Faculdade de Medicina da Bahia THESE APRES ENTADA Á Faculdade de Medicina da Bahia Em 23 de Outubro de 1903 PARA SER DEFENDIDA POR Soateó 'òe; dWaiijo oftínwofcuu Pharmaceutics pela mesma Faculdade NATURAL DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE (Açú) AFIM DE OBTER O GRAU DE DOUTOR E/VY MEDICINH DISSERTAÇÃO CADEIRA DE PATHOLOGIA CIRÚRGICA AFFECÇÃO CALCULOSA VESICAL PROPOSIÇÕES Tres sobre cada uma das cadeiras do curso de sciencias medicas e cirúrgicas BAHIA IMPRENSA MODERNA DE PRUDENCIO DE CARVALHO Rua S. Francisco, 29 igo3 Faculdade dc Medicina da Bahia Director—Dr. ALFREDO BRUTO Vice-Director-Dt. ALEXANDRE E DE CASTRO CERQUEIRA Lentes cathedraticos Ra çÃO OS DRS. MATÉRIAS QUE LECCIONAM J. Carneiro de Campos Anatomia descriptiva. Carlos Freitas Anatomia rnedico-cirurgica. 2. Secção Antonio Pacifico Pereira. . . . Histologia Augusto C. Vianna Bacl enologia Guilherme Pereira Rehello. . . . Anatomia e Physiologia patliologicas 3. Secção Manuel José de Araújo Physiologia. José Eduardu F.de Carvalho Filho. . Therapeutica. 4. a Secção Raymundo Nina Rodrigues. . . . Medicina legal e Toxicolo6j.ia, Ilygiene. 5. Secção Braz Hennentgildo do Amaral . . cirúrgica. Fortunato Augusto da Silva Jun!or . Operações e apparelhos Antonio Pacheco Mendes . . • . Clinica cirúrgica, 1.» cadeira lgnario Monteiro de Almeida Gouveia . Clinica címrgica, 2.» cadtira 6. a Secção Aurélio R. Vianna Pathología medica. Alfredo Britto Clinica propeoeutica. Aui;io Circundes de Carvalho. . . Clinica medica P* cadeire. Francisco Braulio Pereira Clinica medica 2.a cadeira 7. a Secção José Rodrigues da Costa Dorea . . Historia natural medica. A. Victoriode Araújo Falcão . . . Matéria medica, P iarniacologia e Arte de formular. José Olympio de Azevedo .... Chimica medica. 8. Secção Deocleciano Ramos Obstetrícia Climerio Cardoso de Oliveira . . . Ciinica obstétrica e gynecolcgica. 9. a Secção Frederico de Castro Rehello . . . . Clinica pediátrica •10. Secção Francisco dos Santos Pereira. . . Clinica ophtalmoh gica. 41. Secção Alexandre E. de Castro Cerqueira . Clinica dermatológica e syphiligraplnoa 12. Secção J. Tíllemont Fontes Clinica psychiatriea e ile moléstias nervosas. Luiz Anselmo da Fonseca JoãoE. de Castro Cerqueira ... Em disponibil.ilade Sebastião Cardoso ' Lentes substitutos OS DOUTORES ■ I. secção Gonçalo Moniz S >dré de Aragão . . • 2 a » Pedro Luiz Ceie: tino 3.a * Josino Correia ( otias 4. a » b. ;i » João Américo Gtrcez Fróes (i.a » Pedro da Luz Carrascosa 7.h > J. Adeodato de Seu a 8.a » Alfredo Ferreira de Magall ães . . . '.i.a « Clodoaldo de An Iratie 10. « Carlos Ferreira Santos ...... II. > 12. * Secretario-DR. MENANDRO DOS REIS MEIRELLES Sub-secretario—DR. MATHEUS VAZ DE OLIVEIRA A Factildade não appreva neni reprova as opiniões exaradas uas Dusej pêlos seus autores. NOTA PEEVIA Q dos que pensam na necessidade das especialidades clinicas em Medicina. Só assim o medico poderá, sem lesar a Propedêutica e seus proprios interesses, exercel-a com profi- ciência e critério. Contrariamente ao empyrismo, nào se contenta mais a Tlie- rapeutica racional tão somente com o diagnostico nosologico para instituir um tratamento: elia exige o diagnostico do fun- ccionamento de cada orgão em particular. Hoje, sóo especialista será archiatro. De todas as especialidades clinicas nos interessa mais, de ha muito, a de Moléstias das vias urinarias. D’ahi a razão de ser da escolha do nosso ponto. Apresentando-o em These inaugural, longe paira de nosso espirito a idéa de successo; e, si não passar inteiramente in- differente o nosso trabalho aos olhos dos estudiosos, não será nossa a gloria que de direito cabe áquelles de quem colhemos as idéas e os ensinamentos. Bahia — 1903. j2^í-eL*jo- CXtM^o-nÁA DISSERTAÇÃO CADEIRA DE PATHOLOGIA CIRÚRGICA AFfECÇflO GAIiGUliOSfl tfESIGAIi 4 AFFECÇÃO CALCULOSA VESICAL CAPITULO i Etiologia, lithogenia urinaria, anatomia e physiologia pathologicas A lithiase vesical é um dos capítulos da Patho- logia do apparelho urinário que mais tem pren- dido a attenção dos especialistas. Grande numero de causas. predispõe o orga- nismo a esse estado particular de precipitações e agglomerações de massas que, ora teem seu ponto inicial na própria bexiga, ora veem descendo pelo canal excretor da urina para, chegando ao orgão vesical, crescer e calculificar-se. Dessas causas umas são geraes, outras estão in- timamente ligadas ao proprio indivíduo, outras prendem-se a alterações da víscera, as ultimas podendo mesmo constituir-se factores determi- nantes. Causas geraes — a) Clima — Para Rey, Mahé e Pousson o clima nenhuma importância tem na etiologia da lithiase vesical. Até mesmo o solo que, cooperando directamente na composição das aguas, poderia de alguma sorte influenciar 1 2 Pedro A morim na genese da affecção calculosa vesical, não tem responsabilidade na producção d’este estado morbido, segundo as observações de Civiale e Dobson. Não obstante, Denys accusou a ausência de saes terrosos nas aguas de Hollanda como sendo a causa da grande frequência dos cálculos vesicaes naquelle paiz. A índia é de todos os pontos da Terra o que é assignalado como sendo aquelle em que são mais communs as affecções calculosas. Depois seria a Pérsia. Entre nós não são raros os lithiasicos. ò) Alimentação e bebidas — O genero de ali- mentação, variavel como é de povo a povo e ainda nas differentes classes sociaes, parece-nos ser de todas as condições geraes a mais impor- tante. Para alguns é de valor nullo. Aconselhando uma opinião intermediária, Pousson lembra o papel preponderante da con- stituição e do temperamento. E notável a influencia que a alimentação ve- getariana exclusiva tem na lithiase urica. Às aguas calcareas e magnesianas influenciam mediocremente na lithiase vesical. As bebidas ali- mentares actuam mais accentuadamente. Os vinhos de Bourgogne, de Médoc, etc., favo- recem-n’a. Contrariamente, os de Champagne, do Rheno, etc., por sua riqueza em acido carbonico, combatem a diathese urica. A cerveja tem sido Affecção Calculosa Vesical 3 considerada alternativamente como favorecendo ou, ao contrario, impedindo a lithiase. A cidra, por suas propriedades diuréticas e lithontripticas de- vidas aos carbonatos alcalinos, impede a lithiase, segundo Denis Dumont. Causas individuaes—a) Raça— A raça branca é a mais predisposta. Embora Rey, Mahé e outros neguem o valor da raça na etiologia da lithiase vesical, as estatísticas de Gross e Martin na America, de Rayer e Brunet no Egypto, de- monstram-n’o claramente. Os hindus e os persas teem uma predisposição particular aos cálculos vesicaes. b) Idade — E’ um factor etiologico importante na affecção calculosa vesical. Rara na idade em que as trocas nutritivas se contrabalançam, havendo uma igualdade mais ou menos perfeita entre as correntes de assimilação e desassimilação e o* organismo tem chegado ao seu gráo máximo de desenvolvimento, a lithiase vesical espreita o fiel da balança da nutrição para no desequilíbrio apresentar sua maior frequência. São a infancia e a velhice, os extremos da vida, as idades propicias. Mas, circumstancia que todos os auctores registam: ao passo que são as creanças das classes menos favorecidas da sociedade as victi- mas preferidas, são, na classe opposta, os velhos que maior tributo pagam á lithiase. 4 Pedro Amorim A eliminação dos uratos de ammonio ou de sodio dos tubos uriniferos das creanças, saes estes cuja presença Wirchow considerava physiologica na infancia, pode dar logará lithiase vesical, expli- cando sua frequência n’esta idade. No adulto prende-se a perturbações da digestão a lithiase urica. Será talvez o abuso de substancias azotadas a par de insufficiencia de combustões, auxiliado por uma diathese e por uma vida sedentária, que entram em contribuição para esse estado. Para a lithiase oxalica a etiologia é ainda mais obscura. A riquesa do acido oxalico na alimentação que se tem invocado nada prova desde que seu au- gmento na urina não foi ainda verificado. Ella tem certamente por causa também um dese- quilíbrio de nutrição, embora nos seja desconhecido o mecanismo intimo de sua producção. c) Sexo — E’ sem duvida o*sexo forte que nos dá maior contingente de lithiasicos. A explicação do facto estará talvez na sobriedade da mulher, na lentidão das combustões e principalmente, segundo Desnos, na disposição particular da urethra e da bexiga permittindo uma eliminação mais facil aos cálculos que descem do rim. d) Herança —As observações não em pequeno numero de que em famílias diversas se apresenta- vam affecções calculosas vesicaes de paes a filhos, Affecção Calculosa Vesical 5 deixaram a convicção da hereditariedade possível da lithiase vesical, não a hereditariedade da moléstia o que não é admissível, mas, como entende Bouchard, essa disposição congénita familiar para esse genero morbido. e) Constituição e temperamento — Estudar o papel da constituição e do temperamento é tocar no coração do problema etiologico da urolithiase, na expressão de Pousson. De facto, são estreitíssimas as relações entre o temperamento e a constituição indíviduaes e a lithiase. A diathese é causa primordial da affecção calculosa, pois depende o apparecimento na urina de substancias susceptiveis de tornar-se a origem das da capacidade do indivíduo de re- cebel-as e utilisal-as. Bouchard, Durand-Fardel e Lécorché apre- ciaram esse facto. A diathese urica determinando as diversas ma - nifestações da lithiase acida pode ser collocada hoje, pelos trabalhos de Bouchard, BenceJones e outros, ao lado da diathese phosphatica, pro- duzindo a lithiase alcalina, embora os cálculos d’esta natureza só excepcionalmente appareçam sem a precedencia de uma manifestação micro- biana inflammatoria do apparelho urinário. 6 Pedro Amorim f) Profissão, hábitos e posição social — É ainda uma questão controversa. Para Thompson a affecção calculosa vesical tem relação definida sobretudo com a posição social. Civiale não lhe attribue valor algum. Parece- nos que o facto que vimos a proposito de idade, de serem as creanças pobres e os velhos das classes abastadas ou remediadas as victimas de escolha, justifica a opinião do grande professor inglez. g) Moléstias chronicas ou agudas — Certas manifestações mórbidas, agudas ou chronicas, teem sido apontadas como predispondo ou mesmo determinando a urolithiase. E’ assim que Leroy d’Etiolles mostra varias observações de con- creções apparecendo durante ou após o tratamento de fracturas, de osteo-arthrite tuberculosa, etc. Mas, nesses casos, antes que á moléstia, a manifestação pode ser attribuida á predisposição que a falta de exercido, a vida sedentária dos doentes dão para a lithiase. Nos cholericos, Prout, Kletzinsky e Beale as- signalaram a tendencia aos depositos do oxalato de cálcio. Certas febres, concentrando a urina, de- terminam formações calculosas e pretendeu-se mesmo que todas as concreções renaes se forma- riam sob a influencia de accesso febril (Keyes). Affecção Calculosa Vesical 7 Causas locaes — Podem ser factores occa- sionaes como podem ser causas determinantes. As phlegmasias agudas ou chronicas das mu- cosas das vias de excreção da urina, a inflam- mação vesical principalmente, determinando mo- dificações na composição e mudanças na reacção da urina, favorecem as precipitações, como a do phosphato de cálcio na urina alcalina ou dos uratos na urina muito acida ou concentrada. A estagnação da urina, quer seja devida a uma atonia ou paralysia da bexiga, quer a um obstáculo mecânico impossibilitando a passagem da urina, quer a uma hypertrophia da próstata ou um estreitamento urethral, quer ainda a um es- gotamento incompleto da bexiga, pode deter- minar também essas modificações sobretudo si a inflammação coopera também para isso. Uma terceira causa local é a existência de corpos estranhos na bexiga, núcleos de precipi- tação para òs phosphatos e os saescalcareos quando a cystite se tem manifestado. Primitivamente, para a explicação da genese dos cálculos, appareceram as mais engenhosas theorias: Van Helmont ideiou uma forço petrifi- cante; Mickel imaginou um catarrho lithogeno; Beckerel invocou uma influencia electrica. 8 Pedro Amorim Em 1843 Scherer deu a primeira explicação scientifica da lithogenia sob o nome de theoria chimica. Seguiram-se outras que mais ou menos satis- factoriamente explicam o phenomeno; taes são: a theoria physica, a theoria histo-necrotica e mo- dernamente a theoria bacteriana. Theoria chimica—A fermentação acida e a fermentação alcalina que soffre a secreção renal em suas vias de excreção, a primeira liber- tando o acido urico de suas combinações, a outra decompondo a uréa em carbonato de ammonio pouco fixo e cuja base sae para formar uratos e phosphatos, podem explicar a precipitação de um certo numero de princípios salinos da urina; mas são deficientes para nos dar conta de sua agglutinação e sua agglomeração. Esse poder foi attribuido á matéria animal até quando Charles Robin sustentou que a matéria animal não inter- vinha na adhesão dos crystaes e que esta era o resultado da juxtaposição immediata por contacto reciproco'. A opinião de Charles Robin deixa de estar de accordo com o que se observa na clinica na parte em qúe diz que os princípios solidos da urina se depositam todas as vezes que sua solução se concentra, quer pela diminuição da agua, quer pelo excesso dos mesmos princípios. Affecção Calculosa Vesical 9 Theoria physioa — Funda-se na theoria dos colloides que, creada por Ord, dá uma explicação muito satisfactoria da precipitação e agglomeração dos princípios solidos da urina, e está conforme com a pratica. • , Ella tem seu fundamento nas observações de Rainey que tendo feito precipitar numa solução gommosa clifferentes saes e notado que as crystal- lisações tinham uma estructura inteiramente nova, concluiu que a viscosidade da gomma destroe a polaridade do. crystal e deixa as moléculas obe- decerem á lei de mutua attracção. Esta propriedade teve sua confirmação em ex- periências consecutivas em que essas erystallisa- ções artificiaes quebraram-se, desaggregaram-se e voltaram á sua disposição molecular primitiva, quando collocadas em novas soluções gommosas de differente peso especifico. Segundo Ord, pois, a lithiase vesical se explica pela presença de substancias colloides na urina normal (mucus, inateria corante extractiva), ou pathologica (albumina, assucar, sangue, pús). O excesso de princípios solidos dissolvidos na urina é apenas causa predisponente, tornando im- minente a formação do calculo. Tb eoria, histo-necrotica — Esta dirige-se propriamente á formação dos cálculos primitivos 10 Pedro Amorim do rim e foi apresentada em 1889 por Ebstein e Nicolaíer. Estes auctores, tendo verificado que no rim, no ureterio ou na bexiga de animaes sub- mettidos á administração da oxamide existiam concreções calculosas, acreditam que a eliminação d'esta substancia determina a degenerescencia gordurosa e a necrose do epithelio e que as cellulas mortificadas que se destacam tornam-se o núcleo no qual se precipitam e se agglomeram os saes calcareos. Esta theoria mereceu a critica de Guyon que não acredita que nos calculosos uricos a eliminação, do oxalato de cálcio, phenomeno raro e, quando existe, pouco pronunciado, influa na genese das concreções; mas inclina-se a admittir que os crystaes de acido urico, de formas essencialmente irregulares, segundo Méhu caracteristicos das urinas dos calculosos, agem provocando a desca- mação epithelial em sua passagem e os cadaveres das cellulas sendo, como ja vimos, o centro da for- mação calculosa. Os alimentos aggressivos de Penzoldt determi-, nando o mesmo effeito, teriam também um papel importantíssimo em lithogenia. Theoria bacteriana— A lithiase vesical, como a lithiase urinaria em geral, não podia eáca- par á tendencia moderna de tudo procurar expli- car pelos microscopicos seres vegetaes, hospedes Affecção Calcnlosa Vesical 11 habituaes ou invasores de nosso organismo que n’elle encontram o paraiso, parodiando a phrase de Roger, em relação ao intestino humano. E a verificação da existência delles nos cálculos levou Valdeyer e Galippe a admittirem sua influencia pathogenica. Obstein e Doyen e depois Vidàl e Chantemesse provaram, porem, a não existência de germens nos cálculos uricos, e nem era admis- sível tal facto em cálculos que proveem de um apparelho aseptico. O papel, portanto, desses seres inferiores em lithogenia tornou-se secundário, não podendo ser despresado em absoluto em vista de sua acção incontestável nas alterações da urina e na vitali- dade da mucosa urinaria. Esta influencia parece até necessária, na opinião de Tuffier e outros, para provocar o deposito dos saes da urina em torno dos corpos estranhos das vias urinarias. Bazy estuda os cálculos vesicaes considerando-os como um accidente da lithiase, ou uma complicação da cystite, e como taes dívide-os em primitivos e secundários. .Os primitivos são os de acido urico, de oxalato de cálcio e mais raramente de cystina, xantina, de carbonato de cálcio; os de acido urico sendo de 12 Pedro Amorim todos os mais communs. Os secundários são os de phosphato de cálcio e de phosphato ammonio-ma- gnesiano. Os primeiros são anteriores a toda lesão. Os últimos, consecutivos á cystite. O numero de cálculos está na rasão inversa do tamanho. Geralmente unico, elles podem attingir uma cifra espantosa: cincoenta, cem, mil e mais. O volume medio seria de tres a cinco.centímetros, segundo Desnos. Quando solitários elles podem chegar a um tamanho considerável. O peso, que depende do volume e da composição chimica, é algumas vezes admiravel: mil e quatro- centos grammas (Beale). Sua fórma é ora lenticular, ora achatada, ora ovoide, ora facetada. A densidade é variavel; praticàmente assim se classificam : oxalato de cálcio, acido urico, urato de ammonio e phosphatos. A’ excepção das con- creções de phosphato de magnésio puro excepcio- naes (Méhu), todos os cálculos vesicaes são mais densos que a urina. Sua cor é amarellada, si são formados de acido urico; anegrada, si ha predominância de oxalato de cálcio ; cinzento-escura, si são constituídos por urato de ammonio; branca para as concreções de phosphato e de carbonato. A consistência varia desde a nrollesa extrema á duresa do mármore, do silex (Pousson), É depen- Affecção Calculosa Vesiccil 13 dente do volume, da idade do calculo, da dispo- sição intima de seus elementos e principalmente da composição chimica. São molles, pastosos, os de phosphato e carbo- nato, e extremamente duros os uricos e oxalicos. Fazendo-se o córte de um calculo, reconhecem-se nelle facilmente duas porções distinctas: uma central—o núcleo; outra peripherica — a casca. O núcleo, geralmente apresentando o aspecto homogeneo, é constituído pela agglomeração das mais variadas substancias que a urina deixa depo- sitar: acido urico e seus compostos na proporção de 80 p 100, segundo ultzmann, oxalatos, phos- phatos, mucus, sangue, fibrina, detritos das paredes dos conductos urinários, ovos de entozoarios, etc. Quasi sempre unico, ha casos de multiplicidade de núcleos. Neste caso Civiale, Desault e Des- ciiamps pensam que a pedra resulta da fusão de varias concreções numa só massa. Na maioria dos casos o núcleo se continúa sem interrupção de camadas com a parte peripherica; outras vezes, porém, ha espaço livre entre o núcleo e a camada mais interna da porção peripherica* ficando o núcleo movei no interior do calculo. Outras vezes a massa nuclear é substituída por uma sub- stancia pulverulenta de côr variada; em outros casos ainda a porção nuclear está inteiramente vasia. À retracção do núcleo, que é então formado de matéria organisada (mucus, coagulo sanguíneo, fibrina, etc.), que nos explica sua mobilidade, pode 14 Pedro Amorim !r até o ponto de fazel-o desapparecer. A retra- cção tem por causa a deseccação. A casca é tanto mais espessa quanto mais idoso é o calculo, e apresenta aspectos diversos. Ora o corte do calculo mostra-nos uma massa homogenea, lisa, em que se não distinguem as phases do tra- balho de sua formação; ora, ao contrario, aspera, parecendo formada de pequenos grãos agglome- rados e grudados; ora constituída por laminas encaixadas umas nas outras. Quando as laminas não são formadas pela mesma substancia chimica diffe- renciam-se claramente por sua coloração. Quando um calculo pequeno ou de volume medio está movei na bexiga, tem de obedecer ás leis da gravidade e cae no baixo-fundo, principalmente nos velhos, nos quaes o desenvolvimento do lobo medio da próstata impede a encravação. Nas bexigas sensíveis as contracções parciaes podem prender apedra e mantel-a acima do collo, nos lados ou mesmo no vertice. Nãò devemos confundir este encellulamento passageiro (Guyon) com o encastoamento permanente. O crescimento do calculo difficulta cada vez mais seu deslocamento e a loja que elle vae a pouco e pouco cavando nas partes que comprime acaba por immobilisal-o; por exemplo, na loja retroprostatica no homem, e em uma excavação situada ao lado do utero na mulher. Essa immobilidade physiologica é sempre rela- tiva e distincta dos casos de fixidez permanente determinada por uma disposição pathologica das Affecção Cale idosa Vesical 15 paredes vesicaes. Esta tem logar: a) pelo alon- gamento das concreções nos orifícios naturaes (urethra, ureterios); b) pelo enlaçamento em pro- ducções vilosas da mucosa vesical; c) encastoa- mento numa cellula; d) fixação num kysto. Estas disposições raramente se encontram na pratica (Ch. Monod, Pousson). Para completarmos o estudo anatomo-patho- logico falta-nos apenas tratar das lesões vesicaes. Como vimos, o calculo pode provir de um estado pathologico da bexiga, ou a bexiga estar doente pela existência de um calculo em seu seio. No segundo caso physiologicas, estas alterações traduzem a reacção natural do organismo contra o mal invasor; consistem na hypertrophia dos feixes musculares que fazem relevo e constituem a bexiga em columnas. No primeiro caso é a phlegmasia vesical que não sendo fatal, como se acreditava antigamente, depende, como sabe-se hoje, de um estado séptico da bexiga, o calculo predispondo-a á cystite. A sclerose e a inflammação que os ureterios, os bassinettes e os rips podem apresentar, se desen- volvem quer primitivamente em virtude de uma lithiase renal, quer consecutivamente á presença de calculo vesical. 16 Pedro Amorim O crescimento dos cálculos e sua fragmentação expontânea constituem a physiologia pathologica da affecção. Uma vez formado um núcleo, elle torna-se logo um centro em torno do qual se vão depositando todas as substancias que a urina deixa precipitar, como nas confecções das drageas as camadas de assucar se depositam em torno da amêndoa, apro- veitando a bella comparação de Dionis. E assim vae crescendo o calculo na bexiga. Os movimentos do doente e as contracções da viscera vão regularisando a disposição dos peque- ninos grãos que formarão a massa da pedra vesical. Mas, como nem sempre a composição da urina é a mesma, sendo a bexiga um posto onde se pode fiscalisar todo o commercio da economia, é de in- tuição que o crescimento dos cálculos vesicaes não se faça continua e progressivamente, havendo phases de perfeito estacionamento e outras de acceleração notável. Somente, pois, approxima- tivamente, podemos avaliar a marcha do cresci- mento dos cálculos vesicaes. Para resolver o problema Crosse dividiu o peso do calculo pelo numero de annos durante os quaes o doente accusou symptomas da affecção calculosa e chegou á conclusão de que no adulto um calculo de acido urico ou de oxalato calcareo cresce de quatro a oito grammas por anno. Comprehende-se quanto tem de falho este pro- cesso, desde que a lithiase vesical sendo uma Affecção Calculosa Vesical 17 moléstia insidiosa, os cálculos podem atravessar silenciosos grande parte de seu desenvolvimento. Ultzmann empregou outro expediente: Mergu- lhando um certo numero de substancias £|ue se prestassem a ser o núcleo das precipitações em sua própria urina acida que se renovava diaria- mente, achou que essas substancias augmentavam por anno de um decimo de seu peso. Os cálculos de acido urico e de oxalato crescem lentamente quando sua estructura é compacta; rapi- damente quando esponjosa. Os cálculos phosphaticos teem um crescimento tão rápido que podem em alguns mezes attingir um volume considerável. Não ha limites para o desenvolvimento dos cálculos vesicaes e estes occupariam toda a bexiga si as complicações não puzessem quasi sempre um termo á affecção. Uma vez constituídos, os cálculos apresentam algumas vezes, raras é verdade, um phenomeno curioso: a fragmentação expontânea. Diversamente interpretado, elle tem tido as mais interessantes explicações. Neuhor, com a theoria da fermentação do núcleo e Southam, com os gazes desenvolvidos no interior das concreções, preten- deram ter achado o x do problema. Para Civiale, Fabrice de Hilden e Covillard as contracções da bexiga hypertrophiada determi- 18 Pedro Amo rim navam a fragmentação da pedra; Leroy d’Etiolles protestando contra essa transformação da bexiga em moelas suppõe que a deseccação, que vimos já determinar o desapparecimento do núcleo, progre- dindo para a peripheria poderia levar a casca a um gráo tal de adelgaçamento que levaria á dehis- cencia. A theoria lithoçenica dos colloides de Ord é a que melhor explica o phenomeno (Pousson ). Elle produz-se por dois mecanismos: ora a mudança de reacção e de densidade da urina determina a imbibição da matéria cimentar e dá-se sua desinte- gração molecular; ora a imbibição da urina pode ir até o núcleo que, intumescendo, faz arrebentar a pedra. Segundo Ord, pode-se attribuir á presença de sporos e de mycelium que se tem encontrado nos fragmentos uma parte do trabalho de desintegração dos cálculos vesicaes. Para fechar o nosso primeiro capitulo uma ligeira noticia sobre a classificação dos cálculos vesicaes. Pondo de parte as classificações de Fourcroy, Bigelow e Thompson e muitas outras propostas, todas peccando pela deficiência de conhecimentos que suas divisões nos fornecem, baseando-se na composição chimica do calculo sem nada elucidar sobre as circumstancias clinicas que levam á preci- pitação dos saes da urina, adoptaremos com Affecção Calculosa Vesical 19 Pousson e Desnos a de Ultzmann modificada por Keyes. 2a. CLASSE' K CLASSE l Cálculos- secundários ou sym- ptomáticos, formando-se em urina" alcalina ou quando existe lesões inflammatorias da mucosa urinaria Cálculos primários, formando- se*n’uma urina acida ou não alcalina Cálculos de urato de ammônio Cálculos de phosphato tricalcico Cálculos de phospliato ammonio-magnesianos Cálculos de phospliato amorpho de cálcio Cálculos de urostealitlio Cálculos <le acido urico Cálculos de urato de sodio Cálculos de urato de potássio, de cálcio Cálculos de oxalato de cálcio Cálculos de cystina Cálculos de xantina Cálculos de carbonato de cálcio Cálculos de phospliato bicalcico Cálculos de indigo CAPITULO II Symptomatologia, marcha, complicações, diagnostico e prognostico Podemos dividir a symptomatologia da affecçao calculosa vesical em dois grupos: symptomas funccionaes, racionaes ou de probabilidade; sym- ptomas physicos, signaes de certesa da existência de calculo na bexiga. No primeiro grupo estudaremos as manifestações dolorosas, as modificações da urina e as perturbações da micção. No segundo, trataremos dos signaes aríificíaes, provocados por manobras cirúrgicas e processos propedêuticos que nos possam fazer tocar directa ou indirectamente á pedra vesical. Manifestações dolorosas — O syndroma dolo- roso denominado cólica nephritica, precursor, não fatal mas commum, dos cálculos vesicaes, denuncia a origem extra-vesical d’esses e prende-se á lithiase renal. Elle traduz a passagem de concreções mais ou menos volumosas dos rins para a bexiga. A dor calculosa vesical é a sensação insólita que o doente experimenta na região recto-vesical, que 22 Pedro Amo rim apparece expontaneamente ou consecutivamente a quedas, traumatismos na região, ou exercicios forçados. Raramente permanente quando expontânea, ella reproduz-se pelas mesmas causas. Limita-se no começo a sensações de peso no perineo e no recto, mas, a medida que a moléstia progride, vae augmentando até a ponto de tornar-se insupportavel, reclamando uma intervenção. As dores procedem então por crises, havendo períodos silenciosos por vezes bastante longos. Partindo da bexiga, ellas teem seu máximo de intensidade no collo d’este orgão, no baixo-ventre e no perineo, propagam-se aos orgãos visinhos (verga, urethra, rins, bolsas, testículos, recto, anus) e, ás vezes, a pontos afastados, como as verilhas, o sacro, o coccyx, os lombos, membros inferiores, o dedo grande do pé (Guyon), a planta do pé (podalgia de Curtis e pathologistas americanos) e até mesmo aos membros superiores (Hunter). As irradiações para a verga e a glande são as mais frequentemente observadas. São sensações de ardor, de queimadura, de picadas que levam os doentes a coçar, machucar, apertar sua glande, trazendo nas creanças a provocação para a mas- turbação e para todos os doentes um estado de congestão e de irritação que pode determinar um augmento considerável cia glande, um alongamento do prepucio e mesmo uma hypertrophia da verga. Nas creanças, nas irradiações para o anus, as Affecção Calculosa Vesical 23 ulcerações não são raras, produzidas pelos proprios doentinhos que, para satisfazer o prurido que os afflige e procurando elevar o baixo-fundo da bexiga para diminuir a sensação de peso sobre o perineo, muitas vezes trazem constantemente os dedos intro- duzidos no anus. Numa observação recente do Dr. Barata Ribeiro, era tal o estado de deformação do anus por fendas largas e fundas, rubras e sangrentas, que o erudito professor acreditou á primeira vista que se tratasse de um infeliz cuja degradação social tivesse arrastado á pederastia passiva; o anus era caracterisadamente infundibuliforme e, até onde se podia ver, descobria-se a mucosa irritada, tumefacta, congestionada, apresentando aqui e alí ulcerações mais ou menos fundas, redondas, umas ovalares, outras longitudinaes e profundas, verda- deiras fendas que vinham desde o bordo da abertura perineal. Essas, dores são hoje explicadas não mais pela pressão do calculo sobre a mucosa vesical, como se acreditou antigamente, mas pelas contracções irregulares e violentas da bexiga inflammacla sobre o corpo estranho; e tanto parece verdade que se observam principalmente nas creanças enos moços, n’essas idades a camada muscular se hypertro- phiando facilmente, emquanto que nos velhos as paredes vesicaes adelgaçadas não são mais susce- ptiveis de reacção. Em regra geral as dores calculosas vesicaes 24 Pedro Amorim não se manifestam quando os doentes guardam o decúbito horisontal, dizendo Guyon que ellesá noute estão curados. As dores provocadas não faltam nunca e se ma- nifestam tanto nos doentes que teem a bexiga sã como nos affectados de cystite. A marcha, o salto, a carreira, as viagens em troles, a cavallo, etc., etc., outras vezes a simples estação de pé ou assentada, são as causas provo- cadoras communs das manifestações dolorosas dos cálculos vesicaes. A oscillação dos navios produz o mesmo resul- tado ; mas de todos os vectores são as carruagens ligeiras os que dão choques mais dolorosos porque, ao passo que nos outros casos, pela posição do doente, o calculo oscilla lateralmente, n’estas os movimentos são antero-posteriores, atirando a pedra sobre a mucosa do collo, parte mais sensivel de todo o revestimento vesical. Muitas vezes essas dores adquirem intensidade tal que torna-se impos- sível a utilisação de taes vehiculos, os doentes pro- curando de preferencia as conducções pesadas e . demoradas. Os passeios de bond e as viagens em estradas de ferro são as melhores supportadas. Quando a bexiga contem uma certa quantidade de urina que impede de alguma sorte o contacto da mucosa com a pedra, esta perdendo, pela lei de Archimedes, parte de seu peso, as dores são mais attenuadas. E’ por esta razão que no fim da Affecção Calculosa Vesical 25 micção as dores se manifestam ou adquirem seu máximo de intensidade. Elias são ainda mais accentuadas tratando-se de creanças e adultos, a hypertrophia da próstata, commum nos velhos, defendendo o collo vesical do contacto com o corpo estranho. Modificações da urina—A hematúria é a modi- ficação principal da urina na lithiase vesical; e mesmo assim, não fossem as circumstancias espe- ciaes que a determinam, seria por si só de medíocre importância para o diagnostico de calculo vesical. Com effeito, não sendo nunca espontânea, ella se manifesta após uma queda, uma carreira, um exercício, emfim, fatigante qualquer e traduz os traumatismos que o calculo produziu na mucosa vesical. A hemorrhagia pára desde que o doente fique em repouso e só se reproduzirá sob as mesmas condições que a determinaram na primeira vez. O sangue derramado é francamente vermelho, intimamente misturado á urina ou mesmo puro. As sensações dolorosas faltam muitas vezes em absoluto e os doentes ficam surprehendidos de ver sangue em sua urina sem atinar com as causas de tal hemorrhagia. A composição chimica da urina não soffre alteração. O pús, os depositos viscosos são indícios de uma cystite concomitante, primitiva ou secun- daria. 26 Pedro Arnorim A verificação da existência de areias, graviers, durante a micção, traduz a predisposição do doente para a affecção calculosa, mas de fórma alguma indica presença de calculo na bexiga. E’ um phenomeno importante a buscar entre os commemorativos do doente. Perturbações da micção—A pollakiuria é um phenomeno frequente nos calculosos, accen- tuando-se ainda mais com os exercícios. Áo passo que nos prostaticos ella manifesta- se á noute desapparecendo durante o dia, nos lithiasicos dá-se exactamente o inverso. Um signal que tinha para certos pathologistas um valor pathognostico era a interrupção brusca do jacto no correr da micção. Tem valor nas creanças e nos adultos. Dependendo de causas especiaes como sejam a pequenhez e mobilidade do calculo, para, durante a micção, poder vir collocar-se no orifício vesical afrolhando-o, elle fica numa relatividade despresti- giosa. Alem disso é necessário que o calculo ache-se numa posição em declive, manifestando-se quando o doente está de pé e desapparecendo quando deitado. Si a próstata está hypertrophiada, defende o collo do contacto com o calculo e então, nem mesmo o doente urinando de pé, o facto tem verificação. A duração, o volume, o gráo de projecção, a Affecção Calculosci Vesical 27 forma do jacto de urina não têm algum valor semei ologico. A retenção é excepcional; produz-se nas mesmas condições que determinam a parada brusca do jacto e significa que o calculo se acha encravado no orifício vesical ou na urethra. Mais raramente ainda ,ella se produz determinada por um espasmo reflexo da região membranosa. <z> A incontinência se faz por um mecanismo ana- logo; observa-se quando um calculo irregular que está obturando o collo deixa passar um pouco de urina. No segundo grupo de symptomas nos occu- paremos do toque, rectal no homem e vaginal na mulher, e da exploração intra-vesical ou directa. Exploração indirccta — O toque rectal como o vaginal têm um valor diminuto no diagnostico de calculo, já por sua restricta esphera de acção, já porque nr s fornecem conhecimentos muito limi- tados. O primeiro somente dá-nos esclarecimentos tra- tando-se de creanças ou de individuos emmagre- cidos. N’estes últimos explora-se com a polpa do dedo indicador o cul-de-sac vesical e, imprimindo um choque brusco que levante a pedra, sente-se sua queda. Na mulher o toque vaginal permitte com grande facilidade diagnosticarmos a existência de calculo vesical. Mas, ambos não nos esclarecem quando 28 Pedro Amorim queremos conhecer o volume, a forma ou os ca- racteres das concreções que a bexiga hos- peda. Nas creanças devemos recorrer ao toque rectal pela difficuldade de praticar-se o catheterismo sem chloroformisâção. Mesmo assim esse processo é muitas vezes negativo. Guyon dá muito valor ao toque vaginal porque nas mulheres o catheterismo vesical, quando é ne- gativo, não nos garante a não existência de pedra, em virtude da grande capacidade da bexiga e da depressibilidade de suas paredes. A palpação hypogastrica que poderiamos fazer combinadamente com o toque só dará resultado no caso de um calculo volumoso. Exploração directa — A exploração intravesical é o processo que mais seguros esclarecimentos nos fornece, porém, infelizmente nem sempre nos é permittido delle lançar mão. E’ contraindicada em absoluto desde que o doente apresente febre ou outra qualquer manifestação da intoxicação urinosa.Exige repouso da parte do pa- ciente, si este fez uma pequena viagem ou mesmo si volta de suas occupações diarias. E, si elle está atacado pelas dores afflictivas da cystite, é impos- sivel a exploração sem o auxilio da anesthesia.Emfim, é uma verdadeira operação cirúrgica com todo o seu cortejo de cuidados e requerendo do medico certa habilidade. Affecção Calculosa Vesical 29 Para a anesthesia, indispensável aos indivíduos atacados pela cystite, como ás creanças e aos adultos muito impressionáveis, tem sido aconse- lhado o emprego local da cocaina. Ella diminue effectivamente as çontracções da urethra, do collo e do proprio corpo da bexiga durante a exploração. Porém, pondo de parte mesmo as idiosyncrasias, ella é inefficaz nos casos de cystite. Em regra geral é preferível a anesthesia geral. O arsenal cirúrgico, as precauções preliminares, a posição do doente são as do catheterismo em geral com as pequeninas modificações que a intel- ligencia do operador poderá de occasião adoptar. As sondas de gomma, rectas ou curvas, que em caso de necessidade podemos empregar com algum proveito não são comtudo as preferíveis. Os instru- mentos exploradores da bexiga devem ser me- tallicos. O doente em decúbito dorsal, nadegas levan- tadas por um travesseiro pouco alto. Alguns práticos aconselham fazer previamente uma injecção vesical, outros acham-n’a inútil e lembram que a bexiga con- tendo pequena quantidade de liquido expõe menos que o calculo nos passe despercebido. Havendo conveniência, poder-se-ha evacuara urinae injectar um pouco de uma solução boricada. Alguns auctores dão grande importância ás ma- nobras preparatórias, isto é, á introducção diaria ou pouco espaçada de velas cónicas olivares de dia- metro progressivamente crescente. Tem por obje- 30 Pedro Amorim ctivo dilatar a urethra e principalmente habituar o doente ao contacto dos instrumentos. Nos casos de estreitamentos parecem lógicas taes precauções; mas, quando elles não existem, a dila- tação é inútil e nos arriscamos ás irritações ou mesmo infecções que mais prejudicariam o doente e retardariam a intervenção. Eis a technica da operação: Introduzido o explorador cheio, de pequena curvadura (de prefe- rencia á sonda exploradora canaliculada), o instru- mento é dirigido para atraz até o encontro da parede posterior da bexiga, cleslisando sobre a mucosa. Recomeça-se do outro lado a mesma manobra. Si nada encontrou-se, volta-se o instrumento, man- tendo-se em baixo a extremidade do bico de forma a explorar todo o baixo-fundo e a circumscrever o collo. Si é ainda negativa a pesquisa, percorre-se novamente a bexiga, mas imprimindo pequenos e rápidos movimentos que levantem e abaixem o bico da sonda de maneira a exercer uma percussão doce sobre as paredes vesicaes. O bico pode assim penetrar atraz de uma dobra da mucosa ou uma columna que escondesse um calculo ( Desnos). Si uma concreção existe na bexiga, uma sensação de attrito mais ou menos aspera denuncia-a e o cirurgião sente a resistência e um ruido de choque audivel mesmo á distancia e cuja tonalidade clara ou grave pode logo, como diz Thompson, escla- recer-nos sobre sua natureza uratica ou phos- phatica. Affecção Calculosa Vesical 31 Ha vantagens algumas vezes, para explorarmos uma bexiga calculosa, em proceder da seguinte maneira aconselhada pelo Dr. Edgard Chevalier : Introduz-se uma sonda de gomma e manda-se o doente ficar de pé; nada sentimos ao introduzil-a, mas, deixando correr a urina, o doente accusa dor; retira-se então a sonda lentamente e sente-se o attrito ao mesmo tempo que experimentamos alguma difificuldade em retirar a sonda, comprimida pelo calculo e a bexiga contrahidá: ha uma pedra. Também podemos apreciar pela percussão as dimensões do calculo: sendo reconhecida sua posição, vae-se com o bico do exploràdor alem de uma de suas extremidades e volta-se percu- tindo até encontrar o outro ponto terminal. Marcando-se na haste da sonda, ao nivel do meato um ponto, desde que sentiu-se o primeiro contacto, e vendo-se a distancia d’este áquelle em que deixa-se de perceber a pedra, tem-se calculado muito approximadamente sua extensão. Ainda pela percussão com a sonda podemos conhecer a unidade ou multiplicidade das con- creções vesicaes. Todos esses esclarecimentos, porem, nos são dados com muito mais precisão pelo lithotridor e particularmente pelo pequeno lithoclasto cons- truido por Collin especialmente para este fim. Convém no emtanto notar que essa precisão é mais theorica que pratica, pela irregularidade muito commum nos cálculos vesicaes, o afastamento dos 32 Pedro A morim ramos do apparelho dando-nos a extensão do pequeno em vez do grande diâmetro: ha sempre incerteza (Guyon). Ordinariamente as pesquisas feitas pelos modos que temos indicado dão resultados os mais satis- factorios; ha casos, porem, em que os cálculos parece esconderem-se e então os meios simples ja não bastam. Uma das causas que subtrahem a concreção ás pesquisas intra-vesicaesé o pequeno volume do cal- culo e sua grande mobilidade. Para esses casos inventaram-se os apparelhos amplificadores, entre os quaes citemos o tubo acústico de Leroy d’Etiolles e o microphono, que Thompson empregou pela primeira vez. A complicação desses apparelhos e de seu em- prego e sobretudo sua infidelidade que no ultimo chega a ponto de ás vezes dar-nos um ruido, simu- lando a presença de calculo, quando se percute a própria parede da bexiga, desprestigiaram taes inventos. E’ preferível íVessas condições a manobra que consiste em deprimir o baixo-fundo da bexiga com o lithoclasto aberto e imprimir bruscos movi- mentos á bacia de maneira a fazer cahir entre os ramos do mesmo o calculo suspeito (Guyon). A próstata hypertrophiada, cobrindo o baixo- fundo da bexiga e augmentando o declive, pode subtrahir o calculo ao explorador que então pa.s- Affecção Calculosa Xesical 33 sará acima delle. Mas, levantando-se as nadegas do doente e mergulhando no baixo-fundo da bexiga o bico da sonda, só muito raramente deixar-se-ha de perceber a pedra. Para os casos de cálculos encastoados e enkystados, felizmente raríssimos na pratica, será o exame pelos raios X, pensamos nós, o melhor e o mais seguro de todos. Uma vez a sonda encontrando sempre, em cada exploração e no mesmo logar, alguma cousa que se suspeita ser um calculo, o doente apresentando os symptomas attenuados d’esta affecção, a radioscopia e a radiographiadar-nos-hão sempre uma certesa absoluta. As deformações passageiras da bexiga produ- zidas pelas contracções irregulares de suas paredes que, envolvendo a pedra, subtrahem-n’aao contacto do explorador, exigem da parte do cirurgião extrema doçura em suas manobras e o emprego dos anes- thesicos (Pousson). A exploração deve ser feita com a bexiga vasia ou com pouco liquido, pois as injecções iriam augmentar as contracções da viscera e o nosso embaraço. A marcha da affecção calculosa. essencialmente irregular, depende muitas vezes do estado anterior da bexiga e da naturesa da massa. 34 Pedro A morim Podendo em alguns indivíduos passar até annos completamente despercebida, não prejudicando os hábitos do doente que pode entregar-se a suas occupações ordinárias, em outros ella assume logo em seu começo proporções assustadoras. Não só os symptomas peculiares á lithiase vesical (dores, hematúrias) tomam de momento uma tal intensidade que tornam grave a moléstia, como também as complicações que podem sobrevir põem em grande risco a vida do doente. E’ impossível fixar, mesmo approximadamènte, a duração da affecção. Descurada, ella acaba quasi sempre por matar o padecente, e é, em regra geral, pela intoxicação urinosa aguda ou chronica; mas ha casos de cura fóra de toda intervenção medica ou cirúrgica. A expulsão espontânea do calculo é rara; no emtanto pode fazer-se pelas vias naturaes ou por fistulas perineaes consecutivas a operações de talha ou um abcesso na espessura do perineo. As complicações que aggravam aaffecção calcu- losa vesical são cie ordem local ou geral. Às primeiras comprehendem a cystite calculosa,. a perfuração da bexiga e o encaixameuto do calculo no collo; as segundas, todos os accidentes da intoxicação urinosa. Affecção Calculosa Vesical 35 Cystite calculosa — Dois casos distinctos se nos apresentam em se tratando d’esta complicação: a cystite primitiva, que preexiste á pedra, é seu factor determinante ou pelo menos preside a seu cresci- mento; e a cystite consecutiva, unica que pode ser considerada uma complicação propriamente dita. A inflammação da viscera não é uma conse- quência fatal da presença de um calculo na bexiga; ella falta mesmo na maioria dos casos, dil-o Guyon. A cystite primitiva, q.uasi sempre chronica, como nos prostaticos é acompanhada de estagnação de urina. Então, um calculo que se tenha formado no bassinette cahindo na bexiga inflammada recobre-se de depositos phosphaticos. Esta concreção secun- daria fica constituída não só por saes d’esta naturesa, mas ainda por outras substancias que a phlegmasia da viscera pode fornecer, como muco- pús, que serve muitas vezes de núcleo a taes massas. Sob a influencia da decomposição ammo- niacal os phosphatos se depositam em torno d’elle. As alternativas na intensidade da cystite dão logar á distineção das camadas e á estratificação que se nota no córte d’essas massas. A cystite consecutiva tem no calculo um elemento predísponente pela irritação que elle produz; alem disso a hyperernia permanente da bexiga pela presença de um corpo estranho e tudo ainda augmentado por um resfriamento, os traumatismos 36 Pedro Amorim que o calculo determina na bexiga pelos abalos de uma carreira, os excessos de toda ordem, fazem imminente a cystite que espera apenas o agente infectuoso para manifestar-se. O rim e a urethra são as portas de entrada e os instrumentos exploradores os vectores ordi- nários de taes elementos, quando a asepsia devida não garantiu o doente de tão nocivos invasores. Quer seja primitiva ou secundaria, a cystite dos calculosos traduz-se pelos symptomas habituaes a esta inflammação com a caracteristica de que todas as causas que determinam dores nesses doentes os exasperam; o menor movimento produz um soffri- mento atroz e se acompanha de esforços violentos durante a micção. A principio esses symptomas se manifestam por crises geralmente curtas, mas depois tornam-se continuas e adquirem uma inten- sidade extrema (Desnos). Os movimentos ou simplesmente as contracções vesicaes provocam hematúrias, principalmente nas cystites antigas onde ellas parecem então espon- tâneas. As urinas são francamente ammoniacaes. Nas creanças, o illustrado professor Dr. Barata Ribeiro dá muito valor a um signal que tem observado frequente nesta complicação: a attitude viciosa do tronco. Nas observações que elle fez sciente a Academia Nacional de Medicina insiste sobre isto. Affecção Ccilculosa Vesiccd 37 Na ultima, o doente para andar curvava o tronco para a frente, propulsando a bexiga para atraz, ao passo que com os braços ao longo do corpo fazia movimentos desencontrados de vae-vem, como se quizesse manter o equilíbrio. Perfuração da bexiga—Consequência de ulce- ração causada pelo calculo, a perfuração da bexiga faz-sd de preferencia na parede posterior. Chopplain refere 29 casos de terminação fatal. A peritonite é o resultado commum, mas, nas mulheres não raro o calculo elimina-se pela vagina dando logar á fistula vesico-vaginal, com resultado vantajoso. Lawers, revendo a literatura, achou quatro casos nos quaes o calculo perfurou a parede anterior da bexiga, resultando um abcesso do espaço de Retzius e fistula urinaria da parede abdominal. O auctor citado dá-nos a observação que tran- screvemos: Trata-se de um rapaz de 19 annos com depauperamento physico e mental. Pelo exame encontrou uma fistula urinaria da parede abd ominal, situada na linha mediana a cerca de cinco dedos acima da symphyse pubiana. Um catheter de metal foi introduzido pela urethra e penetrando na bexiga foi de encontro a um grande calculo fixo e occupando todo o orgão. O doente referiu que sua moléstia começara por um abcesso na região hypogastrica que abriu espontaneamente 38 Pedro Amo rim e que, depois de prolongada suppuração, trans- formou-se em uma fistula urinaria. Não ha duvida que a causa d’esta fistula achava- se no calculo que ulcerou a parede anterior da bexiga por onde passou a urina que determinou o abcesso prevesical aberto espontaneamente e a fistula consecutiva. Decidida a operação, foi o calculo retirado pela via hypogastríca. A bexiga foi previamente irrigada com uma solução de acido borico e um catheter metallico foi introduzido na bexiga pela urethra, entre o calculo e a parede vesical anterior, e mantido por um assistente exactamente na linha mediana. Uma compressa esterilisada fechava oorificio da fistula e a parede abdominal ficou o mais aseptica possível. Após a incisão de Korcher verificou-se que a infecção havia destruído o espaço prevesical e o tecido da cavidade de Retzius transformara-se em tecido fibroso. Abrindo-se a cavidade peritoneal achou-se que havia adherencias com a parede posterior da bexiga, assim como de alguma porção de epiploon. Incisou- se a parede posterior da bexiga na linha mediana e foi então extrahido um grande calculo phosphatico pesando quarenta grammas. A ferida da bexiga foi fechada completamente, bem como o peritoneo e a parede abdominal, ex- cepto na parte inferior por onde se fez a drenagem. Ajfecção Calculosa Vesical 39 O paciente restabeleceu-se. Em quatro casos idênticos que Chopplain re- lata, houve tres mortes. Pensa Lawers que a intervenção cirúrgica pre- coce na grande maioria dos casos deve ser seguida de successo. Logo que apparece inflammação, deve-se drenar o espaço de Retzius e retirar o calculo, si for possível. Quando de pequeno tamanho, pode ser tirado mesmo pelo trajecto da fistula. Encaixamento do calculo no collo — Não dando-se nunca com uma próstata bem desenvol- vida ou hypertrophiada, este accidente se traduz por uma retenção mais ou menos notável, porem raramente absoluta; a urina’ se elimina por gottas e accidentes urinosos e hematúrias se produzem quer espontaneamente, quer consecutivamente a explorações. Um prolongamento urethral de calculo vesical pode ser tomado por um encaixamento, mas então a incontinência é a manifestação ordinaria. A hypertrophia da próstata, concomitante, mais raramente um espasmo da região membranosa, são as causas communs da retenção completa. Intoxicação urinosa — A repercussão da affecção calculosa vesical sobre o systema nervoso traduz-se por inappetencia, insomnia, um estado 40 Pedro Amorim de inquietação que podem levar o doente a um abatimento notável. Afora estas manifestações que explicam-se por perturbações puramente nervosas, todas as com- plicações geraes prendem-se a uma causa unica: a intoxicação urinosa. O envenenamento pode resultar das lesões da bexiga e de suas perturbações funccionaes, da retenção em particular; ou, o que é mais frequente, das lesões asepticas ou sépticas dos ureterios, dos bassinettes e dos rins, commummente de uma pyelo-nephrite. Esta, secundaria e ascendente, não se mostra indifferentemente em todas as formas; quando a bexiga é nova e musculosa, cujo funccionamento é assegurado máo grado as lesões que apresenta, o doente pode resistir muito tempo, pois os rins estão protegidos. Mas, si a bexiga deixa distender-se, não desempenhando mais suasfuncções sufficiente- mente, a evacuação sendo imperfeita, a phlegmasia invade os ureterios e os bassinettes; a propagação é tanto mais grave quanto as lesões primitivas forem maisaccentuadas; eo prognostico torna-se dos mais sérios nos prostaticos cujo apparelho urinário todo é atacado de sclerose (Desnos). Os symptomas habituaes da intoxicação são uma seccura e um estado saburrhal da lingua, vomitos, dyspepsia, diarrhéa, para o lado do appa- relho digestivo; embaraço respiratório, dyspnéa, irregularidade do pulso; delirio ou apathia das Affecção Calculosa Vesical 41 faculdades cerebraes, e principalmente accessos febris irregulares em suaapparição e sua marcha. Podendo apresentar-se espontânea e inespera- damente, são de ordinário determinados por uma exploração intempestiva ou por excesso de fadiga. Tendo-se em vista o que dissemos no quadro symptomatologico da entidade mórbida sobre que dissertamos, não é difficil, na grande maioria dos casos, o diagnostico. Na symptomatologia funccional destaca-se, como um signal de inestimável valor para o dia- gnostico da affecção calculosa vesical, a hematúria que, nesta moléstia, manifesta-se de maneira especial. Ella distingue-se da hematúria nos neoplasmas vesicaes por não ter a abundancia e a espontanei- dade d’esta; da hematúria tuberculosa e da que a cystite blennorrhagica determina, porque n’estes estados pathologicos é no fim da micção que o sangue corre com maior abundancia; nos prosta- ticos, finalmente, apparece em circumstancias de- terminadas e determinadas já foram por nós no paragrapho competente as condições efficientes da hematúria nos cálculos vesicaes. As dores, evidentemente influenciadas pela 42 Pedro Amorim marcha, pelos abalos physicos, são outro auxiliar poderoso para firmar o diagnostico; e, si em certos casos de prostato-cystite tuberculosa as dores são também exageradas pelo movimento, tem-se como caracter differencial sua persistência á noute e á noute os calculosos estão curados, repetindo a phrase do mestre da especialidade Difficuldades se nos antolham algumas vezes no diagnostico differencial de um calculo e de um corpo estranho. Os commemorativos do doente e as sensações anormaes que fornece o contacto muito nos auxiliam. Mas ha sempre a presumpção de dissimulação por parte dos doentes e só ás vezes uma localisação insólita nos encaminha para a verdade. Firmado o diagnostico geral de calculo vesical, já vimos os meios de conhecer-se a consistência, volume e sécle do mesmo ou dos mesmos, e do es- tado da bexiga. Passamos, jportanto, ao prognostico. Não ha duvida que os progressos recentes da Therapeutica e sobretudo da Cirurgia, diminuíram grandemente a percentagem dos casos fataes; mas, infelizmente, serio continua ainda a ser o prognos- tico d’esta affecção. Affecção Calculosa \esical 43 Depende em grande parte da consistência, vo- lume e natureza das pedras. Elle é essencialmente subordinado ao gráo de alteração das vias urinarias superiores (Desnos). A cura radical da moléstia é ainda um problema que tem o seu x na etio-pathogenia. CAPITULO III Tratamento Uma divisão geral se nos apresenta em se cuidando do tratamento da affecção calculosa vesi- cal: de uma parte o tratamento preventivo, essencial- mente medico, tendo por mira oppôr-se, na medida do possível, á lithiase vesical; de outro lado, o tratamento curativo que, pondo a parte o emprego dos dissolventes e dos lithontripticos, duvidoso, é do dominio cirúrgico exclusivo. Tratamento medico—Modificar o estado geral do doente, si a pedra é de origem consti- tucional ou diathesica; curar as alterações locaes si a affecção é de origem local ou symptomatica; eis o fim d’esse tratamento. Elle differe, segundo a lithiase que se pretende combater é urica, oxalica ou phosphatica. Lithiase urica—Duas indicações a preencher salientam-se logicamente: evitar que penetrem no organismo materiaes que concorram para a pro- ducçãodo acido urico ; favorecer sua eliminação. Sem proscrever em absoluto a carne e outras 46 Pedro Aniorim substancias ricas em acido urico, devemos no emtanto aconselhar muita moderação em seu uso e melhor ainda a preferencia das carnes brancas, ovos, vegetaes, etc. Os legumes, os fructos que, pelas experiencias de Garrod, transformam os uratos em hippuratos muito solúveis, são particular- mente indicados; fazem excepção os vegetaes ácidos (tomates, etc.), que, por conterem acido oxalico, augmentam as proporções de acido urico e facilitam a formação dos oxalatos, coincidindo muitas vezes com os uratos. As bebidas fortemente alcoolisadas são de prohi- bição rigorosa; não ha inconveniente no uso mode- rado de bebidas fermentadas taes como a cerveja, os vinhos de Champagne, do Rheno, de Bordeaux, a cidra, mais ou menos diuréticas. As aguas fracamente mineralisadas teem uma acção efhcaz, consequência de seu poder dissol- vente. Activar as trocas nutritivas, provocar por todos os meios a eliminação do acido urico, constitue a segunda indicação. Os exercicios ao ar livre, a massagem, os banhos, a electricidade estatica, teem uma importância capital n’este fito. Na lista dos medicamentos que possuem a pro- priedade de favorecer a eliminação do acido urico, ao lado dos saes de sodio, base preferida na medi- cação alcalina, e do carbonato e citrato de lithina, diuréticos activos, collocam-se a piperazina e o Affecção Calculosa Vesical 47 lycetol que teem provado bem em experiencias recentes. , Tem-se também recommendado a administração da uréa na dose de quinze grammas, associada a dois grammas de carbonato de ammonio com o fim de obter-se a formação de um urato de uréa solúvel. Lithiase oxalica — As medidas aconselhadas acima poderiam ser repetidas aqui sem grande modificação. Em primeiro logar evitar todas as substancias que possam fornecer grande quantidade de acido oxalico. Esbach organisou um quadro dos alimentos habituaes na ordem seguinte, começando pelos mais ricos em oxalatos: chá, cacáo, café, azeda (planta), rhuibarbo, espinafres, tomates, feijões verdes. Muitas vezes asdyspepsias favorecem a oxaluria; torna-se preciso combater esse estado, como os que possam favorecel-a. Não se deve proscrever os alimentos que, mesmo Contendo acido oxalico, sejam de facil digestão. Os alcalinos são aconselhados. Favorecer a nutrição pelos exercícios, fricções, hydrotherapia, etc. Lithiase phosphatica—Contra-indica a adminis- tração dos alcalinos, que alcalinisando a urina, 48 Pedro Amorim favorecem a precipitação dos phosphatos e car- bonatos terrosos. Quanto aos cálculos secundários, comoelles estão sempre em relação com uma inflammação vesical permittindo a transformação ammoniacal das urinas (Guiard), ensaiar-se-ha prevenil-os pelas injecções de nitrato de prata (Guyon). Dissolventes e lithontripticos — Não nos de- teremos no emprego dos dissolventes porque não se conhece ainda, apesar de esforços scientificos feitos n’esse sentido, uma substancia capaz de des- aggregar as concreções vesicaes, cujo emprego seja exequível na pratica. Yvon pretende ter obtido bons resultados pela electrolyse, in vitro. Tratamento cirúrgico — Dois methodos de tratamento são applicados em nossa epocha: um tem por objectivo a evacuação pelas vias naturaes, o outro, por vias artificiaes. O primeiro é a lithotricia ou litholapaxia. O segundo é a talha ou cystolithotomia Cada uma d’estas operações tem suas, indicações e não podem ser submettidas a um parallelo. Em igualdade de circumstancias a lithotricia é a operação de escolha. Preferencia de methodo, contra-indicações opera- tórias— As modificações e transformações por que tem passado a lithotricia, a rapidez da cura, a Affecção Caleulosa Vesical 49 benignidade dos accidentes consecutivos fizeram d’esta operação o tratamento preferido dos cálculos vesicaes na grande maioria dos casos, legando á talha o titulo medíocre de operação de necessidade. Pode-se dizer com Bouilly que a talha vive das contra-indicações da lithotricia. Infelizmente a difficuldade de execução d’esta operação, exigindo da parte do cirurgião não só a calma e o sangue-frio indispensáveis em toda inter- venção cirúrgica, mas ainda uma habilidade toda especial, justifica a proposição em voga na Allemanha, que a lithotricia é operação de artistas, significando que não está ao alcance de todos. Vejamos ascircumstanciasque nos fazem preferir uma á outra. D’estas, umas são relativas ao indi- víduo (sexo, constituição, idade, estado geral); outras ao estado dos orgãos urinários ( nephrite, pyelonephrite, estreitamentos"Sa urethra, hypertro- phia da próstata, tumor da bexiga, cystite); outras á própria pedra (adherencia, encastoamento, enkys- tamento, volume e consistência). a) Idade — A lithotricia só é contra-indicada na infancia, em vista do pequeno calibre do canal ure- thral e da duresa frequente das concreções (oxalicas). Na opinião de Thompson, Harrisson, Pousson, a talha superpubiana deve ser preferida. A velhice não contra-indica a lithotricia. 50 Pedro Amorim b) Sexo— A maioria d®s especialistas pensa que ainda aqui, qualquer que seja o sexo, a preferen- cia cabe á litholapaxia, quando por uma operação ainda mais simples—a dilatação do canal, não conseguirmos a extracção do calculo na mulher. Nos casos difficeis, nos cálculos volumosos, a talha hypogastrica deve ter preferencia sobre a talha vesico-vaginal. c) Constituição, estado geral—Quando o orga- nismo está depauperado, enfraquecido não só pela affecção calculosa mas ainda por uma moléstia grave como o cancro ou a tuberculose, não de- vemos tentar uma intervenção, sempre arriscada e muitas vezes fatal. Porem, si um symptoma grave põe em risco a vida do doente a intervenção é o recurso obrigado, e a lithotricia rapida é menos perigosa que a talha. A febre, longe de ser um embaraço á intervenção, é uma indicação. Nos casos de alterações profundas da mucosa vesical, a talha offerece mais garantias que a li- thotricia e é, neste caso, o methodo de escolha. d) Nephrite e pyelonephrite — Diante de mani- festações d’esta natureza, na intervenção para o tratamento dos cálculos vesicaes, a preferencia é ditada de accordo com a pericia do cirurgião. Si este confia em sua habilidade, a lithotricia em uma sessão unica pode ser indicada. Mas, si va- cillação existe, a talha offerece maior segurança. Affecção Calculosa \esical 51 Tal é a opinião de Pousson. c) Estreitamentos da urethra— Si é possível com a dilatação previa ou mesmo com a urethrotomia a passagem do lithotridor, não ha inconveniente na operação por este meio. Porem nos casos de hy- peresthesia do canal urethral, callosidades, he- morrhagias fáceis, tem a cystolithotomia vanta- gens incontestes. f) Hypertrophia dapfostata — Somente no caso de desenvolvimento grande da glandula com de- formação do canal a ponto de ser impossível ou difficilimo a passagem dos instrumentos, tem de ser a lithotricia abandonada. g) Tumores da bexiga— Não ha excepção; sempre a talha. A evacuação difficil, os perigos de hemorrhagia grave que a aspiração pode provocar, fazem dos neoplasmas vesicães uma contra-indicação posi- tiva da litholapaxia. i h) Cystite — Não impede que se pratique o methodo de escolha. Si a dor é exagerada não cedendo ao emprego dos anesthesicos, exige melhor execução e a eliminação completa dos fragmentos. i) Calados adherentes, encastoados ou enkystados — A cystolithotomia tem nestes casos uma de suas mais positivas indicações. 52 Pedro Amorirn j) Volume e consistência — A lithotricia deve sempre ser tentada. Nos casos de pedras volumosas ou muito resis- tentes tem preferencia a talha, pela impossibili- dade de executar-se a outra operação. Regra geral, alem de quatro centimetros, que- bramento e evacuação de um calculo representam uma operação laboriosa. Lithotricia — A lithotricia, litholapaxia de Bigelow, é uma operação que tem por fim a fragmentação dos cálculos na própria bexiga por intermédio das vias naturaes e, seguidamente, a evacuação de seus destroços pela aspiração. Não nos demoraremos em historiar este meio de intervenção, embora curiosissima, cujos rudi- mentos vamos achar em antiquíssimas eras, até os últimos aperfeiçoamentos que lhe deram Thompson e Guyon. Não: sem delongas passamos á tech- nica. / Manual operatorio. — Além do arsenal cirúrgico commum a toda operação, necessitamos dos instru- mentos especiaes seguintes: lithotridores, mar- tello de lithotricia, sondas evacuadoras, aspirador Guyon, sondas de gomma, seringas Guyon. So- lução boricada, solução de azotato de prata a 1 por 1000, tépidas. Preparação do doente. — São os cuidados que reclamam todas as operações nas vias urinarias Affecção Calculosa Vesical 53 que devem ser escrupulosamente observados: re- pouso, purgativo na vespera da intervenção, qui- nina, salol ou outros medicamentos antiseptícos internamente. Lavagens antisepticas da bexiga nos dias que precedem a operação, si o reserva- tório urinário está infectado; no caso contrario e si é doloroso e irritável é preferível abstermo- nos de provocar maior intolerância á distensão (Pousson). O doente em decúbito dorsal n’uma mesa de operação ou no proprio leito, nadegas um pouco levantadas por um travesseiro, os membros in- feriores em flexão, ligeiramente afastados. A anesthesia pode ser feita pela chlorofor- misação ou pela rachicocainisação. Antisepsia cuidadosa dos orgãos genitaes exter- nos e suas visinhanças. Irrigação urethral e vesical de solução boricada. Pousson indica n’essas irri- gações a solução de nitrato de prata a 1 p. 500; ao passo que Chevalier aconselha não empregar nunca o nitrato de prata antes da fragmentação. Injectados na bexiga 100 a 150 grammas de agua boricada começa-se a operação, dividida em dois tempos: fragmentação da pedra, evacuação dos resíduos. Fragmentação do calculo (/? tempo). — A es- colha do lithotrídor depende do volume da con- creção e de sua consistência. Depois de convenientemente untado com vase- 54 Pedro Amorim lina boricada, o instrumento é introduzido fechado na urethra, segundo as regras do catheterismo com instrumentos metallicos. Uma vez na bexiga o lithotridor deve ser con- servado sempre no plano mediano do corpo e nunca inclinado para direita ou para esquerda. O diâmetro cirúrgico da bexiga é o diâmetro transverso ( Guyon ); é no sentido deste dia- metro, pois, que o calculo deve ser buscado, apprehendido e fragmentado. Logo que a pedra é encontrada procura-se se- gural-a entre os ramos do instrumento. Evitar que alguma das dobras da mucosa venha insinuar-se entre os dentes do lithoclasto: eis o cuidado que deve ter o cirurgião n’esse momento. Para verificar-se que só a pedra está presa, aconselha-se imprimir ao instrumento um movi- mento de rotação que tem por fim trazer sua extre- midade para o centro da bexiga; si o movimento é livre, a bexiga não foi appirehendida. Segue-se então o esmagamento, primeiramente por pressão e, si o calculo resiste, percussão com o martello. Si ainda não dá resultado, a lithotricia tem de ceder logar á talha. Esmagada a pedra e os fragmentos triturados, está terminado o primeiro tempo, Escoamento dos resíduos (2? tempo) —Retira-se o lithoclasto que é substituido por uma sonda metal- Affecção Calculosa Vesical 55 lica de pequena curvatura, munida de mandarim; retira-se este e o liquido escôa-se, arrastando grande porção dos resíduos da concreção. Seguem-se lavagens da viscera por injecções repetidas até que o liquido não traga mais resíduos. Então tem logar a aspiração. Injecta-se solução boricada que distenda um pouco a bexiga e adapta-se á sonda o aspirador. A anesthesia deve então ser completa afim de que, com as manobras para uma boa aspiração, as paredes vesicaes não opponham uma resistência reflexa e a sonda, mobilisada a cada momento, possa percorrer todas as regiões da bexiga O operador, segurando com a mão a pera de bor- racha, imprime uma pressão brusca e energica. Afastando promptamenteos dedos, a pera dilata-se, uma corrente liquida da bexiga produz-se para o exterior, trazendo comsigo os restos calculosos. Aâr pressões sobre a pera devem ser espaçadas a dar tempo para que os resíduos venham cahir no fundo f do aspirador. Tal é, resumidamente, a lithotricia de Bigelow > , ■ modificada por Guyon. O doente deve ser transportado para seu leito convenientemente accommodado e aquecido e, si não ha vomitos, administram-se bebidas quentes e excitantes no caso de necessidade,ou simplesmente leite. Regra geral, não ha febre. 56 Pedro Amorim No quarto ou quinto dia o doente pode levantar-se. Accidentes—A pericia operatória coadjuvada por uma rigorosa arítisepsia tornou-os absolutamente raros. Dentre os accidentes possíveis salientam-se a prostatite, a orchite, a cystite; esta, antigamente commum, tem quasi desapparecido, graças á anti- sepsia e ao aperfeiçoamento operatorio. O encrava- mento dos fragmentos é prevenido pela evacuação completa dos resíduos. A nephrite suppurativa é o unico accidente grave que perdura na lithotricia moderna; feJizmente é de extrema raridade. Escrevendo abreviadamente um capitulo de pa- thologia cirúrgica, abstemo-nos de descrever todos os processos de uma mesma operação; assim, n’esta, deixaremos a parte a lithotricia perineal. Na outra, a descripção unica será a da talha hypogastrica. Talha hypogastrica — A talha hypogastrica no tratamento da affecção calculosa vesical consiste em retirar-se a pedra por meio de uma incisão interessando a parede abdominal anterior e a pa- rede anterior da bexiga. Uma das vantagens desta operação é poder ser praticada sem necessidade de instrumentos espe- ciaes. Sempre que for possível, porem, é preferível operar com o arsenal cirúrgico aconselhado por Affecção Cale idosa Vesical 57 Petersen, que só tem de especial uma sonda me- tallica de grande curvatura com torneira, um balão de caontchouc de paredes espessas e resistentes com capacidade para 300 a 600 grammas, afastadores de Bazy, tubos de Guyon-Pererier (dois grossos tubos de caoutchouc ligados entre si). Observados rigorosamente todos os cuidados de antisepsia, o doente é collocado na mesa, com a bacia levantada e as espaduas baixas. A posição de Trendelenburg, tornando mais accessiveis as vísceras contidas na bacia, ao mesmo tempo que determina a queda das abdominaes sobre o diaphragma, facilita bem a operação. O operador começa por lavar a bexiga com solução boricada por meio da sonda de torneira ou por uma sonda de gomina ordinaria. Em seguida colloca o balão no recto, tendo o cuidado de não deixal-o dobrar-se sobre seu eixo o que impederia sua distensão completa. Injecta-se então na bexiga uma solução boricada a 4 p. 100, em quantidade que não force a bexiga (150 grammas, segundo Chevalier). Isto feito, enche-se o balão rectal com agua na temperatura do corpo. A’ medida que o liquido penetra no balão, a bexiga faz saliência no hypogastro. O cirurgião pode então começar a operação propriamente dita. Sobre a linha mediana, começando cerca de 9 58 Pedro Amo-rim centímetros acima do pubis e terminando a 1 centímetro abaixo de seu bordo superior (adiante do pubis, por conseguinte), faz-se uma incisão vertical interessando a pelle, tecido cellular subcu- tâneo até a aponevrose. Ha mais espessura de tecidos abaixo dò que para cima. Córta-se então com a ponta do bisturi a apone- vrose. Esta incisada exactamente na linha me- diana, chega-se facilmente ao interstício dos mús- culos rectos; si a incisão desvia-se alguma cousa, com a tentacanula ou com o bisturi procura- se o interstício muscular; em ambos os casos o tecido cellulo-adiposo (amarello-claro) que recobre a bexiga não tardará a mostrar-se. Está-se então no espaço prevesical; com uma pinça o cirurgião prende as fibras aponevroticas do faseia transvetsalis, incisa-as o mais perto possível do pubis e, introdu- zindo o index da mão esquerda n’essa abertura augmenta-a de baixo para cima dilacerando os te- cidos. D’essa maneira recalca com o dedo todo o tecido, cellular e com elle o cul-de-sac peritoneal (Guyon). A bexiga, de fórma globulosa, apparece então no fundo da ferida, lembrando o aspecto de uma cabeça de feto na vulva (Guyon). Antes de incisal-a convém irrigar a ferida com uma solução de sublimado (Desnos). Córta-se desembaraçadamente a parede vesical mergulhando o bisturi e dirigindo a incisão para o Agecção Calculo ta Vesical 59 pubis, evitando, porem, cuidadosamente, leval-a até o plexus venoso pericervical que poderia ser lesado- Feita a incisão vesical, introduz-se o index da mão esquerda no reservatório e, emquanto sustenta-o, o operador passa em cada um de seus lábios uma ansa de fio, quepermitte manter a abertura da bexiga e evitar o descollamento prevesical. Como a effusão sanguínea é insignificante, pode, sem apressar-se, proceder á extracção dos cálculos. Com o dedo procura reconhecer seu volume, numero, posição, e, isto feito, tem logar a extracção por meio de pinças. Póde-se, sem risco, quebrara pedra ou preencher as indicações que reclama um calculo encastoado. Muitas vezes, nas grandes massas, é preciso fazer a torsão, de maneira que a pedra apresente-se sob seu menor diâmetro na abertura vesical. Depois, com o dedopasseicíndo na bexiga, o cirur- gião assegura-se de que a víscera está perfeitamente desembaraçada e da integridade da mucosa. Com este fim Pousson aconselha illuminar a bexiga com lampada incandescente, que permitte não somente reconhecer lesões de cystite concomitante, como atacal-as directamente. A sutura total da bexiga é feita da seguinte fórma, segundo Albarran : Começa-se por fazer um pri- meiro plano de suturas com o catgut, guardando a distancia de 8 a 10 millimetros uma das outras. 60 Pedro Amorim ' Mergulha-se a agulha a 3 millimetros para fora dos lábios da ferida e se a dirige obliquamente entre as túnicas vesicaes, fazendo-a sahir entre a muscu- losa e a mucosa. Si ha difficuldades, não ha incon- veniente em atravessar todas as túnicas inclusive a mucosa. Para cima desse plano se colloca um outro de reforço. Cada fio (seda) atravessa as camadas externas da bexiga sem tocar á mucosa. Uma vez dados os nós, elles occultam completa- mente o primeiro plano de suturas feitas com o catgute destinado a ser absorvido. Mesmo banhado pela urina, quando é absorvido, a reunião é já completa. A drenagem da bexiga é uma precaução prudente e vantajosa. Põe o orgão n’uin estado de repouso completo e assegura o effeito da sutura total. O melhor meio de drenar a bexiga é deixar uma sonda de permanência e a sonda de Pezzer é a melhor. A drenagem impede o accumulo de líquidos na cavidade de Retzius e é inteiramente inoffensiva, comtanto que seja aseptica. Em media, com vinte dias a cura é completa. PROPOSIÇÕES Tres sobre cada uma das cadeiras do curso J de sciencias medicas e cirúrgicas Corrigenda CHIMICA MEDICA I O oxalato de cálcio é um dos saes que entram mais commummente na composição dos cálculos ve- sicaes. HISTORIA NATURAL MEDICA I A bilharzia é um helmintho nematoide do genero filaria. II Ella é encontrada principalmente nas venulas da mucosa das vias urinarias. III Os ovos deste verme podem ser o núcleo de crystallisação do oxalato de cálcio e de outros saes da urina. CHIMICA MEDICA I De todos os saes inorgânicos é o oxalato de cálcio que mais commummente entra na composição dos cálculos vesicaes. II Elle existe no rhuibarbo e em grande numero de vegetaes. III Na administração prolongada do rhuibarbo como purgativo encontra-se oxalato de cálcio na urina. ANATOMIA DESCRIPTIVA I O collo da bexiga- é o ponto de communicação entre este orgão e a urethra. 64 Pedro Amorim II Na mulher o collo é arredondado e sem depressão, devido á ausência da próstata que o deforma no homem. III Na mulher elle é situado um pouco mais baixo que no homem. HISTOLOGIA I Tres ordens de tecidos entram na formação das paredes vesicaes: membranoso, muscular e epi- thelial. II O tecido muscular que constitue a túnica media é variedade lisa. III As fibras musculares lisas formam, nesta viscera, tres planos: as do plano externo dirigem-se longitu- dinalmente; as da camada media são circulares; a camada interna é plexiforme, de feixes dirigidos verticalmente. PHYSIOLOGIA I Normalmente a sensibilidade da bexiga é quasi nulla. II Isto explica-nos como podem passar despercebidos por muito tempo ou mesmo por toda a vida, cálculos ou outros corpos estranhos neste orgao. III A distensão faz despertar a sensibilidade vesical. Proposições 65 BACTERIOLOGIA I O gonococcus é um germen anaerobio facultativo. II Sua Iocalisação especial é no canal urethral, quando a infecção blennorrhagica se manifesta. JII Na blennorrhagia aguda, elle permanece na super- fície da mucosa; chronica, abaixo da mucosa. MATÉRIA MEDICA, PHARMACOLOGIA E ARTE DE FORMULAR I A medicação empregada no tratamento medico da affecção calculosa vesical é exclusivamente interna. II Quasi todos os medicamentos receitados nesse particular são sob a fórma de solução. III A grande maioria delles é de origem mineral. ANATOMIA E PHYSIOLOGIA PATHOLOG1CAS I O crescimento dos cálculos na bexiga se faz por superposições de camadas. II A rapidez do crescimento varia com a natureza dos c alculos 66 Pedro Amorim III As concreções phosphaticas são de desenvolvimento rápido. PATHOLOGIA MEDICA I Os pulmões são a séde predilecta da tuberculose. II» A existência das tuberculoses locaes, sem lesões concomitantes dos pulmões, é hoje um facto incon- testável. III A bexiga é precisamente um dos orgãos onde a presença da tuberculisação localisada foi primeiro reconhecida (Bayle). PATHOLOGIA CIRÚRGICA I Náo existe cystite traumatica verdadeira. II Os traumatismos vesicaes se acompanham de cystite quando germens infectuosos invadem o orgao. III Com a cuidadosa antisepsia moderna fazem-se os mais importantes traumatismos operatorios sem nenhuma complicação phlegmasica. OPERAÇÕES E APPARELHOS I A talha hypogastrica pode ser effectuada por dois Proposições 67 processos: atalha hypogastrica longitudinal e a talha hypogastrica transversal de Trendelenburg . II Para a extracção dos cálculos vesicaes o primeiro tem sido sempre preferido. III A talha de Trendelenburg é preferivel quando se tem de agir sobre o trigono e o collo, emfim, sobre a porção retropubiana da bexiga. ANATOMIA MEDICO-CIRURGICA I A bexiga é uma cavidade musculo-membranosa intermediária aos ureterios e á urethra. II Sua situação é variavel conforme a idade. III No adulto ella é situada na bacia, atraz da sym- physe pubiana, adiante do recto no homem, do utero e da vagina na mulher. No recem-nascido e nas creanças de tenra idade, em grande parte no ab- dómen. THERAPEUTICA I A mucosa vesical intacta náo tem poder de absorpcão. II A bexiga inflammada, ao contrario, cujo reves- timento cellular náo está integral em todos os pontos, absorve facil e rapidamente. 68 Pedro Amorim III A Therapeutica não aproveita esta propriedade e a absorpção por este orgão é sempre accidental. OBSTETRÍCIA I A bexiga provém da porção intra-abdominal da allantoide. II . Somente no terceiro mez da gravidez a bexiga do embryão está constituida. III Durante toda a vida intra-uterina e parte da extra- uterina ella é abdominal. HYGIENE I A hygiene, com seus meios prophylacticos, muito nos garante contra a affecção calculosa. II A alimentação occupa entre elles um papel sa- liente. III E’, comtudo, indispensável a coadjuvação do ar e da luz. MEDICINA LEGAL E TOXICOLOGIA I Num exame medico-legal, é muitas vezes difficil saber-se si um ferimento é simples ou compromette alguma viscera. Proposições 69 II Dessa condição depende quasi sempre a gravidade do prognostico. III Em se tratando de ferimentos da bexiga, só a exis- tência de derramen da urina poderá esclarecer o exame pericial. CLINICA PROPEDÊUTICA I O exame da urina é de incontestável valor se- meiologico. II Muitas vezes esse exame, só por só, nos esclarece nos transes de um diagnostico. III Tal o caso da diabetes assucarada. CLINICA DERMATOLÓGICA E SYPHILIGRAPHICA I São as gommas as únicas e raras manifestações nephropathicas especificas. , - II Nos bassinettes e nos ureterios, não se encontrou ainda lesão de natureza syphilitica. III Entretanto, na mucosa vesical, tem-se observado cicatrizes, provavelmente consecutivas a ulcerações syphiliticas. 70 Pedro Amorim CLINICA CIRÚRGICA (2* Cadeira) I Os instrumentos exploradores da bexiga devem ser metallicos. II As sondas e vellas de gomma, que somos obri- gados por vezes a empregar para verificar a existência de um calculo vesical, dão resultados incertos. III Alem disto, são de difficil asepsia. CLINICA OPHTHALMOLOGICA I As ophtalmias blennorrhagicas são complicações graves da infecção gonococcica. II Elias podem determinar rapidamente a perda in- curável da visão. III São vehiculados pelos dedos, quasi sempre, que os germens chegam a este apparelho. CLINICA CIRÚRGICA (1? Cadeíra) I A litholapaxia é o methodo de escolha, a que de- vemos recorrer sempre que for possível, para a cura dos cálculos vesicaes. II A cystolithotomia é uma operação de necessidade. ‘Proposições 71 III Não se pode, conseguintemente, estabelecer um parallelo entre as duas operações, tendo cada uma suas indicações especiaes. CLINICA MEDICA (2? Cadeira) I A albuminúria não é um signal caracteristico de nephrite. II Ha albuminúrias sem nephrite e nephrites sem albuminpria. III A albuminúria é até em certas condições um phe- nomeno physiologico. CLINICA PEDIATR1CA I As creanças são tanto mais predispostas á lithiase vesical quanto mais infimas forem suas condições de vida. II Ainda ahi é respeitado o factor etiologico—sexo. III Nesses doentinhos, quando o calculo vesical está formado, a talha é a operação de escolha. CLINICA MEDICA (1? Cadeira) I A hematúria é uma manifestação frequente da filariase. 72 Pedro Amorim II Ella não se confunde absolutamente com a hema- túria da bilharziose vesical. III Nesta, caracterisada por uma hematúria dolorosa, a urina, uma vez depositada, divide-se em duas ca- madas, sendo que na íilariasica ella se divide em tres. Alem disso, na primeira não ha nunca alter- nação com a chyluria como se dá na segunda. CLINICA OBSTÉTRICA E GYNECOLOGICA I Uma bexiga cheia de urina com um grande calculo pode simular um utero gravido. II São facilimos e seguros os meios de differenciação- III A confusão só é possível em casos excepcionaes. CLINICA PSYCHIÀTRICA E DE MOLÉSTIAS NERVOSAS I A pollakiuria de origem nervosa ou psychopathica tem sido dividida em tres grupos : i.° Pollakiuria por máos hábitos de micção ; 2.0 Pollakiuria por preoc- cupaçao psychica ; 3.° Pollakiuria por hypocondria urinaria. II Segundo o Professor Guyon, Janet e o Dr. Corby, a pollakiuria psychopathica é uma manifestação vis- ceral da neurasthenia. III Nos casos de neurasthenia vesical a pollakiuria psychopathica se encontra na percentagem de 25 p.ioo. Visto. Secretaria da Faculdade de Medicina da Bahia, 23 de Outubro de 4903. O Secretario Dr. Menandro dos Reis Meirelles