FACULDADE DE MEDICINA DABAH'A THESE APRESENTADA A' Faculdade ôs r^d'cina Oa Bato EM 30 DE OUTUBRO DE 1903 Para ser defendida POR Çdolpho Santos guerra NATURAL DO ESTADO DA BAHIA Afim obter @ gi?â® DE dovtob zszm: ^^zdicikt DISSERTAÇÃO Cadeira de Medicina Legal Das impulsões mórbidas á deambulação sob o ponto de vista medico-legal PROPOSIÇOES Tres sobre cada uma das cadeiras do curso de sciencias medicas e cirúrgicas SAHIA LITHO-TYP. E ENCADERNAÇÃO DE REIS & C. Rna Conselheiro Dantas, n. 22 1903 FACILDAhE HE MEDKIW 1)1 BAHIA Vice-Director-Dr. Alexandre E. de Castro Cerqueira Director-Dr. Alfredo Britto LENTES Os Cidadãos Drs. Matérias que leccionain l.a Secção José Carneiro de Campos An itomia descriptiva. Carlos Freitas An itomia medico-cirurgica. 2.a Secção Ant< nio Pacifico Pereira Histologia. Autusto Ci-zar Vianna Bacteriologia. Guilherme Pereira Hebello Anatomia.e physiologia patliologicas. 3 a Secção Manoel José de Araújo Physiologia. Jose E. Freire de Carvalho Filho Therapeutica. 4-a Secção Hygiene. Raymundo Nina Rodrigues Medicina legal e toxicologia. 5.a Secção Rrnz do Amaral Pathologia cirúrgica. Fortunato Augusto da Silva Júnior... Operações e apparelhos. Antonio Paciieco Mendes Clinica cirúrgica, 1.» cadeira. Ignacio Monteiro deAimeida Gouveia.... Clinica cirúrgica, 2.» cadeira. 6.a Secção Aurélio Rodrigues Vianna Pathologia medica. Alfredo Britto Clinica propedêutica. Anísio Circundes de Carvalho Clinica medica, 1." cadeira. Francisco Braulio Pereira Clinica medica, 2.* cadeira. 7.a Secção Antonio Victorio de Araújo Falcão Matéria medica, Pharmacologia e aite \ . de formular, losé Rodrigues da Costa Dorea Historia natural medica. José Olympio de Azevedo Chimica medica. - 8.a Secção DencleHano Ramos..... Oostetricia. Climerio Cardoso de Oliveira.' Clinica obstétrica e gynecologica. 9.a Secção Frederico de Castro Rebello Clinica pediátrica. lO.a Secção Fran isco dos Santos Pereira Clinica ophtalmologica. Il.a Secção Alexandre E. de Castro Cerqueira... Clinica dermatológica e syphiligrapliica |2.u Secção J ião Tillemon Fontes Clinica psychiatrica e de mol. nervosas João E. de Castro Cerqueira Sebastião Cardoso Luiz. Anselmo da Fonseca.. Em disponibilidade. Os Cidadãos Drs. 1- Secção. G uiÇalo M. S. de Aragão. 2' > Pedro Luiz Celestino.... 3- » Josmo Coneia Cotias.... 4- » jo.io A. Gareêz Fróes.... 6' » SUBSTITU TOS Os Cidadãos Drs. Pedro da Luz Carrascosa, 7- Secção. José Adeodato de Souza 8- > Alfredo F. de Magalhães. 9- » Clddoaldo de Andrade... 10- » Carlos Ferreira Santos .. 11- • 12- Secretario - Dr. Menandro dos Reis Meirelles Sub-Secretario-Dr. Matheus Vaz de Oliveira A Faculdade não approva nem reprova as opiniões emittidas nas theses que lhe São apresentadas. DISSERTAÇÃO Das impulsões mórbidas á deambulação sob o ponto de vista medico-legal CAPITULO I Da actividade motriz e do automatismo em geral aclividade motriz nem sempre é normal; elia pode, não raras vezes, ser pathologica. E', com efleito, admitlido hoje que ha impulsões á marcha, á fuga. Para exprimil-as, creou DuponcLel o termo deam- bulação, derivado do latim deambidalio. A deambulação é um aclo automático desde o seu começo; ella é puramente mechanica e eíTectuada sem consciência de quem a pratica; tem, por ponto de partida, uma impulsão mórbida inconsciente. 0 indivíduo paciente dessa impulsão, perde, de alguma sorte, emquanlo ella dura, a noção do mundo exterior; parece não ver nem ouvir; não está acor- dado nem dormindo ; - é uma machina. Conhecem-se vários casos de indivíduos que, sob o império de uma impulsão mórbida irresistível, põe-se á caminho de repente, fazem viagens e se acham algumas horas ou mesmo alguns dias depois da crise porque passaram, em logares longínquos e que dantes lhes eram completamente desconhecidos. Estudar esses casos, é o nosso objectivo. A deambulação é uma marcha pathologica, nascida sob a influencia de uma impulsão mórbida e caracterisada, emquanlo essa impulsão se faz sentir, por um verdadeiro automatismo. 6 Exigências do melhodo nos obrigam a tratar, desde já, de diversos movimentos automáticos, reservando-nos para abordar mais tarde o estudo das impulsões mórbidas á deambulação. Cumpre-nos fixar antes de tudo o que se deve entender por movimentos automáticos. Um movimento é automático, lemos num escriptor de nota, quando parece espontâneo e, no dizer de Janel,-«submellido a um determinismo rigoroso sem variações e sem caprichos». E', tratando se do homem, o aclo que não é o resultado, nem a transformação imme- diata de uma impulsão exterior aclual. Não se deve confundir o acto automático que é o mais baixo grão de psychismo, com o acto reflexo, de que, aliás é elle a manifestação mais elevada. • O aclo reflexo consiste puma vibração centrípeta que torna-se, passando por uma cellula nervosa, numa vibração centrífuga. A' proporção, entretanto, que se sobe no eixo cinzento, o acto reflexo torna-se mais complicado e se appro- xima, cada vez mais do acto automático. 0 acto aulomatico apresenta todos os caracteres da espontaneidade, e é este o seu primeiro caraclerislico; sendo o segundo, o facto de «ser elle submettido a um determinismo rigoroso, sem variações e sem caprichos». E' automático todo acto que o indivíduo não pode modificar ã sua vontade. Isto, entretanto, não quer dizer que, em certos auto- matismos, não haja intelligencia, sensibilidade, consciência, movimento... Em muitos delles, pode, sem duvida, haver tudo isto-não "aras vezes, até, em grão bastante elevado. 0 que não ha é a possibilidade de modificar o indivíduo voluntariamente o acto aulomatico; este deixa de o ser desde o momento que se o modifica voluntariamente. 7 Dois são. pois, os caracteres que assignalam os actos automáticos e os distinguem dos que o não são: a saber: a espontaneidade o que os distingue dos actos reflexos; e o não serem livres, o que os distingue dos actos psycbicos superiores. Para explicar o automatismo, crcou Grassei a engenhosa hypolliese do poiygono. Admilte o auctor um centro psychico superior, séde do eu pessoal, consciente, livre e responsável e, abaixo, um poiygono de centros automáticos. De um lado colloca elle os centros sensoriaes de recepção, como o con- juncto dos centros auditivos, o conjuncto dos centros visuaes, o conjuncto dos centros da sensibilidade geral; de outro os centros motores de transmissão, como o conjuncto dos centros kinecticos, o centro da palavra articulada e o centro õa escriptura. Todos estes centros estão situados na sub- stancia cinzenta das circumvoluções cerebraes e são ligados entre si, em todos os sentidos, por fibras (rans-corlicaes, intra-polygonaes c, ao centro superior, por intermédio das libras super-corticaes, super-polygonaes. As fibras super-polygonaes, sob o ponto de vista physio- "logico, são de duas especies: umas são centrípetas e outras' são centrífugas; umas são ideo-sensoriaes e outras ideo- molrizes. Os actos automáticos são executados pelo poiygono. A consciência pessoal reside no centro psychico superior. Sem embargo disto, porem, pode-se ter consciência de actos automáticos. Isto succede, com ef.eito, todas as vezes que as communicações centrípetas estão intactas e func- cionam. Ao contrario, quando as referidas fibras super- corticaes centrípetas não funccionam, é impossível ter-se conciencia dos actos automáticos. A consciência ou incon- sciência não são, pois, caracteristico do acto .automático, o 8 qual é psycbico quando capaz do provocar phenomenos do memória e iutelleclualidade; nem outra é a differença entre este e o automatismo inferior. O automatismo psycbologico "é o meio íermo entre o psycliismo superior voluntário, consciente e livre e a serie dos aclos reflexos. Os movimentos automáticos distinguem-se dos movi- mentos machinaes, assim o doutrina Richet. Ao passo que nos primeiros a vontade não inlervem de nenhum modo; os segundos são determinados pela vontade embora se continuem independentemente delia. Num caso ha reacção do centro, psycbico superior sobre os centros automáticos; no outro essa reacção não existe. Como a intervenção da consciência, a acção da vontade é contingente nos actos automáticos; ella porém, não faz delle parte. Da intervenção ou não das fibras super-polygonaes, de- pende a intervenção ou não da vontade. O processo con- ci ente é a phase transitória entre uma organisação cerebral inferior e uma organisação cerebral superior; exprime a novidade; a incerteza; a hesitação; um modo imperfeito de associar; uma demora de transmissão e de reacção; mostra que as vias nervosas não esião completamente desembara- çadas para permittirem que o estimulo as percorra sem parar qualquer que deva ser o eflêito final;-movimentos reílcxos ou sensações reflexas ideiativas; o processo consciente mostra, em summa, que a physiologia ainda não se tornou mor- phologia; desde que tal se dê, o processo consciente desap- parece ainda que não completa e absolulamenle; apenas o faz quando tem acabado o processo de encarnação, para attender aos logares onde está este em começo, porquanto a consciência acompanha sempre e forçadamente a roçadura 9 do terreno cerebral, emquanlo ignora o resto, a menos que não haja nova combinação a formar (Herzen). De modo analogo, pronuncia-se Janet, cuja doutrina é, aliás, impugnada por De Sareo. Diz este illustre auctor «a modificação dos elementos psychicos em estado normal, em todo estado de consciência (synlhese mental consciente) é producto de uma actividade cctual de espirito a qual une os phenomenos em grupos e em aclos novos, ao passo que o automatismo puro resulta de associações simples e antigas». No indivíduo normal o automatismo psychologico func- ciona simultaneamente com o centro psychico superior e nós não percebemos o seu papel proprio. Assim, para fallar ou para escrever no estado habitual, a linguagem automatica se confunde com a linguagem voluntária e, então, é impos- sível estudal-o. Para isto é necessário que sejam procurados estados physiologicos em que haja uma certa dissociação entre o centro psychico superior e o polygono; uma especie de desaggregação mental superpolygonal, que permitta estudar á parte o funccionamento do polygono, sem pertur- bação do centro psychico superior. Estas condicções se verificam na distracção e no somno. Quando, num momento dado, um homem pensa numa coisa e faz outra, diz-se que elle está distrailido. Isto se dá quando o centro psychico superior está fraco, fatigado, movei, quando abdica a direcção que deve exercer normal- mente sobre os centros polygonaes e também, pelo contrario, quando aquelle centro está fortemente fixado, absorvido por uma preoccupação, por u*na idéa. Em ambos os caso-, ha desaggregação mental entre os centros psychicos superiores e os centros psychicos inferiores. 10 Os àctos executados na dislracção não são voluntários e livres. 11a deste facto vários exemplos. Quem nunca ouviu fallar nestes celebres dístrahidos que fallando á meza vão deitando vinho nos copos até estes se entornarem; ou que continuam a porassucar em umachicara até transformarem o liquido con- tido nel>a numa especie de papa? Conhecemos a interessante historia referida por Erasme Darwin, de uma aclriz qu q tocando, pensava em seu canario agonisante. Ella cantava e acompanhava-se ao piano com muito gosto e delicadeza. 0 seu professor de musica, porem, lê, no semblante d'ella, uma emoção cuja causa não poude conhecer; mais logo, a vê chorar. Só então percebe que, emquanto ella tocava e can- tava, tinha estado contemplando o seu canariosinho querido, que, agonisante, ao principio, cahira morto na gaiola no momento em que, nos olhos de sua dona, brilhavam as primeiras lagrimas. «Quantas acçoes intelligentes e simul- tâneas, diz Janet, commentando este caso.' E tem toda razão o illustre auctor. Com effeilo; essa actriz, como elle muito bem observa, cantava e acompanhava-se ao piano, arrancava do teclado notas provavelmente differentes, e, entretanto, toda sua intelligencia consciente, ella a empregava em seguir as phases da agonia do passaro querido/ E' que ella cantava com o. seu polygono e chorava o seu canariosinho com o centro psychico superior. Dous são os caracteres essenciaes dos actos automáticos realisados durante a distracção: elles não são voluntários e livres e são coordenados, intelligentes e espontâneos. * Não sendo voluntários e livres, claro éque não dependem do centro psychico superior; sendo coordenados intelligentes e espontâneos, não são reflexos. 11 Só entre os espíritos cultos é que se pode observar de Mm modo interessante a distracção. O celebre auctor do «Traité des Sensations» e illustre chefe da escola sensualisla, Condillac, dizia: «ha, de alguma sorte, dous eus em cada homem: o eu do habito e o eu da reflexão» Xavier de Maistre, a quem as lettras francezas devem a publicação da «Jeune Siberienue» e de outras inte- ressantes obras litterarias, descreveu de um modo brilhan- tíssimo esta dualidade do centro psychico superior e do polygono. Seja-nos licito trasladar para aqui as suas palavras: «Notei por diversas observações, diz Xavier de Maistre, que o homem é composto de uma alma e de uma besta. Num dia do ultimo verão, dirigi-me para a côrte: tinha pintado toda manhã, e minh'alma comprazia-se em reflectir sobre a pintura deixando á minha besta o cuidado de con- duzir-me ao palacio do rei. Quão sublime é a pintura, pen- sava minh'alma; feliz daquelle que se impressiona com o espectaculo da natureza!... Emquanlo minh'alma assim reflectia, a outra proseguia o seu caminho, sabe Deus para onde. Ao envez de ir para a côrte, como lhe fora ordenado, tanto se desviou para a esquerda, que, no momento em que miniralma a encontrou, ella estava á porta de M.me llaut- caslel, meia milha distante do palacio real. Deixo ao leitor pensar sobre o que se teria dado se ella tivesse entrado só em casa de tão bella dama. Dou, ordinariamente, á minha besta o'cuidado de pre- parar-me o almoço; é ella quem torra o pão e o corta em fatias. Prepara o café maravilhosamente, e, muitas vezes, prova-o sem que minh'alma intervenha, a menos que não se compraza em vel-a trabalhar. 12 Certo dia deitei a grelha sobre as brazas para torrar o pão e algum tempo depois, emquanto minh'alma viajava tbrmou-se uma labareda. E' um bom homem o cidadão Joanetti (o creado); está acostumado ás frequentes viagens de minh'alma e não se ri das inconsequências da outra; dirige-a mesmo algumas vezes, quando ella está só, de modo que poder-se-hia dizer que ella é então acompanhada por duas almas. Quando ella se veste, por exemplo, elle adverte-me por um siznal, que ella está a ponto de por-me a camiza pelo avesso ou o collete por cima do casaco. Minh'alma diverte-se vendo o pobre Joanetti correr alraz da louca para advertil-a de que tinha esquecido o chapéo, o lenço ou a espada.» Achamos nesta descripção certos caracteres a definir dos aclos automáticos na distraeção: são suas relações com at consciência e com a vontade. Do grao de funccionamento das fibras super-corlicaes ou super-polygonaes dependem serem os aclos de dislracção voluntários ou não e conscientes ou não. Passemos a tratar do somno. E' sabido que «o somno retarda ou suspende a acção do encephalo no que diz respeito âs manifestações psychicas collocadas sob a dependencia da inlelligencia ou da vontade O cerebro dorme no somno, ainda que somente em parte; é facil ver que é o centro psychico superior que descança. O psychimo não é supprimido no somno, persiste em certos somnos ou em certas phases do somno: é uma prova disto a existência dos sonhos. Os sonhos são idéas ou imagens, em todo caso, actos psychicos. Podem apresentar um certo grâo de intelligencia, de consciência ou de juizo, nunca, porém, apresentam a in- 13 tellectualidade superior e a vontade livre. Com effeito, a essencia do sonho é ser absurdo como associações e en- cadeamento de idéas.» A noção de tempo, de duração, de espaço e de tudo que intervem nos juízos elevados, desap- parece no sonho. A pessoa que está sonhando, por mais brilhante que seja a sua intelligencia, admiltirá uma scena passando-se na Bahia, por exemplo, e bruscamenle con- tinuando em Pekim; voará, como se fosse passaro; verá seres phantaslicos; imaginará tomar parte em acontecimentos impossíveis, ou occorridos ha muitos annos; crer-se-ha conversando com pessoas desde muito fallecidas; tirará consequências absurdas dos quadros que a seus olhos se desenrolam, sem se deixar chocar pela incoherencia delias. Com toda razão, diz Maury: «o sonhador não é mais livre do que o é o alienado ou o homem ebrio.» Assim os actos psychicos do somno não são do domínio nem da intellectualidade superior, nem da vontade livre, elles não passam no centro psychico superior; são, porém, intellectuaes, psychicos, pois pertencem ao psychismo in- ferior, ao polygono. As relações dos actos do sonhador com o centro psychico superior, como succede com os actos de distracção, variam segundo os casos. Não raras vezes o indivíduo faz movi- mentos, dá gritos, o que demonstra a existência do sonho e não tem, entretanto consciência disto. E' que, então, as communicações com o centro psychico superior estão com- pletamente interrompidas, centrípetas e centrífugas. Outras vezes só as communicações centrífugas é que estão abolidas, sendo conservadas as centrípetas: Neste caso o indivíduo assiste o seu proprio sonho, mas sem poder in- terrompel-o ou modifical-o. Quando, ao envez disto, as com- municações centrífugas são conservadas, lem-se uma acção 14 voluntária sobre seu sonho para modifical-o e principalmenle para supprimil-o, isto é, para acordar. E' também interessante o estado das communicações sub-polygonaes, estado dos sentidos durante o somno. Si este é muito profundo, toda a communicação com o exterior é interrompida. Pessoas ha que immersas no somno, não acordam por mais que a isto se as excite. Pode-se tocar nellas, sacudir-lhes o corpo, e mesmo feril-as, sem que se consiga fazel-as despertar. Prévost, de Génova, por exemplo, refere o caso de um indivíduo ao qual, durante o somno, queimaram um callo no pé, sem que elle sentisse. Outras pessoas, adormecidas menos profundamente, têm impressões sensoriaes. Assim, o indivíduo que adormece num trem de ferro póde ouvir annunciar as estações; o que ador- mece numa reunião familiar, pode, ao acordar, dizer e provar que ouviu tudo quanto se conversou. Entramos aqui em particularidades extremamente curiosas. As pessoas que dormem e que têm a sensibilidade con- servada nos offerecem o primeiro exemplo das sensibilidades parciaes, systematisadas, electivas, que acharemos na pathologia. Pessoas ha que percebem certos ruidos, certas impressões sensoriaes, e, entretanto, não percebem outras se não mais, pelo menos tão intensas. Deixarão de perceber, por exemplo, o ruido habitual dos trens de ferroem viagem, mas perceberão qualquer ruido novo ou qualquer modificação nesse ruido e poderão mesmo despertar com a suppressão delle. Ha, neste sentido, factos inleressantissimos. Uma creança, por exemplo, tem um sonho agitado, um pesadelo; sua mãe lhe fala e a tranquilliza; o menino, embora continuando a dormir, reconhece a voz delia e cala-se; não ouve, porém4 15 a voz de qualquer outra pessoa. E' este um exemplo da verdadeira sensibilidade elecliva, tal como a apresentam os hypnotisados, que não ouvem e não veem senão certas pessoas. Maury refere a historia de uma mulher que adormecia à tarde junto a seu fogão e ouvia, emquanto dormia, a voz dc seu marido ou de seu filho, mas nunca a de qualquer outra pessoa. Quando a impressão sensorial chega até ao sonhador, se ella não é bastante intensa, para acordal-o, elle pode dirigir, modificar o seu sonho. Conta Maury que, sonhando uma vez, ouviu ruidos de martello e começou a suar:-elle sonhava que tinham-lhe collocado a cabeça numa bigorna e a marlellavam com vontade, fundindo-se ella n'agua como uma cêre molle. As impressões viceraes podem também dirigir os sonhos. As mais digestões fazem sonhar com feridas interiores. Os ver- tiginosos, sonham com quédas; os dyspneicos, com animaes ferozes que lhe pezam sobre o estomago. Os sonhos, ás vezes, desviam-se sob a influencia de cir- cumslancias as mais superficiaes:-consonâncias de palavras, semelhanças de lettras, como nos meninos ou nos alienados* Temos disto um exemplo interessante : Maury sonha com Jardim, jardim, desperta a idéa de plantas; d'ahi elle passa a Chardin que elle encontra no Jardim das Plantas e que lhe dâ um romance de Jules Janin. Num outro sonho elle caminha por uma estrada, estrada desperta a idéa de kilomelro; dahi elle passa para kilogramma e se acha sobre a balança de um especieiro; depois de kilogramma elle chega a ilha Gilolo, vê então uma flôr lobelia, depois o general Lopez e acaba por jogar uma partida de Loto. Todo este estudo faz-se sobre o somno pouco profundo e, ainda melhor, sobre o que Maury chama allucinação 16 hypnagogica, isto é, o meio somno, que se observa no co- meço e no fim do somno completo. O automatismo não se revela somente peia associação de idóas ou imagens e sua successão no sonho; mostra-se também nos actos que podem se produzir no somno. Pode-se automaticamente conduzir uma carruagem, continuar uma viagem a ca-alio, marchar, embora se esteja completamente adormecido. Galien aífirma ler corrido um estádio, num profundo somno; uma velha citada por Maury, dormia e sonhava fiando. Quanto á memória, todos sabemos, por experiencia pró- pria, que ha sonhos dos quaes nos lembramos ao acordar; e outros em que succede o contrario. Ha mesmo casos em que a lembrança do sonho é ião viva, qúe chegamos a perguntar a nós mesmos, durante algum tempo, si realmenle se trata de um sonho ou não. Estes sonhos, entretanto, de que o sonhador não se lembra ao acordar, podem deixar traços na memória; mas somente no polygono e não no centro psychieo superior. A prova disto está neste phenomeno muito curioso :-a volta da memória de um sonho esquecido no curso de um sonho subsequente. Um facto curioso é encontrarem se no sonho lembranças que são depositadas durante a vigilia, mas que o são no polygono inconsciente sem que o indivíduo o suspeite; de sorte que são vistas e reconhecidas em sonho pessoas que o sonhador acreditava nunca ter visto. Maury, por exemplo, vê em sonhos, durante dias se- guidos um homem de uma physionomia particular, tendo no seu porte um certo quê de norte-americano, usando gravata branca e chapéo de abas largas. Esse mdividuo lhe 17 era completamente desconhecido. Mais tarde, porém, acor- dado, Maury o encontra, tal como o vira nos sonhos, num quarteirão onde, antes de sonhar pela primeira vez, cos- tumava ir e onde, cerlamente, o vira, embora não tivesse disto consciência. O que acabamos de estudar se encontra no estado phy- siologico, mas ha, de alguma sorte, um termo intermediário entre este e o estado pathologico, é o que Janet qualificou de miséria psychologica. Na miséria psychologica, os indivíduos ainda não estão doentes; mas tèm um temperamento especial; é o termo mais elevado do grupo que estudamos. Estudo pathologico. Será o somnambulismo um phenomeno normal que possa coexistir com a mais perfeita saude ? Respondemos de modo absoluto pela negativa. Si não fosse isto uma verdade, não se poderia compre- hender como os doentes deixam de ser hypnotisaveis quando melhoram; como tantas pessoas resistem ao hypnotismo. E' facto averiguado por crescido numero de observadores que ós effeitos do somnambulismo nas pessoas de bôa saude são nullos. Sobre este assumpto, com a grande competência que lhe é reconhecida, diz Janet: a faça-se uma experiencia muito simples: tomem-se umas vinte pessoas, de preferencia homens, de trinta a quarenta annos, sans no physico e no moral, não tendo nenhuma herança nem nenhum ante- cedente nevropatha e, sem recorrer a processos fatigantes, que comecem por tornai-as doentes, experimente-se provocar nellas o somnambulismo caracterislico. Si se obtiver estes phenomenos sobre a metade somente de taes pessoas, nós 18 nos renderemos 'sem reluclancia alguma e reconheceremos que o somnambulismo é normal. Mas, essa experiencia não tendo sido Feita ainda, duvi- damos muito do resultado. 0 somnambulismo é um estado anormal distincto dos da vida normal do indivíduo». Antigarnente descrevia-se muito bem o somnambulismo dando-lhe seu sentido etymologico; applicava-se esta palavra ás pessoas que, se levantando à noite, executavam, incon- scientemenle, emquanlo dormiam, actos de que perdiam a lembrança ao acordar. E' o que a escola de Salpetrière, com Charcot, Georges Guinon, Stephanie Feinkind, conserva como variedade, sob o nome de noctambulismo. E' o que J. Franck definia dizendo: ha somnambulismo quando as funcções que pertencem ao estado de vigilia executam-se durante um somno aliás normal. No fim do século XVIII, o mesmerismo com Mesmer e Puysegur, e, mais tarde, o hypnotismo com Braid, desviaram a altenção e fixaram-na, exclusivamente, sobre o somnam- bulismo provocado, artificial, hypnolico. Em 18G0 Mesmet recomeça o estudo do somnambulismo natural, porem, pathologico. Charcot propoz para o somnambulismo a classificação seguinte. physiologico.. Somnambulismo natural SOMNAMBULISMO epiléptico. pequeno automatismo, grande automatismo. Somnambulismo epiléptico espontâneo. crise passag. prolong.i -isolada -transform iSomnambulismo liy itérico pathologico |liysterico- provocado. Somnambulismo hypnotico Guinon, por sua vez, o estuda do seguinte modo: 1.® automatismo comicial ambulatório; 19 2.° somnambulismo hysterico ; 3.° vigilambulismo hysterico (é a historia dos desdo- bramentos da personalidade, como em Felida, observada por Azam). 4.° o noclambulismo (somnambulismo natural). Tudo isto é um pouco confuso, porque o ponto de par- tida das classificações não é preciso. Passemos a estudar o somnambulismo sob o ponto de vista clinico :- as variedades do somnambulism® são, então, baseadas sobre os symptomas e caracteres clínicos. Pode-se depois procurar suas relações com os outros syndromas nervosos, como a epilepsia, a hysteria, a neuraslhenia, a degenerescencia. Ila, então, outra questão; as variedades não serão mais symptomaticas; porem etyologicas ou noso- logicas. Comecemos pelo estudo semeiologico. Quer seja natural, quer provocado, hypnotico ou epilé- ptico, o somnambulismo tem caracteres proprios que .-e faz mister conhecer. Um somnambulo é um indivíduo que marcha dormindo; a herança nervosa representa papel preponderante em seu desenvolvimento. Charcot considera o somnambulismo hysterico como o desenvolvimento exagerado da phase das altitudes apai- xonadas da crise. 0 noctambulismo observa-se muito mais frequentemente entre as mulheres do que entre os homens; entre as creanças e os adolescentes do que entre os adultos. Por isto Giles de la Tourelte o considera como uma manifestação lavrada da hysteria quasi especial áquella idade. Nesta variedade de somnambulismo, o indivíduo levanta-se alta noite, com cs olhos abertos ou fechados, fixos, o olhar 20 inexpressivo, a pupilla immovel, contrahida, marcha sem vacillar alravez dos obstáculos, passa pela janella, sobe ao telhado, nada e si o interrogam não responde. A anesthesia é estendida a todo o corpo e basta, por si só, para que se possa distinguir o somnambulo do doente acordado. Explica egualmente a admiração dos doentes, ao sahirem deste estado, na presença de feridas ou contusões que descobrem no proprio corpo. Os sentidos, entretanto, não estão fechados porque os somnambulos leem, cantam, gritam, faliam, conversam, vão e vêem sem darem encon- trões nos objeclos que o cercam, afastam com as mãos as pessoas que põem obstáculo à sua passagem, mas a acti- vidade psycho-sensorial se encerra em limites muito res- trictos, por isto que não se exerce senão no sentido do sonho que domina lodo estado rnorbido. Elles não vêem, ou antes vêem apenas certas coisas ou certas pessoas. E' um phenomeno muito curioso e capital no somnam- bulismo, vulgarizado hoje pelo somnambulismo provocado, o da visão electiva localisada sobre certas coisas. O caso de Castelli, melhor que outro qualquer, mostra que o somnambulo só vê certas coisas que têm relações com seu sonho. Dormindo elle trabalha alumiado pela luz da cadeia que elle proprio accendeu. Apagam essa luz; elle espanta-se e vae, ás apalpadelas, accendel-a de novo, na cosinha, muito embora em torno a si existam outras luzes a illuminar o aposento em que elle se acha e que elle crê em trevas, só porque a luz de sua candeia foi apagada. 0 doente de Lépine só ouve os ruidos que executa, e o de Brierre de Boismonl. só ouve a conversação que têm relações com seu sonho! E' geralmenle conhecida a destreza com que os som- nambulos correm pelos telhados, ou por cima de um muro 21 qualquer. E' que elles só vêem, só ouvem, só sentem aquillo que tem relação com sua idóa, com o sonho que elles pro- seguem. Ha amnésia ao acordar. Numa segunda crise, lembra-se o somnambulo do que se passou na primeira. Um doente de Guinon, durante uma crise escreveu doze paginas; tres dias depois, soffrendo um novo ataque, con- tinuou a escripturação interrompida sem que lhe fosse dada indicação alguma, numerando dividamenle a primeira pagina que então começou a escrever e collocando no alto delia, a ultima palavra da ultima pagina escripta, por occasião da primeira crise. No dia seguinte o mesmo phenomeno se produziu; emfim, vinte dias depois, elie se lembra ainda da pagina escripta, numera-a sem errar, traça no alto delia a ultima palavra que escrevera quasi tres semanas antes. 11a mesmo durante o somno, um esboço da memória do estado de vigilia. Si o somnambulo não se lembra do que , fez durante a crise, póde, entretanto, neste estado, lembrar-se do que se passa no estado de vigilia; assim o indivíduo somnambulo vai matar o indivíduo a cuja vida desejara por termo durante o estado de vigilia. Os actos que acompanham o somno somnambulico, são em geral, actos habituaes do indivíduo. Os somnambulos fazem sempre os actos professionaes. Os actos são coor- denados, não são simples reflexos e implicam um certo grão de memória, e por conseguinte de consciência. Mas não é a consciência completa, com liberdade e responsabilidade. Foderé diz que os somnambulos são plenamentes res- ponsáveis, porque elles commettem no somno, o crime em que pensavam durante a vigilia. E' uma theoria metaphysica perigosa, que não repousa sobre a observação. 22 Depois de termos estudado o somnambulismo sob o ponto de vista clinico, passamos a fazel-o sob o ponto de vista psychologico. Differenles caracteres têm sido proposto para se reco- nhecer o somnambulismo. Janet, depois de os expor e discutir, elimina-os. Tratemos dos caracteres physicos. A maior parte dos antigos magnetisadores consideravam a insensibilidade absoluta da pelle como sendo a regra constante e o signal indubitável do somnambulismo. Ao contrario disto, porém certos somnambulos são aneslhesicos fora das crises e podem tornar-se sensíveis durante a crise. Os mesmos autores ainda assignalam, si bem que mais rarament% como caracteres do somnambulismo a ausência completa da deglutição durante certos estados somnambulicos (Barognon). A maior parte dos somnambulos comem, bebem, sem nenhuma pertubação em seu somno. Ha mesmo hystericos dysphagicos no estado de vigilia, que engolem muito bem na crise de somnambulismo. Outros affirmam que os somnambulos se caracterisam pelo facto de terem os olhos fechados. Tem-se, entretanto encontrado um grande numero de somnambulos com os olhos abertos; não os olhos amaurólicos, olhos que não vêem. Despine admitte que o olhar tem sempre um caracter inleiramente particular e distincto. DizVlle, com eíleito: «os olhos são abertos; as pupillas dilatadas, ficam immoveis á acção da luz; a conjuncliva insensível, não sente a neces- sidade de ser lubrificada pelas lagrimas, lambem o pesta- nejar das palpebras é supprimido, ou. pelo menos, muito raro». Despine julga este caracter tão importante que pre- tende, pela simples inspecção dos olhos descobrir as fraudes tentadas por um falso somnambulo. 23 Janet não partilha dessa convicção de Despine. AÍTirma elle que certos somnambulos não só tem os olhos abertos, mas ainda se derigem pela vista; levados a logares que ante- riormente á crise não conheciam, elles se reconhecem alli. Conta Janet ter mandado Lucia, varias vezes, em pleno somnambulismo, fallar com pessoas extranhas e que não estavam prevenidas acerca doestado em que ella se achava, ellas julgavam-na sempre uma pessoa normal. Segundo a opinião de Charcot, o que caraderisa o som- nambulismo provocado é a contractura particular que se desenvolve nos musculos, depois de uma fricção superficial ou mesmo uma simples insufílação sobre a pelle. Este ca- rácter, entretanto, falta na maioria dos casos Concluiu Janet que nãb ha signal physico para caracte- risar o estado de somnambulismo, pois que, sendo elle um estado psychologico, não pode ler senão um caracteristico psychologico. Acha então, os caracteres essenciacs, no es- quecimento ao acordar e na memória alternante. No somnambulismo a memória obedece a ires leis ou caracteres:- l.° esquecimento completo durante o estado de vigília normal de tudo que se - passou no somnambu- lismo; 2.° lembrança completa, durante um somnambulismo novo, de tudo que se passou nos somnambulismos prece- dentes; 3/ lembrança completa durante o somnambulismo, de tudo o que se passou no estado de vigilia. Esta lei apresenta muito mais excepções e irregulari- dades do que as duas precedentes, tão geraes e tão im- portantes que podem ser consideradas como o signal ca- racteristico do estado de somnambulismo. Erasme Darwin refere o caso de um somnambulo cujas crises formavam uma serie tão nitida e ao mesmo tempo ão differente da serie das vigílias que seus parentes acre - 24 ditavam que elle tinha duas almas. Ao tratarmos do somno deixámos descriptos factos analogos: -esquccimenlo do sonho ao acordar e memória do sonho no sonho seguinte. Factos analogos têm sido assignalados na embriaguez pelo opio ou pelo álcool, principalmente nesta ultima. 0 ébrio esquece, dissipada a embriaguez, o que fez sob a influencia delia. E' bastante elucidativa a observação seguinte: Um negro completamente ebrio, furta os instrumentos da ci- rurgia do Dr.-Kenleman, no dia seguinte sustenta que não tocou nelles e debalde os procura sem poder achal-os; dois dias depois encontram-no ebrio de novo e falam-lhe a res- peito do desapparecimenlo dos instrumentos; elle reílecle, parle, e, apezar da obscuridade, vae direito a uma caixinha onde os havia deitado durante a sua primeira embriaguez e onde os encontra. Assim como certos sonhos são presentes á memória si o somno foi ligeiro e brusco o despertar, assim também certas partes do somnambulismo podem ser recordadas, embora seja isto uma excepção, ao acordar o somnambulo, princ;palmente si isto succedeu bruscamente. Em summa, como ensinavam os antigos magnelisadores, ha duas vidas muito dislinclas, ou pelo menos duas maneiras de ser na vida dos somnambulos: «o somnambulismo é uma segunda exislencia que não tem outro caracter senão ser segunda» como diz Janet. Grasset não vae tão longe. Em sua opinião, as crises constituem, evidenlemente, um estado segundo no indivíduo, estado que tem sua memória distincta e que elle chega, em certos casos, a considerar como um desdobramento da personalidade ou vigilambulismo. Bouchard diz: «Estes indivíduos são verdadeiros am- phibios psychicos em que duas personlidades distinctas se 25 ignoram reciprocamente : o estado primeiro cvolúe indepen- dentemente do estado segundo e vice-versa.» Em 1854, já Bellanger linha referido a historia de um somnambulo dotado de uma dupla existência intelleclual e moral. Azam, em sua obra sobre o hypnotismo e a dupla consciência, conta, entre outras, a historia de Felida que, em sua vida normal, não se lembrava do que se tinha nassado no estado segundo, totalmente diíTerente. Bourru e d irot, J.Voisin, Dufay, Osgood, Mason, Caramanna, Girolammo, Charcol, Guinon, Bernheim, Ribot, Janet, Laurent, Binet, etc., têm citado interessantes exemplos. 0 Dr. Hubert Mayo cita um caso de quíntupla memória; o estado normal do sujeito era interrompido por quatro variedades de estados morbidos dos quaes elle não conser vava lembrança ao acordar; mas cada um destes estados apresentava uma forma de memória que lhe era própria. Ao lado destes desdobramentos da personalidade se tem querido collocar certas variedades de amnésias, dietas retro-anterogradas, das quaes se achavão exemplos nos factos citados por Charcot, Sougues, Seglas e Bonnus. Mas estes factos do desdobramentos da memória, devem ser estudados com as alterações desta. Desde que falamos em desdobramento da personalidade, vamos tratar de uma forma que é caracterisada pela bizarra mudança da personalidade, chamada zoanthropia: os doentes em certos casos abandonam, como é sabido, a própria in- dividualidade e julgam-se transformados em animaes diversos. Dulil escreve admiravelmente a historia da mulher gato. Trata-se de uma hysterica que leve ataque de convulsões, com grandes movimentos e interrompidos, de tempo em tempo por um arco de circo typico. Ella gostava muito de animaes e tinha em seu aposento cães, gatos, etc. Um dia, 26 brincando com um gato, foi mordida na mão esquerda que inflamou-se conservando-se assim de tres a qualro dias. Logo no dia immediato ao accidente ella foi accomcllida de ataques convulsivos precedidos de uma aura classica» com grandes movimentos, arco dc circulo, etc. Os ataques, a principio sem delirio, foram, depois, acompanhados dc delirio, galeanthropico. Ella põe-se de q ialro pé<; corre; salta sobre as cadeiras, mia etc. Terminado o ataque ficava a pobre mulher espantada e não linha conhecimento lo quo se havia passado. Quanto ao desdob amenlo da personalidade tem-se dis- cutido sobre o facto de saber se a personalidade segunda é igual ou inferior á personalidade do estado de vigili?. Alguns admiltem que a personalidade segunda é superior; outros combatem este modo de ver. Do numero dos últimos é Grasset que não admille nem essa superioridade, nem mesmo igualdade. Em sua opinião, a personalidade segunda é absolulamente inferior á outra; é uma personalidade doente, palhologica, anormal; ao passo que a personalidade acordada é physiologica. Elle não admille lambem essa expressão de desdobramento da personalidade, que implica ma idéa de igualdade. «A se querer fazer todas essas pessoas iguaes, a se admillir desdobramento e divisões muito maiores--Ires e qualro-da personalidade, então çupprima-se a unidade da personalidade e do eu » Janet admitle que, assim como, os grupos de imagens podem fazer personalidades distinclas, assim lambem <os somnambulismos são exislencias deste genero, tendo sua memória e sua personalidade particulares... Os systemas de elementos psychologicos parecem ter assim sua vida própria, como cada elemento em particular, e é esta vida 27 de um syslema psychologico que constitue as personalidades differenles e os diversos somnambulismos.» Grassei diz que é proprio dos centros psychicos inferiores, o poderem ser dissociados, desaggregados, separados. «Isto é proprio, sim, do polygono, mas nào o é do centro psychico superior, cuja personalidade livre e consciente é uma, e não pôde ser dividida. As personalidades ns. 2, 3 ou 4 são muito differentes da personalidade numero l,que é a unica verdadeira.» 0 grande caracler que não se põe muito em luz é que á personalidade da crise falta, ao mesmo tempo, a intelle- ctualidade superior e a liberdade com responsabilidade moral. 0 somnambulo faz actos intelligentes, mas não faz nem a invenção, nem juizos elevados ou novos; não tem senão lembranças ou reminiscência. Do mesmo modo o somnambulo não tem nenhuma liberdade nem nenhuma responsabilidade moral. A vida da crise é a vida do polygono, ao passo que a vida da vigilia é a vida psychica superior. Eis aqui a ver- dadeira caraclerislica do somnambulismo. (Grassei)» Como no somno e na distracção, lambem no somnam- bulismo, ha desaggregação mental, sendo interrompidas as communicações entre o centro psychico superior e o polygono. Não é tudo; veremos que estas communicações são in- terrompidas em muitos outros estados que não são o som- nambulismo. E' preciso um segundo elemento para constituir a crise de somnambulismo; é preciso uma crise de actividado anormal, palhologica do polygono. No indivíduo são, ha desaggregação mental no somno ou na distracção; porém o indivíduo não se move. No somnambulismo ha, alem da desaggregação mental, a crise 28 da actividade automatica que é senão exclusiva, pelo menos principalmente localizada no centro motor kinetico. «0 somnambulismo é, pois, uma das formas da desag- gregação mental, pathologica, uma forma especial caracte- risada pela actividade do centro motor kinetico. E' mesmo esta actividade do centro motor kinetico separado de suas connexõese de suas verificações habiluaes, queé o elemento constante c caracleristico do somnambulismo.» A desaggregação mental (cessação das communicações com o centro psychico superior), é habitual, mas não necessariamente total; testemunbam-no estes casos ex- cepcionaes em que o indivíduo recorda-se do seu som- nambulismo e tem, de alguma sorte, consciência: é que o indivíduo, nestas condições, guardou algumas communicações centrípetas do polygouo com o centro psychico superior. E' necessário distinguir as impulsões mórbidas à deam- bulação, dos casos de n archa ou de fuga, que sobrevêm durante o curso de um accesso de somnambulismo. No somnambulismo natural a marcha occorre sempre á noite e o periodo de inconsciência ó, em geral, de pouca duração. 0 indivíduo dormiente levanta-se e é, como em um sonho, que elle marcha e executa os aclos da vida ordinaria. No somnambulismo provocado ha o esquecimento, ao acordar o somnambulo, de tudo quanto se passou no acto realizado. No somnambulismo a imaginação é exaltada, ha, em geral, insensibilidade exterior; é possível a apreciação do tempo etc. signaes que não se dão nos casos de automatismos consecutivos as impulsões à deambulação. Alem disto, como o demonstrou Gharcot, o somnambulismo natural se observa muito mais frequentemente entre as mulheres do que entre 29 os homens, entre as creanças e os adolescentes do que entre os adultos; entretanto estas leis são invertidas no automatismo ambulatório verdadeiro. Poderá ser difficil fazer-se a distincção nos casos de automatismos ambulatórios sobrevindos a noite, que, aliás são raros. Mesmo neste caso, o erro será de pouca im- portância, aadmillir-se com Trousseau, que todos os accessos nocturnos, devam fazer concluir-se pela existência da epilepsia. Com elfeito ha uma epilepsia nocturna durante a qual a im. pulsão deambulatória pode attingir ao indivíduo delia affectado; nestes casos a confusão será possível. Ainda não determinaremos, por ora, a verdadeira natureza do automatismo pathologico, consecutivo as impulsões á deambulação; fal-o-hemos, depois de haver tratado de diversos estados automáticos, nos quaes a marcha pode ser encon- trada, independentemente da existência de impulsão â deambulação. Estudos feitos sobre as emigrações, têm demonstrado a predominância da necessidade de movimentos em ceilos indivíduos, mesmo em certas raças. Os especialistas na matéria de que nos occupamos, têm distinguido e, estudado com attenção, os casos dos indivíduos a que puzeram a denominação de nevropalhas viajadores. Attribuem á influencia hereditária as bruscas partidas e as viagens longínquas por estes de repente emprehendidas sem razão plausível,- ou sob pretexto completamente desar- razoado. Essa necessidade de marcha, esse amor ás viagens, têm uma causa definida e é, de alguma sorte, o primeiro gráo que nos permittirá chegar â alteração mórbida que queremos descrever. Ha lambem febris, loucos, dementes, tomados dessa invencível necessidade de marcharem. 30 Também o grupo das amnésias traumaticas fornece disto numerosos exemplos. Depois de um choque sobre a cabeça, que tenha deter- minado uma commoção cerebral, não é raro sobrevir um estado amnésico, ma:s ou menos profundo e mais ou menos prolongado, acompanhado de automatismo ambulatório. Entre os casos mais brilhantes desta calhegoria, occupa legar saliente um que foi levado ao conhecimento d i « Socie- dade Medico-Psychologica de Paris» pelo Dr. Houillard. Eil-o: Uma mulher, M.e T., que desde muitos atmos exercia a profissão de parteira, eslava prestes a completar o seu undécimo lustro de exislencia. Nunca sofirera de afiecç.ão nervosa alguma. Certa noite, porém, sabindo, a chamado, para fazer um parto, cahiu de um dos últimos degráos da escada de sua moradae perdeu os sentidos. Durou um quarto de hora o estado de inconsciência. Quando tornou a si, M.e T. pedia um pouco de agua assucarada com doze gottas de arnica. M. C. que tinha vindo chamal-a de parle da par- turiente, perguntou-lhe então si, apezar do accidente, ella podia ir fazer o parto.-Vamos; foi a resposta que, levan* lando-se, deu-lhe M? T. Depois de andar quasi um kilometro, ella chega a «La Chapelle;» loca a parturiente e diz-lhe: « d'aqui ha duas horas dareis á luz uma creança; vou me deitar um pouco em vosso leito; antes, porém, de o fazer, dai-me um pouco d'agua fresca e de arnica. » Em seguida põe uma atadura em si própria: ella tem uma enorme contusão ecchimotica na fronte e na bochecha e mal pode abrir o olho direito. No fim de uma hora, levanta-se. A parturiente soílre muito, dá gritos. M.e T. faz que ella se deite e prepara tudo. 31 0 parlo se fez normalmente às cinco horas e meia, como M.8 T. havia predicto. Ella prestou seus serviços com intelligencia, praticou o toque vaginal varias vezes, sus- tentou o periceu durante a expulsão do feto, poz duas ligaduras no cordão e cortou-o ; lavou o menino e o enxugou, untou-lhe ligeiramente a cabeça com oleo, collocou um penso no umbigo e uma atadura sobre o penso, cm seguida vestiu a creança e enfaixou-a. Fez o delivramento; examinou a placenta; estendeu as membranasi Depois lavou a recemparida, enxugou-a e disse: agora dai-me alguma coisa para beber. Senlou-se, tomou chã e conversou com as pessôas presentes, mas repetindo sempre a mesma coisa. Mais tarde a parida se queixa e reclama a assistência da parteira « vamos» disse M.e T. e levantou o panno. Então foi esta tomada de um violento frio e fechou os olhos. Depois abriu-os e viu a scena que diante delles se apresentava- Ficou espantada; não conheceu onde estava; mal reconheceu os assistentes, pessoas, aliás, que conhecia havia muito. Ficou surprehendida por ver uma grande bóssa na própria fronte e experimentou uma perturbação dos movimentos do lado direito. Temendo haver commellido algum erro durante este periodo de inconsciência, ella despiu o recemnascido que achou muito bem arranjadinho; constatou que o delivra- mento fora bem feito e que nenhum detrito da placenta se achava na cavidade uterina. Apezar deztodos os seus esforços, ella não poudese lembrar do que linha feito durante o periodo de cinco horas e meia. Vários casos deste genero tão caracleristico são mencio- nados na these de Guillemaud, composta no laboratorio de medicina legal de Lyoa. 32 Vamos apenas asSignalar o automatismo puro e simples que se encontra na epilepsia, como o attestam os trabalhos de Trousseau, Bourneville, Bricon c Feré. O epiléptico pode execifar aclos automáticos, antes, durante e depois de seus ataques. Trousseau cita o caso de um juiz que durante as audiências levantava-se, ia urinar na sala do conselho e voltava a se sentar, sem lembrar-se do aclo que acabava de praticar. Outros, antes do suas crises, sabem de casa e se põem a marchar até cahirem por terra, viclimas de convulsões epilépticas. São, como diz Charcot, casos de automatismo tranquillos. Impulsão mórbida é uma força irresistível que arrasta o indivíduo sobre o qual age, á pratica de certos actos. Estas impulsões são verdadeiras entidades palhologicas que determinam instantaneamente a marcha ou a fuga aulo- matica inconsciente. Seja o indivíduo atlingido de automatismo comicial ambu- latório ou de automatismo hysterico, parte inconsciente- mente, em linha recta, obedecendo ã força que o impelle, sem poder modificar ou deter o movimento. Foi isto assi- gnalado por Jlyppocrates e tem sido tratado por auctores modernos, que se têm occupado com a epilepsia. Legrand du Saulíe apresenta vários exemplos em seu tratado de medicina legal. Charcot toma um caso de automatismo comi- cial ambulatório como assumpto de uma de suas lições de Mardi c lançando o primeiro marco para o diagnostico desta alteração psychica considera-a como um syndroma epileplico. Elle constata a instantaneidade e a inconsciência do aclo e explica a sua affirmação pela efficacia do tratamento bromurado que aífasta os accessos e os faz mesmo desap- parecer. 33 A these de Tissié sobre os alienados viajadores encerra muitas observações, como a de Gehin. Na Italia, diversos professores se lèm occupado do caso: Entre elles mencionaremos Borri, Funajoli, Simplici, Corrado Ferranini. O professor Jaunchen, de Vienna, num artigo inserto, no «Viener Medizinische Wochenschrift» de 1887, relata a frequência das impulsões á deambulação, que elle chama estado epileptoide e faz sobresahir a importância medico- legal no ponto de vista da deserção. As experiencias de Duponchel têm contribuído para fazer admittir-se esta forma especial de impulsão e suas obser- vações têm trazido muita luz á questão. A expressão automatismo comicial ambulatório foi geral- mente acceila. A determinação mesmo da causa e a definição restricta que resultou, foram consequências de uma confusão que logo se esclareceu, quando certos clínicos publicaram observações em que a epilepsia não podia de modo nenhum ser considerada como causa determinante do estado morbido. Jules Voisin apresentou, em diflerenles sessões da socie- dade medico-psychologica, doentes tendo realisado fugas ambulatórias instantaneas, inconscientes e nos quaes se achavam todos os signaes caracleristicos da hysteria sem que se pudesse descobrir nenhum symptoma de epilepsia. Foi nesta epoca, que Duponchel, estudando o que Tissié denominou - os captivados - creoú o determinismo ambulatório. Achamo-nos, pois, actualmente, em presença destas duas expressões: o automatismo comicial ambulatório e o deter- minismo ambulatório. E' para mostrar a analogia existente entre elles que Tissié agrupa todos os factos sob a denominação geral de automatismo ambulatório. 34 Mas, como vimos pelos exemplos que demos no começo deslc capitulo, esta expressão não pode servir de caracle- rislica ao estado que descrevemos. A impulsão tem, para nós, uma importância tão grande como o automatismo e é por isto que lhe assignalámos o primeiro logar. Era necessário, porém, repetirmos, para que nenhuma confusão fosse possível, que a impulsão á deambulação se encontra também no automatismo comicial ambulatório, como no determinismo ambulatório. As im- pulsões mórbidas à deambulação têm, por consequência, cm todos os casos que estudámos, um automatismo total; eliminámos, depois da descripção, lodos os casos de auto- matismos parciaes que assignalámos, nos quaes a consciência subsiste, ccmo em sua lhesc inaugural diz Frenkel, mas, em que os actos que são de ordinário conscientes, escapam. 0 automatismo total que succcde ã 'impulsão mórbida, «nunca se encontra no estado normal e são sempre expressão de uma perturbação mental.» CAPITULO II Frequência das impulsões á deambulação na epilepsia, na hysteiúa, na neuraslhenia, nos perseguidos migradores, nos dypsomanos, nos paralyticos geraes, ele., e nos traumatismos I.° EPILEPSIA automatismo comícial ambulatório pertence ao pri- meiro grupo da classificação de Gehin. O primeiro pensamento que se tem, depois da leitura das observações deste capitulo, é que se trata do loucos. Pitre discute e afasta esta hypolhese. A prova de que não se trata de um abenado vulgar, é que, fóra das fugas, goza o doente da plenitude do suas faculdades intellecluaes e affectivas, e não tem nenhuma idéa delirante. «E' certa- mente um doente, e u n doente do psychismo, porém não é um alienado ordinário. » As impulsões à deambulação são muito frequentes nos epilépticos. Encher-se-iam volumes apenas com a lista das observações até hoje publicadas a este respeito. Para provar esta frequência, bastará o resumo das observações que se seguem, escolhidas dentre a ma:s concludentes e mais ricas em aventuras. Janchen, de Vienua, parlirularisou seus estudos sobre o que denomina «os estados epileploides », e, folheando os 36 relatórios da commissão dc saúde militar que funcciona em Vienna desde 1857, cerliíicou-se de que, mais de uma vez, a commissão teve de emillir sua opinião sobre casos seme- lhantes aos que relatamos. Elle encontrou 176 processos criminaes militares, dentre os quaes 23 complicados de deserção, nos quaes havia uma correlação manifesta e intima entre o estado epíleptoide e a falta commetlida. Em todos estes casos, diz elle, o accu- sado se acha cm presença de uma necessidade periódica e invencível de abandonar o logar em que está, de fugir e marchar ao acaso. Eis a origem da deserção. « Muitas vezes esta necessidade se manifestava isoladamente; na maioria dos casos, porém, havia phenomenos concomitantes que a tornavam ainda mais imperiosa. Os culpados, em gerai, sabiam se orientar muito bem quanto á hora e a direcção, porém, muitos delles asseguravam ter, no começo, apenas noção vaga dos homens e das cousas, se bem que, mais tarde, tivessem a sensação de sahir de um sonho e recu- perassem a liberdade plena de seu espirito». Nós nos julgamos auctorizados, pelas observações que se seguem e que demonstrara todas evidenlemente o papel que goza a epilepsia na impulsão mórbida, a considerar a impulsão á deambulação, do mesmo modo4que as impulsões ao roubo, ao assassinato, ao incêndio voluntário, etc., como podendo servir de symploma revelador da epilepsia larvada. Em ambos os casos, a manifestação do estado epíleptoide é a mesma e deve levar ãs mesmas conclusões. 0 que é necessário sobretudo notar, é a penúria, na maior parte dos casos, de symptomas outros que possam levar ao des- cobrimento da moléstia original. Postos de lado os antece- dentes hereditários e alguns signaes particulares, a impul- são parece existir isoladamente. Baseados no que dizem 37 Charcot, Jules Voisin, e Cbantemesse, podemos, até certo ponto, estabelecer como principio que o estado epiléptico se manifestará muitas vezes apenas pela impulsão á deam- bulação e que esta impulsão deverá servir, por si só, de base ao diagnostico e ás conclusões medico-legaes, se se observam a sua espontaneidade, inconsciência e olvido. Do exame das observações, podemos tirar algumas con- clusões geraes e, sobretudo, salientar um certo numero de causas adjuvantes que intervêm na apparição da impulsão. Em quasi todos os casos, nos achamos em face de here- ditários cujos ascendentes foram epilépticos, paralyticos geraes, ou loucos. Em geral, a tara fica em latencia até á idade madura, para um dia se revelar bruscamente pela impulsão. Mas. para que a impulsão se dê, faz-se necessário que um certo numero de causas occasionaes, physiologicas ou moraes, tenham logar. E', incontestavelmente, a influen- cia das privações, das decepções, dos desgostos, etc., como a dos excessos de toda natureza; alcoolismo, onanismo, etc., ou um faclor pathogenico sob o ponto de vista cerebral, que, enfraquecendo o indivíduo, diminuem sua força de re- sistência á diathese e preparam a apparição da impulsão. Grasset procura explicar, nos seguintes termos, o motivo pelo qual se apresenta a impulsão á deambulação de pre- ferencia a uma outra qualquer: «No automatismo ambula- toiio, ha crises caracterisadas pela actividade exagerada dos centros automáticos motores. E' principalmente o centro kinetico que está em jogo: assim se explicam a deambu- lação e os movimentos diversos; mas, está lambem o centro da palavra articulada, o que explica o poder em certos via- jadores pedir bilhete de caminho de ferro. Não nos importemos com as hypotheses e vamos estudar apenas a constatação do facto, que é o essencial. 38 0 indivíduo, impelhdo por uma necessidade irresistível de andar, parte inopinadamente sem direcção e sem um fito. Nuns, ha inteira inconsciência, automatismo completo; os actos realisados durante a marcha, não são percebidos pelo centro psychico superior; noutros, ha um estado sub con. sciente, de sonho palhologico, no decurso do qual os obje- ctos exteriores deixam, na memória, apenas reminiscências. Grasset, diz que, nestes cases, a desaggregação super-poly- gonal é completa: as communicaçõ 's super-polygonaes e super-corlicaes são abolidas, lia então esquecimento com- pleto ao acordar. Em ambos os casos «o homem machina substitúe o homem reíleclido e voluntário». 0 doente, ver- dadeiro aulomato, marcha cm frente, sem coordenar os movimentos, seguindo pelos caminhos que estão mais em relação com a direcção primitiva, sem deliberação previa e só para, quando volta a si tomando posse de sua perso- nalidade, sem que se estabeleça nenhum estado intermediá- rio de transição. Este despertar, de alguma sorte espontâneo, é, em geral, consecutivo a um ruido ou a uma emoção violenta. Assim é que vemos o doente de Charcot desper- tar no Sena, onde acabava de dar um mergulho, ou ao som de uma musica militar. As impressões sentidas neste mo- mento variam com o caracler do indivíduo, porém, os dous signaes mais frequentes são o espanto e a fadiga. 0 epiléptico acha-se moido de fadiga, morto, em geral, à fome e á sede, perguntando a si proprio em que logar se acha, como e porque para alli veio. Não conserva nenhuma lembrança dos actos executados durante a viagem. Sua repre- sentação é de tal modo enfraquecida, como diz Tissié, que delia não resta mais traço quando volta a razão. Os actos executados durante o período de inconsciência podem ser coordenados, tender mesmo a um fim sem que 39 o doente o perceba; nestes casos é o habito que lhes serve, de guia. Ern lodos estes indivíduos, «a representação adqui- rida, quasi suppressa, cede o togar à representação instin- cliva». Dahi, actos automáticos, mas tendo, no emtanto um cunho individual, segundo o estado de espirito habitual do indivíduo. Men S...., cuja historia se acha resumida na observa- ção I, durante um período de inconsciência que durou oito dias, viaja de Paris a Brest. Portador de 700 francos, sabe guardar seu dinheiro, e suas despezas são conformes ás que leria feito no estado normal. A melhor prova de que seus aclos se assemelhavam aos de um homem são de espi- rito, é que elle poude viajar assim, oito dias, sem despertar a atlenção das pessoas que o cerravam ou com que eBe se achava. Mas, não menos verdadeiro, é que o epiléptico auto- mato pode, ao mesmo tempo, ser dominado por outras im- pulsões que vêm se intercalar e disto podemos citar numerosos exemplos. Durante a fuga, não vimos o doente da obser- vação XV, falsificar uma escriplura; o da observação X, dar uma facada numa prostituta ? Terminando, diremos que é preciso notar-se que a im- pulsão á deambulação é sobretudo um phenomeno de sub- stituição do ataque de epilepsia. Facilmente comprehende-se qual seja a importância de sua constatação, debaixo do ponto de vista clinico e medico-legal. Concluiremos com Frenkel «que o automatismo comicial ambulatório que é delle a resultante, apresenta um typo cli- nico na actualidade perfeilamente caracterisado, que esta variedade de automatismo merece tanto mais attenção, quanto era, até estes últimos ânuos, desconhecida e que é de natureza a fazer absolver muitos doentes culpados de 40 vagabundagem, de roubos, de altenlados ao pudor, de homi- cídios, etc.» OBSERVAÇÃO I (CHARCOT) Mén S.... 37 annos, casado, pae de dous meninos fortes, Antecedentes hereditários e pessôaes nullos. Exerce a pro- fissão de entregador de mercadorias; empregado perfeito. Aos 15 de Maio de 1887, parte da rua de Amelot onde habita seu patrão, ás 8 horas da manhã, para ir fazer uma cobrança na avenida de Villiers. Lembra-se de ler tomado o omnibus, de ter visto a tabolela da casa para onde ia; eis tudo. A partir deste mmnento, a noite se fez em seu espi- rito; não executou acommissão de que estava encarregado e se achou, 1 i horas depois, na praça da Concorde, muito fatigado, com os sapatos usados, tendo, provavelmente, marchado sem descanso, e conservando, como uma vaga lembrança, a crença de ter passado no Monte-Valerien. A segunda fuga produziu-se no mez de Julho seguinte. Foi a Passy fazer uma entrega de candelabros. Antes de entrar, tem a idéa de ir visitar a torre de Eiffel, então em construcção : a partir deste momento perde a consciência de seus actos durante dous dias e duas noites- e se acha no Sena, tendo ao redor de si policiaes civis que o viram lançar-se da ponte de Bercy e que desceram a ribanceira para salval-o. Durante esses duus dias, tinha comprado tabaco e tomado um bilhete de caminho de ferro. No posto de po- licia, lhe fizeram pagar excesso porque tinha passado a estação. Seu relogio trabalhava e marcava exaclamenle o momento da prisão. Elle tinha, pois, dado corda no relogio todas as tardes, como muitos o fazem, sem pensar nisto. 41 Terceira fuga, no mez de Agosto. Elle perde a consciência em Paris e se acha em Claye, perto de Meaux, (sete horas de Paris). Ahi acorda, pede um beef-steak n'um restaurante paga-o, porém, não o come; bebe café, põe assucar no bolso, perde a consciência, e se acha em Paris sobre a ponte (TAsnières. E' descoberto ahi, olhando alegremenle o Sena, por um pescador de linha. De 1887 a 1889 sendo elle Iralado por Bark, os accessos abortaram; cessão tratamento em Setembro de 1888. Eis aqui uma fuga que gravará completamente o quadro destas crises. Sexta-feira 18 de Janeiro, depois de ter feito vários cursos, vae, em ultimo logar, á rua Maxagran. Entra em casa de um banqueiro, recebe dinheiro, depois osquece se de tudo. Não torna a tomar a carruagem que tinha alugado e cujo cocheiro esperou em vão. Acorda a 26 de Janeiro, ás 2 horas da tarde, depois de oito dias menos cinco horas, ou cento e oitenta e nove horas, deste estado. Acha-se, então, n'uma cidade que não conhecia. No mesmo momento, passava um regimento com uma musica na frente, o que o tinha talvez acordado. Não ousando perguntar o nome da cidade, em que se acha, para não ser tomado por ura louco, pede a um dos transeuntes para lhe indicar o caminho da estação. Ahi, vê o nome de Brest. Não estava sujo, não tinha seus sapàtos usados; tinha, pois, devido vir em caminho de ferro, comer.... etc. Vem-lhe a idéa de contar o di- nheiro : tinha recebido 900 francos por seu patrão; restavam setecentos; tinha gasto 200 francos e não sabia como. Sentia fome atroz e sêde ardente; dirigiu-se para um restau- rant visinho onde almoçou, depois ia enviar um despacho a seu patrão; porém, temendo uma nova crise, avisou infe- lizmente a um gendarme e se poz sob sua protccção. Contou a sua historia, mostrou os seus papeis, e mesmo a declara- 42 çào que Charcoí sempre lhe recommendara trazer comsigo e na qual linha escrip|o: crises comiciaes de forma ambu- latória. Eis como elle conta o que em seguida se passou. <0 gendarme leu a declaração e disse: «conheço isto»; e conduziu-me para o pôsto. Ahi tomou a minha carteira e rasgou para ver se continha algum compartimento secreto; depois correu todos os meus bolsos muito brutalmente. Então lhe disse: vejo que vós me tomaes pyr um ladrão, eslaos em erro; fui eu quem vos procurou e quem vos disse que tinha dinheiro, em meu poder; enviae um despacho a meu patrão, elle dará informações e vós corrigireis vosso erro. « Pois bem, conheço tudo isto, respondeu elle, veremos»; e foi-se embora deixando-me n'uma prisão onde não tinha nem mesmo palha para me deitar; foi ahi que passei a noite. Enviaram um telegramma ao meu patrão e este que me co- nhecia ha pouco tempo, telegraphou no dia seguinte: «man- tende a prisão; o dinheiro que elle leva é meu >. 0 gendarme', todo orgulhoso, mostra-me este despacho dizendo:« vêde bem, cor.hecia estes negocios». Puzeram-me algemas e conduzi- ram-me, a pé, atravéz da cidade, ao Palacio da Justiça. O procurador estando ausente, conduziram-me a um forte de X... Ahi, tomaram os meus signaes; fizeram-me despir, para se assegurarem de que não tinha guardado nada com- migo e depois fizeram-me entrar em um quarto onde havia criminosos de má catadura. No dia seguinte, conduziram-me numa carruagem cellular, perante o procurador que desta vez estava ahi. Expliquei que não fui preso pelo gendarme, porém que fui procural-o contándo-lhe meu negocio e decla- rando-lhe a somma de dinheiro que tinha em meu poder; que tudo isto se passou porque sou doente e mostrei de novo a declaração de Charcot. O magistrado disse: « Pois bem? pas bem, veremos». Mantiveram-me preso seis dias e não 43 fui posto em liberdade senão no sétimo, depois de terem recebido um novo despacho do patrão que dizia: « commu- nico que meu empregado é doente, tende, para com elle, altenções». Então me deram 41 francos e 55 cêntimos para tomar o trem e foi assim que tornei a vir a Paris; fui despe- dido pelo patrão, e a sociedade de soccorros mutuos, da qual sou membro, recusou-me subsídios, sob pretexto de que minha doença é causada pela intemperança.» OBSERVAÇÃO II (legrand du saulle) Um cocheiro da companhia geral de carruagens de Pai is, de 29 annos de idade, muito honesto e sobrio, abandona sua carruagem para marchar em linha recta, isto por diversas vezes. Um dia, quando tornou-se consciente, estava deitado em terra, no bosque de Vicennes. Foi reclamar seu cavallo e sua carruagem no curral do conselho da prefeitura de policia. Foi punido, suspenso, demittido, depois recollocado, graças a seus costumes tão conhecidos de sobriedade e as bôas notas que seus chefes lhe deram sempre. observação III (m. chantemesse) Ha a assignalar um só accidente podendo fazer pensar na epilepsia. Durante a guerra de 1870, uma noite, se debateu, gritou e cahiu de seu leito. Sendo empregado de alfandega, um dia prepara sua comida, leva seu dinheiro. Tres dias depois, o encontram no Trocadero, molhado e estafado, não tendo consciência de nada. Assim como esta, tem feito varias fugas. Tem uma 44 aura antes de seus accessos, começando por uma sensação de marlclladas ao redor dos olhos, das fontes, e da fronte. OBSERVAÇÃO IV (dr. le dantec) C. Pierre...., 33 annos. Symptomas de epilepsia larvada; suspensão brusca na conversação. A primeiro de Setembro de 1890, vae ao campo de manobra de Caudon, perlo de Lorient. Chegado ahi, perde a consciência de seus actos. Quando volta a si, a cinco de Setembro, está a dez kilo- melros de Lorient, perlo de um regalo, abrazado por uma sêde ardente, não sabendo nem o que fez, nem porque veio alli. Lembra-se vagamenle de ter estado numa casa e de ter bebido um copo de cidra. OBSERVAÇÃO V ( DR. GUYOT D^ANDELOT ) X.... 25 annos. Fabricante de cerveja desde a idade de 15 annos. Vários parentes loucos, do lado materno. Não tem antecedentes pessòaes. Cephalalgias frequentes rnles da epoca das fugas. Em 1883, no decurso do mez de Maio, entre 6 e 7 horas da manhã, parle subitamenie no fim de seu trabalho no corlidouro. Ao cabo de 7 horas, acha-se a 8 kilometros de fíeims onde habita, e não tem nenhuma lembrança do que se passou durante este lapso de tempo. Alguns mezes mais larde, outra fuga que durou 3 ou 4 horas. X... entra, a vinte de Feverei.o de 1884, na infanteria de marinha e parle para o Sénègal, Nada de anormal até 1887. Entrando nessa epoca em França, em guarnição a Cherbourg, no mez de 45 Abril deste mesmo anno, parte, súbita e involuntariamente, depois de ler feito seu serviço e pago o sôldo de seus homens. Toma consciência a 27 kilomelros de Cherbourg, 62 horas depois de sua partida; a perda da memória linha durado todo este lempo. Sua carleira continha 70 francos por occasião de sua partida e elle não tinha gasto cousa alguma. Volta, então, pelo caminho de ferro, a Cherbourg, onde chega na Quarta-feira; acreditava ser Terça-feira. Vae, naluralmente, ao quartel; suas fitas de sargento lhe são arrancadas depois de cinco dias de prisão. Oito a dez dias mais tarde, parle da mesma maneira; d'esla vez, ao meio dia, e entra no dia seguinte pela manhã. Infligem-lhe quinze dias de prisão. Emfim, deixa de ser militar e torna a ser fabricante de cerveja. Em 1889, executou cinco ou seis fugas, cada uma ausência durando um a dous dias; em 1890, ires fugas das quaes uma durou tres dias. OBSERVAÇÃO VI (m. drivon) F... Jean-Marie, 35 annos. Nenhuma manifestação nevropalhica. Em 1887, sahindo do theatro, dirige-se para sua casa, em Saint-Just, quando, bruscamente, perde a consciência de seus actos. A partir deste momento, sem que se sinta desfallecer, os acontecimentos lhe escapam absolutamente; as faculdades inlellecluaes não tornam a vir senão oito dias depois. observação VII (dictionnaire declanche) Um official, epiléptico ha muitos annos, casado, desap- parece, n'um momento dado, levando uma grande somma 46 de dinheiro. Depois de pesquizas aclivas, é que se chega a achal-o em Londres. Eoi preciso, deante do conselho de guerra, toda a auctoridade de Legrand du Saulle para fazer admiltir a irresponsabilidade deste desertor. Quanto a dizer o que fez em Inglaterra, nos é impossível, desde que o doente não conservou nenhuma lembrança de toda esta parte de sua vida. «E', nos dizia elle, como uma folha arrancada do l;vro de minha vida». O que ha de certo, é que durante sua estada em Inglaterra, poude ir e vir, comer no restaurant e dormir no hotel. A personalidade foi pois, por assim dizer, desdobrada durante um certo período de sua vida. OBSERVAÇÃO VIII (duponchel) Achilles L.22 annos, é um hereditário, tem taras nervosas múltiplas do lado materno. Antecedentes pessôaes. Achilles L....teve adenites eervicaes na infancia; aos 14 annos, deixou bruscamente o lyceu de Rodex, onde procedia bem, pois que estava constantemenle no quadro de honra; não sabe por que partiu. Aos 16 annos teve um ataque com perda de consciência, depois do qual, lhe prescreveram bromureto de potássio e duchas; os accidenles nervosos se reproduziram, porém sem perda de consciência, foi n'esta epoca que Voisin fez o diagnostico de vertigens epilepliformes. Aos 18 annos, se alista no segundo spahis', não podendo bacharelar-se, quer fazer carreira no exercito. Parece ter procedido muito bem, e foi rapidamente pro- movido a diversos postos, brigadeiro^ brigadeiro furriel^ depois 47 proposto para o posto de sub-official, porém não tardou a conlrahir hábitos de alcoolismo. Primeira fuga, no mez de Novembro de 1885. Estando de guarda á porta do quartel, abandona seu pôsto. Não sabe como sahiu; achou-se, ás 10 horas da noite, atraz dos muros do hospital de Caen. A' sua entrada, pena de 30 dias de prisão. De 1885 a 1887, varias fugas. Demittido da patente de brigadeiro em 1886. Sahia com dous cavalheiros indo a » trabalho de aveia; no caminho deixa seus homens e vae vagabundear, e não se lembra mais de nada a partirdes, e momento. Emhm, no mez de Julho de 1887, toma o caminho de ferro durante a noite, deixa Caen sem permissão; depois de ter percorrido Paris, se acha, pela manhã, na rua d' .dssas em casa de sua irman, declarando que não sabia como nem porque linha vindo. OBSERVAÇÃO IX (m. beguin) B. Pierre, 48 annos. Entrou para o hospital Saint-André, de Bordeaux, por causa de ataques epileptiformes. Em 1886, cm meio de uma excellente saiíde tanto intellectual como physica, B... lornou-se subitamente cego. Um especialista chamado receitou-lhe uma pomada com a qual elle friccionou as fontes e, 8 dias mais tarde, voltou-lhe a vista, como d'antes. B .. .trabalhava assentado a sua secretaria, quando um dos chefes lhe fez uma observação que o vexou. Logo, cahiu com a cabeça para deante sobre a beira da mesa, perdeu a consciência, e não voltou a si senão no fim de um certo tempo que não poude avaliar. Desde esta epoca, 48 sobrevêm-lhe os ataques todos os oito ou quinze dias. Em Junho de 189!. B...executa uma grande fuga. Vindo a Bordeaux, para ver seu filho, chega a sua secretaria. Não se lembra do que se passou depois. 0 que é certo é que, 11 horas mais tarde, volta a si, em casa de um padeiro. Suas vestes não estavam nem sujas, nem rotas, e B. ..não estava fatigado. OBSERVAÇÃO X (tiiese de sous) V..., 21 annos, foi preso ás 11 horas da noite, em Paris, e conduzido á prefeitura de policia por dar, sem motivo plausível, e sem provocação, uma facada n'uma messallina que tinha encontrado no passeio. Sua memória é confusa; diz que só se lembra de haver a íaca entrado inleiramente só. V...declara que não tem muita memória; algumas vezes se surprehende não sabendo mais fazer seu trabalho habitual. Chega, ás vezes, a estar dislrahido quando lê; experimenta, frequentemenle, vertigens. Acontece-lhe, muitas vezes, deixar bruscamente sua officina e passear, sem um fim, em Paris ou nas circumvisinhanças. Um dia, partiu de repente de sua ofFicina para fazer a viagem de Amiens; ficou dous dias sem voltar para sua casa e sem comer. Quando commetteu o acto violento pelo qual foi preso, tinha passeado durante todo dia no campo sem ter consciência e não tinha comido. OBSERVAÇÃO XI (revue medicalede la suisse romande) M. T..., 34 annos, nâo tem antecedentes pessoaes, nem hereditários. Primeira crise em Janeiro de 1890. T...traba- 49 lhava em sua secretaria, qnando, bruscamente, às nove horas da manhã, apanha o chapéo e parle. Volta a si, á meia noite, n'um quarto de estalagem, a 50 kilometros de sua casa. Em Setembro de 1890, passeando, torna-se subitamente inconsciente, sem idéa fixa de ir a um logar de preferencia a outro. Toma consciência dous dias depois, todo espantado do estar a uma centena de kilometros de sua casa, e pro- vocando hilaridade de um transeunte perguntando que dia era. Não tem symptomas hystericos. Depressão psychica e sonhos penosos. Amnésia total. Ausências entre as crises. OBSERVAÇÃO XII (archives de médécine na vale) B. T... 25 annos. Pae são Mãe syphilitica. Primeiro ataque de epilepsia ha sete annos. Varias fugas ambulatórias a aseignalar; a representação é toda instinctiva; nenhuma reflexão; a vontade é abolida. Parte, marcha, de um modo inteiramente inconsciente. Não escolhe caminho, segue aquelle que se apresenta primeiro deanle de si; só para quando a fadiga o impede de continuar seu curso. 0 acto segue im- medialamente o desejo. A lembrança é abolida; nosso doente depois de sua primeira fuga, não se lembra mais onde foi, nem o que viu; julga ler dormido. Do mesmo modo para uma segunda viagem : não tem consciência nem do logar donde vem, nem do que fez, nem desde que tempo partiu. Crê voltar do campo que cultivava porque foi ahi provavelmente que na volta (tres dias de ausência) tomou completamente posse de seus sentidos. 50 OBSERVAÇÃO XIII (falret) M. Georges... 20 annos. Chega, muitas vezes, a sahir de sua casa durante o dia ou á noite. Experimenta a necessidade de marchar sem um fim. Uma vez, achou-se no meio do campo St. Denis; outra vez, foi reconduzido pela Policia. G....47 annos. De momento é tomado pela necessidade de marchar, de escapar-se, sem saber onde vae. «Eu vou não imporia onde, disse elle; vou onde a cabeça me faz ir» Algumas vezes este estado dura uma hora, outras vezes, mais tempo. Só leve uma vez ataque de nervos; somente vertigens, ausências. OBSERVAÇÃO XIV ( gehin ) Jean 13.... 20 annos, creado. Não tem antecedentes here- ditários. Gosou bôa saúde até a idade de 12 annos. Em 1883, quando voltava da escola, foi tomado de cephaléa e gaslralgia; em logar de entrar em sua casa, fugiu e ficou Ires dias sem entrar. Durante estes 3 dias, perdeu completamenle a consciência e não se lembra do que fez. Não sc lembra mesmo de ter comido durante essa crise. Voltando a si, admirou-se de achar-se em Captieux. A esse primeiro ataque seguiram-se muitos outros. Foge assim quasi lodos os seis mezes; algumas vezes fica mais tempo sem soíTrer de crise. Perdendo a consciência, chega, algumas vezes, a cahir, se lh'o dizem; sacode-se, agita os membros, baba-se, depois se levanta e foge. Parte em linha recta, nada o podendo deter. Durante sua marcha, não 51 responde a ninguém; não sabe mesmo se ouve e procura sempre se occultar. «Eu faço-me espertalhão». Evita os obstáculos; a chuva, o vento, o sol, a neve não o interrompe ; elle não presta nenhuma altenção a isto. Quando acorda, é tomado de um vivo espanto, experimenta a necessidade de dormir. Esquece-se completamente do que se passa durante o ataque e não sabe dizer por onde passou. OBSERVAÇÃO XV (a. ttssié) Bernard L...cabo de esquadra do 34 de linha, foi enviado á prisão militar de Bordeaux, por deserção para o interior e falsificação de documentos commettida cm prejuízo de seu capitão. Herança.-Mãe morta louca numa casa particular. Antecedentes pessôaes.-Gemeo, entregando-se as manobras solitárias desde a idade de 12 annos; gosta dos licores fortes e principalmente d'aguardente. Foge das mulheres. Gosta dos trabalhos de agulha e dos perfumes. Todos os reflexos são normaes; notamos entretanto, a abolição do reflexo testicular. Espermatorrhéa. Crises de epilepsia bastante frequentes. E' muito inlelligente. Sua paixão o tem mesmo levado a uma depravação dos sentidos genesicos. Recalca os testículos e o membro viril entre as côxas que elle comprime depois uma contra a outra; elle contem- pla-se assim n'um espelho. Este aclo lhe proporciona um extremo prazer, crê-se mulher, entra em erecção e se masturba. Sua primeira fuga teve logar na idade de dez annos. Partiu de Saint-Martin-de-Hynx para ir a Bayonnc; fez este curso de 25 kilometros em 4 horas. 52 Alistado aos 18 annos, desertava pouco tempo depois de chegado ao corpo; eis sua segunda fuga. Partiu uma manhã e foi de Mont-de-Marsan a Buglosse onde trabalhou numa linha ferrea. Depois de tres ou quatro dias de estada nessa cidade, partiu de repente e chegou a Bayonne, á casa de seu tio, onde soube que era desertor. Preso e entregue ao corpo pela gendarmeria, conheceu, chegando ao regimento, que commetteu uma falsificação de documentos em prejuízo de seu capitão. Vendeu seu uni- forme no caminho; porém onde e como? Não o poderia dizer, não conservando nenhuma lembrança. O que é certo é que chegou á casa de seu tio, em Bayonne^ ás 7 horas da noite, em trajo de operário (chapéo de palha, veston e calças azues, borzeguins). Uma sentença é proferida em seu favor e, pouco tempo depois de sua reintegração ao regimento, foi reformado. OBSERVAÇÃO XVI (casa de saude do dr. eiras) S. F... 24 annos, procurador, casado, tem Ires filhos robustos. Sem antecedentes nevropalhicos na família. Em Junho de 1899, sentiu certo mal-estar durante dias; linha sensação de cansaço. Dôr lerebrante no sinciput. Teve uma vertigem que não sabe descrever. Contou-me a mãe que, um dia, por occasião do almoço, começou S... a rir-se alvarmente. Findo o almoço, disse que ia à casa do cunhado, no Engenho Novo, onde não cumprimentou ninguém, come- çando logo a revolver as gavetas, pondo-as em completa desordem. Tentou melter-se sob as rodas do trem de ferro que ia partir, no que foi contrariado. Luctou muito para levar a effeilo seu impulso, sahindo de casaco rasgado. 53 Seguiu á pé para S, Christovão. Chegado á casa e voltando a si, de quasi nada se lembrava; contou, apenas que luclara muito com o cunhado e que sahira com o casaco roto boiava uma vaga idéa de alguns logares por onde passara. Quanto ao mais amnésia absoluta. Tempos depois, fez outra fuga. OBSERVAÇÃO XVII (do hospício nacional) A. F. R...24 annos. Conta ter ataques francos desde 18 annos; uma vez leve um, tão forte, que, durante muito tempo,ficou apatetado. Pae alcoolista; mãe epiléptica. Quando vae ter o ataque, corre pela casa e depois cae, ou então sente um frio entorpecer-lhe os membros. Refere que sente, ás vezes, uma força extraordinária que o opprime e o obriga a caminhar muito, sem nitida consciência do que então se passa. Em tal estado, tem feito pequenas viagens. Tem, ás vezes, impulsos suicidas. Conta que já lhe tem succedido ficar, mais de uma vez, como que meio abstracto durante conversas animadas, fugindo-lhe o pensamento. Tem tido vertigens, cephaléas, bem como insomnias. 2.° HYSTERIA E NEURASTHENIA 0 automatismo ambulatório hyslerico pertence ao segundo grupo da classificação de Gehin. Como provam as obser- vações que seguem, é forçoso admittir-se que as impulsões á deambulação podem se encontrar na hysteria e na neuras- thenia porem sua frequência e sua importância medico-legal são muito menores do que na epilepsia. Os casos que achamos publicados, permittem estabelecer differenças entre as fugas ambulalotias h/stericas easfugas ambulatórias epilépticas. Estamos em presença de duas 54 alternativas: ou bem as fugas são de curta duração, alguus segundos, alguns minutos; ou, ao contrario, ellas podem persistir varias horas e mesmos vários dias; é um longo desdobramento ou antes um dissociamcnto da pessoa do indivíduo. No primeiro caso, nos hyslericos, o período de começo annuncia-se por uma sensação de bolo com suífo- cação. Durante este tempo, suas faces ficam roscas, seus olhos exprimem desassocego; a vertigem hyslerica não arrasta sempre à perda da consciência, ao menos tolalmente. Nos epilépticos, quasi nunca a sensação de bolo se apre- senta e manifestam-se quasi sempre as vertigens com perda da consciência, as ausências etc.; signaes estes que podem se encontrar na bysteria, mas são muito m^nos frequentes. De repente, emquanlo o doente está occupado cm seu tra- balho, emquanlo se conversa tranquillamenle com elle, deixa sua occupação, para, e a phrase que linhi começado fica inacabada; se tem um objeclo na mão, o afrouxa sem per- ceber, e seu rosto, em logar de envermelhecer, empallidece ; seus olhos são fixos, convulsivados para cima, emquanlo todos os musculos da face ficam immoveis, sem expres- são, ou com algumas contracções. Isto dura alguns segundos, depois, o epiléptico volta a si, não se lembrando de nada. 0 fim dos accessos tem lambem seus caracteres distin- clivos. Terminam nos hyslericos, em geral, ora por um somno natural que dura mais ou menos tempo, ora por um despertar completo depois do uma longa e profunda inspi- ração, como um suspiro de allivio, e o doente toma posse completa de seus sentidos, de suas faculdades. No epiléptico, quando não ha mordedura da língua, o que acontece muitas vezes, ha oulros caracteres nítidos; a terminação do accesso se faz com estertor, incontinência de urinas e mesmo das matérias fecacs. 55 Vamos tratar do segundo caso, isto é, das fugas de longa duração, de varias horas ou vários dias. Nos hystericos, nota-se um verdadeiro methodo nas acções, uma coordenação perfeita dos seus actos, e mesmo a lógica a seguir ás percepções de sua personalidade desdo- bradaou antes dissociada. Parecem estar completamente sadios, tão normalmenle agem, tão correctos são, por assim dizer, em seu modo de ser. Passarão ao lado de uma multidão de pessoas, ficarão na rua um dia inteiro sematlrahir a altearão de quem quer que seja. Para aqueltes que os vèem e que os cercam, não offerecom nada de particular. Tomam os cami- nhos mais fáceis, evitando as carruagens, passam ao lado dos transeuntes sem os notar, porem também sem pertu bar seus movimentos, sem dar encontrões n'elles, descendo os passeios, atravessando as calçadas mais frequentadas, e se resguar- dando muito bem de lodos os accidentes. Gomo diz, com muito acerto, Verga dever-se-hia adoptar o nome de auto- matismo ambulatório consciente, para distinguil-o do auto- matismo comicial ambulatório que é inconsciente. Os epilépticos não coordenam, em geral, seus movimentos tão regularmente: ou começam um gesto que não acabam, ou fazem muitos seguidos que não têm relação um com o outro; falam palavras incoherentes; repelem um certo numero de vezes a mesma palavra ou a mesma scena, porém sem coordenação, brulalmenle. São vistos a errarem indefinida- mente, indo para a direita e para a esquerda, apoderando- se de certos objectos e derribando.muitas vezes deante de si o que os perturba. Magnan cila o caso de uma cozinheira que amontoava em sua panella pedaços de pratos, cascas de legumes, sabão, um calçado velho, e difierentes objectos que cahiam sob suas mãos. Um epiléptico pagava o que acabava de comprar num armazém e continuava a pôr sobre 56 o balcão todo dinheiro de que era portador. A's vezes os aclos execul-ados durante o periodo de inconsciência, no epiléptico, são coordenados, tendem mesmo a um fim sem que o doente perceba. Este caraeter de grosseria e de lubricidade que se encontra muitas vezes no epiléptico, não se pode dar como caraeter diílerencial inteiramente geral, porque os hysle. ricos, segundo certas circumstancias, podem apresental-o tarbem; porém é muito mais commum nos epilépti- cos. São desboccados, descobrem seus orgãos genitaes; urinam num salão, no theairo, na igreja; fazem gestos in le- cenles;são encontrados nús em sua escada, no caminho de sua casa, ou mostram-se assim na via publica. «Uma senhora, alta distineção e de rara benevolencia, faz ouvir de repente, com intervallos quasi regulares,-todos os quinze dias quasi,-as palavras mais injuriosas, mais cynicas e mais vis, isto durante um ou dous minutos apenas e em qualquer logar, no salão, na mesa, na igreja ou no lheatro. Esta senhora é muito intelligente e muito respeitável. Não se lembra, entretanto, de nenhuma de suas palavras. Na opinião de Legrand du Saulle é uma epiléptica larvada». «Num wagon de primeira classe, oito pessoas viajavam certo dia na linha do Oeste*. Um quarto de hora antes de chegar a Paris, um homem de quarenta annos se levanta de repente, esvasia os bolsos, põe o relogio no c apéo, xalira as lunetas peia porta, urina nos joelhos d'uma menina de oito annos, depois assenta-se sem parecer comprehender a indignação, as censaras, as ameaças e mesmo as violen. cias dos viajantes. Chegado o trem, é preso, conduzido á estação, depois levado ao deposito da Prefeitura. Eu não tive difíiculdade, depois de um interrogatório minucioso, em diagnosticar epilepsia ». 57 Nos epilépticos, porem, é difficil encontrar-se, como se encontra para a hysteria, um conjuncto de signaes constantes e certos. Nas observações que relataremos, notamos quer perturbações motoras, quer perturbações sensitivas, anesthe- sicas, zonas hyslerogenas, contracturas etc. Na hysteria, a um primeiro, exame, pode-se encontrar a instantaneidade do acto, porem um exame mais rigoroso dos factos mostra claramente que, na realidade, isto não se dá. Na epilepsia, a impulsão é instantanea, e na hysteria, se forma uma idéa, um pensamento previamente elaborado pelo cerebro. Num momento dado, a personalidade hysterica se desdo- bra ou antes se dissocia sem que haja consciência e a personalidade segunda executa automaticamente um acto pensado e deliberado pela personalidade primeira. Ha pois, como diz Duponchel, um certo determinismo á fuga. Na maior parte dos casos, interrogando-se habilmente o indi- víduo, ver-se-ha que o fim de sua viagem não foi, como no epiléptico, absolutamente cego. Assim, uma mulher, depois de ter chorado e pensado em seu marido recente- mente fallecido, dirige-se para o tumulo d'elle; outro indi- víduo sob a impressão de uma emoção violenta, parte e se acha numa casa na qual projeclava ir pela manhã. Um outro exemplo muito caracteristico, porem de suggeslão externa principalmente, uos é fornecido por Borri. Seu doente, parte de Florença, chega á fronteira franceza; em sua condição segunda ouve o idioma mudar e este facto lhe dá a vontade de ir a Paris. A suggeslão que o move para a capital franceza, parte de um elemento predominante que é a impressão soffrida por elle por leituras anteriores e de um elemento occasional que é ouvir fallar francez em torno de si. François France Paris.... a asso- ciação destas idéas é rapida, o terreno predisposto a recolher 58 e a fazer germinar a idéa e o acto segue-se instantanea- mente. Poderíamos citar numerosos exemplos analogos. O caso de Alberto D.... que se dirige infallivelmente para uma cidade cujo nome ouviu pronunciar, é bem caracte- ristico desta suggestão causa determinante do acto. Nelle, como diz T. Tissié, o acto executou-se sob o império de uma idéa que é captiva. Os epilépticos são absolutamente inconscientes durante sua crise e quando despertam numa cidade ou num paiz que não conhecem, não sabem como, nem porque, vieram até alli. Muito mais: se lhes perguntam particularidades das cidades que atravessaram, dos caminhos que percorreram, qual sua maneira de viverem, é impossível obter uma resposta. Nenhuma lembrança, inconsciência absoluta durante a crise, e depois, impossibilidade de relembrar os factos. Falret, entretanto, notou, nalguns casos, muito excepcionaes, a integridade da lembrança depois dos accessos, assim como um certo numero de auctores admiltem a possibilidade de impulsões conscientes nos epilépticos. Segundo Magnan, Respaut, Marinesco e Serieux, estes factos seriam injusta- mente attribuidos ao doente comicial e dependeriam antes do estado de degenerescencia do indivíduo ou de psychoses superajuntadas; ao contrario, as impulsões inconscientes e acompanhadas de perda total da lembrança dependeriam da epilepsia. A psychose epiléptica de um indivíduo determinado pode sempre se explicar quer pela epilepsia só; quer pela inter- venção de um elemento vesanico hereditário (Ardein- Deteil). São verdadeiros vagabundos automáticos, nelles, a incon- sciência allinge o máximo de intensidade, e o termo auto- matismo comicial ambulatório proposto por P. Charcot a 59 elles se applica de um modo absoluto. Os hystericos são inconscientes também durante sua crise. Têm, elles, também perdido a noção do mundo exterior, mas, entretanto, de um modo menos absoluto que os precedentes. Acordam numa cidade que não conhecem, sem saber como, nem porque nella se acham. Se alguém os interroga, não respon- dem. Mas, o que constilue nelles, de alguma sorte, a pedra de toque do diagnostico differencial, é a lembrança completa dos factos executados durante afuga, quando são collocados em estado de somno hypnotico. Este facto só, diz Jules Voisin, será sufíiciente para estabelecer a natureza hysterica da fuga ambulatória. Kowalewsky apresentou uma observa- ção em que um epiléptico, numa segunda crise, se lembrou dos actos praticados na crise precedente. Gilles de la Touretle considera como um signal de grande valor para o diagnostico differencial, a proporção dos phosphatos. A proporção dos phosphatos terrosos está para a dos alcalinos assim como 1 está para 3 no estado normal. Nos hystericos, a proporção dos phosphatos terrosos é igual a dos alcalinos depois dos accessos. Emfim uma ultima differença consiste no tratamento. 0 bromureto de potássio tem uma influencia accenluada e real nos ataques epilépticos ao passo que deixa no mesmo estado, todas as manifestações hystericas. Estes são os vagabundos somnam- bulicos. 0 automatismo ambulatório neurasthenico pertence ao terceiro grupo da classificação de Gehin. Um numero muito restricto de observações não nos permitte ser muito affirmativo. Nos neurasthenicos, a aura é longa e de natu- reza psychica. A idéa de viagem se impõe cada dia mais fortemente a seu espirito; sua força de vontade muito mais fraca para resistir a esta obsessão, é vencida na lucta; 60 elles parlem, porem absolulamente conscientes, sabendo perfeitamente que caminho tomam, em que direcção mar- cham, conservando sua physionomia habitual, executando os actos e os"trabalhos mais complexos para se manterem. Não executam actos delictuosos, e nada, em seu physico, revela o estado particular em que se acham. Emfim partem conscientes, ficam conscientes emquanto dura sua crise e voltam ao estado normal conscientes. Na volta. se lhes perguntarem, o que fizeram, o que viram, o que atraves- saram, contarão com intelligencia as minuciosidades e darão as informações de um modo perfeito. Se lhes perguntarem porque partiram, responderão: Não sabemos, mas, desde alguns dias, soffriamos muito da cabeça, tínhamos somno agitado, pesadelos e sonhávamos quasi seguidamente com viagens; o desejo de marchar foi tão forte, que partimos: elle foi mais forte do que nós, e nos sentimos allivi- ados desde que nos achamos a caminho. São vagabundos abúlicos. Emfim, nelles encontramos, ao lado desse facto de consciência absoluta que nos permitte fazer o diagnostico, estigmas habiluaes da neurasthenia, tremor das mãos e da língua, cephaléa em capacete. De mais, impossibilidade de hypnolisação. Os tres casos são, pois, fáceis de diagnosti- car-se nos casos simples, porém, nos casos complexos, as diíTiculdades apparecem, mas, estudando-se os doentes de perto, chegar-se-ha certamente ao diagnostico, de um modo seguro. 0 que deve principalmeite guiar o medico nestes casos, é o estado de inconsciência, attingindo seu máximo no epiléptico, verdadeiro automata, tornando-se menos abso- luto no hysterico, somnambulico, e não existindo no neuras- thenico abúlico. Parece, pois, muito justo acceitar os tres termos pro- 61 postos pelo P. Pilres: Vagabundagem aulomalica, vagabun- dagem somnambulica, vagabundagem abúlica. OBSERVAÇÃO I (these de tissiè) Albert D entrou para o hospital a Ires de Maio de 1886, no serviço do professor Pilres. Queixa-se de dôres de cabeça e apresenta sobre o coiro cabelludo, ao nível do vertice, uma zona hyperalgesica de cinco ou seis centímetros quadrados. Tem uma heminalgesia do lado di- reito e um estreitamento concêntrico do campo visual e um ligeiro grã® de dyschromatopsia. E' facilmente hypnotisave^ pela fixação do olhar. A narração de suas viagens é um longo romance. A primeira fuga teve logar quando tinha doze annos. Estava então empregado, a titulo de aprendiz, na usina de gaz de Bordeaux. Um bello dia desappareceu. Os visinhos que o viram passear muito tempo na frente de sua casa, dis- seram a seus paes que elle tomara o caminho de Arcachon. Seu irmão mais velho partiu a sua procura na direcção indicada e o encontrou em Teste. Estava com um negociante ambulante. «Que fazes ahi?» disse-lhe batendo-lhe na espadua. Então Albert D pareceu sahir de um sonho. Ficou muito espantado de sua viagem, e se deixou levar para casa de seus paes sem resistência. Neste momento sua familia estava preoccupada com uma herança que lhe tocara em Valence-sur-hot. Falava-se muito delia; um mez depois, Albert D se achou n'esta localidade sem saber como tinha ido. Um amigo o enviou para a casa de seu pae e este o fez reentrar na usina de gaz. 62 Algum tempo depois, lhe confiaram 100 francos para ir fazer um pagamento. Parle e, no dia seguinte, acha-se no caminho de ferro com um bilhete, com destino a Paris. Chegando nesta cidade, em que não conhece pessoa alguma, deita se sobre um banco, na visinhança da estação de Orléans. A policia o prende, e, como elle não tinha nenhum papel e não podia explicar os motivos de sua viagem, recolheu-o á cadeia de Mazas, onde ficou quinze dias. Sua família ficando muito indisposta contra elle e recusando-se a fazer as despezas de sua volta, elle vem a Bordeaux a pé. A partir desta epoca, as fugas se renova- ram frequentemente. Um dia, elle se acha em Bordeaux (Charent); outro dia, em Chatellerault. Arrastado por suas impulsões, visita successivamente Chàlons-sur-Mame, Chau- mont, Vesoul, Dijon, Macôn, Villefranche, Lyon, Grenoble, Annecy, Tulle, Brives, Périgneux, Pan, Tarbes, Bagorre, To- louse, Marseiile, occupando-se, para ganhar a vida, em toda sorte de trabalho. Em Marseiile, ouviu fallar na África, embarca e chega a Alger; fica alli alguns dias; depois volta para Marseiile e parte a pé para Bordeaux onde é de novo admittido como empregado da usina de gaz. Em 1878, se alista voluntariamente e é incorporado no 127 regimento de linha, em Valenciennes. Alguns mezes depois, deserta com armas e bagagens; visita Tournai, Bourges, Oslende, Gand, Bruxelles, Charleroi, Liège, Verviers, Amsterdam, Macotrich, Aix-la-Chapelle, Dusseldorf, Cologne, Bonn, Coblentz, Mayence, Cassei, Darmsladt, Francfori, Hassan, Aschaffemburg, Wursbourg, Nuremberg Lintx, e finalmente chega a Vienna, descendo o Danúbio numa jangada de madeira. Entra na usina de gaz de Vienna, fica alguns dias trabalhando muito assiduamente; porém um dia, acha-se numa embarcação á vapor que o desembarca em 63 Buda-Pesth. Volta a Vienna; recebe uma carta de seu cu- nhado convidando-o a aproveitar uma amnistia recente; apresenta-se logo a embaixada de França e junta-se a seu regimento, em Valenciennes a 21 de Setembro de 1880, muito decidido a não mais emprehender peregrinações in- sensatas. Comtudo, algumas semanas depois, deserta pela segunda vez, atravessa Liège, Vervier, Aix-la-Ckapelle, Colo- gne, Andernoch, Mayence, Cassei, Francfort, Hassan, Frede- richsdorff, Rastibonne, Passau, Linlx e para em Vienna onde se emprega de novo na usina de gaz. Fica tranquillo alguns dias, depois, parte para Budweirs, Prague, Leipxig, Berlin, Posen, Varsovie. Chega a Moscou alguns dias depois do assassi- nato do czar, é preso pela policia, como suspeito de filiação aos nihilistas e conservado na cadeia durante quatro mezes. Sendo reconhecida sua qualidade de cidadão francez con- duziram-no á pé com um acompanhamento de ciganos á fronteira turca, onde lhe deram a liberdade, prevenindo-o de que, se o prendessem de novo no território russo en- vial-o-hiam logo para a Sibéria. Errando ao acaso pelos caminhos, chega elle a Constantinopla; ahi, o cônsul de França lhe obtem uma passagem de caminho de ferro para Vienna. 0 director da usina de gaz desta cidade consente em tornar a tomal-o ao serviço da companhia. 0 nosso em- pregado trabalha regularmente, porém trava relações cora um operário francez desertor como elle, que lhe fala na Suissa. 0 desejo de visitar esse bello paiz se apodera de seu espirito. Parte; atravessa Klostembourg, Rufslein, Munich Gunnsburg, Sluttgard, Carlsruhe Strasbourg, Colmar, Mulhouse visita Inlerlaken, Genève, o cantão de Vaud, Scbaffouse Bãle, e, sentindo-se tão perto da França, experimenta a necessi- dade de ver sua patria e vae, de bom grado, entregar-se á gendarmeria de Delle. E' submettido a conselho de guerra 64 em Lille e é condemnado, por deserção, a tres annos de trabalhos públicos. E' enviado, afim de cumprir a pena para a África, no campo das Portes-de-Fer, depois para Bougie, onde é perdoado e proposto para reforma por causa de suas dores de cabeça, e de uma perfuração do tympano esquerdo. Volta a Bordeaux e entra para a com panhia de gaz. Vive feliz e tranquillo durante alguns mezes Crê-se curado e procura se casar. Acha uma moça encantadora que consente esposal-o. Fixa-se aepoca do casamento; publi- cam-se os banhos. Tudo estava arranjado; porém, na vespera da ceremonia, 18 de Junho de 1885, elle desapparece, sem razão plausível e, nos primeiros dias de Setembro, se acha em Verdum (Muse) sem saber como alli chegou, nem o que fez durante os quatro mezes precedentes. Volta a Bordeaw, não 'tarda a executar novas fugas. Seus paes o fazem entrar no hos- pital; foge para ir a Labouheyre, Pan e Tarbes, depois volta para o serviço, onde o estudamos, no correr de 1886. Melhorado por um tratamento de alguns mezes, casa-se em 1887, com uma operaria muito honesta, que torna-se pejada pouco tempo depois de seu casamento e pare, no anno seguinte, um menino a termo e bem constituído. A família vivia feliz, Dad empregou-se em um estaleiro de navios, trabalhava regularmente, podia-se esperar que suas fugas não se renovassem mais, quando, de repente, abandona sua oíTicina e parte para Landes Alguns mezes mais tarde, deixa, sem razão, o domicilio conjurai e se acha, um bello dia, em Pariz. Estas viagens fizeram-no perder o emprego. Em Agosto de 1889, não achando tra- balho em Bordeaux, decide-se a ir habitar em Pariz. Parte seriamente esta vez, com sua mulher e seu filho e vive muito miseravelmente na capital até o mez de Dezembro do mesmo anno. Nesta epoca, tem noticia de que um dos 65 seus irmãos, de idade de 25 annos, morreu. Isto lhe causa uma viva afflicção. No dia seguinte, sem ter prevenid0 ninguém de seu desejo, parte para Chârtres. Em Janeiro de 1880, acha-se em Niort, em um wagon de caminho de ferro, sem saber porque emprehendeu tal viagem. A 27 de Março, deixa de novo Pariz, sem motivos plausíveis, sem dinheiro, e chega a pé a Orléans, onde fica dez dias no hospital; depois, vem a Bordeauxem nove dias, fazendo pouco mais ou menos 50 kilometros por dia. Chega coberto de poeira, os sapatos rotos, e é logo collocado em nosso serviço. De 1890 a 1892 fez ainda muitas fugas. OBSERVAÇÃO II ( voisin ) D.... 36 annos. Dous annos depois da perda de sua fortuna, 50,000 francos, n'um negocio de minas, apresentou plienomenos hystericos graves: hemiplegia esquerda, (diz elle que foi curado por suggestão pelo Dr. Luiz), hemia- nesthesia direita, estreitamento do campo visual, diminuição da audição, do olfacto, e do gosto. Examinado por J. Voisin, depois de uma fuga pela qual fora preso, conta, no estado de vigilia, que, sem poder explicar porque, pois não sabia como isto aconteceu, elle chegou em T.... num hotel, não sabendo de nenhuma maneira como tinha vindo para alli. Durante o estado hypnolico o doente conta sua viagem. OBSERVAÇÃO III (duponchel ) X.... é atacado de hystoro-epilepsia. Percorreu toda a França, Algeria, Allemanha, Rússia, toda a Europa, sem 66 razão conhecida, sem descanço nem repouso, marchando sempre e sem cessar, deixando morto de fadiga no caminho um companheiro que acreditou poder acompanhal o. Soldado em França, varias vezes desertor; bom operário na Alie- manha, porem não podendo acoslumar-se em nenhuma parte, e, novo judeu-errante, obrigado a marchar sempre pela fatalidade de sua impulsão. OBSERVAÇÃO IV ( voisin ) Mme D.... Vem consultar ao professor Voisin, muito impressionada com o que lhe acontecera. Recebe no mo- mento em que preparava seu jantar a visita de uma pessoa que trouxe uma noticia muito grave; seu marido a enga- nava. M.,ne D.... que se linha contido deante dessa exlranha, logo depois de sua partida, sente uma penosa impressão, experimenta sufiucação, eslrangulação, vertigem e por fim perde a consciência. Acha-se, quatro horas df pois, numa casa de campo que possue a seis kilometros. Não sabe como veio, nem o que fez durante as quatro horas que sc^uiram-se ã perda da consciência, OBSERVAÇÃO V ( DK. BOCTEAU ) Trata-se de uma hysterica que, depois de um ataque, ficou mergulhada ires dias num estado particular. No p i- moiro dia errou em Paris, fazendo quasi 60 kilomelros; presa e enviada ao Djpôt da Prèfecture depois para Saint- Anney ficou dous dias sem reagir, inerte, obedecendo pas- sivamenle a tudo que lhe era ordenado. Ao acordar, 67 nenhuma lembrança; em estado de hypnóse volta brusca- mente a seu estado de condição segunda e a lembrança de sua fuga reapparece. OBSERVAÇÃO VI (bulletin médical) Emite X.... 33 annos. Apresenta signaes, os mais mini- f slos, de grande hysteria, (ataques, perturbações da sen- sibilidade, da motilidade); é quasi instantaneamente hypno- tisavel. Era eertos momentos EmileX.... perde completaraenle a memória, então todas as suas lembranças, as mais recentes como as mais antigas, são abolidas. A 23 de Setembro de 1888 tem uma altercação com um cunhado, é viva- mente impressionado. Parte e acham-no, tres semanas depois, em Villars-Saint-Marcellin (Haute-Marne'). Como viveu? Onde? Ignora. 0 que sabe, aprendeu pelas narrações vindas de diversos lados. A 11 de Maio de 1889 janta num reslauranl do quarteirão latino. Dous dias depois acha-se numa praça em Troyes. OBSERVAÇÃO VII (these de géhin) M. X.... 18 annos. Dores de cabeça muito violentas, em capacete. Crises de lagrimas frequentes. A 25 de Março de 1891, vem de Tarbes a Lyon. A 30 de Março chega a estação d'Agen para ir a Paris passando por Bordeaux. A 7 de Abril acham-no em caminho de Lisboa. O doente não se lembra absolutamente de nada e ignora como viveu durante todo este tempo. Conserva a noção de ter sido impellido a esta viagem por uma força 68 irresistível, porem não se lembra de ter tentado reagir. Nos dias que precederam a sua partida, não se occupava parlicularmente das coisas de llespanha; entretanto, desde sua infancia, tinha o desejo de visitar esse paiz. A memória dos acontecimentos occorridos durante a fuga é quasi com- pletamente abolida, entretanto pode-se revelar algumas raras lembranças. Posto em estado hypnolico, faz, a narração de suas viagens. observaçAo VIII (tissié) Henri B...., 30 annos. Nada de particular até a idade de 17 annos, epoca em que teve uma contrariedade bas- tante viva. Crises de hysteria. Um dia, depois de uma delias, desapparece de sua casa; percorre durante vários dias as ruas de Lyon. Numerosas crises ambulatórias. Em seguida a uma delias, foi admittido no serviço do Dr. Bou- veret onde a natureza hysterica de sua moléstia foi estabe- lecida nitidamente. Entra depois para o asylo de Laforce, porem, a 21 de Fevereiro de 1885, foge, dirige-se a pé a Bordeaux (70 kilometros); ahi passa dous dias, depois se dirige a Paris passando por Angoulême, Tours, Orleans, donde volta á patria. OBSERVAÇÃO IX (these de saint-aubent) Augustine R.... 19 annos. Não tem antecedentes here- ditários. Forte até a idade de 13 annos, epoca em que phenomenos nervosos, esboços de ataques hystericos, com sensação de bolo e suffocação tiveram logar. A doente 69 apresenta pontos hysterogenicos ovarianos e mamarios, estreitamento do campo visual esquerdo. Em 1890, primeira fuga. Tendo que fazer uma viagem a Saint-Mcindé, sahe, de manhã, para ir tomar o trem na estação de Vincennes; porem, como isto succedeu ? Em logar de ir a Sainl-Mandé, achou-se, á tarde, sem saber como, em B&rcy. Entra para sua casa muito afleclada e, no dia seguinte, lenta se suicidar. OBSERVAÇÃO X (voisin) M.... 36 annos. Não tem antecedentes hereditários. Um mez depois do estabelecimento de suas regras, morre-lhe o irmão. Grande afflicção lhe causa isto. Experimenta então, pela primeira vez, crises de suffocação, sensação de bolo, tosse espasmódica, insomnia quasi absoluta, anorexia. Regras sempre irregulares. Bôr ovariana. Em seguida a perda de seu filho, teve a primeira crise de somno. Primeira fuga.-Terça-feira, 7 de Maio, a doente sahia de sua casa, âs sete horas da manhã, para dar um passeio pela visinhança, quando achou-se, subitamente, ás onze horas da manhã no cemiterio de Ivry, deitada com a face contra a terra sobre o tumulo de seu marido; estava n'este momento em pleno estado de lethargia, tendo consciência do que se passava ao redor de si, porem sem poder fazer um movimento, nem pronunciar uma palavra. Os empre- gados do cemiterio, vendo-a, levantam-na, e, com o auxilio do guarda, conduzem-na ao hospício de Bicêlre onde ella acorda cerca de meia hora depois. Dahi, levaram-na para sua casa. A doente não tinha nenhuma lembrança do que se passara desde sua partida de casa ás sete horas da manhã. 70 Segunda fuga.-Sexta-feira, 17 de Maio, a doente sabia de casa ás oito horas da manhã, para ir dar um recado a dous passos de distancia. Achou-se â tarde, ás quatro horas, num banco da praça Saiiit-Germain-des-Prcs^ sem a menor consciência do que se passara desde a manhã. Terceira fuga.-Acha-se ás seis horas da tarde em casa de seu cunhado em Romainville. A doente não pode, no estado de vigilia, explicar o que fez durante a fuga, porem, posta em estado hypnotico por M. Voísin, faz a n.arração de suas viagens. As crises começavam todas as vezes por uma vertigem; a primeira vez pensava em seu marido, dahi sua viagem ao cemiterio; a segunda vez, em seu cunhado dahi sua viagem a Romainville. Neurasthenia OBSERVAÇÃO I (géhin) Julien L.... com 27 annos de idade, exercendo em Bordeaux a profissão de mercieiro. Não lem antecedentes pessôaes nem hereditários. E' um rapaz intelligente. Primeira fuga.-Foi aos dez annos que executou a pri- meira fuga. Era externo no Lyceu de Bordeaux. Sahindo da classe ás quatro horas da tarde, .partiu para feira e ficou todo o serão sem comer e sem pensar um só instante no desassocego que sua ausência poderia causar a seus paes. Estes, não o vendo voltar á hora habitual, tiveram a idéa de ir procural-o no campo da feira. A's duas horas da manhã, acharam-no numa estação de policia. Os agentes policiaes acabavam de encontral-o, errando como um vaga- bundo, e de o conduzir a Permanente. 0 menino declarou 71 que não premeditou esta fuga. Partira só, sahindo do lyceu, sem saber onde iria, porem conservando integralmente a consciência de seus actos. Segunda fuga.-Aos 13 annos fez uma fuga muito mais longa. Um bello dia, deixou a casa paterna e foi a pé até a Poitiers, á casa de um dos seus tios. Gastou oito dias nesta viagem de 250 kilometros. A idéa de ir a Poitiers surgiu de repente em seu espirito; disse a si mesmo: <Eu parto para Poitiers», e se poz em marcha, não sabendo que caminho devia tomar. Em todo seu trajecto não perdeu um só ins- tante a consciência. Terceira fuga.-Aos 19 annos, verifica praça no 131 regimento de infanteria, de guarnição em Caulommiers. Tor- na-se rapidamente cabo de esquadra; no momento de ser promovido a sargento, seus chefes lhe recusaram a per- missão de ausentar-se durante 24 horas. Parte, apezar disso, sabendo muito bem, que seria punido, e volta ao quartel no dia seguinte para ouvir sua condemnação a alguns dias de prisão. Quarta-fuga. - Deixa o serviço militar, volta para Bor- deaux e entra para um armazém. Em 1888, num bello dia, deixa o armazém, luma o caminho de Passac e chega a Arcachon sem saber porque, « para marchar» diz elle; segue as dunas que marginam o oceano, atravessa uma parte de Landes, e vem encalhar em Biscarosse, onde é preso como vagabundo. 0 maire lhe pede seus papeis; elle responde dando o endereço dos paes; escrevem a elles, e seu pae vem buscal-o. Quinta fuga. - Em Outubro de 1888, parte para Paris a pé, sem dinheiro. Faz esta viagem em vinte dias. Em Paris, recebe o dinheiro e volta pelo trem de ferro para tomar a direcção do seu armazém. 72 Sexta fuga.-Em Janeiro de 1889, a idéa de viajar surge cm seu espirito; mette-se na estrada de Bayonne, erra du- rante vários dias entre Biarritz, Rendaye, Foniarabie, e Irum; atravessa Saint-Jean-Pied-de-Parle ; chega a Pan, onde é preso pela policia no momento em que pede ao maire um abrigo para passar a noite. Seu pae, informado da prisão delle, vem, em pessoa, buscal-o. Sétima fuga. - Tres mezes depois commelte uma nova fuga e volta para Bordeaux. Oitava fuga.-Fica com sua familia, occupando-se regu- larmente de seus negocios até o mez de Junho de 1890. A 2 de Junho, seu pae lhe observou que elle vendeu certa mercadoria por um preço muito pouco elevado: sahe de seu armazém tendo no bolso doze francos; pára alguns intantes num café do boulevard; depois põe-se a caminho para Mc- rignac; atravessa La Briéde e vae dormir, no dia seguinte, em Barsac. Depois de algumas horas de repouso, torna a partir na direcção de Toulouse; atravessa o Rhodano em Townon, passa a Annonay, Saint-Etienne e chega á Moulinsi a 16 de Julho. Escreve a seu pae que lhe envie dinheiro afim de voltar para Bordeaux; este lhe envia 75 francos; mas, em logar de se servir delles para pagar a viagem de retorno, continua a vagabundear, dirige-se para Nevers, atra- vessa Montargis e chega a Paris, nos últimos de Julh >. Per- manece ahi tres semanas; parte para Fonlainebleau, Monte- reau^ Sens, Joigny, Dijon, Mdcon, Bourg^ Grenobie. La Salelle; ahi trabalha tres semanas; depois, se dirige para Gap, Sisteron^ Marosque, Aix, e chega a Marseille a 3 de Novem- bro. Em Marseille^ recebe dinheiro e volta para Bordeaux pelo trem de ferro, depois de uma ausência de cinco meze0. Estado act uai.-Nenhum symploma nem de hysteria, nem de epilepsia. Cephaléa, sensação de vasio na cabeça, ina- 73 ptidão a fixação da attenção, tremor das mãos e da língua, accesso de melancholia e de tristeza. Parte sabendo muito bem o que vae fazer, porem é um verdadeiro allivio para elle quando está em marcha num grande caminho. OBSERVAÇÃO II (géhin) L. François.-Jéan...lõ annos. Nada que assignalar em seus antecedentes. Fugiu 18 vezes de mas Eloi, casa de correcção, situada na Haute-Vienne, onde foi encerrado pela primeira vez na idade de 9 annos, depois de unia condemnação por vagabundagem, roubo e incêndio. Primeira fuga.--Fugiu cm pleno dia, com dous cama- radas. Elle e os companheiros ganham a cornmuna de Cha- ptelal, situada ha cerca de dous kilometros. Reconhecidos, graças a seus costumes, são reconduzidos, á tarde mesmo, para a casa de correcção. Segunda fuga.-Tres mezes depois, foge de novo, mas só. Parte em direcção à Paris, faz uns vinte kilomettos, porem é preso de novo e levado ao mas Eloi, depois de uma ausência de dous dias. No mez de Julho de 1887, re- cebe a confirmação. A colonia estando em festa nesta occa- sião, se aproveita disto para fugir com tres de seus cama- radas. Partem, atravez das montanhas e das florestas, na direcção de Saint-Yrieix, porem entram por si mesmos na colonia depois de um dia de ausência. Lembra-se muito bem de ler matado uma cobra durante esta fuga que custou-lhe quatro dias de cellula. Quarta fuga.-No mez de Agosto de 1890, fugiu di rante a noite com um de seus camaradas. Marcham sem cessar, fazendo quarenta ou cincoenta kilometros por dia. Percorrem 74 em lodos os sentidos, o bosque montanhoso de Saínt-Yrieiv (/laute-Vienne^ isto mendigando para viver. Vão até a Saint- Pritarion, no mesmo departamento; depois ganham Engue- nande e dahi chegam a Châtre (Indre) onde são presos pela agencia de policia que, desde muito, os procurava. Foram encarcerados na prisão de Limoges (Haute-Viennè) e dahi foram enviados ao mas Eloi. Quinta fuga.-Foi em 1892, que executou sua grande fuga de cinco mezes, durante os quaes percorreu Chatau- roux^ Châlre, Bourganeuf, Angoulême, Confolens, e acabou por vir encalhar em Bordeaux, onde foi preso, como va- gabundo, pela policia, no momento em que passeava no caes. 0 campo visual não está estreitado. Não tem achro- matopsia. A sensibilidade da pelle e das mucosas é abso- lutamente normal. Tremor notável da lingua e das mãos estiradas. Reflexo pharyngiano, abolido. Abobada palatina deformada. OBSERVAÇÃO III (géhin) Celina E... 13 annos. Nenhum symploma.de hysteria, nem de epilepsia. Não teve nenhuma moléstia durante a in- fância. Na idade de 8 annos, teve ataques de somnambu- lismo durante os quaes se levantava á noite e errava pelos aposentos de seus paes. Esles ataques duraram até a idade de 11 annos; esta menina não apresentou nenhum pheno- meno nervoso, Primeira fuga.-(Junho de 1891). Celina parte, da rua Monadey, pelas 11 horas da manhã, toma o caminho de Albret, a rua Judaique, a rua de Église-Saint-Seurin^ chega no boukvard de Caudéran e na casa em que devia ir. Ahi, 75 disseram-lhe que voltasse alguns dias mais tarde para lhe pagarem. Em logar de entrar directamenle em sua casa, ella continua o seu caminho ao longo dos boulevards, depois toma a rua (LOrnano. Passa deante da Chartreuse e ganha a praça de Repôs, onde chega pelas tres horas da tarde. Fica ahi até ás quatro horas ; depois, torna a descer a rua ^Ornano, atravessa o caminho (VAlbret, toma a rua Rohan, percorre a praça Pey-Berland, atravessa a rua Buffour-Du- bergier e cae flnalmente na estrada Viclor Hugo, onde chega pelas dez horas da noite. Ella para na esquina das ruas Canihac e Vielor-Hugo, e assenta-se num banco de pedra, onde, âs 11 horas da manhã, é apanhada pela policia que a conduz á estação da rua Leyteire. Ahi, dá seu endereço e levam-na para sua casa ás duas horas da manhã. Segunda fuga.-Celina parte, de Tourny, ás 8 horas da manhã, atravessa a praça Gambella, desce o caminho de Albret, depois o de Champion. Em seguida ganha a rua de Bayonne, atravessa o Boulevard de Talence e chega a Talence mesmo ás seis horas da tarde. Pára na alameda Gambella diante d'uma venda, cuja patroa, por piedade, lhe dá o que comer e a faz deitar-se. Levam-na para casa de sua irmã e dahi dirigem-na para a casa paterna, depois de tres dias de ausência. Terceira fuga.-Parte de casa de seus paes ás tres horas da tarde, deixando sobre a mesa um bilhete, no qual avisava a sua mãe que ia á rua Bayonne vender alguns objectos e que estaria de volta ás quatro horas da tarde. Sua mãe entrou ás cinco horas e ella ainda não linha vindo. Celina, dèpois de ter tomado a rua de Saini-Jèan, cabiu no caes. Depois de ter passado a pontesinha, ganhou La Souys e chegou a Camblanc ás 8 horas da noite. Chegando nesta localidade, ella esbarra diante de uma casa na qual receberam- 76 na e deram-lhe comida. Ella ahi dorme e dá seu endereço exacto em Bordeaux, para onde reconduzem na. Quarta fuga.-A's sele horas da manha dirige-se a rua Capdcvllle a mandado de sua mãe. Parte de casa e ganha a rua Bigles. Vae a ponte de Maye e chega a Birambis. Seu pae vem a sua procura e a leva. Quinta fuga.-Parte com sua mãe e vae até ao caes de Chartrons. Sua mãe lhe diz pari esperar alguns instantes, I orem cila parle, e alr. vessi a grande Baslide. Che.a a Souys que atravessa sem parar e chega a uma villa chamada Bourg pelas nove horas da noite. Dahi torna a partir para Souys, onde é levada á estação de policia situada na ex- tremidade da grande ponte de pedra do Garonna, e dah para sua casa, depois de tres dias de ausência. Sexta fuga.-No mez de Janeiro de 1892, ella parte na direcção do Pessac onde chega depois de meio dia; vae dahi a Chapelle -de-Caurteaux, segue com os negociantes ambulantes ató Teste-de-Buch, oito dias de marcha. E', en lim, agarrada pela policia, a quem a familia tinha pre- venido. 3/ Perseguidos migradores.-Dipsomanos. Paralyticos GERAES ETG. TRAUMATISMOS No intuito de tornarmos completa a enumeração por nós feila, mencionaremos uma multidão de estados patho- logicos nos quaes as impulsões á deambulação podem ser encontradas. Fazendo-se abslracção das pyrexias, no curso das quaes, doentes ha que sentem uma impulsão irresislivel de se levantarem dos leitos e de andarem, será facil mos- irarmos que, em quasi todos os delírios parciaes, depois de um desequilíbrio psychico, o doente pode executar viagens commetter fugas. 77 M. Marie, n'uma communicação' feita, no mez de Agosto à sociedade medica dos hospilaes, menciona a observação de um indivíduo attingido pelo delirio das perseguições e cm que era manifesto o caracter impulsivo á deambulação. Reproduzimos essa observação que fará se comprehender perfeilamenle a expressão «perseguido migrador» pela qual M. Marie designou seu doente. Idade de 45 annos, este doente degenerado, sem allu- cinações declaradas foi a principio, durante vários annos, um inquieto, fugindo de perseguições mal definidas, mas pare- cendo girar principalmente em torno do temor de se ver despojar de uma herança que desejava. Afim de escapar de seus inimigos, foi para a America que percorreu em diversos sentidos. Tendo voltado para a França, conhecendo que seu tabellião abria fallencia, de perseguido tornou-se perseguidor. Emprehende então atravez da França uma série de pere- grinações. Preso como vagabundo, submettido a um exame medico, seu estado mental foi reconhecido e elle foi seques- trado. Também os dypsomanos soffrem, no começo da crise, uma impulsão idêntica. Sentem a necessidade de se escapa- rem, de fugirem, para longe do logar de sua occupação habitual. Demonstra-o a observação seguinte, publicada pelo Dr. A. Souques, nos Archives de Neurologie, de 1902. A. H., herança nevropatha do lado de sua mãe. A. P., nada a assignalar. Gosta de viver só. Começou a dypsomania na idade de 20 annos. Fugas. A primeira deu-se em Maio de 1890. Sahia de casa quando foi tomado de uma impulsão irresistível para marchar. Sem pensar em seu trabalho, invadido por esta obsessão, andou, em linha recta, sem nenhum fim. Tinha, 78 entretanto, consciência do que fazia, partindo assim, e guar- dou, muito precisa, a lembrança de todos os seus actos. Porem a impulsão dominava tudo; era forçoso que elle marchasse. «Onde os caminhos me conduziam, diz elle, eu ia». Atravessa Bagnolel, chega a Loinville, Champigny, Va- renne, Saint-Maurice; torna a voltar para sua casa 40 ho- ras depois de sua partida. Segunda fuga. Teve lugar em 1891 e durou 28 horas. Nunca teve moléstias venereas, nem crise convulsiva de ncuhuma especie, nem vertigem. Sob o ponto de vista hys- lerico, o interrogatório e o exame não revelam nenhum estigma actual ou passado. Nada do lado da sensibilidade, do tacto, da dor, da temperatura. Órgãos dos sentidos: nada. Na paralysia geral, achamos um numero considerável de observações que assignalam a impulsão á marcha ou á fuga. Os paralyticos geraes, chegados ao segundo periodo, apre- sentam um estado habitual de agitação automatica, necessi- dade de movimentos incessantes, pela simples necessidade de actividade instinctiva. Basta-nos citar uma observação publicada pelo Dr. Regis e reproduzida por Tissié: - Paralysia geral em começo; viagens numerosas. Sente-se o doente tomado de uma irresistível necessidade de viajar; atravessa a França, corre de cidade em cidade, sem nunca parar, e, sempre em caminho, sempre em marcha, parece obedecer a uma força céga que o domina e o impelle para deante. Por occasião de sua volta, esta necessidade de acti- vidade o segue e o importuna mais que nunca. P.... faz 8 a 10 léguas por dia, marcha de manhã á noite, e, algumas vezes, se levanta, ainda de noite, para passear. Do mesmo modo na pellagra, observação de Landouzi. Mme. X.. , deixa sua casa sem que se saiba o que é feito delia, e fica, até 7 horas, ausente. Achada por seu marido 79 ella recomeça a fugir, a errar, a cada instante, ao redor da villa, e, no mez de Maio, fica perdida durante 8 dias sem que se possa descobrir por onde anda. Do mesmo modo na iycanthropia, no alcoolismo. Apenas assignalamos, de passagem, todos esses casos muito conhe- cidos e cuja natureza pathogenica pode ser facilmente, de- terminada. Em todos estes delirantes é o juizo desviado, a causa directa do acto por elles praticado. «0 delirante conduz todas as sua acçòes á idéa principal que prosegue eé facilde comprehender porque executa viagens e commette fugas». Falando de um alcoolico, Laségue diz : «0 delirio sobrevem bruscamente sem se systematizar. As diligencias do doente são conformes á indecisão de sua intelligencia. Erra nas ruas, gira, dia e noite, nas mesmas localidades. Interrogado, responde tranquillamente e a melhor expressão que se pode empregar para significar sua manifestação, é dizer-se que não está adormecido nem acordado. O mesmo succede aos exhibicionistas. Trasladamos para aqui a observação de Lasegue. X..., 30 annos; vivamente reprehendido por seu pae, foge de casa; corre o campo, e, no caminho, encontra um menino; exhibe seus orgãos genitaes sem lhe dirigir uma palavra. Preso por este facto, e como vagabundo, é con- demnado a dous mezes de prisão. Seremos ainda mais breve, nos allucinados e nos dementes, porque o diagnostico impõe-se nestes casos, uma vez que se pode facilmente determinar o ponto de partida da marcha. Na syphilis, tem-se também encontrado casos, semelhantes assim o demonstra a observação de Bechterew. Passamos agora a abordar uma questão muito mais im- portante pela qual, terminaremos este capitulo. Procurámos é achámos fugas ambulatórias executadas 80 por indivíduos depois de um traumatismo, geralmente, no cra- neo. 0 traumatismo cerebral pode dar logar a verdadeiros ataques de epilepsia ou de hysteria. Pelas observações se- guintes, ver-se-ha que só a influencia traumatica pode ex- plicar a impulsão, porquanto, antes do accidenle, não apre- sentavam os doentes symptoma nenhum de hysteria nem de epilepsia, ou, pelo menos, symptoma nenhum digno de nota. Após accidentes de caminho de ferro, Vibert fala de um estado cerebral particular «muito vislnho do somnambulismo durante o qual a actividade intellectual se restringe a um automatismo manifestando-se sobre um circulo de idéas muito pequeno.» Entre os casos que elle cita em apoio, relatamos as duas observações seguintes .• Mm0. F. ., 24 annos, recebeu ligeiras contusões na cabeça. Não perdeu a consciência no momento do accidenle, po- rem, durante varias horas, ficou quasi inconsciente errando ao acaso, sem procurar voltar para sua casa. Mlue. L..., 14 annos, contusões sem gravidade, na face. Perdeu toda lembrança do que se passou immedialamenle depois do accidenle. Voltou a pé para sua casa e, durante todo o trajecto, era como uma somnambula, não parecendo ver nada do que se passava em redor de sr Chegando á casa, sua mãe extremamente inquieta por esta demora da qual ella não conhecia a causa, lhe pede explicações. M'ne L... não pode dar nenhuma e se limita a responder : «Eu te peço, deixa-me dormir.» Ella recebeu, sem protestar, algumas palmadas que sua mãe lhe deu. Observação do Dr. Motet. Trata-se de um rapaz que, depois de ter completado o tempo de serviço militar nas melhores condições physicás e moraes, volta para o seio de sua família. Pede um logar no caminho de ferro de Vincennes; emquanto não o obtem, 81 como precisa ganhar a vida, emprega-se como servente de pedreiro. Um dia, levando, na cabeça, uma vasilha com gesso, sobe a escada. Chegando á altura do segundo andar de uma casa em construcção, um degráo se quebra sob seus pés, e elle cahe atravez da abertura. Fractura a perna direita e a côxa esquerda, fica oito dias n'um estado coma- toso, e quasi um anno paralylico. Cura quasi completa. Po- rem este homem que nunca foi epiléptico fica depois sujeito a verdadeiros accessos de vagabundagem. Parte, marcha sem visar um fim, sem consciência de seus actos, automa- ticamente e não pára senão no fim de quatro horas, dez, ou mais, extenuado de fadiga e morto á fome. Pergunta a si mesmo onde está, o que veio fazer n'um logar desconhecido para elle. E' casado, tem tido ainda fugas que têm singclar- mente inquietado sua mulher. Uma delias durou oito dias e elle se dirigiu de Paris á Marseille depois, a Toulon e áNice. 0 professor Borri, num artigo datado de 31 de Junho de 1870, refere a historia de um indivíduo attingido de impulsão á deambulação, e em que nenhuma tara hereditária se revelava. Quando moço, o indivíduo alludido, cahindo de uma escada, feriu-se na cabeça, o que teve uma con- sequência local de certa gravidade. Estando em Roma, elle poz-se, subitamente a caminho, seguiu para Génova e depois, para Carnicha, passando, por fim, a fronteira. Borri não hesita em altribuir ao traumatismo a desordem mental do referido indivíduo. Para affirmar isto, elle apoia-se n'um caso traumalico semelhante observado por Grille e Simplici. no qual a impulsão á deambulação foi consecutiva a um grave traumatismo na cabeça soffrido, pelo doente, durante a mocidade. ' E, interpretando estes dous factos, Borri accrescenla: «A influencia do traumatismo na cabeça, como causa directa 82 ou indirecta de desordens nas funcçoes cerebraes não é dis- cutível, principalmenle se, na epoca em que o traumatismo age, o involucro craneano e seu conteúdo não atlingiram ainda o completo desenvolvimento; as consequências deste traumatismo concordam, nos differentes casos.com a natureza da acção traumatizante e com a predisposição individual. E, graças a esta predisposição, a epilepsia pode se mostrar pelo traumatismo tão bem como uma loucura normal». OBSERVAÇÃO DO DR. DENOMMÉ B...52 annos, acha-se no accidente de caminho de ferro de Levoillois-Perret. Apanhado entre duas banquette8 é ferido no braço direito e fortemente contundido ao nivel do parietal direito. Depois de uma perda de consciência de alguns momentos se levanta e, sem ter consciência de seu estado, parte inconscientemente. Marchou assim durante duas horas e quem sabe quando seria delido se não tivesse sido encontrado por um amigo que vendo-o ferido conduziu-o para casa e o tratou ? A perda da consciência durou dous dias; o doente tinha perdido toda lembrança do que se passara desde o accidente. Não se leva em conta, na in- demnisação que lhe foi concedida, por causa de sua ferida e da incapacidade de se servir do braço durante um mez, essa fuga ambulatória que foi atlribuidaao medo e á emoção. Desde o accidente, B. ..tem visto seu caracter mudar. Tornou-se melancholico e sonhador, sua memória enfra- queceu, tem muitas vezes ausências. CAPITULO III Consequências, para a sociedade e para os doentes, das impulsões mórbidas á deambu- lação. Deserção. Abandono de pòsto. Vagabundagem ignorância da existência de impulsões mórbidas á deambulação foi, durante longos annos e até data relativamente recente, muito prejudicial aos interesses dos infelizes attingidos por tal doença. Procuraremos demonstrar a verdade d'este assêrto. E' provável, entretanto, que a con- ceção, jã abalada pela leitura das observações por nós ci tadas, tenha feito nascer, em favor d'elles, um sentiment de compaixão. Neste capitulo havemos de nos occupar também das penas em que incorrêramos indivíduos cujas observações relatámos. Varias vezes Chantemesse, Vidal, Jules Voisin e Duponchel assignalaram a importância da questão das impulsões mór- bidas á deambulação, sob o ponto de vista medico-legal. Não basta, pois, que deploremos as consequências más re- sultantes da ignorância da existência dessas impulsões; muito m ais proveitoso será pôr em evidencia taes consequências. Abordemos em primeiro logar, a questão sob o ponto de dvista da jurisdicção militar. As impulsões á deambulação odem ser a explicação e a excusa de certos delicto smuito 84 communsno exerc:to e na marinha :-a deserção e o aban- dono de pôsto. O que, porem, em direito penal militar, se deve entender por deserção e abandono de poslo ? Nada de melhor pode- mos fazer para darmos uma idóado que sejam estes crimes e das penas em que incorre lodo aquelle que commetter qualquer d'elles, do que transcrevermos para aqui o lexto mesmo do Codigo Penal para a Armada, que, em ncsso paiz. é, como se sabe, a lei reguladora da especie, desde que fol approvado e ampliado ao exercito' pela lei n. 612 de 29 de Setembro de 1899. Em relação á deserção, preceitua o Codigo Penal para a Armada em seu art.° 117 : E' considerado desertor: § 1°. Todo o individuo ao serviço da marinha de guerra que, excedendo o tempo de licença, deixar de apresentar-se, sem causa justificada, á bordo, no quartel ou estabelecimento demarinha onde servir, dentro deoilo dias contados d'aquelle em que terminar a licença; 2o. O que deixar de apresentar-se dentro do mesmo prazo, contado do dia em que tiver sciencia de haver sido cassada ou revogada a licença; 3o. 0 que, sem causa justificada, ausentar-se de bordo, dos quartéis e estabelecimentos de marinha onde servir ; 4o. O que, sem causa justificada, communicada inconti- nenti, não se achar á bordo, ou no logar onde sua presença se torne necessária em razão do serviço, no momento de partir o navio, ou força, para viagem ou commissão ordenada; 5o. 0 que, tendo ficado prisioneiro de guerra, deixar de apresentar-se á auctoridade competente seis mezes depois do dia em que conseguir libertar-se do inimigo; 6C. O que, não se apresentar logo depois de ter cum- prido sentença condemnatoria; 85 Io. 0 que tomar praça em outro navio, ou alislar-se no exercito antes de haver obtido baixa; 8o. 0 que, em presença do inimigo, deixar de acudir a qualquer chamada ou revista : Pena-de prisão com trabalho por seis mezesa seis annos. Paragrapho unico. Si a deserção fôr para o inimigo, ou eíTectuar-se na presença d'el!e : Pena .de morte. Art.° 118. Nas mesmas penas incorrerão as praças da tripulação de navio comboiado ou mercante ao serv:ç ) d : nação, que desertarem para o inimigo ou abandonar?m o seu navio ou posto em presença do inimigo. Art.° 119. A praça de pret, ou seu assemelhado, que reincidir em deserção será expulsa, com inhabilitação para qualquer emprego publico remunerado, depois de cumprida a pena, comtanto que esta allinja a seis annos. Art.0 120. Todo aquelle que, embora extranho ao serviço da armada, subornar ou alliciar as praças para que desertem, der asylo ou transporte a desertor, sabendo que o é : Pena-do prisão com trabalho por um a dous annos. Art. L21. Aos reformados e inválidos, que se acharem em serviço aclivo, serão extensivas as disposições d'este ca- pitulo em tudo que lhes possa ser applicavel. . Tm relação ao abandono de pòsto, o referido Codigo Penal para a Armada preceitua o seguinte : Art.0 122. Todo o commandante de navio que, tendo de abandonal-o em occasião de incêndio, naufragio encalhe, ou outro perigo igual, não fôr o ultimo a sahir de bordo, ou não se conservar entre os seus commandados para os pro- teger e bem assim os interesses da Nação: Pena-de destituição, no grão máximo; de demissão, no médio; e de prisão com trabalho por um anno, no minimo. 86 Art. 123. Todo o indivíduo ao serviço da marinha de guerra que, em occasião de incêndio, naufragio, encalhe ou outro perigo imminente, abandonar o navio ou affaslar-se do seu posto: Pena-de prisão com trabalho por um a dous annos. Art. 124. Todo o indivíduo ao serviço de marinha de guerra que abandonar seu posto antes de ser rendido, ou de haver concluído o serviço de que houver sido encarregado. Pena - de prisão com trabalho por dous a seis mezes. Paragrapho unico. Si o abandono do posto tiver logar em presença do inimigo : Pena-de morte, no grão máximo ; de prisão com trabalho por vinte annos, no médio; e por dez, no minimo. Dis- posições idênticas as da lei penal brasileira para o exercito e a armada, encontram-se na legislação de todos os povos cultos. Em França, por exemplo, o abandono de pôsto é punido com pena de morte, quando commettido em presença do inimigo, ou de revoltosos armados; com pena de dois a cinco annos de trabalhos públicos, quando commettido n'um território em estado de guerra ou de sitio; e, finalmente, com a pena de dois mezes a um anno, em todos os outros casos. A lei brasileira, pois, sobre o abandono de pôsto, é muito mais benigna que a franceza. Quanto ao crime de deserção, quando commettido em tempo de paz a lei franc£za o pune assim: todo soldado ou sub-official^ incorre na pena de cinco annos de trabalhos públicos e todo official incorre na pena de destituição com prisão de um a cinco annos. Foi em consequência das disposições legaes sobre a matéria de que nos occupamos, que o doente da observação VIII, Achilles L. soffreu a pena de prisão por trinta dias, em razão de ter abandonado o posto quandosa tava de guarda'"3 porta do seu quartel, e, mais tarde, a de um 87 anno por motivo idêntico. O doente da observação XV, foi enviado á prisão militar de Bordeaux por deserção no in- terior. 0 doente da observação V, perdeu as suas divisas de sargento e soffreu a pena de prisão. Actualmente, os factos publicados não permittem mais, nem desculpam, erros semelhantes aos que enumerámos. Diz muito bem o Doutor L. Dentec:-todos esses factos devem ser muito conhecidos pelo medico militar. Si, n'um momento dado, quer espon- taneamente, quer em consequência de um traumatismo, constatar-se, n'um indivíduo, a explosão d'esses phenomenos bizarros, é mister que não se annuncie immediatamente a simulação e que não se faça o infeliz soffrer um tratamento somente dessulpavel outr'ora em consequência da ignorância em que se vivia de todas essas questões de pathologia nervosa. 0 caso de automatismo comicial ambulatório que relatámos, teria sido diagnosticado e o tratamento teria consistido em quinze ou trinta dias de prisão. Estes processos de outr'ora não são mais permittidos em nossos dias. Nosso papel, nosso dever, é protegermos os infelizes que uma diathese pode hoje ou amanhã, entregar ás mãos de ferro da justiça militar. No conjuncto de nossas observações, en- contrámos muitos indivíduos que incorreram em condemnação por crime de vagabundagem (casos de Tissié D,'Julien C.- etc). «E', pois, um caso a prever, caso muito embaraçoso, nós o confessamos. 0 erro será tanto mais difficil de ser evitado, quanto, em certos casos, o accusado é portador de uma porção de objectos que não podem provir senão de um furto. Vagabundagem, furto,-isto não é bastante para qúe se creia na culpabilidade de um indivíduo que parece possuir a integridade de suas faculdades intellectuaes, mas se obstina a não dizer coisa alguma, sob o pretexto de que não sabe explicar por que artifícios foram praticados 88 os factos a elle altribuidos. Assignalàmos essa eventualidade, unicamente com o fim de mostrarmos que o indivíduo allin- gido de automatismo ambulatório tomado por um vagabundo será fatalmente condemnado, se, durante sua fuga, com- melter um aclo criminoso. Com eífeilo, o facto de vaga- bundear o indivíduo no momento do delicio, pode enganar e mesmo ser considerado o movei que o levou á pratica do crime». Entretanto, se não podemos achar um meio de impedirmos essa vagabundagem, está, comtudo, em nossas mãos o de allenuarmos as suas perniciosas consequências. Com effeito, uma vez reconhecida a impulsão mórbida á deambulação, poderá dar-se ao indivíduo por ella atlingido um salvo -conducto firmado por um medico e com o visto da policia afim de que, em casos de delictos, não seja o doente victima dos zeladores da ordem publica inteiramente extranhos a taes assumptos. 0 doente de Charcot, Men. Leon, (observação I) trazia comsigo um certificado em que era descripta a natureza de sua moléstia e que terminava assim:-«os accessos acluaes sendo de essencia epiléptica, importam, no caso de sobrevirem novos que necessitem uma intervenção qualquer, considerar o chamado Men como um doente». Do mesmo modo, o doente de Tissié recebeu, depois de devidamenle examinado, um certificado semelhante que lhe valeu, por vaiias vezes, a soltura ao ser preso como vagabundo. Legrand du Saulle diz sobre este assumpto: «Si o acon- tecimento previsto não se realisar, a precaução será sim- plesmente inútil; mas, se se apresentarem uma pertubaçào intellectual súbita e actcs delictuosos ou criminosas em condições semelhantes às especificadas no documento da_ tado e assignado, a accusação cahirâ por terra e a pro- videncia, perspicaz do medico elevar-se-ha, á altura de 89 um beneficio merecido». Mas, para que essa precau. Ção seja util, ainda é preciso que o estado morbido seja reconhecido, ou, se o quizerem, conhecido, por aquelies a quem fôr apresentado o certificado. N'uma de suas licções de Mardi, cita Charcot, o caso de Albert D., a quem um magistrado respondia ao apresenlar- Ihe aquelie o salvo conducto de que era portador: «Pois bem; nós veremos isto». E Charcot exclama indignado: «Vós o vêdes, senhores; é triste confessal-o:-os ma- gistrados não se impressionam muito com as affirmações dos médicos; era, entretanto, se me não engano, o caso de nunca reclamarem elles a opinião dos profissionaes.» Frenkel, em sua lhese inaugural, cita lambem o caso d'uma infeliz mulher que teve de romper malhas com a justiça e viu-se, por varias vezes, despedida das casas em que servia como creada, por causa de suas ausências que não podia explicar. Presa, varias vezes, pela policia, foi, por fim, parar no hospital. E', por acaso, permitlida a du- vida em face de semelhante facto? Terminando o capitulo relativo aos epilépticos, mostrá- mos quanto o caracter impulsivo da moléstia podia confun- dir a apreciação da fuga ambulatória. Um doente, durante sua crise, pode comrneltcr aclos reprehensiveis; pode pra- ticar aclos indiílerentes; pode furtar; pode assassinar; falsificar escripturas (obs. XV epilepsia); contrahir dividas; dar facada (obs. X) etc. Estes exemplos provam-n'o supe- rabundantemente e não temos necessidade de insistir sobre o assumpto. Voltaremos, porem, a nos occupar d'estes fados, a proposito da discussão da responsabilidade e ve- remos, então, que, para a interpretação exacla dos actos exe cutados, é indispensável a constatação previa da impulsão mórbida, sem a qual não podem elles ser emprehendidos. 90 Si, em geral, as fugas não apresentam estas digressões infelizes, nem por isto é menos verdade que, em certos casos, os indivíduos, emquanto ellas duram, tornam-se perigoso3 para a sociedade e para elles proprios. E' uma prova da ultima parle do nosso asserto o doente de Charcot, o quaj7 segundo refere aquelle, acordou no Sena, onde se havia lan- çado do alto de uma ponte. O epileplico, durante sua fuga, frequenta pouco os grupos; vive, ordinariamente, só e este isolamento explica, em parte porque commellem poucos actos reprehensiveis. Mas, pelo facto mesmo de ser um epiletico, em quem as impulsões podem nascer bruscamente, de um momento para outro, está exposto a commetíer delidos durante sua crise ambulatória. Ardein-Delteil compara o syslema nervoso do epilé- ptico a uma arma carregada, a qual o mais fraco choque pode levar a explosão. 0 hyslerico, por outro lado, incessántemente em estado de equilíbrio instável, movendo-se ao mais fraco sôpro da viração, á semelhança dos calavenlos de nossos telhados, como diz Hucherd, está exposto a idênticos inconvenientes por causa d'esta mutabilidade nas idóas. Quanto aos delirantes, aos dementes, estão expostos por seu estado intellectual, a todas as excentricidades e a todos os deliclos possíveis:-furto, attenlado ao pudor, etc. Todos os indivíduos allingidos de impulsões á deambu- lação podem, pois, dar logar a relatórios medico-legaes. Mas, na maior parte dos casos, convém salientar-se, ter-se- ha que tratar de epilépticos. O que succederá a um doente attingido de impulsões á deambulação? Queremos nos occupar sómente d'aquelles em que a 91 repetição das fugas é frequente, e não d'aquelles outros em que a impulsão é um facto unico em sua vida patho- logica. 0 epiléptico, em rasão de sua tara nervosa, para a qual não possúe a medicina remedio efficaz, não pode curar-se. Certos casos de impulsões á deambulação têm, é certo, sido melhorados com o emprego do bromurêto de potássio, mas, em geral, o internamento do doente numa casa de saúde impõe-se. 0 hyslerico e o neuraslhenico são mais favorecidos; as consequências remotas de seu estado parecem menos graves. A repetição das fugas é, em geral, mais rara e a cura mais facil de ser obtida. A suggeslão que se deve empregar como meio de diagnostico da fuga, pode ser também utilizada para seu tratamento. Mas os allucinados, os dementes, os delirantes merecem um juizo severo. Desde que a tara foi descoberta como causa da impulsão, o medico deverá agir. A decadência intellectual de que a impulsão póde, no começo, ser a unica manifes- tação apreciável, augmentará, insensivelmente, com o correr dos tempos e o individuo assim irá marchando fatalmente para a perda completa de sua personalidade consciente. Assignalámos, no capitulo primeiro, as amnésias trauma- ticas; citámos a observação de Rouillard, as da these de Guillemaud, as quaes.provam que o automatismo consecutivo ao traumatismo, começando um certo tempo, muito curto, depois do accidente, é comparável ao automatismo ambu- latório comicial. As observações de Motet, Borri, Grilli e Sim- plice, nos permittem estabelecer distincções com as prece- dentes e tirar delias conclusões. Nestes últimos casos, o que chama a attenção, é a influencia remota do traumatismo ; o automatismo ambulatório não succede immediatamente á quéda, ao golpe ; não apparece senão varias horas, vários dias depois. Como quer que seja, o apparecimento da 92 deambulapão. acto automalico facilmente reconhecível, é o indicio certo de um choque; omitlil-o numa citação é se expor a commetler um erro grave. Si, em geral, as impulsões â deambulação consecutivas aos traumatismos são apenas manifestações duma perturba- ção transitória, é, todavia, certo, que ellas podem ser a ma- nifestação unica do uma alteração psychica que se revelará mais tarde. CAPITULO IV Questâo da responsabilidade s impulsõeSj mórbidas á deambulação, em no-so pensar, são a manifestação de uma impotência in- tellectua passageira, porém, certa; a vontade é incapaz de dominal-as. Determinámos as varias formas que ellas podem tomar ; basta-nos agora, pois, como disse o professor Lacas- sagne a proposilo da alienação mental, demonstrarmos que o estado mental que lhe succede é anormal, de natureza pa- thogenica e capaz de annular o livre arbítrio. Sobre que repousa a responsabilidade ? Sobre a consciência do acto em sua natureza verdadeira e sobre a liberdade inteira quj presidiu a sua execução, sem violência exterior ou interior. O art.° 27 do Codigo Penal Brasileiro, em vigor, embora esteja mal redigido, prevê o caso, quando diz: Não são criminosos : | 4.° Os que se acharem em estado de completa pri- vação de sentido e de intelligencia no acto de commetter o crime. Nos casos de impulsões mórbidas á deambulação re- feridas á epilepsia, que são as mais frequentes, deve-se, sem hesitação e em todas as hypotheses, beneficiar o doente com as restricções d'este artigo. Pode-se, é certo, demons- trar nelles uma especie de conexão de idéas, uma con- sciência de quem os cerca bastante para leval-os a coor- 94 denar os movimentos que executam, dando-lhes assim a apparencia da vida ordinaria; não se póde, porem admittir nelles a integridade da consciência do bem e do mal. Como diz Sous, o indivíduo cabido em seu estado segundo, julgando tudo quanto o cerca, coordenando suas impressões actuaes com um período mais ou menos afastado de sua existência-o unico de que conserva lembrança, não pode nunca, achar-se durante seu estado de crise, em sua appa- rcnle consciência, nas condições necessárias para pensar sensatamenie e, por consequência, ser responsável. Pode ser considerado como um ebrio, ou como um verdadeiro alie- nado. 0 epiléptico é irresponsável pela fuga que commette e também pelos actos que executa durante seu accesso. 0 furto, o assassinato, todos os deliclos que assignalámos, emfim, dependem de impressões diversas, sentidas pelos in- divíduos num momento de sua existência e, reapparecendo bruscamenle sem intervenção da consciência, não podem ser attribuidos ao indivíduo. A respeito dos dementes, dos allucinados, dos delirantes, nada diremos; qualquer que seja o acto executado num estado de demencia, a irresponsabilidade de quem o pratica está declarada. Vamos nos occupar, alguns instantes, dos casos emba- raçosos de determinismo ambulatório em que os indivíduos captivos de uma auto-suggestão de origem difficilmente apreciável, «põem-se a fugir, não com uma inconsciência tão completa, mas dominados por um desejo imperioso, uma vontade omnipotente, que parece substituir-se á sua, e que determina-os a fugirem a despeito de todos os obstáculos e de todos os inconvenientes que resultarem de sua par- tida.» É evidente que. n'estes casos, poder-se-ha objectar que o indivíduo está na plena posse de sua intelligencia, 95 que a tendencia á fuga, á deserção, é apenas uma inclina- ção má, uma tendencia à loucura, e que nada demonstra que o individuo fez quanto poude para resistir a tal ten- dencia. Mas objeclaremos que, si no individuo absolutamente são a responsabilidade repousa sobre o grâo de resistência não pode succeder o mesmo com indivíduos que conside- ramos. Para nòs, elles são doentes ; agem dominados por uma impulsão doentia e a distincção não pode servir aqui de critério para a responsabilidade. E, como diz Maudsley, «concluir, neste caso particular, que uma impulsão nascida da moléstia poderia ser dominada enão foi e, em consequên- cia, punir o culpado, é attribuir uma penetração a que ninguém, no mundo, pode pretender; é commetter sob o nome sagrado da justiça, uma acção que tem as maiores probabilidades de ser uma tremenda injustiça.» Que juizo, pois, deverá ser emittido nos casos de im- pulsões mórbidas á deambulação, quando derem ellas logar a um relatorio medico-legal? Não achamos na lei nenhum artigo que tenha previsto estas perturbações transitórias. 0 Codigo Francez preceitua que o maior em estado habitual de imbecilidade, dedemencia ou de furor, deve ser interdicto, embora tenha intervallos lúcidos. Por direito civil pátrio, lambem deve ser dado cu- rador aos alienados e fracos de espirito expressão sob a qual comprehendem-se, no dizer do eminente ClovísBevilaqua, - «todos aquelles que, por organisação cerebral incompleta, por moléstia localisadano encephalo, lesão somatica ou vicio de organisação, não gozam de equilíbrio mental e clareza de razão sufficientes para conduzirem-se socialmente nas varias relações da vida, como: os idiotas, os imbecis, os surdos-mu_ dos de nascença não educados suíficientemenle, os vesanicos, os furiosos, que a nossa lei designa commumente pelos 96 nomes geraes de mentecaptos, dessasizados, dementes e furiosos e cuja caracterisação scientiíica incumbe aos alie- nistas e aos mcdico-legistas.» «Sendo a loucura de lúcidos ptervallos, durante elles regerá o demente seus bens, sem comtudo cessar a curadoria» ensina Teixeira de Freitas. Nos casos, porem, de impulsões mórbidas â deammbu- 1 ação; achamo-nos em presença de indivíduos, tendo um estado habitual de lucidez e apresentando raros intervallos de in- consciência e loucura. Desde que são julgados irresponsáveis, o que faremos nós? E' necessário, para resolver-se convenientemente esta questão, considerarem-se separadamente os diversos casos e estabelecerem-se categorias. A causa da alteração mór- bida sendo determinada, cremos ser possível fazel-o. O in- divíduo que não commelte actos reprehensiveis poderá ser deixado em plena e inteira liberdade; poderá errar durante suas crises, porem, pouco nos importa isto desde quando elle não prejudica a sociedade. Relativamente aos indiví- duos perigosos ou susceptiveis de virem a sel-o, como os epilépticos que podem, durante sua fuga, ser dominados por outras impulsões, é forçoso aconselhar-sc o interna- mento d'elles numa casa de saúde. Só depois de uma longa observação que permitia determinar o caracter preciso da impulsão d'elles, poder-se-ha restituii-os á liberdade; mas, antes de um exame serio e completo, nunca se deve dei- xar a errarem semelhantes indivíduos perigosos para si proprio e para a sociedade. Essa precaução é uma obra humanitaria e o cumprimento de um dever social. Em sum- ma, nos achamos em presença de indivíduos altingidos por um delirio especial, o delirio dos actos e «por circumscri- plo que possa parecer o alcance delle, como diz Maudsley, 97 o resto do espirito não está são. Acha-se num estado em que não só todas as impulsões ligadas ao deli rio adquirem uma força irresistível, mas, além d'isso, favorecem o nas- cimento de impulsões inexplicáveis e sem relação alguma com a observação». E' também dever do medico poupar ao doente punições immerecidas, premunir a sociedade contra attentados possíveis, devendo cada caso particular deter- minar um julgamento especial. Terminaremos este capitulo, aílirmando que as impulsões á deambulação são extremamente frequentes, principalmente na epilepsia, e que é necessário conhecer-se a existência d'ellas, rnormente sob o ponto de vista do direito penal militar, pois que o abandono de posto e a deserção, sendo delictos muito communs no exercito, o medico que, ignorar estes factos estará exposto a commetter, no exei cicio de sua profissão, erros de graves consequências. PROPOSIÇÕES Tres sobre cada uma das cadeiras do curso de stiencias medicas e cirúrgicas PROPOSIÇÕES ANATOMIA DESCRIPTIVA I O coração é separado, internamente, por um septo lon- gitudinal que o divide em coração direito e coração esquerdo. II 0 coração direito é destinado a conter sangue venoso e o esquerdo, sangue arterial. III Um outro septo transverso existe que divide o coração em quatro compartimentos: dous superiores, as aurículas e dous inferiores, os ventrículos. ANATOMIA MEDICO CIRÚRGICA I A verdadeira região sub-clavicular apresenla-se quando o musculo grande peitoral é levantado. II Sua forma é triangular; o cume do triângulo está diri- gido para fóra; corresponde ã apophyse coracoide, reco- berta, ella mesma, pelas fibras mais anteriores do musculo deltoide; a base corresponde á parede costal ao nivel do primeiro espaço inlercoslal; o bordo superior é formado pela clavícula e o musculo sub-clavicular, e o bordo inferior é formado pelo musculo pequeno peitoral, donde o nome de triângulo clavi-peitoral que serve para designal-o. IV III A area desse triângulo é coberta por um lamina fibrosa, chamada aponevrose clavi-peiloral. HISTOLOGIA I As fibras musculares cardiacas são estriadas, ellas se dividam e se anastomosam de maneira a formarem uma rêde. II Entre as cellulas cardiacas, existe o cimento que, pela arção do nitrato de prata, ennegrece, e as linhas anne- gradas que formam escadas, designam-se sob o nome de linhas scalariformes de Eberlh. III Cada celiula è formada de uma massa de substancia estriada, transversal e longitudinalmente, no centro da qual se acha um, ou mais núcleos. BACTERIOLOGIA I 0 agente productor da pneumomia, na grande maioria dos casos, é o pneumococcus. II Também podem produzir pneumonias, o bacillo de Eberlh e o hematozoario de Laveran etc. III Os pneumococcus têm a forma de grãos lanceolados; são raramentcs isolados; muitas vezes reunidos em diplococcus V ou em curtas cadeias de quatro a seis elementos; sempre immoveis; coram-se muito beta com todas as côres de ani- lina; e com o azul de melhyleno phenicado mostram uma capsula que envolve os elementos. ANATOMIA E PHYSIOLOGIA PATHOLOGICAS I Na hypertrophía verdadeira do coração, o volume e o peso d'elle são augmentados. II A hypertrophía do ventrículo esquerdo augmenta o dia- metro longitudinal do coração; a do ventrículo direito au- gmenla-lhe o diâmetro transverso; e a generalisada modi- fica um pouco a forma delle. III Na hypertrophía do coração a alteração da fibra muscular é a dominante, mas existe ainda lesões do tecido conjun- ctivo, do endocardio, do pericárdio e dos vasos. PATHOLOGIA EXTERNA I Designam-se, sob o nome de gangrena, os processos pathologicos que tendem à mortificação dos nossos tecidos e à sua eliminação sob a forma de escaras. II A expressão esphacelo pode ser considerada como syno- nyma de gangrena. III A gangrena do osso éa necrose; a escara, o sequestro VI OPERAÇÕES E APPARELHOS I A amputação de um membro gangrenado deve ser regu- larmente feita, muito acima da parle gangrenada. II Deve-se dar preferencia ao melhodo de dous retalhos iguaes. III Quanto ao momento de fazer a amputação, uns dizem que ella deve ser immediata, outros aífirmam que cila só deve ter logar quando a gangrena está limitada. CLINICA CIRÚRGICA (i.a cadeira) I A gangrena diabética é, evidenlemenle, de todas as gan- grenas, a mais complexa em sua pathogenia. II Ella não se pode explicar somente pela presença do as- sucar na urina e no sangue; porque, muitas vezes, o indivíduo não tem assucar e a gangrena se produz. III A cachexia lambem não a explica, porque âs vezes a gangrena é o primeiro signal da diabetes. CLINICA CIRÚRGICA (2a. cadeira) I Têm-se apresentado varias lheorias para explicar a pa- thogenia da gangrena diabética: uns incriminam a arterite; VII outros invocam as nevriles periphericas; outros, a deshydra- tação dos elementos analomicos; outros, a influencia favo- rável do assucar sobre o desenvolvimento das culturas. II A gangrena diabética pode se encarar, no ponto de vista clinico, sob dous aspectos principaes: num, a infecção domina; n'oulro, não ha infecção. III Na gangrena diabética séptica, ora ella é manifesta- mente secundaria á inflammação, ora ella predomina sobre a inflammação, ora a phase inflammatoria falta e a gangrena se apresenta de vez. PATHOLOGIA MEDICA I A hysteria é uma nevrose de todo o systema nervoso. II Ella pode ser considerada como verdadeiro Protheu; pois se apresenta sob as mais varias formas, como o camelião que, a cada momento, mostra distincta coloração. III O desdobramento do espirito, ou antes sua desaggre- gação, é a lei geral nos hystericos. CLINICA PROPEDÊUTICA I A anemia é frequente nos alienados e, n'algumas condi- ções particulares, ella pode gosar o papel de causa. VIII II Afóra a anemia classica, observa-se, nelles, muitas vezes, uma diminuição dos globulos e dos materiaes soiidos. III A hypoglobulia é mais pronunciada nas formas depres- sivas do que nas formas exaltadas. HISTORIA NATURAL MEDICA I 0 oxyuris vermicularcs pertence a classe dos nema- toides. II E' um verme branco, movei, pequeno, tendo a femea mais ou menos, um centímetro e o macho, quatro a cinco millimetros de comprimento. III Os ovos dos oxyuris têm uma forma oval irregular e uma delgada camada envolve um conteúdo uniformemenle granuloso. CHIMICA MEDICA I Obtem-se o bromureto de potássio pela acçâo do bromo sobre a potassa. 11 0 bromureto de potássio apresenta-se sob o aspecto de cryslaes cúbicos incolores, inodoros, de sabor salgado e um tanto acre, muito solúvel n'agua. IX III 0 bromureto de potássio faz diminuir e mesmo des- apparecer os accessos de epilepsia. OBSTETRÍCIA Cada epoca menstrual coincide geralmente com a ru- plura de um folliculo de Graaf. II Alguns parteiros e gynecologistas asseveram que a mens- truação é uma funcção do ulero subordinada ao modo de evolução da mucosa uterina e independente da ovulução. III Ha casos de ovulução sem menstruação e casos de menstruação sem ovulução. CLINICA OBSTÉTRICA E GYNECOLOGICA I As perturbações da menstruação são frequentes nas mu- lheres alienadas. II A menstruação pode ser muitas vezes suspensa. III Sua volta, coincidindo com uma melhora das perturba- ções é de um diagnostico favoravel; se ella, porém, ao contrario disto, occorre sem esta melhora correlativa, é antes um signal de incurabilidade. X CLINICA MEDICA (l.a cadeira) I As impulsões mórbidas á deambulação são muito fre quentes na epilepsia. II Elias lambem se encontram na hysteria, porém, menos frequenlemenle do que na epilepsia. III Encontram-se lambem na neurasthenia, porém, ainda menos frequentemente do que na hysteria. CLINICA' MEDICA (2." cadeira) I Um dos symplomas mais importantes para o diagnostico diílerencial das tres variedades de impulsões mórbidas á deambulação é o estado da consciência, que auxiliado com o eslado da memória, permilte quasi distinguir as tres variedades; assim, na epilepsia, a impulsão é inconsciente, a fuga lambem inconsciente, e ha amnésia absolula ao acordar. II Na hysteria, a impulsão é consciente, a fuga inconsciente e ha amnésia ao acordar, embora menos absoluta do que na epilepsia; e, se o indivíduo for hypnotisado, lembrar-se- ha dos fados executados durante a fuga. III Na neurasthenia, a impulsão é consciente, a fuga con- sciente e não ha amnésia ao acordar. XI MATÉRIA MEDICA, PHARMACOLOGIA E ARTE DE FORMULAR I 0 eucalyptus globulus é uma arvore gigantesca da fa- mília das Myrtaceas. II Suas folhas contêm uma essencia activa que é o euca- lyptol. III A essencia de eucalypto é um liquido incolor, muito fluido, de um cheiro analogo ao da camphora, de um sabor amargo e quente, pouco solúvel n'agua, muito soiuvel no ether, no álcool, nos oleos fixos e voláteis. PHYSIOLOGIA I As urinas do somno são duas a quatro vezes menos toxicas do que as do periodo de actividade cerebral. II As urinas do somno são convulsivantes. III As da vigilia são narcóticas. THERAPEUTICA I 0 somnambulismo provocado faz desapparccur osomnam- buhsmo natural. XII n Faz lambem desapparecer as crises hyslericas. III Quando a hysteria é curada seriamente e não em appa- rencia somente, o somnambulismo e a suggestibilidade des- apparecem. MEDICINA LEGAL E TOXICOLOGIA I Os epilépticos, os hystericos e os neuraslhenicòs são irresponsáveis pelas fugas que cometlem e pelos aclos que executam durante seus accessos. II São, porém, responsáveis pelos actos que praticam no inlervallo das crises, desde que estejam cm completo estado de consciência. III Os dementes, os allucinados, os delirantes, qualquer que seja o acto que execute n'um estado de demencia, são irresponsáveis. HYGIENE I Os habitantes das altas montanhas são, em geral, attm- gidos por uma anemia particular. II Essa anemia ou anoxhemia é caracterisada por um enfra- quecimento do organismo e pela pallidez dos tecidos resul- taule* de uma falta de oxygeuação dos globulos vermelhos. XIII III Os habitantes das altas montanhas são, raramennte, atlingidos por tuberculose pulmonar. CLINICA PEDIÁTRICA I 0 oxyuris vermiculuris vive no grosso intestino do homem e principalmente no da creança. II Sahe pelo anus, principalmente à noite, e produz um prurido' intenso anal e ás vezes vaginal. III 0 prurido que o oxyuris provoca pode tornar-se o ponto de partida de hábitos de onanismo. CLINICA OPHTALMOLOGICA I 0 estreitamento do campo visual, é muito frequente nos hystericos. II 0 hysterico, em geral, não tem consciência d'esse estrei- tamento, que, quando extremamente reduzido, permitte-lhe, conduzir-se perfeitamente. III Nos estreitamentos orgânicos do campo visual, a perda da faculdade de orientação é exactamente proporcional ao grão do estreitamento que revela o perímetro. XIV CLINICA DERMATOLÓGICA E SYPHILIGRAPHICA I 0 zona é caracterisado por vesículas herpeticas dispostas em series lineares sobre o trajecto dos nervos sub-culaneos. II 0 zona pode ser a manifestação de uma infecção, de um resfriamento, de uma intoxicação, de uma alteração dos cordões posteriores da medulla, de nevrites por periostite, por pleu- risia, ou de nevrites consecutivas ás feridas ou ãs con- tusões dos nervos. III * A localisação mais commum do zona é o thorax ; depois, por ordem de frequência, o abdómen, os membros in- feriores, a face etc. CLINICA PSYCHIATRICA E DE MOLÉSTIAS NERVOSAS I Nos melancólicos, as funcções genilaes são, em geral, abilidas. II Têm-se demonstrado que antes do começo da loucura, ha uma diminuição das sensações sexuaes e dos desejos venereos. III Têm-se, também, demonstrado que, na loucura em que o instincto seuxal é abolido, existe, ás vezes, azoospermia. Secretaria da Faculdade de Medicina da Bahia, 30 de Outubro de 1903. 0 Secretario, ©r. uYLenanàro dos í^eis DyteireUes. ERRATA PAGS. LINHAS ERROS GORREGÇÕES 5 '4 põe-se á põem-se á 7 » kinecticos kineticos » 31 conciencia consciência 8 18 e 19 conciencia consciência 9 4 Sareo Sarlo » condicções condições 15 4 cêre cêra » 1 5 viceraes visceraes » 16 mais más '9 14 etyologicas etiologicas » 3o lavrada larvada 20 1 1 que 0 cercam que os cercam )) 2 cadeia candeia » 29 têm tem 2 I 9 dividamente devidamente » 24 professionaes profissionaes 22 4 proposto propostos )) 1 3 autores auctores » >7 pertubação perturbação » não os olhos são os olhos 23 3 derigem dirigem )) ão differente tão differente 25 8 e 9 Bourru e Barot Bourruete, Burot 26 0 0 ma idéa uma idéa ^7 • 29 0 poder em 0 poderem em -^9 27 que é delle que é delia 76 20 Dipsomanos Dypsomanos 9? 1 I epiletico epiléptico 22 conexão connexão 95 6 com indivíduos com os indivíduos 96 I dessasizados desassisados )) 28 para si proprio para si proprios XII 7 comettem commettem » i3 execute executem XIV 15 abilidas abolidas