5t?ese FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA THBSB APRESENTADA Á Eaculdade de Medicina da Bahia EM 29 DE OUTUBRO DE 1910 PARA SER DEFENDIDA POR de Oliveira Sampaio AFIM DE OBTER O GRAU DE DOUTOR EM MEDICINA DISSERTAÇÃO (CADEIRA DE CLINICA MEDICA) Qlgumas considerações sobre a grippe e seu fratamenfo PROPOSIÇÕES Tres sobre cada uma das cadeiras do Curso de Sciencias Medicas e Cirúrgicas BAHIA OFFICINA XYLO-TYPOGRAPHIGA Rua do Corpo Santo, 59-2' andar 1910 FACULDADE DE MEDICIHA DA BAHIA Director — Dr. Augusto C. Vianna Vice-Director—Dr. Manoel José de Araújo LENTES CATHEDRATICOS 1. Secção Os Illms. Srs. Drs. Matérias que leccionam José Carneiro de Campos Anatomia descriptiva Carlos Freitas . Anatomia medico-eirurgiea 2. Secção Antonio Pacifico Pereira Histologia Augusto Ccsar Vianna Bacteriologia Guilherme Pereira Rebello Anatomia e Physiologia pathologicas 3. Secção Manoel José de Araújo ...... Physiologia José Eduardo Freire de Carvalho Filho. , Therapeutica 4. Secção Luiz Anselmo da Fonseca Hygiene Josino Correia Cotias Medicina legal e Toxícologia 5. Secção Antonino Baptista dos Anjos. .... Pathologia cirúrgica Fortunato Augusto da Silva Júnior . Operações e apparelhos Antonio Pacheco Mendes Clinica cirúrgica—1 .• cadeira Braz Hermenégildo de Amaral ... „ „ 2.- „ 6. Secção Aurélio Rodrigues Vianna Pathologia medica João Américo Garcez Fróes. .... Clinica propedêutica Anisio Circundes de Carvalho . . . Clinica medica—1.- cadeira Francisco Braulio Pereira „ „ 2.- „ 7. Secção José Rodrigues da Costa Dorea . • . Historia natural medica Antonio Victorio de Araújo Falcão . . Matéria medica, Pharmacologia e Arte de formular José Olympio de Azevedo Chimica medica 8. Secção Deocleciano Ramos Obstetrícia Climerio Cardoso de Oliveira .... Clinica obstétrica e gynecologíca 9. Secção Frederico de Castro Rebello .... Clinica pediátrica 10. Secção Francisco dos Santos Pereira .... Clinica opthalmologica 11. Secção Alexandre E. de Castro Cerqueira . . Clinica syphiligraphica e dermatológica 12. a Secção Luiz Pinto de Carvalho Clinica psychiatrica e de moléstias" nervosas João Evangelista de Castro Cerqueira / — .. . av* ... % , H . > Em disponibilidade Sebastiao Cardoso I 1 Lentes substitutos — Os Snrs. Drs. 1- Secção. José Affonso de Carvalho !• Secção. José Julio de Calasans 2- „ Gonçalo Moniz S. de Aragão e Pedro da Luz Carrascosa. „ „ Julio Sérgio Palma 8. „ José Adeodato de Souza 3 „ Pedro Luiz Celestino 9. ,. Alfredo F. de Magalhães 4- „ Oscar Freire de Carvalho IO- „ Clodoaldo de Andrade 5' „ Caio O. C. de Moura 11* „ Albino A. da Silva Leitão (!• „ Clementino Fraga 12- „ Mario de C. da Silva Leal Secretario — Dr. Menandro dos Reis Meirelles Sub-Secretario — Dr. Matheus Vaz de Oliveira A Faculdade não approva liem reprova as opiniões exaradas nas theses pelos seus auctores. ©wesoenoiaes. Esta these, que fomos obrigado a escrever, cedendo ao império das circumstancias regulamentares do ensino, não é um trabalho completo de um observador que se propõe a dar o balanço nas observações colhidas numa longa clinica. Somos apenas um obscuro doutorando, como tantos que ha por ahi além, mediocremente intelligente, medio- cremente estudioso. Gomo a grippe, entre nós, é um problema cuja solução urge procurar, resolvemos expol-o francamente, sinceramente, para que outros mais instruídos o re- solvam. As illusões theoricas, contrastando com as des- illusões colhidas na pratica hospitalar, não conseguiram obliterar escrúpulos, extinguir duvidas, maximé quando, agora mesmo, em nossos braços, cercado de médicos competentes, acabámos de perder um dos entes mais II queridos, arrebatado por moléstia assaz conhecida e estudada. Diremos o que apprendemos, sem esquecer alegrias e tristezas experimentadas á cabeceira dos doentes, assim como o que esperamos da medicina, o que lhe obtivemos em nossa clinica de estudante, pedindo aos mestres e aos leitores a maior reflexão nas paginas dessa monographia que entregamos aos nossos juizes, pedindo benevolencia, sem occultar impressões, sem alentar esperanças. São estas as nossas credenciaes. 0 Gtucíor. DISSERTAÇÃO f\Intimas considerações sobre a e seu tratamento CAPITULO I DESORIPÇÃO VERDADEIRAMENTE infectuosa, epidemica, conta- giosa e ipso facto microbiana, a grippe ou influenza ó toda uma serie de manifestações mórbidas que póde trazer differentes infecções semelhantes por innumeros caracteres clinicos. De aspecto polymorpho, estes caracteres evoluem, ora como inflam mações catarrhaes das vias respira- tórias, ora como embaraços gastro-intestinaes acompa- nhados de febre, ora como moléstias geraes e febris, sem localizações bem definidas; raramente elles se declaram por symptomas de meningite, de nephrite, otite, cystite, etc. Por mais dififerente que seja a sua expressão symptomatica, estes caracteres apresentam, sempre, certas particularidades que se impõem ao espirito clinico, tanto mais quanto não é raro observarmos a precocidade e a intensidade da depressão nervosa con- trastando com a benignidade das outras manifestações 4 mórbidas e a longa duração da convalescença fóra de proporção com a brevidade de periodo pyretieo. A estes traços mais notáveis vem juntar-se outros de somenos importância. A infecção grippal declara-se após um periodo de incubação, que póde ser de uma a doze horas, por cephalóa, dores polyarticulares, calefrios, desanimo, alucinações, estado syncopal, etc. Ella póde também declarar-se menos subitamente e tomar a simples feição de um defluxo. Este conjuncto symptomatico, que se observa sob diversos graus nas grandes pandemias grippaes, nas febres catharraes de certas estações, em certas epide- mias circumscriptas ou em alguns casos esporádicos, permitte, como dizem alguns auctores, reunir sob a denominação de grippe ou infecção grippal os casos mais dessemelhantes. Para estes auctores, conforme as circumstancias e a maior ou menor virulência do germen que a produz, a grippe seria pandémica, epidemicae esporádica. Esta concepção deu logar a innumeras discussões. Conforme a etiologia e os dados scientificos não podemos deixar de dizer que na Bahia a influenza é uma moléstia epidemica, com caracteres especiaes (diffusibilidade extraordinária, apparecimento, perma- nência e desapparecimento rápidos), com germen espe- cifico ainda não conhecido. 5 Quanto á parte bacteriológica, discordamos de muitos auctores, inclusive Dieulafoy, que diz que os diversos organismos que se encontram nos influenzados, taes como o streptococco piogeno, que é o mais com- mum, o pneumococco, o pneumo-bacillo, o stapliylo- cocco, são agentes secundários e que o principal e unico responsável pela grippe é o bacillo de Pfeiffer, descoberto em 1892. E’ verdade que os primeiros são agentes secun- dários, mas, o cocco-bacillo de Pfeiffer ó raramente encontrado nos escarros dos influenzados, graças aos processos liabituaes de coloração dos microbios. Elle difficilmente cora-se pelas côres da anilina, facilmente pelo Zielil diluido, mas, não toma o Gram. Alguns auctores dizem que, depois da coloração, o cocco-bacillo apparece no meio do mucos e leucocytos, com a fórma de um bastonete muito delgado, mais delgado que qualquer bacillo, muito curto e só mente duas ou tres vezes mais long{o do que largo, tomando assim o aspecto de um cocco-bacillo; quando estes germens se juntam dous a dous, pelas suas extremi- dades, simulam um diplococco, e quando tres a tres um streptococco. 0 cocco bacillo de Pfeiffer é mal cultivado nos meios ordinários de nutrição dos microbios; é seu meio predilecto a gelose, em cuja superfície algumas gottas de sangue, ou uma mistura de gelose e lierno- 6 globina, levada á estufa a 37°, durante 24 horas, quando serão percebidas algumas colonias pequenas, apresen- tando o aspecto de pequenas gottas transparentes, sem tendencia a se juntarem, conforme Kitasato. Nestes meios o cocco-bacillo poderá viver, 15 a 18 dias no primeiro e 30 a 40 no segundo. Este cocco 'bacillo mostra um grande satcllismo cultural para o staphylococco dourado, em cuja presença elle muito se desenvolve nos meios supra-citados. Infelizmente, as pesquizas feitas, depois, em vários paizes, não confirmaram a specificidade do cocco- bacillo de Pfeiffer. Si este agente é encontrado em certas epidemias de grippe, não o é em muitas outras, em as quaes o streptococco, o pneumococco, o pneumo-bacillo, o micrococcus catarrhalis, etc., sós ou associados, gozam de papel importante. Em verdade, a parte bacteriológica da influenza é um problema ainda não resolvido, um X ainda incognito. Tal é a doctrina moderna, commummente admittida pela maioria dos observadores. Para nós, ella está de accordo com os dados da etiologia, da bacteriologia e da clinica. Oomo nas diversas edades a grippe offerece algumas particularidades clinicas já bem conhecidas, resolvemos fazer o seu estudo na creança, no adulto e no ancião, apezar da fórma geral e das principaes manifestações que distinguem esta moléstia. CAPITULO II A GRIPPE NO MENINO AINFLUENZA é muito mais rara no menino que no adulto e só excepcionalmente ella attinge a creança de peito, devido ás condições do meio em que esta vive. Os meninos mais avançados em edade e crescimento, aquelles cuja liberdade não é tolhida, são, verdadeira- mente, os mais attingidos pelo morbus. Não será mesmo heresia scientifica dizermos que a sua predisposição augmenta com a edade, com o ajuntamento. Nos collegios, onde certamente augmentam as pro- babilidades de contagio, cincoenta e até setenta e cinco por cento dos meninos são atacados, sem distincção de sexo nem de côr, e em um periodo de tempo muito breve. Esta percentagem elevada vem em apoio ao nosso fraco modo de pensar, muito ao contrario do de alguns auctores, pondo em evidencia a extrema diffusibilidade do contagio e a extrema predisposição 8 dos meninos para a infíuenza, mui principalmente' quando estes se acham, reunidos em grande numere nos mesmos locaes, corno nas nossas escolas,, cujos professores ignoram as sabias leis da prophylaxia. Não ha quem desconheça as pequenas epidemias, familiares em que todos os membros da communidade, pequenos e grandes, pagam o seu tributo a tão ingrata- enfermidade. Symptomatoíogía e estudo crinlco—Devemos chamar a attenção do leitor para algumas particulari- dades próprias ás diversas phases da infancia e que merecem preciosa consideração. De ura modo geral, podemos dizer, sem medo de contestação, que a grippe não é tão grave nas creanças de dois a dez annos, nas quaes são mais raras as com- plicações para o lado das vias respiratórias, o systema nervoso menos abalado, a convalescença muito mais rapida. Na creança de peito ó muito mais séria a infíuenza, muito mais graves os accidentes pulmonares; em regra geral, o quadro morbido, nesta edade, torna-se mais negro. Sobre estes dous pontos ainda pretendemos voltar. Agora, é justo que digamos alguma cousa sobre a segunda infancia. Nesta edade o ataque grippal é completamente 9 variavel, segundo o caracter epidemico da moléstia, segundo a posição geograpliica das localidades e con- forme a epidemia está em começo, no acme ou no decrescimento. A grippe varia egualmente conforme a resistência individual, de modo que a sua acção é mais energica sobre os orgãos mais enfraquecidos e mais frágeis, mui principalmente sobre aquelles que se acham miopragicos devido a qualquer moléstia anterior eu ainda sobre os systemas orgânicos hereditariamente debilitados. Nesta quadra, a grippe tem um começo brusco e a invasão faz-se, em verdade, rapidamente. E tanto é assim que ha calefrios fortes, lassidão, febre, ceplialalgia e vomitos, constituindo a moléstia. Mui raramente, porém, existe uma phase prodromica que se caracteriza por anorexia, catarrho oculo-nasal e fadiga. No periodo estacionário, o influenzado é atacado pela intensidade dos phenomenos nervosos, o que constitue o traço mais saliente da moléstia, mesmo na creança. Esta se torna, deveras, abatida e somnolenta; a ceplialéa vem habitar as regiões super-orbitarias; a pressão do globo ocular torna-se bastante dolorosa, do mesmo modo que são penosos os movimentos dos olhos e da cabeça. Ao mesmo tempo é notada uma lassidão que vae a pouco e pouco se generalizando pelo corpo, os membros inclusive. Ao nivel das massas sacrodombares, a dôr torna-se tão pronunciada que 10 chega ao ponto de impôr-se e fazer crer na caracte- ristica rachialgia da variola; ella existe ainda na conti- guidade dos membros, no nivel das articulações, exagge- rando-se com a pressão.e os movimentos. O doente torna-se apoderado de uma lassidão invencivel e de tal maneira prostrado que lhe ó quasi impossivel qualquer esforço physico ou intellectual. A sua face torna-se congesta e vultuosa, excepção feita para as fôrmas severas em que as feições se tornam pallidas e abatidas. Em certos casos, porém, encontram-se delirios e convulsões, proprios de quasi todas as infecções graves. A estas perturbações não é raro se ajuntarem os signaes de catharro respiratório e oculo-nasal. As conjunctivas e a mucosa pituitária são muito irritadas, as suas secreções assás abundantes. A tosse é secca e apresenta accessos frequentes, sem que, ás vezes, possam ser observados outros sym- ptoraas que não sejam os de um defluxo ou de uma bronchite simples. 0 appaíelho digestivo é bastante interessado; a lingua é branca e, quasi sempre, coberta por um tapete espesso, de um branco amarellado; a sede é intensa ; o fundo da garganta torna-se a séde de um rubor erythematoso, salpicado de placas opalinas. Os vomitos são frequentes, a constipação regra geral, a diarrhéa cousa rara; 11 Sómente nas fôrmas graves se poderá encontrar o baço hypertrophiado. Complicações cardíacas são raramente verificadas; no emtanto, o pulso ó frequente. As urinas apresentam- se, sempre, carregadas, muito ricas em urato, mas a albumina é excepcionalmente encontrada. A febre ó irregular sagundo as fôrmas de grippe e pôde persistir dez e quinze dias e mais, sem que, pelo minucioso exame, se possa demonstrar a mais insignificante complicação. Variando de 39 a 40° á noite, a febre apresenta, habitualmente, uma remissão pela manhã. Exanthemas diversos podem ser observados desde os tres primeiros dias da moléstia. Ora são erupções escarlatiniformes ou rubeoliformes, ora erythemas sudoraes, sudamina, urticaria, herpes. Os phenomenos dolorosos duram trinta e seis a quarenta e oito horas e a pouco e pouco vão se atte- nuando, para desapparecerem completamente. A febre vae baixando paulatinamente, a defervescencia é quasi sempre progressiva e o thermometro, cada dia, vae registrando alguns décimos de gráo a menos. A quóda tliermica é excepcionalmente brusca e pôde se acom- panhar de phenomenos criticos, taes como suores profusos, diarrhéa, polyuria, erupções herpeticas. A convalescença ó sempre difficil e de longa duração por mais benignos que sejam os accidentes determi- nados pela influenza. 12 A creança emmagrece, torna-se pallida, fica fati- gada, parecendo ter sido victima de uma moléstia ainda mais grave. Na creança, as reincidências são menos frequentes que no adulto. Formas clinicas no menino — Duas fôrmas de grippe podemos descrever no menino: uma fôrma benigna, de média intensidade, e outra grave, na qual podemos encontrar todos os symptomas, terríveis e intermediários. A fôrma benigna ou de média intensidade ó a mais commum e muito se parece com uma broncliite, cujos symptomas principaes seriam violentos e insolitos; toda a economia é attingida como nos longos períodos febris e durante alguns dias o doente é preso de lassidão, de enfraquecimento muscular, de cephaléa frontal ou mesmo occipital, epicrania, sendo de notar que estas dores augmentam em cada accesso de tosse; o menino tem pouca febre, não tem appetite, a sua garganta ó congesta, sua lingua saburrosa; quasi sempre lia câim- bras nos membros, calefrios repetidos, como também catarrhos nasal, ocular, pliaryngêo; estes symptomas podem deixar de existir, declarando-se a grippe por um catarrho laryngeo ou bronchico, não raro acompa- nhado de dysplionia e accessos de tosse dolorosa e incommoda. A expectoração torna-se cada vez mais 13 espessa; pela escuta percebem-se estertores roncantes e sibilantes, a sede augmenta com a febre á noite, para diminuir pela manhã. A febre póde ser diminuta, contrastando com os symptomas dolorosos, ceplialéa, dôres peri-articulares, lombares, das costellas, do racliis, que podem se revestir de notável intensidade. Noutros doentes são as perturbações digestivas que vem abrir a scena: anorexia, vomitos, nauseas, embaraços gastro-intesti- naes, derramamento bilioso. Seis a oito dias após, apparecem symptomas crí- ticos, annunciadores da cura: epistaxios, diarrliéa, herpes labial e suores ás vezes abundantes. Em poucos dias, todos estes symptomas desappa- recem e a convalescença é rapida. Esta benignidade não evita as complicações de que falaremos na fórma grave. Fórma grave — A fórmagrave da influenza cara- cteriza-se pelo augmento dos symptomas supra-men- « cionados, havendo ainda delirios e syncopes que vêm ennegrecer o quadro pathologico, quer pelas lesões deixadas, quer pelos symptomas que emprestam a cada epidemia uma feição séria e terrível. Assim como se verifica em outras moléstias epide- micas, taes como o typho, a varíola, o sarampão, a dysenteria e a escarlatina, a influenza também está sujeita ás diversas variações de symptomas que lhe dão 14 uma feição especial, de accordo com as condições climatologicas, telluricas e atmosphericas da localidade onde, por isso mesmo, se torna maior ou menor a virulência do germen ainda desconhecido que a produz. Foram estas diversas lesões e estes symptomas graves que levaram os auctores modernos, depois de apurado estudo sobre os diversos graus das epidemias e da predisposição de cada individuo, a descrever a grippe com predominância nervosa, thoracica e abdo- minal. Formas nervosas — Certas fôrmas consistem simplesmente na accentuação e no exaggero das pertur- bações nervosas, que são o cortejo habitual da in- fluenza. Ha, quasi sempre, cephaléa dôres musculares e lassidão assás violentas, como existem ainda agitação, delirio, convulsões e elevação thermica. Podem apparecer certos symptomas que, de algum modo enganadores, tornam hesitante o diagnostico. Desde o começo, oú mesmo no curso da moléstia, apresentam-se terriveis dôres de cabeça, vomitos, muita febre, torpor e coma. 0 signa 1 de Kernig ó observado, ha rigidez da nuca, desigualdade das pupillas, estrabismo, irregularidade do pulso, hyperesthesia e, em summa, todos os sym- ptomas caracteristicos de uma meningite. Realmente, as meninges são ligeiramente atacadas; 15 com isto o clinico não deverá desaminar totalmente, visto como a cura quasi sempre sobrevem, sem deixar prejuizos. Em certos casos, porém, os symptomas cere- braes, ou mesmo cerebro-espinaes, podem assumir tal 0 caracter que parecem resumir em si toda a infecção grippal, conforme Dieulafoy; a cephaléa pó de ser lancinante., gravativa ou em marteladas e também com sensação de aperto nas regiões temporaes. Muita vez, esta cephaléa se acompanha de photo- pliobia. Esta pseudo meningite ou meningite grippal não é mais que a consequência de complicações de origem pneu mo nica, broncho-pneumonica e de otite suppu- rada, devidas a alguns agentes microbianos residentes no pulmão, nos bronchios, no nariz e no ouvido, agentes que certamente deixaram estes locaes e emigraram para o cerebro.. É esta a theoria actualmente em voga e a unica adoptada pelos auctores modernos. A grippe também póde determinar a poly-nevrite, a meningo-mielite, a poly-mielite, a paralysia ascen- dente, conforme as circumstancias e segundo a resi- stência de cada indivíduo. Fôrmas thoracicas—Às fôrmas thoracicas,con- forme os symptomas, ora apresentam determinações para o lado do apparelho respiratório, ora para o lado 16 do coração, razão peia qual estudaremos, separada- mente, a fórma respiratória e a fôrma cardíaca.. Fôrma respiratória—Na grippe, muito ao con- trario do que dizem certos auctores, esta fôrma é muito rara. E certo que ás vezes se trata de uma laryngite ou de uma simples trachéo-broncliite. Certos casos de laryngite estridulosa grave têm sido apreciados, do mesmo modo que algumas bronchites diffusas trazem algumas perturbações pulmonares. Geralmente, porém, esta fórma de grippe começa pelos symptomas de catarrho- ocuio-nasal. A pneumonia lobular ou broncho-pneumonia é uma das rnais sérias manifestações da influenza e caracteriza-se bacteriolo- gicamente pela presença do streptococco, ao qual vem se juntar ainda outros germens, taes como o pneumo- cocco, o pneumo bacillo, o stapliylococco, etc. A broncho-pneumonia que se apresenta neste período grippal é idêntica á bronclio-pneumonia classica. Na França, durante a epidemia grippal de 1837, eram tão frequentes estas broncho-pneumonias que muitos casos de obitos foram registrados, segundo Nonat. Mais terrível ainda é a manifestação grippal da pneumonia, com o seu germen especifico, pneumonia infecciosa, com todas as suas manifestações e conse- 17 epiencias: pleuresia, endocardite, pericardite, me- ningite, etc. Para Menetrier (1), nem sempre esta pneumonia é uma complicação da grippe; ás vezes, ella mani- festa-se primitivamente, constituindo uma epidemia •concomitante. Dalii, a consequência lógica: estas duas moléstias, grippe e pneumonia, são duas affecções independentes, embora tendo grandes affinidades uma para outra. Para Widal «é multo outro 0 começo da pneumonia grippal. Apparecendo no principio da moléstia, ella sobrevém conj u neta mente, como manifestação primitiva ■da grippe, fazendo crer na invasão de uma pneumonia franca. > Estamos de pleno accordo com este patliologista e, para nós, 0 começo desta pneumonia é insidioso, sem calefrios, sem pontada violenta, como já tivemos occasião de observar num influenzado, em quem os estertores crepitantes tinos eram substituidos por ester- tores sub-crepitantes, 0 sopro não era francamente tubario ; os escarros eram muco-purulentos, em vez de viscosos; a dyspnéa era muito energica e paroxistica, o pulso filiforme. A grippe respiratória torna-se ainda muito grave (i) Menetrier.—Grippe ei pneuwionie en 188b—Thèse de Paris —1886, 18 para as creanças- cujos pulmões apresentam taras ante- riores, para aquellas cujo thorax é deformado e que já soffriam de bronehite ou de asthma. Mais terríveis ainda são as manifestações de con- gestões pulmonares, como pensam Graves, Lemoine, Makereel, Puffocq, Hirtz, etc; As congestões pulmonares agudas, sobrevindas no curso da grippe, são muito frequentes. Destas con- gestões, as que têm dado logar ás mais interessantes discussões são as que affectam a fórma pneu roo nica.. Pelo seu inicio brusco, expectoração espessa, gommosa, depois cor de ferrugem e viscosa, pela intensidade da dyspnéa e signaes pliysicos, a congestão pulmonar grippal, com fórma pneumonica, póde, per- feitamente, simular a pneumonia franca, da qual não se distingue senão pela sua curta duração e a rapidez de sua evolução. As congestões pleuro-pulmonares não são raras na grippe. Ora ellas affectam o typo clinico muito bem des- cripto por Potaín, Serrand e Duílocq, ora ellas revestem a fórma de simples catarrlio pulmonar. No primeiro caso, os symptomas passam por duas phases: uma, primeira, pleuro-pulmonar na qual, aos signaes de congestão pulmonar, precedentemente descriptos, se associam crepitações pleuraes, isto é, bolhas mais seccas, mais finas que as do estertor crepitante e todas 19 igualmente superficiaes; outra, puramente pleural, na qual se encontram todos os signaes de um verda- deiro derramen abundante. Feita a puncção, não se encontra senão pouco liquido, 100 a 200 grammas. A abundancia do liquido não é senão apparente : o pulmão, congestionado, mergulha no liquido, que sobe, como uma lamina delgada, até certa altura, podendo enganar o clinico mais experiente. Devemos assignalar ainda as congestões pulmo- nares de fórma asphyxiante, muito bem descriptas por Graves e ultimamente por Iiuchard e Rendu. Pela ausência total de signaes physicos e de expectoração, cilas se afastam da bronchite capillar, da qual se appro- ximam, entretanto, pela intensidade da dyspnéa e a gravidade dos phenomenos geraes. Attribuidas, por Iiuchard, a uma suppressão funccional do pneumo- gastrico, ellas podem trazer a morte rapidamente. Ferrand, em fim, descreve uma fórma atelecta- sica da congestão pulmonar grippal, que se cara- cteriza por uma diminuição do murmurio vesicular, com exaggero de resonancia e augmento de vibrações thoracicas, o que não e, geralmentei senão a primeira phase da congestão pulmonar verdadeira, Da congestão, é preciso approximarmos o édema pulmonar de origem grippal. As vezes, este edema é secundário á bronchite : quando a inflammação dos bronchios dura já de algum 20 tempo, os pulmões, na opinião de Graves, tornam-se a sede de um édema mais ou menos considerável, o que torna mais graves a tosse e a dyspnéa, chegando-se a perceber, pela escuta, alguns estertores húmidos, disseminados em varias regiões do peito. Segundo este auctor, taes estertores revelam a inflammação serosa. Em outras circumstancias, o édema ó primitivo. Na enumeração dos agentes infecciosos, capazes de provocar este syndroma, devemos, diz Teissier, uma menção bastante própria á grippe, que, a seu ver, é a infecção de escolha, como agente provocador do édema congestivo agudo do pulmão. Fouineau cita diversos exemplos e Rendu diz ter observado dous casos typicos de édema agudo do pulmão, sobrevindos no curso da grippe, desemba- raçados de qualquer processo pneumonico ou broncho- pneumonico (1 ). Este édema, segundo Iíuchard, póde affectar tres fôrmas differentes: ora ó super-agudo, verdadeira- mente fulminante; ora ó agudo, e passa então por duas pliases: uma, primeira, com expectoração abundante e hypertensão arterial, segunda, em que a expecto- ração se torna rara e a tensão arterial ó baixa. Em uma terceira fórma, dita broncho-plegica conjunctamente, (i) Congresso de Paris, 1900. 21 os bronchios não tem mais força para expulsar o liquido: o doente succumbe, rapidamente, pela asphyxia. As plenresias grippaes podem revestir todas as fôrmas clinicas: pleuresia secca, sero-fibrinosa, puru- lenta, pútrida, gangrenosa e mesmo, excepcionalmente hemorrágica. A pleuresia secca acompanha, quasi sempre, a congestão pulmonar. A pleuresia serosa succede a esta muitas vezes. A pleuresia purulenta pôde ser causada pelo streptococco ou pelo pneumococco. A pleuresia pútrida é habitualmente consecutiva a uma embolia partida de um fóco pútrido mais ou menos afastado. Finalmente, as pleuresias gangrenosas vem complicar uma gangrena cortical do pulmão; seu prognostico ó extremamente grave, ainda que já se contem alguns casos, aliás rarissimos, de cura. Quanto á dyspnéa, Graves é de opinião que na epidemia de 1834, ella muito concorreu para que a grippe se tornasse muitas vezes mortal. A gangrena pulmonar grippal, pôde manifestar-se no inicio, no acme ou na convalescença da moléstia. Ella pôde ser circumscripta ou diffusa, com ou sem pyo - pneumothorax, sendo que esta ultima compli- cação é de prognostico sempre mortal (d). Favorecida (i) De Gaze—Gangrene pulmonaire grippale, Thèse de Paris — 1896. 22 pela existência anterior de cacliexias, de alcoolismo, de diabetes, ella evolue rapidamente, complicando-se de plenresia gangrenosa e de infecção pútrida, se termi- nando habitualmente com a morte. Fôrma cardíaca — A grippe grave, com predo- minância tlioracica e de fórma cardiaca, apresenta symptomas taes, que gozam de papel importante. Muitas vezes, diz Widal, «a gravidade da moléstia de- pende unicamente do estado do coração. A predilecção notada da grippe para os pulmões faz com que o coração se veja, subitamente, obrigado a contrahir-se energicamente para lutar contra a oppressão da circu- lação pulmonar e é, precisamente, neste momento, que o coração é por sua vez attingido, não somente em seu envolucro endopericardico, mas ainda na intimidade de suas fibras musculares » (d ). Estes symptomas já foram estudados por diversos auctores, que tem chegado a diíferentes resultados. Quanto a nós, pensamos que a endocardite e a pericardite são muito raras e que variam também em relação com qualquer infecção super-ajuntada. Quanto á myocardite, os auctores antigos attri- buiam-na a phenomenos de desfallecimentos, de insuffi- ciencia cardiaca, muitas vezes observada: palpitações, (i) Traité Charcot-Bouchard—T. II, 2- édition, p. 238. 23 irregularidades do pulso, intermittencias, embryocar- dia, tendencia ao collapso e á syncope. Em realidade, a myocardite ó excepcional; as perturbações que vimos de assignalar (perturbações notáveis pela rapidez com a qual ellas apparecem e desapparecem) não podem ser explicadas senão pelas alterações funccionaes do myocardio. « O pulso, diz Graves, conserva, raramente, cara- cteres idênticos no curso de uma grippe; haveis de encontral-o primeiramente rápido e duro; seis horas mais tarde, elle será rápido e molle; após seis ou oito horas e mais, elle terá voltado á frequência quasi normal; mas, no dia seguinte, haveis de achal-o vivo e saccadé. Estas mudanças coincidem com modificações na temperatura e na sequidão da pelle Porém, o que ha de mais notável é que, no fim da moléstia, o pulso torna-se algumas vezes cheio, forte e vibrante e isto em individuos que soffrem semanas inteiras. > Estes caracteres variam não somente com a phase da influenza, mas ainda com as epidemias. É assim que para Hennish (1580), o pulso é pe- queno, accelerado e desigual. Para Dupeau (1778), o pulso é pequeno, baixo e abatido. Leveillé (1802) affirma que o pulso é molle, e frequente, fugindo sob o dedo, havendo mesmo alguns symptomas de inflam- 24 mação local. Pará Huchard (1) «o mais das vezes o pulso é frequenter fracoy retrailido r ás vezes imper- ceptivel y>. Durante a convalescença, elle é frequentemente instável, isto ô, as pulsações tornam-se acceleradas, de um modo exaggerado, sob a influencia do mais insignificante movimento e mesmo pela simples mu- dança da posição horizontal que guarda o doente para assentar-se no leito, O estado do myocardio infíue sobre a tensão arte- rial, nestes últimos annos muito bem estudada por Huchard. Conforme este grande cardio-pathologista universal, o abaixamento da tensão arterial ó um dos caracteres clinicos mais importantes nesta fôrma de grippe. Muito mais que a febre typhoide, a grippe abaixa a pressão vascular; isto, em grande parte, explica a producção do rythmo fetal do coração, como obser- vámos no curso da moléstia de um infíuenzado, em Joazeiro. Além destas lesões organicas não ó raro os doentes accusarem um certo numero de symptomas funccionaes: palpitações, isto é, segundo a definição de Laennec, batimentos do coração, sensiveis e incommodos, syn- copes, lipothymias, etc., conforme observámos no (i) Huchard—Consultations Médicales—igoi, p. 405. 25 doente supra-citado. Em certos casos, tem-se mesmo assignalado crises de angina do peito, que se explicam pela frequência das lesões aorticas no curso da influ- •enza. Em summa, a grippe, mesmo atacando um orga- nismo são, póde determinar perturbações funocionaes ou lesões organicas do coração. Ainda não é tudo. Quando os doentes apresentam anteriormente uma lesão do orgão central da circulação, esta lesão póde -ser revelada pela infecção grippal. Este facto foi assignalado por Graves, desde 1862 : «A epidemia de 1837, diz este notável auctor, era mortifera para os individuos avançados em edade; não o era menos para os sujeitos attingidos por uma affecção cardíaca, e isto sem distincção do edade: os moços succumbiam como os outros 0 mesmo auctor cita o exemplo de um estrei- tamento aortico, desenvolvido em um homem com 54 annos de edade, e de uma vida activa; seis mezes antes de sua morte, sem que tivesse experimentado o menor incommodo, foi elle attingido por uma forte dyspnóa, quando subia uma collina. Um mez antes de sua morte, o doente havia tido grippe e consultara Graves que observou a existência de um sopro systolico, na região aortica. Ilavia bronchite, tosse e accessos de asthma. Estes accidentes augmentaram muito rapidamente, 26 a orthopnéa e a hydropisia se apresentaram e a morte sobreveio subitamente. Esta observação, diz Stockes, é muito interessante pelo movimento brusco «dos symptomas de uma molés- tia que, ha muito tempo, estaria em via de progresso. Dons casos concorreram para avançar, nas condi- ções da vitalidade do coração, a modificação cujos effeitos trouxeram a morte: o esforço que fez o doente para subir uma collina e a invasão da grippe (1). Resumindo, diremos que o prognostico da grippe está ligado, em grande parte, ao estado do coração e particularmente ao funcionamento do myocardio. A nutrição do myocardio está, por sua vez, sob a depen- 'dencia do systema nervoso. E a esta conclusão que chegou Iluchard quando emittiu estas duas propo- sições : 1?—a influencia depressiva da grippe não se exerce somente sobre o systema nervoso, mas também sobre o systema circulatório; 2a—esta depressão cardio-vascular póde ser conse- cutiva á do systema nervoso. Em vista do modo como acaba de exprimir-se o venerando sabio, julgamos ter andado acertado quando subdividimos em respiratória e cardíaca as deter- minações graves da grippe com fórma thoracica. (i) Traité des maladies du ccsur—Traduction de Sénac, p. i56. 27 Fôrmas abdominaes—Nos meninos, estas fôrmas ora apresentam determinações com predominância sobre o apparelho gastro-intestinal, ora sobre o apparelho urinário, razão pela qual descreveremos principalmente a grippe grave com predominoncia grastro-intestinal e em seguida a grippe nepliritica. Grippe com predominância gastro-intes- tinal — Os meninos attingidos por esta fôrma são aquelles cuja hygiene alimentar não é observada ou que, anteriormente, soffreram das vias digestivas: dyspepsia, enterite, etc. A moléstia pôde revestir algumas moda- lidades clinicas. Neste primeiro typo, parece tratar-se de um ataque de cholera infantil. 0 menino é tomado de diarrhéa, vomitos violentos, febre elevada (40.°), cólicas abdominaes; o ventre se mateoriza e torna-se sensivel á pressão; o fácies se altera de tal maneira que parece o fácies da peritonite; as urinas são escas- sas, o baço e o figado, hypertrofiados, são sensiveis. A familia e o medico ficam sobresaltados, quando, sob a influencia da dieta hydrica, todos estes sympto- mas alarmantes desapparecem. • Algumas vezes, porém, a enterite dysenteriforme é observada. A associação dos phenomenos nervosos e das per- turbações gastro-intestinaes podem, em certas o oca- siões, trazer a idéa de uma febre typlioide. Nestas 28 circumstancias, o inicio é quasi brusco como o da grippe; no emtanto a moléstia prolonga-se e, no fim de oito a dez dias, o doente tem o aspecto de um typhico. 0 embaraço augmenta ainda quando a affecção começou de uma maneira lenta e insidiosa, por acei- dentes gastro-intestinaes. A idéa da dothienentheria apresenta-se, então, ao espirito do clinico, e o catarrho broncliico, sobrevindo no fim de uma semana, não faz mais do que confirmar taes presumpções. “No entretanto,dizHutinel, a lingua é liabitualmente húmida, a constipação mais frequente que a diarrhéa, não ha manchas rosadas lenticulares, o baço não é hypertrophiado ... A cephaléa é intensa, os globos oculares são dolorosos á pressão. Iía dores nos membros; a curva thermica é irregular,,. Final- mente, porém, o sero-diagnostico de Widal será nega- tivo na grippe e positivo na febre typhoide. Em certo numero de casos, a grippe evolue sob a fórma de uma dothienenteria e sua duração póde ser de duas a tres semanas. Nesta fórma de grippe ainda podem ser encon- trados outros symptomas: dôr na cavidade epigastrica, erythema do pharynge, periostites alveolodentarias, stomatite aphthosa e ulcerosa. Póde o doente apre- sentar dysphagia, espistaxio, amygdalite suppurada, tenesmo, caimbras, todos os symptomas biliosos, como foram observados na epidemia de Vienna (1775). 29 JPephrite grippal — E* esta uma das fôrmas fre- quentes desta moléstia. Podemos encontral-a não raro apresentando cara- cteres polymorphos (1). Quasi sempre ella ó benigna e breve, podendo tomar uma significação mais grave; as urinas sendo raras, sanguinolentas, havendo symptomas de uremia, cephalóa, dyspnéa, diarrhéa, vomitos, symptomas, estes communs á própria grippe, que sob esta fôrma pôde trazer o mal de Bright, caso os rins já estivessem tocados por alguma infecção anterior. A quantidade de albumina encontrada na nephrite grippal pôde ser variavel, já tendo sido encontrados tres a seis grammos em vinte e quatro horas. Grippe nos amamentados — Nas creanças de peito podemos descrever tres fôrmas de grippe: ner- vosa, respiratória e gastro-intestinal. A fórma nervosa tem um começo brusco a febre pôde chegar ou attingir 40°, a creança sendo presa de terriveis convulsões. 0 doentinho fica, devéras, abatido, somnolento, não pôde mammar, chega a ter vomitos, dorme mal, desperta sobresaltado, em gritos. Feliz- mente, porém, estes symptomas desapparecem no fim de vinte e quatro, trinta e seis ou quarenta e oito (i) Tuvache—Nephrite grippale—These de Paris—1892. 30 horas, sendo muito raro perdurarem mais de tres ou quatro dias. Na fôrma respiratória, o começo póde ser rá- pido ou progressivo. Sendo progressivo, o coryza abre a scena, precedendo os accidentes pulmonares que consistem em bronchite diífusa, congestão disseminada em fócos mais ou menos generalizados. A febre, a agi- tação e a anorexia existem no mesmo grau que 11a fórma precedente. Algumas vezes a creancinha é to- mada, quasi subitamente, de diarrhéa, vomitos e abati- mento, ou ainda de febre, constipação, meteorismo, ventre doloroso, mormente á pressão. Ainda se podem notar, ao mesmo tempo que 0 rubor da garganta, ver- dadeiras erupções cutaneas. A cura sobrevem em dous ou tres dias. Complicações — As complicações pulmonares devem ser consideradas como as mais graves no menino. São 0 resultado de infecções secundarias de origem streptococcica, ou pneumococcica principalmente, posto que certos micro-organismos possam tomar parte na grippe, taes como 0 cocco-bacillo de Pfeiffer, 0 staphy- locco, 0 pneumo-bacillo de Friedlandeer. Além das broncliites, das congestões pulmonares, de certos casos de bronchites capillares observadas nos rachiticos e nos debilitados, a complicação mais séria e terrivel é a bronclio-pneumonia. 31 As complicações auriculares são frequentes nesta moléstia; resultam, como já dissemos, da extensão do processo infeccioso do pliarynge ao ouvido médio, por intermédio da trompa de Eustaquio. Estas otites médias chegam, muitas vezes, á suppu- ração e, por consequência, á perfuração do tympano. Nos casos graves e como consequência das suppura- ções do ouvido médio, podem sobrevir mastoidites o até meningites. Para o lado dos olhos, póde haver conjunctivites e keratites, aliás sem gravidade. Não-* nos esqueceremos de mencionar as adenites e os adeno-phleugmões do pescoço, do pliarynge ou do larynge, adenopathias tracheo-bronchicas, certos casos excepcionaes de pleuresias, pericardite, arthrites sup- puradas, nephrites, cystites, orchites, epididymites, vaginalites (1). Prognostico e diagnostico—0 prognostico da influenza ó muito benigno nos meninos; é, todavia, um pouco mais sério, sem ser grave, nos amamentados. Quando a morte sobrevem, ella ó o resultado, quasi sempre, de complicações broncho-pulmonares. 0 diagnostico, em tempo de epidemia, ó muito facil. (i) Pailloz—Localisation de la grippe sto* Vurêthre, le testicule et ses annexes—Thèse de Paris—1896. 32 0 dengue se acompanha de violentas dôres articulares, de erupções morbeliformes ou escarlatíniformes, não apresentando catarrlio oculo-nasal e broncliico. A evolução da grippe permitte distinguil-a facil- mente da variola, do sarampão e da escarlatina. Quanto á febre typhoide, o diagnostico é mais delicado. Quando ha accidentes meningiticos, convém ser-se mais reser- vado e, os plienomenos persistindo, deve-se fazer uma puncção lombar, que de certo modo tornará mais claro o diagnostico. Tratamento—0 tratamento é, muito simples. A alimentação deverá ser leve: caldo de legumes, leite, tisanas. A desinfecção das primeiras vias respiratórias será feita com um cuidado particular: lavagens da bocca com sumo de limão, agua oxygenada ou boricacla, instillações, nas narinas, com oleo cam- phorado ou mentholado e solução de glycerina pheni- cada a 1/30 ou ainda uma mistura de glycerina e licor de Van Switen nos ouvidos. Si existe depressão deve-se prescrever o acetato de amoniaco. A febre sendo elevada, a agitação pertinaz, as dôres penosas, prescreve-se a quinina, o pyramido, a aspirina, e o salicylato de sodio. Quando a grippe offerecer um caracter mais grave, o tratamento será mais energico. 33 Nas fôrmas hyperthermicas, devemos recorrer á balneotherapia fria. A faixa thoraciea de flanella embe- bida dagua fria nos prestará grandes serviços nas com- plicações pulmonares, ao passo que nas fôrmas menin- giticas devemos recorrer aos banhos quentes e á puncção lombar. 0 calomelanos e o oleo de castor serão reser- vados para as fôrmas gastro-intestinaes, nas quaes a dieta hydricaj exclusiva* poderá prestar serviços incal- culáveis. Si as cólicas são violentas, o medico deverá applicar compressas quentes sobre o abdómen. Uma vez o me- nino em convalescença, devemos prescrever-lhe uma alimentação reconstituinte e a mudança do ares. Voltaremos sobre estes diversos pontos quando tivermos de expor o tratamento no adulto. CAPITULO III A GRIPPE NO ADULTO t ENO ADULTO que a grippe assume, principalmente, as fôrmas mais terriveis. As grandes pandemias grippaes tem deixado a mais triste lembrança nos annaes da sciencia medica. Certas invasões de iníluenza tôm-se mostrado tão mortiferas quanto a peste ou a variola ántes da gloriosa descoberta do methodo de Jenner. Em 0 anno de 1580, a grippe matou, em Roma, talvez mais de nove mil pessoas; em 1837, Dublin perdeu mais de quatro mil habitantes, victimados por tão pernicioso morbus, que, lia pouco tempo, veio roubar á Inglaterra e ao Brasil as suas duas mais altas auctorida- des ([), poupando-nos 0 dissabor de perdermos, em xYgosto p. passado, a maior cerebração brasileira (2). (1) Eduardo VII, Rei da Inglaterra, e Affonso Penna, Presidente do Brasil, foram victimados por grippe. (2) Ruy Barbosa, também atacado pelo morbus, quasi é por elle victimado. 36 Graves é de opinião que a influenza traz uma mortalidade maior que o cholera. Estamos de pleno accordo com este auctor, porque a grippe attinge indifferentemente, todas as classes da sociedade, sem distincção do edade, cor, sexo, nem posição social. As epidemias de influenza se generalizam com singular rapidez: a moléstia parece se estender do Norte ao Sul, do Nascente ao Poente ; declara-se, ao mesmo tempo, podemos dizer franca- mente, lios logares mais afastados, com a rapidez do pensamento humano; são verdadeiras epidemias em furacão, como muito bem disse Hucliard. Para os auctores modernos, as condições de estação, de clima e de temperatura importam pouco ao seu desenvolvimento; ella ataca mesmo a tripolação dos navios em pleno mar, sem que se possa incriminar nenhuma contaminação terrestre. Habitualmente ella invade primeiro os grandes centros urbanos para d’ahi se irradiar para as locali- dades vizinhas. Sua marcha ó rapida, sua extensão tão prompta e energica que parece desafiar as nossas previsões. A grippe 6 contagiosa de individuo a individuo, quer por contacto directo, quer pelas vestes e os objectos. Sua gravidade varia conforme o caracter epidemico de cada invasão, conforme a virulência do germen 37 pathogeno, ainda desconhecido, que a produz, como se diz hoje. Muitas vezes benigna desde o seu apparecimento, ella não demora a acompanhar-se de complicações gravíssimas, como aconteceu em 1889, em Ouraçá, termo de Joazeiro (Bahia). Sua permanência, em uma mesma localidade, não vai além de seis semanas. Como já dissemos anteriormente, a influenza se distingue pela multiplicidade e polymorphismo de suas manifestações, tanto no menino como no adulto. Ora os phenomenos dolorosos predominam, ora são os sym- ptomas pulmonares e o catarrho-bronchico que vem occupar o primeiro plano : a moléstia póde tomar a mascara da febre typhica ou da gastro-enterite aguda, etc. Numerosas complicações, rapidas e imprevistas, vêm ainda modificar a's fôrmas clinicas geraes da affecção, difficultando, muitas vezes, o diagnostico. Um dos mais importantes caracteres, sobre o qual muito não se poderia insistir, porque é encontrado em todas as epidemias grippaes, 6 a cidynamia. A prostração de forças e o abatimento são extre- mos e habitualmente fóra de proporção com a investida da moléstia, que póde ter sido muito fraca. Estes pheno- menos denotam uma profunda modificação do systema nervoso sob a influencia do veneno grippal. 38 Fôrmas clinicas — No adulto, as fôrmas cli- nicas e os diversos aspectos da moléstia são ainda mais numerosos que no menino. Faremos ligeiramente a sua descripção. Fôrma dolorosa — Como indica o seu nome, esta modalidade clinica se caracteriza pela violência dos symptomas dolorosos. A lassidão é intensa, a ceplia- lalgia atroz, a racliialgia muito accentuada, ao ponto do medico pensar em accidentes meningiticos ou no inicio da variola. Outras dôres nevrálgicas podem despertar em outras partes do corpo ; podemos encontrar também arthralgias mui penosas. Todas estas dôres exaggeram-se com os movimentos e a pressão. A febre chega a 39° e a 40°. As feições são abatidas, a lingua suja, o hálito fétido, as urinas raras, o appetite nullo. Não ha signal de catarrho ocular, nasal ou bronchico. Em alguns dias, dous ou tres no máximo, ás vezes menos, esta agitação desapparece, dissipa-se, sem deixar vestigios lamentáveis, mas a convalescença é sempre muito longa. Fórma febril — A hyperthermia é o principal caracteristico desta fórma. Subitamente, por assim dizer, a febre eleva-se a 40°, 41°, sem outra manifes- tação concomitante além da frequência do pulso e do 39 mal-estar geral, que são inseparáveis de temperaturas tão elevadas. Ha agitação e delírio, muita vez. 0 exaggero do processo febril pode ser tal que se faça preciso o uso therapeutico de loções frias ou de banhos cgualmente frios. Em regra geral, estas fôrmas tem uma evolução rapida, a cura sendo certa. Forma thoracica — As modalidades precedentes tem uma symptomatologia alarmante, inquietadora, mas, quasi nunca ellas apresentam gravidade. Com as fôrmas pulmonares que succintamente vamos estudar, a grippe apresenta um prognostico muito mais severo e o typo infeccioso, frequentemente encontrado, é sempre rápido e mortal. Aqui esboçarem os todas as determinações pleuro- pulmonares e bronchicas da iniluenza. Não será mister dizer não entraremos nas minúcias de sua descripção, para o que seria preciso passar em revista toda a pathologia do pulmão; julgamos assaz conhecidos os symptomas destas complicações, razão pela qual nos limitamos a mencionar, á vol d’oiseaii, a physionomia especial que lhe empresta a grippe. Primeiramente, o catarrlio-bronchico, uma das mais frequentes manifestações da moléstia, não apre- 40 senta perigo, emquanto permanece localizado nas pri- meiras vias respiratórias ou nos grossos bronchios. Tem-se, desta maneira, tedos os symptomas de uma bronchite aguda vulgar. As cousas não se passam assim quando o processo inflammatorio invade os pe- quenos bronchios e dá iogar aos plienomenos graves da bronchite capillar; a situação torna-se, então, muito séria. Os accidentes bronchicos, sem trazerem catharro suffocante, podem complicar-se de congestão pulmonar. Esta ultima é mais ou menos generalizada, ás vezes central, e difficil ó o seu diagnostico pela escuta. Comummente, a congestão occupa ambos os lados do pulmão e, não raras vezes, o doente expectora escarros sanguinolentos, contendo ora sangue .puro e rutilante, ora sangue negro. Esta éafórma hemoptoica de Iiuchard. Quando occupa somente um lado, se acompanhando de dôres thoracicas e ó precedida de um calefrio, parece approximar-se ao ponto de confundir-se com a fiuxão do peito, tão bero descripta pelo Professor Dieu- lafoy (1). A broncho-pneumonia ou pneumonia lobular é uma das mais terriveis complicações da grippe. Sob o ponto de vista bacteriológico, ella caracte- (i) Dieulafoy—Pathologie Interne—vol. I, p. 2o5. 41 riza-se pela presença do streptocco, associado, com maior eu menor frequência, ao pncumococco, ao pneumo- bacillo e ao stapliylococco. Os seus symptomas são clássicos. E á broncho-pneumonia que se deve a gravidade de certas epidemias mortíferas de grippe; ó a esta com- plicação que ó devida a sua grande mortalidade. A pneumonia é igualmente commum 11a influenza. Ella se apresenta com os seus signaes habituaes; todavia, sendo dado 0 estado do doente, a reacção do organismo não é tão energica quanto 11a pneumonia franca; seus symptomas devem ser pesquizados cuidadosamente, sem 0 que passariam despercebidos. Ora é uma pneumonia lobar, com pneumococco pneumonia infecciosa e infectante, como diz Dieulafoy, com todas as suas manifestações pulmonares e extra- pulmonares, pleuresia, pericardite, endocardite, menin- gite, etc. Ora são pneumonias em bloco, que se estendem do vertice á base do pulmão, produzindo uma verda- deira sideração do organismo, emquanto que a pequena gravidade, apparente, dos symptomas do inicio parece trazer um prognostico benigno,; estas pneumonias chegam, algumas vezes em vinte e quatro liòras, ao pe- ríodo de hepatização, que mata 0 doente com uma rapidez admiravel; muita vez são pneumonias bastardas, de fôrmas insidiosas, com symptomas frustrados, mas cuja evolução ó quasi sempre fatal. 42 Em certos casos, como na forma broncho-plegica ou mesmo na fórma vago-paralytica, a astlienia do systema nervoso é tal que as suas funcções parecem totalmente suppressas. Ila collapso pulmonar; a elasti- cidade pulmonar e a contractilidade dos musculos lizos- bronchios são ex tine tas, as mucosidades não podem ser expellidas e o doente vem a succumbir pela asphyxia progressiva. A innervação pulmonar é de certo modo paralyzada pelo veneno grippal. Em outros casos, a dyspnéa é terrível, sem que o estado local possa fornecer a explicação: trata-se de uma verdadeira intoxicação super-aguda do organismo, como se podem observar exemplos em todas as molés- tias infeceiosas, como a escarlatina, a febre typliica, etc. Emfim, como complicações mais raras da influenza com fórma thoracica, poderemos assignalar a pleuresia sero-fíbrinosa ou purulenta, a pleuresia inter-lobar, os abcessos do pulmão e a gangrena pulmonar com todas as suas consequências. Fórma cardíaca — Ha uma fórma cardíaca da grippe, primeiramente estudada por Huchard. Os acci- dentes sobrevem, sobretudo ao adulto e ao ancião, é trazendo, sem duvida, uma alteração prévia do myo- cardio ou, pelo menos, uma perturbação grave da innervação cardíaca. Não se trata neste caso de perturbações cardíacas, 43 de desfalleeimento do coração consecutivo ás lesões broncho-pulmonares, mas de uma suppressão primitiva do veneno grippal sobre a fibra cardiaca. Ora trata-se de intermittencias, de arythmias com tendencia á syn- cope e abaixamento considerável da tensão arterial, ora o doente queixa-se de constricção do thorax, de dores retro-externaes simulando, em todo ponto, a crise de angina do peito. Emfim, sustentamos, em tliese, que no adulto e no ancião também lia uma fórma cardiaca de grippe, com prognostico muitas vezes severo. Fórnui gastrointestinal — Podemos dizer que a influenza é uma affecção verdadeiramente proteiforme e de manifestações espantosas. 0 tubo gastro-intestinal não escapa ás suas inve- ctivas. Ora a fórma gastro-intestinal se traduz por um simples embaraço gástrico, com vomitos, dôr na cavi- dade epigastrica, lingua secca e vermelha, ora por stomatite, erythema do pharynge, periostites alveolo- dentarias. Os accidentes podem tomar um mais alto grau de intensidade: a diarrhéa é frequente, abundante, acompanhada de cólicas, de meteorismo abdominal; os vomitos são incessantes, cambras sobrevêm, o fácies emmagrece e fica pallido. 0 medico poderia pensar num ataque de cholera si não tivesse a certeza da epidemia grippal. 44 Resta-nos, apenas, mencionar algumas complica- ções também estudadas no adulto. Neste, a neplirite grippal foi muito bem estudada por Fiessinger. Ella póde ser superficial, ligeira e transitória; póde chegar á uma albuminúria durável, com edemas, do mesmo modo que também póde apre- sentar, desde seu inicio, phenomenos graves, taes como hematúrias, urinas raras, perturbações uremicas pre- coces, mortaes. Não ó de admirar que esta nephrite passe ao estado chronico. No adulto, o systema nervoso é muito inte- ressado pela grippe. Têm-se encontrado nevrites, polynevrites, paralysia ascendente aguda, meningo- myelite, polio-myelite, meningite, etc. Quanto aos órgãos do sentido, têm-se assignalado coryzas persistentes, sinusites graves frontaes, maxil- lares e ethmoidaes, paralysias oculares, conjunctivites, keratites e otites, com suas complicações. No adulto, a grippe ainda póde provocar cystites, orchites, erupções exanthematosas, pustulosas, etc. Finalmente, podemos citar algumas complicações, hematúrias, metrorrhagias, purpura e outras. CAPITULO IV A GRIPPE NO ANCIÃO NO ANCIÃO pocleriamos descrever diversos typos clínicos especiaes, o que não faremos para não tornar longo o nosso trabalho. Limitamo-nos, simples- mente, a dizer os motivos por que a grippe apresenta nesta edade uma gravidade particular, por ninguém desconhecida. 0 ancião, tendo um grau de resistência muito menor, a infecção encontra nelle um terreno bem adubado. Nesta edade, muitas pessoas são asthmaticas, apre- sentam emphysema, soffrem de bronchite chronica. 0 coração e toda a arvore arterial já tem soffrido graves alterações; o rim, pouco mais ou menos atro- phiado e exhausto, não funcciona senão com difficuldade, preenchendo mal o seu papel eliminador. 0 ancião está em estado de eminencia mórbida constante, seus meios de defoza são consideravelmente diminuidos, o que vem em apoio á velha maxima: senectus est mor bus. 46 Eis a razão pela qual a grippe faz numerosas victimas entre as pessoas chegadas ao ultimo quartel da vida. E pelo coração, pelo pulmão ou pelo rim que os velhos succumbem de influenza. Nas cardiopathias arte- riaes o coração se dilata com maior facilidade, o estado cardiaco complicando-se, por sua vez, de um estado pulmonar infeccioso, devido á grippe. Em taes con- dições se observam alguns accidentes de asystolia aguda, que matam o doente em poucas horas. A mo- léstia está nos pulmões, o perigo está no coração, como diz muito bem Huchard. Na grippe dos velhos, o me- dico não deve esquecer-se do coração, que é preciso sustentar. E ainda no ancião que se encontram estas conges- tões pulmonares perigosas, com pneumonias extraor- dinárias e dissimuladas, de fôrmas insidiosas, já men- cionadas. Elias evoluem sem ruido, sem phenomenos reaccionaes pronunciados; a febre é moderada ou quasi nulla, mas o estado geral ó tão profundamente alterado que não ó permittido ao medico esquecer-se da gravidade da situação. Em outras circunstancias, é ao filtro renal que o veneno da grippe leva a sua acção. 0 trabalho deste importante emunctorio é perturbado e o doente vem a fallecer victimado pelos accidentes uremicos. 47 ESTADOS NEURASTHENICOS POST-GRIPPAES E CONVALESCENÇA DA GRIPPE Após a sua passagem, a gripe deixa uma multidão •de misérias. A cura da grippe não ó a cura do paciente. Já dissemos que a influenza tom por principal cara- ■cteristico a adynamia a asthenia do systema nervoso. Esta prostração do organismo ó um facto geral que se produz mais ou menos em todos os doentes, qualquer que tenha sido a gravidade ou benignidade do ataque. Um dos caracteres mais importantes da grippe consiste na longa duração da sua convalescença. Assim diz Widal: «Mesmo para um ataque breve e benigno, esta convalescença ó quasi tão languida e prolongada quanto a da febre typhoide. Ninguém estava ainda convencido deste facto no periodo de 1889 a 1890 e consentia-se, pelo menos no começo da epidemia, que os doente deixassem muito cedo a sua camara.. . . No começo da convalescença observam-se, geral- mente, uma lassidão e uma depressão das forças muito notadas, languor e vertigens, assim como a persistência de perturbações digestivas, taes como anorexia, voraitos, diarrhóa. Mais tarde póde persistir um estado neurasthenico, do qual os doentes não podem se desfazer, mesmo em um anno após a cura». 48 Sob este ponto cie vista, convém chamemos a attenção dos clinicos para duas categorias de doentes. Em a primeira categoria eollocaremos os inclivi- duos attingidos de embaraço gástrico, consequência da grippe. Temos visto um certo numero- de doentes em cbnvalescença, cujas vias digestivas não- podem re- adquirir seu funccionamento normal. 0 paciente não consegue se restabelecer, ainda que a febre e os phenomenos bronchicos já tenham desapparecido, dias atraz. 0 appetite desapparece, a língua é espessa e sa- burrosa, o hálito fétido; ha constipação em vez de 'diarrhéa. 0 doente tem a physionomia abatida, emma- grece e transpira abunda mente. Qualquer tentativa de alimentação é mallograda ou mal supportada. Os purgativos, erroneamente appli- cados e sob pretexto de limpar a lingua, não fazem senão aggravar a situação. O somno é mau, perturbado por sonhos inquietadores e o doente torna-se, a pouco e pouco, um neurasthenico e vem tornar logar na segunda categoria, que vamos estudar. Nesta segunda classe trata-se de verdadeiros esta- dos neurasthenicos, consecutivos á grippe. A prostração nervosa é o phenomeno dominante. 0 abatimento é extremo, o desanimo completo. A depressão cerebral vem complicar o enfraque- cimento physico. 0 doente fica inquieto, preoccupado 49 ■com a sua situação, por elle considerada irremediável. Idéas hypochondriacas assaltam seu espirito; dorme mal e quando vem o somno é este perturbado por medonhos pcsadellos- A amyostlienia faz parte do cortejo syrnpto- matico. Pela manhã, ao despertar y o doente está abatido, tudo lhe dóe, sua fraqueza é enorme, sua musculatura ■enfraquecida. Sente dores na cabeça, nos membros, na columna vertebral. A cephaléa occupa as regiões frontal, occipital e syncipital; a rachialgia póde assumir um caractet mais ou menos violento, invadir toda columna vertebral, localizar-se entre as duas espadoas ou na região lombar. Outras dores nevrálgicas, algias diversas, vem ainda complicar o seu estado. 0 appetite é diminuido, algumas vezes nullo. Desde que o doente se tem alimentado, experimenta malestar e sente pezo no estomago. Apparecem eructações como para allivial-o; no cmtanto este bem-estar não é senão ephemero. Dores se installam na cavidade epigastrica, o plexus coeliaco torna-se sensivel. A alimentação aggrava estes phenomenos e o doente recusa as refeições, ou pelo menos restringe a sua nutrição. Muitas medicações intempestivas .podem ainda 50 trazer uma gastrite medicamentosa que se junta ás per- turbações nervosas já existentes. Em summa, tem-se um quadro completo da ãyspe- psia nervosa, de que já nos occupámos. A vertigem é um dos symptomas mais penosos para determinado numero de doentes, ao passo que a impotência genital é a desolação tristissima de outros. Este conjuncto morbido, bem complexo na verdade, pôde existir com outros de ordens diversas, que fazem seguimento á grippe, ta'es como a phlebite, o rheumatismo, os vários estados nevrálgicos, etô. D*a exposição, certamente incompleta, que vimos de fazer, póde-se ter uma idéa da variedade de manifes- tações da influenza, da sua multiplicidade, das suas complicações, da gravidade da sua convalescença. Uma vez sciente disso, o medico poderá resolver,, clinicament^os innumeros problemas de grippe, que se lhes apresentem. Antes de terminarmos estas considerações sobre a grippe, devemos indicar o sou tratamento, o que fare- mos tanto quanto nos ajudarem as forças e o fraco entendimento. CAPITULO V TRATAMENTO DA ORIPPE AGRIPPE, deviclo ao seu polymorphismo, é uma moléstia que não tem medicação especifica. 0 tratamento prophylatico, consistindo, além do mais, nos gargarejos preventivos, repetidos tres a quatro vezes ao dia, como preconizam Iíuchard e Fiessin- ger (1), poderá auxiliar 0 organismo 11a luta pela vida. Nos periodos em que está grassando a infecção, » aconselhamos 0 uso de banhos geraes antisepticos, a regularidade na alimentação, a liberdade e a antisepsia do ventre, 0 que se conseguirá com as pilulas alocticas e as capsulas com quinino camphorado. A inspiração dos vapores da tinctura mentholada, a introducção nas narinas de pommadas antisepticas, mentholada, gomenolada e boricada poderão prestar alguns serviços. (i) Huchard et Fiessinger—Clinique Thérapeutique du Praii- cien—1908. 52 A prophylaxia é ainda recommendada contra as complicações, que são sempre a causa de infecções secundarias. Na grippe de média intensidade, com evolução normal, a tlierapeutica é quasi nylla, o medico limitar- se-á aos conselhos de hygiene e á pratica da antisepsia da garganta, dos ouvidos, do nariz, do pliarynge. Esta ultima recommendação constitue o ponto prin- cipal, porque póde evitar as fôrmas graves complicadas, cujo tratamento deverá ter em vista o estado geral e a complicação intercurrente. Para sustentar as forças do paciente devemos recorrer ás preparações de quina e kola, aos estimulantes diffusiveis: acetato de ammoniaco, licor de Iloffmann; ás poções alcoólicas, aos vinhos generosos, etc. A therapeutica varia sensivelmente ainda segundo o genero e o grau da complicação sobrevinda. Em se tratando de dores violentas, o clinico recor- rerá aos diversos analgésicos conhecidos, taes como a phenacetina, o pyramido, a aspirina, exceptuando, porém, a antipyrina, cujas consequências sobre os rins já são bem conhecidas. Havendo phenomenos de hyperthermia perigosa, com ataxia, agitação e delirio, podemos appellar para as loções e envolucros frios, para a balneorapia quente ou fria, que poderão prestar serviços inestimáveis, substi- tuindo os agentes anti-thermicos. 53 A laryngo-tracheíte, do mesmo modo que o catar - rho bronchico, poderá ser tratada como as fôrmas ordi- nárias da bronchite aguda simples. A situação aggrava-se quando o catarrho sufFocante, a pneumonia e a broncho-pneumonia se apresentam, sós ou associados. Neste caso a intervenção será um tanto energica: lançaremos mão da revulsão sob todas suas fôrmas: cataplasmas sinapisados repetidos, ventosas seccas e escarificadas, pediluvios sinapisados, etc. Em certos doentes vigorosos, principalmente nos plethoricos, a sangria geral poderá trazer resultados admiráveis, havendo, sobretudo, signaes de edema pul- monar. • De effeito insignificante e muita vez nocivo, os expectorantes não devem, por isso mesmo, ser appli- cados. A ergotina, como a hamamelis, nenhuma acção exerce sobre os phenomenos congestivos, que podem ap parecer. A ipeca porém, associada á quinina e á digitalis, poderá trazer beneficos resultados á clinica, que não deverá desprezai-as. As injecções sub-cutaneas de serum artificial não tem sido uteis; o seu emprego exige alguma prudência do medico. As injecções intra-musculares de electrargol têm dado resultados, sendo iniciador da sua pratica o 54 Dr. Iscovesco; clellas fallaremos minuciosamente no fim deste capitulo. Em summa, é o systema nervoso e o coração que devemos observar, afim de combatermos as terriveis consequências da infecção grippal. As injecções sub-cutaneas de strycliinina, de cafeína e de etlier tem por alvo restabelecer a influencia ner- vosa e lutar contra a depressão commummente obser- vada. À digitalina Nativelle, na dóse de trinta a cincoenta gottas, em vinte e quatro horas, augmentarà, sem duvida, a energia das systoles, levantará a pressão arterial e favorecerá a diurese. As injecções liypo- dermicas de oleo camphorado sustentarão, do mesmo modo, a energia contractil da fibra cardiaca enfra- quecida. Contra a infecção geral teremos o electrargol em injecções, melhor que o collargol em fricções, em injecções sub-cutaneas ou mesmo intra-musculares e venosas. Na grippe com fórma cardiaca é ainda aos tonicar- diacos que devemos recorrer. A digitalis, a kola, a cafeína e o oleo camphorado serão bem indicados. Quando os accidentes recahirem sobre o tubo intestinal, accusando certa intensidade, deveremos appellar para a dieta hydrica, que póde prestar os seus favores; ó ella que mais rapidamente assegura a anti- sepsia do meio intestinal. 55 Contra as cólicas faremos uso de compressas ■quentes e da morphma em injecções. Os vomites serão combatidos por preparações de mentliol, de cocaína, agua chloroformada ou mesmo bebidas geladas, ! 1 te rio r mente., uma vez désapparecidos os acci- dentes agudos, o medico continuará o tratamento se- gundo as circumstancias, não se esquecendo de certos antisepticos intestinaes, que, uma vez instituídos, são raais nocivos que uteis. Uma alimentação bem dirigida . regularizará as funcções digestivas, evitando os embaraços gástricos tão tenazes e frequentes, que succedem a esta localização especial da influenza. A grippe póde aífectar as meninges, dando logar, como dissemos anteriormente, a uma meningite verda- deira ou a phenomenos pseudo-meningiticos. Apuncção lombar virá tirar a duvida. Algumas complicações, taes como as otites, as sinu- sites, etc., exigem o tratamento cirúrgico. Quasi todos os influenzados apresentam, como já dissemos, uma convalescença longa e uma adynamia profunda. Esta predilecção das toxinas grippaes pelo systema nervoso é uma cousa notável, um facto bem conhecido. Todo influenzado, no periodo da convalescença, deve procurar o campo ou a beira-mar, onde deverá 56 terminar a sua cura, tomando todas as precauções para evitar a reeahida, pois a grippe é uma moléstia com reincidências; um primeiro ataque não evita o segundor mas a elle predispõe o paciente. Os accidentes neurasthenicos post-gríppaes sendo frequentes, vem complicar e retardar a cura. Agora, falemos de cada methodo adoptado no tra- tamento da grippe por alguns auctores notáveis. M. G. André, professor da Faculdade de Toulouse, acaba de publicar, sobre a grippe, um livrinlio muito pratico e cheio de conselhos uteis. Na parte therapeutíca, elle insista principalmente sobre o quinino e a anfipyrina. 0 sulfato de quinino, diz elle, deve ser muito em- pregado, no que estamos de pleno accordo, visto como o quinino é um medicamento anti-fíuxionario, tonico, vaso-constrictor e hypertensor, razão pela qual acha- mos excellente a sua indicação na grippe em que domina a hypotensão arterial. 0 eminente clinico associa o centeio espigado ao sulfato de quinino (10 centigrammos de extracto aquoso de centeio e 10 centigrammos de sulfato de quinino, para uma pilula). Seis a dez pilulas ao dia. O quinino não age somente como antithermico, mas ainda como antiseptico e como tonico; elle abrevia a convalescença e se oppõe, efficazmente, á asthenia grippal; mas, para combater as manifestações dolorosas, 57 convém prescrever-se, ao mesmo tempo, diz André, a antipyrina. Este ultimo medicamento tem sido larga- mente empregado nas grandes epidemias, porém, não tardou, sendo prescripto em doses massiças, a provocar accidentes desagradaveis, consistindo em suores pro- fusos, nauseas, hypotliimias, vomitos, anorexia, dimi- nuição da secreção urinaria, sendo também accusado como o responsável por diversas erupções. Temos ainda como agentes antipyreticos, a salipyrina, cuja acção hypnotica se faz sentir na cephalalgia (Von Mosen- geil), a phenacetina, o salopkeno, o pyramido; o aconito tem sido muito preconizado por Granei, associado á antipyrina, segundo a formula seguinte: Antipyrina 2 grams. Tintura d’aconito. XV gottas Agua de tilia , . 90 grams. Xarope de flor de laranjeiras . 30 grams. Uma colher das de chá de 2 em 2 horas. A antipyrina e o quinino são prescriptos conjuncta- mente por alguns clinicos: Sulfato de quinino 0 gr. 25 Antipyrina 0 gr. 75 Para uma capsula. 2 a 3 pro die. A salipyrina póde ser empregada na dose de 40 a 50 centigrammos. No adulto, prescreve-se a phenace- tina na dose de 50 centigrammos a um grammo. Huchard proscreve, absolutamente, a associação do qui- 58 nino á antipyrina, nc que estamos de accordo. A bal- neação* quente tem sido posta em use pele professor Manasséi, come preventivo immedrato, ou mesmo come abortivo; já tratamos disto su ccin ta mente. Esta medicação, aliás racional, é temida pelos doentes, cujas famílias culpabilizam o medico no- caso de insuccesso, Àos diversos meios que acabámos de enumerar, é indispensável juntar-se a ingestão abundante de bebidas, quentes, tilia, chá ligeiramente addicionado de rlium. Em algumas fôrmas severas, sem complicações, mas com hyperthermia considerável, convém lançarmos mão da balneação quente e, ao mesmo tempo, das grandes lavagens frias, repetidas pela manhã e á noite, 0 Dr. Dumas, de Lédignan, emprega systematica- mente o calomelanos, cuja efficacia elogia. Conforme este clinico, tal medicamento age augmentando a acção anti-toxica do figado. 0 Dr. Telsenthal também preconiza o calomelanos que, administrado desde o começo da moléstia, pôde jugulara grippe e impedir as suas complicações habi- tuaes. D. Ncill, de Nova-York, associa pós de Dower ao calomelanos. Outros clinicos fazem uso do acetato de ammoniaco em grandes doses: 2 a 4 gr. pro di&. Este medicamento goza, effectivamente, de pro- priedades estimulantes e tónicas, particularmente uteis 59 no tratamento de uma moléstia que tanto deprime os doentes, como a grippe. Muitos médicos, dentre os quaes podemos citar os Drs. Coze, de Nancy, e Guillemot, de Vienna, tecem os mais francos elogios ao emprego da Koln Astier na influenza, sob suas varias fôrmas. Alguns clinicos recommendam, com razão, que se devem tonificar os doentes para abreviar a convalescença da grippe e os entregar, o mais cedo possivel, á vida normal. G.raves preconiza a caíumba e a polygala, em- quanfo outros preferem a noz-vomica e seu alcaloide, a strychinina, ás preparações marciaes, arsénicaes ou pliosplioradas. Agora, cumpre-nos dizer algumas palavras sobre o metliodo de Iluchard e Fiessinger, que para alguns clinicos tem trazido inestimáveis resultados. Em tempos de iníluenza, recommendam os illustres sábios o uso de gargarejos preventivos, ou ainda do uma colher das de chá, em uma chicara com agua quente, da tinctura mentholada, sendo os vapores aspi- rados pelas narinas, de duas em duas horas. Uma vez a grippe declarada e o doente entregue ao leito, Iluchard • e Fissinger prescrevem-lhe duas capsulas com 0,40 ou 0,50 de quinino, tomando a segunda capsula uma hora depois de ter tomado a pri- meira; no dia seguinte o d.)ente só tomará uma capsula idêntica ás supra-me acionadas. 60 Sendo forte a cephaléa, prescrevera a antipyrina, sómente nas primeiras horas, porque é um agente depressor dos systemas nervoso e circulatório, razão pela qual lançam elles mão do pyramido, para, no dia seguinte, empregarem o quinino e a dieta hydrica, nutrindo o cliente de bebidas aquosas quentes: tisanas de tilia, borragem, flores pectoraes. Nos dois primeiros dias elles restringem a quanti- dade de leite e de caldo. Graças a esta precaução, a grippe, especialmente a das creanças, parece curar mais depressa. Desde o terceiro ou quarto dia, Huchard e Fiessin- ger começam o tratamento symptomatico, combatendo a febre pelos saes de quinino, não em altas doses, como em começo, o que certamente perturbaria as combus- tões organicas, cumulando no sangue alguns residuos toxicos. Aos meninos elles administram estes saes sob a fórma de suppositorios. Em vez dos saes de quinino, administram ainda a euquinina, para os meninos, na mesma dóse que o sulfato de quinino. Havendo grande prostração, applicam o acetato de ammoniaco e o licor de Hoffmann, em poção edul- corada, prescrevendo, na convalescença, os alcalinos, os amargos, que restabelecerão as funcções estomacaes, e os strychnados contra as depressões nervosas. Antes de terminarmos, é mister dizer algo sobre 61 a prata colloidal electrica e sua applicação therapeutica na grippe. Innumeras experiencias physiologicas, feitas por Netter e outros, demonstraram que era inoífensiva a introducção, no organismo, da prata colloidal chiraica. 0 mesmo se dá para com a prata colloidal electrica, segundo a demonstração recentemente feita por Ilenri e Gompel, havendo perfeita tolerância dos tecidos, como demonstrou o Professor Etienne, de Nancy, na sua communicação ao Congresso de Medicina de Paris, em Outubro de 1907. Outras muitas experiencias successivamente feitas, umas in vitro, sobre culturas microbianas, outras in vivo sobre animaes inoculados por differentes microbios, trouxeram a realidade da acção bactericida da prata colloidal electrica. Esta acção bactericida tem sido bem estudada por vários e notáveis experimentadores, de mérito reco- nhecido, como M.el!e Cernovodeanu, Yictor Henri, Charrin, Monnier Yinard, Chirié, Foa e Aggazzotti. Estes mesmos auctores fizeram o interessante estudo da acção da prata colloidal electrica sobre as toxinas e chdgaram á seguinte conclusão: «a prata colloidal electrica, com pequenos'grãos, estabilizada e isotonica, injectada nas veias em dose forte, logo após a injecção das toxinas tetanica, diphterica ou dysenterica, pre- serva, definitivamente, o coelho contra doses de toxinas dez vezes superiores á dose minima mortal >. 62 É attehuadora a acção do clectrargol na infeeção strepcoccica, como demonstrou Etienne. A sciencia moctema, alargando o campo dé suas conquistas no terreno da patliologia geral, veio demon- strar, em plena luz meridiana, o importante papel dos corpos taes como os fermentos, as antitoxinas, as preci- pitinas, as agglutininas, as lysinas, os anticorpos, na defeza contra os agentes pathogenos. Estes corpos todos são colloides e suasreacções são funcções colloidaes, regidas pelas leis geraos da chimica. Foram estas leis e propriedades que despertaram a attenção dos experimentadores para os grandes pro- cessos pliysiologicos e patliologicos. Estes corpos, além de seu poder catalytico e de sua acção bactericida, podem constituir, com os colloides orgânicos, complexos que gozam de propriedades particulares, semelhantes ás das agglutininas e dos anti-corpos. E devido a estas propriedodes que os colloides são empregados na therapeutica in situ, para lutar dire- ctamente contra o agente pathogeno e catalysar os meios de defeza do organismo. A acção destes corpos já es-tá perfeitamente conhe- cida e, conforme Charrin, o coefficiente azoturico e a thermogenese se elevam, do mesmo modo que a leucocytose, sob a influencia da prata colloidal ele- ctrica em pequenos grãos. 63 «Esta prata, diz Charrin, é muito nociva para o agente morbifico e não se pó de, em virtude de sua innocuidade, fazer-lhe a mesma critica formulada a proposito dos ditferentes antisepticos que visam o mi- cróbio e abatem o paciente. » Finalmente, as modificações da formula leuco- cytaria e e abaixmentao da temperatura nas pyre- xias, ás vezes precedido de uma curta elevação thermica após a administração, em dose sufficiente, dos rnetaes «colloidaes electricos, que parecem ter uma acção espe- cial sobre as toxinas pyretogenas devidas ao strepto- cocco, ao pneumococco, ao staphylococco, et-c., levaram os clínicos a fazer sua applicação therapeutica nas affecções microbianas, a grippe inclusive. 0 emprego da prata colloidal electrica, 11a influenza, tem dado resultados e foi iniciado pelo Dr. Iscovesco que diz: «Tenho ensaiado a prata colloidal em uma quinzena de casos de grippe grave, sendo empregado 0 methodo intra-muscular, as doses variando entre 10 e 30 cc. Observei que, nestas condições, não se tem.nunca a asthenia consecutiva que se observa 11a grippe. Demais, nunca apparecem complicações, a defervescencia se fazendo, ora bruscamente, ora lentamente, conforme as doses empregadas. » Foi este estudo minucioso dos rnetaes colloidaes electricos e suas propriedades, assim como os resul- 64 taci os obtidos pelo Dr. Iscovesco, que despertaram em nós o desejo de observar este novo methodo de trata- mento da grippe, que deverá ser experimentado pelos elinieos, MODO DE ADMINISTRAÇÃO E DOSES Ao cabo deste trabalho é mister dizermos algumas palavras sobre o modo de administração, doses e vias a empregar no tratamento do eleetrargol. Toda vez que nos adiarmos em presença de um caso de grippe, convém fazermos uma injecção intra-mus- cular de, pelo menos, 10 cc. de eleetrargol no adulto e 5 cc. nos meninos. Em seguida a esta injecção tomaremos a tempe- ratura do doente, quer de tres em tres horas, quer somente á noite, si a injecção foi feita pela manhã. Havendo uma reacção febril, ainda que de um grau centigrado, o medico fará uma segunda injecção doze ou vinte e quatro horas após a primeira. 0 augmento da dose depende da reacção febril obtida; esta, ultrapassando de Io,5 ou mesmo Io, convém mantermos a dose de 10 cc. Si, ao contrario, a reacção foi pequena, a injecção seguinte poderá ser de 15 cc. Um ponto de alta importância, para se julgar si é ou não necessário augmentar a dose, é constituido pelo 65 resultado obtido : sendo obtida uma pequena reacção, seguida do uma quéda de temperatura chegando á normal, é evidente que é inútil ultrapassar a dose de 10 cc. na segunda injecção. Quando a primeira injecção não tem dado nenhuma reacção febril, dois casos podem se apresentar: 1?—Obtido o resultado desejado, sem reacção, náo se tem necessidade de augmentar a dose na segunda injecção: 2?—Não sendo obtido o resultado desejado e não havendo nem reacção nem cura, a injecção seguinte deve ser augmentada de 5 a 10 cc. A cura manifestada e a temperatura se mantendo na normal durante quatro ou cinco dias, convém sus- pender-se o tratamento. Este póde ser feito pelos me* thodos liypodermico, intravenoso ou intra- muscular. É este ultimo o methodo empregado pelo Dr. Iscovesco e também por nós. / OBSERVAÇÕES M. S. C., branco, casado, 35 annos de edade, cai- xeiro, natural de Portugal, residente na Barra, arra- balde desta Capital. Fomos visitaho em 15 de Agosto de 1909 e o 66 encontrámos no leito, febril, com 39", cephalalgiar clôres nas articulaçõesr dysphonia e tosse. Feito o exame, verificámos que se tratava de grippe. que estava grassando. No outro dia á tarde,, praticámos uma injecção de eletrargol. Houve reacção febril de 1 °,õ. Nos tres dias- seguintes fizemos novas injecções, seguidas de menores- reacções e quédas de temperatura á normal, a qual se manteve por quatro dias. Suspendemos o tratamento e o doente curou-se, II J. B. S., pardo, solteiro, 24 annos de edade, soldado,, natural da Baliia, residente á Ladeira das Ilortas. Con- vidado para examinal-o, em 24 de Setembro de 1909y o encontrámos no leito; fizemos o diagnostico de grippe. Instituído o tratamento peio eletrargol, obti- vemos a cura em seis dias. III A. F. branco, solteiro, 21 annos de edade, natural da Bahia, empregado publico, residente em Itapagipe. Atacado de grippe: chamou-nos para me- dical-o em 31 de Agosto de 1909. No dia seguinte instituímos o tratamento pelo electrargol. Feitas tres injecções, com intervallo de 24 horas, o doente curou- se em cinco dias. 67 F. B. J., branco, solteiro, 19 annos de edade, caixeiro, natural de Sergipe, residente á rua Dr. Seabra. Atacado de grippe complicada de orcliite, com cephaléa, tosse, dores generalizadas, febre de 40°, dys- phonia, urinas raras, etc., chamou-nos em o dia lõ de Julho de 1909, quando prescrevemos a dieta hydrica por 24 horas; fizemos injecções durante nove dias, entrando o doente em convalescença e restabelecendo-se alguns dias depois. V M. M., branca, solteira, 22 annos de edade, demi- rnondaine, natural de Minas Geraes, residente á rua Carlos Gomes; atacada de grippe com fórma respira- tória, complicada de pneumonia, mandou-nos chamar em a noite de 5 de Agosto de 1909. Feito o diagnos- tico supra, instituimos o tratamento pelo electrargol, cáusticos e digitalina Nativelle, tudo precedido de dieta hydrica. A doente curou-se em quinze dias. CONCLUSÕES Deante dos resultados obtidos, inda que pequeno o numero de observações, não podemos deixar de chamar a attenção dos clinicos para o emprego do ele- ctrargol, em injecções intra-musculares, nos casos de grippe. 68 As nossas observações e as do Dr. Iscovesco são animadoras. Não garantimos, porém, ser o electrargol um espe- cifico, nem somente a elle podemos attribuir a cura da grippe, maximé quando a Natureza continúa, em pleno Século XX, a zombar da nossa Sciencia. São estas as nossas considerações sobre a grippe e seu tratamento. PROPOSIÇÕES ANATOMIA DESCRIPTIVA I— 0 coração é o centro do apparelho circulatório. II— Elle está situado na cavidade thoracica. III— Na grippe elle ó um dos orgãos atacados. ANATOMIA MEDICO-CIRURGICA I— A região occipito-frontal ó irrigada por innu- meros vasos. II— Os ferimentos nessa região produzem abun- dantes h em orrh agias. III— A hemostasia deve ser feita pela compressão do couro cabelludo, HISTOLOGIA I— A substancia corante do sangue é a hemoglobina. II— A hematina ó um derivado da hemoglobina. III— A acção prolongada do álcool sobre a oxyhe- moglobina dá em resultado a hematina. BACTERIOLOGIA I— 0 cocco-bacillo de Pfeiffer não é o germen especifico da grippe. II— É assim que pensam os auctores modernos. 70 III—Elles tem razão, porque este germen, sendo encontrado em raras epidemias, não o tem sido em maior numero de outros. ANATOMIA E PHYSIOLOGIA PATHOLOGICAS I—Hypertrophia é o augmento de volume de um orgão, sem que seja alterada a sua estructura. IÍ—Ilyperplasia é o resultado do augmento do nu- mero de elementos. III—Estes dons processos podem muitas vezes se reunir em um mesmo caso./ OPERAÇÕES E APPARELHOS I— Nos casos de pleuresia com derramen, a thora- centhese deve ser feita. II— 0 instrumento destinado a essa operação è o trocater. III— Os aspiradores de Dieulafoy e Potain são in- strumentos mais aperfeiçoados. PHYSIOLOGIA I— electrargol é facilmente absorvido, qualquer que seja o metliodo de absorpção. II— Elle determina uma hyperleueocytose intensa e se elimina pelo rim. III— Elle produz ainda uma reacção, devida á uma 71 modificação das trocas e ao augmento de oxydações, se passando no fígado, principalmente. THERÁPEUTICA I— 0 electrargol tem-se mostrado activo na infecção grippal. II— As suas injecções trazem sempre uma reacção th er mi ca. III— Essa reacção tliermica se traduz primeira- mente por uma elevação de temperatura, depois por uma baixa sempre constante. IIYG IENE I— A desinfecção é empregada com o fim de de- struir os agentes das moléstias infectuosas. II— Os desinfectantes podem ser de natureza pliy- sica ou cliimica. III— Além da propriedade microbicida, elles não devem estragar os objectos sobre os quaes são appli- cados. PATHOLOGIA CIRÚRGICA I— A ankilose é a perda total ou parcial dos mo- vimentos de uma articulação. II— Uma das causas frequentes da ankilose é a immobilização prolongada. III— 0 seu tratamento depende do cirurgião. 72 OBSTETRÍCIA I— Versão é um processo pelo qual se procura modificar a posição do féto na cavidade uterina. II— Ella ó feita com o fim de collocar o féto de modo a facilitar o parto. III— Essa manobra póde ser feita por manobras externas, internas ou por ambas combinadas. CLÍNICA OBSTÉTRICA E GYNECOLOGICA I— 0 parto é uma funcção physiologica. II— Elle póde ser natural ou artificial. III— 0 parto artificial é feito com o auxilio do fórceps. HISTORIA NATURAL MEDICA I— 0 centeio pertence á familia das gramineas. II— 0 esporão do centeio, cuja presença na planta constitue o chamado centeio espigado, é um cogumelo, o claviceps purpúrea. III— Este cogumelo é também encontrado em outros oereaes, como o trigo, a aveia, etc. CHIMICA MEDICA I— 0 bieliloreto de mercúrio, ou sublimado cor- rosivo, crystalliza em octaedros, quando se sublima. II— Sua solubilidade nagua augmenta com a tempe- ratura desta. 73 III—Elle ó muito empregado em obstetrícia na solução de 1/4000, em injecções vaginaes e intra- l uterinas. CLINICA PROPEDÊUTICA I— Os reflexos distinguem-se em: cutâneos, mu- cosos, tendinosos e funcções reflexas. II— Os reflexos tendinosos consistem em contra- cções musculares despertadas por excitação mecanica dos tendões. III— 0 reflexo patellar que pertence a este grupo é diminuído ou abolido no beriberi. CLINICA MEDICA (l.a cadeira) I— 0 alcoolismo tem grande importância na etiologia das moléstias do estomago. II— Como o estomago, o figado é também muito atacado. III— A cirrhose é uma das consequências do uso continuo do álcool. CLINICA CIRÚRGICA (l.a cadeira) I— Fractura ó toda solução de continuidade num osso. II— A fractura é directa ou indirecta. III— Ella também póde ser completa ou incompleta. 74 CLINICA MEDICA (2.a cadeira) I— Em todos os periodos da arterio-sclerose pre- dominam os açcidentes toxicos e, portanto, impõe-se o tratamento renal. II— Na presclerose, esse tratamento deve ser com- binado com a medicação vaso-dilatadora e hypotensiva. III— Quando apparecem os symptomas asystolicos, a medicação será cardio-renal. PATHOLOGIA INTERNA I— Certas affecções do systema respiratório occa- sionam affecções oculares. II— Nas perturbações respiratórias, a tosse póde provocar, pelo embaraço circulatório que produz o esforço, hemorrliagias punctiformes das diversas partes vasculares do globo ocular. III— A grippe respiratória está neste caso. CLINICA CIRÚRGICA (2a. cadeira) I— A anestliesia cirúrgica póde ser local, sub-total ou geral. II— 0 -cliloroformio é o anesthesico geral mais empregado. III— A estovaina é o agente mais empregado na racliianestesia. 75 MATÉRIA MEDICA, PHARMACOLOGIA E ARTE DE FORMULAR I— 0 chlorhydrato de cocaína ó muito empregado em ophtlialmologia. II— Elle póde ser empregado só ou associado ao ehlorureto de sodio. III— Actúa localmente como anesthesico e tem acção mydriatica moderada. MEDICINA LEGAL I—A embriaguez é um conjuncto de phenomenos nervosos e mentaes pelos quaes se manifesta a intoxi- cação alcoolica na phase aguda. IÍ—São geralmente acceitos tres periodos. III—0 segundo periodo é também chamado o do crime. CLINICA PEDIÁTRICA I— Nas croanças são muito communs as phlegmasias agudas para o lado do rim. II— Essas neplirites são geralmente consecutivas a moléstias infectuosas, como a grippe. III— Observa-se, entretanto, algumas vezes, uma nephrite aguda primitiva, simples, curável e benigna. CLINICA DERMATOLÓGICA E SYPHILIGRAPHICa I—A sypliilis hereditária póde ser de origem pater- na, materna ou mixta. 76 II—A mãe pôde servir de intermediária entre o pae e o filho. IIÍ—A syphilis de origem materna póde ser ante- conceptual, conceptual e post-conceptual. CLINICA PSYCHIATRICA E DE MOLÉSTIAS NERVOSAS I— Perturbações nervosas graves são produzidas pelo alcoolismo clironico. II— O delirium tremens é uma de suas conse- quências. III— Elle se caracteriza por allucinações e tremor fibrillar. CLINICA OPIITALMOLOGICA I— A cataracta é uma opacidade do crystallino. II— Não é grave o seu prognostico. III— 0 seu tratamento é todo cirúrgico. Visto. Secretaria da Facuidade de Medicina da £Bahia, 2g de Outubro de ígio. t 0 Secretario, (Dr. Menandro dos (Feis Meirelles.