FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA THESE APRESENTADA Á iplíÉt íie peiiiritM im faljia EM 31 DE OUTUBRO DE 1908 FARÁ SER DEFENDIDA FOR ( NATURAL DA BAHIA) Ex-interno do Hospital Militar d’esta Guarnição Filho legitimo de Joaquim Ferreira da Silva Machado e D. Bemvinda de Freitas Machado AFIM DF OBTFR O GRÁO DE Doutor em Medicina DISSERTAÇÃO Breves considerações sobre a syphilose pulmonar (CADEIRA DE CLINICA SYPHILIG R APHICA ) PROPOSIÇÕES Tres sobre cada uma das cadeiras do curso de sciencias medico-cirúrgicas B-A-ZEII-A. IMPRENSA P O P U L A R Rua do Coberto Grande, 43 1908 Faculdade de Medicina da Bahia Director — Dr. AUGUSTO CESAR VIANNA Vice-Director —Dr. MANOEL JOSE’ DE ARAÚJO Lentes cathedraticos OS DRS. MATÉRIAS QUE LECCIONAM l..a SECÇÃO Carneiro de Campos : Anatomia descriptiva. Carlos Freitas Anatomia medico-cirurgica. 2. Secção Aatonio Pacifico Pereira. . . . Histologia Augusto C. Vianna Bacteriologia. • Guilherme Pereira Rebello. . . . Anatomia e Physiologia pathologicas 3. » Secção Manuel José de Araújo Physiologia. José Eduardo F.de Carvalho Filho . Therapeutica 4. Secção Josino Correia Cotias. ..... Medicina legal e Toxicologia. Luiz Anselmo da Fonseca .... Hygiernt 5. Secção Braz Hermeneffildo do Amaral . . Pathologia cirúrgica. Fortunato Augusto da Silva Júnior . Operaç ese apparelhos Antonio Pacheco Mendes . . - . Clinica cirúrgica, I.» cadeira Ignacio Monteiro de Almeida Gouveia. Clinica eirurgica, 2.» cadeira 6. Secção Aurélio R Vianna Pathologia medica. Alfredo Britto Clinica propedêutica. Anisio Circundes de Carvalho. . . Clinica medica P» cadeira. Francisco Braulio Pereira Clinica medica 2.a cadeira 7. Secção Jo seRodrigues da Costa Dorea . . Historia natural medica. A. Victorio de Araújo Falcão . . . Matéria medica, Pharmscologia e Arte de formular. José Olympio de Azevedo .... Chimica medica. 8. a Secção Deocleciano Ramos Obstetrícia Climerio Cardoso de Oliveira . . Ciinicaobstetrica e gynecologica. 9a Secção Frederico de Castro Rebello . . . Clinica pediátrica 10. Secção Francisco dos Santos Pereira. . .* Clinica ophtalmologica. 11. Secção Alexandre E. de Castro Cerqueira . Clinica dermatológica e syphiligraphica 12. Secção Luiz Pinto de Carvalho Clinica psychiatrica e de moléstias nervosas. JoãoE. de Castro Cerqueira ... „ Aa Sebastião Cardoso hia disponibilidade Substitutos OS DOUTORES José AfTonso de Carvalho j." secção Gonçalo Moniz Sodré de Aragào . . . ) oa Julio Sergió Palma . 'l *" * Pedro Luiz Celestino 3.* » Oscar Freire de Carvalho 4.a > Antonino Baptista dos Anjos 5.* * João Américo Garcez Fròes 6.a » Pedro da Luz Carrascosa e José Julio de Calasans. 7.a » J.Adeodato de Sousa 8.a • Alfredo Ferreira de Magalhães ... 9.a » Clodoaldo de Andrade 10. » Albino A. daSilva Leitão 11. * Mario de C. da Silva Leal. ..... 12. » Secretario—DR. MENANDRO DOS REIS MEIRELLES Sub-secretario—DR. MATHEUS VAZ DE OLIVEIRA A Facilidade não. approva nem reprova as opiniões exaradas nas tlieses pelos seus auctores. SIRVA DE PRQLOGO « Celui qui met au jour ses pensées pour faire briller son talent dont s altendre a la severilé de la critique; mais celui qui n écrit que pour satisfaire d une devo ir, dont il ne pent se dispenser, à une obliga- tion qui lui est imposée, a sans doute des grands aroits à la indulgence des ses lecteurs et de ses juges ». La Bruyére. Hissertaçâo Bre ves considerações sobre a sypfoi- lose pulmonar. Amo a gloria da minha profissão, a unica que devo e posso hoje aspirar. E' uma gloria obscura e desconhecida, bem o sei. Nossos triumphos não os obtemos na praça ou no theatro diante da multidão que applaude; mas lá no recondito de uma casa. no aposento silencioso onde geme a creatura. Só Deus os contempla; só Elle os recompensa. José de Alencar. Caminhando, caminhando sempre, como Aswhsrus da lenda judaica, não tem patria o medico!—o seo lar é o leito dos enfermos, sua familia é a humanidade que soífre. No exercício de seo ministério não seduzem-n'o inte- resses mundanos, nem detem-n’o a ingratidão dos homens, Cons. Rodrigues da Silva. PRIMEIRA PARTE Syphilose Pulmonar BEFIMIÇiO i HISTORICO Faire Vhistoire de la syphilis c’est pour anisi dire tracer celle de 1'humanité. Philippe Albert* syphilis é uma moléstia geral, infecto- contagiosa, transmissivel por contacto e herança, tendo como agente principal o treponcma pallidum de Schaudinn. Foi definida ha muitos annos por Mauriac, da seguinte fórma :— uma moléstia infecciosa, viru- lenta, inoculavel e, provavelmente, de origem bacteriana ou parasitaria, podendo-se transmittir também por herança, e, em sua evolução, igual- mente acommetter todos os tecidos, todos os orgãos e todos os apparelhos da economia. Agora vejamos muito succintamente o que diz o historico da syphilose pulmonar para com clareza e minúcia desvendarmos a exposição de princípios das differentes escolas. 2 A historia da syphilose pulmonar, como a de todos os estados morbidos, apresenta phases inteiramente completas e perfeitamente distinctas, caracterisadas pelo predominio de determinadas doutrinas medicas. Partindo d’esse principio, e recapitulando os estudos feitos a respeito d’essa affecção, julgamos poder dividir sua evolução histórica em epoclias ou periodos, embora haja quem diga não ser esta uma das mais felizes, e sim, longa, confusa e cheia de vicessitudes. Pancritius, em uma excellente e valiosa mono- graphia, estabeleceu para o liistorico dois periodos :—o primeiro mais longo, começando de Paracelso no anno de 1500 e acabando em Laennec em 1800, o segundo se estendendo de Virchow até os nossos dias; graças aos progressos da anatomia pathologica e do vigoroso impulso communicado por este scientista no fim do século passado. Para não alongar este trabalho, apenas daremos umarapida noticia de alguns auctores que directa ou indirectamente consideram a syphilis como productora da tuberculose. P porém, mister lembrar desde já que, para os localisadores, a causa capital e talvez unica da na producção da tuberculose, era a falta de elementos de defeza, que tinham sido sucum- bidos na grande lucta travada pelo treponcma, pallidum de Schandinn. 3 Laennõc, em França, d’esde o anno de 1826, estudando as differentes epidemias de tubercu- loses, encontrou algumas a que não podia referir a syphilis como causa, e só eram explicáveis pela presença no sangue de certos principios deleterios, que tinham entrada no organismo pela respiração cutanea ou pulmonar. Mais tarde, baseado nos mesmos estudos, Laennéc não parecia ter abandonado inteiramente a concepção de uma infecção syphilitica como causa real de uma producção de tuberculose, quando escrevia: «que os excessos, as aífecções syphiliticas degeneradas, o abuso das preparações mercuriaes irritantes, e sobretudo do sublimado, eram, algumas vezes, as causas para o desenvol- vimento de tubérculos». Na Inglaterra, Stokes e Graves sustentavam a producção de tubérculos, bronchites e pneumo- nias sob a influencia da syphilis. Fm 1840, William Munk não admittia que a infecção syphiligenica por si mesmo pudesse formar tubérculos, porém Fagneau e Yvaren admittiam, apresentando argumentos tirados quer da etiolõgia, quer da anatomia pathologica. A syphilis, diz Bazin, pode auxiliar ao desen- volvimento da tuberculisação pulmonar nos individuos predispostos; ella porém, por si só é incapaz de produzir e determinar outro specimen a não ser tubérculos syphiliticos. Para o eminente professor Fournier, a syphilis 4 pode agir sobre o pulmão de duas maneiras bem distinctas: primeira, directamente, por influencia especifica, determinando lesões próprias, lesões que outras diathéses não saberiam produzir; se- gunda, indirectamente, por intermédio das per- turbações nutritivas que ella provoca no orga- nismo, determinando lesões communs, como sejam as de origem tuberculosa. G. Schroeder não se cançava em pronunciar a seguinte e tão conhecida phrase. « Producit infiamacionis, spasmos, tumores, tuberculosa in variis partibus, nec non raro in pulmonibus. N’esta mesma epoclia, os auctores conheciam diversas especies de thisica, e Stoll, em sua thése de [concurso, assignalava algumas variedades, Sauvages admittia vinte e Portal quatorze, sendo as principaes d’entre todas as nervosas, hemo- ptoicas, scrofulosas, catharraes, rheumatismaes, scorbuticas, tuberculosas e syphiliticas. Portal, em seu livro, consagrou um artigo á thisica syphilitica. EI assim se exprimia: «La maladie syphilitique est d’abord locale ; il est des sujets qui en sont trés long temps affectés sans que leur poitrine s’en ressente; aussi, il y en a d’autres chez lesquelles le vice syphilitique affecté bientot le poitrine, et il parait que c’est chez ceux qui ont quelque disposition á la thisie, comme EAernel etd’autres célebres médecins l’ont dejá marqué. Ces maladestous sont, maigrissent, 5 etéprouvent successivement les divers symptomes de la phthsie conlirmée dont ils meurent». E’ mister saber-se que nesta mesma epocha Lamonnier estabelecia uma opinião sobre a tliisica pulmonar, considerando-a como, muitas vezes, complicação da sypliilis. Este trabalho foi de muito valor n’aquella actualidade porque o auctor procurou com muito esforço estabelecer uma divisão bastante clara e nitida sobre a influencia exercida reciprocamente. E assim se exprime: 1* uma thisica pulmonar syphilitica que não reconhece outra causa a não ser a syphilis; 2? uma thisica que dependa do tratamento anti-venereo; uma thisica que existe frequentemente antes da syphilis. Astruc, em seu livro, e a proposito da conse- quência da syphilis, diz, que as funcções vitaes que se exercem nos orgãos e muito especialmente no pulmão, podem ser alteradas na verole por diversas causas; ou pelos tubérculos, ou pelos tumores gommosos na substancia dos pulmões, os quaes suppurando dão em resultado phenome- nos de tosse, asthma, hemoptyse, vomitos, etc. Hoje, é crença geral e muito bem fundada que o conhecimento de syphilose pulmonar não podia deixar de existir, nem mesmo assim de progredir, conforme comprovaram pelas suas pesquizas, os sábios Cornil, Virchow, Lallemand, Eanceraux, Ricord, Eournier e Depaul. Graças portanto a este ultimo, de quem, como 6 sabem, os e&tudos anatómicos de fétossypliiliticos devem tanto, e cujo nome anda ligado a porme- nores de syphilose pulmonar, diz-noselle mesmo que pouco antes, ou depois, tiveram occasião de estudar anatomicamente tantos fétos e productos outros da concepção como elle estudou ; mais tarde e com a mesma curiosidade repetiram estas autopsias por meio dos mesmos ensaios, bem como repetiram confirmando-os Yidal, Dit- trich, Virchow em casos que ti veiam muito valor. Depois da affirmativa de Yidal, Dittrich e Virchow, teem sido repetidamente feitas por Schwartz e outros. Muitos auctores, taes como: Astruc, Morgagni e Schwartz depois de tantas difficuldades e tantos estorvos, fecharam completamente o circulo, affirmando manifestações pulmonares, determi- nadas pela infecção syphilitica, sob a forma de gommas. Outros casos como este se encontram nos annaes de syphiligraphia e nos archivos de medi- cina. Fntre nós, de certo, também tem sido observado por homens da tempera de Torres Homem, Nogueira da Fonseca e Alexandre Cerqueira, egregio cathedratico de syphiligraphia da nossa Faculdade. SEGUNDA PARTE Etio-pati*ogenlà, anatomia pathologica e symptomatelogia escasso e escabroso dominio da syphilose pulmonar destaca-se um capitulo que pela sua importância desperta a mais viva a acurada attenção de todos quantos a estudam: — é a etio-pathogenia. De ha muito que se tem procurado encontrar a causa productora de tão melindrosa infecção no organismo humano e a sua natureza especifica uos orgãos da hematose. O ponto de partida encontra-se no treponemci, pallidum de Schaudinn, recentemente descoberto por este scientista, a quem de direito coube a gloria de tão maravilhosa conquista. Antes de Schaudinn, e com relação a esta questão, devemps registrar auctores de nomeada, com sejam; Hamonic, Martineau, Lavaditi, Salmon, 8 Mettchnikoff, Roux, Rischer, Passini, Klebs, Donné, o penúltimo assignalou pelas suas pesquizas o espirocheta em diversos fétos heredo-syphiliticòs e o ultimo asseverou em 1837 a causa da syphilis um espirillo. Não obstante isso, estes grandes emprehende- dores deviam antes levar a êxito este grandioso commettimento, em auxilio não somente da sciencia como também da própria humanidade, para finalmente não deixarem ficar nas trevas e envolto no negro manto do esquecimento as suas investigações. Mais tarde, e pouco a pouco, se foi suavisando os excessos das theorias com o apparecimento de novos campeões e distinctos apostolos, como sejam: Schaudinn e Hoffmann, apeifeiçoando e modificando praticamente o nome de Spirochéta pallida para o de Spironema pallida, em vista da grande differença que ha entre o microbio da syphilis e os spirockétas auihenticos, taes como Spirochéta plicatis e Spirochéta refringens. Muitos auctores têm encontrado esses mesmos microbios em diversos casos, de syphilis, e Hoff- mann verificou a existência em uma affecção não syphilitica. Schaudinn, por mais de uma vez, encontrara em suas preparações spirillos de especie differentes, ao passo que outros, como: Cube e Kiolemeno- glori julgaram encontrar spirillos proprios da syphilis. j x 9 •Hoffmann visava serem de maxima importância essas investigações, afim de resolver si 11a syphilis encontra-se um germen especifico nitidamente distincto dos seus congeneres. Ultimamente, tem appareciclo nas publicações medicas notas interessantes sobre o modo de invasão nos pulmões por estes spirillos, que muitos auctores ainda não poderam distinguir qual seja a especie de determinação do poder infectante. E)ífecti>vamente, os auctores têm procurado explicar pelas suas preparações o modo de pene- tração do germen pelas diílerentes vias do organismo. O / , O conhecimento d’esta acção que têm elles para se introduzirem na economia torna-se importantissimo. Sabemos perfeitamente pelos caracteres anato- micos e pelo conhecimento geral que temos sobre a infecção sanguinea syphilitica que a pulmonar se faz sobretudo pela via vascular. Quanto á origem aerea, não pode, segundo a opinião de alguns auctores, ser discutida por causa da topograpliia das lesões de começo serem de ordem peri-bronchica e algumas vezes também peri-vascular, devido a localisação em torno dos grossos eixos connectivos da trama vascular de capillares nutritivos. Temos agora a via-lymphatica, a qual tinha 10 sido accusada pela situação do hilo, na frequência das lesões em casos de pneumonia syphilitica. Muitas vezes, a raridade das adenopathias é tão extrema que tende a regeitar esta via em geral ; e neste caso, o unico meio que temos é a explicação das lesões pela propagação dos bronchios. Realmente é para os grandes práticos uma argumentação de muito valor, e, entre nós, é um mecanismo preciso de ser algumas vezes menci- onado em certos e determinados casos de alterações extensas da trachéa e das primeiras ramificações. Algumas vezes, notamos na clinica incidentes de ordem tal que pela autopsia é que vamos com espanto observar lesões de localisação broncliica manifesta, attingindo pela sua malignidade e extensão de alteração o systema aereo vector. Rxiste ainda um modo de contaminação que pela sua importância desperta a mais viva atten- ção, é o transporte e desenvolvimento secundário de lezões pulmonares em contiguidade com as lesões parietaes e hepaticas. Delepine, em collaboração com Sisle}7, estampou ultimamente em um jornal medico de Paris uma curiosa observação de gomma do fígado propa- gada aos pulmões por este orgão, através o diapliragma. Agora deixemos de lado esta argumentação e vejamos o que diz as condições etiologicas rela- tivas á infecção syphilitica. 11 B’ hoje um facto admittido por muitos e de que em bôafénão podemos duvidar da frequência das alterações pulmonares na syphilis adquirida, attribuida a principio por um pequeno numero de auctorese hoje considerada pela maioria como causa primordial de alteração e desorganisação. E)m harmonia com isso também está o que ultimamente repetiu Pavre em um artigo, quando analysava este modo de acção da syphilis adqui- rida em diversos orgãos da economia, opinando ser esta muito mais frequente na syphilis em período de virulência, pelo simples facto de ser completamente ignorada e lesar uma multidão de orgãos, produzindo completas dilacerações. A’ vista disto, cumpre também notarmos que o Dr. William Porter observava ser muito excepci- onal encontrar-se a syphilis pulmonar como manifestação isolada e sim associada no maior numero de casos ás lesões de origem renal em casos de nephrites syphiliticas precoces. Todos estes accidentes devem ser evidente- mente classificados entre aquelles que pertencem ao domínio do periodo terciário. Bassereau, durante algum tempo, sustentou perante syphilographos de nomeada, como: Bine- cker, Diday, Carmichel e outros que, depois da malignidade ou da benignidade do accidente primitivo, podia-se tirar conclusões positivas em favor da malignidade ou da benignidade dos accidentes secundários e terciários consecutivos. 12 M. Debuc, ao contrario, explica a malignidade unicamente por uma questão de terreno, uma especie talvez de predisposição interna. Muitas vezes o accidente primitivo pode deixar de ter uma feição typica para só apresentar fôrmas insignificantes em diversas modalidades de pencumopathias. A peneumopathia syphilitica, como todos os accidentes terciários, se apresenta em um periodo i ideterminado, logo após o cancro, ficando por muito tempo latente a infecção durante o prazo de 10, 15 e mesmo até o espaço de 40 annos, para então se localisar, alojando-se em um só orgão. Todavia nos parece que em logar de ter este caracter de generalisação que ella possue no periodo secundário, vae variando de natureza a proporção que caminha para o envelhecimento e, de moléstia virulenta, passa ao estado de fFecção diathesica. De facto, foi o estudo destes accidentes de syphilis larvada que inspirou a certos observadores a idéa de que jamais se poderia desembaraçar completamente um doente do germen de que seu organismo era impregnado. A fórma larvada, diz Ricord, pode também ser influenciada muito mais pela herança do que pelo envenenamento individual. Não obstante, a regra não é invariável, e muitos investigadores têm suscitado de novo 13 sobre este ponto para com grande interesse e curiosidade mostrar alguma cousa de concludente sobre esta questão. Passemos agora a tratar da sypliilis hereditária porque esta apresenta á consideração algumas particularidades. A infecção syphilitica hereditária é para alguns casos muito precoce, porém para outros podemos admittir que completamente latente, se manifes- tando em uma epocha mais ou menos tardia por accidentes variaveis, quanto á sua forma e á sua séde. Fournier, Barensprung, Balling e Lanceraux são unanimes sobre este ponto. Muitas vezes, quando o poder infectarite accommette o pulmão immediatamente se produz a não viabilidade ou a morte rapida do foetus, o que, porém, não se dá para as manifestações hereditárias retardadas que de preferencia tam- bém procuram atacar os pulmões nos primeiros annos, determinando na criança uma serie de manifestações, sobretudo ósseas, que podem dar em resultado complicações pulmonares de forma bronchio-pneumonica. Lancereaux, de accordo com o que acima dissemos, cita um bello exemplo de pneumonia chronica, verdadeiramente desenvolvida n’uma criança sob a influencia da herança syphilitica. Além disso, e depois de algum tempo, foi que viemos a conhecer o modo de infecção do foetus 14 através a placenta contaminada por meio das pesquizas de Salmon e Lavaditi. Realmente hoje já sabemos de fonte limpa que a mãe infectada gera filhos syphiliticos, embora haja ainda quem negue que a mãe possa dar ao filho a syphilis, que adquiriu já depois de gravida. Barensprung, dizia que, para reconhecer si a syphilis vinha do pai ou da mãe, era bastante verificar a séde das lesões, porque sempre a syphilis de origem materna affectava' as vias pulmonares, as de origem paterna se traduziam pelas lesões do figado e capsulas supra-renaes. Quanto á syphilis por herança paterna não devemos deixar de acreditar, comquanto tivesse sido negada por uns e admittida por outros. Gaspary em 1874 citou em um jornal de Vienna a historia de uma mulher que deu á luz quatro filhos syphiliticos, e só depois do ultimo appareceu ella infectada. • Para uns a infecção da mãe existiu em estado de latencia, quando teve os primeiros partos ; para outros foi o ultimo filho que a infectou. Seja como for, o certo é que, se torna digno de menção o curioso facto de ver-se que durante o periodo foetal nenhuma actividade existe para o lado do apparelho respiratório e electivamente é affectado pelos germens que determinam a infecção pulmonar syphilitica, diffundindo-se tanto por todo o organismo a ponto de se 15 traduzirem manifestações taes que pelos seus caracteres são susceptiveis de se confundirem com outros muitos estados pathologicos. Anatomia Pathologica Abordamos finalmente ao caminho que devemos seguir para chegarmos a alguma utilidade, e, n’este sentido muitos trabalhos se tem publicado, abundando os que dizem respeito a anatomia patliologica do apparelho respiratório; isso graças aos melhoramentos, as revoluções operadas na medicina pelo grandioso descobrimento do mi- croscopio. Realisada esta conquista a verdade nos veio tornar-se perceptivel, saliindo dos meios nebulo- sos que tanto a oífuscava para mostrar-nos o modo de desenvolvimento e evolução das lesões nos orgãos de hematose. Roi Virchow quem pr meiro estabeleceu a definição da gomma, consider: ndo-a como produzida em sua origem pela proliferação do tecido conjunctivo normal, correspondendo o inicio do seu desenvolvimento ao modo de formação da granulação. Chegando a esta questão, Cornil e Ranvier diziam, que sobre o ponto de vista anatomo-pathologico tinham sido as gommas as lesões mais caracteristicas da syphilis porque foram para os pulmões as primeiras estudadas e descri pt as. 16 Quanto ao desenvolvimento do tumor gommoso pode-se fazer de duas ' maneiras: — ou pela formação cellular (a proliferação) tornando-se n’este caso rapidamente molle, gelatinosa, mucosa ou fluida a substancia intgr-cellular. Outras vezes, a substancia cellular é muito pouco abundante e então ha augmento da sub- stancia inter-cellular, as cellulas n’este sentido ficam conservando o caracter fusiforme do tecido conjunctivo, em caso contrario ficam obtendo a fórma arredondada, própria as da cellula de granulação. Em seguida tornam-se gordurosas dando logar a uma formação de nodosidade secca e ao mesmo tempo amarella; esta formação de nodosidade vem constituir o que nós chamamos tubérculo, o qual depois de suas transformações se appro- xima muito da gomina. Entretanto é por esta fórma granulosa miliar que começa toda e qualquer especie de tubercu- lose, permittindo fazer sem difficuldade alguma, a distinção com outra especie de infecção. Em summa, as producções gommosas não apresentam caracteres histologicos que as diffe- rencie das producções imflammatorias, e por isso é que o cancro de fórma endurecida assemelha extremamente as producções gommosas, nos apresentando a mesma proliferação de tecido conjunctivo, a mesma destruição dos elementos de granulação gordurosa. 17 As alterações profundas da syphilis são de natureza cellulosa, tendendo ordinariamente para a fórma ulcerosa, logo de natureza fibrosa, e então ficam se approximando á fórma caseosa, sendo portanto a evolução lenta e dando logar á fórma fibro-caseosa ou fórma gommosa. As gommas assim como todos os accidentes secundários e terciários pertencem aos processos irritativos ou activos, emquanto que, a cachexia está sob a dependencia de phenomenos puramente passivos ou negativos — (degenerescencia amy- loide). M. Bazin, procurando compor a anatomia- pathologica com as desordens symptomaticas, se exprimiu assim: ha certamente uma differença entre gomma e tubérculo, mas este não existe sinão em certos casos de tisica venerea em mistura no pulmão com productos de natureza puramente gommosa. No anno de 1863, M. Ranvier descreveu as gommas do pulmão em uma criança nascida morta, a qual era ao mesmo tempo accomettida de pemphigus neo-natorum. Roi M. Robin quem depois de algum tempo deu os caracteres histologicos particulares ás gommas do pulmão, as quaes segundo elle são formadas em numero de 7 a 8 décimos avaliada- mente de cytoblaslions com suas duas variedades coexistentes, cellula e núcleo, de corpos fusiformes fibro-plasticos e de alguns capillares. 18 M. Roger, em uma memória aliás interessante, falia das alterações descriptas sobre os pulmões dos recem-nascidos, que muito frequentemente entre nós, são acceitas por accidentes especificos, quando porém, ver a ser pneumonias lobulares em degenerescencia caseosa, como se encontra as vezes nas crianças cacheticas. Virchow, em sua monumental tnonographia, tinha admittido para o figado dos syphiliticos tres especies de lesões, uma hepatite intersticial, uma hepatite gommosa e uma peri-hepatite. M. Eanceraux, logo depois de tão valiosa classificação, descreveu no pulmão dos syphiliticos formas analogas: — primeira uma fórma caracte- risada pela hyper-plasia simples, terminando pela sclerose, e que denomina diffusa ou intersticial, outra constituída pelas producções gommosas ou circumscriptas. A primeira, posto que tenha sido mui poucas vezes observada, não deixa absolu- ctamente de ser reconhecida pelos auctores. Esta lesão, segundo a generalidade dos casos e a pluralidade dos investigadores, invade indiffe- rentemente o apice, a parte média ou a base do pulmão. Ora, muitas vezes, encontra-se a parte média mais alterada do que a base do pulmão. Tiffany, porém, opina que em todiis as formas observadas por elle que estas alterações eram mais frequentes na parte média do que no apice ou na base do pulmão. 19 Nesta condição, a alteração de um pulmão por esta fóma só tem a modificar intensamente pela hyperplasia a zona. ou area pulmonar, dando a esta uma côr cinzenta semelhante ao aspecto apresentado pela lesão conhecida por induração cinzenta. Quanto á superfície, é de ordinário lisa, de consistência elastica e firme, não crepitando nem tornando-se permeável ao ar, ficando neste caso com densidade superior a da agua. A fórma circumscripta ou gommosa pode affectar concumitantemente os dous pulmões, mas em geral localisa-se em um, assestando-se indiffe- rentemente em qualquer de suas partes, porém invadindo de preferencia a camada peripherica. Esta particularidade que possue, evita a confusão para com os tubérculos, que de ordinário teem preferencia pelo apice do orgão. Em summa, a syphilose pulmonar não é uma manifes- tação própria da edade adulta, conforme pensam alguns, porém muitos auctores, taes como: Comby, Parrot, Virchow e outros muitos, dizem em seus livros que a syphilis hereditária pode determinar, em tenra idade, lesões do pulmão, caracterisadas pela proliferação do tecido conjunctivo ou pelas neoformações gommosas. Nas crianças de mezés as lesões são de apparencia lobular mais circum- scriptas e muito difficeis de distinguir-se das da bronchio-pneumonia. Neste sentido, fazendo-se qualquer secção em 20 pulmões accomettidos de lesões desta natureza, apreciamos uma superfície accidentada, devido a conformação dos tecidos e densidade superior a da bronchio-pneumonia. Symptomatologia Apesar cTeste traçado ser tão largo e um outro tanto incerto, não devemos por isso nos affastar e sim enfrentarmos com arrojo e tenacidade para um fim completo e desejado. Eis, geralmente, em breves palavras, os cara- cteres principaes da symptomatologia da syphilose pulmonar, conforme asseguram muitos auctores. Ordinariamente são numerosos e variaveis, mas nada apresentam de especial e pathognomonico. No entretanto algumas perturbações funccio- naes veem coincidir pela sua estreita e completa semelhança com os da tuberculose do orgão, tornando, neste sentido, extremamente difíicultoso o diagnostico. Segundo a opinião de muitos auctores, a dyspnéa é um dos mais frequentes e importantes, e, segundo alguns, é este phenomeno o inicio das perturbações funccionaes, tornando-se extrema- mente penosa, sobretudo quando o doente faz grande esforço, como o subir uma escada, ou ladeira, etc., etc. 21 Um outro que com muita frequência observamos, a tdsse, que em geral é continua, quintosa, exa- cerbando-se á noite. Secca ou mucosa, na primeira phase do movimento evoluctivo do processo syphiligenico do pulmão, tornando-se quando attinge ao período de amollecimento, muco-purulenta ou fracamente purulenta. Muitas vezes, em casos de excessos e|de falta de nutrição, o organismo se depaupera e uma nova manifestação vem logo dizer-nos que a moléstia vai se tornando sobretudo notável pela influencia do empobrecimento orgânico. Por isso é que a expectoração torna-se acom- panhada de estrias sanguineas, apezar da hemoptyse não ser em geral abundante na thisica syphilitica. Sabemos perfeitamente que todos os estados geraes, todas as diathéses, podem influir sobre a syphilis, ou podem ser influenciadas perniciosa- mente por ella, dando em resultado uma completa fraternisação em favorecimento da evolução para mais maleficamente consumirem a victima. A tuberculose de certo é uma d’estas diathéses que influe para mal sobre a syphilis do pulmão, enxertando sobre este as suas toxinas, imprimin- do-lhe uma grandiosa tendencia para aggravação dos effeitos e, fundindo-se com ella, dá em pouco tempo uma terminação funesta, por igual effeito de ambas por uma thisica syphilitica. 22 Segundo Danceraux e Yvaren, a infecção tuberculosa produz mais frequentemente hemo- ptyses do que a syphilis, no entretanto diz o imminente professor Pournier que, neste ultimo caso, ella é observada maior numero de vezes do que se pensa. Isto serve para mostrar, que mais geralmente é a tuberculose que mais se apresenta ao espirito do medico, quando mentalmente elle forma o estudo comparativo das affecções, que poderiam determinar tal estado morbido. De facto, o que principalmente distingue os accidentes d’esta ou d’aquella modalidade de infecção, sobre que assestam no pulmão, são os meios exploratorios que na occasião dispõe o clinico para firmar a sua opinião a respeito da séde e extensão do processo morbido. Ora, nos exemplos figurados pelos eminentis- simos sábios Pournier e Unna sabemos que pela percussão obteremos obscuridade completa ou semi-obscuridade; pela apalpação, ausência ou diminuição das vibrações thoracicas, e pela escuta, falta ou enfraquecimento do murmurio vesicular, ás vezes sopro tubario ou simplesmente respiração soprosa e expiração prolongada. Chegado a este ponto adiantado novas mani- festações vão-se succedendo, o cortejo sympto- matico de uma thisica declarada vai-se acentuando pouco a pouco, com intervallos de incertíssima duração, porque o grau diverso de resistência 23 individual, a boa ou má hygiene e os effeitos do tratamento, são as causas pertubadoras de toda a marcha. Como prova, de que o facto assente não merece contestação, vejamos o que diz os fundamentos que aliás teem sido sustentados por homens importantes, e não ha muito foi de novo deffen- dido pelos sábios FVantzel, Griffini, Cube, Kiolemenoglori e outros que são de opinião com 'o que acima citamos. Os accessos febris, vespertinos ou noturnos, de caracter intermittente, ou febre continua com exacerbações vespertinas, perturbações gastro- intestinaes conl annorexia, dyspepsia, diarrhéa, determinando neste caso, um aniquilamento geral da nutrição e consequente emmagrecimento, sobrevindo afinal a morte. Km virtude das causas deprimentes, cuja influencia já puzemos em evidencia, a marcha da sypliilose pulmonar torna-se aguda e mesmo galo- pante principalmente nos períodos extremos da diathése, o- primário e o terciário. No período primário, se as condições do doente são taes que compliquem de phagede- nismo a lesão infectante, é espantosa a rapidez com que podem apparecer os estados graves, e seguir-se a elles uma cachexia. No período terciário acontece também muitas vezes o precipitar-se a peiora, tanto do estado 24 geral como dos estados locaes, tornando-se com- pletamente inefficazesas apllicaçõestherapeuticas. Em alguns casos de syphilis pulmonar ga- lopante é notável a associação de accidentes secundários e terciários. Devemos também notar que, segundo Eournier e Hochsinger, a evulução da sypliilose pulmonar é mais lenta que a da tuberculose,' entretanto em certos casos, conforme já tivemos occasião de citar, os symptomas geraes que acompanham a moléstia, tomando grande intensidade desde o seu começo, dão em resultado a inefficacia das applicações therapeuticas e em seguida a morte. TERCEIRA PARTE DIAGNOSTICO E TRATAMENTO La florissante jeunesse et- la premiére partie. de lâge adulte sont decimèes par la syphilis pulmonaire sous forme de phtisie syphilitique. Pancritius, pSjp|| EPOis de tão ardua e melindrosa, tarefa, e tanto mais ainda de esforços e tropeços, chegamos á parte mais valiosa e quão difficillima do nosso humilde trabalho. O diagnostico da syphilose pulmonar se bem que facil na maioria dos casos, é todavia dos mais embaraçosos e obscuros, dadas certas e determinadas circum- stancias. No dizer do eminente professor Pournier, é o ponto o mais difficil e praticamente o mais importante, residindo porém essa difficuldade no simples facto de ser sobretudo a aífecção rara e do pensamento não assaltar ao espirito do clinico. 26 Muitas vezes dá-se inteiramente o contrario, o espirito do clinico vai prevenido 11a firmeza de conseguir pela historia pregressa do doente a certeza, ou as probabilidades para o conhecimento da verdade, e no emtanto o esclarecimento que adquire por mais insistências que haja, é a grande defiiciencia de s}Tmptomas e a pouca ou nenhuma minúcia e clareza de antecedentes, que não dão luz para que se entenda bem o estado actual, deixando portanto de ser muitas vezes completo na informação ; — isso de certo é a regra nas enfermarias do nosso hospital, e que por expe- riencia própria talvez já tivessem tido occasião de reconhecer. Para um diagnostico exacto de svphilose, como nos outros males de especie differentes, é preciso applicar-se todas as regras que dizem respeito á pathologia geral, porque todos os conhecimentos hauridos pela leitura dos auctores, as observa- ções conscienciosas adquiridas na pratica, tudo é posto em acção n’um momento dado, e. d’esse acervo de idéas, d’esse amontoado de esboços imperfeitos, vae-se pouco a pouco delineando uma forma que, tomando vulto, destaca-se e impõe-se em toda a sua nitidez. Comtudo, o exame attento e cuidadoso do doente, a apreciação criteriosa de seus antece- dentes morbidos, a indagação das condições organicas de seus progenitores, são pontos capitaes donde devem partir todas as conside- 27 rações que levam o clinico ao veídadeiro conhecimento da enfermidade. No ultimo caso, quando são igualmente duvi- dosos os signaes da historia e os da observação, o que é que devemos fazer, sobre que devemos insistir? Realmente parece banal esta pergunta, e visto que o diagnostico é a resultante de uns e outros d’esses signaes parecem também que nos casos difiiceis por pouca significação da observa- ção e grande defficiencia da historia, ha clinicos dc nomeada com sejam: os distinctos mestres, Alexandre Cerqueira e Garcez FVóes que asseve- ram, que mais vale voltar a interrogar de novo O doente, do que repetir a indagação obtida na observação, porque neste caso, poderá fornecer informações mais criteriosas e verdadeiramente concludentes. O diagnostico, pois, de syphilose pulmonar não pode ser estatuído de modo preciso pelo exame isolado das lesões, que aquella infecção determina nos orgãos da hematose; será portanto indecli- nável demonstrar a dependencia das lesões localisadas da especificidade da infecção syphili- tica, o que equivale a dizer que nos convém melhor basearmos 11a observação dos symptomas da affecção local e das que assignalam a diathése. Se porventura o movimento evolutivo da syphilose pulmonar seguisse, em todos os casos, aquella regularidade e não fossem frequentíssimos os factos de anormalidade em sua manifestação, 28 talvez que se tornasse facil o diagnostico e extre- mamente insignificante o trabalho do medico, porém nem sempre assim acontece, e é nestes casos que toda a attenção e toda a perspicácia são exigidas para se conhecer a verdadeira natureza do mal. Um outro elemento que constitue um dos indícios mais importantes do diagnostico, e que merece attendivel apreciação quando clara e positiva, é a anamnése. Com effeito, não devemos jámais perder um dado de tanta valia, porque muitas vezes para se descobrir e se ter o conhecimento necessário do processo morbido, é preciso buscal-o com o esmero que lhe é peculiar para a certesa do diagnostico. Uinalmente, nada ha de mais util, como tão proveitoso para o clinico consciencioso do que procurar por este exame as causas determinantes e os phenomenos mais apreciáveis e caracteris- ticos da infecção. Em alguns indivíduos, como sabemos, nem sempre se pode obter uma descripção segura e minuciosa da enfermidade, ou porque a moléstia tivesse evoluído de um modo anormal, ou porque o vexame do paciente o leve a occultar ao medico para evitar tratamentos, que receia. Umas vezes é um doente que não está em perfeito estado intellectual, e que ou não percebe o valor das perguntas, ou não tem memória dos 29 acontecimentos; outras vezes com relação a alguns, curiosamente jactanciosos que affirmam ter tido padecimentos anteriores, em grau supe- rior ao que soffreu, levando-os a sua vaidade até inventarem especies desconhecidas, e, muitas vezes, negam ter tido cousa alguma, porque de- facto a não tiveram. Ordinariamente quem mais contribue para esses signaes anamnesticos obscuros é a mulher; e se ella é casada pode ser então a interrogação do medico uma offensa ao pudor e talrez até a faisca que ateie um grande incêndio. A este respeito, o eminente professor Fournier faz notar as difficuldades que cercam então o diagnostico e os cuidados que deve ter o clinico no interrogatório ao exame de pessoas tão sus- ceptiveis. ISTestas circumstancias, o clinico usa de toda prudência para obstar o menor soffrimento que porventura venha- a produzir o exame e a explo- ração, diligencia com que evita por consequência a impressão moral recebida algumas vezes pela paciente, quando por uma fatalidade senta-se a cabeceira do leito algum typo de espirito bur- lesco e pouco comprehensivel no dever de sua profissão. Assentes estas considerações, passemos a tratar do diagnostico differencial entre as demais infecções que atacam os orgãos da hematose. Realmente tornamos a dizer enão nos cançamos 30 de repetir que, geralmente, é a tuberculose pulmonar que se apresenta ao espirito do clinico quando mentalmente elle forma o estudo compa-, rativo das 'affecções, que poderiam determinar tal estado morbido. Fazermos portanto aqui a distineção entre as affecções, e mais especialmente entre a tubercu- lose do orgão, seria tão util como tão proveitoso, porém do confronto com a anatomia pathologica d estas lesões ainda não se tiraram até boje caracteres proprios que podessem distinguir claramente, sinão seria um grande soccorro em questão de tanta duvida. Estabeleçamos, enfim, a differenciação com a tuberculose do orgão, por ser esta afíecção uma que mais geralmente assalta ao critério do clinico, e que pela sua perfeita identidade acarreta a mais seria e completa difficuldade, cm questão de diagnostico. A este respeito Cornil e mais outras auctori- dades, que avultam em syphiligraphia, affirmam que a distineção entre as gommas e as diversas formas de. alteração tuberculosa é difficilima, sobretudo nos casos de grandes tubérculos caseósos. N’estas circumstancias, a semelhança de aspe- cto, de cor, de configuração e príncipe Imente de evolução com o tubérculo, diz Fournier, é o que resulta do estudo da gomma pulmonar. Como o tubérculo, apresenta tres períodos 31 em sua evolução: de- crueza, amollecimento e eliminação. Todavia a gomma differe do tubérculo em certos caracteres de natureza extrínseca e assim descriptas por Fournier: O tubérculo assesta-s*e de preferencia no apice do pubnão, atacando geralmente os dous, e esten- dendo-se depois ás partes inferiores ; a gomma invade um só d’elles, tendendo a localisar-se em um só ponto; esta apresenta-se de ordinário em pequeno numero, ao contrario d’aquelle que é múltiplo; a gomma é mais volumosa que o tubér- culo, nunca toma a fórma miliar e é sempre de côr branca ou amarella e não transparente como o tubérculo miliar. A gomma, mesmo 110 periodo de amollecimento, é mais resistente que o tubér- culo, devido á sua casca fibrosa. A affirmação formulada por Cornil e das outras auctoridades que avultam em syphiligraphia, quanto á semelhança destas duas lesões, nada soffre quando lançamos mão do microscopio, porquanto a intervenção d’este valioso instru- mento confirma aquelle conceito, apresentando differenças quasi imperceptiveis. Dos estudos de Dupaul, a que nos referimos no primeiro capitulo d’este humilde trabalho, feitos sobre crianças descendentes de Paes syphiliticos, acompanhado pelos scientistas Vidal, Dittricli, Virchow e Schwartz, tornou-se manifesta certa relação entre a syphilis e algumas nodosidades 32 encontradas nos pulmões. Segundo a opinião de alguns auctores, a neoplasia sypliilitica não se assesta, indiffereutemente, n’este ou n’aquelle ponto do pulmão, mas sim no lobulo médio do pulmão direito, como refere Grandider. Kste auctor liga grande importância a este caracter peculiar da syphilose pulmonar, para o diagnostico, e apresenta uma estatistica de 30 casos,- 27 dos quaes comprovam a infiltração limitada ao lobulo médio do pulmão direito, dous em que ella se estende ao apice e um somente em que o pulmão esquerdo é affectado. Jamais, segundo elle, o mal se circumscreve ao apice sómente, e terminando esta observação diz: a Km presença de signaes cavitarios ou de uma infiltração limitada ao lobulo médio do pulmão direito, o cfiagnostico da sypliilis pulmo- nar deve ser feito sem restricções, mesmo quando faltam vestigios de antigas lesões ou manifestações actuaes». Rollet, sobre este ponto, não se declara tão positivamente como Grandider, mas concorda em que o lobulo médio do pulmão direito seja a séde de predilecção da sypliilose pulmonar. Outros, porém, chegam a convicção de que a sypliilís não tem tão accentuada predilecção por este ou por aquclle lobulo, e que invade frequen- temente o apice ou a base, não parecendo assim manifestar tendencia por esta ou por aquella parte do orgão, como acontece com a tuberculose, 33 cuja preferencia para destruir os ápices do pulmão é inconstetavel. Cotejando as observações publicadas por grande numero de anctores, diz Beriel, que muitas vezes se chega a convicção de um ele- mento importante de diagnostico pela disposição peculiar do thorax dos tuberculosos, tornando-se esta apreciável antes de apresentarem os sym- ptomas e traduzindo-se pela diminuição nos diamentos da parte superior do peito. A tuberculose imprime no indivíduo, desde a sua origem, traços especiaes que se vão accentu- ando com a marcha da moléstia: a côr terrosa da cachexia profunda, os dedos hypocraticos, o emmagrecimento progressivo, a consequência das desordens da nutrição, são outros tantos sympto- mas para um diagnostico criterioso. As perturbações gastro-intestinaes, como dys- pepsia, vomitos, diarrhéa, etc., que tantas vezes assignalam a existência da tuberculose, antes que esta se tenha localisado no pulmão, só em periodo adiantado da syphilose pulmonar apre- sentam ainda, de ordinário, marcha rapida, ao passo que a syphilis progride lentamente. Quanto ao exame microscopico das matérias expectoradas é de maxima importância, compre- hendendo-se que os resíduos destes escarros podem prestar-nos valioso auxilio quando tenha- mos de formular o diagnostico differencial entre 34 a tuberculose do pulmão e a sypíiilis do mesmo orgão. INTeste caso, a presença do bacillo de Ivock implicará ipso-facto a existência da granulação tuberculosa, e a ausência será a declaração da não existência do tubérculo e um elemento favo- rabilíssimo á infecção syphilitica. Km summa, do estado d’estes symptomas, dos antecedentes morbidos do enfermo e do exame das matérias expectoradas, resulta para o clinico os elementos fundamentaes de um diagnostico verdadeiramente criterioso. Tratamento Rinalmente chegamos á ultima parte do nosso trabalho, porém, antes de encetarmos o estudo sobre que versa, é necessário dizermos que, nas manifestações syphiliticas do pulmão, se deve applicar uma medicação geral, a par de uma outra local. Realmente esta fórma de tratamento exercerá uma acção verdadeiramente curativa sobre as lesões actuaes, combatendo indubitavelmente a diathése, modificando-a inteiramente e obstando a que possa em uma epocha futura determinar accidentesgravissimos de tão funestas consequên- cias. INTeste caso, temos, conforme a bôa indicação e o esclarecimento da therapeutica, á registrar 35 dois medicamentos, que são os principaes agentes para o tratamento. E n’este sentido, realçam pelas suas qualidades especificas o mercúrio e o iodureto de potássio. O mercúrio, o primeiro talvez que teve na longa lista das substancias a fama notável de sua superioridade, a qual ainda hoje é reconhecida por uma enormidade de adeptos, quer pela sua especificidade, quer pela sua acção benefica, fundente e resolutiva para com a individualidade pathologica da syphilis. Empregado pelos Árabes, externamente, por occasião da grande epidemia do século XV, só em 1536 Mathiole instituia um outro systema de tratamento pelo uso interno; e então apregoava como especial agente medicamentoso o mercúrio, reputando-o, como an.ti-syphilitico por excellencia. * Apesar, porém, dos esforços de Mathiole em insti- tuir um systema bastante vantajoso para a pratica e um outro tanto benefico para as condições do doente, reappareciam n’esta mesma epocha per- sonalidades outras que repelliam inteiramente, quer pela sua inutilidade, quer pela sua nocivi- dade, em vista da incurabilidadedo mal, que segun- do elles, adormecia, mas não se extinguia. A’ vista de semelhante conclusão sobre os effeitos salu- tares do mercúrio, duas escolas oppostas se enfrentaram, contando a dos mercurialistas e anti - mercurialistas. Hoje, graças aos progressos da clinica theura- 36 pêutica, sabemos que os receios dos effeitos funestos attribuidos, em parte com razão, ao tratamento mercurial, não têm fundamento, em virtude da pratica medica firmar os seus factos, e, a therapeutica, methodos precisos e apefei- çoados. A influencia do mercúrio sobre a sypliilis do pulmão é evidente e mais evidente ainda é a primeira advertência que a natureza nos faz quando porventura elevamos a applicaçâo a uma quantidade superior á normal, podendo n’este sentido dar o envenenamento ao syphilitico, que ficará com dois males em logar de um, traduzindo-se finalmente este ultimo por mu conjuucto deaccidentes conhecidos comosnoines de siomatite ou salivação mercurial. . Com effeito, é para o clinico consciencioso uma preocupação assidua de espirito quando tem de lançar mão do mercúrio, porque muitas vezes pode faltar a siomatite e este agente medi- camentoso deslocar-se para a glandula pancrea- tica, e, n’este sentido, traduzir manifestações serias pelo 3modo que Gamberini notou no seu exceliente tratado de moléstias venereas, e que denominou-o de pityahsmo pancreatico — cujos symptomas são — sensação de peso e de calor na região epigastrica e em direcção ao rachis, anorexia, nauseas, flatulências, regorgitações de um liquido muco — salivar, dejecções agudas e espumantes. 37 P’ mister saber-se quando por um lado existe, manifestações de uma verdadeira stomatite torna-se necessária toda a circumspecção e vigi- lância da parte do medico, porque, mmtas vezes os accidentes que podem sobrevir são taes a ponto de accarretarem soffrimentos atrozes, susceptiveis além de mais de constituirem para o doente um doloroso suplicio. Entretanto, não é sómente a stomatite que pode concorrer para augmento d’esses soffrimentos, outros phenome- nos, conforme faz notar o eminente professor Eournier, accarretam serias consequências. Assim é, que, com muita frequência observa- mos invencivel repulsão dos mercuriaes pelo apparelho gastro-intestinal, e n’este caso toda a insistência é condemnavel. Outras vezes são perturbações para o lado do paucreas, figado, etc. Sempre que por estas ou outras formas, os mercuriaes se tornarem prejudiciaes a insistência n’elles será perigosa. Assentes estas considerações acerca o methodo da ingestão, passemos a tratar do processso dermico. Empregado conforme acima dissemos na grande epidemia do século XV, sendo por isso o mais antigo e o primeiro a ser utilisado pelos médicos d’aquella epocha. Consiste em uma serie de fricções feitas dia- riamente em certas e determinadas partes do corpo com uma pomada mercurial, que se en- 38 contra no mercado sob as denominações de unguento napolitano ou pomada mercurial dupla. Antigamente, o agente pharmaceutico que se empregava para fricções não era o mesmo unguento preparado actualmente entre nós, e sim, uma d’estas preparações ultra-complexas destinadas exclusivamente a alegria e ao enri- quecimento das bolsas pharmaceuticas d’aquella epocha. Como este, muitos outros factos se succediam, mórmente nos receituários dos médicos, quando porventura estes não viessem administrar o mer- cúrio com o devido cortejo de numerosos correctivos; n’este caso, então, esforçavam-se de incorporar ao unguento mercurial quantidade de substancias extranhas, extraordinárias, destinadas quasi que exclusivamente a levar para aquelle que se ia utilisar a malignidade. D’esta fórma pagavam os médicos os seus tributos e eram taxados de imprudentes e igno- rantes pela populaça e por aquelles imbecis que desconheciam por completo a arte de sua pro- fissão. Agora e antes de passarmos adiante, vamos pôr em relevo a maneira de usar-se este methodo. A fricção, segundo a opinião de muitos, deve durar de 5 a 8 minutos, devendo ser as partes friccionadas bem lavadas logo após, para evitar a irritação local que determinaria a acção prolon- gada da pomada. 39 Pelas mesmas razões este methodo tanto quanto o outro poderá trazer os seus inconveni- entes quando empregado muitas vezes com exaggero : d’entre estes sobresahem a stomatite e a interrupção do tratamento. Aléfn d’este processo que ha pouco acabamos de esmiuçar, sobresahe um outro de muita importância, e que entre nós tem sido empregado com bastante exito nas clinicas hospitalares e particulares: este methodo, é o das injecções. Consiste em introduzir de accordo com a escolha do clinico este ou aquelle composto mercurial na profundeza do parenchyma muscular, afim de obstar que o liquido attinja o derma e determine accidentes que pela sua natureza venham produzir consequências de ordem muitas vezes funestas. Hebra e Hunter que fóram talvez os primeiros a impregal-as, não tardaram conforme registram os livros, em desprezal-as, porque o sublimado corrosivo, então preferido, tornava-as irritantes, dolorosas e provocava accidentes locaes mais ou menos graves. Mais tarde, com o correr do tempo, Mandel- baum e Gunz tiveram a idéa de apontar o cya- nureto de mercúrio, que também determinava tanto quanto o outro os mesmos accidentes e inconvenientes ; esta idéa cahiu inteiramente no negro manto do esquecimento. 40 Km 1864, Scarenzio ( de Pavie ) tentou uma applicação, porém, o seu methodo não entrou realmente na pratica, sinão depois das primeiras publicações de Levin ( de Berlim), em 1867. Kste methodo foi instituido com o fim de se evitar a inflammação determinada pela injecção do sublimado corrosivo, e por isso procurou o investigador substituil-o pelo calomelanos. Km vista deste maravilhoso commettimento todos os especialistas italianos afiirmaram que logo após a introducção do methodo de Scaren- zio, a frequência e a permanência dos syphiliticos nos hospitaes éra menos longa. Porlezza e Pirocchi, citam o caso de uma gomma do pulmão curada com algumas injecções e insistem no valor therapeutico d’este me- thodo contra as manifestações do periodo terciário das pneumopathias syphiliticas. Segundo Scarenzio é de muita conveniência empregar-se 40 centigrammas em 4 injecções de 10 centigrammas cada uma, havendo para esse fim um intervallo de duas a tres semanas. Além d’esses meios differentes outras teem sido empregados, e com rssultados vantajosos segundo seus auctores. Kournier, Unna, Beriel, Porlezza, Levaditi, Schaudinn, Panas e muitos outros, empregam o bi-iodureto de mercúrio de accordo com a formula instituida pelo ultimo dos professores. 41 Quantos aos resultados beneficos obtidos com o emprego d’estas injecções são tão conhecidos entre nós, que nos julgamos dispensados de dis- cutir suas vantagens therapeuticas. Beriel em seu excellente livro sobre a syphilis do pulmão cita innumeros casos de cura pelas injecções esterilisadas do bi-íodureto de mercúrio. As ampoulas esterilisadas de enesól pelas suas propriedades resolutivas e efficazes, têm sido preconisadas presentemente e dado os melhores resultados na pratica, principalmente nos casos rebeldes de syphilis secundaria e terciaria do apparelho respiratório. O atoxil conforme a opinião reflectida do provecto e distincto mestre Alexandre Cerqueira não é de somenos importância, porquanto tem sido administrado e dado os maiores resultados na vasta* clientella do abalisado mestre. Como estas muitas outras formas de substan- cias têm sido criadas com resultados cert;;s e incertos, dependendo isso ás vezes do pe * odo da moléstia ou da boa ou má preparação do producto a inocular-se na economia individual. Km conclusão, tivemos noticia pela leitura dos últimos jornaes estrangeiros do emprego do mercúrio — colloidal no tratamento curativo d’essa moléstia, porém não tendo sido ainda por nós empregado nos dispensamos de maiores commentarios. 42 Ditas estas palavras, vejamos muito ligeira- mente o que se diz sobre o iodureto de potássio. Foi Wallace, de Dublin, quem primeiro, em 1836 experimentou o iodureto de potássio no tratamento da syphilis, assignalando d’esde então a sua acção energica contra esta moléstia- No dizer do eminente professor Ricord a sua appropriação é especialmente particular e pode- rosa na cathegoria dos accidentes terciários; outros opinam tenazmente para que elle deva fazer parte da medicação dos accidentes secun- dários da diathése, porque uns e*outros têm caracter commum, que é a tendencia plastica quasi constante no terceiro período e menos manifesí a no segundo. A sua propriedade con- siste na efficacia maravilhosa attestada ' por clinicos isspeitabelissimos, como sejam: Winslow, Pelizzari, Unna, Fournier e muitos outros que obtiveram e têm obtido os melhores resultados na pratica no período terciário da infecção. Fste agente medicamentoso do mesmo modo que os outros produz quando ingerido accidentes de especies differentes. Certos d’entre estes são manifestos pelo iodismo e as perturbações gastro- intestinaes, outros mais embaraçosos, porém raros, como, o purpura iodico, a conjunctivite, etc; neste caso, o tratamento deve ser suspenso por alguns dias para obstar soffrimentos d’esta natureza, para se recomeçar corn doses mais elevadas, porquanto a observação clinica tem nos 43 ensinado que o organismo tolera muitas vezes mais facilmente as grandes dóses do que as pequenas como querem muitos outros. empregado em solução na agua, ou então tendo por veliiculo um xarope, como o de cascas de laranjas amargas, para modificar-lhe o sabor desagradavel, e tornal-o tolerado pelo estomago. Quanto a dóse varia segundo os casos, porém nunca devemos dar no principio majs do que 1/2 a 1 gramma por dia, augmentaudo gradual- mente a 5, 8, 10 e mais grammas. Além do mercúrio e do iodureto de potássio, não devemos descurar de reconstituir o orga- nismo, sustentando as forças do doente pelos touicos para melhor favorecer a cura radical em todos os seus pontos. D’esse facto podemos, por consequência, concluir que a cura depende de circumstancias diversas, e se assim é, a abstenção de toda a intervenção medica não tem razão de ser, embora haja uma medicação especifica, capaz dos melhores resultados na cura de qualquer specimen d’essa natureza. N’este capitulo damos por terminada a nossa tarefa, é bem possivel que não corresponda aos desejos dos mestres, fomos auctor pela primeira vez, e demais, sentimo-nos fraco diante das diffi- 44 culdades do assumpto e portanto suppomos que justificarão a nossa falta. Resta-nos a consolação de que fizemos o que podemos, não poupamos esforços, valhendo-nos das palavras judiciosas de Montesquieu—«je de stre que mes juges voient en moi non Ihonime qui écrit, mais celui qui est forcé d^ecrire». Proposições íres sobre cada uma das cadeiras do curso de sciencias medico-cirurgicas. PROPOSIÇÕES Ia. Seeção Anatomia Descriptiva 1 , Os pulmões são orgãos parenchymatósos, situados nas duas cavidades do thorax, em com- munição com o exterior pelo tubo aerifcro. II Formam elles a parte principal do apparellio respiratório. III F’ no systema circulatório d’este orgão que se passa o importante phenomeno da hematose consistindo na transformação do sangue negro em sangue escarlate pela reacção do ar atlimos- pherico sobre o liquido saguineo. Anatomia Medico-Cirurgica i A região carotidiana é a parte do pescoço percorrida pela artéria carotida primitiva e os seus dois ramos de bifurcação, as carotidas interna e externa. 48 II Começa em baixo na articulação sterno-claví- cular, e termina em cima, ao nível de uma linha horizontal que liga o angulo do maxillar inferior ao bordo anterior do musculo sterno-eleido-mas- toidôo. III Tem como largura, a d’este ultimo musculo. 2! Secção Histologia I Os globulos brancos do sangue exercem a importante funcção phagocytaria. II entre os leucocytos e as bactérias pathogenas que de ordinário, essa lucta phagocytaria se trava. III Os leucocytos representam assim o papel de guardas encarregados de velar pela integridade do organismo. Bacteriologia I O bacillo de Kock e' o agente productor da tuberculose. 49 II O treponema pallidum de Schaudinn é o agente responsável pela infecção syphilitica. III Ambos podem sem se alterar, progredir con- junctamente no organismo, determinando a thisúa syphilitica. Anatomia e Physiologia Pathologicas I A gomma pulmonar differe do tubérculo em certos caracteres de natureza extrinseca. II O tubérculo assesta-se de preferencia no apice do pulmão. III A gomma invade um só ponto, tendendo a localizar-se mais frequentemente na parte media do orgão, do que no apice como o tubérculo. 3! Secção Physiologia I A nutrição é o conjuncto de trocas entre o organismo e os meios que o cercam. 50 II A digestão, a respiração, as secreções são actos connexos d’este phenomeno. III O phenomeno intimo da nutrição se passa entre a cellula e os líquidos que a banham. Thekapeutica I O ferro é um tonico do sangue. II Os preparados de ferro são em sua maior parte constipantes. III O perclilorureto de ferro é um hemostatico. 4? Secção Medicina Legal e Toxicologia I O hymen é unia membrana prolongada da mucosa vaginal, que lhe serve de protecção. II Não representa signal certo de virgindade. 51 III Apresentando fórma e resistência variavel pode ser complacente. Hygienu I A agua representa nas collectividades um papel importante para a sanificação das habita- ções e do sólo. II Y Para isso tem a agua de preencher as seguintes condições: ser limpida, fresca, agradavel, inodora e leve. III / ICsta sanificação é conseguida com a agua em grande quantidade. 5a Secção Pathologia Cirúrgica I A infecção purulenta constitue um dos mais graves accidentes das lesões cirúrgicas. II A sua marcha é quasi sempre rapida. 52 III O seu tratamento principal tem por base os antisepticos. Operações e Apparelhos I A pneumectomia é uma operação que consiste na ablação total ou parcial dopulmão. II Segundo Vanverts, a suppressão d’este orgão não determina nenhuma perturbação grave. ' III A unica perturbação, consequente a ablação pneumetica, parece ser contituida por phenome- nos, de resto insconstantes para o lado da respiração. Clinica Cirúrgica (b? Cadeira) I Os neoplasmas podem ser benignos ou ma- lignos. II As injecções sub-cutaneas dos saes de quinina têm sido empregadas ultimamente no tratamento dos segundos. 53 III Só a intervenção cirúrgica opportuna e radica], offerece garantia. Clinica Cirúrgica (2* Cadeira) I A anesthesia cirúrgica é de grande vantagem para o bom exito da operação. II Pode ser local e geral. • ’ III Para a anesthesia geral o melhor anesthesico é o chloroformio. 6? Secção Pathologia Medica 1 A tuberculose pulmonar reina endemicamente entre nós, consumindo diariamente um numero avultado de victinias. II Ordinariamente é muito mais frequente nas grandes cidades do que no campo; no interior é uma moléstia relativamente rara. 54 III As condições especiaes do clima do nosso sertão favorecem bastante a cura de um certo numero de casos. Clinica Propedêutica 1 Na escuta do pulmão, quando ha tosse, se reconhece se ella é produzida por secreções ou corpos estranhos. II São os estertores e suas variantes que do- minam na arvore bronchica, signal de escuta de grande valor diagnostico. III No caso de crepitação na parte média do pulmão é revelação quasi certa de sypliilose pulmonar. Clinica Medica (1? Cadeira) I A insomnia é um phenomeno commum do período secundário da infecção syphilitica. II A insomnia symptomatica é a resultante na- 55 tural das dores que affligem o doente muito f req uentemente. III A insomnia essencial é provocada por algum soffrimento: o indivíduo não dorme, sem ter razão para não dormir. Clinica Medica (2* Cadeira) I A tosse é um symptoma que se manifesta quasi sempre nas moléstias do larynge, pharynge, pulmão. II Na syphilose pulmonar raras ve7.es ella falha, porque muitas vezes o pneuinogastrico é lesado. III Algumas vezes reveste-se de gravidvde, mór- mente se é acompanhada de vomitos. 7“ Secção Historia Natural Medica I O opio é extrahido do papaver somniferum, família das solanaceas. 56 vil Os alcaloides principaes são: a inorphina, codeína, tebaina, narceina, narcotina e a papa- verína. i ~ III D’estes os mais empregados em medicina, são: a morpliina e a codeína. Cíiimica Medica í O ether vSulfurico foi descoberto etn 15-10 por Vale nus Cordiis. II F’ um liquido incolor de um cheiro activo e de sabor fresco. IÍI Applicado sobre a pelle, produz uma refri- geração que pode ir até á anestiiesia local. Matéria Medica, Pharmacologia e Arte de Formular I O mercúrio é o único especifico para o trata- mento da syphilis nos dois primeiros periodos. 57 II 10 hoje aconselhado principalmente sob a fornia de injecçôes. III Essas podem ser de preparados solúveis ou insolúveis, constituindo as ultimas um trata- mento mais intenso. 8! Sesção Obstetrícia I Os signaes que servem para se reconhecer urna prenhez são divididos em racionaes e sensíveis. II Para se fazer um diagnostico de prenhez, são usados os procèssos clinicos, a inspecção, a pal- pação e a auscultação. III V Movimentos activos do feto, ruídos do coração fetal e sòpro uterino são signaes infalliveis de prenheZ. 58 Clinica Obstétrica e Gynecologica I A morte súbita puerperal pode sobrevir, sem que nenhum symptoma a possa prever. II 3511a pode ter logar em qualquer periodo da puerperalidade, durante a prenhez, o parto e o post-partum. m' Contribuem para este fim; as embolias san- guínea e aerea, as hemorrhagias, a ruptura de um abcesso interessando o peritoneo ou outro orgão importante, e especialmente as cardio- patlias. 9? Secção Clinica Pediátrica I O rachitismo é muito commum nas crianças. II Começa geralmente no momento da dentição, no fim do primeiro anno. III O seu tratamento consiste em fornecer aos 59 ossos phosphato de çalcio e .suster o organismo de substancias nutritivas. 10“ Secção Clinica Ophtalmologica I A oplitalinia purulenta é uma das causas mais frequentes da cegueira dos recem-nascidos. II A contagiosidade da ophtalmia purulenta é inconteste. III O nitrato de prata é um valioso recurso no tratamento da conjunctivite purulenta. 11“ Secção Clínina Dermatológica e Syphiligraphica I O tratamento geral da syphilis reside no empre- go da medicação especifica, e dos meios accesso- rios ( hygiene, medicação tónica, etc. II A medicação especifica é constituida pelo 60 emprego de dois agentes medicamentosos, o mercúrio e o iodureto de potássio. III D’entre os dois o mais empregado é o mercúrio sob a forma de injecções. 12? Secção Clinica Psychiatrica e de Moléstias Nervosas I A syphilis cerebral é de difficil diagnostico. \ 11 Esta difficuldade reside nos seus symptomas que os coufundem com os de varias affecções nervosas. III O tratamento serve de base ao diagnostico. Secretaria da Faculdade de Medicina da Bahia em 31 de Outubro de iço8. O Secretario, Dr, Menandro dos Reis Meirelles,