cujos últimos e 'níe1'/?* ramos existem hc.j emersos edep0rsos noe-dlo, !cnbão< -extraordinário pr.vdegM) de curar instantaneamente certas nudeslnH, (as e-cro[bulas por exemplo) pela simples imposição das mãos?; Semelhante sinphcidade de crença não se- ria, nós o pergunta nos, u n ullrage feito ao bom sen- ,so? Comtudo, s< ediores, (vo.socs.u ri to esclarecido onão ignora) era outrora uma convicção para o povo, e uma verdadeira superstição, que so se extinguio com o prcgre-so das iuze-.. Deve mo- convir, todavia, que o charlatanismo real era o mais innocente e desculpa vt-1, nois de modo algum prejudicava, e nunca leve por mo- ve! um interesse cobiçoso. Muito mais aaianlados em phdosoj ida e civilização, os soberanos não tem, aotem- po em que vivemos, a pretmição de arrogar-se um di- reno que só pertence á Divindade. Contenícscom a al- ta missão, que lhes foi confiada, de dirigir os povos, reúnem geralmente Iodos os seus esforços, to ias as suas faculdade •, toda a sua sabedoria, para iazè-ios feli/cs, cem uma admmi! ração paterna, asancção.e boas leis, e o exemplo tocante das mus sublimes virudes. Porém, senhores, agora é que reparo que acabo de delinear, por anlicipação, o retrato moral do excelso descendente do libertador do Lradl,..... de sua M:-ges- taée 1). Pe um II, cuja augusta nrc.emra no> ic dia 'b l'vo da academia me impõe um recaio respeitoso e cheio da veneração...... Todavia, nf.o podendo suíTh ionScmcntc constranger os meus sentimentos, e confiando em que minhas inten- ções, puras e espidas de qualquer lisonja, o1 ter. õ des-- culpa á minha'env-ridade, ouso dizc-.o :..... « Sim, Se— « idmr , pr. ce o f1e uma raea anl';,a , que conta com « orgulho uma longa serie de reis grandes e virtuosos, de» — 13 — a nodados e plnlosophos, rliglosose esclarecidos, vossa u Mc gela de um diaelevará o inipt rie de Santa-Cru,, de. o qu«> e o idole, ao mais alto grão de pro.meri Jade , es- « p.andor e c.viiisação, pois no presente j.odemos, sem o receio de crrm, ler no iulure brilhar :e que vossa Ma- a ge.mme prepirà a e>íc belio paiz, tão rico dos dons « da naluresa. » Oh ! lirazií!'terra de promíssiÃo ! Quem icve a vanta- gem de pisar sobr" o teu s. Io, de contemplar tuas ma- ravilhas n-durac.-., de ex eri nenlar a bellc.-a do leu cli- ma , de gesar 0.0 leu sol ra 'iante , de apreciar a ame- ttidáúc e uecc- hospitalidade dos teus habitantes , como podou ia deixar de amar-te e fazer votos tão fervoro- sos como sinceros para tua ventura e prosperi: ade? Ah! aquelle que não apreciasse todo o encanto que ofí ioca- a lua harm.nia malerial , moral e política, digno s ria de cornp d.xão, pois teria a alma fechada a todos os gosos os mais vivos c os mais puros! Aqui temos, pois, um ponto que a philosoplda ge- jihcu, c os povos, geraiiueníe mais dlustrados pela e ;r- cha pragres.-iva do espirito humano, já não o.civdilão boje na faculdade sobre-natural de curar que , igno- ra iv.-se porque -motivo, a tradição, em certos paizes , con- cedia ás lestas coroadas. Os povos deixarão igualmente de ter fé no poder dos amuielos , do.s feiticeiros , da magia, pois o.^ entes immaleriacs e fantásticos que se des gnavão com o nome de gênios e demônios , agora não causão temor: do.^app ro h'ão com o exorcismo ea fogueira, cuja chanima já a ninguém persuade. £ Mas , se diores , o magnetismo animal , que nasceo em os nossos lias , não será ao> olhos da rasão uma espe<. ie pariimlar de feitic uda de melhor to ', i-lo é, menos assustadora, ji que substituo um íluião invisive — v.l — á existência dos duendes? Sem duvida , Mesmer , pai do magnetismo , quando annuncmu que a nalurcsa ik de ollérecia um meio universal de curar e preservar os homens , illudio por algum tempo , pe'os fins do sé- culo ultimo , a uma cidade pomilosa, Paris , onde a no- vidade, e mesmo a singularidade, exeivilão o maior im- pério sobre o espirito dos seus habitantes , sempre eu- rioso.* c no\eh,slas, dizem, como os Alhenien es. í)epois do eníhusiasta Mesmer, um do seus diseimdos, M'. d.e P<;';sv;rur, deo ao magnelinio animal a forma do som- namadismo. e , sob c ic novo ir.de, esta ihor.imemica mystica, prou-ia para "erir a imaginação, adquirio uma certa importância , c se espalhou no. norte da Euromi , na Allemanha, sobretudo , onde o espirito é muito propenso ás illu.-ões mcnlaes. Renovado nestes últimos amos com maior furor ain- da, por apóstolos zelesos, o magnetismo decisivamente cahio; e os ensaios que delle ain.la se 'azem ](' não são tentativas sérias, mas sim recreios de sociedade, que dão lugar a gracejos. Se já não é licilo ao charlatanismo recorrer , como outrora, aos astros, nem a meios sobre-humanos , para explicar e -anar as males da humanidade; e que, de oulro latío, o magnetismo nada mais seja do que uma espécie de myslieísmo, apenas capaz • c obrar , com o soecorro da imaginação , sobre os nervos irritaveis de alguma sc- nhorila vaporosa; ao menos, cumpre confessa-lo, ainda se descobrem aqui o ali, como para dar peso á tradição, vestig os destas chimericas e supersticiosas cnlovaçõcs, que a religião condemna, pois esla filha do Céo, lal qual a comprchendemos boje, o irmã gêmea d < phih.-opha, e tão \lva svmpaíhia as une, que não podem existir se«i xim mutuo soecorro. — 15 — Assim pois, ainda ha no meu paiz pessoas simples( ipie se persuadem que certos indivi '.nos tem a faculdade. de lançar feiliç. s aos >eus semelhantes , e dar-lhes mole.-lias. Certas mulheres do povo cosi união exhorcisar esles supposlos ieiticeiros, como ultimo meio de curar um doente, logo que os médicos me ararão a moléstia morla1; e eis o moco de proceder destas mulheres. Pro- curo um coração ou ligado de boi» poem-no a ferver , e a meia noite, hora solem ne para a feiliçaria, suspendem es;e coração assim cozido, e cada uma a sua vez nelle finca um grande alfinete, acompanhando esta operação de o a. a sorte de imprecações e conjunções contra, aquelio que se suppõ" o autor do maleíiciO. Tudo isto , fizem com o maior myslerio,e persuadidos de, que ca«.;a aí.enelada vai retinir no coração de muieciro, a quem a dor obriga a largar a sua victima. Supponhamos que o : caso, que tantos acontecimentos singulares pro- duz, faca experimentar ao lo^ule uma crise sulutar, com que, para assim dizer, pa se da morte á vida, não basta isto para que pessoas cro.ulas acreditem na po- tência dos feiticeiros, e na virtude de íí.o singular ope- ração de exhorcismo ? Preciso seria conhecer mui pouco a exlroma credulidade do povo para responder negati- vamente. O fado, pois, é crivei, e a mais me avança- rei, senhores, certificando-vos que isto acontece em algumas panes da França; e se, não obstante esta as- serção peremptória, vossa convicção não fosse completa, então teria eu de assegurar-vos que, não somente mil vezes taes cousas ouvi referir , mas que lambem presen- ciei alguns destes congressos noetunos. A propensão para o maravilhoso, que se nota na ge- neral ida !e dos doentes, e ia cio tão notório, que ein to- dos os paizes ha indivíduos que espeeulão sobre esta sim-> plicidcde crédula, e islo com um atrevimento qtie n&<* rcteia nem a opiidfo j ubílca no seu bmn senso, nem as '.eis que castigvm a heude, nem a argumentara»- !o- rica do.s \crcade,ros medices, e menos anula a voz ne eu a consciência. Estes charlatões cr. cm, ou , ao menos, de tal cousa procurão persuadir-se , (pie nascerão pri- vilegiados da nrturesa, e receberão do Crcador o ucm celestial de curar todas as moedias , por meio de uma simples receita , cujo valor e acção, estamos ccrlo ,não conhecem; e o que ao principio não era u ais que um simples calculo de industria especulativa, con- vcrlec-sc ao depois n'uma forte c proumda convicção de que clles sós possuem os maiores e mais positivos co- jihccimenlos medicinaes, e is!o sem trabalho algum, não obstante esta seiencia cxedr a culiura mais assídua, obs- tinada e difdcil da parte do espirito e do juizo. Ars longa, rnV brevis experencia faliam, jaduiar.i difficil, disso líypo- cíalcs. E na realidade, pouco importa a estes cnlc> que espeeulão sobre as cuíirmieadcs humanas c.-lc tão ju.lo aphori:mio do divino ancião 1 i\; o virSo elíes a hiz? Por ventura, a sociedade lhes pede conta dos assassinios que- perpetrão ? Mão, de certo, pois, em alguns pal/es, pa- recem, pelo contrario,animado■•-, e logo que os vietimas descanção na cova, pouco temem a justiça humana, tão eevera quando se traia de b; gaieHas , e as vezes tão in- dulgenle pelo que londe a perturbar a urdem social: com- trádicçyoincxplícave1, porém r°al. Estes i harlatce... ousa dos , não sucepliveis de remorsos , podem , pois , j.or meio d'esta impunidade, que causa indignação, esperar que eu Iras victimas appareçãü,.... e ciles es~ perão! Mão deixará de interessar a murarão de um u;cto que r/C/iKnce aes JMuadmancs, o qual tem perfeila cmmcxão com o nosso assumpto, e é mui digno de ser imitado, Ei-lo : Sob o calhado de íiarnn Ptaschid,o medico desle prín- cipe , passeando pelas ruas de liei, topou com um ho- mem que grilava:—Aqui tendes os verdadeiros remédios fjuc curão estas ou aq adias moléstias. Tal encontra o ati* mirou e indignou. ?\a primcVa entrevista que i?yG co:n o calda, que cr ; um verdadeiro phibsopho, íallou-yie de !~ empírico ambulante,o lhe disse: a i\ão pensava e:?, senhor , que no paiz dos Mu ;uIm:mos íbs-e licito jaaíar impunemente a seus semelhantes. »ibremdeu ordem para prender o ihar"alão , porém não no poderão encontrar. Eulco, não querendo qu" a vida dos seus subdiios edi- vesse expodaá imprudência c ignorância de laes médicos, promulgou um decreto solemne que os expulsava dos seus ciados , c probibio o charlatanismo sob pena de morte. Semelhante lei, sem duvida, seria muiio rigorosa no século em que vivemos; e também árduae diíTteiltmefaseria a daquelies a quem fosse incumbida a sua applicãçao. A uma iegoa dislanie de uma pequena cidade , era França, onde conscicncioso c honradamente exercemos a medicina durante um espaço de tempo assaz conside- rável, vivia um pcloliqueiro, a quem, durante trinta an~ pos, pouco mais ou menos, fizerão celebre as suas su^- posíus admiráveis curas , c o .grande numero de doeirms, de todas as classes, epie diurnamenlc se dirigião a soa habita ão, de trinta legoas ao redor, uns cm brilhantes carruagens, outros, mais modestamente, porém todos com o mesmo fim , o do comprar-ihe saude. Beiiou era O seu nome. Sua morada , de humilde que era ao eo- mc":> da sua in u.slria, em pouco so ;ornara um cai',] io elegante e sumpiuoso, provido de todos as commodidaj» — 18 — dcs da vicia , e cdificado no meio de uma garganta tão pilore-ca como risonha. É neste valle :e ioom por sua ■frescura e seu silencio, que o nosso impudenie emmrico communicava os seus oracu.os, e a mudidão oremda os acolhia como outros tantos decretos melados pelo Céo, para obter-lhes uma cura tão prompla como solida. Com a distribuição de alguns pos escolhidos na classe dos drásticos, terminava, para aquellcs (pie vinhão de longe, uma consullacão irrisória e burlesca na» suas formas; mas, (pianto aos nescios dos arredores (e os ha- via em grande numero, pois sabe-se que a tolice é conta- giosa) era cousa bem diversa: para estes, o no-so Escu- lapio heterodoxo complicava mais suas mystificações. Empregava simpliccs que era forçoso colher em tal ou tal lugar retirado c agresto, antes ou depois do nascer do sol, em esla ou aquella phase binaria , .segundo a sua caprichosa vontade. Outras vezes , querendo ainda mais excitar a admiração , tirava , ou fingia tirar, com o auxilio de um sócio , lombrigas do estômago, de uin pé de comprimento. Enfim, o bár- baro! quando tinha de endireitar articulações, ou tratar de ankiloses, fraclu.ras, eu luxações, fazia estalar os ossos do miserável que se submellia aos seus grosseiros -e ignaros preceitos. Quando se tratava de chagas , ulceros , cai eros , ou herpes , para cura-los radical- mente , possuía balamos infalliveis , omplaslros sem i"maes. Mada diminuia a audácia deste impostor, auda- cia que so era igualada pela mconscqucncia tão estúpida como ridícula dos seus numerosos clientes. Mão obstante os ardis ie ie charlatão ousado , todo» osindividuosque, em peregrinação, sedirigiãoaeste novo 'templo de Es; ubpio, vohavão com o coração cheio de -esperanças; e em quanto, ao accoedar-se, não vião dissipar* — 1® — • se o seu sonho enganador, canlavão os louvores do seimT dcos, que con paravão ao filho de Apol o. Outros muitos se deixavão prender com estes engodos, e o inspirado Bemou enriqoccia-se á custa da robusta credulidade , que >e não poderia comprehcnder, se, por experiência, não e soubesse quanlas contradicções ha no espirito hmmmo. Este homem morreu em 1828, deixando á sua filha única uma fortuna considerável. Mas, em quanto este descarado empirico, cm menos- cabo das leis e dos sagrados direitos da humanidade, comproinelira assim diariamente a vida de seus seme- lhantes, os médicos titulares dos arreuores vião fugir- lhes todos os doentes que se achavão em estado de che- gar á ermida mysteriosa. Sc, por acaso, na nossa indig- nação, criticávamos o falso coiíega, éramos immediata- menle arguidos de inveja por todos os ignorantes. Mo interesse de nossa dignidade, devíamos, pois, remediar, qut-nto eslava em nosso poder, ás tentativas de assas- sinio deste inlruso em medicina. Em outra cidade, vinte legeas distante da que acabo de citar, existia outro charlatão improvisado, cujo reino, vereade é, foi mui curto. Era na cidade c c Pcy- roíles. Para bem pintar este pelotiqu^iro, que fazia q papel de surdo e mudo, transcreverei literalmente a descripção que delle fez o celebre proíèssor F. (1) ,, Mo outono delSlZi, diz elie, achando-me em Mar- „ se ha, não se fallava senão de um mendigo surdo e „ mudo, que lazia curas milagrosas na aldéa de Pey- „ rollcs , outo legoas distante de Marselha. Trazia ,, um vestido bisarro , no qual estavão pregados dous ,, grossos cruxiíixos. Era, pebmenos, opropheta Elias; ■ * (1) Professor tia academia de medicina de òlrasburgo. — 20 — ,, r nas diversas reuniões cm que me achava , não se ,, podia disputar sobre este ponto, pois todos se irra- ,, tavão, e mostravão-me cartas de ecclcsiaslicos res- ,, peitaveis e sábios da roça, incapazes , aííirmava-se, ,, de se deixar illudir, as quaes altestavão a santida- ,, de dos milagres do homem de Peyrollcs. Foi uma ,, verdadeira fortuna para esta-pobre aldéa, e para lo- ,, das as tabernas dos arredores: centenas de doentes „ esperavão asuavez; era preciso tomar um numero de ,, inscripções na casa do juiz municipal, e guardas estavão ,, postadas á porta para manter a ordem; em fim, este ,, trapasseiro, no decurso de dous mezes, poz mais do- ,, entes em movimento do que o medico mais afamado ,, cm alguns annos. Seu mcthodo consistia em loques, ,, unluras com cuspo, e algumas caretas; e quando ,, havia alguma parte curvada, empregava a força para ,, endireita-la, como se esta parte fosse chumbo ,, ou ferro; mas, suas manobras tendo tidoconsequen- ,, cias desastrosas, fugio um dia ás escondidas. Soube-se ,, depois que não era surdo nem mudo, mais havia fin- ,, gido sê-lo, acreditando, sem duvida, que quanto ,, mais ignorante se parece, (o professo F. podia ,, acerescentar mysterioso,) tanto mais confiança se ,, inspira. ,, Pelos fins de março de 1818, um camponez da al- ,, dèa de Otroih, cinco legoas distante de Strasbur- ,, go, que, acerescenta o doutor F., em outro tempo „ inculcára de prophcta, mas cujamissão eslava cxhauri- ., da, lembrou-se de se dírpor suecessor seo filho, de ,, idade oc sete annos. Este menino começou fazendo ,, algumas emas milagrosas, Como o mendigo de Pey- ,, rodes, com a iuposição das mãos, isto é, teve „ também sócios, bem como os pelotiquciros; e tendo „ grangeado inuitaYama, sua aldêa tornou-se o templo ,, do Epidauro da Adzaça e dos Vogcs, aonde se fa- „ zião conduzir á porfia os surdos , cegos, parais ticos, „ calholicos, lulheros, calvinistas, judeos, anabaptis- ,, tas, e todas as seitas do paiz, que vivião em paz em ,, Oclrolh. Já a fama do menino havia cclipsaoo a do „ prophela Elias; linha stigmas, assignaluras divinas. ,, üahi a pouco, já não lhe foi bastante sua aldèa : via- ,, jou, e vi-o passar por Slrasburgo , indo para a casa de ,, um ecclesiastico doente, onde gramic numero de im ,, dividuos o esperava. Os habitantes das vi inhanças ,, da Alemanha não são, pois, menos crédulos de que ,, os Provençaes; porém, eis a difierença que entre, ,, elles existe: em Marselha, nenhum medico deo cre- ,, dito ao falso mendigo de Peyrolles , e o vulgo , que- ,, só conhece o comnmrcio, não vio mais que-mi- ,, lagres. Aqui, onde cada um é um tanto mais ins- „ truido , atlribuirão-se os eífeilos maravilhosos do ,, menino ao galvanismo , á cleclricidade : era uma bo- ,, telha de leide , e um magneíisador por excellencia 1 y, Outros médicos me dizião :—Quem sabe? É preciso „ ver.....—Um bom velho barão aproveitou-se da ,, occasião para pagar a impressão dos detalhes de uma ,, cura magnética, que lodavia não estava completa; }, em fim começava-se a admittir todos os faclos, de- „ pois procurava-se explica-los. Via eu a renovação do ,, denle de ouro, c do nariz monstruoso de Sterne. Enfre- ,, tanto, as autoridad.es escreverão á nossa faculdade, ,, para ter o seu parecer , e cs!a respondeo que o meni- no milagroso devia ser conduzido á sala de suas clinicas, para poder ser observado, no que tiverão cuidado de não consentir. Quanto a mim, sollicrtn- y, do-me um doente da clinica interna, que padecia d* ~- 22 — ,, um rumalhismo chronico , para que lhe permitisse fa* ,, zer-sc tocar, annui ao seu pedido, e Aohounomcs- „ mo estado em que fora. Em fim , a comedia terminou- ,, ;.c com uma v erdadeira crise : o menino medico, que ,, havia oiio dias passeava de sege, c se alimentava com ,, doces, estava em extremo constipado, quando pes- ,, soa de distineção, que dcára cega, depois de o !a z e ,, cear copiosameute, pedio-lhe so deitasse com elle, para ,, receber mais ao seu commodo as doces influencias ., cleclricas, ou magnéticas, e por esle meio reco rar a „ vista. Pela meia noite, como se espalhou, o menino y, senlio dores de ventre..... toca-se a campainha :...... „ —O senhor íicou bom ? . . ..—Oh 1 não; he cousa bem ,, diversa..... Desde então, todo o prestigio desvane- ,,, ceo-se..... O menino voltou para sua aldèa.... Já ,, não cura. ,, h entretanto, é em França, eno século XIX, que oc- corrèrão estes factos tão penosos como burlescos , e outros que ainda poderíamos citar, taes como os suppos- los milagres do príncipe de ílohenlohe. Todas estas es- pécies de peloticas, é vcrdauc, não são mais que ridí- culas; e o opprobio, que sempre acompanha tudo quan- to tende a aviltar a rasão humana, não recahe senão sobre aquelies que, podendo empedi-las, o n m fazem. Porém, muito mais perigosos de que os vendedores de palavras e de toques, são aquelies que distribuem sup- poslos remédios secretos, compostos de substancias emi- nentemente activas, c administrados sem arte como sem juizo! Também, quantos doentes não ha que per- dem sua entrada neste tão arriscado jogo ! li, com tu- do, o que diariamente se observa; para islo basta ler de passagem os jornaes de todos os paizes policiados; ena verdade, em vez de um, achar-se-hão cem reme- «— 28 -- dios infallivcis para qualquer moléstia (se se quízer, to* davia, dar credito á ostentação destes annuncios mul- tiplicados ao infinito.) O Puo de Janeiro , senhores , não está livre desta es- pécie de industria bastarda: esta cidade paga igualmen- te o seu tributo á credulidade;^ c neste senliuo, não se vè todos os dias um sem numero de doentes que se diri- gem a uma península encantadora e pitoresca, p ra ali consultar a experiência medica dos antigos jesudas do paiz ? Assegura-se, porém não o affirmaremos , que poucos dedos tirarão grande vantagem desta peregrinação. <; De oulro lado, não é licito aos in(ermos dar a preierencia a um destes pós variados, desses elexires sem numero, dessas diversas pomadas e unguentos, com que os seus inventores, mais sábios de que os médicos, pre- tendem curar radicalmente a maior naríe das inlbrmi- dades , que estes (ignorantes!) não podem domar. É certo, que os arcanos contra a lepra, as bobas , os can- cros , as ulceras, as impigens, os panos , a hydropisia, os males do estômago , a tísica pulmonsr , as aí&cções dos olhos, a surdez, os ankyloses, e não sei mais que infermidades , cuidão em desenrolar sua fastuosa impor- tância nas columnas das folhas diárias, tudo para maior vantagem da civilisação, e maior felicidade da simples e crédula espécie humana! Onde está, pois, neste mundo o que se conveio em chamar — bom-senso? — Talvez, senhores, concordamos nisto , seja tão diíiicil descobri- lo, como a este outro atlributo moral, que se chama—ver- dade, — c que, dizem , está escondida no fundo de um poço, onde ninguém se atreve a ir buscu-ia , com medo de afogar-se. E entretanto, senhores, existe no código brasileiro — 24 — inna lei que regula o exercicio da medicina; porém, lem sido alie"agora esta lei puramente nominal, salvo o caso, todavia, em que a autoridade se julgasse satisfeita desde qoe , como nos cumpria , curvamos pessoal e hulmil- demente a frente diante delia, e se persuadisse, então, de que já nenhum perigo corre a saúde publica. Se, desgra- çadamente, assim fosse, só nos restaria o exclamar com o sábio — Oh! justiça dos homens, quanto sois injusta! Porém , paremos, com o receio de tornar- mo-nos indiscreto ou enfadonho! FIM.