FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA THESE APÍESEMOA A’ Faciada de Mina da Baíiia POR Somes NATURAL DO ESTADO DE ALAGOAS Afim, €@ ©Me? @ gçá@ DE rcutor em Zt^Eed-icins, DISSERTAÇÃO (Cadeira de Physiologia) O Espiritismo diante da Medicina PROPOSIÇÕES Tres sobre cada uma das cadeiras do curso de sciencias medicas e cirúrgicas lâllâ L1TH0-TYP. E ENCADERNAÇÃO DE REIS & C. Rua Conselheiro Dantas, n. 22 1903 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA Director—Dr. Alfredo Britto Vice-Director—Dr. Alexandre E. de Castro Cerqueira LENTES Os Cidadãos Drs. Matérias que leceionam 1. Secção José Carneiro de Campos Anatomia descriptiva. Carlos Freitas Anatomia medico-cirurgica. 2. Secção Anlonio Pacifico Pereira Histologia. Augusto Cezar Vianna Bacteriologia. Guilherme Pereira Rebello Anatomia e physiologia pathologicas. 3. Secção Manoel José de Araújo Physiologia. José K. Freire de Carvalho Filho Therapeutica. 4 a Secção Luiz Anselmo da Fonseca Hvgiene. lias mundo Nina Rodrigues Medicina legal c toxicologia. 5. a Secção Rraz do Amaral.. Patliologia cirúrgica. FnrliiiiaIo Augusto da Silva Júnior... Operações e apparelhos. Anionm Pacheco Mendes Clinica cirúrgica, 1.* cadeira. Ignacio Mwiiteiio de Almeida (jouveia.... Clinica cirúrgica, 2.“ cadeira. 6. a Secção Aurélio Rodrigues Vianna Pathologia medica. Alfredo 15ritto Clinica propedêutica. Anísio Circundes de Carvalho Clinica medica, 1.a cadeira. Francisco lira alio Pereira Clinica medica, 2.u cadeira. 7. a Secção Autouio Victorio dc Araújo Falcão Matéria medica, Pbarmacologia e arte de formular. José Rodrigues da Costa Dorea Historia natural medica. José Olympio de Azevedo Cbimica medica. 8 » Secção Deocleciano Ramos Obstetrícia. Clinieriu Cardoso de Oliveira Clinica obstétrica e gynecologiea. 9. a Secção Frederico de Castro Rebello Cfmira pediátrica. 10. Secção Francisco dos Santos Pereira Clinica ophtalmologica. II .a Secção Alexandre E. de Castro Cerqueira... Clinica dermatológica e syphiligraphica, 12.a Secção João Tillemont Fontes Clinica psychiatrica e de mol. nervosas loào 15. de Castro Cerqueira ) .. .. ..., . Sebastião Cardoso..! ' Em disponibilidade. S U BST1 T U TOS Os Cidadãos Drs. Os Cidadãos Drs. r Secção. Pedro da Luz Carrascosa, 7-Secção. finnçalo M. S. dc Aragão, 2- > José Adcodato de Souza 8- » Pedro L uz Celestino.... 3- » Alfredo F. de Magalhães. !(• » Josmo Cormia cotias.... 4* » Clodoaldo de Andrade... 10- » 5‘ > Carlos Peneira Santos .. 11* » João A. tíureêz Fróes.... 6* » 12* » Secretario —Dr. Menandro dos Reis Meirellcs Sub-Secretario — Dr. Matheus Vaz de Oliveira A Faculdade não approva nem reprova as opknSes emittidas rias tbases cpie lhe sãu apresentadas. O Espiritismo diante da Medicina rlraíf) ponto que escolhemos para dissertação inaugural. não nos consta que até hoje tenha sido estudado por algum collega doutorando quer em Portugal, quer no Brasil. Quanto a nós. foi sempre nosso intuito estudal-o na ul- tima e difficilima prova do curso; mas forão sempre tamanhas as difôculdades que nos assaltárão o espirito, promanadas não só da exiguidade do tempo, como da es- cassez de recursos em nosso meio litterario e scientifico, que tivemos grande receio de naufragar no arriscado tentame. Até na própria bibliotheca da Faculdade, pouca cousa encontramos sobre o assumpto. Valerão-nos, porém, a nimia delicadeza dos illustres cathe- draticos desta faculdade—drs Anisio Circundes e Alfredo Britto, que nos emprestárão profundas e accuradas obras, e a espontânea 'e alta fineza do nosso distincto amigo—dr Egas Moniz Barretto de Aragão, em cuja admiravel bibliothe- ca, gentilmente franqueada, compulsamos os autores que mais austeramente se têm occupado com os transcendentes estudos das sciencias psychicas. O dr Moniz deu-nos também bastante de seu proprio esforço pessoal já passando para o vernáculo as diversas theorias de que se occupão livros allemães, já nos fornecendo documentos importantes, como a curiosa scena sacrilega inserta na parte histórica deste modesto trabalho, scena admiravelmente descripta por brilhante litterato, no «Mercúrio de França», e por nós authenticada com a leitura de Gõrres, em seu profundo estudo philosophico — La mystique divine, naturelle et diabolique. Cumprimos, portanto, um dever, agradecendo de publico o valiosissimo concurso dos illustres doutores supra men- cionados . CAPITULO PRIMEIRO ” A Sciencia é constrangida pela eterna lei da honra a olhar face a face e sem temor para qualquer problema que se lhe possa formalmeute apre- sentar. ” Sm. "Wií.lia.m Thomson No momento actual da evolução scientifico-religiosa da humanidade, em que se assiste á formação de um espirito novo, promanado de uma estranha modalidade do mysticismo, modalidade essa que, em vez de repellir o espirito da sciencia, com ella procura ligar-se intima- mente, imitando-lhe os processos de analvse, sem que desse inesperado conubio se entibie o amor do maravi- lhoso (1); nesse momento, não ha negal-o, o Espiritimo se tem tornado uma questão de alto interesse, que deve ser estudada pela Medicina. Pertencendo, como pertence, á psychologia, o Espiri- tismo, em parte confinado nos limites, hoje bastante estudados, dos phenomenos physio-psychologicos, parece- nos não ser a presente these coisa que venha despertar o riso ironico dos homens de sciencia, aos quaes nada que diz respeito á naturesa humana, na phrase de Lucrecio, deve ser alheio. 0 Espiritismo é velho como o proprio mundo. Muito antes da éra christã já érão conhecidos os espiritas, se bem que alguns autores christãos attribuão (*) Fr. Paulhan: Lc nouveau myslicisme, pag. 1. 6 á primeira parte do III século depois de Christo, o desenvolvimento do systema do Espiritismo eclectico.(2) Diogenes Laercio faz remontar o Espiritismo a uma épocha anterior á dos Ptolomeus, dando-llie por fundador um celebre hieroph.an.ta eg.vpcio chamado Pot-Amun, nome cophta que significa padre consagrado a Amun —deus da sabedoria. Todavia, ensina-nos a Historia que o Espiritismo foi totalmente revivificado e reformado por Ammonius SciGCas, pae da escola neo-platonica. Esse Ammonius Saccas intitulava a si proprio e aos seus discipulos de PhilaWieianos (amantes da verdade), em virtude do methodo por elles empregado na interpretação de todas as lendas sagradas, mythos, svmbolos, mysterios, unica- mente por intermédio de uma lei esoterioa de analogia ou correspondência, e também por considerarem os acon- tecimentos que têm logar no mundo exterior, simples operações e experiencias da alma humana. Erão também chamados por este motivo analogistas. 0 Espiritismo não passa portanto da antiga religião —sabedoria—scieneia, professada pelos sacerdotes eso- téricos e outr’ora universal mente reconhecida como tendo pretenções civlisadoras (). Todos os antigos manuscriptos demonstrão que os seus sacerdotes admittião a sabedoria humana como uma emanação directa da divindade. Para proval-o, basta citarmos as representações alle- goricas do Buddha hindu, do Nebo babvlonico, de Thoth de Memphis, do Hermes grego, e também as denominações caracteristicas de certas deusas, corno Methis, Neitha. Athenéa, especialmente a Sophia dos gnosticos, e o pro- prio nome dos Vedas, que se origina do vocajmlo saber. (2) Dr. Encausse: //occultisme et le spi^itualisme—Prologo. (3) La théosophie chrétienne, por ladj Caitnoss. 7 Sob o titulo de theosophia, os antigos philosopbos do oriente e do occidente, os hierophantas, do antigo Egypto, os rishis, do Aryavarta, os Theodidaktai, da Grécia, comprehendião todo o conhecimento das coisas occultas e, essencialmente, das communicações entre o homem e o espirito das divindades. Os Mercavah, dos rabbinos hebraicos, isto é, as lendas e provérbios seculares, erão assim designados porque coustituião o vehiculo e o envolucro exterior dos conhe- cimentos esotéricos que davão entrada aos gráos supe- riores do sacerdotalismo. Os magos de Zoroastro recebião a instrucção e a iniciação nos subterrâneos secretos da Bactriana; os hierophantas egypcios e gregos possuião também os seus aporrhátas, nos quaes o Mista se trans- formava num Epopta (crente). Dos sanctuarios hindus, onde os thaumaturgos a cul- tivavão em segredo, a sciencia esoterica, matriz mille- naria do Espiritismo, passou primeiro para a Chaldéa, nos tempos de Mithra, depois para o Egypto, nos de Osiris e de Isis. Da antiguidade helleno-latina são citados pela historia os magos, que predizião o futuro sob o nome de aurispices; as pythonisas, que oraculavão sobre tripodes de bronze, presas de convulsões, e as s}rbillas, que prophetisavão em perfeita calma. Dentre os mais celebres thaumaturgos, mencionaremos Pythagoras, Apollineo de Thjmno e Simão o mago. Durante o século em que viveu este ultimo e durante aquelles que se lhe seguirão, nessa epocha tenebrosa em que o paganismo agonisava e o christianismo nascente assombrava ao mundo com os seus triumphos, sempre victorioso das centenas de seitas heresiarchas que lhe proliferavão em roda, á semelhança de monstruosos cogumelos; o Espiritismo, sob a capa de múltiplas deno- minações, esteve sempre em grande honra. 8 Já nessa epocha erão conhecidas as mesas gira- tórias e as manifestações dos espiritos que respondem por meio de pancadinhas. Tertuliano—-q grande apolo- gista ehristão— no meio do II século, — affirmava em pleno senado romano a.existência das advinhações, pelas mesas giratórias e no fim do IV século, Amminiano Mar- celino nos conta a historia de dois advinhos —Patricio e Hilário—accusados de feitiçaria por terem recorrido á prophetisação por intermédio de mesas e de um annel suspenso dentro de um vaso de bronze, praticas analogas ás que ainda hoje são usadas pelos espiritas modernos. Quanto aos espiritos que se manifestão por panca- dinhas, já a Egreja, nos seus antigos rituaes, os afugen- tava por intermédio da segpiute oração: «Afugentae, Senhor, todos os espiritos malignos, todos os phantasmas e todos os espiritos que batem (.spiritum percucientum)». Deixamos de assignalar, por falta de espaço, as diversas experiencias feitas, durante a edade media, nos laboratorios e templos da magia, alchimia, kabbala, etc., que a Egreja sempre anathematisou e que consistião principalmente em praticas da theurgia e na evocação das almas dos defuntos. Tivéssemos espaço e tempo sufficientes, falariamos também a respeito das curiosas theorias de Alberto—o Grande, RapmundoLullo, Nicolao Flamel, Paracelso, Van-Helmont, e outros muitos repre- sentantes das sciencias occultas, durante o maravilhoso período da edade media, ainda tão pouco estudado e eomprehendido. Do século X ao XV a fé no sobrenatural espirita era geral em toda a Europa. Nunca houve tempo em que pullulassem tantos feiticeiros, necessitando os poderes públicos, em vista dos incalculáveis perigos promanados de suas praticas, ás vezes de uma ignóbil perversidade, reagir violentamente. A titulo de documento para o estudo da pathologia 9 psychica, reproduzimos uma das muitas scenas de alto espiritismo, muito pommuns no século XV, e que se passa numa sala subterrânea de Florença: No centro da sala abobadada e revestida de vidros de variegadas côres, que reflectem centenas de cirios accesos, eleva-se um altar de granito e sobre este um idolo, representando um grande bode negro, ladeado de dois candelabros com velas de cera preta. Do lado esquerdo, um outro idolo menor, de olhos de esmeralda, suspende na dextra um sol; do lado direito, um rama- lhete de phallus sahe de um vaso de bronze. Nos quatro ângulos do altar, quatro levitas trajados de negro e com tiaras vermelhas. Em frente, carvões accesos numa tripode de metal. Mais atraz, no local em que nos templos catholicos se levanta o symbolo da redempção, vò-se uma cruz negra, trazendo, em vez do corpo do Christo, um jumento morto, com o sexo artificial mente em erecção, pintado de vermelho. Em redor do altar e do brazeiro, sobre mesas trian- gulares, pratos com carne fria, pasteis, amphoras com vinho, fructas, á espera dos convivas. Em frente do altar, um homem, envergando uma batina aberta na frente, de alto a baixo, descobre impassivelmente toda a sua nudez viril; uma alta tiara com tres coroas formadas de phallus cobre-lhe a cabeça. Ao pé do altar, mais em baixo, outros homens se enfileirão no mesmo traje. O archi-mago grita com voz forte para o numeroso auditorio, qu3 o fita silenciosa- mente: « Surge, ó divino paraizo terreste! » Immediatamente, com incrivel rapidez, todas as pessoas presentes, homens, mulheres e creanças, arrancão as vestes, ficando completamente núas. Somente o archi- mago e os seus acolytos conservão as suas batinas, abertas pela frente. 10 «Irmãos, continúa o archi-mago, eis-nos agora puros, innocentes e nús, como Adão e Eva no Paraizo, antes que Jehovah sobre elles exercesse a sua abominável crueldade. . . Jurae, sobre o espirito de fogo que arde em vossa carne, que jamais revelareis os mysterios do Sabbat dos Perfeitos, nem a homem, nem a mulher, nein a juiz, nem a padre, nem a carrasco!. . . » Terminada esta exhortação, principia o banquete. O vinho cachoeira dentro das gargantas, escorrendo ás vezes como uma chuva de sangue sobre os seios nus dus mulheres, de olhos accesos de luxuria. Esgotadas as bojudas amphoras de vinho, desappa- recem as mesas. Um silencio tumular paira sobre a assembléa. Lagrimas correm dos olhos. Mulheres c&heni de joelhos, soluçando. \ De repente vozes balbucião: « Yem, ó Deus, ver^i! » E o archi-mago principia a seguinte ladainha sacrílega: « O’ tu, que deixaste cahir dos teus olhos o mujndo, que o perverso demonio Jehovah apanhou e modelou á sua vontade. . . surge, ó Deus, surge! » O auditorio: «Surge, ódeus, surge! » , O archi-mago: «O’ tu, que desceste ao jardim; do Eden, para ensinar aos dois eleitos seduzidos pelo mal- dito Jehovah o supremo goso da carne, superior a toqlas as alegrias de um paraiso que não existe mais. . .» j O auditorio: « Surge, ó deus, surge ! » O archi-mago: < O’ tu, que ensinaste a Caim a exter- minar os amados de Jehovah, para que a humanidade esquecesse esse feroz tyramno e tivesse outro deus a n&o ser tú, outra lei a não ser a volúpia...» O auditorio: « Surge, ó deus, surge! » O archi-mago: « O’ tu, que inspiraste a Judas Iscçi- riuth a sublime idéa de entregar aos judeus o infame Jesus, esse vil impostor inventado pelo demonio Je- hovah ...» i | 11 0 auditorio: « Surge, ó deus, surge! » Cala-se de súbito o archi-mago, e, saliitido de uma especie de halo avermelhado, que se formou em frente do altar, apparece uma estranha figura de adolescente, desnudo e coroado de rozas. « O deus! o deus! o deus! » —gritêCo os homens. As mulheres cahem de joelhos, abrindo os braços e rouquejando: « Satan! Satan ! Satan ! » A um signal do ephebo, todas as mulheres atirão-se sobre os homens, que enlação furiosamente. «Minha mãe! minha mãe! minha mãe!»—protesta violentamente uma voz juvenil. Mas o deus, impassivel, ordena: « E’ preciso que cada mãe inicie a seu filho. A.ssiin o exige a lei, para que possão nascer novos magos.» Vão se apagando um a um os cirios negros. E’ a communhão que vae começar. Clama uma vóz do alto do altar: « Vamos beber o sangue e a carne do nosso deus.» O auditorio forma um circulo. As mulheres eleitas pelo deus estendem-se de costas num espasmo de luxuria, emquanto que o archi-mago vae destribuindo uma com- munhão tão ignóbil que a penna recusa descrevel-n. Eecebidas as hóstias nos immundos receptaculos, erguem-se as mulheres, e, recuando, cantão: «Que os templos do impostor crucificado se desmoronem entre chammas ! » Apagou-se o ultimo cirio. Profunda escuridão. Segue-se a orgia, onde imperão principal mente o vicio de Sodoma e as praticas bestiaes do tribadismo. Quem, por acaso, duvidar da veracidade dessas e outras scenas de bestialidade humana, que ainda hoje se reproduzem, embora com muito menos frequência, até em 12 pleno Paris, conforme o assevera o notável psychologo Huysmans no seu livro Là-Bas, e outros muitos escri- ptores modernos de França, poderá consultar os archivos dos antigos tribunaes de Italia, Hespanha, França, Alle- manha, Inglatera, manuseados pelo celebre philosopho Górres, (4) cuja austeridade e critério scientificos pairão acima de qualquer suspeita. A sceua que citamos ha pouco nos demonstra que as materialisações de espíritos, actualmente estudados por sábios da estatura de W. Crookes, Paul Gibier, Zbllner, Ochorowicz, Aksakof, Lombroso, Pierre Jannet, Eichet, Du Prel, etc, já erão muito conhecidas durante a edade media. No fim do século XY1I e principio do século XVIII, encontramos um grande numero de espiritas que naquella epocha erão chamados mysticos, illuminados ou visio- nários. E’ então que apparecem nas Cevennas pequenos zagaes, que propagão uma verdadeira epidemia de illu- minismo prophetico; os celebres convulsionarios janse- nistas, que provocão prodígios sobre o tumulo do diácono Paris; Jacques Ayraar, mlle. Olivet, mlle. Martin, que fazem milagres com uma varinha magica; e o terrível padre Guibourt, que celebra a missa negra. 3 mais conhecido dos espiritas do XVIII século foi Swedenborg, sabio escriptor, que, depois de uma brilhante carreira scientifica, teve, na edade de cincoenta e seis annos, em Londres, uma visão que mudou completamente a orientação de suas idéas e de sua vida. Desde então, abandonou os seus estudos predilectos, tornando-se uma cspecie de espirita metaphysico; fundou uma religião nova, que se afastava não só do Catholicismo como do Lutheranismo, eque é conhecida pelo nome de mysticismo transcendental. Esta seita teve logo numerosos adeptos. (i) L'i m/js tique divine, naturelle ct diabolique, por Gorres* 13 Basta-nos aqui consignar que Swedenborg pretendia conversar com as almas dos patriarckas, prophetas e pkilosophos da antiguidade. Apezar de sua educação scientifica (fora eminente anatomista e mineralogista), este celebre espirita sueco, como todos os outros seus collegas, dos quaes citamos ha pouco os nomes, nunca pensara em attribuir a simples forças da natureza a causa dos prodígios que produzia ou testemunhava. Para todos esses mystagogos taes phenomenos erão produzidos por uma potência divina, por bons ou máos espíritos, ou pelas almas dos defuntos. No século XVIII, emquanto Mesmer vulgarisava as praticas do magnetismo animal, formigárão espiritas que contavão entre os seus maiores adeptos os membros de diversas sociedades secretas: Templários, Roza-Cruz, Hermetistas, etc., e os conhecidos occultistas—Conde de São Germano, Cagliostro, Luiz Cláudio de S. Martin, chamado o philosopko desconhecido, fundador da seita dos martinistas, etc. No começo do XIX século, depois da liorrivel hemorrhagia da revolução franceza e do Império Napoleonico, em 1820 ma‘s ou menos, o Espiritismo renascia por toda parte, e deve-se reconhecer que as diversas escolas forão representadas por homens de grande imaginação. Entre elles, citaremos de passagem Wronsky, ma- thematico notável, Fabre d’01ivet, a quem devemos a restituição quasi total das sciencias esotéricas da índia e do Egypto, Elipkas Levy, o mais erudito de todos os occultistas contemporâneos, e Louis Lucas, discípulo dos alckimistas medievaes, que esboça a primeira synthese scientifica ligando os phenomenos sobreuaturaes ás mo- dernas sciencias experimentaes. Em 1847 começárão a verificar-se na America do 14 Norte phenomenos extraordinários em Hydesville, no estado de New-York. A familia Fox ouve pancadinhas nas paredes e no assoalho da casa que habita. A mobilia é sacudida por mãos invisiveis. Ouve-se andar sobre o assoalho sem que ninguém seja visto. Em breve os ruidos parecem ser produzidos por forças intelligentes que respondem com pancadas rythmadas quando se as interroga. Tudo isso é logo attribuido ás almas dos defuntos. Vemos que não só estes phenomenos como a sua explicação, não erão absolutamente novos. Não tardárão em notar que algumas pessoas possuião o dom de coinmunicar com os espíritos, e derão-lhes por este motivo o nome de mediums. Desde então esse ramo do antigo oecultismo se estende por todo o mundo. Surgem milhões de mediums, videntes, ouvintes, escreventes e falantes. As praticas espiritas espalhão-se como um rastro de polvora. Mil seitas americanas occupão-se com o assumpto, cada qual procurando ridicularisar a contraria. A confusão torna-se indescriptivel; e pouco faltou para que o espiritismo, em sua nova pliase, não contasse como martyres os seus primeiros apostolos. Dentro em pouco a terrível epidemia espirita se estende pelas cinco partes do mundo. Em toda parte fazem girar, falar, escrever, raesas de todos os tamanhos. Conversa-se familiarmente, a qualquer hora, com todos os grandes personagens fallecidos, desde Noé até Napo- leão Bonaparte; e Deus sabe quantas asneiras lhes são levadas em conta. Allan Kardec, cujo verdadeiro nome é Rivail, homem de pouca instrucção, escreve O evangelho dos espiritas francezes, onde demonstra a sua absoluta ignorância em plrdossphia, em physiologia e em theologia. Na américa do Norte, Mapes, distincto professor de chi mica, depois de ter repellido desdenhosamente taes 15 coisas, foi obrigado a deciarar que ellas são verdadeira- ínente dignas de estudo. Em seguida o Dr. Hare realisou uma serie de experiencias parecidas com as de Orookes. Por fim Eobert DaleOwen publica na Inglaterra um livro cujas conclusões são idênticas ás de Mapes. Em França, pela mesma epocba, Babinet assevera em um artigo da Remedes deux Mondes, de Maio de 1851, que os prodígios espiritas pertencem ao dominio da im- possibilidade e do absurdo. Em 1859 Jobert de Lamballe, Valpeau, CPqimt, Scliiff, attribuem os ruidos espiritas a simples pheno- menos mechanicos involuntariamente produzidos pçlo médium. Citaremos a proposito um artigo de Dechambre pu- blicado 11a Oazette hebdomadaire de medicine et chirurgie, de 1859, em que tem 0 «bom senso de não se pronunciar de modo algnm sobre a veracidade dos phenoinenos espiritas ». Os professores Hean e Thomas, no Dictionnaire des Sciences Mêdieales, affirmão que todos os phenomenos espiritas não são mais do que 0 resultado de allucinações e sobretudo de fraude. Em 1870 0 celebre professor Williauí Crookes, que descobriu um novo metalloide—0 thalhum, e um novo estado da matéria, a que intitulou—radiante, quiz saber 0 que devia acreditar a respeito dos phenomenos cuja réalidade affirmavão os espiritas, com absoluta boa fé, e mesmo com uma convicção de fanáticos. Os resultados que obteve e consignou no seu livro Da força psychica são taes que, com quanto estejão inteiramente convencidos da honorabilidade do obser- vador, liesitão ainda muitos sábios, entretanto, em admi- ttiEos sem reserva. Em 1882 funda-se na Inglaterra a importante Society for Psychical Researches) que se consagra ao 16 estudo do espiritismo seientifieo. Tem por presidente fíenry Sydgivick e conta entre os sens membros hono- rários e fundadores Grookes, Gladstone, John Ruskin e Alfred Russel Wallace. As experiencias de Crookes sobre o Espiritismo forão reencetadas na Aliemanlia pelo astronomo Zõllner, pro- fessor da universidade de Leipzig, auxiliado por vários collegas seus: Braune, Weber, Scheibner e Thiersch. O médium que servio para as experiencias foi o ameri- cano Slade, e as conclusões do sabio allémão são tão cathegoricas quanto as do sabio inglez. Em França, é o Dr. Gibier, antigo interno dos hospitaes de Paris, quem primeiro encetou, em 1885, o estudo rigorosamente seientifieo do Espiritismo. Faz interessantes experiencias com o médium Slade, obtendo resultados tão positivos quanto os dos seus predecessores estrangeiros. Em seu primeiro livro—O Espiritismo, limita-se a registrar factos e evita sensatamente qualquer hypo- these de theoria explicativa. Em seus outros trabalhos é menos retrahido, e procura crear novas explicações acerca do que estuda. Em seguida, ao passo que os doutores Luys e Ochorowicz experimentão a acção dos medicamentos á distancia e a suggestão mental, o Coronel de Rochas, director da Escola Polytechnica de Paris, publica bellos estudos sobre as forças não definidas da Natureza, os estados profundos da hypnose, a levitação, a tele- pathia, etc. Recentemente, notabilissimos sábios se têm occupado com maxima prudência e austeridade scientifica dos pheuomenos espiritas. Entre elles, citaremos apenas Richet,Beauuis, Bernheim, Feré, Pierre Janet,Liébeault, Ribot, Grasset, Albert Coste, Flammarion, Lombroso, e, o que se torna altamente significativo, profundos theologos 17 catholicos, entre os quaes figura monsenhor Elie Mérie, professor da Universidade de Paris. No Brasil e especialmente 11a Bahia, 0 estudo dos phenomenos espiritas, apesar de contar milhares de enthusiastas, ainda não conseguiu desvencilhar-se da orientação anachronica de Allan Kardec, que continua a ser 0 supremo pontifice do espiritismo brasileiro. Tivemos occasião de assistir na Bahia e em Maceió a numerosas sessões espiritas, que trouxerão ao nosso espirito a convicção de que os adeptos do Espiritismo entre nós estão mais atrasados no assumpto do que os indios da America do Norte, cujas evocações, na opinião de Eugène Nus (5), são capazes de assombrar aos mais scepticos. Como 0 Espiritismo costuma reflectir sempre, á semelhança de um maravilhoso camaleão, a psyché religiosa de quem 0 pratica, notamos que 110 Brasil, cujo povo é atavicamente catholico, as sessões espiritas con- servão 0 ineluctavel cunho das crenças de seus mediums e evocadores. Effectivamente, em quasi todas as salas em que se realisão entre nós as sessões espiritas, vê-se um cruci- fixo, imagens de S. Agostinho, do archanjo Gabriel, de S. Pedro, S. Paulo, e outros santos. Na parte superior do papel em que são escriptas as communicaçoes do além tumulo, costuma-se traçar uma cruz, e todas as evocações são precedidas de orações catholicas. Os chefes e membros dos centros espiritas bahianos e alagoanos são na mór parte juizes de irmandades, mordomos de casas pias, amigos intimos dos vigários; e muitos delles tivemos occasião de ver nas procissões envergando capas de irmandades e confrarias. (5) Eagèno Nus: Choscs de l’autre monde. 1$ Os plienomenos alcançados nesses centros são geral- mente banaes, não passando de phrases mais ou menos eorrectas, rabiscadas pelos mediuins. Mais adiante nos oecuparemos minuciosamente com a perniciosa influencia exercida por esses centros sobre a população inculta do Brasil. Chegando ao termo deste liistorico do Espiritismo, que, á falta de tempo e de espaço, proposital mente synthe- tisamos o mais que foi possivel, passaremos ao estudo curioso das diversas theorias conhecidas, que procurào explicar os plienomenos espiritas. (6) (6) Consultar sobre a historia do Espiritismo á importante obra do dr Albert Coste: Les phenomènes psychiques occultes — E'tat actuel de la question (thèse do Montpellier— 1903 ). CAPITULO SEGUNDO As theorias sobre o Espiritismo podem ser divididas em duas classes: A’ primeira pertencem as tlieorias que aclião a causa dos phenomenos neste mundo; á outra as que procurão a causa no outro mundo. 1 theoria—Os phenomenos do Espiritismo têm sua origem na perturbação da vida psychica. Pela intima connexão existente entre a alma c o corpo, explica esta theoria como uma desordem no corpo provoca uma desordem nos actos do espirito. Assim, alguns scientistas vêm na superexcitação dos sentidos exteriores a causa que produz 11a vista e no ouvido os extraordinários phenomenos do Espiritismo. Outros recorrem á perturbação dos sentidos interiores. Por isso chama Littré os phenomenos espiritas de simples alluci- 11 ações. As pessoas julgão somente que as mesas se movem, que as pennas escrevem, que os phantasmas apparecem; tudo é imaginação do cercbro perturbado. Maudsley explica os phenomenos pelo hypnotismo. Esta theoria, francamente materialista, declarando à priori que a alma não existe, nega igualmente a exis- tência dos espiritos. Só se occupa com a physio-patho- logia dos centros nervosos, com os movimentos reflexos e com os neuronas. Acastellão hypotheses sobre hvpo- theses, para explicar 0 que jamais eiles poderaõ explicar, afastando-se do grande movimento espiritualista mo- derno, seguido pelas mais notáveis personalidades scieu- tifieas. 20 As numerosas experiencias feitas com o soccorro de instrumentos registradores refutão immediatamente esta theoria. Os milhares de observadores que têm assistido ás sessões dos mais celebres mediums e que notificarão factos assáz extraordinários, não podem ser taxados de vulgares allucinados. E’ absurdo acreditar-se que sábios da estatura de Crookes, Lodge, Aksakoff, Ricliet, Rochas, Lombroso, Grasset e tantos outros, fossem ingénuas vietimas de charlatães. Não negamos que em algumas sessões espiritas se exliibão phenomenos que, por mais extraordinárias que pareção, pertencem ao dominio do hvpnotismo e, por conseguinte^das causas naturaes, como sejão: a pertur- bação do systema nervoso (segundo a opinião de Cliarcot e da escola de Paris) e o estado superexcitado da ima- ginação, tão favoravel á suggestão, (conforme Bernheim e a escola de Nancy). Mas é preciso confessar que certos phenomenos espiritas ultrapassão aos liypnoticos, como, por exemplo, o dom espontâneo das linguas, a levitação, a telepathia, as materialisações, a penetra- bilidade da matéria, etc, que constituem verdadeiras provas de uma potência preternatural. A explicação puramente mechanica destes pheno- menos attinge as raias de um puffismo sientifico. E’ patente á pessoa de mais peripherica instrucção que as simples vibrações dos nervos não podem levantar á dis- tancia mesas pesadissimas ; espedaçar, sem o minimo contacto, objectos consistentes; tocar instrumentos musicaes collocadosa dez metros de distancia ; modelar em cera ou gesso figuras humanas, achaudo-se a cera e o gesso encerrados em fortes caixas hermeticamente fechadas; fazer saliir um homem de dentro de uma gaiola de ferro cujas malhas, de grosso arame, têm apenas cinco centimetros de abertura, achando-se a referida gaiola com a porta fechada e lacrada; crear 21 organismos estupendos como Katie King, que surgem e desapparecem inexplicavelmente, atravessando mura- lhas de alvenaria e deixando-se photograpliar. ii theoria—Mais probabilidade tem a hypothese que vê nos phenomenos espiritas effeitos electro-magne- ticos, porque, por meio da electricidade e do magnetismo, se tem conseguido fazer experiencias semelhantes de alguma forma ás do Espiritismo. Todavia, esta hypothese, ainda que explique alguns phenomenos mechanieos, physicos, physiologicos ou pathologicos, deixa inexpli- cados muitos outros factos, em que seria impossivel a sua acção. m theoria—As pessoas que assistem ás sessões es- piritas são victimas de fraudes, conscientes ou inconscien- tes,, não passando os mediums de meros prestidigitadores. E’ tão pueril essa theoria, cujos adeptos parecem ignorar os phenomenos estudados com máximo critério scientifico por homens do valor de Pierre .Janet, Crookcs, Lombroso, Ricliet, etc, que nem merece uma refutação. iv theoria—Esta theoria, muito curiosa, se liga á dos Buddhistas da Asia, da Europa e da America, que attri- buem os phenomenos a espíritos vitaes incompletos, cha- mados elementaes. E’ também conhecida pelo nome de theoria gnomica ou theoria theosophica (7). Para os seus apostolos, existe um inundo imma- terial que nos envolve e nos manifesta a sua presença em certas e determinadas condições. Habitão esse mundo os gnomos, fadas, sylphos, génios, etc. Quem desejar estudar a fundo essa theoria, deve ler as obras do dr Encausse — Tratado de Sciencias Occultas; de Henry Olcott — Le bouddhisme selon le (7) Le monde occulle. Hjpnotisme transeendant en Orient, por A. P. Sinnet. Canon de Vêglise du Sud; de Lady Caitkuess — La thêosophie chrétienne; todas as monographias de mme Blavatsky, de Elyphas Levy, de Stanislas de G-uayta, do Sar Péladan, do marquez de Saint Ives d’Alveydre, etc, etc, e as revistas: Uinitiation, orgão official do Groupe Indépendant des Recherch.es Êsotêriques; Le Lotus (Révue des hautes eludes theosophiques); Rosa Alchemica (Revue d’ Hermetisme scientifique). v theoeia— Um fluido especial se desprende da pessoa do médium, combina-se com o fluido das pessoas pre- sentes,par a constituir uma personalidade nova, temporária, independente atê certo ponto, e productora de phmomenos verdadeiramente extraordinários. Esta tiieoria é cliamada tlieoria do ser colledivo ou theoria do fluido psychico. Lombroso resumiu-a a proposito das experieucias de Nápoles, apresentando uma variante. O illustre sabio italiano explica verosimilkantemente certos factos, mas muitos outros continuão mysteriosos, apesar de querer elle illuminal-os á luz dos seus hábeis syllogismos. Grande affinidade com esta theoria tem a de alguns adversários da immortalidade da alma, que imaginão forças latentes naturaes até agora desconhecidas. Mas, se essas forças são naturaes e simplesineute physicas, como podem ellas provocar effeitos psvehicos, obe- decer á vontade, crear formas humanas, atravessar a matéria ponderável contra todas as leis naturaes da physica, transmittir o pensamento, advinhar o fu- turo, etc? vi theoria.—O conhecido sabio allemão Zoellner invoca a theoria das quatro dimensões. (8) «Nós conhecemos, escreve elle, sómente as tres dimensões que circumscrevem o espaço e ao mesmo (8) Zoellner—Wissenschaftliche Abliandlungeu. 23 tempo nossos conhecimentos. Supponhamos que fora de nós existão seres intelligentes e inviziveis para os quaes haja ainda uma quarta dimensão. Facilmente poderão fazer desapparecer para nós uma mesa, elevando-a, por exemplo, da terceira dimensão por nós conhecida á quarta dimensão só por elles conhecida. « Ora, esta supposição é uma realidade para com- nosco, porque vemos nas sessões espiritas, que certos objectos para nós se tornão invisiveis; em uma folha de ardósia fechada de todos os lados apparecem caracteres escriptos; em um vaso cheio de cinza, com- pletamente fechado, encontra-se depois a impressão de um pé ». Tudo isto, 11a opinião de Zoellner, se explica natural- mente admittindo-se a existência de seres intelligentes, invisiveis,para os quaes ha,além de nossas tres dimensões conhecidas, uma quarta, da qual podem exercer influencia em nossa esphera, sem serem vistos por nós, e para a qual podem fazer desapparecer vários objectos. Esta theoria tem sido rebatida por diversos sábios. Dentre essas refutações, salientaremos a de Gustavo Locher, que com quatro robustos argumentos demonstra a impossibilidade da quarta dimensão, provando que esta não pode existir, porquanto 0 espaço é essencialmente tridimensional do mesmo modo que todos os diâmetros do circulo são iguaes entre si; e que, além disto, sendo os es- píritos os factores dos phenomenos observados sobre os corpos existentes em nosso espaço tridimensional, e devendo fatalmente nelle entrar abandonando a sua quarta dimensão, para poderem actuar segundo as leis do nosso espaço, logicamente se torna para os referidos espíritos inútil a quarta dimensão. vn theoria.— Todos os pl enomenos são devidos aos espíritos ou almas dos mortos, que se põem em relação 0 24 com os vivos, manifestando as suas qualidades ou os seus defeitos, tal qual se ainda vivessem. E’ esta a theoria espirita. Apesar dos milhares de obras publicadas, que pro- curão affirmar a realidade da communicação directa ou iudireetaentre a alma dos mortose ados vivos, podemos, baseados em factos irrefutáveis, rebater facilmente esta theoria. Até hoje, nem um só espirita conseguiu apresentar diante da sciencia argumentos sérios. Uma das mais recentes obras sobre o assumpto—Le probleme du pré- ternaiurel, da lavra do eminente autor da Vie dans Vesprit et dans la matière, expõe á luz meridiana da critica experimental o rarissimo phenomeno de commu- nicações entre vivos e mortos. Se fossem uma realidade commum tão maravilhosas relações, de ha muito que teríamos, por intermédio das explicações de além-tumulo, o pleno conhecimento do que se passa nas espheras habitadas pelos espíritos. Ainda não houve até a data dê hoje uma communi cação espirita que nos revelasse uma só das condições da vida extra-terrena. Um eterno silencio responde sempre ás nossas interrogações, quando, evocando a alma dos mortos, vagabunda ntts trevas do desconhecido e do mysterio da outra vida, lhe pedimos a resolução dos mais transcendentes e formidáveis problemas. Que o agente das communicações espiritas seja real mente a alma dos defuntos, eis o que não está ainda scientifica- meute demonstrado, e não será talvez jamais. Já o escreveu o eminente dr Bernheim com lou- vável austeridade scientifica : « Qne os espiritas nos forneção provas convincentes, e nos inclinaremos diante dos factos. Mas, para isto, é necessário que elles demonstrem a exactidão desses factos. Só depois disso, a 25 sciencia moderna poderá tirar conclusões e crear theorias ». «No que me diz respeito, confesso não ser ainda um convencido. Examinei muitos mediums, assisti a muitas experiencias espiritas, e sempre encontrei erros que impedem o estabelecimento da certeza.» (Citado por J. Grasset na sua recente obra: Leçons cle clinique mêdicale, pag. 432). Eis o julgamento mais recente da sciencia, sobro o Espiritismo, e com o illustre dr Bernheim, gloria indiscutível da medicina universal, concordamos plena- mente. Se interrogamos as suppostas almas do outro mundo acerca da vida extra-terrena, as respostas são sempre de uma banalidade irritante, reflectindo apenas a idéa mais ou menos pliantasista que geralmente temos sobre semelhante assumpto. Alem disto, seria de um ridiculo supremo a possibilidade de poder qualquer pessoa conversar familiarmente e a seu bel-praser com as almas de Victor Hugo, Napoleão Bonaparte, Carlos Magno, Julio Cesar, S. Paulo, Moysés, ou Noé. O mais curioso é a inconcebivel credulidade dos espiritas aceitando como autlienticas as poesias dictadas pela alma de um Lamartine, de um Dante ou de um Homero, poesias essas que, pela sua vulgaridade, os referidos poetas recusarião assignar se estivessem vivos. Evoca-se, por exemplo, a alma de um GoeGie, e os pensamentos por elladictados parecem obradeum menino de escola. Ainda ha dias tivemos occasião de ler um poema de duzentas paginas, dietado pela alma do genial autor da Légende des Siecles. Nunca se nos deparou maior acervo de asneiras. E’ o caso de repetir-se com o dr J. Grasset: « Se depois da morte os grandes homens se trans- formãoem imbecis,então é para desesperar da vida de além- 26 tumulo, porquanto, por exemplo, os sermões que a alma de Bossuet costuma dictar aos mediums são tão mal feitos que os mais humildes curas de aldeia não terião coragem de proferil-os diante dos camponeses. » Que não nos venlião citar a materialisação de Katie Kwg e as revelações de Piper e de Thomson. .Nada prova que Katie King, da qual não contestaremos a apparição, seja realmente a pessoa que ella diz ser e que tenha outrora habitado este mundo. Este phenomeno, estudado por AVilliam Crookes, não prova de forma alguma a identidade dos espiritos. O proprio Aksakoff, que todos os espiritas respeitão e citão como um dos mais pro- fundos sábios dos tempos modernos, vê-se forçado a confessar 11a sua conhecida obra—Animismo et spiri- tisme, 0 seguinte: « Os factos espiritas que mais me convencerão em apparencia não passão de apparencia. Ainda não foi possivel provar-se a identidade dos espiritos. » Como poderemos acreditar 11a communicação entre vivos e mortos se dessas evocações ainda pessoa alguma conseguiu obter a mais simples revelação acerca de tantas magnas questões ? Se podessemos evocar as almes de Julio Cesar, de de Homero, etc, como não seria facil reconstituir toda a historia universal, ílluminando por intermédio das referidas almas certos pontos obscuros na evolução da humanidade? Como não seria igualmente facil des- cobrir-se por intermédio das sessões espiritas 0 nome dos assassinos e ladrões que a justiça ignora? Se existisse a communicação entre vivos e mortos, a humanidade delia teria conhecimento ha muitos séculos, e veriamos através da historia todos os povos evocar os seus mortos, para com elles conversar e delles receber conselhos. 27 Inane chi mera! Desde a origem do mundo que a sciencia procura descobrir vestígios dessa crença universal, e não pode encontral-a. Quereis proval-a com o testem-unno dos espiritos? Ouvi a seguinte phrase de um espirita convencido, numa obra publicada em Janeiro do corrente anuo e citada pelo dr Elie Méric: «O espirito, emquanto estiver unido a um corpo matéria], nunca poderá saliir da esphera em que actuão as suas faculdades sempre limitadas por seus respectivos orgãos.» viii theoeia,—E’ a theoria do dr Dupouy, o illustre autor da Physiologie psychique, conhecido clinico de invejável equilibrio mental. Diz elle: «Ha no ser humano tres elementos: a alma, o corpo psychico e a matéria organisada.Ohomem é por conseguinte um espirito encarnado. A matéria é composta de elementos anatómicos, recebendo o principio vital de uma força inherente ao corpo psychico. Todos os phenomenos pbysiologicos se achão sob a dependencia immediata dessa força, sendo ella a reguladora das manifestações vitaes e determinadora das acções physico- chimicas do organismo. «O corpo psychico é portanto um intermediário entre a alma e a matéria, sendo a sua existência pre- vista nos primeiros séculos da Egreja e ensinada pelos theologos. «Os nimbos e aureolas que desde a origem do catholicismo cercão a cabeça de Jesus Christo e dos santos, não são mais do que a representação objectiva desse corpo psychico, que sómente os extacticos podem avistarem sua totalidade. «O corpo psychico não se -limita ao envolucro cutâneo. E’ constantemente rodeado de effluvios lumi- nosos, perfeitamente visiveis a certos indivíduos. Pode 28 exteriorisar-se em um campo neuro-dynamieo indeter- minado e manifestar-se em condições particulares por diversos phenomenos psychologicos, vulgarmente conhe- cidos sob o nome de espiritas. «Esta força póde se - produzir no campo neuro- dynamieo quer isoladamente, quer alliada a uma força da mesma natureza, proveniente de um ou de diversos corpos psychicos em estado incompleto ou completo de exteriorisação, determinando nestas condições phenomenos extraordinários. O corpo psychico está intimamenio ligado á alma, da qual recebe as faculdades superiores que constituem a sua essencia, assim como a intelli- gencia e a vontade, que o referido corpo póde exteriorisar com seus attributos proprios, como também póde em deter- minadas circumstancias exteriorisar a matéria em estado radiante.» Esta theoria, que consideramos muito plausivel, merece a attenção de todos aquelles que se dedicão ao estudo da evolução das sciencias psychioas. ix theoria.—Esta theoria, que se approxima da theoria da força psycbica, está em franca opposição com as theorias espiritas. Tem por nome theoria telekimtica, vocábulo derivado do grego, telekinesis, que significa movimento ao longe. Effectivamente, esta theoria procura explicar os phenomenos pela vibração do ether, produzida por um f luido especial emanado do experimentador. O professor Elliot Coues, conhecido sabio norte- americano, no Congresso Psychico de Chicago, considera esta theoria mais racional e provável do que a theoria espirita. x theoria.—E’ a theoria de Edison. « Creio, escreve o grande electrista, que todo atomo de matéria é intelligente e tira sua energia de um germen primordial. A intelligencia do homem é, na 29 minha opinião, a somma ou total das intelligencias dos átomos de que é composto. Cada atomo tem o poder paiticular de selecção, e procura incessantemente harmo- nisar-sccom outros átomos. «Não creio que a matéria seja inerte e só actue impolUda por uma força externa. Para nos convencermos disto, basta observar os milhares de meios pelos quaes (s átomos do bydrogeneo se eombinão com os de outros elementos, formando diversas substancias. « Será possível que esses átomos assim procedão sem intelligencia e mechanicamente? « Não. Os átomos, reunindo-se e harmonisando-se, tomão formas e cores tão bellas quão variadas: ora emittem um perfume agradavel, como se quizessem exprimir o seu contentamento; ora, durante a moléstia, a morte, a decomposição, ou a falta de asseio, a opposição dos átomos constituintes se faz immediatamente sentir por cheiros desagradaveis. « Finalmente, esses átomos combinão-se no homem, que representa a intelligencia concentrada dos referidos átomos. O corpo humano é mantido na sua integridade pela intelligencia persistente dos átomos. Quando esta harmonia sedestroe, o homem morre. « Se um atomo se combina ora com um, ora com outro atomo, é porque possue uma intelligencia á vontade, nasua pequena esphera. « A origem dessa intelligencia provem de um poder desconhecido, maior do que o homem. « Creio na existência de um Creador intelligente e de um Deus pessoal, e a existência desse Deus póde na minha opinião ser provada até pela própria chimica. » Traduzimos esta curiosa theoria de uma revista seientifica norte-americana, tendo sido também citada pelo dr Alfredo Erny, no seu livro—Le psiycliisme experimental. 30 xi tiieoria.—Entre o dementai, da philosophia caba- listica, citado pelo dr Gr. Encausse no seu livro Traite d’occultisme, o Vichnu-Purana, da theosophia thibetana, a Monada, de Leibuiz, o atomo intelligente, de Edison, eo espirito desencarnado, dos espiritas, ha uma notável semelhança, significando talvez estas cinco expressões uma unica e mesma cousa. Esta theoria, adoptada pelo dr Erny (9), ensina que o agente dos phenomenos espiritas é muito inferior ao homem, e procura, estudando as observações realisadas em 1888, em Londres,pelo professor Tyndal, provar que as vibrações de uma chamrna indicão a existência de uma intelligencia muito rudimentar, no proprio fogo. O dr Bjerregaard, que publicou um estudo sobre os elemcntaes, assignala a semelhança que existe entre a monadologia, de Leibinz, ea alma das cousas (spiritus dementorum), segundo Ammienus Marcdlinus. xii theoria.—E’ a theoria de Kant. O pensamento apenas pode garantir a sua própria exisicncia. Quanto d existência da alma, substancia pensante, pode ser logicamente provada, sendo impossivet todavia demonstrar a sua immortalidade Ioda e qualquer revelação sobrenaturalê impossível. (10) xiii theoria.—Theoria de Ficht: O pensamento á o factor do ser. O Eu somente existe. O homem c por conseguinte ocreador do universo e, ainda mais, é eterno, imaginando-se que o Absoluto (Deus) que só nelle existe, representa na ordem moral a unica potência divina real. O Eu absoluto é não sómente o (9) Le psychisme experimental, por Alfred Erny. (10) Citado pelo dr Fischer, na sua obra sobre a philosophia de Kant vol 2, pag 121. Vide também a conhecida obra de Kant, Kritik der reinen Vernunft, pag 84, 31 indivíduo como a humanidade inteira. Os phenomcnos sob) enaturaes não passão de reflexos do Eu. (11) xiv theoria.—Theoria de Schelling: O Ser, o Pensamento e a Alma, iâentificâo-se no Eu absoluto, que a intenção descobre acima do Eu individual, ou, por outras palavras, o Eu absoluto é a substancia unicci manifestada pelo desenvolvimento do universo. O absoluto é o abysnio sagrado do qual sabe tudo o que existe e para o qual tudo volta; nem é Finito nem Infinito, nem Existência nem Conhecimento, nem Objecto nem Sujeito; mas sim a força universal em estado de potência—Deus. Ha em Deus dois estados: Deus em si ou Deus impli- cito; Deus se revelando ou Deus explicito. A matéria não é uma cousa inerte em si: tudo é actividade e força, desde a pedra em que essa força se aclia em lethargia, até o homem. Ha uma progressão continua de potencial, de liber- dade e de expontaneidade: é a lei do universo ou a vida universal. A natureza, jermen de tudo, a principio em lethargia, se transforma num organismo infinito. O jermen que se desenvolve realisa um ideal. O mundo real não é mais do que o mundo ideal objectivando-se ao passar da potência ao acto. O corpo e a alma são dois modos diversos de uma essencia indivisivel. A individualidade não existe mais depois da morte. O Absoluto, isto é, o Deus-Substancia, só consegue attingir á personalidade, no homem, mas esta personalidade se apaga para sempre com a vida. (12) xv thboria.—Theoria de Hegel: (11) Picht: Die Bestimmang cies Menschen, pag 124. (12) Schelling : Vornlch ais Princip der Philosophie, pàg 144. 82 Nada existe fora da. Idéa. A Idéa é a raiz de tudo o que existe, ou, por outros termos, o Ser puro indetermi- nado, mas sem o qual nada de determinado pôde existir. (13) E’ pelo principio da identidade do idêntico e do não idêntico que se podem reunir todos os attributos humanos e os attributos divinos da omnisciência. Possuindo desfarte a sciencia absoluta, o liomem póde seguil-a nos seus desenvolvimentos, cuja lei constante consiste na these, antithese e synthese. Sendo impossivel desenvolvermos como desejaríamos esta theoria, que é de um transcendentalismo bastante obscuro, aconselhamos áquelles que quizereiu estudaha a leitura da importante obra de Th. Henri Martin—La vie future,em que, nocap V, vem perfeitamente explicada. xvi theoria—Theoria de Vacherot: O universo não é nem causa nem principio do ser, e simplesmente uma abstração do espirito. A phenomeno- logia não e mais do que as manifestações do Ser universal, dentro do qual vivemos, com elle integralisados. (14) xvn theoria.—E’ a theoria de Littré : Nunca existiu, não existe, nem existirá jamais, na evolução gradual da humanidade, nenhuma, intervenção sobrenatural (15) xviii tjeoria.- -Theoria de Fourier: A alma existio e ha de existir eternamente. Seu destino é a eurythmia sensorial. Depois da morte, a alma toma posse de um corpo subtil chamado Aroma, por intermédio do qual experimenta no espaço sensações tão deliciosas que todos os homens se suicidarião se por acaso as conhecessem. (16) (13) Hegel: Phaenomenoloçjie des Oeisles, pag 78. (14) Vacherot: Hi&loire critique de VÉcole d’Alexandrie. pag I 24. (lõ) Littré: Revuedes Deux Mondes, tom 2, pag 30. (1G) Fourier: Obras completas, tom 2, pag 39. 33 xix theoria.—Theoria eatholica: E’ a theoria adoptada e seguida por todos os theologos catholicos, desde S. Paulo até Didiot. Para a Egreja, a causa de todos os phenomenos espiritas são o diabo e os seus agentes. (17) A’ primeira vista se nos afigura esta theoria abso- lutamente anti-scientifica e ridicula. Mas ao nos compe- netrarmos de que homens da ordem de S Agostinho, S Thomaz de Aquino, S Bernardo, Bossuet, Lacordaire, Gorres, Lamartine, Newton, Dante, Pasteur, Leão XIII e tantos outros, aceitárão semelhante theoria, parece que temos o direito de estudal-a, embora summariamente, ao lado das outras hypotheses acima citadas. S Thomaz de Aquino parece ter previsto todos os phenomenos modernos do Espiritismo. Para os que admittem a theoria eatholica, a expli- cação theologica do Espiritismo é lógica e portanto absolutamente verosímil. Numerosos scientistas, fundadores de novas seitas, theologos neologistas, etc, têm visado ridicula risar tudo o que se refere á Demonologia, procurando negar a existência de um poder diabolico e taxando de alluci- nados áquelles que acreditão na possessão e na mani- festação dos espíritos infernaes. O celebre doutor Brownson lembra que a ultima metade do XVIII século, apesar de profundamente materialista e antichristã, foi fértil em phenomenos habitualmente chamados espiritas, fazendo notar, além disso, que a loucura epidemica que se apoderou do povo francez durante a revolução, foi provocada por uma terrível potência mysteriosa, que historiador nenhum ainda estudou sob a luz da (17) Muitos espiritas modernos admittem como autor dos plieno- meuos espiritas o diabo. Vide as obras de Dupotet, Thouverey, Depping, Schauenenburg, etc. 34 analyse histórica moderna. Todos os papas, basea- dos numa especie de hygiene moral, têm procu- rado afastar as massas populares dos arraiaes do Espiritismo, prohibindo expressamente a evocação das almas dos mortos. Leão XII, numa bulia datada de 13 de Março de 1825, depois de ter citado a opinião dos papas Clemente XII e Bento X1Y, assignala os perigos que podem nascer da vulgarisação das experiencias espiritas. Pio VIII, em 24 de Maio de 1829, ractifica a mesma condemnação, ordenando a todos os bispos que prohibão as praticas espiritas, e Pio IX, na sua primeira encyclica, de 9 de Xovembro de 1847, anathematisa o Espiritismo, confirmando as ordens dos seus prede- cessores. Admittindo, portanto, a theoria catholica a existência de espiritos diabólicos, não faz mais do que adoptar uma crença que já em remotissimas epochas constituia uma das pedras basilares das theogonias, bastando para proval-o, a leitura dos livros sagrados dos hindús, dos egypcios e dos discipulos de Zoroastro. S Paulo, que era um erudito philosopho, prediz, na sua epistola a Timotheo, que «nos últimos tempos muitos homens abandonaraõ a fé christã, para acreditarem na doutrina dos demonios ». No curioso tratado «De con- summatione mundi», attribuido a S Hypolito, lê-se que «os espiritos diabólicos podem produzir phenomenos verdadeiramente assombrosos, que allucinaraõ o mundo inteiro.» Reconhecer numa potência infernal a possibilidade de responder a perguntas, levantar pesos, escrever, pre- dizer o futuro, etc., era para muitos, ha cem annos passados, um attestado de loucura ou de ignorância. Ha cincoenta annos, porem, austeros scientistas têm-se cocupado largamente da demonologia, entre os quaes 35 monsenhor Elie Méric, dr Joseph Bizouard, de Mirville, Schanz, Eohde, Hettinger. De tndo o qne milhares de eminentes theologos escreverão, se deprehende que todos elles admittem que Deus não póde ser idêntico com a natureza e que todas as manifestações preternaturaes, attribuidas aos espíritos dos desencarnados, segundo a hypothese de Ailan Kardec, são manifestações indignas da omnipotência e da omnisciência divinas. Embora dependendo das leis ultrapassão o poder humano c são provocadas por creaturas invisiveis, intelligentes, poderosas, sub- mettidas á potência divina, hábeis em imitar os seus actos e em illudir aos pseudos sábios e ao espirito popular. Para o catholico só a theologia possue o criterium infallivel dos prodígios espiritas. O homem se engana fundamental mente quando, despresando o magistério divino do Ohristianismo e estribando-se apenas no substractum da razão orgulhosa e fallivel, procura rasgar o tenebroso véo que occultou, occulta e occultará eternamente a vida de alem-tumulo. A Sciencia não poderá explicar jamais certos pheno- menos provocados por um pod.er intelligente, que um conhecido philosopho já appellidou o eterno macaco de Deus. Após dois séculos de teimosas negações, relativas ás relações entre o homem e os espíritos diabólicos, actual- mente muitos philosophos admittem unaniiuemente a sua possibilidade. Atacando de face o Espiritismo, a Egreja Catholica é perfeita mente lógica, porquanto, habil proliferação de uma simples seita, o Espiritismo, nas epochas modernas, sevae transformando numa vasta religião,que, consanguínea da lei danvinista, da transfor- mação progressiva, deli a apenas aproveita as conclusões 36 menos scientificas, arrastando o espirito popular aos tremedaes da loucura, do suicidio e da immoralidade. xx theoeia.—Theoria de Pierre Janet, modificada e ampliada pelo professor J. Grasset: O Espiritismo é uma questão que deve interessar profundamente á medicina moderna, porquanto lhe per- tence de facto e cle direito. Esses autores vêm no Espiri- tismo um caso de physio-pathologia doscentros nervosos: um pheuomeno de psychismo inferior ou automático, de automatismo superior, da actividade polygonal. (18)' Segundo Grasset, lia portanto dois psychismos, isto é, duas cathegorias de actos psychicos: l.° actos supe- riores, voluntários e livres, ou psychismo superior; 2-° actos inferiores, automáticos, ou psychismo inferior. A cada uma dessas cathegorias de actos correspondem necessariamente grupos differentes de centros ou agru- pamentos de neuronas. Assim, temos: l.° centros de reflexos simples; 2.° centros de reflexos superiores, de automatismo inferior, não psychico; 3.° centros de automatismo superior psychico, psychismo inferior; 4.° centros de psychismo consciente, livre, e responsável. Os centros dos reflexos simples se localisão no eixo bulbo-medular; os cêntros dos reflexos superiores (automatismo inferior) são meso-cephalicos e basilar» (bolbo, ponte, cerebello, núcleo vermelho, corpos optoestriados. . .); os centros psychicos (inferiores e superiores) existem no córtex cerebral, mas constituem neste córtex dois grupos physiologicamente distinctos e differentes. Sentimos não poder apresentar o schema geral dos centros psychicos (polygono de Grasset), o que facili- (18) Vide a recente obra: Leçons de clinique médicale (1903) pelo dr J. Grasset, pag 437. 37 taria a exposição dessa theoria; a rapidez com que foi escripta e impressa a presente tliese nos inliibiu de mandar preparar um cliché especial. Procurando synthetisar num unico período a bella tlieoriadosabio professor da universidade de Montpellier, diremos: Os actos polygonaes não são conscientes por si proprios, são automáticos (isto é, não são voluntários e livres, tendo apenas a apparencia da espontaneidade), são psycliicos (isto é, existe 11a actividade polygonal não só a memória como a intellectualidade). Grasset emitte essa opinião, não pretendendo, porém, explicar sufficientemente 0 meclianismo *de todos os plienomenos espiritas. Outras muito curiosas tlieorias ha a respeito do Espiritismo. Em virtude da estreitesa de espaço, dei- xamos de estudal-as minuciosamente. Entre essas theorias salientaremos apenas de pas- sagem as do dr Paul Gibier (força anímica); do dr Reickenbach (theoria do nd)\ de mme Blavatski (theoso- phismo); deMyers (consciência subliminal); de Lemoine (somnambulismo); de Haller (vitalismo); de Stahl (animismo); de Pierre Yintras (paracletismo); dos Mormons (theoria do Urim e do Thummim); de IIong-Sion-Tsouin (theogonia chineza); de Morin ( evolucionismo magnético); de Elyphas Levy (magismo); de Paul Auguez (naturalismo espiritual); de Earaday (automatismo); de Traverse-Oldfield (vibracionismo); de Jobard (fluidismo); de Braid (electro-biologismo); de Gigot-Suard (hyper-hypnotismo); de Mirville (auto- matismo dvnamico); do abbade Almignana (pliantas- raagonismo); de Swedenborg(illuminismo); de Guldens- tubbé (pneumatologismo positivo); de Gentil, ou theoria doether universal (concro-deconcro-reconcrecionismo); de Clever de Maldigny (extra-sensitividade); de Benezet 38 (malefecismo); de Eugène Nus (espiritualismo transcen- dental); dos Pelle-Vermelhas (magismo dos indios norte- americanos, estudado por sir Williarr Johnson); de Pierrô Leroux (individualismo ideal); de Pierart(macro-micro- cosmismo); de Larrok(racionalismo unitário); de H. B. Poole (polarimetrismo animico); de A. Russel Wallace (theoria da subconsciencia); de Donald Mac-Nab (processualismo naturalistic-o); de Traill Taylor (chr}rs- talogenismo psychico); de Ochorovvicz (suggestio- nismo). Occorre-nos ainda citar a temeraria e doutoral opinião que, de accordo com a sua grandiosa concepção monista do mundo e da vida, expende sem rebuços o eminente biologista allemão—Ernesto Haeckel, em seu ultimo trabalho—Os enigmas do universo (Die Weltrãthsel). O emerito continuador da obra de Darwin considera o Espiritismo uma das formas mais notáveis da super- stição, a que estão subjugados homens eminentes, achando ainda mais estranho que entre esses se encontrem naturalistas os mais celebres. Os centros espiritas, para dar cunho de verdade á sua falsa doutrina, invocão sem cessar os nomes desses sábios que igualmente partilhão de suas convicções, citando, por exemplo, Zõellner e Eechner, na Allemanha; Wallace e Crookes, na Inglaterra. O douto professor da universidade de lena lamenta, com sincero pesar, o facto de se terem deixado emmara- nhar nesse erro phvsicos e biologistas tão distinctos, e explica, pelo excesso de imaginação, em alguns, em outros pela ausência de critica ou pela poderosa influencia dos dogmas implantados em seus cerebros, quando creanças, a causa real de suas adhesões á crença na vida de além-tumulo. A proposito do celebre movimento espirita de 39 Leipzig, movimento em que se salientárao princi- palmente os já citados Zoellner, Fechner e Weber; affirma Heackel que Slade não passa de um hcibil escamoieador, declarando mais que as manobras desse médium forão postas ás claras ainda em tempo de ser reconhecido como um seroo vulgar e desmascarado. Quanto aos mediums em geral, são todos prestidigitadores traficantes, ou individuos nervosos de uma excitabilidade extraordinária. Conclue a sua opinião o sabio professor dizendo que a telepathia—acção á distancia do pensamento sem intermediário material, é tão provável que exista quanto a voz dos espíritos e os suspiros dos phantasmas, referindo-se ironicamente ás excellentes descripções que sobre factos dessa natureza souberão dar Gari du Prel e outros espiritas, descripções que considera como prova de imaginação excessiva, junto á falta de espirito critico e de conhecimentos physiologicos. (19) E’, como se vê, uma verdadeira torre de Babel de theorias e de hypotheses mais ou menos engenhosas, e que demonstrão claramente a curiosidade que inspirão os phenomenospreternaturaes (19) Heackel—Os enigmas do universo. TEKCEtBO CAPITULO deverá ser a attitude da Medicina em face dos plienomenos vulgarmente chamados espi- ritas ? Terá ella o direito de despresal-os, á semelhança da philosophia positiva de Augusto Comte, que excluo à priori todos os estudos do preternaturalismo? Entendemos que não. Desvencilhando-se das tres grandes theorias geral- mente adoptadas: a theoria do illusionismo, a theoria do supernaturalismo, e a theoria da exteriorisação fluidica; cabe de direito e de facto á medicina moderna positivar tanto quanto fôr possivel, á luz zenithal do experimen- talismo, os estudos chamados psychicos, desviando o espirito das regiões nebulosas da metaphysica, que invadindo os dominios da verdadeira sciencia, procura architectar novas religiões. Já não se póde negar que as doutrinas materia- listas forão admiravelmente refutadas no ultimo quartel do XIX século. Ainda ha pouco tempo, o celebre psychologo francez Alfredo Fouillé, professor da Universidade de Paris, não trepidava em assignar a seguinte opinião: «Onde se encontra hoje um materialista entre os philosophos de certo valor ? EJ uma especie desapparecida. Os últimos sobreviventes, se acaso existem, não passão de pessoas pouco ao correr dos processos modernos da sciencia.» 42 ainda alguns raros scientistas procurão, por intermédio de capciosos sophismas, fazer triumphar as suas anaclironicas theorias, poucos discipulos conseguem alliciar. O que a sciencia moderna exige são factos e não simples tlieorias mais ou menos phantasiosas Ha cincoenta aunos que a escola espiritualista derriba um a um, com irresistível potencial, cs marcos miliarios tão orgulhosamente plantados por Buchner e seus adeptos. De 1850 a 1890 numerosos sábios, iuglezes, allemães, russos, italianos e norte-americanos, publi- carão eruditos e criteriosos trabalhos sobre os pheno- menos psyehicos, provando luminosamente que a escola materialista não passava de uma hypothese ana- chronica. Desgraçadamente para a França, devemos assignalar que quasi todos os seus sábios, nesse mesmo espaço de tempo, desorientados pela phobia materialista, que tão perniciosos resultados causárão á vida social e politica franceza durante os séculos XVIII e XIX, em logar de lerem o que os seus collegas estrangeiros publicavão, levanta vão uma especie de muralha chineza entre o espirito universal e a cultura scientifica franceza. Não ha negal-o, foi a escola materialista, que durante tanto tempo tyramnisou o espirito das universi- dades de França, a principal fautora da decadência em que jaz actualmente a gloriosa patria de Pasteur. Só depois da borrasca de ferro e fogo que em 1870 passou sobre a França, foi que os espíritos dirigentes do pensamento nacional, reconhecendo o tenebroso abysmo em que jazião, abrirão os olhos aos raios deslumbrantes das sciencias psychicas. De então para cá, homeus da altura de Kichet, Iiochas, Grrasset, resolverão estudar scriamente aquillo que os seus predecessores chamavão de sandices. 43 Até aquella epocha, os raais notáveis scientistas de França se ankilosavão num svstema curioso, em que as objurgatorias voltaireanas tinhão a potência dos imperativos catliegoricos de Kant. Para elles, a sciencia tinha varrido de um golpe a crença nos pheno- menos preternaturaes, elevando á altura de um idolo a razão simples e pura, que durante a revolução franceza fora Symbolisada numa barregã de nadegas nuas tripudiando sobre o altar mor da cathedral de Paris aos berros enthusiasticos da plebe triumphante. Como estão mudados os tempos! A sciencia moderna, manejando com prudência o methodo experimental, affirma a realidade de todos os factos sobrenaturaes, que erão tidos em França, até 1870, como ridiculas imposturas. O que desperta a attenção é o processo*evolutivo que se dá não só no dominio scien- tifico como no dominio politico-social, demonstrando que a intelligencia franceza vae felizmente despertando do seu tristíssimo lethargo. O grande philosoplio inglez Henry Drummond, autor do livro As leis da natureza no mundo espiritual (20), que provocou interessautissimas discussões, applicou á pesquiza das leis que regem o mundo do espirito o mesmo methodo que serve para estudar os phenomenos chimicós e physicos do mundo inorgânico. Pensou o eminente escriptor que as leis do mundo espiritual, consideradas até então como pertencendo a um dominio inteiramente separado, são simplesmente as mesmas leis do mundo natural. O grande philosoplio suisso, dr Henry de May, na sua importante obra Uunivers visible et invisible ou te plun de la creation, ampliando a these de Henry Drummond, affirma que o mundo revela um plano uni- (20) The Natural Law in the Spiritual World. 44 forme, cujo conjuncto é construído segundo o mesmo principio que a parte. Por intermédio da analogia, pro- cura provar a existência de uma substancia espiritual, que representa no mundo invisível o mesmo papel que a matéria no mundo pbvsico, unindo-se ao archeu múl- tiplo da vida para produzir todos osphenomenos vitaes. Se a substancia do mundo invisível e do mundo physico fosse idêntica, os seres espituaes serião percepti- veis, não só aos nossos sentidos como também aos nossas instrumentos de analysee de synthese. Occuparião, além disso, um logar no espaço, serião organisados como os corpos terrestres, attrahidos pelos astros na razão inversa do quadrado das distancias, hypothese esta que não se estriba em nenbum facto scieutifico. Emfim, o mundo espiritual não seria neste caso senão novo reino do universo astral; e, como esse quinto reino seria evidentemente o mais imponderável de todos, collocar-se-ia por este motivo na esphera mais inferior da creação, o que constitue uma supposição contra- ditória. Portanto, cada um desses dois universos é formado de uma substancia quellie é própria. Ainda mais: essas duas substancias differem entre si tão radicalmente que entre ellas não existe nenhuma transição. D’ahi, o seguinte axioma: «A differenciação da substancia determina os mundos assim como a diffe- renciação e o numero das vidas determinão os reinos». Disto se collige que do mundo espiritual ao muudo pliysico ha repetição e nunca continuidade; o elemento transforma-se, mas as leis são immutáveis. Por conse- guinte, para conhecermos o universo espiritual basta simplesmente a applicação que nos fornece o estudo experimental da natureza ambiente e reconstruil-o à priori com o soccorro dos processos analógicos, esfor- 45 çando-nos em erro algum ao manusearmos instrumento tão poderoso quão perigoso. Semelhante teutativa parecerá temeraria, porquanto a sciencia contemporânea, que se tornou tão prudente depois das experiencias do passado, se limita quasi sempre á pesquiza dos detalhes, communicando aos estudos psychicos a sua desconfiança em face das vastas generalisacocs analytico-syntheticas. Que sabemos nós a respeito do mundo espiritual ? Segundo a inviolável lei da analogia, esse mundo deve possuir todas as qualidades inherentes á matéria. E’ o que chamaremos substancia do universo astral, que: í.° não é alteravel nem destructivel; 2.° que não pode nem reproduzir-se nem multiplicar-se; 3.° que é corporal, visivel, palpavel, perceptivel aos sentidos es- pirituaes, occupando portanto um espaço no dominio do espirito; 4.° que é incapaz de revestir por si própria forma alguma organica; 5.° que recebe e transmitte o movimento, mas não o produz; 6.° quenãopóde existir sem um principio vital; 7.° que é sempre idêntica de natureza, formando um elemento unico. Como se pode combinar essa substancia espiritual com o archeu das vidas, e qual será a construcção do mundo dos espiritos? A cada gráo da creação material é o typo (na phi- losopliia platónica—a idéa) e não o individuo, que a sciencia deve estudar. A multiplicidade dos exemplares indica perfeita- mente que existimos no dominio inferior dos reflexos e das imagens. Quanto mais uma coisa se repete, tanto mais é vil; menos se repete ella tanto mais é elevada. Quantidade e qualidade se liarmonisão na razão in- versa. Baseando-se sobre esta lei, Henry de May attribue 46 ao mundo espiritual uma construcção binaria, idên- tica á economia material, porem muito menos complexa. Dividiu-a em dois impérios—o inorgânico e o orgâ- nico; no orgânico actuão as forças da repulsão e da attracção, porem conscientes e voluntárias. 0 reino da repulsão caracterisa a esphera mais baixa do mundo invisivel; No império orgânico, a unidade, isto é, a monada, é representada pela cellula espiritual, liberta do seu envolucro terrestre. No momento em que morremos, é nesse corpo espiritual que a nossa personalidade se re- fugia para ultrapassar com elle as portas do sepulchro. Que materiaes entrão 11a composição do mundo astral e quaes seraÕ as relações entre a matéria e a vida? Tudo na natureza é 0 producto de dois factores, que, por meio de suas combinações, gerão a infinita variedade dos phenomenos. Esses dois factores são tão differentes 11a sua essencia, tão oppostos nas suas propriedades, que nenhuma catliegoria existente pode abarcal-os. Tendo, porem, necessidade de um termo que os reuna, empregaremos 0 archeu, da philosophia aristotelica. Os archeus formão por conseguinte duas classes : a primeira contendo a matéria, e a segunda, a vida. Desses dois archeus só a matéria pode receber 0 nome de elemento, porquanto a matéria é una, isto é, mono- archeica. 0 segundo principio é, pelo contrario, poly-archeico, porque ha muitas vidas, formando uma gradação per- feitamente visivel. Quanto a sua natureza, nada mais subtil: impef- ceptiveis aos nossos sentidos, todas essas vidas ultra- passão aos nossos processos analyticos e de sua existência duvidaríamos até, se por acaso os effeitos que ellas pro- Mi duzem pela sua associação com o arclieu material uão nos saltassem aos olhos. Poderiamos pensar que a vida é uma qualidade secundaria, uma propriedade occasional da matéria, um simples phenomeno provocado pelo encontro dc circum- stancias favoráveis. Mas, para sustentar semelhante opinião, seriamos obrigados a attribuir á substancia material qualidades immateriaes, o que seria um absurdo. Além disto, seria necessário suppor que a matéria deu vida a si própria, desenvolvendo-se por intermédio de sua própria volição e de um dynamismo intelligente, desde as formas mais rudimentares até os organismos mais complicados. Semelhante hypothese seria a negação destes dois axiomas, sem os quaes é impossivel raciocinar: l.° não ha effeito sem causa; 2.° o inferior não pode crear o superior. Além disto, como as vidas organicas renovão conti- nuamente a substancia de seus corpos, se fossem sim- plesmente qualidades inherentes á matéria, deveriam os affirmar que as qualidades podem mudar de indi- viduação. Ora, se concebemos facilmente que um homem possa mudar de qualidades, é de todo impossivel imaginar que uma qualidade possa mudar de homem. Apesar de contar numerosos adeptos, entre os quaes o dr James Hinton, notável clinico de Londres e autor da conhecida obra Man and his Dwelling—Place, a theoria imaginada pelo psychologo suisso ainda não satisfaz, ao espirito scientifico moderno, não obstante sua orien- tação positivamente experimental. O que é certo, porém, é que as doutrinas materialistas vão dia a dia perdendo os seus postos avançados. E é natural, porque, como poderá o materialismo, que não 48 passa de uma concepção stereologica, satisfazer á urgente necessidade da unidade que constitue a manifestação essencial da razão humana ? Para explicar a creação do universo, excluindo a idéa de um plano concebido por uma intelligencia suprema, a doutrina materialista affirma que existem átomos em numero infinito e que o universo não passa de uma das múltiplas combinações que se devem produzir pelo encontro de átomos. Deveriamos, portanto, recorrer á idéa de um numero infinito, o que é contraditorio, porque todo numero é determinado por essencia. Seria igualmente necessário explicar como e porque os átomos formão todas as com- binações possiveis. Encontrou-se acaso na multiplicidade infinita dos átomos uma especie de unidade constituida pela unifor- midade supposta dos elementos? De forma alguma: o pensamento não póde sahir do dualismo dos átomos e‘do movimento, sem principio superior de harmonia. Alguns pensadores modernos, fazem, sob a influencia de um sophisma philosophico, um esforço desesperado para estabelecer a identidade da matéria e do movi- mento, procurando desta maneira varrer a psychê duaiistica. Quando se averiguou que a resistência por si só constituiu a essencia da matéria, estabeleceu-se num sen- tido a identidade da matéria e da força. Surgem, porem, aqui graves equivocos. A força de resistência dos átomos, em virtude da qual elles occupão o espaço, e a força que é a causa do movimento de translação, são duas coisas perfeitamente distinctas. Além de tudo, embora saibamos que uma força só póde ser medida pelo movimento por ella produzido, não está de fórma alguma provado, mesmo em phjsica, que toda força seja um movimento antecedente. Para obter a 49 unidade sonhada, os materialistas deveraõ fatalmente confundir, não só o movimento com a força, como também a força de resistência constitutiva dos corpos com a força impulsiva que produz um deslocamento. Esta dupla confusão de idéas, uma vez provada, resta só o movimento. Mas, como poderão os materialistas provar que lia movimento sem uma coisa movida?! E’, no emtanto, a essa aff ir mação desesperada que o materialismo se agarra quando quer explicara unidade, restando-lhe portanto proclamar este contrasenso: «o movimento constitue por si só a existência universal», ou, por outras palavras: «tudo se move sem que nada se mova». 0 genial Pascal, na sua epocha, e o grande phvsico Wurtz, em nossos dias. refutarão brilhantemente tão monstruoso paradoxo. Baseado nas doutrinas modernas do grande sabio francez J. Grrasset, uma das menos contestáveis e con- testadas glorias da medicina universal, diremos: A biologia deixa e deixará sempre fora delia muitas questões quenãopóde conhecer, mas que, não deixando de existir por esse motivo, não podem ser taxadagdo des- conheci veis. Não ha sciencia única que contenha todas as outras. A biologia tem limites; ha coisas que não são de sua competência e que ella ignorará eternamente, porque ultrapassão a sua esphera de acção. Essas coisas podem certamente ser estudadas e conhecidas por outros me- tliodos, constituindo o objecto de outras sciencias. No ser vivo, o calor, o som, a luz, a electricidade, permanecem submettidos as suas leis próprias, como até acontece com os movimentos vibratórios no mundo inani- mado. Mas o ser vivo, por essencia e por definição, possue também suas leis próprias, e que constituem objecto de uma sciencia á parte. 50 A unidade individual, cjue se encontra em cada ser e na série dos seus descendentes, não póde ser compre- liendida por intermédio unicamente dos seus elementos pliysico-chimicos, que são essencialmente heterogeneos. «Só pessoas incompetentes podem acreditar que átomos brutos, dispostos desta oudaquella maneira, como as peças de uma machina, sejão capazes de pensar. » Admittindo-se, além de tudo. que a vida é um simples phenomeno physico-chimico, o determinismo vital surge absoluto,a liberdade é uma illuzão, e amoral uma formula metaphysicamente pueril. Os espíritos positivos ou que se têm por tal devem simplesmente raciocinar do seguinte modo: A expe- riencia nos demonstra irrefutavelmente em todos os homens a existência das idéas do Bem, do Dever, da Liberdade, etc A biologia, por si só, é impotente para estudar essas idéas, porquanto só lhe cabe estudaras leis communs a todos os seres vivos, não conseguindo des- cobrir a moral nos animaes e nas plantas. A biologia não é, nem moral, nem immoral: é amoral. Portanto, a biologia não consegue estudar tudo o que existe, e, por mais amplo que seja seu dominio, ha muita coisa que lhe escapa e que deve ser objecto de uma outra sciencia distincta e separada da biologia, irreductivel, por conseguinte, á biologia. Esta sciencia é a psycho- logia. O systema dos materialistas obriga a affirmar que a matéria produz o pensamento, a observação scientifica experimental nos obriga a affirmar que a matéria é incapaz de produzir o pensamento. Sabemos, com effeito, o que pertence á matéria, e sabemos igualmente o que pertence ao pensamento. A observação externa orienta-nos no primeiro ponto, e a observação scientifica, no segundo. A matéria nos appa- 51 rece ponderável e divisivel; podemos medil-a, porque está localisada no tempoe no espaço. O pensamento, pelo con- trario, não tem extenção, não é ponderável nem divisivel; exclueo movimento e a medida. Qual o sabio que seria capaz de nos mostrar as dimensões de urn pensament), a força mechanica de uma volição, o angulo agudo de um desejo? E’ perfeitameute fácil desenvolver detalliadamente esses caracteres, absolutamente irreductiveis, do pensa- mento, em opposição aos da matéria, taes quaes a observação nos ensina. Isto, porém, já o foi feito milhares de vezes, e seria fastidioso repetil-o. Para derrocar pela base toda a doutrina materia- lista, basta repetir com o dr Grasset: «Entre o pensa- mento e a matéria a differença é tão grande, que se apresenta im media mente sob a fôrma da contradição. Eis o que a observação nos tem revelado. Os materialistas dizem, estribando-se num argu- mento simplesmente gratuito, que a matéria pôde e deve conter os elementos do pensamento. Em nome da sciencia, em nome da observação, em nome da razão humana, respondo: « A. matéria não pôde conter o que eonstitue a sua própria negação. Ora, o pensamento surge em face da sciencia como a negação da matéria; logo, a matéria não pôde conter os elementos do pensamento ». (1) Eil-a, não uma simples liypothese metaphysica, nem as conclusões de uma obscura metanthrotopia, mas um alicerce robusto, luminosamente demarcado pelo sabio Grasset, e sobre o qual pode-se erguer, no prestigio de sua orientação legitimamente scientifica, o edificio magestoso das sciencias psychicas. (1) J. Grasset: Les limites de la biologie. 52 Agora perguntaremos: Devera ser permittidas a qualquer indivíduo as experiencias vulgarmente cliamadas espiritas. ? Em nome da Medicina responderemos cathegorica- mente que não. Quem ignora acaso a perniciosa influencia que tem provocado o Espiritismo sobre o espirito popular? E são os proprios espiritas que o reconhecem. Lma-s‘\ por exemplo, a ultima obra do conhecido espirito Allnn Dubet—Les mystagogues contemporains, publica h ha mezes. Que diz elle? « O Espiritismo é o mais poderoso factor da loucura, do suicídio e da devassidão.» Quem não conhece a vasta rede de rapinagem que, na Capital Federal, se estende sobre milhares de ci- dadãos, sob o nome de tlterapêutica espirita ? Quantas centenas do contos de réis não têm sido artificiosa- mente canalisadas para o bolso dos médicos e boticários espiritas? Quantas virgens não têm sido arrastadas ao paúl da prostituição, attrahidas pelo fallacioso brilho das theorias do amor espirita? Alem disto, contão-se ainda innumeras nevroses, livsterismos de formas bisarras e inexoráveis a todo tra- tamento, psychoses profundas, lipemanias incuráveis, tudo promanado do Espiritismo, exercido de accordo com a orientação de Allan Kardec e seus adeptos. Conhecemos nesta cidade uma familia em que se têm verificado casos de lrpsterismo accentuados, apre- sentando certos indivíduos a moléstia, hereditária, com-, plicada e exaltada pelas praticas espiritas. E’ assim que, sendo uma Senhora victima de accessos repetidos, servia, durante as crises, de médium, nas evocações do pae, que desfarte apenas conseguiu aggravar progres- sivamente a moléstia, tornando-se a pobre moça depois 53 de certo tempo, paralytica. Este senhor, que aliás era medico, e notável, foi victima por sua vez, acabando por soffrer de uma perturbação mental bastante accentuada. Concordamos que ha muitos individuos que de boa fé se entregãoás praticas do Espiritismo. Não possuindo, porem, certo preparo scientifico, e ás mais das vezes completamente ignorantes, acabão fatalmenta enlouque- cendo. Quantos factos não poderiamos citar para provarmos o que acabamos de dizer, aqui mesmo nesta capitai! Alem disto, o Espiritismo, como é praticado entre nós, sem a menor orientação scientifica, não passa de uma grosseira caricatura do Catholicismo, com reflexos mais ou menos patentes do fetichismo africano. Os nossos centros espiritas, que apenas lêm as anachronicas obras de Allan Kardec, não conseguem sahir da mais infecunda tautologia. Assim como ninguém pode dirigir uma locomotiva sem ser machiuista., governar um navio sem ser piloto, dar uma sentença sem ser juiz, passar uma receita sem ser medico; assim também deverião ser prohibidas aos profanos as experiencias vulgarmente chamadas espi- que pertencem ao dominio da psychologia. Essas experiencias, tão perigosas como as da electricidade e as da bacteriologia, só podem e só devem ser feitas por profissionaes idoneos. O Espiritismo, tal qual é praticado entre nós, e que procura ridiculamente substituir todas as sciencias me- dicas e todas as religiões, constitue innegavelmente um serio perigo, que deve ser quanto antes combatido em nome da hygiene social. Somente um medico, um psy- chologo, um philosopho, ou um theologo, pode entrar sem medo e com o prestigio dos seus estudos, no vasto dominio das sciencias psychicas, porquanto, limitrophes com a physica e com a psychologia, essas sciencias, 54 que representão um liyphen entre a energia e a vida, entre o espirito e a matéria, são limitadas, a> norte, pela psychologia, ao sul, pela physica, a leste, pela phvsiologia e pela medicina (1). Tentar transformar o Espiritismo em religião e substituil-o á Sciencia, de que é apenas uma parte, é um acto de loucura ou de ignorância, Terminaremos citando abolia opinião de Humboldt: «Um dia virá em que as forças que se exercitão paci- íicameute na natureza elementar como nas cellulas delicadas dos tecidos orgânicos, sem que os nossos sen- tidos tenhão ainda podido descobril-as, reconhecidas em fim, aproveitadas e levadas a um alto gráo de activi- dade, tomaraõ logar na serie indefinida dos meios com o auxilio dos quaes, ficando senhores de cada dominio particular, no império da natureza, elevar-nos-emos a um conhecimento mais intelligente de todo o universo.» E quem poderá descobrir, reconhecer e eproveitar essas forças ainda mysteriosas na epoclia actual? As sciencias, e, entre ellas, especialmente as scien- cias medicas, a respeito das quaes assim se exprimia .Francisco de Castro, o eminente professor da faculdade do Eio, de saudosissima memória: « A Medicina ainda bem longe está dessa phase syn- thetica, ultima do seu progresso, para a qual ha séculos caminha, impellida por essa triplice força de traeção, a que nenhum freio modera ou paralysa: a observação, a experiencia e a razão. Em quanto, porem, não dobra a meta do vastissimo estádio, a sciencia que ensina a prolongar a vida, combatendo as moléstias e prote- gendo a saude, tem que tropeçar em numerosos erros, embaraçar-se na teia da critica apaixonada, enredar-se nos contrafios da hermeneutica viciosa, atravessar (1) J. Grasset: Léçons de clinique médicale. 55 as vicissitudes inherentes á incertesa do juizo, mal assistido nas suas conclusões pela fallacia dos instru- mentos. «Os dominios da sciencia medica ainda são, até a hora presente, impraticáveis em mais de um trecho; encravão-se no meio delles zonas ignotas, de cujos pe- netraes tantas vezes recua quantas os investe a curio- sidade dos neopliytos, a coragem dos iniciadores, a paciência dos sábios. Através de taes opacidades, o es- pirito espreita, apalpa, interpella de balde as sombras mudas. Cedo é ainda para amanhecer sobre esse bocado de treva o sol da perfeição; mas hão de vir dias illumi- nados por elle; o circulo do progresso é fatal; tem a sua lei de ferro; a viagem é de séculos, talvez de millenios; o que importa, porem, é que a humanidade chegue ao fim, vença o estafe dos longos areiaes, pise triumphante a terra promettida.» Tres sobre cada uma das cadeiras do curso de scicncias medicas e cirúrgicas PROPOSIÇÕES HISTORIA NATURAL MEDICA I— Os mixosporidios são sporozoarios elementares cujo protoplasma, desprovido de membrana, emitte pseu- dopodos para a fixação e a locomoção. II— Elles vivem como parasitas sobre a pelle e as branchias dos peixes, chegando mesmo até os orgãos internos, excepto o svstema nervoso. III— A superfície desses auimaes é lubrificada de um liquido irritante, que produz forte prurido nos tecidos, liquido esse que resiste á cocção, pelo que é necessário evitar a alimentação com taes peixes. CHIMICA MEDICA I— A suprarenalina reduz energicamente os saes de prata e o chlorureto de ouro, dando ás soluções unia cor variando do roseo ao vermelho carmim. II— Do mesmo modo actua sobre os agentes oxidantes, taes como o ferrocyanureto e o bichromato de potássio. III— Essa poderosa acção reductora explica a affiui- dade da suprarenalina pelo oxigénio do ar e a mudança de côr por oxidação de suas soluções. ANATOMIA DESCRIPTIVA I—0 hexágono de AVillis occupa o intervallo que IV separa os dois espaços perfurados anteriores e posteriores da raiz cinzenta dos nervos opticos. II—Os lados posteriores são formados pelas artérias cerebraes posteriores, ramos de bifurcação do tronco basilar. IIí—Os lados anteriores são constituidos pelas ce- rebraes anteriores, ramos da carotida interna. HISTOLOGIA I —Cada nervo é constituido por um certo numero de tubos de myelina (tubos de duplo contorno), ou fibras cinzentas (fibras de Kemak), separados uns dos outros por fibras conjunctivas finas e longitudinaes. II— Esses tubos, ou essas fibras, formão, por sua reunião, feixes primitivos, envolvido cada um destes numa bainba própria e unido aos feixes visiuhos por tecido conjunctivo. III— Esses differentes feixes, constituindo um mesmo nervo, possuem uma bainlia commum de tecido lami- noso (nevrileina), oue os mantém unidos e se confunde exteriormente com o tecido laminoso ambiente. PHYSIOLOGIA I— À sédedas faculdades intellectuaes e instinctivas está na camada cinzenta cortical das circumvoluções cerebracs. II— Os lobos cerebraes constituem o receptaculo prin- cipal em que as sensações se transformão em percepções • capazes de deixar vestígios e lembranças duradouras. Til—As camaras opticas são os centros de relação das impressões tactis e dos movimentos de locomoção BACTERIOLOGIA I— As cores basicas têm notável affinidade pelos V núcleos das cellulas e pelo protoplasma de todos os micró- bios; são côre§ nucleares. II— As matérias albuminoides e, muito particular- mente, as nucleinas, de que muito approxima o proto- plasma microbiano, são acidas e se combinão com a base corante das cores basicas. III— A combinação é tanto mais fixa quanto a albu- mina é mais acida, isto é, a coloração dos núcleos e dos microbios é mais fixa que a do resto de um corte de tecido, por exemplo. MATÉRIA MEDICA, PHARMACOLOGIA E ARTE DE FORMULAR I— Á enumeração dos cuidados de que o medico aconselha cercar o doente póde ser feita verbalmente; mas a dos medicamentos necessita sempre da transcri- pção de uma receita ou prescripção. II— Essa prescripção pó le comprehender uma ou muitas formas pharmaceuticas e será dividida em tros partes para cada uma d’ellas: a inscripçãò, a subscripçao e a instrucção. III— Entre estas, sómente a inscripçãò e a instrucção são indispensáveis. A subscripção falta o mais frequen- temente, e não tem sua razão de ser senão quando o medico julga util indicar um modus operandi muito especial. CLINICA PROPEDÊUTICA I—Os ruidos que sc passão no pericárdio pódem-se reduzir aos attrictos. De mechanismo idêntico aos da pleura, são elles devidos ao attricto dos dois folhetos peri- cardicos, que perderão sua lisura. [I—Seu timbre e intensidade, muito variaveis, podem fazer suppor que se passem na pleura. Fazendo cessar a VI respiração, ouviremos unicamente aquelles que so passão no pericárdio. III—Os attrictos pericardicos traduzem uma peri- cardite secca, uma pericardite com principio de derrame ou na pliase de reabsorpção deste, e também podem cara- cterisar tumores, tubérculos, ou placas leitosas, etc, no pe ricardio. CLINICA DERMATOLÓGICA E SYPHILIGRAPHICA I— Uma modalidade possivel, mas excepcional, do cancro digital, é a que AV Taylor indicou e muito bem descreve sob a denominação de cancro fungoso. II— Especial ao cancro da ultima phalange, consiste ella numa especie cie abrolhamento papilliforme da lesão, que, em dado momento,não é mais que um tufo de vegetação carnosa lembrando 0 aspecto da couve-flor. III — Desfarte transfigurado, ou melhor, mascarado, 0 cancro se torna absolutamente irreconhecivel. ANATOMIA E PIIYSIOLOGIA PATHOLOGICAS I— 0 tecido epitlielial, para constituir tumores, pode affectar disposições muito variadas e dar logar a neofor- maçoes cuja evolução ulterior é muito differente. II— Em certos casos a neoplasia epitlielial é irnpel- lida para fóra; não penetra na derma, e sim tende a accumular-se 11a superficie, revestindo formas que varião com as circumstancias accessorias, devidas á repercussão sobre as papillas, do processo neoformador. III— Numa forma mais complexa a hyperplasia epitlielial se interna nas expansões interpapillares e nos acmi glandulares, a evolução das cellulas do epi- tlielio se effeitua de fóra para dentro e fica inclusa no proprio tecido epithelial. VII PATHOLOGIA MEDICA I— As pessoas que têm a constituição apoplectica, o pescoço curto e a face frequentemente congesta, são predispostas á hemorrhagia cerebral. II— A etiologia desta moléstia é complexa. Desta- ca-se, porem, uma causa dominante, ao lado de causas secundarias, como a purpura, a ictericia grave, a leuco- cythemia, etc: a alteração dos vasos. III— A artéria doente se rompe, eis o facto inicial; e a hemorrhagia não é senão a consequência deste facto. PATIIOLOGIA CIRÚRGICA I— A causa mais commum dos aneurismas illiacos é sobretudo o esforço violento, principalmente nas pessoas de artérias friáveis, por consequência—predispostas. II— Esta affecção se manifesta mais frequentemente no sexo masculino e na edade media da vida. III— Em certos casos, os doentes accusão um golpe, uma queda, e, numa observação de Groldsmith, o aneurisma succedeu á contuzão da artéria fcmoral, em sua sahida da bacia pela cabeça do femur luxado. CLINICA CIRÚRGICA (2.a CADEIRA) I— 0 tratamento a utilisar contra a sclerose tympa- nica deve ser geral e local. II— O tratamento geral consiste em collocar o doente nas melhores condições hygienicas possiveis, na sup- pressão dos excessos de qualquer naturesa, e na acção sobre o estado diathesico do enfermo seelle é sypliilitico ou arthritico. III— O tratamento local maisfrequentemente empre- gado consiste nas insuflaçÕ38 de ar pela trompa de Eustachio, por meio da sonda de Jtard, afim de, se é VIII possivel, desobstruir o canal e, sobretudo, introduzir na cavidade tympanica a quantidade de ar necessária, que ahi faltava em parte, e mobilisar a cadeia dos ossinhos, pela irrupção brusca do ar que impelle ao mesmo tempo para fóra a membrana tympanica retrahida para dentro. CLINICA OPHTALMOLOG-ICA I— A erysipela palpebral pode ser traumatica ou espontânea. II— Espontânea na maioria dos casos, é provável que a erysipela seja occasionada por uma infecção cujos streptococcus provenham das vias lacrymaes e dos ossos nasaes. III— As complicações da erysipela periocular consti- tuem a parte mais interessante de sua historia. OPERAÇÕES E APPAKELIIOS I— As pleuras requerem a intervenção da medicina operatória em vários casos, para o tratamento definitivo de algumas affecções. II— A thoracectomia ou resecção costal não só vem a talho nesses casos, como também encontra applicação na cirurgia do pericárdio, do coração e do mediastino. III— A thoracectomia difinitiva se executa em quatro tempos: l.° incisão horisontal, vertical, em forma de +, L, U, T, nas partes molles, conforme o fim e a von- tade do operador; 2.° libertação do retalho; 3.° resecção ossea com ablação do periosteo ou subperiostica; 4.° tra- tamento da lesão. E’ o plano musculo-periosteo-pleural ou musculo-pleural que devemos incisar para abrir a cavidade pleural e chegarmos até ao pulmão, se é pos- sivel. IX ANATOMIA MEDICO CIRÚRGICA I— Comprehendendo os quatro quintos da cavidade thoracica, as regiões pleuro-pulmonares occupão as partes lateraes dessa cavidade e são constituidas pelas pleuras e pulmões. II— A pleura, conhecida sorosa que forra a parede interna da cavidade thoracica e a face externa do pulmão, ó formada de dois folhetos justapostos, constituindo um sacco cuja cavidade é normal mente virtual. III— A cavidade desse sacco se torna facilmente real nas phlegmasias com derrame, no empyema, e em muitos outros estados pathologicos, como o pneumo- tlíorax traumático ou espontâneo. THERAPEUTICA I— As applicações therapeuticas da Sphymogenina em solução de 1 para 1.000 ou mais fraca, são nume- rosas como valoroso liemostatico ou como desconges- tionante, prestando por isso enormes serviços á cirur- gia operatória. II— Este precioso alcaloide, contido nas glandulas supra-renaes, é o mais energico de todos os agentes vaso-oonstrictores conhecidos. Algumas gottas de sna solução bastão para tornar exsangue um campo operatorio limitado. III— Na uretlira, a Sphymogenina permitte praticar, quasi a branco, a meatotomia, a methrotomia interna e externa, a extirpação de tumores urethraes; auxilia a franquear os estreitamentos difficilmente permeáveis, X facilita o catheterismo, calma as liemorrhagias e per- mitte a cvstoscopia nas bexigas que sangrão. CLINICA CIRÚRGICA (1* CADEIRA) I—Quando se trata de abrir um panaricio ou um forunculo doloroso, afim de evitar a distensão dos tecidos, deve-se empregar localmente a mistura seguinte: Sol. de cocaina l/.m . 1 c. c. Sol. de ischemina . . V gtts. II—E’ preciso sempre collocar o paciente em posi- ção horisontal. íil— Este metbodo apresenta vantagens conside- ráveis para o tratamento dos abcessos profundos, dos plilegmões, e mesmo para a ablação dos pequenos tumores. CLINICA MEDICA (2.a CADEIRA) T—Tla uma inflammação chroiiica da dura-mater- eervmal denominada por Charcot e Joffroy—pachy- rnenwyite cervical hypertrophica. íl—A dura-mater se espessa, endnrece-se, forma um tumor fusiforme, volumoso, no racliis; as outras meninges ficão comprelieudidas no tumor (ankilose meningo-spinlial), a medula comprime-se e apresenta uma myelite clironica, transversa, de compressão. Hf—A etiologia desta affecção é obscura. Bris- saud indigita, entre outras cansas, asvphilis, o arthri- tismo, o alcoolismo e a tuberculose. CLINICA PEDIÁTRICA I—0 medicamento por excelíencia contra a coque- luche é o hvdrato de chloxal. XI II—E’ condição indispensável prescrevel-o em preparação que seja bem acceita pela creança, e para isso, aconselha-se misturai-o á geléa de grozelia. ÍII—A’s creanças de um a dois annos dá-se 75 a 80 centigrammas por dia; ás de tres annos, 1 grani ma; c d:ahi para cima, 1 1 /., a 2 grammas. OBSTETRICIA 1 — As primeiras relações sexuaes produzem muita vez durante mezes a suspensão das regras nas recem- casadas. II— As moças crêm então tanto mais voluntaria- mente que estão gravidas quanto, ao mesmo tempo, experimentão perturbações digestiv as, taes como nauseas ou vomitos. III— E' conveniente estar-se em guarda'contra esta causa de eno. HYGIENE I— 0 aleitamento materno éo mais simples, o rnais fácil de realisar de uma maneira perfeita, e aquelle que offerece mais seguras garantias no que concerne á saude das creauças. II— Nas creauças nutridas pelo proprio leite da mãe, as perturbações digestivas são mais raras e menos graves que nas que não o são, alem de que outras más consequências, no ponto de vista moral, se evitão. III— E', portanto, necessário reagir contra o abuso dos paes que não vem com bons ollios os fillios sugarem o alimento natural nos seios maternos, pois que a mãe deve ser obrigada a nutrir seu filho. XII MEDICINA LEGAL E TOXICOLOGIA I— A medicina legal é a arte de applicar os conheci- mentos médicos ao direito civil e criminal. II— Ella se occupa das indemnidades, dos vestigios médicos de um crime, do gráo de responsabilidade dos culpados etc, etc. III— Pode-se dividir a medicina legal em cinco partes: deontologia medica; questões medico legaes geraes: attentados ú vida ou á saúde; fados relativos d funcçào de geração; alienação no ponto de vista medico-legal CLINICA-MEDICA (l.a CADEIRA) I— Além da acção tónica e excitante sobre o coração, a cafeina actua como tonico geral e como diurético. II— EI la é indicada nos diabéticos contra a fadiga e o surmenage. E’ ainda aconselhada nas pneumonias graves dos velhos e em todos os estados adynamicos III— Para evitar a producção de abcessos e de dor deve-se fazer injecções bem profundas. CLINICA OBSTÉTRICA E GYNECOLOGICA I— No tratamento do herpes genital, deve-se pol- vilhar as pequenas ulcerações com pó de bismutho ou outro qualquer pó mineral. II— Se as ulcerações tendem a persistir, convém tocal-as quer com uma solução muito fraca contendo quatro a oito decigrammas de nitrato de prata para vinte grani mas d'agua, quer com uma pomada encerrando a mesma proporção de sal de prata para vinte grammas de vaselina simples. III— Afim de previnir as recidivas, colloca-se entre XIII as mucosas algodão secco ou imbebido de substancias tónicas e adstringentes. CLINICA PSYCHIATRICA E DE MOLÉSTIAS NERVOSAS I— As neurastlienias, bem como as outras nevroses geraes, constituem uma predisposição poderosa a psy- choses diversas. II— Elias se dividem perfeitamente em dois grupos: xis do primeiro grupo podem ser designadas psychonc- vroticcis; as do segundo, degenerativas. III— As poyclioses duráveis apresentão o quadro pathologico da melaocholia, da vesania e da imbecilidade. 3?JSfO Secretaria da Faculdade de Medicina da Bahia, 4 de Novembro de 1903. 0 Secretario, Sr, jyCenandro dss í\Vis jVUinlles.