Ma^. ■i^tF^». á^tó>: ^Qg$t TH' Ia DO Ir. 3esé Semn^mG áe Jtycaeáo liira / i, Y i. =(3$ &.7P* t r> 1 THESE tr^v-n*^- >'*■ DISSERTAÇÃO PRIMEIRO PONTO Sciencias Médicas.— Hypoemia intertropical. SEGUNDO PONTO Secção Accessoria. —Estudo chimico-pharmacologico sobre o opio. TERCEIRO PONTO Secção Cirúrgica. --- Tracheotomia. QUARTO PONTO Secção Medica.—Cainca considerada pharmacologica e therapeuticamente. M APRESENTADA A FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO EM 33 DE SETitMBKO DE 1875 / E PERANTE ELLA SUSTENTADA / XO DIA 19 DF DEZEMBRO DO MESMO AftftO PELO / Natural da Província do Rio de Janeiro (Campos) FILHO LEGITIMO DE Alexandre José ia Silva e íe D. Rita Maria fle Azevedo Lima RIO DE JANEIRO TYPOGRAPHIA UNIVERSAIi DE E. ^*<&&§§fási^r— 654465 51 Ao Illm. Sr JOSÉ POEIRA ÜOS SANTOS RASTOS Pereira,— íales que te dedico toda a amizade de que sou capaz. Nada mai digo, porque seria não comprehender o alcance d'aquellas palavras. ' Aos Illms. Srs. BERNARDO RIBEIRO DE MAGALHÃES BASTOS F. ANTÔNIO RODRIGUES MARTINS JÚNIOR Amizade. OS ILLMS. SRS. DR. JOÃO JOSÉ DA SILVA DR. JOÁO BAPTISTA DE LACERDA FILHO DR. JOSÉ ALEXANDRE TEIXEIRA DE MELLO DR. XÜXO FERREIRA DE ANDRADE DR. MANOEL TEIXEIRA MACIEL DR. SILVIANO DE ALMEIDA BRANDÃO Sympathia e amizade. AO MEU ILLUSTRADQ MESTRE o Illm. Sr. BR. JOÃO VICENTE TORRES-HOMEM Consideração e respeito. Felicidades, É^£&p£^S ^^^J^câ^^^^i^^^^S^^B^ Não ha dados relativos á existência d'esta moléstia no Peru, bem como nos Estados do Norte dos Estados-Unidos; porém nos Estados do Sul, diz Le Roy de Méricourt, a sua existência é mencionada por Chabert, Duncan e Little. No Egypto os trabalhos de Griesinger, Clot-Bey e outros não deixam duvida sobre a sua predominância ahi, e um facto importante (1) Gazeta Medica do Rio de Janeiro de 1862. (2) Diccionario de Dechambre—artigo—cachexie aqueuse. (3) These do Rio de Janeiro de 1863. — 8 — na historia d'esta moléstia se liga a uma autópsia praticada no Cairo por aquelle douto observador em um indivíduo fallecido de Chlorose do Egypto, que é a mesma hypoemia. Tendo encontrado milhares de pequenos vermes, fixados aqui e alli na mucosa do intestino delgado d'aquelle indivíduo, cada um no centro de uma pequena echymose, semelhante a uma mordedura de sanguesuga, e algum sangue, que provinha evidentemente de picadas praticadas por esses vermes, suspeitou que as hemorrhagias pequenas, mas incessantemente renovadas, serião a causa da moléstia. Examinados esses vermes, foram reconhecidos idênticos aos da espécie descripta pela primeira vez por Dubini, em 1838, e por elle denominada — anchylostomo duodenal. Salvagnoli de Marechetti encontrou na Itália uma moléstia que diz ser idêntica á que foi descripta pelo Sr. Dr. Jobim e já antes d'elle Volpato havia descrípto com a denominação de allo- triophagia uma moléstia que se reputa ser a mesma hypoemia intertropical. O fallecido Dr. Wucherer, na Bahia, tendo-se entregado ao estudo das causas, symptomas e lesões anatômicas, offerecidos pelos hypoe- micos, e guiando-se pelas observações de Griesinger na « Chlorose do Egypto », fez importantes investigações, cujos resultados vêm publicados na Gazeta Medica da Bahia, de 1866, 1867, e 1868. Não foram indifferentes ao exemplo dado por Wucherer os prá- ticos brasileiros, procurando satisfazer aos reclamos de estudos e observações que viessem decidir do valor da these de Griesinger. Neste sentido é apresentada pelo Sr. Dr. Júlio de Moura, em 1867, uma memória á Imperial Academia de Medicina. Diversas theses inauguraes se apresentam igualmente: no Rio de Janeiro as dos Srs. Drs. Alves Pereira e Pinto Netto e na Bahia a do Sr. Dr: Demetrio Cyriaco Tourinho, as quaes se mostram dignas de attenta consulta. Serão lidos com immenso proveito, sobre a moléstia de que no» — 9 — occupamos, vários artigos disseminados em jornaes, particularmente os artigos do Dr. Júlio de Moura, publicados na Revista Medica do Rio de Janeiro, de 1873 e 1874, os Archivos de Medicina Naval, tomos 7 de 1867 e 10 de 1868, bem como o artigo « cachexie aqueuse » de Le Roy de Méricourt, inserto no Diccionario de Dechambre, a que já nos referimos. SYNONYMIA Diversas são as denominações sob as quaes é conhecida a moléstia que faz o assumpto de nossa dissertação. Os phenomenos mais salientes que ella faz apparecer deveram-lhe forjar uma synonymia muito complexa. Assim, a moléstia que recebeu do Sr. Conselheiro Jobim a denomi- nação de— hypoemia intertropical— tem sido também conhecidapor — malacia dos negros, cachexia africana, mal (Pestomac, mal de cceur, chloro-anemia intertropical, hydroemia, dissolução, hypochalibemia, anemia intestinal, etc. O Dr. Otto Wucherer propoz-lhe a denominação de « moléstia de Griesinger » . Entre nós é denominada vulgarmente — oppilacão, cansaço, can-= guary, obstrucção, etc. Servir-nos-hemos indistinctamente das denominações de hypoemia intertropical e oppilação — para evitar repetições, sempre fastidiosas. ETIOLOGIA Um dos pontos capitães no estudo das moléstias é sem duvida o exame das causas que contribuem para o seu desenvolvimento. Si é verdade que muitas vezes o pratico não pôde reconhecer a procedência 24 2 — JO- de muitas d'ellas, na de que tratamos consegue elle attingir a origem dos sofYrimentos do seu doente. Graças aos trabalhos de Griesinger, Wucherer, Júlio de Moura, Le Roy de Méricourt e outros, a sciencia já muito conquistou a respeito do conhecimento da sua causa intima. De facto, é licito hoje attribuir-se ao anchylostomo uma acção causai primaria no desenvolvimento d'esta moléstia. O depauperamento gradual, lento, mas incessante a que elles dão lugar, fixando-se á mucosa intestinal e absorvendo directamente o fluido sangüíneo ; as pequenas, mas numerosas hemorrhagias, que elles determinam nos pontos da mucosa onde se implantam ; e, finalmente, os embaraços que causam para o lado da nutrição, já irritando, já determinando verdadeiras erosões na porção do tubo intestinal (desde a abertura pylorica até o ileon), onde se passam phenomenos muito importantes da absorpção dos alimentos, nos explicam a profunda anemia que a caracterisa. Esse modo de encarar a moléstia, ao passo que é, como veremos mais tarde, o mais conforme com a maioria dos factos, acha uma confirmação natural na presença constante dos anchylostomos; dá-nos conta d'essas nevroses, especialmente da malacia, phenomeno tão constante e tão exagerado que o estado de depauperamento san- güíneo, por si só, não explica. Esta interpretação pathogenica é ainda confirmada pelo successo do tratamento anthelmintico ; haure nova força no aphorismo do pae da medicina—naturam morborum curationes ostendnnt. Admittimos, portanto, á vista do raciocínio dos factos, das con- dições peculiares da manifestação da moléstia, da observação attenta da therapeutica a mais profícua, que a hypoemia é essencialmente veiminosa. Si muitas são as circumstancias que favorecem a implan- tação dos parasitas no tubo intestinal e a erupção dos symptomas que á affecção pertencem, não ha inferir pluralidade de causas, mas um complexo de condições precisas para o exercício da energia capital. A hypoemia ê observada em todas as idades j tem-se çomtudo - li — notado que è mais rara na velhice. O homem é mais vezes accommet- tido delia do que a mulher ; mas, si attendermos ás desigualdades nas condições de vida e á diíferença de trabalhos a que se entregam áquelles com relação a estas, poderemos dizer que, em identidade de cir- cumstancias, é observada em ambos os sexos na mesma proporção. Tem-se procurado certo gráo de receptividade das raças para a hypoemia. E, com effeito, é a raça ethiopica a que paga maior tributo, á nossa moléstia; as denominações, que lhe foram dadas de malacia dos negros e de cachexia africana, trazem a idéa da sua freqüência nos individuos d'essa raça. Acreditamos, porém, que isso depende da inferioridade das condições hygienicas em que vivem os negros, tendo também grande influencia a profissão a que elles se entregam, É sabido que a profissão agrícola concorre para o desenvolvi- mento d'esta moléstia, pois nas roças é ella muito commum, ao passo « que nas cidades raras vezes se observa; ora, sendo no nosso paiz o serviço da lavoura feito quasi exclusivamente por negros, não admira que a moléstia conte entre elles maior numero de victimas. Não são raros na classe indigente das roças os factos de individuos brancos opilados, ao passo que é raro observar-se esta moléstia em negros das cidades, que gozam de um certo bem-estar. Em sua these o Dr. Alves Pereira cita o facto de um fazendeiro, cujos filhos, de cor branca, se entregavam aos trabalhos da lavoura ajudando os escravos na roça por occasião das colheitas ; pois bem, esses moços eram oppi- lados, ao passo que os seus escravos pouco ou nadasoffriam. Os individuos de temperamento lymphatico e constituição fraca estão mais predispostos a contrahir a moléstia, opinião que está de accordo com as dos Srs. Drs. Jobim e Felicio dos Santos. Uma das circumstancias favoráveis ao desenvolvimento d'esta molés- tia, reconhecida por todos, é o máo regimen alimentar. Basta attender- mos á sua freqüência nas classes menos favorecidas da fortuna. n'aquellas, sobretudo, em que predomina, com todos os horrores da - Í2 - miséria, a insumciencia de uma alimentação reparadora, para vermos quanto ella deve influir. De facto. é nas classes pobres dos campos e nos escravos das fazen- das que a hypoemia é mais freqüente e é ahi também que os effeítos de uma alimentação pouco reparadora mais se fazem sentir. Alimentando-se quasi exclusivamente de feculentos, esteja individuos estão mais predispostos a contrahir a moléstia, não só porque estas substancias, da ordem dos alimentos hydrocarbonados, não fornecem, tanto como os azotados, os princípios nutritivos necessários para a formação de um sangue rico em glóbulos brancos e vermelhos, como também porque, além de predominar nelles a fecula de envolta com princípios refractarios á digestão, ha necessidade de ingerir maior cópia de substancias, visto como, debaixo de um mesmo volume pos- suem muito menor quantidade de princípios nutritivos, o que fatiga as forças do estômago, deixando-o em uma espécie de atonia ou paresia. A este respeito diz o Sr. Conselheiro Jobim : « O uso exclusivo de alimentos feculentos, como farinha de man- dioca, milho e feijão, nos parece uma das causas predisponentes do seu desenvolvimento; a primeira d'aquellas substancias é opinião geral que comida só e sêcca basta para desenvolvei-a.» E em todos os tempos, diz Le Roy de Méricourt, uma alimentação insufficiente e principalmente composta de feculentos tem sido consi- derada favorável ao desenvolvimento de parasitas no tubo intestinal. Do mesmo modo que a alimentação feculenta, a alimentação insuffi- ciente, privando o organismo dos princípios próprios para satisfazer os seus gastos, constitue um momento etiologico favorável ao des- envolvimento da hypoemia. Comprehende-se que os alimentos possam, por si sós, obrar como causa occasional, uma vez que sirvam de vehiculo aos germens dos ankylostomos, promovendo d'este modo a sua migração para o tubo intestinal, 13 - Acreditamos que a água pôde ler muita importância no appare- cimento da hypoemia. Si é verdade que os óvulos dos helminthos conservam por muito tempo suas propriedades germinativas ; si elles resistem á elevação e ao abaixamento da temperatura, á acçâo da secura e á da humidade, á do álcool como á da agua(Davainc, Moquin, Tandon), comprehende-se que esta, dadas certas circumstancías, pôde ser o vehiculo pelo qual os anchylostomos se introduzam, ainda no estado embryonario, no tubo gastro-intestinal. Em sua these inaugural, o Dr. Pinto Xetto refere o caso de exter- minação de uma família inteira, observado pelo Sr. Dr. LauggaaH, devida ao uso das águas de um brejo, que ficava próximo á habitação d'esses infelizes. Todos foram victimas da hypoemia O Dr. Júlio de Moura, em uma communicação feita ao Dr. Wucherer, corrobora esta opinião: * Eu não tenho deixado de mão o estudo curioso da hypoemia, antes tenho feito repetidas obser- vações no lugar onde resido e onde, sendo o clima temperado e as águas excellentes, a atmosphera pura e ricamente oxygenada, e dadas, bem entendido, certas condições quanto ao regimen e quanto ás moradas, parecia ápriori que não devia apparecer alli a hypoe- mia. Pelo contrario, tenho observado muitos casos em algumas famílias da classe média, que nasceram e residiram sempre aqui, em geral bem vestidas, resguardadas das intempéries e bem alimentadas. « Uma causa, porém, sobre que tenho questionado e cujas res- postas têm sido sempre uniformes, é a circumstancia, para mim muito importante, de fazerem uso os doentes não de água de fonte ou nascente, -mas de águas de pouca correnteza, empoçadas, atra- vessando sempre brejos ou valles cobertos de vegetação aquática. « Creio bem que d'ahi provem toda a origem do mal e que os óvulos dos anchylostomos, assim como de outros entozoarios, sejam levados á economia por esse vehiculo insalubre. » - H — Alguns autores attribuiram grande influencia á allotríophagia como causa determinante da hypoemia. AssimLevacher, Noverre, etc, acre- ditam que a nostalgia, o pezar, o ciúme, o desejo que têm os escravos de prejudicar os interesses de seus senhores os levam muitas vezes a provo- car esta moléstia ingerindo certas substancias, como cinza, barro, fecula de mandioca, etc. Hoje os factos mais bem interpretados não permittem duvidar de que a allotríophagia não é causa de oppilação, e todos estão de accôrdo em considerar essa perversão do appetite como uma das manifestações symptomaticas da moléstia. Um facto sobre o qual estão de accôrdo todos que se têm occupado da hypoemia é attribuir á natureza dos climas certa cooperação no seu desenvolvimento. Ao tratar do histórico, implicitamente mostrámos o dominio geo- graphico da oppilação. Ahi vimos que, si ella não é exclusiva dos paizes situados entre os trópicos, é pelo menos nos paizes quentes que a sua manifestação é mais freqüente. Si considerarmos a freqüência, entre nós, da moléstia em ques- tão, onde as condições de temperatura são muito variáveis e onde o clima é tantas vezes modificado por influencias locaes; si ainda considerarmos que certos paizes quentes, mas seccos, são d'ella preservados, devemos crer que o calor, por si só, não influe muito no seu desenvolvimento, mas que, junto á humidade, constitue uma condição predisponente muito importante, o que está de accôrdo com a opinião do illustrado Sr. Dr. Souza Costa, quando diz: « Ninguém ignora que um dos plienomenos physiologicos mais importantes dos paizes quentes é a excessiva actividade da secreção cutânea e pulmonar, dando lugar á copiosa transpiração e exha- lação d'esses órgãos. Nessas regiões o ar, duplamente rarefeito pelo calor e pela interposição de uma grande cópia de vapores aquosos, fornece debaixo de um mesmo volume uma sanguinificação pouco activa. Si, nestas condições, o ar se satura de humidade, multiplicando d'este modo as funcçòes da exhalação da pelle e da mucosa pulmonar, manifesta-se uma menor plasticidade do san- gue, uma tendência á hydroemia, constituindo por assim dizermos um estado de imminencia mórbida. » Aos dous elementos combinados, calor e humidade, attribuia o Dr. Mariot (1) a freqüência da hypoemia entre nós. A influencia perniciosa da humidade foi comprovada pelo Dr. Reinhold (2), o qual, depois de observações feitas em cinco fazendas, apresentou uma estatística, em que a proporção dos oppilados era maior nas duas situadas mais inferiormente e mais humidas ; accresce ainda que o seu numero era tanto maior quanto mais chuvoso o armo. Em 1850 entre 440 doentes.... 7 oppilados. » 1851 >» 465 » ____ 5 » 1852 » 32 , .... 17 O ultimo armo foi muito chuvoso. « Elément de Ia vie végétale, de sa force, de sa vigueur d'expansion sous les tropiques, de même que dans les autres latitudes du globe, l'humidité, diz Sigaud, est pour Ia vie animale un agent actif de destruction, bien plus nuisible encore que Ia chaleur solaire. Si 1'ex- treme fertílité du sol resulte de son degré d'humidité, 1'insalubrité de l'air devient une condition inséparable des deux autres. L'humidité est donc le premier des modificateurs atmosphériques.» Sabemos que os individuos mais atacados da hypoemia são os es- cravos, são os trabalhadores das roças e, com a Dr. Jobim, diremos : « são elles também os mais expostos aos effeitos da humidade, por andarem descalços, mal vestidos, dormirem ao sereno, em palhoças abertas e immediatamente sobre a terra fria e humida. » Pelo que acabamos de expor, vê-se que a hypoemia é muito mais freqüente nos lugares baixos e humidos, do que nos altos e seccos. <\, Notice sur 1'hypoemie intertropicale —Bruxelles—18G2, These do Rio de Janeiro de 1853, - 16 — Os lugares cobertos por florestas e atravessados por brejos, rios, pân- tanos, etc, estão nas mesmas condições, visto como a ausência de raios solares e a estagnação das águas são condições que entretem um gráo maior ou menor de humidade. As condições em que se acham as habitações devem também ser attendidas no estudo das causas predisponentes da hypoemia. Haja em vista o que se passa entre nós. Sabe-se como são construídas pela maior parte as moradas dos es- cravos nas fazendas e mesmo as da classe pobre. São muitas vezes as mais imperfeitas possíveis. Assentadas em lugares baixos e humidos, mal defendidas lateralmente das intempéries, cobertas de palha ou de telha vã, dão entrada a correntes de ar frio, que occasionam essas suppressões bruscas de transpiração, tão nocivas á saúde. Nesses peque- nos aposentos, onde á falta de asseio se juntam outras condições anti- hygienicas, se agglomeram muitos individuos, que, em busca do repouso necessário ás fadigas do dia, encontram por leito o chão frio e humido. Accresce que muitos não têm os meios de aquecimento necessários para resguardar-se do frio e das mutações constantes da atmosphera; por isso fazem fogo dentro das senzalas, quer como meio de aqueci- mento, quer como meio de illuminação, augmentando d'esse modo os elementos de viciação do ar. Eis ahi reunidas tristes condições de miséria que os tornam aptos para contrahir a moléstia. Outras causas predisponentes têm sido invocadas. As gastrites, as moléstias orgânicas do pulmão (Sigaud), a dysmenorrhea, a dyspepsia, em uma palavra, todas as moléstias que trazem como conseqüência as dyscrasias devem influir mais ou menos. Agora que temos muito succintamente apresentado as causas geraes predisponentes da hypoemia, é licito concluirmos que razões ponde- rosas nos levam a admittir como causa determinante o parasitismo pelos anchylostomos. Com effeito, aquellas causas actuam preparando o organismo, tor- nando-o apto para receber e desenvolver a que vem dar a 1 m physionomia especial á moléstia pelos estragos que produz em toda a economia. A oppilação, moléstia tão bem caracterisada pelos seus symptomas, pela sua marcha e pelas lesões anatômicas sempre as mesmas, não se acha ligada essencialmente áquellas causas. A sua distribuição geo- graphica, limitando-se a certos paizes, a certas localidades, nos diz que, além d'essas causas, ha uma outra que representa um papel pre- ponderante na sua evolução, dando-lhe uma physionomia própria que a distingue das outras dyscrasias. NATUREZA E ANATOMIA PATHOLOGICA Si considerarmos, em rápida synthese, as opiniões variadas que sobre a natureza da hypoemia têm sido creadas, restringil-as-hemos a duas : a que affirrna a causalidade das circumstancías ambientes e que, estabelecendo as naturaes relações do organismo com os modi- ficadores hygienicos, estabelece igualmente a dependência exclusiva, em que se acha a hypoemia, dos grandes agentes cósmicos e das con- dições particulares de alimentação e de regimen; e a doutrina que sustenta a natureza parasitaria d'esta moléstia, que entende serem os anchylostomos a causa determinante das lesões e dos symptomas, embora tal circumstancia primaria exija o concurso de condições cli- máticas e topographicas, do vicio de qualidade e de quantidade dos ingesta e de outros elementos que na etiologia referimos. Com o fim de justificar a opinião que já manifestámos, estudare- mos as duas precedentes doutrinas, começando por lembrar o quer sobre o anchylostomo duodenal, de mais importante se tem dito. Vimos que elle foi descripto pela primeira vez por Dubini, em Milão. Pruner alguns annos depois assígnalou a sua existência no Egypto. Estas observações foram mais tarde seguidas das de Billharz e 24 3 - «8 - Griesinger, que, por indicação de Siebold, os estudaram mais deti- damente ; este ultimo observador, procedendo á autópsia de um in- divíduo fallecido de chlorose do Egypto, encontrou grande numero d'esses parasitas fixados na mucosa do intestino delgado, cada um com a sua pequena echymose, e algum derramamento sangüíneo pro- veniente dos pontos da mucosa, em que elles implantavam suas prezas. Attento ao modo de actuar d'esses helminthos, Griesinger suspeitou logo que elles seriam a causa da moléstia que afflige em larga escala a população do Egypto ; mas, como não pudesse pessoalmente proceder a investigações neste sentido, por isso que tinha de deixar este paiz, aconselhou a Billharz que as fizesse, eque, de ora em diante, empregasse na chlorose do Egypto os calomelanos e outros anthel- minticos. A existência dos anchylostomos é verificada por Billharz e por Pruner sempre nesta moléstia. Entretanto, estes factos, de tanta importância no estudo da hypoemia, cahem no esquecimento até que o fallecido Dr. Wucherer (1), distincto pratico da Bahia, proce- dendo a estudos e investigações a respeito da oppilação, rehabilita o descobrimento de Griesinger, encontrando os referidos vermes em todos os casos de autópsias por elle praticadas em hypoemicos Não tardou muito que novas observações viessem confirmar as do Dr. Wucherer. Assim, a presença dos anchylostomos foi verificada constantemente na Bahia pelos Srs. Drs. Silva Lima e Demetrio Tourinho (2) nos individuos que haviam succumbido á hypoemia e que * elles autopsiaram. Igualmente no Rio de Janeiro o Sr. Conselheiro Teixeira da Rocha (3) e Dr. Júlio de Moura (4), que se entregaram a estudos especiaes a este respeito, comprovaram as observações feitas na Bahia. (1) Loco citato. (2) Idem. (3) Revista trimensal da Sociedade Instituto Acadêmico (1867). (4) Gazeta Medica da Bahia de 1870 (15 de Março). - 19 - O Sr. Dr. Langgaard (1) só deixou de encontral-os em dous oppilados, o que attribue á administração de anthelminticos a que anteriormente havia submettido os seus doentes. Repercutindo nos paizes estrangeiros onde também reina a hypoe- mia, a noticia d'este descobrimento, não tardaram a apparecer factos que viessem comprovar a presença constante dos anchylostoinos nos hypoemicos. Em Mayotte, Grenet e Monestier (2) e em Cayenna, Rion de Kerangal os verificaram nos individuos que haviam succum- bido ao mal de cceur. Em sua these inaugural, o Sr. Dr. Felicio dos Santos, dando conta de duas autópsias praticadas em individuos fallecidos de hypoemia intertropical, refere a existência, nos intestinos d'esses individuos, de pequenas saliências de natureza hematica. Elle igno- rava então a existência dos anchylosiomos e por conseguinte a procedência d'aquellas saliências, que hoje se sabe serem devidas a estes vermes. Acreditamos, por isso, que o distincto observador, tendo verificado a existência d'aquelles parasitas, não os assigna- lou por não lhes ligar a importância de causalidade que hoje têm, e tanto isso é verdade que elle próprio declara que « os helmin- thos das diversas espécies são communs na hypoemia ». Si nos remontamos a uma época mais remota de nós, vemos Levacher (4), depois de mais de vinte autópsias que praticou em hypoemicos, assignalar nelles a presença de pequenos vermes « des lombrics à Vêtat naissant et par quantité prodigieuse ». As observa- ções posteriores têm vindo comprovar que esses pequenos vermes no estado nascente eram os mesmos que mais tarde receberam o nome de anchylostomo. Finalmente, todos que têm tido ensejo de autopsiar hypoemicos, (1) Trecho de uma carta, transcripto na these do Dr. Alves Pereira. (2) Archives de médecine navale, tomo 10 de 1868. (3) Archives de médecine navale, tomo 7 de 1867. (4) Guide des Antilles, 1835. — 20 — têm verificado nelles a constância d'esses vermes. Tivemos occasião de observal-os em dous casos, um dos quaes era um individuo fallecido na clinica da Faculdade e foi autopsiado pelo nosso col- lega o Sr. Ferreira Barreto. Existirão elles somente na hypoemia, ou póde-se affirmar que em outras afíecções também são encontradas ? Muitas autópsias praticadas pelo Dr. Wucherer, para elucidar esta questão, em individuos fallecidos de outras moléstias, não lhe revelaram a existência de anchylostomos, excepto em um caso de beriberi (1). O Dr. Demetrio Tourinho nunca os verificou senão em hypoemicos; os resultados de suas pesquisas, em - casos de anemias procedentes de causas diversas, foram negativos; o mesmo resultado têm obtido muitos outros práticos que têm procedido a essas investigações. Na Revista trimensal do Athenêo Medico (1867, Julho) vem publi- cada uma observação do Sr. Conselheiro Teixeira da Rocha, relativa a um individuo fallecido de cachexia paludosa, no qual foram encon- trados esses parasitas. Referio-nos também o nosso collega o Sr. Carlos Ferreira Alves tel-os encontrado no corrente anno em um individuo fallecido de beriberi no Hospital de Marinha. São estes três os casos, de que temos conhecimento, de outras moléstias que não a hypoemia, nas quaes os anchylostomos têm sido encontrados ; as demais pesquisas neste sentido têm dado resultados negativos, como nos succedeu ; pois embalde procedemos a investi- gações em cadáveres de alguns individuos fallecidos de moléstias diversas, no Hospital da Misericórdia. Quanto ao facto relativo á observação do Sr. Conselheiro Teixeira da Rocha, não ha duvida de que se tratava de uma cachexia palu- dosa : os accessos intermittentes durando desde longa data e cedendo a principio mediante os preparados de quina, para mais tarde voltarem (á) Gaz. med. da Bahia, anno 1, n. 11 pag. 127 __ 21 __ com todo o cortejo de symptomas, próprios de uma anemia profunda, e o enorme engorgitamen^o do fígado e do baço bastam para caracterisal-a, mas não excluem a idéa de uma complicação. E, de facto, embora seja muito difficil, senão impossivel muitas vezes, destacar a hypoemia da anemia profunda produzida pelo ele- mento palustre, vemos um individuo que se empregava em serviços da lavoura, exposto sempre a humidades, que se alimentava habitual- mente de peixes, feijão, farÍ7iha de mandioca, e que desde o começo da sua moléstia tem as pernas e o rosto inchados e cança ao andar. A profissão do individuo, que faz o assumpto d'esta observação, a sua alimentação e o facto de apresentar o edema desde o começo da moléstia, o que não se observa na cachexia paludosa, e finalmente a physionomia do doente, tão bem descripta pelo distincto professor, aquella face intumecida, opada antes do que edemaciada, como elle próprio nota, não são característicos pertencentes mais áhypoemia do que á cachexia paludosa ? O sulphato de quinina e os ferruginosos, methodicamente empre- gados, suitem, de ordinário, effeito nesta affecção ; no individuo de que se trata elles falharam. Somos por estas considerações levados a crer que se tratava de um caso de cachexia paludosa, mas em que a hypoemia represen- tava um papel importante como complicação, concorrendo talvez poderosamente para encurtar a vida d'aquelle doente. Quanto aos dous factos de beriberi que têm coincidido com a pre- sença d'esses parasitas, cremos nós que não são de ordem a se oppôr á idéa de que elles são a causa determinante da hypoemia. Acredi- tamos mesmo que possam ser encontrados em outras moléstias, sem que os symptomas da hypoemia se revelem patentes ao obser- vador. Si compararmos a apparição inconstante d'elles em moléstias differentes com a sua presença constante na hypoemia; si reparar- mos que seu numero é muito limitado nas primeiras (eram seis no __ 22 caso observado pelo Sr. Alves) e abundante na hypoemia ; e, final- mente, si juntarmos a isso o conhecimento do seu modo de actuar lento, teremos razões bastantes para suspeitar relações estreitas de causalidade entre elles e a oppilação, e apenas simples coincidência nas outras moléstias. Apparecerem os anchylostomos em outros estados mórbidos que não na hypoemia, não quer isso dizer que mais tarde não viriam elles a ser a causa d'esta. E que outra moléstia accommetteu o individuo e o fez victima antes dos progressos da primeira, cujos germens não tinham ainda tido tempo sufficiente para determinal-a. Deu-se ahi um facto muito commum : de duas moléstias existentes no mesmo organismo, a mais enérgica e de mais rápida evolução en- cobrio a outra. Em resumo, nestes dous factos os anchylostomos devem ser consi- derados como simples coincidência, não tendo ainda determinado a hypoemia por falta de tempo para se reproduzirem e darem lugar a essa dysglobulia profunda. Ora, si estes vermes têm sido encontrados por tantos observadores nos casos da hypoemia ; si sua presença constante é confirmada nas differentes partes do globo onde ella reina, e só ahi, como recusar-lhes uma parte activa no desenvolvimento da oppilação ? Consideremos, agora, a questão sob um outro aspecto e tratemos de examinar particularmente a primeira doutrina que, para a inter- pretação da natureza da hypoemia, se adoptou, e que, ao iniciar este artigo, expuzemos. Vimos que nesta doutrina se entendia ser a causa determinante da moléstia o complexo de circumstancias climatericas próprias dos paizes quentes, o gênero de vida, o regimen alimentar e todas as con- dições debilitantes do organismo. Esta doutrina não nos parece inteiramente escoimada do caracter hypothetico. — 23 — Com effeito, si considerarmos em geral a influencia causai d'essas circumstancías, verificaremos serem ellas impotentes para engendrar a hypoemia, ainda que sejam capazes de, por sua acção constante e intensa, determinar muitos outros estados dyscrasicos, Quando estudámos a etiologia, examinámos indirectamente o valor que tinha tal doutrina em relação á moléstia que nos occupa e que, revestida de uma feição particular e exclusiva, parece exigir para si um lugar distincto d'aquelle em que são collocadas no quadro nosologico as varias alterações da crase sanguinea. Então notamos a impossibilidade de julgal-a pelos simples effeitos das causas geraes das anemias. Taes considerações naturalmente se fortificam pela comparação que se poderá fazer entre a hypoemia e as differentes moléstias ver- minosas. Effectivamente, as diversas condições que favorecem a verminação são também aquellas sob cuja influencia vemos desenvolver-se a hypoemia. De todas essas condições, a dos climas é a mais poderosa e ma- nifesta; a sua influencia sobre tal ou tal espécie de verme é mani- festa . Assim, em quanto que na Islândia a moléstia hydatica é freqüente, érara nos Estados-Unidos e na índia e desconhecida em outros paizes ; a, filaria ão homem só se desenvolve nos paizes tropicaes, o distomo hematobio e a tcenia nana só no Egypto, o bothriocephalo na Europa Oriental, etc. Vimos que a hypoemia era peculiar aos paizes quentes; observada em muitos d'esses paizes, não tem sido encontrada em outros. Estes factos não invalidam a conclusão que tiraremos de ser a hypoemia uma moléstia de natureza verminosa ; porque, em relação á freqüência d'ella em certos paizes e á sua ausência em outros, nada mais se poderá inferir sinão o que das moléstias verminosas, em geral, se diz. — 24 — Não é a meteorologia própria dos paizes quentes que regularisa a distribuição do reino endêmico da hypoemia. E na verdade, que diíferença, para localidades que pertencem a um mesmo clima geral, entre os climas parciaes, por exemplo entre Campos e Theresopolis, quer pela média e extremos de temperatura, quer pelo caracter das estações, que no emtanto se correspondem! Não obstante, a hypoemia ahi reina com igual intensidade. Pelo contrario, em localidades de pouca extensão, com condições de meteorologia que não apresentam diíferença sensivel, a hypoe- mia acha-se, ás vezes, encerrada em focos distinctos, posto que próximos uns dos outros. Assim é que ha localidades onde rarissimas vezes a hypoemia se observa, ao passo que é muito freqüente em outra. Si, pois, em localidades dissemelhantes por suas condições climate- ricas, se desenvolve a mesma moléstia; si, debaixo de um mesmo clima, ella se manifesta mais freqüente em uns do que em outros pontos, é que a hypoemia, como individualidade mórbida, não se acha essen- cialmente ligada a condições climáticas. As más condições hygienicas, por si sós, não explicam a freqüência de uma moléstia endêmica, como a hypoemia, limitando-se a certos territórios e não se estendendo a outros, onde aquellas condições existem em grande escala. Si nos reportamos, mais particularmente, ás localidades onde ella reina ordinariamente, vemos, por exemplo nas fazendas, grande numero de individuos sujeitos ao mesmo clima, ao mesmo gênero de trabalho, ao mesmo regimen alimentar e ás mesmas condições hygienicas; pois bem, si a hypoemia fosse essencialmente ligada a essas causas, não é plausível acreditar-se que, actuando ellas sobre um grande numero de individuos ao mesmo tempo e dadas idênticas circumstancias, deveriam ipso facto determinar o seu appa- recimento, pelo menos no maior numero d'elles ? Isso, porém, não se dá ; o que se vê é que um pequeno numero d'esses individuos é - 25 — atacado da moléstia; outros são preservados d'ellae só muito tempo depois de submettidos a essas condi ções a contrahem ; finalmente, a maior parte passa incólume. Como explicar, então, essa immunidade temporária de uns e absoluta de outros, quando todos se acham debaixo das mesmas condições ? Continuemos a confrontação entre a hypoemia e as moléstias vermi- nosas, e veremos que ella poderá entrar no quadro d'estas sem ser deslocada. Sabe-se, efíectivamente, que os vermes intestinaes accommettem certo numero de individuos e poupam outros, sujeitos ás mesmas causas geraes. Dar-se-ha ahi um facto de immunidade individual ? Parece-me evidente. Essa immunidade, porém, não tem tido até agora explicação plausivel. De todas as condições favoráveis ao desenvolvimento dos entosoa- rios, diz Davaine (1), nenhuma é mais manifesta do que a humidade ; já vimos qual era a sua influencia no desenvolvimento da hypoemia: a estatística de Reinhold (2) prova que, nas estações chuvosas e nos lugares humidos, esta moléstia é mais freqüente. O gênero de alimentação e as águas têm sido considerados cir- cumstancías importantes no desenvolvimento dos vermes. A tcenia só se encontra nos individuos que fazem uso da carne de porco ; os que se abstêm d'ella, como os padres cartuxos na Abyssinia, são preservados. Os ascarides e oxyuros se encontram de preferencia nos individuos que fazem uso de uma alimentação feculenta. É reconhecida a influencia da alimentação no desenvolvimento da hypoemia. (1) Traité des entosoaires—Paris 1860. (2) These citada. 24 k — 2B — xVs moléstias verminosas são muito mais freqüentes nos campos, diz Davaine; é também nos trabalhadores das roças que a hypoemia faz mais victimas; e raro, diz o Dr. Felicio dos Santos,que os oppilados não pertençam á profissão agrícola. Na symptoinatologia os pontos de semelhança não devem ser tão manifestos. Os vermes intestinaes, em geral, actuam por sua presença, determi- nando os phenomenos locaes e sympathicos que se conhecem; os anchylostomos, porém, não se limitam a isso. Implantando as suas prezas na mucosa intestinal, nutrem-se directamente do sangue; seu effeito principal, pois, deve ser a anemia; mas, implantando-se na mucosa, ulceram e oífendem em pontos diversos as raizes nervosas que animam as villosidades intestinaes. Julgamos, por isso, que a elle se acha ligada a malacia, phenomeno tão constante da hypoemia e tão exagerado, como não se observa em nenhuma outra alteração do sangue. E sabe-se que os vermes pro- duzem accidentes dynamo-nervosos os mais insólitos, taes como estra- bismo, vômitos, eólicas, movimentos epileptiformes e choreicos, etc; sabe-se também que são muitas vezes a causa da anorexia ou da boulimia. Por outro lado, é perfeitamente sabido que, na ausência de lesões especiaes, são as sensações de fome e de sede os actos gástricos que, de modo mais enérgico, manifestam a influencia das sympathias; e, como taes actos devem estar em harmonia com a sua causa occasional, não é difficil conceber-se que uma excitação anormal possa trazer a perversão do appetite. Não contestamos, entretanto, que a influencia das causas geraes deprimentes possa determinar no organismo uma tal alteração na crase sanguinea, que, tirando ao liquido viviíicante as propriedades sedativas que possue em relação ao systema nervoso, provoque a explosão dos actos gástricos anormaes e portanto a perversão do appetite. - 27 - Estas circumstancias, porém, não são sufficientes para explicar a constância da mesma perversão na hypoemia. Para verificar a exactidão da consideração precedente, basta pon- derar que as perversões do appetite são raras nos estados simples- mente dyscrasicos e que, na hyp oemia, pertencem ellas ao numero dos phenomenos característicos da moléstia. A estas considerações se prende uma outra de não pequena importância. Attendendo á medicação empregada pelos práticos para debellar esta moléstia, vemos que os anthelminticos têm gozado, desde época muito remota, de grande nomeada. Os drásticos, que são anthelminticos também, por isso que activam os movimentos peristalticos e as secreções intestinaes, têm sido muito empregados na hypoemia e eram dados outr'ora, diz o Sr. Dr. Souza Costa, coup sur coup (1). O leite da gamelleira, que é de uso vulgar, além de drástico, é também parasiticida; entretanto, as suas extraordinárias vantagens, verificadas por pessoas conscienciosas e profissionaes, o têm feito considerar quasi como o especifico da hypoemia. Em vista das considerações que temos feito, cremos que a hypoemia tem todos os elementos para ser considerada como moléstia ver- minosa. Ora, já referimos que todos os observadores são concordes em affirmar a existência constante dos anchylostomos no tubo intestinal dos hypoemicos. Serão esses vermes, portanto, a causa determinante da moléstia, como os outros parasitas o são das varias affecções verminosas. Nesse presupposto cabe-nos, agora, o ensejo de fazer a descripção d'este nematoide. O anchylostomo é um pequeno verme cylindrico, transparente no (1) Loco citato, - 28 - seu quarto anterior, avermelhado, e, ás vezes, de cor escura nos seus três quartos posteriores, apresentando na parte intermedia uma pequena mancha escura, que indica o começo do intestino. Seu corpo é estriado transversalmente e munido de um tegu- mento distincto, constituído por tecido conjunctivo, cujas fibras, perfeitamente iguaes e parallelas, são dispostas por camadas e cruzam-se regularmente. Debaixo do tegumento existe um plano de fibras musculares, for- mando um segundo tegumento para as visceras. Sua cabeça é arredondada, separada do corpo por um ligeiro estrangulamento, que lhe fôrma uma espécie de pescoço. A bocca, obliquamente collocada na face inferior do corpo, representa uma espécie de apparelho corneo e é munida de saliências ou dentes em numero de 4, fortes, conicos e terminados em colchete. De Siebold propõe caracterisar assim a disposição da bocca e a dos dentes: « Os acetabuliforme subcorneum, apertura oris accepta circularis subdorsalis ; dentes in fundo oris intra aperturoz marginem abdominalem quatuor uncinati.y> Adiante e aos lados do corpo, no limite da primeira sexta parte do seu comprimento total, notam-se duas pequenas eminências papillares, que de Siebold considera como orgams tactis. O pharynge é infundibuliforme, com paredes resistentes; o esophago, musculoso, alarga-se para a parte posterior ; os intestinos, man- chados de negro, são representados por um canal recto, terminan- do-se no ânus, que está situado na extremidade, na parte anterior e lateral. Perto da bocca existe uma pequena abertura, que é commum a dous canaes longitudinaes, que representam o apparelho excretor. A extremidade posterior do corpo, no macho, representa uma dilatação em fôrma de fundo de sacco, sustentado por digitações em numero de onze, das quaes uma mediana, impar, é mais grossa e bifurcada: é o apparelho da geração, do meio do qual 29 — sahe um penis longo e bifido. Na fêmea, a vulva acha-se situada um pouco além do meio do corpo. Esta é um pouco maior do que aquelle. 0 macho tem 6 a 8 millimetros de comprimento e a fêmea 8 a 13. O macho e a fêmea acham-se na proporção de um para três. Habitam o duodeno e o jejuno do homem ; fixam-se á mucosa por meio dos seus quatro dentes para viverem do sangue, deixando no ponto, onde se implantam, pequenas manchas echymoticas, pro- duzidas pela sucção do seu apparelho boccal. D'onde provém os anchylostomos ? De que modo penetram elles no organismo? Não se faz preciso dizer que não se pódeappellar para uma geração espontânea. Está geralmente abandonada a idéa de fazer depender a formação dos entosoarios de um accumulo de mucosidades, depois de certas modificações por que estas têm passado. Os parasitas intestinaes, em geral, provém de óvulos ou ger- mens e só chegam aquelle estado depois de um desenvolvimento mais ou menos adiantado (Niemeyer) (1). Temos, pois, um primeiro dado, que é certo : os óvulos ou germens dos anchylostomos provêem do exterior e penetram no intestino do homem. Como se faz, porém, essa migração que os conduz do exterior ao tubo digestivo, como seus óvulos ou seus embryões ahi se introduzem e em que condições existem fora d'elle, é o que por emquanto se ignora. O que é licito somente suppôr é que elles são ingeridos ou com os alimentos ou com as bebidas, como succede a muitos outros entozoarios. E o mesmo que se dá com a filaria, por exemplo, que só se encontra em certas regiões do globo, dá-se com os anchylostomos, que só em certos paizes encontra as condições favoráveis á sua existência. Assim, pois, consideraremos como causa occasional da hypoemia a ingestão de alimentos ou (lj Traité de pathologie interne. — 30 - bebidas, que levem de mistura os óvulos d'esses parasitas, os quaes, depondo-se no intestino, produzem a moléstia; e como causas predisponentes as condições debilitantes do organismo, as más condições hygienicas, o máo regimen alimentar, a humidade, etc Todas estas condições, invocadas para explicar o desenvolvimento da hypoemia, quando não se suspeitava a influencia pathogenica dos anchylostomos, são de natureza a facilitar a introducção e o desen- volvimento d'este nematoide no tubo intestinal do homem. Estudados assim os anchylostomos, é favorável a opportunidade para indagar quaes as alterações anatomo-pathologicas, que esses vermes determinam próxima ou remotamente. Os cadáveres de individuos fallecidos de hypoemia intertropical são excessivamente magros ou edemaciados, conforme tem havido ou não diarrhéa nos últimos períodos da moléstia. Os tecidos apresentam-se profundamente descorados; as mucosas do pharynge e do estômago, espessadas e amollecidas, destacam-se facilmente, deixando a descoberto a túnica musculosa e, em alguns pontos, mesmo a serosa. Os intestinos, ordinariamente exangues e vasios, apresentam-se muitas vezes modificados em seu calibre; ordinariamente estão estrei- tados ; entretanto, ás vezes acham-se dilatados, simulando um segundo estômago, conforme a observação dos Srs. Drs. Jobim e Wucherer. A mucosa intestinal acha-se amollecida e apresenta aqui e alli, no duodeno e no jejuno, um numero mais ou menos considerável de pequenas echymoses, do tamanho de uma lentilha, de cor ver- melho-escura, tendo no centro uma mancha descorada, atravessada por um orifício, que penetra até o tecido submucoso. Essas pequenas echymoses são todavia mais numerosas no jejuno do que no duodeno. Griesinger diz que são produzidas por san- gue derramado entre as túnicas interna e média. Já referimos que o Sr. Dr. Felicio dos Santos estudou particularmente estas manchas, que foram consideradas por elle de origem hematica. - 31 — A existência dos anchylostomos, exercendo continuamente uma irritação nas paredes intestinaes, quer pelo contacto, quer e princi- palmente pela sucção que operam, explica sufficientemente a razão de ser de taes manchas e indica que são elles a causa determi- nante das echymoses. Este facto é de valioso appoio á nossa opinião; porque não conhecemos outra moléstia em que estas alterações se produzam, nem tão pouco podemos interpretai-as, sinão pela acção dos vermes. No que respeita ao apparelho hepatico, nota-se o fígado pallido, não apresentando de ordinário alteração de volume, salvo quando a hypoemia se acha complicada de cachexia paludosa ou quando ha lesão d'este orgaru. O baço apresenta seu tamanho natural; ás vezes, porém, está atrophiado. Pensamos ser possivel explicarem-se as lesões hepaticas pelas alte- rações geraes da crase sanguinea. O descoramento da glândula é a conseqüência natural da diminuição dos glóbulos vermelhos; e em um individuo cuja crase sanguinea é tão profundamente alte- rada, como no hypoemico; em quem as funcções nutritivas tanto se acham prejudicadas; cuja porção mais preciosa dos elementos restauradores é diminuida pela sucção directa feita pelos anchy- lostomos, e talvez mesmo viciada, nào é difíioil explicar-se o des- coramento do fígado. Quanto á atrophia do baço, talvez mesmo o estado de dyscra- sia pudesse interpretal-a. A falta de definitiva solução do problema physiologico das funcções do baço impede-nos de dar uma solução satisfactoria. As lesões encontradas em outros orgams são variáveis. Os gânglios mesentericos acham-se, ás vezes, engorgitados. O coração torna-se flacido e, ás vezes, augmentado de volume; suas cavidades podem-se achar dilatadas e suas paredes adelga- çadas. O sangue que elle contém, bem como o dos grossos vasos, — 32 - se caracterisa sobretudo por um estado hydroemico; o serum acha-se mais empobrecido de albumina e provavelmente mais abundante em saes. Os pulmões acham-se ordinariamente pallidos e edemaciados; o cérebro anêmico e amollecido. Quasi sempre se encontram derramamentos serosos; a pleura, o pericardio e o peritoneo contêm uma quantidade maior ou menor de serosidade. Taes são as alterações que geralmente se encontram; são, entretanto, as que se observam para o lado dos intestinos que mais importa ter em linha de conta. SYMPTOMATOLOGIA, MARCHA E DURAÇÃO O começo da hypoemia é insidioso e lento ; torna-se por isso diíficil apreciar-lhe os prodromos, si é que elles existem. Os factos de apparecimento rápido desta moléstia, annunciados por alguns observadores, não têm sido comprovados e nem seriam muito prováveis em uma moléstia de marcha visivelmente chronica. O que se nota é que os primeiros phenomenos passam, de ordinário, desapercebidos ; os doentes não podem precisar a época da sua primeira apparição. Manifestam-se, pouco a pouco, um certo estado hypochondriaco, torpor intellectual e physico, tristeza, negação ao trabalho, fadiga insólita e um enfraquecimento geral. Ha quasi sempre desordens para o lado do tubo digestivo, pri- meiros phenomenos que ás vezes chamam a attenção do doente: fastio, peso no epigastro, eructações e regorgitamentos, freqüentes gastralgias e enteralgias, tympanismo e constipação de ventre. Coincide com esses phenomenos o descorainento da face, a qual se torna um tanto vultuosa— opada — ; o olhar apresenta-se taci- turno, sem expressão : as escleroticas são de um branco côr de — 33 — pérola ou azuladas ; as conjuctivas já não apresentam grande vas- cularisação capillar ; a palpebra inferior torna-se edemaciada, prin- cipalmente depois do somno, e com uma orla livida na base. A medida que a moléstia progride, os tegumentos vão pouco a pouco perdendo o seu colorido normal; o descoramento é característico e basta ás vezes, por si só, para accusar um caso de oppilação. Nos individuos de côr branca, a pelle toma uma côr toda particular, a de um amarello mais ou menos sujo que se têm comparado com a côr da terra ou cera velha e que o Sr. Dr. Moncorvo (1) compara muito bem com a de um individuo que tivesse feito loções com uma água na qual se tivesse diluido argila. Os pretos tomam uma côr fula, côr de café com pouco leite, na ex- pressão do Sr. Dr. Felicio dos Santos. Com o descoramento da pelle combina o das mucosas, bem sensivel nas conjunctivas oculares, na lingua e na cavidade buccal, e com elle coincide também a extrema brancura das palmas das mãos e plantas dos pés. A extrema pallidez da pelle e das mucosas, que é devida á per- turbação por que passa a crase do sangue, é acompanhada de abaixamento de temperatura nas extremidades ; por isso os oppilados procuram o sol ou o fogo para se aquecerem e são tão impressionados por qualquer mudança de temperatura. Sua pelle, além de descorada, é sêcca e furfuracea; ha ausência completa de transpiração cutânea. É então que os oppilados se distinguem por uma fraqueza exces- siva, muita indolência e pouca disposição para os movimentos; cançam ao menor exercido e têm muita tendência ao somno. Não é freqüente vêr o appetite conservar-se no decurso da hypoemia ; o que se observa é a sua diminuição ou a sua perversão. (1) Du diagnostic différentiel entre Ia dyspepsie essentielle et 1'hypoemié intertropicale — Rio de Janeiro, 1874. - :h - A lingua cobre-se de uma saburra esbranquiçada; raras vezes ha náuseas ou vômitos. A sede é medíocre. Pari passu que a moléstia progride, os phenomenos que apontámos vão se tornando mais pronunciados e as alterações por que passa o sangue nos dá conta do edema que, a principio limitado aos maleolos e podendo desapparecer pelo decubito dorsal, acaba por tornar-se permanente e invadir todo o membro, em parte ou em totalidade. A cavidade abdominal pôde conter um derramamento ascitico, de ordinário pouco considerável, e, nos últimos períodos da moléstia, pôde sobrevir um derramamento na pleura ou no peri- cardio. Vimos que muitas vezes o appetite se pervertia; esta perversão, notada por todos os observadores, constitue a pica ou a malacia. Consistindo a principio apenas na predilecção mais para este do que para aquelle alimento, esta manifestação mórbida vai se tornando pouco a pouco uma necessidade imperiosa, que os doentes pro- curam satisfazer a todo o transe, e que os leva a ingerir as sub- stancias mais repugnantes e asquerosas ; — a terra, a cinza, o barro, a cera, a cal das paredes, as substancias animaes em decom- posição, os próprios excrementos, tudo isto elles buscam para satisfazer o seu depravado appetite. Esta estranha manifestação mórbida não é só importante para o diagnostico, também o é para o prognostico, pois em muitos casos têm sido a causa próxima da morte dos doentes. Felizmente, porém, nem sempre segue esta marcha desastrosa; ha oppilados que apenas têm signaes de dyspepsia e uma ou outra predilecção extravagante para este ou para aquelle alimento. Para o lado do apparelho circulatório ha symptomas importantes, de ordinário análogos aos que se notam nos estados chloroanemicos: o pulso é accelerado e freqüente, mas sem dureza; as palpitações do coração não são raras, e ás vezes basta o mais simples esforço, a mais leve emoção para augmenta-las. - 35 - Nos individuos magros, percebe-se á distancia o choque da ponta do coração entre o quinto e o sexto espaço intercostal; applicando- se a mão neste ponto sente-se uma impulsão cardiaca, ora aug- mentada, ora diminuida, sendo raras vezes irregulares os batimentos. Pela percussão, nota-se que a área precordial conserva o seu volume normal; entretanto, pelo progresso da moléstia, pôde sobrevir uma dilatação cardiaca ou um derramamento no pericardio, o que se denunciará por um som obscuro, em maior extensão, sobre a região precordial. Pela auscultação, ouve-se um ruido de sopro, brando e prolon- gado, no primeiro tempo, tendo o seu máximo de intensidade no ponto de elecção do orifício aortico e prolongando-se para cima na direcção da aorta ascendente, sempre com caracter brando. Esse ruido de sopro é, de ordinário, exclusivo ao primeiro tempo; pôde, entretanto, dar-se também no segundo. E o que observou o illustrado professor de Clinica Medica, o Sr. Dr. Torres Homem (1) em um menino de 12 annos de idade, que soffria de uma oppilação em gráo adiantado e em quem as duas bulhas do coração eram substituídas por dous ruidos de sopro, de igual intensidade. A observação dos vasos superficiaes pôde ainda fornecer-nos alguns signaes preciosos. As veias são ordinariamente difücies de se descobrir; na mão apresentam-se arroxadas e pallidas. Pela auscultação da carótida, ouve-se um ruido de sopro que pôde ser simples ou de dupla corrente, semelhante, este, ao ruido do corropio. Em alguns doentes apparece o pulso venoso das jugulares, e finalmente, todo o cortejo de symptomas, que acompanham as dys- crasias sangüíneas, como sejam vertigens, lipothimias, zumbidos nos ouvidos, etc. A percussão não nos revela augmento de volume do fígado, do baço, salvo alguma complicação. (1) Clinica Mediea. - 36 - No ultimo período as infiltrações, que se limitavam no principio á face e aos maleolos, estendem-se a todo o tecido conjunctivo sub- cutaneo. As ulcerações, que ás vezes se formam nos membros infe- riores, exhalam um pus aquoso e são diffíceis de ser debelladas ; as superfícies vesicadas dão muita serosídade e cobrem-se de uma camada gelatinosa (Jobim). Surgem, muitas vezes, a diarrhéa col- liquativa e a febre consumptiva. No meio d'esses soffrimentos succumbe o oppilado. A marcha da oppilação é ordinariamente lenta e prolongada, mas progressiva. Apresenta algumas vezes remissão por algum tempo e muitos symptomas podem offerecer intermittencias regulares, o que nem sempre significa complicação paludosa (Drs. Felicio e Levacher). Esta moléstia é variável em sua duração. Abandonada a si mesma, tende sempre a progredir e pôde então durar mezes e mesmo annos, marchando sempre para uma terminação fatal; mas, si um tratamento conveniente é empregado, ella encaminha-se para a cura no fim de um a dous mezes. Não é raro vêr-se a oppilação reincidir, e a cura não se obtém, ás vezes, senão depois de três ou quatro recahidas (Dr. Langgaard). DIAGNOSTICO Seria fácil chegar-se ao conhecimento da espécie de anemia, que nos occupa, si fosse possivel pelas evacuações reconhecer sempre a presença dos entosoarios. Quer seja pela repugnância natural que inspira esse gênero de pesquisas, quer seja pelo seu pequeno tamanho, o que é facto é que os autores que se têm occupado d'essa molés- tia referem não ter encontrado os anchylostomos nas fezes dos doentes, e o próprio Dubini (1), que muitas vezes encontrou esses (1) ÁrcJi. de méd. nav., T. 7 de 1867. — 37 - vermes em suas autópsias, não teve occasião de observa-los nas matérias evacuadas. Assim, pois, na falta d'este signal diagnostico pathognomonico, que permittiria reconhecer logo um hypoemico, vejamos si, por meio das causas, symptomas e modo de desenvolvimento assignalados á hypoemia, podemos distingui-la de outras moléstias, que com ella se possam confundir. Afora a pica e a malacia, que ás vezes faltam e que, mesmo exis- tindo, o doente pôde dissimular á observação do medico, como muitas vezes succede, a symptoraatologia da oppilação pôde apre- sentar grande semelhança com a da chlorose, da cachexia palu- dosa, da dyspepsia essencial, do beri-beri de fôrma hydropica e das affecções cardíacas, sobretudo no período de assystolia. Chlorose. — Não é diffícil a clistincção entre essas duas moléstias : na etiologia e na symptomatologia encontraremos elementos que nos levarão a estabelecer o seu diagnostico differencial. O que nos impressiona á primeira vista é que a chlorose nasce independen- temente das causas geraes, sob cuja influencia vemos desenvolver- se a hypoemia; pelo menos aquella moléstia pôde ser observada em individuos collocados nas melhores condições hygienicas. A chlorose é uma moléstia que affecta mais especialmente os individuos do sexo feminino, é o apanágio quasi exclusivo da mu- lher, diz Trousseau; a hypoemia não attende a sexos, sendo que mais vezes se observa no homem. Si fosse preciso admittir espécies definidas de chlorose, as que dependem da funcção uterina occupariam com todo o direito o pri- meiro lugar na enorme proporção de 80 sobre 100. Ella mostra-se em todas as condições da vida e em todas as classes da sociedade; a herança, a sequestração, o claustro, a morada em lugares privados de sol e de luz, a vida sedentária, as vigilias prolongadas são as suas causas communs. A hypoemia não reconhece essas causas; é quasi exclusiva dos - 38 - campos e muito freqüente nos individuos que se entregam aos tra- balhos rudes das roças. A chlorose encontra-se em todos os climas; a hypoemia é peculiar aos climas quentes. Reconhecemos com os Srs. Drs. Souza Costa e Felicio dos Santos que é bem difficil distinguir-se essas duas moléstias pelos seus symp- tomas ; entretanto, alguns característicos poderáõ ser utilisados nesse sentido. Em ambas os tegumentos achão-se descorados ; mas esse des- coramento, que é constante na hypoemia, pôde falhar na chlorose. Trousseau assignalou as cores intensas, roseas, que tingem os pomos de algumas chloroticas e que contrastam com o descoramento geral. Ha na physionomia do oppilado alguma cousa que a diíferença do facies chlorotico; seu olhar é apatetado e sem expressão, distin- gue-se bem do olhar languido, amortecido, mas intelligente da chlo- rotica. Naquelle as infiltrações são constantes e apparecem desde o começo, sobretudo o cedema palpebral; nesta quasi nunca se as nota e, quando isto se dá, apparecem e desapparecem com grande facili- dade e em pouco tempo. Os phenomenos nervosos são muito mais freqüentes e variados na chlorose e fazem-se notar pela irregularidada de suas manifes- tações ; observam-se no máximo das vezes anesthesias, hyperesthesias, alternativas de excitação e prostracção nervo-muscular e accidentes hysteriformes, que não se observam na hypoemia. Cachexia paludosa.— De ordinário a hypertrophia do fígado e do baço serve para reconhecer a influencia paludosa ; mas, como nota Saint Vel, esse signal, é inconstante, visto como pôde não ter exis- tido ou ter desapparecido quando se procede ao exame dos doentes. A symptomatologia da cachexia paludosa e da hypoemia offerece as mesmas apparencias exteriores: habito externo o mesmo, descoloração da pelle e das mucosas a mesma, infiltrações semelhantes nas pernas e nas mãos, nos pés e na face, e derramamentos serosos idênticos. Apezar d'essa analogia de symptomas, alguns caracteres ha pelos quaes se pôde distinguir uma da outra estas duas moléstias. , --.' A hypoemia é uma moléstia peculiar á zona torrida, passando raras vezes além ; a cachexia palludosa mostra-se em todos os climas, em todos os paizes. Aquella faz victimas mesmo em lugares muito elevados acima do nivel do mar, onde são desconhecidas as febres intermittentes ; esta limita-se a certas localidades pantanosas ou ás suas vizinhanças. A cachexia paludosa reconhece como causa determinante o ele- mento paludoso ; a hypoemia, não. Ao passo que esta é mais freqüente nos negros, nos trabalhadores das roças, aquella de ordinário não ataca os negros e é observada nas cidades e nos campos. A oppilação não refere prodromos, seu começo é insidioso e lento ; a cachexia é quasi sempre precedida e acompanhada de francos acces- sos intermittentes. O facies do oppilado apresenta á primeira vista certos indícios especiaes, que impressionam o medico experiente ; é característico e differe da côr de cera velha, que se nota na face do cachetico ; este não apresenta o cedema palpebral do hypoemico e na sua physionomia observam-se as manchas terrosas, devidas á depo- sição de pigmento melanico. A oppilação tem uma marcha tão longa, quão pertinaz ; nella baquêa o sulphato de quinina; emquanto que na cachexia, metho- dicamente empregado, ostenta elle todo o seu prestigio. Ambas reclamam os tônicos e analepticos, sobretudo o ferro ; mas, si na cachexia paludosa a eíficacia d'esses medicamentos é manifesta, o que se dá na hypoemia é a morosidade de acção d'esses agentes ou mesmo o seu insuccesso, si não são precedidos da administração de anthelminticos. Dyspepsia essencial.— Estudos e observações feitas pelo Sr. Dr. Moncorvo sobre a natureza de um grande numero de dyspepsias, de - 40 — que são accommettidos sobretudo os habitantes das roças, o levaram á convicção de que no começo da hypoemia, quando os seus sym- ptomas mais característicos não são ainda bem accentuados, as perturbações digestivas que nella se notam podem fazer crer em uma dyspepsia essencial e tanto mais quanto o regimen exclusivamente vegetal, sobretudo de feculentos, causa freqüente da oppilação, figura também como causa freqüente das dyspepsias. As diversas considerações feitas por este illustrado medico ser- vir-nos-hão para estabelecer o diagnostico diíferencial entre estas duas aífecções mórbidas. A dyspepsia aífecta individuos de todas as idades ; a hypoemia é rara nos velhos e mais freqüente dos 20 aos 30 annos; e é mais vezes observada nos homens. No Brás il a dyspepsia é mais habitual na mulher. A classe da sociedade a que pertence o individuo é um elemento a que se deve attender no diagnostico diíferencial d'estas duas moléstias. Assim, ao passo que a hypoemia ataca os individuos das classes pobres das roças, a dyspepsia é mais vezes observada nos habitantes das cidades, onde uma vida sedentária, uma alimentação mais condimentada, a irregularidade nas refeições e outras causas, concorrem para torna-la mais freqüente. A physionomia do oppilado é, como vimos, característica. Nelle a pelle é de uma côr amarella, mais ou menos suja, que é comparada pelo Sr. Dr. Moncorvo com a de um individuo que tivesse feito lava- gens com água na qual se tivesse diluído argila. Nelle as palpebras estão edemaciadas, bem como os membros inferiores ; sua face é vul- tuosa, opada ; o ventre torna-se proeminente. Na dyspepsia primitiva não se encontra o fades do hypoemico e, mesmo quando os seus effei- tos secundários se têm manifestado, verificam-se o emmagrecimento e a pallidez anêmica bem differentes dos que se obs ervam na hypoemia. Finalmente, a promptidão com que se manifesta o ruido de sopro sys- tolico na hypoemia é um elemento importante de diagnostico entre essas duas moléstias, pois, quando existe na dyspepsia, é já em — 41 — período avançado em que phenomenos secundários hemonevropathicos a distinguem, de um modo particular, da oppilação. Beriberi.—A hypoemia poder-se-ha confundir com o beriberi de fôrma hydropica. Algumas considerações entretanto, poderão, em vista de um oppilado, afastar a idéa do beriberi. Comquanto o edema tenha alguma cousa de semelhante nas duas moléstias, differe na marcha, que é mais rápida no beriberi. A apparição d'esta ultima moléstia é quasi sempre brusca, o que não se dá na hypoemia, que se caracterisa por sua apparição lenta e gradual e não é acompanhada de perturbações graves da sensibilidade e da motilidade, como de ordinário tem lugar no beriberi. Ainda mais, o fades especial do oppilado, a pica e a malacia, que quasi sempre acompanham a hypohemia, são elementos importantes para o diagnos- tico diíferencial. Finalmente, a hypoemia é observada em todas as idades; o beriberi poupa as creanças. A primeira ataca sobretudo os pobres, a segunda não poupa os ricos. Cachexia cardíaca.—As affecções cardíacas acabam por determinar um estado cachetico, que, principalmente quando a assistolia se tem manifestado, pôde trazer certa confusão entre a hypoemia e essas moléstias. É então que phenomenos communs se manifestam em ambas, como sejam: sopro cardíaco, dyspnéa, palpitações, vertigens, infiltrações, descoramento geral, etc. Entretanto, alguns caracteres distinctivos tornam o erro impossível. Nas lesões orgânicas do coração 75 vezes sobre 100 o rheumatismo é a causa da moléstia ; vêm depois as outras causas, como a herança, o alcoolismo, a velhice, as causas moraes, etc. A hypoemia não reconhece essas causas. Devemos ter em conta a idade do doente, pois, como se sabe, as lesões orgânicas do coração são muito mais freqüentes na velhice e na virilidado , O facies cardíaco é característico e differe do facies hypoemico. 24 6 - Í2 — A face vultuosa, congesta, a lividez dos lábios e das palpebras, a turgencia das veias frontaes, a saliência dos olhos e a dilatação das narinas tornam a face, descripta por Corvisart, tão especial que, pela simples inspecção do doente, muitas vezes se reconhece uma moléstia do coração. Nestas moléstias as infiltrações são mais abundantes e começam pelos membros inferiores; na hypoemia primeiro se manifesta o edema palpebral, depois o maleolar. O diagnostico apresenta maiores difíiculdades no gráo mais adian- tado da assystolia. Felizmente para o conhecimento differencial, nestes casos, os signaes locaes stetoscopicos não falham e são pathogno- monicos. Na hypoemia o ruído de sopro, que se ouve na região precordial é brando, limitado ao primeiro tempo e estendendo-se raras veses ao segundo, nunca exclusivamente no segundo, e tem o seu máximo de intensidade na base. Nas moléstias do coração o ruido pôde ser ouvido em qualquer período da sua evolução e, indistinctamente, na ponta ou na base, conforme a sede da lesão; muitas veses áspero e rude, esse ruido coincide com a hypertrophia, que se denuncia pelo abaulamento da região precordial e pela maior extensão d'esta área. Tendo em vista estas considerações- o diagnostico torna-se muitas vezes fácil. Deixamos de fallar em algumas moléstias, que, por taes ou taes symptomas, poderiam se confundir com a hypoemia. Si attendermos aos commemorativos, ás causas sob cuja influencia se desenvolve esta moléstia, á sua marcha e aos symptomas mais espe- ciaes que a caracterisam, teremos elementos suíficientes, que tornarão o diagnostico possível e fácil na maioria dos casos. — i3 PROGNOSTICO O prognostico da hypoemia é relativo á epocha da sua duração. No seu começo, uma medicação habilmente dirigida, uma boa alimentação e boas condições hygienicas de ordinário triumpham. Nos casos mais adiantados, o prognostico se modifica; nestas condições o Sr. Dr. Felicio dos Santos avalia o algarismo da morta- lidade em dous terços. Não temos elementos para determinar esse algarismo; entretanto, acreditamos que mesmo então, si sustarmos a moléstia em sua marcha chronica, mas progressiva; si empregarmos os meios convenientes, a cura terá lugar na maioria dos casos. Um signal prognostico importante é a diarrhéa. Quando esta sobrevem no ultimo período da moléstia, e se mostra rebelde aos meios empregados para debella-la, deve-se formular um prognostico grave. Uma circumstancia que também se deve ter em linha de conta é a insistência do doente em comer terra e outras substancias inassimilaveis ; então as probabilidades de cura escasseam. Si a moléstia tende a terminar favoravelmente, isto é, pela cura, nota-se diminuição gradual dos symptomas em sua intensidade: as infiltrações desapparecem, renasce o appetite, reanimam-se as forças, a pelle e as mucosas perdem a côr especial para voltarem ao seu colorido normal. TRATAMENTO Collocar o doente em melhores condições hygienicas do que as em que elle vive ordinariamente : eis a primeira indicação no tra- tamento da hypoemia. A sua alimentação, além de suínVientc, deve ser variada e de bôa qualidade ; deve elle evitar o uso exclusivo dos alimentos - \\ -- feculentos c fazer uso de .substancias estimulantes, como o café, o vinho, aguardente, etc. para dar maior energia ás funcções do apparelho digestivo. Elle deverá evitar com todo o cuidado a humidade, andará calçado ; o seu vestuário será apropriado á estação, devendo em todo o caso preferir as roupas de lã, afim de preservar-se das mudanças repentinas de temperatura. As suas habitações devem estar situadas em logares seccos, elevados e bem ventilados. Será conveniente acalmar o moral dos doentes tão deprimido, quasi sempre, já por seu estado de moléstia, já por suas tristes condições sociaes. As medidas exigidas pela indicação causai d'esta moléstia se dedu- zem naturalmente das causas, que lhe apontámos : — consistem em desembaraçar o tubo intestinal da presença dos auchylostomos e, feito isto, deve-se preencher a indicação da moléstia, isto é, com- bater a anemia consecutiva. Uma medicação, outríora muito em voga no tratamento da hypoe- mia, era constituída pelos purgativos, sobretudo os drásticos, os quaes eram dados uns após outros. Si é verdade que, activando as secreções intestinaes e os movimentos peristalticos, elles obram como authelminticos e satisfazem por conseguinte a primeira d'essas indicações ; é, comtudo, fora de duvida que o seu uso repetido, em uma moléstia que se manifesta com todos os symptomas da anemia, e na qual, portanto, as forças do doente devem ser pou- padas, é contraindicado. Accresce que, dados coup sur coup, na expres- são do Sr. Dr. Souza Costa, favorecem o apparecimento da diarrhéa, que é um dos symptomas mais compromettedores da hypoemia, ou a entretem quando esta já existia. Não obstante, os purgativos, empregados com a reserva necessária, são muito proveitosos no começo do tratamento da hypoemia, como excitantes das vias digestivas, pois um dos obstáculos com que luta o pratico no tratamento d'esta moléstia, é a difficuldade das absorpções. Entre os irais commummente empregados notam-se a mistura purgativa ào Le Roy, a jalnpa. a gomma gutta, o aloes, o andayassú, etc. Quando as infiltrações e os derramamentos são abundantes, o elaterio é muito vantajoso pelas evacuações serosas, que produz. Vê-se de um dia para outro desapparccerem essas infiltrações, como temos observado na enfermaria de Clinica interna. A formula do Sr. Dr. Torres Homem, é : Extracto de elaterio inglez.......... 1 decigramma Dito de rhuibarbo.................. 6 decigrammas Para 6 pilulas; tome uma de 3 em 3 horas, até produzir largas evacuações. Quando os derramamentos não são abundantes, começa-se o tratamento por um dos purgativos que mencionámos, e, dentre esses, é preferível a mistura purgativa de Le Roy, que á sua pro- priedade purgativa reúne a de ser tônica e excitante das vias digestivas. O Sr. Dr. Langgaard prefere os calomelanos, por serem ao mesmo tempo evacuantes e parasiticidas ; por isso manda compor umas pilulas com resina de jalapa, extracto de rhuibarbo composto, calomelanos e óleo essencial de laranja. O Dr. Mariot (1), que por muitos annos clinicou no Brasil, come- çava sempre o tratamento da hypoemia pela administração de um vermicida, preferindo a santonina ou as diversas variedades de artemisia. Diversas outras substancias são empregadas como vermifugos no tratamento da oppilação : o musgo da Corsega, o sêmen contra, a herva de Santa Maria, o angelim, as cascas de raiz de romeira, o óleo essencial de therebentina, a tintura etherea de feto macho, e outras têm sido empregadas com vantagem. (1) Loco citato. - w O Sr. Dr. Teixeira da Rocha associa a santonina ás preparações de ferro e manda dar corno b bida ordinária infusão de cascas de raiz de romeira. Eis a sua formula : Sub-carbonato de ferro u. * -, • ^ . , -, . aa 1 decifframma Extrato de quina ) ° Santonina 5 centigrammas. Para uma pilula. Tome 3 por dia. O Sr. Dr. Langgaard emprega a infusão de sementes de Alexandria como tisana, e ajuncta ás pilulas de ferro extracto de absintho, que além de anthelmintico, é um tônico estomacal. Ha entre nós um remédio empyrico muito apreciado do vulgo, cujas vantagens têm sido confirmadas por todos os práticos, que têm tido occasião de empregal-o: é o leite da gamelleira ou figueira branca. Essa substancia é o sueco concreto da ficus doliaria (Martius). A eíficacia do leite de gamelleira no tratamento da hypoemia, tal, que o tem feito considerar como o especifico d'esta moléstia, não re- sulta somente da sua acção purgativa drástica ; porque, então, qualquer outro medicamento da mesma classe aproveitaria igualmente. Acredi- tamos que é também anthelmintico. Segundo Martius (1), a ficus anthelmintica, arvore da região do Amazonas, tem um sueco branco, que é um excellente anthelmintico ; pois bem, o mesmo auetor acerescenta que existem no Brazil outras espécies, cujo sueco participa d'esta propriedade, principalmente & ficus doliaria. A analyse chimica d'este sueco foi feita pelo Sr. Dr. Peckolt, que chegou a isolar um principio immediato branco ao qual deu o nome de doliarina (2). O leite da gamelleira é empregado dissolvido n'agua, na dose de 30 grammas de 3 em 3 dias. O Sr. Dr. Demetrio Tourinho (3) ehegou (1) Specimen mat. med. bras. pag. 88. (2) Gazeta medica do Rio de Janeiro, numero de 15 de Outubro de 1863. (3) These citada. ■Í7 - a administra-lo aos seus doentes na dose de 150 grammas por dia em partes iguaes de água, sem que notasse irritação violenta da muccosa intestinal. O Sr. Dr. Júlio de Moura prefere da-lo em leite de vacca. Existe uma preparação do Sr. Dr. Peckolt—pós de ferro e doliarina— cujas vantagens são confirmadas por todos os que têm tido occasião de o empregar. Ao illustrado medico brazileiro Dr. Júlio de Moura — referio o capitão de engenheiros— Alfredo de Escragnolle —que, na província de Matto-Grosso, o leite de uma papayacea, vulgarmente chamada laracotiá ou jacatiá {carica do decaphyla — Velloso) constitue um medicamento, de que o povo lança mão com muito proveito para o tratamento da hypoemia (1). Essa mesma substancia é também em S. Paulo de Muriahé o remédio mais preconisado pelo povo (Dr. Moura). Passa por ser um excellente authelmintico. Para satisfazer a indicação mórbida, devemos combater a anemia. O medicamento por excellencia a oppor-se nesses casos é o ferro e suas preparações. Não entraremos na indagação do mechanismo pelo qual elle melhora a crase viciada do sangue e restaura a economia. Quer seja simplesmente fornecendo um dos materiaes indispen- sáveis á constituição dos glóbulos sangüíneos ou favorecendo a transformação dos glóbulos da lympha em hematias perfeitas; quer (1) These do Dr. Tourinho—trecho de uma carta escripta peloDr. Moura ao Dr. Wucherer. Segundo Sylvio Dinarte, pseudunymo de que se servio o autor de um romance brazileiro, Innocencia, que appareceu em 1H12, o leite do jaracatiá é empregado pelos médicos e cu- randeiros do sertão, nas províncias do norte, para o tratamento dos empalamados—oppilação. O distincto romancista assevera ter visto receitar esta substancia por um d'esses médicos. É extrahida por meio de pequenos cortes praticados no caule da planta e emprega-se em pequenas doses. Um mez depois do emprego do jaracatiá, costumam os empyricos serta- nejos dar, como bebida ordinária, infusão de veUame—crotou falvus (Martius) e de pés de perdiz—croton perdicepx (Saínt Hilaire), plantas que abundam naquellas localidades, - 48 — provoque uma actividade maior nos orgams em que se produzem os corpusculos sangüíneos, regularíse a digestão e faça assim chegar maior copia de materiaes necessários para a formação das hematias, o facto é que aproveita muito na hypoemia. E diíficil estabelecer-se scientificamente, no ponto de vista de seus effeitos e de sua opportunidade, a importância relativa ás indicações entre as preparações solúveis e insoluveis do ferro. Tanto umas como outras são empregadas. Como a tolerância individual para esta ou aquella preparação é muito variável, devemos consultar as aptidões do doente debaixo d'esse ponto de vista e variar as preparações com o maior cuidado, adap- tando-as á fôrma que esteja mais em relação com as susceptibili- dades do estômago e com a tendência á diarrhéa ou á constipa- ção de ventre. Citaremos, entre as preparações de ferro mais usadas : — o ferro metallico no estado de limalha ou reduzido pelo hydrogeno, os oxydos de ferro, o sub-carbonato, o sulfato, o tartrato de ferro, o tartrato ferrico-potassico, o citrato, o acetato, o lactato e o iodureto de ferro. Diversas preparações oflicinaes, como o xarope de proto-íodureto de ferro, de Dupasquier; as pilulas de Blaud, de Vallet, de Blan- card, etc, poderão ser empregadas. O uso dos ferruginosos deve ser continuado até que todos os phenomenos pathologicos tenham desapparecido, sendo conveniente que de tempos a tempos se faça descansar o doente durante alguns dias, conforme o estado da moléstia. Algumas vezes o uso dos ferruginosos determina eólicas e diar- rhéas; é, por isso, conveniente associar-se-lhes o extracto gommoso de opio ou pequenas quantidades de opio bruto pulverisado. A constipação, quando existir, será combatida por meio dos drásticos, si o estado do doente o permittír. Para evitar esta complicação, muitas vezes associa se aos ferruginosos o aloés, a jalapa ou o rhuibarbo, etc, em pequenas doses. — 49 — A essas preparações convém muitas vezes associar os amargos e os excitantes diffusivos para combater a atonia da mucosa gastro- intestinal; a quina. a. quassia, a símaruba, a genciana, as cascas de laranjas amargas, o absintho, a camomilla, a água ingleza, etc, são muitas vezes empregados, bem como os excitantes internos, como o álcool, os vinhos generosos, o vinho quinado e outros. A garapa ou caldo de canna em principio de fermentação é o excipiente de muitas das fórmulas de que usa o vulgo. Os effeitos benéficos das águas mineraes, principalmente ferru- ginosas, são reconhecidos, e o seu emprego não é diffícíl, em vista da grande abundância de fontes d'esta natureza em nosso paiz. Quer como meio coadjuvante, quer como complemento do trata- mento marcial, convém a hydrotherapia ou os banhos frios de água doce ou salgada, e o exercício. Eis o tratamento geral mais conveniente á hypoemia ; entretanto, alguns symptomas particulares ha que exigem meios especiaes. Assim, temos a geopliagia, que outr'ora se procurava impedir cobrindo a cara do doente com uma mascara de folha de Flandres. O Sr. Dr. Langgaard consegue, de um modo simples e enge- nhoso, obstar a este inconveniente, permittindo ao doente ingerir carbonato de magnesia, substancia, por assim dizer, innocente e que elles acceitam, abandonando a terra, o barro, etc. Quando a dyspepsia não cede mediante as preparações ferrugí- nosas, os excitantes e tônicos amargos, de que falíamos, são indicados os alcalinos, a magnesia alva, a pepsina, o carvão de Belloc, o subnitrato de bismutho, etc. Emfim, a diarrhéa, se não cede ás preparações que indicámos, será combatida pelos adstringentes, pela ipecacuanha só ou associada ao opio, pelo subnitrato de bismutho, ou pelo nitrato de prata. Quanto ás infiltrações e derramamentos, já falíamos no emprego do elaterio. Os diureticos, taes como o nitro, a scilla, a parietaria, a grama, a cainca, a digitalis, etc, serão empregados com vantagem. SECÇÃO ACCESSORIA SEGUNDO PONTO EsMo chimico - pharmacoloffico sota o opio CADEIRA DE PHARMACIA PROPOSIÇÕES I Dá-se o nome de opio ao sueco concreto das cápsulas da papoula (Papaver somniferum). II Obtem-se-o incisando superficialmente as cápsulas ainda verdes da papoula, de ordinário com um instrumento de cinco lâminas. O sueco lactescente, que escorre, quasi sempre sécca de um dia para outro, debaixo da fôrma de lagrimas que se tem o cuidado de destacar, quando têm tomado a consistência extractiva, para reu- ni-las e fazer pães de differentes formas. III Os processos differentes da extracção do opio, as modificações resultantes do clima, da natureza do terreno, do estado atmos- pherico e as variedades da papoula submettidas á cultura (Aubergier) explicam a diíferença entre os opios do commercio. IV Conhecem-se três espécies principaes de opio : o de Smyrna, o de Constantinopla e o do Egypto. V O opio de Smyrna apresenta-se em massas molles, cobertas de numerosos fructos do gênero Rumex. Sua superfície interna tem uma cor escura que se torna mais carregada., ao ar; seu sabor é acre e amargo, seu cheiro forte e viroso. Sua riqueza em morphina varia entre 5 e 15 por 100. VI O opio de Constantinopla apresenta-se sob diversas fôrmas; ora em grossas massas irregulares, ora em pães menores, achatados e cobertos de uma folha de papoula. E mais duro e tem uma côr mais carregada que o de Smyrna. VII O opio do Egypto apresenta-se em fôrma de pães muito seccos, muito achatados, com alguns vestígios de folhas, que o envolveram. E de um cheiro fraco e de côr escura carregada. Sendo que- brados, esses pães apresentam uma superfície luzidia. É o opio menos estimado. VIII O valor relativo do opio depende da quantidade de morphina que elle encerra. IX Entre os processos propostos para determinar a riqueza do opio em morphina, indicaremos o de Guillermond : diluem-se 15 grammas de opio em 60 de álcool a 71° cent. ; côam-se, espremem-se e ao resto ajuntam-se 50 grammas do mesmo álcool. As soluções alcóolicas são introduzidas em um frasco de larga abertura com 4 grammas de ammonia. No fim de 48 horas têm-se depositado a morphina e a narcotina em fôrma de crystaes. Depois de terem-se lavado esses crystaes, trata-sc-os pelo ether ou pelo chloroformio, que dissolve a narcotina. — 53 — X D eve-se neste processo ter em conta que o álcool, d'onde a morphina e a narcotina crystalisaram, contém ainda uma certa quantidade d'esses princípios, que se deixa depositar abando- nando-o ao ar durante alguns dias. XI Os princípios constituintes do opio mais conhecidos são : a morphina, a codeina, a narcotina, a thebaina, a porphyroxina, a papaverina, a pseudomorphina, o opianina, a narceina, a meconina, o ácido meconico, o ácido sulphurico, o ácido lactico, o caoutchouc, diversas matérias gommosas ou mucilaginosas, substancias albu- minoides ; diversos principios pouco conhecidos, taes como um principio odorante e voltatil, detritos vegetaes insoluveis. XII Os alcalóides do opio parecem estar no estado salino. XIII Admitte-se que essas bases vegetaes estão unidas ao ácido meconico, bem como aos ácidos sulphurico e lactico; mas não ha provas directas sobre a verdadeira natureza dos sáes contidos no opio. XIV A morphina, a codeina, a narceina são os alcalóides mais impor- tantes contidos neste sueco vegetal. SECÇÃO CIRÚRGICA TERCEIRO PONTO Tracheotomia CADEIRA DE MEDICINA OPERATORIA PROPOSIÇÕES I A palavra tracheotomia é empregada para exprimir a operação que consiste na abertura artificial e methodica da trachéa na região correspondente ao collo. II Dous são os fins principaes, que temos em vista praticando a tracheotomia : franquear a passagem ao ar atmospherico atravez do conducto laryngo-tracheal, quando interceptado por uma causa qualquer, ou extrahir corpos estranhos que por ventura ahi se tenham introduzido ou desenvolvido. III Esta operação é indicada em todos os casos de asphyxia im- minente. IV Devemos evita-la sempre que pudermos lançar mão de meios mé- dicos ou mesmo cirúrgicos, porém de outra ordem, sem que a vida do doente corra risco. V A laryngite díphterica ou croup e o edema da glotte são as affecções que mais vezes reclamam a operação da tracheotomia. — 50 - VI Não devemos guardar para o ultimo período do croup essa operação. VII Desde que no croup apparecerem os primeiros phenomenos asphyxicos, deve intervir a tracheotomia. VIII Quando no edema da glotte, os accessos de suffocação vão se tornando mais approximados e, nos seus intervallos, a respiração se torna cada vez mais embaraçada, a tracheotomia é indicada. IX A presença de corpos estranhos nas vias aéreas indica a tra- cheotomia, sempre que os outros meios de extracção não derem resultado. X Dos processos operatoríos até hoje empregados o que offerece mais vantagens e maior segurança é o de Trousseau, apezar de não estar ao abrigo de objecções. XI O processo expedítivo de Chassaignac tem muitos inconvenientes, como os accidentes produzidos pela fixação da trachéa, as hemor- rhagias, a lesão da parede posterior da trachéa e ás vezes do esophago. XII Os accidentes da tracheotomia podem ser immediatos ou conse- cutivos . XIII Entre os immediatos se notam as hemorrhagias, o emphysema, as convulsões e a incisão da parede posterior da trachéa e, raras vezes, da anterior do esophago. — 57 - XIV Entre os accidentes consecutivos mais communs se contam a pneu- monia, as ulcerações da trachéa, a dysphagía, o deslocamento da canula, sua obstrucção, etc. XV Os cuidados consecutivos, seja qual fôr o processo empregado, são sempre os mesmos, quando se tem de conservar uma canula permanente: trazer esta sempre limpa, evitar o seu deslocamento e cauterisar a ferida durante três ou quatro dias. 24 8 SECÇÃO MEDICA QUARTO PONTO Cainca coistoaia pharmacoloffica e therapeuticamente CADEIRA DE MATÉRIA MEDICA E THERAPEUTICA PROPOSIÇÕES I A cainca (chiococca anguifuga-Martius) é uma rubiacea do Brasil, pertencente á tribu das coffeaceas. II Pelletier e Caventou acharam na raiz da cainca uma matéria graxa verde, de cheiro viroso, uma matéria corante extractiva, uma outra viscosa, o ácido cafetannico e o ácido caincico. III Brandes e Von Santin reconheceram na cainca um alcalóide, que foi denominado—chiococeina—e cujas propriedades são idênticas ás da emetina. IV Em pequena dose é purgativa; em dose mais elevada é ao mesmo tempo drástica e emetica; em altas doses é susceptível de determinar accidentes tóxicos, pelo menos comparáveis aos dos emeto- catharticos violentos. V A cainca oceasiona ás vezes máo estar, náuseas e eólicas ; mas, de ordinário, purga sem irritar muito a mucosa intestinal. — 60 — VI Este medicamento obra sobre os órgãos genito-urinarios, solicitan- do a secreção renal e facilitando a erupção dos menstruos. VII A cainca é, ha muito, empregada entre nós, como diuretico. Tem sido empregada também contra as mordeduras dos animaes peçonhentos. VIII Caventou e François reconheceram-lhe propriedades tônicas, independentemente de uma acção diuretica muito pronunciada. IX As suas vantagens nas hydropesias, principalmente nas hydropesias essenciaes, reconhecidas no Brasil e depois verificadas na Europa, a têm feito considerar como um dos mais poderosos hydragogos. X Nas hydropesias, que succedem bruscamente ás febres eruptivas e principalmente á escarlatina, é conveniente moderar a excitação febril, que acompanha ás vezes o seu começo, si quizermos recorrer á cainca. XI Quando ha, na oppilação, derramamento e infiltrações serosas abundantes, é indicado o seu emprego (Dr. Soares de Meirelles). XII O modo de administração mais simples e um dos melhores é a decoeção. Dá-se, debaixo d'esta fôrma progressivamente de 2 até 8 e 12 grammas por dia. - 61 — XIII Tem-se empregado a cainca debaixo da fôrma de tínctura, na dose de 2 a 8 grammas em uma poção ou em vinho branco. XIV O ácido caincico tem sido administrado em pilulas na dose de 50 a 60 centigrammas. HIPPOCRATIS I Lassitudines sponte oborta3 morbos denunciant (Sect. II. Aph. IV). II Cum inedia premit, laborare minime convenit (Sect. II. Aph. XVI). * III Qme prodeunt, non copia sunt a?stimanda, sed si prodeant, qualia oportet et facile ferat. Et ubi ad animi defectíonem usque edueere oportet, id etiamfaciendum, si a;ger sufficiat (Sect. I. Aph. XXIII). IV Ex morbo diuturno alvi deductio mala est. (Sectio VII. Aph. LXXXVI). V Qiue ducere oportet, qua maximè vergant, eo ducenda, per loca convenientia (Set. I. Aph. XXI). VI Somnus, vigilia, utraque si modum excesserint, morbus (Sect. VII. Aph. LXXIII). 6180 Esta these está conforme os estatutos.— Rio, 23 de Setembro de 1875. Dr. Caetano de Almeida. Dr. João Damasceno Peçanha da Silva. Dr. Kossuth Vinelli. *