FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO TMSK D<) * ■ •,/ * r 3 •' / ■/ /*■»* v , * r <7'- 3 a ' fir. Cesario. ftfoes da Siloa Bm» I S * o THE SE DISSERTAÇÃO SECÇÃO MEDICA.-Cadeira de Pathologia interna DIAGNOSTICO DIFFERENCIAL ENTRE AS MOLÉSTIAS 00 ESTOIflAGO PROPOSIÇÕES SECÇÃO ACCESSORIA.-Cadeira de Medicina legal INFANTICÍDIO SECÇÃO CIRÚRGICA.-Cadeira de Paríos, etc. DO 3HROMBO VULVO-VAGINAL SECÇÃO MEDICA.-Cadeira de Matéria medica e Therapeutica. BELLADONA-Considerada pharmacologica e therapeuticamente p--r-p J C7ZL. JZIj Xb apresentada i MfflDADE DE ffllIfflA DO «10 DE JANEIRO EM 2 DE SETEMBRO DE 1876 e perante ella -nHíenOada EM 15 DE DEZEMBRO DO MESMO ANNO por / PfíZARIO y^LVES DA f ^ILVA pAMGS DOUTOR EM MEDICINA PELA MESMA FACULDADE Natural da província de S. Paulo RIO DE JANEIRO Typographia Universal de Eduardo & Henrique Laemmert 71, RUA DOS INVÁLIDOS, 71 ISTô MLMH H WHU llll lllll H MN DIKECTOIl Conselheiro Dr. Visconde de Santa Izabel. VICEDIKIXTO» Conselheiro Dr. Barão de Theresopulis. SBC RBTCIKIO Dr. Carlos Ferreira de Souza Fernandes. UBNTBS UATIIBBB ITK 'OS Doulorm PRIMEIRO ANNO F. J. do Canto e Mello Castro Mascarenhas.(Ia cadeira). Physica em geral, e particularmenle < m suas applicações á Medicina Manoel Maria de Moraes e Valle . . . (2a » ). Chimica e Mineralogia. Luiz Pientzenauer (3a » ). Anatomia descriptiva. SF.O<J!VI>O ANNO Joaquim Monteiro Camiuhoá . . . . (Ia cadeira). Botanica e Zoologia. Domingos José Freire Júnior . ... (2a » ;. Chimica organica. Francisco Pinheiro Guimarães . . . . (3a » ). T hysiologia. Luiz Pientzenauer (4a » ). Anatomia descriptiva. TERCEIRO ANNO Francisco Pinheiro Guimarães .... (Ia cadeira). Physiologia. Cons. Antonio Teixeira da Rocha . . . (2a » ;. Anatomia geral e pathologica. Francisco de Menezes Dias da Cruz . . . (3a » ). Pathologia geral. 'Vicente Cândido Figueira de Saboia . . (4a » ). Clinica externa. QUARTO ANNO Antonio Ferreira França (Ia cadeira). Pathologia externa. João Damasceno Peçanha da Silva ... (2a » ). Pathologia interna. Luiz da Cunha Feijó Júnior (3a » ). Partos, moléstias de mulheres peja- das e de recem-nascidos. QUINTO ANNO João Damasceno Peçanha da Silva. . . (4a cadeira). Pathologia interna. Francisco Praxedes de Andrade Pertence. (2a » ). Anatomia lopographica, tnediein । operatória e apparelhos. Albino Rodrigues de Alvarenga, (examin.) (3a » ). Matéria medica e therapeutica. SENTO ANNO Antonio Corrêa de Souza Costa, (presidente) (Ia cadeira). Hygiene e historia da Medicina Barão de Theresopolis (2a » ). Medic na legal. Ezequiel Corrêa dos Santos (3a » ). Pharmacia. João Vicente Torres-Homem, (examinador) (4a » ). Clinica interna. UENTBS SUBSTITUTOS Agostinho José de Souza Lima. Benjamin Franklin Ramiz Galvào. João Joaquim Pizarro João Martins Teixeira, (examinador) Augusto Ferreira dos Santos . >Secçào de Scieneias Accessorias. Cláudio Velho da Moita Maia. José Pereira Guimarães. . Pedro Affonso de Carvalho Franco. Antonio Caetano de Almeida . ( Secção de Scieneias Cirúrgicas. José Joaquim da Silva . João José da Silva .... João Baplista Kossulh Vinelli. Secção de Scieneias Medicas. N.H. A Faculdade não approva nem reprova as opiniões emitlidas nas Theses que lhe são apresentadas À MEMÓRIA DE MEU PREZADO PA1 O Illmo. Sr. Tenente-coronel José Ramos da Silva Lá, na mansão dos justos, junto ao Supremo Creador, supplica, ó meu pai, para que teu filho siga sempre a senda da honra e do dever. Será a sua maior gloria! Á MEMÓRIA DE MEU CUNHADO José Bernardo Brandão Á MEMÓRIA DE MINHAS 1NNOCENTES IRMÃS Á MEMÓRIA DE MINHA MADRINHA A Exma. Sra. B&RONBZA BB ABIRÓ A MEMÓRIA DE MEUS AVÓS Á MEMÓRIA DE MEUS AMIGOS Á MINHA IDOLATRADA MÃI A Exma. Sr a. R B0M1OëA NMWIMà M $B¥A Tributo de immensa gratidão e amor filial. A MEUS CAROS IRMÃOS, IRMÃS, CUNHADOS E CUNHADAS Amizade eterna. A IBS I 1 H» »MM A M3JUS PADR.I1THOS A MEUS VERDADEIROS AMIGOS A TODOS OS MEUS PARENTES TL IMIIETTS COLLEGAS A MEUS MESTRES PREFACIO Les difficultés et 1'obscurité ne s'aperçoivent en chacune Science que par ceux qui y sont entres.... Moi j'y trouve une profondeur et une variété si inônie que mon apprentissage n'a d'autre fruit que de me faire sentir combien il me reste à apprendre. Essais de Montaigne, liv. iii, ch. xm. Escolhendo para ponto de These o «Diagnostico differencial entre as moléstias do estomago^ não tivemos em vista esclarecer os innumeraveis problemas que encerra esta parte da Pathologia. Nosso intento foi unicamente conciliar o cumprimento da lei com o estudo das moléstias que são muito frequentes em climas como o nosso. Para facilidade do estudo, dividiremos o nosso pequeno trabalho em duas partes ; na Ia, trataremos, posto que succintamente, da etiologia, pathogenia, anatomia pathologica e symptomatologia de cada uma das moléstias; na 2a, apresentaremos os principaes symptomas em que se basêa o diagnostico differencial destas moléstias, terminando a nossa dissertação por um quadro synoptico comparativo dessas affecções gastricas. Não temos a pretenção de fazer, com este ligeiro e imperfeito esboço, desapparecer as densas nuvens que ainda obscurecem o vasto horizonte do diagnostico differencial das moléstias do estomago; nossos poucos conhecimentos e insignificante pratica, que desap- parecem perante os immorredouros trabalhos dos sábios, levão-nos a reconhecer a imperfeição do nosso trabalho; todavia resta-nos a satisfação de ter envidado todos os esforços para levar ávante o nosso desideratum, e muito confiamos na benevolencia dos nossos leitores e na indulgência dos nossos mestres e juizes. DISSERTAÇÃO SECÇÃO MEDICA.- Cadeira de Pathologia interna DO DIAGNOSTICO D1FFERENC1AL ENTRE AS MOLÉSTIAS DO ESTOMAGO Cancro do estomago Pathogenia e Etiologia. - 0 estomago é um dos orgãos da economia que mais vezes é atacado pelo cancro, sendo sómente excedido em frequência pelo utero e mamma, na mulher. Todavia em 9118 cancros observados por Tanchou, sendo 3425 visceraes, 2203 pertencião ao estomago, o que mostra que os cancros do estomago formão uma quarta parte do numero total dos cancros e dous terços dos visceraes. O cancro do estomago é mais vezes primitivo que secundário, sendo neste ultimo caso proveniente da propagação de um cancro vizinho, ou consecutivamente a invasão da diathese cancerosa em algum orgão mais ou menos afastado. Esta moléstia é própria da idade madura. E muito rara antes dos 30 annos: Louis menciona sómente um facto de um homem de 25 annos. E mais frequente dos 50 aos 60 annos, tornando-se excepcional dos 70 em diante. Têm-se emittido diversas opiniões relativamente ao sexo; aquella, porém, mais geralmente admittida é que o cancro do estomago é mais frequente no homem que na mulher. Barras queria mesmo que fosse uma moléstia exclusiva do homem. Brinton, em 784 casos desta affecção, encontrou440 do sexo masculino e 344 do sexo feminino. Louis em 33 casos 20 do sexo masculino e 13 do feminino. O Dr. Lebert dá como 4 mais frequente o cancro do estomago na classe rica que na pobreza. Em 21 indivíduos, 15 erão ricos e 6 pobres. Como todas as affecções cancerosas, o cancro do estomago é consi- derado como hereditário em um sexto dos casos. Com efíeito, alguns exemplos existem na sciencia que justificão essa opinião. Entretanto, o Dr. Lebert diz que a hereditariedade desta moléstia constitue antes uma excepção do que regra geral, e que, sendo o cancro do estomago muito frequente, é bem possível que, por uma simples coincidência, se manifeste em dous ou mais membros de uma mesma família A ínnumeras outras causas attribuem os autores a existência do cancro. As impressões moraes tristes, os pezares prolongados, os trabalhos intellectuaes excessivos, a solidão, a vida sedentária, o abuso dos prazeres venereos, o celibato, o temperamento lymphatico, uma alimentação grosseira, o abuso dos alcoolicos, principalmente tomados em jejum, certas profissões como as de sapateiro e alfaiate, que obrigão os indivíduos que as exercem a terem constantemente o tronco inclinado para diante ; a suppressão de um darthro, de uma ulcera, da menstrua- ção, das hemorrhoídes, de um exuctorio, as phlegmasias agudas e chronicas do estomago. A contusão na região epigastrica também tem sido considerada como podendo ser causa da localisação da diathese cancerosa no estomago. Anatomia pathologica.- O cancro do estomago póde assestar-se em diversos pontos deste orgão, occupando, porém, com mais frequência o pyloro, o cardia, e a pequena curvatura. No grande fundo de sacco e na grande curvatura o cancro é menos frequente, e neste ultimo ponto a sua manifestação é ordinariamente consecutiva ao cancro do grande epiploon. Em 102 casos de cancro de estomago, observados poz Lebert e Louis, a relação de séde foi a seguinte : pyloro 59 vezes, pequena curvatura 17 , cardia 8, grande curvatura 2 e diversos pontos 13. 5 A marcha desta lesão é de ordinário no sentido vertical, de mod o que os cancros que se manifestão na pequena curva tura se propagão para a grande curvatura, e os do pyloro e cardia produzem geral" mente stenose annular desses orifícios. O esophago pôde ser affectado por propagação da degenerescencia, occupando primitivamente o cardia; já no duodeno isso é mais raro? limitando-se de ordinário o cancro á valvula pyloríca. São principalmente tres as especies ou fôrmas de cancro que costumão atacar o estomago, e são as seguintes por ordem de sua frequência : o cancro fibroide ou scyrrho, o medullar ou encephaloide? e o areolar ou coloide ; o melanico, o villoso, e o de cellulas cylin- dricas (cancro epithelial de Forster) não são mais do que subdivisões do cancro encephaloide, segundo Rokitansky, e são raros. Estas diversas fôrmas de cancro não se apresentão sempre iso- ladamente ; ás vezes achão-se combinadas entre si, sendo mais commum a do scyrrho com o encephaloide, e, segundo Bamberger, a do cancro areolar com o villoso. Em regra geral, o processo neoplasico começa pelo tecido sub- mucoso e excepcionalmente pelo sub-seroso; se o processo começa pela mucosa, o que é raro, isso dependerá geralmente de um câncer colloide; se pela serosa, da propagação de um cancro vizinho. O scyrrho em comêço se manifesta sob duas fôrmas : nodosidades isoladas ou espessamento coherente do tecido sub-mucoso, sendo o tecido morbido, em qualquer das fôrmas, duro, resistente, esbran- quiçado e de aspecto fibro-lardaceo ao córte. A uniformidade superficial se explica pela diffusão; a irregulari- dade á vista e ao tacto pela procedência por nodosidades e seu crescimento desigual. O producto morbido é formado de elementos fibroides bastante entrelaçados entre si, encerrando em seus intersticios um liquido hyaliuo e poucas cellulas. A marcha invasora do processo se dá por intermédio de cordões 6 fibrosos esbranquiçados e duros que, partindo da peripheria da alteração, vão atacar as túnicas mucosa e peritoneal, sendo a pri- meira mais vezes lesada, em consequência de sua vizinhança im- mediata. A mucosa, logo em principio, se confunde com o producto sub- jacente de nova formação, e, amollecendo-se mais tarde, reduz-se a uma papa negra, que se elimina e deixa a superfície cancerosa. A camada musculosa se hypertrophia de ordinário em grande extensão, podendo atrophiar-se mais tarde por effeito da pressão do neoplasma, ou desapparecer inteiramente, identificando-se com elle. A serosa augmenta de espessura e adquire o aspecto turvo, devido a uma peritonite parcial, o que faz com que ella contraia adhe- rencias, cobrindo-se frequentemente de depositos que fórmão placas duras e leitosas. Destruida a mucosa, o cancro posto anú começa a ulcerar-se, dando logar, a principio, a erosões superficiaes, depois a fossêtas mais pro- fundas. Assim nasce a ulcera cancerosa de forma irregular, de bordos duros e callosos, e semelhante ás ulceras cancerosas dos tegumentos externos. O encephaloide, que é caracterisado, physica e histologicamente, pela sua molleza, vascularisação, aspecto cerebriforme, «pela rareza de stroma fibroso, predominância do tecido cellular e do sueco lactescente chamado canceroso, começa a desenvolver-se pelo tecido sub-mucoso e pela mucosa, affectando a fórma de nodosidades vegetantes com ou sem infiltração difíusa. De crescimento mais rápido que o scyrrho, o encephaloide vegeta desde logo sobre a superfície interna do estomago, sob a fórma de excrescencias fun- gosas, molles, que sangrão com facilidade, e são mesmo muitas vezes a séde de hemorrhagias intersticiaes. De ordinário o producto neoplasico se reduz a retalhos molles e negros que se destacâo na sua parte média, emquanto no 7 contorno ou circumferencia, a vegetação progride, formando-se assim ulceras crateríformes, circumdadas de bordos levantados e virados para fóra, de grandeza variavel e de extensão ás vezes tão consideráveis que diminuem notavelmente a cavidade do estomago. As suas sub-variedades se distinguem por suas propriedades próprias : o cancro melanico pelos depositos abundantes de pig- mento preto ; o villoso pelas excrescencias cheias de sueco canceroso e de aspecto villoso ; o de cellulas cylindricas, que só póde ser descoberto pelo microscopio, se distingue pela fórma particular de seus elementos constitutivos. O cancro areolar, em geral raro, infiltra-se por grandes massas na mucosa e no tecido sub-mucoso, atacando facilmente o peritoneo. onde fórma muitas vezes tumores consideráveis; é pouco sujeito á ulceração, e compõe-se de tecido fibroso, de innumeras cavi- dades folliculosas cheias de um liquido gelatiniforme, onde se encontrão elementos cellulares, moléculas de gordura, corpúsculos colloides, crystaes de phosphato triplice e de cholesterina. As modificações ulteriores do estomago podem consistir em adhe- rencias com os orgãos vizinhos por um exsudato fibrinoso, peritonite adhesiva ou por extensão do tecido canceroso, dando logar á com- municação do estomago com o intestino, vesicula biliar, o figado, e raras vezes com o exterior. Quando não ha deslocamento, a porção pylorica quasi sempre se fixa ao pancreas, ao figado, aos ganglios, ao rim direito e ao colon transverso. Se, porém, isso não se dá, o estomago, obedecendo ao peso do tecido invasor, desce á região hypogastrica, onde contrahe adherencias com o intestino delgado, o coecum, o utero e seus annexos. Se a degenerescencia occupa a região pylorica, dar-se-ha stenose organica do canal com dilatação do estomago, o que também póde ser produzido pelo desvio do orgão pormeio de adherencias. Se occupa a região cardiaca ou a totalidade das paredes do estomago, dar-se-ha o estreitamento total do orgão. 8 Hypertrophias e atrophias dão-se nas partes não atacadas de degenerescencia, segundo ha ou não obstáculo ao curso dos alimentos. Outras lesões vêm complicar os últimos períodos do cancro do estomago: um catarrho mais ou menos generalisado, phlegmasias de alguns orgãos, sobretudo das pleuras, veias obturadas por coágulos, ganglios enfartados, tromboses e oedemas cacheticos. Symptomatologia.-Para bem apreciarmos os symptomas do can- cro do estomago, muitas vezes tão obscuros, podemos, por assim dizer, formar, como faz o illustrado Dr. Jaccoud, dous períodos bem dístinctos, porém quasi sempre estreitamente unidos um ao outro, a saber: Io, periodo inicial oudyspeptico; 2o, periodo de tumor e cachexia. I. Periodo inicial.-Os symptomas que caracterisão este periodo são: perturbações digestivas, dor e vomito. São pouco importantes para a especificação do cancro do estomago, porquanto pertencem a todas as affecções deste orgão, de modo que temos necessidade de recorrer a outras fontes, sobretudo á etiologia, não para estabelecermos de um modo evidente a existência do cancro, porém apenas para suspeitai a e então esperar que phenomenos posteriores, taes como o tumor e a cachexia, que por si sós revelão a moléstia, venhão nos tirar da duvida, dando assim um cunho de certeza ao que não passava de uma mera supposição. Perturbações digestivas.- O appetite frequentemente diminue ; porém esta perda do appetite é certamente um dos symptomas os mais vagos e mais variaveis ; bera que figure em uma proporção de 80 para 100, pouco mais ou menos [Brinton. Cancro do estomago), a anorexia não apresenta realmente importância senão quando se acha reunida a outras manifestações, taes como a dôr e o vomito; ás vezes ella é tão pouco accusada que se lhe dá pouca importância, e, se é verificada, vê-se que sua presença varia; umas vezes apparece no começo da mo- léstia, outras no meio ou no fim. 9 Em certos casos o appetite é simplesmente diminuído, em outros completamente abolido; emfim, pode acontecer que, depois de ter desapparecido, durante um tempo mais ou menos longo, reappareça, quer até o fim da moléstia, quer para cessar bruscamente ainda. Estas variedades, que parecem depender principalmente do estado mesmo da moléstia, e devidas a uma influencia nervosa, que não se poderia explicar, fazem differençar assim a anorexia do cancro da que se observa nas outras moléstias do estomago, taes como a gastralgia, a ulcera, etc. A sede é pouco intensa ou nulla. A lingua, babitualmente pallida e húmida, póde tornar-se, para o termo fatal da moléstia, vermelha, secca e coberta de uma espessa camada de saburra; as digestões são lentas e laboriosas; a constipação de ventre é muito frequente no primeiro periodo da moléstia ; quando, porém, esta se acha em um gráo muito adiantado, a constipação é substituida pela diarrhéa, que parece resultar, geralmente, da irritação produzida pela presença da matéria cancerosa, do pus e do sangue, que, derramados no estomago depois da ulceração, passão para o intestino. A dor é um dos symptomas mais frequentes do cancro do estomago: em cem casos Brinton observou 92 vezes. Quanto á região occupada por ella, é bem raro que marque a séde da lesão; em cada periodo, segundo a alteração mais ou menos considerável do orgão, ver se-ha corresponder sensações variaveis. No cancro do pyloro o doente referirá as sensações por elle percebidas tanto ao hypochondrio direito como ao esquerdo, á região umbilical, ao esterno. No cancro do cardia a dor parecerá manifestar-se para o hypochondrio ou hombro direito; no da pequena curvatura para a região inter-scapular; e emfim para a face posterior do estomago o doente referirá a dor principalmente para a região dorsal média e parte inferior da região lombar. Seu caracter essencial é ser lancinante; é persistente, não apresenta intermittencia ; não deixando um unico instante de repouso ao infeliz doente, traz como complicação terrivel a insomnia. 10 Se apresentasse sempre esses caracteres frisantes, a dor seria certamente um signal precioso para o diagnostico; porém não é assim. Com effeito, doentes ha em que a dor nada apresenta de regular em sua apparição e duração; em alguns, este symptoma apparece no começo e com intensidade; em outros, é pouco pronuncia do desde o começo, tornando-se mais manifesto á medida que a moléstia faz progressos. Emfim, em um terceiro grupo, o caracter que apresentão ás vezes as differentes variedades da dor parece devido a condições locaes: com effeito, ora a dor é surda, urente, e parece antes depender da ulceração do estomago affectado de cancro que do proprio deposito canceroso; exaspera-se pela ingestão dos alimentos e cessa pela expulsão do conteúdo do estomago; outras vezes apresenta sensações de constricção, de oppressão e de tumor, que parecem denotar antes um estreitamento devido a um deposito canceroso. O vomito se apresenta, segundo Brinton, 87 vezes sobre 100. O momento de sua apparição marca algumas vezes o começo da moléstia; ás mais das vezes é depois de dous, tres ou seis mezes de seu começo que apparecem os vomitos. Sua frequência vai augmen- tando muitas vezes até o ultimo periodo, e; nos casos em que são muito abundantes desde o comêço, a terminação fatal é precoce. Alguns doentes apresentão o vomito em jejum sem se terem alimentado, outros depois das refeições, algumas vezes no fim de alguns minutos, outras vezes depois de algumas horas sómente; em alguns o vomito não apparece de um modo contínuo, porém depois de um intervallo variavel e mais ou menos longo. A séde do cancro tem, sem duvida alguma, influencia sobre a frequência do vomito. Assim, quando o cancro existe no pyloro, o vomito não se manifesta senão algumas horas depois da ingestão dos alimentos ; se existe perto do cardia, o vomito tem logar quando o doente se alimenta, ou pouco depois. Em alguns casos, o vomito desapparece de todo, o que póde ser devido a uma fusão cancerosa no ponto estreitado ; dahi a ampliação desse logar e a 11 facilidade da passagem dos alimentos para o resto do tubo diges- tivo. Outras vezes todas as paredes ou uma grande parte delias se achão invadidas pela degenerescencia, de modo que o estomago não póde mais se contrahir para dar-se o vomito. A natureza do vomito é muito variavel, segundo a época em que se observa a affecção, A principio são simples mucosidades ou bile, se os esforços para o vomito têm sido consideráveis, e também ali- mentos mais ou menos alterados pela digestão. Em um periodo mais adiantado apparece então de envolta com elle uma matéria negra ou cor de borra de café, que tem uma grande importância para o diagnostico. Esta matéria negra se apresenta sob a fórma de um pó bas- tante fino ou em massas coaguladas ; é constituída por sangue que tem se conservado no estomago e que tem soffrido um começo de digestão. Independentemente dos elementos sanguíneos, nota-se ordinariamente a presença de sarcinas, sendo muito raro encontrar-se elementos cancerosos apreciáveis, pois que o tecido morbido, á medida que se amollece, perde seus caracteres distinctivos. Os vomitos negros são quasi pathognomonicos do cancro do estomago; entretanto elles têm sido observados na ulcera simples e todas as vezes que se dão liemorrhagias capillares na superfície do estomago ou que se tenha deglutido sangue. Porém no cancro esses vomitos são acompanhados de accidentes que dão seu ver- dadeiro valor, taes como a idade do doente, a natureza das dores, a cachexia especial. A hemorrhagia no cancro do estomago se apresenta 42 vezes sobre 100 ; em um sexto dos casos é constituída por sangue puro ; nos cinco restantes por sangue mais ou menos alterado, misturado com sueco gástrico, alimentos, bile, detritos cancerosos. Póde ser devida a duas causas diversas : ou é produzida por uma congestão com ruptura de alguns capillares, mostrando-se neste caso em um periodo approximado do comêço e moderada, podendo 12 todavia em algumas vezes ser tão considerável que traga rapida- damente a morte; ou é devida á destruição dos vasos pelo trabalho ulcerativo, sendo ainda nestes casos mais ou menos considerável, porém não apparecendo senão em um periodo avançado da mo- léstia. Muitas vezes uma parte do sangue é levada pelas evacuações (meloena), e casos ha mesmo em que não se dá a hematemese, sendo a eliminação feita inteiramente pelos intestinos. II. Período de tumor e cachexia.-O tumor é, sem contradicção, de todos os symptomas do cancro um dos mais importantes. Se- gundo Brinton, o tumor é encontrado na proporção de 80 para cem. Em certos casos, o tumor é facilmente apreciável, como, por exemplo, quando occupa a parte média do estomago, a grande curvatura, todo o orgão ou o pyloro ; porém, em outros casos, pelo contrario, torna- se diflicil percebêl-o, o que se dá quando a parte occupada pelo cancro é a pequena curvatura, perto do cardia e da face posterior do estomago. Estas differenças se explicão facilmente pelo menos pela distancia, mais ou menos grande, que existe entre as partes correspondentes do estomago e a parede anterior do abdómen. A séde é muito variavel. Os tumores da grande curvatura tendem a dirigir-se para a região umbilical ; os que occupão o pyloro são percebidos principalmente na parte média ou hypochondrio direito, o que é devido não só á posição do pyloro, como ás adherencias que se fórmão entre a porção lesada do estomago e o figado. O cancro que occupa a pequena curvatura se faz sentir na parte superior do epigastro, e é em toda essa região que se acha a saliência formada pelo deposito canceroso, que occupa todo o orgão. Quanto á sua fórma, o tumor ora se apresenta em massa conside- rável, dura, irregular, offerecendo o aspecto de nodosidades apreciáveis, ora, pelo contrario, se mostra sob um pequeno volume, é elástico ou 13 molle, e não faz saliência algum a, sendo neste caso muito difficil reconhecel-o. O tumor póde apresentar caracteres muito diversos nas differentes épocas da moléstia ; o tumor, muito apparente hoje, póde desapparecer para reapparecer depois de alguns dias, ou mesmo não ser mais per- cebido. Estas modificações, que não se explicão senão por uma perda de substancia devida ao amollecimento, á ulceração ou á queda de uma eschara, não fazem senão augmentar a difliculdade já tão grande que se tem muitas vezes em reconhecer a sua presença. Emfim, pela apalpação o tumor póde apresentar gráos infinitos de resistência; com effeito, póde achar-se reunido ao fígado, e neste caso, estando coberto por este orgão, não apresentará senão os signaes physicos do lobulo do fígado que o cobre ; póde também estar occulto por uma ascite, pelas mudanças de volume e de relações do intestino , ou mesmo simulado por tumores do fígado ou do intestino, e por estes tumores que se formão muitas vezes em consequência de inflammações e adherencias produzidas pela ulceração do estomago. Muitas vezes, comprimindo-se com alguma força o tumor, percebem- se ligeiras pulsações isochronas ás do coração; estas pulsações são as da aorta abdominal, perceptiveis em consequência do estado de de- pauperamento em que se acha o doente. O tumor, em geral, apresenta uma sensibilidade pouco pronunciada á pressão, não sendo exagerada senão nos casos em que o cancro tenha se propagado primitiva ou secundariamente ao peritoneo, ou se tenha declarado uma peritonite por vizinhança. A cachexia^ que eom razão tem uma grande importância para o diagnostico, é encontrada pouco mais ou menos 90 a 98 vezes por cem; é especificada não só pela cor dos tegumentos de um verde sujo ou de uma coloração terrea ou côr de palha, que não se póde confundir com nenhuma outra, como ainda pela seccura e perda de elasticidade da pelle, a diminuição do tecido gorduroso, a molleza do tecido cellular, e pouco volume e firmeza dos musculos. 14 Esta reunião de plienomenos, que estão sempre em relação com o grão de magreza do individuo e a perda de suas forças, torna a cachexia um symptoma quasi pathognomonico, se afastarmos os casos que podem complical-a e fazer duvidar de sua existência; estes casos dependem? quer de uma desorganização hepatica tendo por causa o cancro conse- cutivo do fígado, que traz assim uma verdadeira ictericia mudando a cor da pelle, quer de complicações taes como as hemorrliagias, a suppuração, os vomitos, uma alimentação insufficiente, que podem augmentar o descoramento natural dos tegumentos. Infelizmente em alguns casos a cachexia falta completamente ou se apresenta em condições taes que, bem que não haja duvida alguma, bem que esteja claramente apreciável, não se sabe se podemos attribuil-a á moléstia que nos occupa e que se tem tanto interesse em reconhecer a presença, ou a uma destas complicações, taes como os tubérculos, que podem vir lançar a duvida, fazendo attribuir á sua presença os symptomas dependentes de um cancro desconhecido. Ha febre todas as vezes que se manifesta uma complicação inflamma- toria; caso essa não se dê, ainda em alguns casos tem-se observado a febre hectica, que concorre para apressar o termo fatal. A ourina, em geral de cor anormal, é rara, sedimentosa e rica de uréa e uratos. Póde ainda apresentar-se albuminosa e mesmo gly- cosica, sendo raros os caracteres da ourina ictérica ; estas diversas alterações parecem depender de complicações intercurrentes e não do cancro. Hydropesias mecanicas por thrombose ou cacheticas são também muito frequentes nos últimos periodos desta affecção. Marcha, duração c terminação.- A marcha do cancro do estomago é fatalmente progressiva e contínua; se ás vezes alguns dos symptomas apparecidos, como o vomito, desapparecem momentanea- mente, trazendo esperanças ao doente, os symptomas geraes continuão a se aggravar até que sobrevenha a morte. De todos os cancros do 15 estomago é o encephaloide que tem a marcha mais rapida, percorrendo os seus períodos em alguns mezes; o scyrrho e sobretudo o cancro areolar podem existir durante um ou mais annos. A duração, termo médio, é de 12 a 15 mezes, sendo o máximo tres annos, segundo Brinton. A terminação natural do cancro do estomago é a morte, que é as mais das vezes produzida por inanição, sendo mais rara a terminação por hemorrhagia ou perfuração do estomago. Ulcera simples Synonymia.-Ulcera chronica simples (Cruveilhier); perfurante (Rokitansky); ulcus rotundum (Jacksh) ; ulcera corrosiva, espon- tânea, menstrual (Catlieart-Lees, Bruton, Churchill); gastrite chro- nica ulcerosa (Grisolle); gastrite chronica (Hardy e Béhier). Etiologia e Pathogenia. -A ulcera do estomago é uma moléstia muito frequente ; Girault em 15,371 autopsias encontrou 855 casos dessa affecção, isto é, um caso sobre 18 indivíduos ; sua frequência varia nos differentes paizes. Brinton encontrou em 5 °/0, Bennet em 3 °/0, os médicos allemães em 13 °/0, e Grisolle a considera moléstia muito rara em França. Brinton e Jacksh, que observárão 328 casos de ulceras em todas as idades da vida, concluirão que esta affecção se apresenta mais vezes nos adultos. Quanto ao sexo, até hoje, segundo observações feitas por Brinton e Rokitansky, a relação da frequência desta affecção entre o homem e a mulher seria como de 1 para 2. Esta predominância, a prin- cipio do lado da mulher, pode parecer enorme ; porém, se no homem os abusos alcoolicos e outros modificão a secreção do 16 estomago, póde-se oppôr para o lado da mulher a chlorose, a hysteria; a dysmenorrhéa, e muitas outras affecções que têm uma acção indirecta, porém quasi constante, sobre este orgão. Antes da apparição do fluxo menstrual e depois da menopausa, parece haver igual frequência para o homem como para a mulher. As privações, as fadigas, as preoccupações intellectuaes, a intem- perança, os resfriamentos, o habito de tomar alimentos muito quentes ou muito frios estando o corpo em suor, o abalo que soffre o organismo com a chegada da puberdade, a lactação, o estado puerperal, predispõem o estomago a contrahir a affecção ulce- rosa. O abuso das bebidas alcoólicas, segundo Gerardt, favorece não só o apparecimento da ulcera, como o seu progresso, provocando a fermentação acida das substancias contidas no estomago, e assim alterando suas relações normaes com a alcalinidade do sangue. As febres intermittentes e contínuas, o pleuriz, a pneumonia, a syphilis e sobretudo a tuberculose pulmonar, tendo coincidido muitas vezes com a ulcera do estomago, têm sido consideradas como po- dendo determinar esta affecção ; não julgamos que essas affecções, como pensão alguns autores, exerção uma influencia especial no apparecimento da ulcera gastrica; crêmos antes que, em conse- quência do estado de debilidade que ellas determinão nos indivíduos, os colloquem apenas em condições favoráveis para seu apparecimento. Demais, se attendermos á grande frequência dessas affecções, não nos devemos admirar com a manifestação de uma ulcera gastrica em um syphilitico, em um tuberculoso, etc., sem que haja entre . ellas relação de causa e effeito. A composição anormal do sangue, os catarrhos agudos e chronicos, produzindo alterações vasculares, dão em resultado a formação de thromboses e embolias, que por sua vez dão logar á formação da ulcera, de modo que esta é antes uma necrose parcial, de- pendente na maior parte dos casos, senão em todos, da obturação 17 dos vasos das paredes do estomago e que o nutrem, do que o resultado de um processo suppurativo, que não se poderia dar por causa da ausência dos phenomenos de inflammação e suppuração perfeitamente notados pelos estudos modernos. Anatomia pathologica.-A ulcera gastrica localisa-se de prefe- rencia na região pylorica, mais vezes na parede posterior que na an- terior, e frequentemente na pequena curvatura, sendo excepcional no grande fundo de sacco; ordinariamente unica, mas podem existir duas ou mais, não sendo neste caso da mesma época, o que é con- firmado pelas cicatrizes circumvizinhas; de grandeza variavel, porém geralmente de 7 a 14 millimetros de diâmetro ; de fórma arredon- dada quando recente, torna-se mais tarde eliptica, o que é devido ao seu crescimento irregular ou á reunião de algumas ulceras pelos seus bordos vizinhos ; de bordos, a principio molles, salientes e ar- redondados, apresentão-se mais tarde duros e cortados a pique. Sua profundidade é variavel, póde limitar-se á mucosa e ao tecido sub-mucoso, ou terminar-se pela perfuração, apresentando no primeiro caso os bordos talhados a pique e no segundo a fórma de uma py_ ramide cónica achatada, rugosa pelas dobras do tecido, com a base voltada para a cavidade gastrica e o apice para os orgãos circumvizi- nhos. Quando a ulcera é antiga, a túnica musculosa da base do cone acha-se hypertrophiada a ponto de apresentar em alguns casos 3 1/2 millimetros de espessura, que é devida a uma infiltração plás- tica ou a um desenvolvimento exagerado das fibras musculares, que podem ser seguidas ao corte pelo olho desarmado de instrumento. Pelo menos não se observa nesta camada sueco canceroso, nem ele- mentos que se possa qualificar de cancerosos ou epitheliaes. Sua cura é frequente, dando-se, segundo Brinton, em uma metade dos casos. Quando a ulceração não excede a túnica muscular, a re- paração se faz por granulações, produzindo-se então cicatrizes radiadas; se, porém, attingio a serosa, esta é attrahida para a parte 16 3 18 interna do orgão em consequência da retracção cicatricial do novo te- cido conjunctivo, produzindo-lhe a retracção do diâmetro transversal, o que torna-se um obstáculo contínuo á passagem dos alimentos do estomago para os intestinos. A perfuração é rara, apresentando-se na proporção de 1 para 7 ou 8, segundo Brinton, e sendo mais frequente quando a lesão se assesta na parede anterior ou no grande fundo de sacco. Nem sempre a perfu- ração se dá, pois que, á medida que a ulceração se aprofunda des- truindo os tecidos, uma peritonite circumscripta estabelece adheren- cias entre o estomago e o peritoneo, ou entre o estomago e os orgãos vizinhos, que, servindo de parede, fazem com que a perfuração seja apenas virtual. Essas adherencias salutares são mais frequentes entre o estomago e o epiploon, o lóbo esquerdo do fígado, o pancreas e as glandulas lymphaticas, mais raras no colon transverso, no baço, no diaphragma e na parede abdominal anterior. Uma camada mais ou menos espessa de tecido conjunctivo une o estomago aos orgãos vi- zinhos, fazendo-se sempre a retracção cicatricial da base da ulcera ou mucosa gastrica para esses orgãos; se, porém, a ulceração continuar em sua marcha, póde então estender-se aos orgãos perigastricos e perfural-os. Têm-se observado peritonites generalizadas em consequência de uma simples perfuração para o peritoneo ou pelo derramamento de pus de algum abcesso que se tenha enkistado entre o estomago e os orgãos circum vizinhos. As hemorrhagias se dão mais frequentemente pelos vasos capil- lares; quando pelos arteriaes, estes são: a coronaria, a gastro-epiploica esquerda, a pylorica, a gastro-duodenal, a pancreatico-duodenal e a splenica, podendo ser nestes últimos casos rapidamente mortaes. A cura é perfeita quando as cicatrizes succedem ás ulcerações su- perficiaes; quando, porém, a ulceração é profunda e extensa, sua ci- catrização estabelecerá adherencias do estomago com os orgãos peri- gastricos, determinando desordens graves, taes como a immobilidade 19 mais ou menos pronunciada do estomago ou o estreitamento do ori- fício pylorico com todas as suas consequências. As recahidas são frequentes ou pela ruptura de uma cicatriz ou pela formação de novas ulceras. Symptomatologia.- Esta affecção tem em geral um começo insidioso. O appetite diminue progressivamente; a ingestão dos alimentos provoca uma dor surda na região epigastrica; as digestões são lentas, acompanhadas de eructações nidorosas e abahulamento do ventre; outras vezes o appetite se conserva, não podendo o individuo tolerar senão certos alimentos, mesmo os mais indigestos. Em certos casos, felizmente pouco frequentes, a moléstia não é reconhecida senão pela apparição súbita de uma hematemese que mata o doente, ou por uma perfuração que determina uma peritonite igualmente mortal? constituindo o que o Dr. Jaccoud denomina fôrma-fulminante. Na grande maioria dos casos, a moléstia tem uma marcha chronica, caracterisada por dôr, vomito e hemorrhagia. A dôr, symptoma o mais frequente e o mais caracteristico, é ordina- riamente o primeiro que apparece. No começo da moléstia, o doente queixa-se de uma sensação de peso e de constricção na região epigastrica que, a principio surda, contínua, é substituída pouco a pouco por uma dôr ardente, roedora, terebrante, e em casos raros lancinante. Muitas vezes ella é acompa- nhada de nauseas. Ordinariamente se manifesta de dous a dez minutos depois da ingestão dos alimentos, e não desapparece antes de terminar a digestão estomacal, a menos que o doente não seja accommettido de vomitos que a suspendão por um tempo mais ou menos longo. Quando, porém, a sede da lesão é no cardia, ella segue immediata- mente a ingestão dos alimentos e é acompanhada em alguns casos de dysphagia ; outras vezes póde apparecer meia hora depois da refeição, como succede na dyspepsia. 20 Uma ulceração antiga e extensa póde tornar a dor contínua durante o intervallo das refeições, e durar semanas sem interrupção. Sua séde mais frequente e onde se manifesta com mais intensidade é no centro do epigastro, immediatamente abaixo do appendice xyphoide; outras vezes atrás delle, ou á direita ou esquerda da linha mediana, ou então, tendo seu máximo de intensidade nesse ponto, se estende para um ou outro hypochondrio ou um só, o que é raro. Em alguns casos, ella é acompanhada ou substituída por uma sensação de pulsações. Pouco tempo depois do apparecimento da dôr epigastrica sobrevem a rachidiana. E fixa durante toda a duração da moléstia e se assesta ordinariamente ao nivel das tres ultimas vertebras dorsaes ou da primeira lombar; quando intensa, póde alternar com a dôr epigastrica. Brinton parece levado a crer que existe uma relação entre a séde da dôr e a séde real da ulcera. Assim, para elle, uma dôr umbilical indica uma lesão da grande curvatura ; uma ulceração do cardia causa um ponto doloroso no hypochondrio esquerdo, cuja dôr se exaspera no terceiro tempo da deglutição, e a do pyloro no hypochon- drio direito. Também considera como de grande importância para esse diagnostico o desvio simultâneo desses dons pontos dolorosos, epigastrico e rachidiano. A pressão do epigastro, algumas vezes intolerável, determina dôr intensa limitada a esse ponto doloroso; de ordinário essa pressão desperta simultaneamente a dôr spinal que em alguns casos predomina. O decúbito fornece igualmente dados importantes para determinar a séde da ulcera. Este caracter, estudado a principio por Osborne e mais tarde por Brinton, consiste no facto do doente tomar sempre uma posição em que as substancias contidas no estomago não possão achar-se em contacto com a solução de continuidade. Assim, a posição vertical convém ás ulceras da pequena curvatura ; as da face anterior levão o doente a deitar-se sobre o dorso ; e as da face posterior sobre o ventre; se occupão as proximidades de um ou outro orifício, então o decúbito será do lado correspondente. 21 As paixões deprimentes, o medo, a anxiedade, a cólera, o frio e a humidade, sobretudo nos pés, determinão ordinariamente accessos dolorosos, seguidos ás vezes de convulsões geraes por uma excitação reflexa sobre o eixo cerebro-espinhal. Um exercicio physico vio- lento ou moderado, porém prolongado, pode produzir o mesmo re- sultado. Os alimentos duros e indigestos provo cão a dor, que se prolonga por todo o tempo da digestão; se, porém, são molles edefacil digestão, podem minorar esse soffrimento. Os alimentos quentes, o chá e a cerveja, são geralmente mal supportados, podendo se dar o inverso. Emfim, nas mulheres moças a dor augmenta muitas vezes com a approximação das regras. 0 vomito, que na ordem de frequência segue o symptoma dor. coincide ordinariamente com ella, quer no seu comêço, quer no seu auge, terminando quasi sempre após a expulsão completa dos alimen- tos do estomago, expulsão ordinariamente seguida, por algum tempo, de uma ligeira sensação de calor. A natureza das substancias vomitadas varia segundo a época em que tem logar o vomito ; são alimenticias, se se produz immediata- mente depois das refeições ; serão de reacção acida, se se produz algum tempo após a ingestão dos alimentos; serão biliosas, se a demora é gran- de ; emfim, quando o vomito sobrevem em jejum, como por exemplo, após o somno da noite, compõe-se de matérias fluidas, de reacção alcalina, constituido sobretudo de saliva deglutida antes de sua ma- nifestação. Têm-se ainda em alguns casos raros observado vomitos contendo sarcinas, cuja apparição, segundo Bamberger, é frequente nos casos de dilatação anormal do estomago. Em geral, o vomito é tanto mais frequente qua nto a lesão é mais antiga, mais grave, sobretudo quando ha adherencias do estomago com os orgãos vizinhos, ou a ulcera se acha assestada na vizinhança do cardia. Este symptoma é grave, não só pela fadiga que resulta da acção 22 violenta e anormal do systema nervoso e muscular, como pela rejeição dos alimentos que, não nutrindo o organismo, determinão no fim de algum tempo um estado de inanição e morte do doente. A hemorrhagia é um accidente de grande gravidade, capaz de determinar uma prostração rapida ; é grandemente prevenida pela obliteração dos innumeraveis vasos interessados na ulceração ; se ella se produz, depende antes da congestão determinada pela digestão estomacal e das desordens mecanicas causadas pela distensão do estomago que de uma congestão simples. Quando pequena, passa desapercebida por ser incapaz de provocar o vomito ; então o san- gue, soffrendo a acção dos fluidos do estomago e de mistura com os ingesta, se apresenta com uma cor escura ou negra e com uma consistência igual á do alcatrão, outras vezes assemelhando-se á bile espessada. Não sendo especial a acção do sangue sobre a mucosa gastrica e intestinal, é necessário que a hemorrhagia seja abundante para que, estimulando por uma acção mecanica resultante da distensão do esto- mago e intestino, determine o vomito ou a purgação. Assim, nestes casos, pouco depois da refeição, o doente sente peso e plenitude epi- gastricas, tendencia á syncope, nauseas, vomitos de grande quanti- dade de sangue, em parte coagulado ou normal, se esse acto segue immediatamente á gastrorrhagia; se, porém, é mais tardio, apresenta-se com o aspecto de coágulos difíluentes, negros ou cor de bôrra de café, e sendo em ambos os casos misturados com alimentos. Emfim, em alguns casos raros a gastrorrhagia é fulminante, determinando a morte do doente em alguns minutos, o que acontece quando uma artéria muito importante, como por exemplo a splenica, se rompe. Nos casos de hemorrhagia de pequena e média intensidade, o vomito póde não se dar, sendo então o sangue expellido para os intestinos e provocando evacuações alvinas. A constipação é a regra, o que é devido á alimentação insuf- ficiente, aos vomitos frequentes e á atonia das paredes intestinaes. 23 A diarrhéa, em geral muito rara, tem sido apenas observada em certos casos de gastrorrhagia mais ou menos abundante, e sobretudo quando uma ulceração se assesta na primeira porção do duodeno. Outros phenomen os se observão no curso da ulcera simples: um catarrho chronico, mais ou menos intenso, acompanhado de anorexia, pyrosis, ptyalismo, eructações e abahulamento do epigastro ; a lingua é natural, húmida, algumas vezes coberta de uma saburra esbranquiçada ; a sede é quasi sempre muito intensa e constante. Os accessos dolorosos, os vomitos frequentes, as hemorrhagias, as alterações do estomago, a idade do doente são as causas que, reunidas ou isoladas, produzem no organismo, no fim de certo tempo, um cunho especial, denominado cachexia ulcerosa, que, segundo Brinton, não é um symptoma, porém sim uma reunião de symp- tomas, ou antes um estado que exprime soffrimento do organismo. Esta cachexia, diz elle, forma um caracter tão especial da mo- léstia, que muitas vezes só o aspecto do doente no consultorio me permittio fazer o diagnostico. Uma dor intensa e repentina no epigastro, e estendendo-se a todo o abdómen, no caso de ulcera do estomago, é um signal de per- furação, que é seguido de peritonite, cujos symptomas caracteristicos são a sensibilidade pronunciada á pressão abdominal, attitude própria para a relaxação dos musculos dessa parte, abahulamento do ventre e t^mpanismo. A morte temlogar ordinariamente de 24 a 36 horas depois da manifestação desses symptomas. E ordinariamente depois das refeições abundantes que [se produz a perfuração, cujas causas occasionaes mais communs são os es- forços, as contusões abdominaes, a compressão epigastrica. A marcha é muito variavel; póde ser aguda, ou chronica, ou bruscamente inter rompida por uma gastrorrhagia fulminante ou por uma perfuração. Porém nos casos de cura nota-se ordinariamente grande tendencia a reproduzir-se, o que faz com que pareça ter uma marcha intermittente, reproduzindo-se com todo o seu cortejo 24 symptomatico, sob a influencia de qualquer desvio de regimen ou excesso de fadiga; este caracter tem grande importância para esta- belecer-se o diagnostico differencial entre esta affecção e o cancro, cuja marcha é invariavelmente contínua. A duração é diflicil de precisar-se ; todavia podemos estabelecer uma média de 2 a 5 annos, podendo chegar, segundo observações de Luton, a 17 annos, e, segundo Brinton, a 35 annos. Termina ordinariamente pela cura, raras vezes pela morte. A cura ou é completa, isto é, a ulcera se cicatriza sem deixar adherencias, e o doente volta ao seu estado anterior de saúde, ou é incompleta, o que tem logar quando a cicatrização traz adherencias do estomago com os orgãos vizinhos e embaraça seus movimentos, determinando dores gastralgicas ou uma p ylorostenose com dilatação consecutiva do estomago, acompanhada de vomitos p riodicos, constipação habitual, que depois de algum tempo determina a morte por inanição. Nos casos de terminação pela morte, esta póde ser devida a uma hemorrhagia, á perfuração, á consumpção e a uma moléstia intercurrente. Em cem casos observados por Brinton, a proporção foi a seguinte: cicatrização 56, perfuração 13, hemor- rhagia 4, consumpção 2 e moléstias intercurrentes 50. Gastrite catarrhal aguda A gastrite catarrhal aguda póde se apresentar sob duas fôrmas: a branda-embaraço gástrico, a grave-febre gas trica. Patliogenia e Etiologia.-A diminuição da secreção do sueco gástrico, como se observa nos individuos atacados de moléstias febris, sua elaboração imperfeita, em consequência de uma diminuição da vitalidade cellular, determinando a decomposição anormal das substan- cias ingeridas, são causas que muitas vezes dão em resultado a gastrite catarrhal aguda. 25 Quanto ás causas determinantes, as principaes são: a ingestão de grande quantidade de alimentos, o uso de substancias difficeis de digerir ou alteradas por um começo de putrefacção, a mastigação imperfeita, a temperatura muito elevada ou muito fria dos alimentos ingeridos, o regimen exclusivamente animal, o abuso das substancias gordurosas, das bebidas alcoólicas, de condimentos, o uso habitual dos narcóticos : causas que determinão a gastrite catarrhal aguda, quer pela irritação que produzem sobre a mucosa gastrica, quer pela modificação de suas secreções ou perturbações de seus movimentos musculares. A vida sedentária, as preoccupações moraes ou intellectuaes, o máo habito de lêr comendo, a irregularidade nas horas, o trabalho immediatamente depois da comida, podem determinar a apparição desta moléstia. Finalmente ainda podem ser causa desta affecção os resfriamentos, as mudanças bruscas de temperatura e uma constituição medica reinante. Anatomia pathologica.-De algumas autopsias feitas até hoje deduz-se que na fórma branda as lesões consistem apenas em uma alteração de secreção com hyperhemia e quéda epithelial da mucosa; e nas graves em uma injecção fina, ora uniforme, ora disposta por arborisações, placas ou pontilhado muito fino, no augmento de volume das glandulas e ligeira infiltração do tecido intersticial, e amollecimento da mucosa que póde chegar a ponto de reduzir-se á massa, soffrendo neste caso o tecido sub-mucoso infiltração serosa ou sero-fibrinosa. A gastromalacia ou amollecimento pultaceo e gelatiniforme de Cruveilhier, amollecimento mucoso e negro de Rokitansky, é caracte- risada pela sua séde quasi constante no grande fundo de sacco, pela diminuição de consistência da mucosa e tecidos sub-mucosos do estomago, e pela ausência de phenomenos inflammatorios, ulcerosos e hemorrhagicos desse orgão. Essa alteração é uma modificação cadavérica, ou contemporânea dos últimos momentos da vida, devida á fermentação acida das 26 matérias contidas no estomagoouá acção post-mortem do sueco gástrico sobre os tecidos então privados de circulação. Hunter, negando sua existência durante a vida, serve-se da expressão autopepsia, e diz que seus pretendidos symptomas são os das moléstias que determinárão a morte do doente. Symptomatologia. - Fôrma branda (embaraço gástrico). - Esta fórma é ordinariamente precedida de prodromos caracterisados por diminuição do appetite, digestões lentas e penosas, somno agitado, inaptidão para o trabalho e um máo-estar que vai augmentando progressivamente até que a moléstia se confirme. Então sobrevêm perda do appetite, aversão para os alimentos, sabor amargo da boca, lingua larga, húmida e coberta de uma camada de saburra amarellada, deixando patentes depressões deixadas pelos dentes; ha máo hálito, eructações fétidas ou inodoras, nauseas, vomitos de matérias alimentícias mais ou menos alteradas e mucosidades alcalinas, viscosas, amarelladas ou esverdeadas; tensão do epigas- tro, ligeira sensibilidade desta região á pressão, constipação habi- tual, algumas vezes diarrhéa fétida; face sub-icterica, olhos lan- guidos e abatidos e scleroticas amarelladas; existe uma cephalalgia frontal mais ou menos intensa, gravativa, estendendo-se algumas vezes ao occiput; as forças diminuem; ha inaptidão para o trabalho; as ourinas são amarelladas, sedimentosas e em pequena quantidade. Em alguns casos não existe febre, notando-se sómente á tarde pequenos calefrios repetidos e durante a noite agitação, insomnia, pezadêlos e uma ligeira transpiração pela manhã; em outras, porém, a febre é mais pronun- ciada e dura todo o dia com exacerbação para a tarde, sendo a remittencia seu typo constante. A moléstia póde reduzir-se a esses symptomas se o doente, não commettendo imprudência alguma, as secreções intestinaes chegão a corrigir as substancias em decomposição do estomago, que têm transposto o pyloro; porém quasi sempre a decomposição das 27 matérias gastricas e a producção de gazes continuão, e em consequência da irritação produzida na mucosa intestinal tem logar uma hyper- secreção dessa mucosa com movimentos peristalticos, flatulência e pro- ducção de evacuações alvinas liquidas e esverdinhadas pela presença de bile. E commum dar-se nesses casos vomitos espontâneos. Se o doente não se submetteu á dieta, o máo-estar póde tornar-se maior, sobrevêm nauseas. vomitos mucosos esverdinhados, de sabor acido, acompanhados de diarrhéa. Esta forma branda da inflammação catarrlial aguda se dissipa ordina- riamente no fim de dous a quatro dias ; póde, porém, prolongar-se por mais tempo, tomar a fórma grave, degenerar em alguma outra moléstia ou complicar-se com novas affecções, o que acontece sobretudo quando o doente continua a estar sob a influencia das mesmas causas que derão logar á primeira manifestação mórbida. Em geral, porém, a cura se dá em pouco tempo espontaneamente ou após suores copiosos e evacuações abundantes, entrando logo os doentes em convalescença, que ordinariamente é bastante longa. Fórma grave, (febre gastrica).- Dependente das mesmas causas que a fórma precedente, a grave é caracterisada pelos mesmos symptomas, porém mais pronunciados, sendo os prodromos, quando existem, mais ou menos semelhantes. Nesta fórma se manifestão os mesmos symptomas precedentes com grande intensidade, a febre de typo remittente e ascenção vespertina; termina-se ordinariamente do oitavo ao nono dia; além destes signaes communs, juntão-se alguns especiaes, como sejão epistaxis, sobretudo nos moços, em casos raros manchas azuladas não salientes, resistentes á pressão e assestando-se ordinariamente, e por ordem de frequência, na parte anterior do abdómen, nos flancos, na base do peito, nas coxas e no dorso, symptoma que apparece do terceiro ao quarto dia, des- apparecendo do sexto ao oitavo. Se o quadro clinico se modifica, como acontece nos paizes quentes e húmidos, por uma polycholia, a febre exacerba-se e torna-se francamente remittente; o pulso torna-se duro, 28 vibrante e algumas vezes dicroto ; a lingua coberta de saburra amarellada, escura, dando ao doente a sensação amarga de bile ; ha vomiturações ou vomitos biliosos ; ictericia mais ou menos generalisada, constipação pouco frequente, diarrhéa biliosa, acompanhada de cólicas, dor pela pressão no hypochondrio direito em virtude de congestão hepatica existente. Na fórma grave, sobretudo nos casos em que o doente não se acha sujeito a uma medicação conveniente, a febre, bem como os outros symptomas, permanecem por mais tempo, podendo se prolongar de dous a quinze dias. A convalescença émais demorada, as digestões não se fazem de um modo regular, senão depois de passados muitos dias. Prognostico.- No embaraço gástrico, qualquer que seja a constituição e idade dos individuos, o prognostico é favoravel. Na fórma grave elle póde variar; quando se trata de pessoas adultas e de constituição forte, ainda o prognostico é favoravel; este, porém, reves- te-se de alguma gravidade nos individuos velhos, fracos, depaupe- rados . Nas crianças de mamma o catarrho agudo é uma affecção gravissima, porquanto nesses casos a morte é sua terminação ordinaria, apezar da therapeutica a mais racionalmente empregada. Gastrite catarrhal chronica A gastrite catarrhal chronica ou póde succeder a uma gastrite catarrhal aguda, o que se dá principalmente quando esta se prolonga por muito tempo ou reincide muitas vezes, ou póde apresentar-se desde o começo revestida do caracter de chronicidade. Pathogenia e Etiologia.-Todas as causas enumeradas no ca- pitulo anterior como podendo produzir a gastrite aguda podem 29 dar logar ao apparecimento da gastrite chronica; todavia apresenta- remos mais algumas, reconhecidas por todos os autores como muito importantes. As causas que principalmente produzem a gastrite catarrhal chro- nica são: o uso de uma alimentação muito abundante, o abuso con- tinuado das bebidas alcoólicas, cujo effeito nocivo sobre o organismo está na razão directa de seu gráo de concentração; todas as lesões organicas do estomago, desenvolvendo-se neste caso o catarrho em sua peripheria em virtude de uma irritação de vizinhança; o abuso dos purgativos drásticos (Durand-Fardel); a stase venosa da mucosa gastrica, que pode depender de duas condições, compressão e dilata- ção venosas. Quanto á compressão, ella póde depender, quer de uma lesão qualquer do figado, que actue directamente sobre a veia-porta, produzindo um obstáculo ao curso do sangue, como se dá por occa- sião de uma sclerose hepatica, ou de tumores situados ao nivel do hilo do figado, quer dependa de uma lesão do coração ou pulmão que, accumulando no coração direito uma quantidade de sangue maior do que a normal, difficulte a chegada do liquido que deve ser derra- mado no coração pelas veias cavas, que, tornando-se excessivamente túrgidas, produzem embaraço na circulação hepatica, o qual determina a stase venosa no estomago, como se dá na sclerose e emphyseuma pulmonares, e nas lesões do coração direito e do orifício mitral. Quanto á dilatação que póde ser parcial ou geral do systema porta, depende ordinariamente de uma dyscrasia venosa, de um estado varicoso, cuja frequência e importância foi exagerada pelos antigos, porém que existe realmente, segundo o Dr. Jaccoud. Esta fórma varicosa coincide muitas vezes com varices hemorrhoi- darias, e é mais commummente observada nos indivíduos de vida sedentária e que se alimentão copiosamente, nos gottosos, hemorrhoi- darios e polysarcicos. O catharro chronico ainda é observado em certas moléstias consti- tucionaes, occupando o primeiro logar a tuberculose pulmonar, vindo 30 depois o mal de Bright. Assim vemos muitas vezes individuos tuberculosos queixarem-se mais dos symptomas de catarrho que os incommoda que dos da affecção principal. No mal de Bright a diminuição da uréa dá logar á formação de productos ammoniacaes, que, irritando a mucosa gastro-intestinal, dão origem a um catarrho chronico, phenomeno precursor da uremia. Anatomia pathologica.- É na região pylorica que as lesões são mais notáveis. A mucosa acha-se mais ou menos avermelhada, apresentando algumas vezes placas pardacentas ou ennegrecidas. Essa cor, que não desapparece pela lavagem, é dependente de hemorrhagias capillares no proprio tecido da mucosa e da meta- morphose da hematina em pigmentos; um embôço transparente e mucoso ou puriforme cobre muitas vezes as superfícies mórbidas. A hyperhemia se apresenta sob a fórma de arborescencias vas- culares mais ou menos volumosas; e, se o catarrho é de causa mecanica, a arborescencia varicosa póde estender-se de um a outro orifício do orgão. A mucosa se hypertrophia formando numerosas dobras, e apre- sentando em alguns pontos tumores molles e esponjosos em conse- quência de uma hypertrophia villosa. ou pequenas proeminências separadas entre si por sulcos superficiaes, constituindo o que se chama estado mamellonado de Louis. Segundo Frerichs, esse estado é devido a accumulos de gordura no tecido sub-mucoso, ou ao desenvolvimento de folliculos fechados e muito approximados ; segundo Budd, á distensão das glandulas do estomago pela retenção dos productos excretados; segundo Forster, á hypertrophia das villosidades. O professor Jaccoud faz notar que esta ultima opinião não deve ser aceita senão nos casos em que essa alteração da mucosa occupar a região pylorica, que é o ponto em que existem vellosidades circumdando os orifícios das glandulas de pepsina. 31 É raro que essas alterações se limitem á mucosa; em alguns casos o tecido sub-mucoso e a camada muscular se transformão em uma massa de aspecto lardaceo, apresentando alguns millimetros de es- pessura, e algumas vezes mesmo um centímetro a centimetro e meio. Quando é o pyloro a parte assim lesada, dá-se uma stenose desse ori- fício com dilatação ventricular que lhe é proporcional; e, se excres- cências polypiformes occupão esse canal, pode dar-se sua obturação completa. Em casos de lesão muito adiantada tem-se ainda observado a de- generescencia das glandulas encarregadas da preparação do sueco gástrico, ou a transformação kistica ou graxa das outras glandulas. Symptomatologia.-Os symptomas da gastrite catarrhal chronica são mais ou menos os mesmos da gastrite catarrhal aguda, apresen- tando apenas differença quanto á intensidade e caracteres. Quando não succede ao catarrho agudo, o catarrho chronico apre- senta ordinariamente uma marcha lenta, apyretica, caracterisada por phenomenos locaes e perturbações digestivas, o que nos leva a con- sideral-o como uma indisposição e não como uma moléstia, até que se manifestem os efíeitos secundários ou tardios, constituidos pela alteração das funeções de outros apparelhos e da nutrição geral. Os doentes accusão na região epigastrica uma sensação de pleni- tude, que augmenta durante o trabalho da digestão, ou de uma pressão exercida sobre esta região, transformando-se em uma dôr surda, me- diocre, facilmente supportável, com tendencia a tornar-se contínua, raras vezes apresentando-se intensa e com irradiação para as paredes thoracicas, como acontece na gastralgia. Ao máo-estar e á dôr provocada pela ingestão dos alimentos ajun- ta-se a distensão do estomago, persistindo até que essas substancias mais ou menos elaboradas passem para o duodeno. Esta distensão póde depender de duas causas, segundo a época da moléstia; pois, se esta está em começo, é devida á producção gazosa anormal, 32 resultante da decomposição dos ingesta por deficiência de acidez do sueco gástrico, que nesses casos não póde exercer sua acção dissolvente sobre os alimentos, e pela presença de muco que actúa como fermento anormal sobre o conteúdo estomacal; se já tem longa duração, é a estada prolongada dos alimentos no estomago em consequência da paralysia de sua camada muscular que a explica. Os doentes são obrigados a relaxar suas vestes, para que a distensão do estomago não se faça á custa do diapliragma, determinando palpitações; porém, apezar dessas precauções, elles sentem-se fatigados, indispostos; têm bocejos e eructações repetidas, que, acompanhadas muitas vezes de liquidos insipidos, amargos ou irritantes pela presença de ácidos anormaes, cessão com a terminação da digestão, conservando apenas um ligeiro estado de fadiga. Phenomenos de congestão acompanhão muitas vezes os symptomas precedentes; a face torna-se vermelha, vultuosa ; ha cephalalgia, tendencia ao somno, respiração lenta ou suspirosa, batimentos car- diacos frequentes, tocando, porém, pesada e fortemente a parede tho- racica; em alguns casos raros nota-se reacção febril. Estes symp- tomas, que desapparecem pela terminação da digestão, reincidem em cada refeição por menor que seja, e são dependentes da distensão mecanica do estomago e da excitação dos pneumogastricos, recla- mando do medico therapeutica especial. O vomito alimentar, raras vezes observado, constituído de matérias mais ou menos modificadas e misturadas a mucosidades, de cheiro e gosto penetrante e desagradavel por causa da existência anormal do acido butyrico, é devido á acção incompleta do sueco gástrico sobre as substancias azotadas, e tem logar immediatamente depois da re- feição, ou uma ou duas horas depois, segundo condições especiaes. Quando a moléstia se segue a um estado agudo ou á ingestão de sub- stancias alteradas ou irritantes, o vomito se dá em cada refeição, persistindo algumas vezes por muitos dias; outras vezes torna-se im- possível estabelecer uma relação entre a intolerância gastrica e a 33 natureza dos alimentos. As substancias vomitadas antes do estomago apresentar lesão organica bem manifesta, como a stenose pylorica e a dilatação gastrica, são as ingeridas em ultimo logar, o que tem grande importância para o diagnostico differencial entre esta lesão e o cancro, no qual muitas vezes são expellidas substancias ingeridas a dous, tres ou mais dias, em vez de outras ingeridas depois que se achão no estomago. O vomito não alimentar apresenta maior frequência, sendo diver- sas as substancias rejeitadas : ou são viscosas, coherentes, filamen- tosas, ou se compõem de um liquido aquoso, abundante, transparente ou ligeiramente amarellado (pituita, gastrorrhéa). Para Frerichs os vomitos viscosos se compoem de matérias hydrocarbonadas, alteradas pela acção do meio anormal ; os pituitosos apresentão a mesma com- posição fundamental da saliva, pois que constão em grande parte desse liquido secretado e deglutido em grande quantidade, sobretudo durante a noite. Estes vomitos mais communs no catarrho alcoolico têm logar quasi sempre pela manhã em jejum, depois de grandes esfor- ços da parte do doente. Vegetaes microscopicos, denominados sarcina ventriculi, são fre- quentemente encontrados nos vomitos da gastrite chronica acompa- nhada de dilatação permanente do estomago. Em periodo muito adiantado desta moléstia, têm-se observado vomi- tos escuros, cor de bôrra de café, constituidos por sangue decomposto, proveniente de erosões mais ou menos superficiaes das paredes esto- macaes. O appetite, ordinariamente diminuido, é ás vezes exquisito ; a sêde, muitas vezes nulla, conserva-se ordinariamente normal, á excep- ção dos casos de febre em que se torna intensa. O catarrho bocal é commum nesta affecção; a boca é pastosa, amarga e exhala máo hálito ; a lingua carregada, larga, apresentando nos seus bordos as impressões dos dentes ; as papillas achão-se 34 augmentadas de volume; as sensações de gosto, sobretudo pela manhã, se achão alteradas. As funcções intestinaes se perturbão, observando-se constipação ordinariamente com flatulência por inércia muscular dos intestinos, ou diarrhéa em consequência da constipação ou da irritação da mucosa exercida pelas matérias mal elaboradas. Uma icterícia mais ou menos pronunciada póde se dar pela propagação do catarrho intestinal ao canal choledoco. Se estes symptomas persistem, um segundo período se apresenta, caracterisado por perda das forças, emmagrecimento e depressão psychicas. O emmagrecimento, de marcha lenta e contínua, é de- vido á diminuição da alimentação e á deficiência da chymificação e absorpção gastrica ; a apathia intellectual, o desanimo eahypochon- dria se explicão pela nutrição insuíficiente das cellulas nervosas, determinando diminuição e enfraquecimento da excitabilidade. Endurecimentos difíusos ou limitados podem ser percebidos na região epigastrica pela apalpação, nos últimos períodos da affec- ção. Em geral sua marcha é lenta, apresentando alternativas para me- lhor ou para peior, podendo durar alguns mezes ou prolongar-se algu- mas vezes por muitos annos. Termina-se ordinariamente pela cura, quando a moléstia é recente e o indivíduo é moço, podendo tornar-se estacionaria nos indivíduos velhos ou enfraquecidos por moléstias geraes, ou nos que abusão das bebidas alcoólicas ; raras vezes pela morte, e, quando isso se dá, é quasi sempre em consequência de com- plicações, taes como a tuberculose pulmonar, a ulcera gastrica, a stenose pylorica, a atrophia do apparelho glandular do estomago, a degenerescencia gordurosa da túnica muscular, etc. Prognostico.-Segundo o que fica dito, vê-se que esta affecção é grave. Entretanto, podendo terminar pela cura, sua existência não é incompatível com a vida e mesmo com um estado de saúde relativa. 35 Com efíeito, dependendo ainda sua gravidade da extensão e profun- didade das lesões, se uma parte da mucosa gastrica se acha em estado normal e as digestões se dão mesmo parcialmente e com dor, pode- mos admittir, senão a cura, pelo menos o prolongamento indefinido da moléstia. Gastrite toxica Pathogenia e Etiologia.-Certas substancias toxicas, taes como o mercúrio, o cobre, o acido arsenioso, o pliosphoro, os saes de prata, os venenos vegetaesouanimaes, quando introduzidas nas vias digestivas, produzem uma gastrite super-aguda, sem todavia determinarem directamente a destruição dos tecidos do orgão, a qual, quando tem logar, depende antes da intensidade do processo phlegmatico que da acção directa da substancia toxica sobre as paredes do estomago. Se, porém, o paciente tem ingerido ácidos energicos, taes como o sulphurico, o nitrico, o chloridryco e o oxalico, ou alcalis fortes, como a potassa caustica, a ammonia, o resultado será a destruição completa dos tecidos vivos, em virtude de sua combinação immediata com esses corpos. A cavidade bocal, o pharynge e o esophago são ordinariamente séde de lesões mais ou menos graves. Quando a affinidade chimica da substancia ingerida não se esgota no estomago, sua acção poderá então se estender aos intestinos, deter- minando lesões mais ou menos extensas, em relação com a energia que lhe resta. Os venenos mais commummente empregados nos envenenamentos accidentaes são : os sáes de cobre, o acido sulphurico e os venenos 36 vegetaes ; e nos casos premeditados o arsénico, o acido sulphurico e o cyanureto de potássio. Anatomia patliologica.-Os ácidos cáusticos propriamente ditos determinão lesões variaveis segundo sua quantidade e gráo de con- centração mais ou menos considerável. Quando em pequena quantidade ou um tanto deluido, sua acção limita-se á destruição por placas da camada epithelial e das camadas superficiaes da mucosa que se transformão em uma eschara molle de côr escura ou negra. Em grande quantidade ou concentrados, todas as camadas da mucosa se trans- formão em uma eschara negra ou amarella e friável; a camada muscular ^orna-se necrosada ou infiltrada de serosidade, ficando suas fibras inapreciáveis, e a mucosa circumvizinha ás escharas inflammada, ulcerada e coberta de falsas membranas. Em alguns casos as paredes do estomago são completamente destruídas, dando logar a uma peritonite generalisada por perfuração. O sangue contido nos vasos da superfície gastrica, e muitas vezes mesmo nos troncos vasculares circumvizinhos, se apresenta coagulado, carbonisado ou com o aspecto do alcatrão ; se, porém, é um alcali a causa da lesão, o sangue se acha dissolvido e não coagulado, podendo apresentar a côr vermelha em alguns casos de envenenamento pelo acido oxalico. As escharas produzidas pelos alcalis são mais frequentemente seguidas de perfuração em consequência de sua maior diffusibilidade. O bichlorureto de mercúrio, o phosphoro, os saes de cobre produzem escharas pardacentas ou negras, cercadas por hyperhemia ou infiltração serosa. O acido arsenioso ataca de preferencia as dobras da mucosa, que se torna tumefacta, injectada e polposa, apresentando algumas vezes uma eschara esverdinhada e coberta por um pó esbranquiçado. A gastrite catarrhal ou crupal succede muitas vezes á ingestão dos venenos vegetaes e animaes. Quando a eschara é muito superficial, a separação póde ser completa, revestindo-se a mucosa de uma nova camada epithelial; quando, porém, 37 é extensa e profunda, a separação se dá em consequência dasuppuração e da formação do tecido cicatricial, determinando ordinariamente adherencias, communicações com os orgãos vizinhos e stenose cardíaca ou pylorica, conforme a séde da lesão. SymptoiDatologia.- Podemos distinguir dous períodos de acci dentes nesta affecção: no primeiro, que se segue immediatamente á ingestão do veneno, pondo de lado seus effeitos sobre os orgãos que precedem o estomago, o doente queixa-se de uma dor mais ou menos viva e algumas vezes atroz na região epigastrica, sendo logo accom- mettido de agitação, anxiedade e dyspnéa, vomitos que não se produzem necessariamente desde logo, ordinariamente têm logar, seguindo-se um estado geral de torpor com cyanose e resfriamento das extremidades. A morte póde sobrevir rapidamente com o progresso de todos esses accidentes. Se, porém, isso não acontece, um segundo periodo ou de gastrite propriamente dita se manifesta. Neste periodo ha persistência da sensibilidade epigastrica com tensão da região e vomitos incessantes de matérias mucosas, algumas vezes sanguinolentas ou misturadas com bile, e mesmo retalhos da mucosa esphacelada. Dá-se muitas vezes neste periodo a perfuração do estomago em consequência da dissolução chimica de suas paredes pelo sueco gástrico ou pela quéda das escharas determinadas pelo cáustico, manifestando-se neste caso uma peritonite com abahulamento geral do ventre e inefficacia dos esforços para o vomito. Os accidentes geraes consistem em uma febre intensa e perturbações sympathicas para o lado do systema nervoso e dos orgãos de locomoção. Quando o doente sobrevive a todos esses symptomas, estabelece-se uma convalescença lenta e penosa, as digestões tornão-se difíiceis por muito tempo, o menor desvio de regimen provoca o vomito; existe um catarrho mucoso chronico, podendo sobrevir a morte no fim de algum tempo por consumpção. 38 Gastrite phlegmonosa Synonymia.- Linite suppurativa (Brinton); infiltração purulenta das paredes do estomago (Raynaud); inflammação phlegmonosa do estomago (Bamberger). Historico. -Rhazés, Narandoeus, Sennert e Heurn fôrão os pri- meiros autores que mencionárão esta affecção, sem todavia apresenta- rem factos que viessem em apoio de sua existência. Foi só mais tarde, de 1750 em diante, que a gastrite phlegmonosa começou a ser estudada por práticos distinctos, taes como Bonnet, Hoffmann, Sau- vages, Cullen, Rokitansky, Franck, Monro, Naumann, Andral, Foerster, Henoch, Brinton, Cruveilhier, Lebert, Raynaud, Bamberger? Lancereaux, Fournier, Niemeyer, etc., de modo que hoje não póde ser posta em duvida, como entidade mórbida, a sua existência. Etiologia.-A gastrite phlegmonosa tem sido quasi que exclusiva, mente observada no sexo masculino e na idade média da vida. Os desvios de regimen, as impressões moraes, uma alimentação insufficiente ou de má qualidade, a influencia do frio húmido e sobre- tudo o alcoolismo, têm também sido considerados como podendo produzir esta affecção. Walmann refere um caso de gastrite phlegmonosa sobrevinda em consequência de um traumatismo. Póde apresentar-se primitivamente em individuos sãos, ou consecuti- vamente, como complicação, no typho, na variola, na pyohemia, etc. Anatomia patliologica.-As túnicas do estomago se apresentão espessadas, principalmente a cellulo-adiposa, que contém em suas malhas serosidade purulenta ou pus mais ou menos concreto, que transuda em gottas quando se pratica uma incisão e uma ligeira 39 pressão; em um grão mais adiantado, essa túnica pode se achar completamente destruida (Brinton), existindo nesse caso entre as túnicas mucosa e muscular grande quantidade de pus, que corre apenas é incisada uma destas membranas. A mucosa hyperhemiada e túrgida apresenta muitas vezes (Rokitansky) pequenas aberturas, especies de trajectos fistulosos, estabelecendo communicação entre o tecido submucoso e a cavidade estomacal, pelas quaes a pressão faz transudar pus contido nas partes profundas, ou ulcerações em geral pouco extensas, arredondadas ou ovaes, e comprehendendo toda a espessura do seu tecido. A túnica muscular descorada, mais tarde de um pardo avermelhado, é espessada e infiltrada de serosidade e pus, tornando-se de apparencia gelatiniforme; como lesão concomi- tante, encontra-se algumas vezes uma alteração gram do-gordurosa. A serosa póde não se achar alterada ou apresentar todos os grãos de inflammação, desde a hyperhemia limitada até a producção de falsas membranas, adherencias com os orgãos vizinhos, podendo em certos casos suppurar e em outros determinar uma peritonite generalisada, ou um pleuriz, ou uma pericardite. Em alguns casos, posto que raros, em vez da infiltração pu- rulenta, o pus se reune formando abcessos, que podem ser únicos ou múltiplos, occupando o maior numero de vezes as circumvizi- nhanças do orifício pylorico. O volume desses abcessos varia desde o tamanho de uma cabeça de alfinete até o de uma noz ; sua abertura póde dar-se para o interior da cavidade gastrica, ou para o exterior do orgão, trazendo desordens secundarias em relação com a séde da ruptura. Symptomatologia e marcha. -Quando ha infiltração purulenta, ordinariamente manifestão-se phenomenos precursores caracterisados por máo-estar, febre e vomitos biliosos, mais ou menos frequentes, até que a moléstia se confirme. Então sobrevêm dôres abdominaes muito intensas, sobretudo na região epigastrica, exasperadas pela 40 pressão; anorexia, sêde intensa, nauseas, lingua saburrosa, e ás vezes uma ligeira icterícia; o pulso é pequeno, filiforme, a superfície cutanea diminue de temperatura e cobre-se de um suor frio ; ha alteração da physionomia, anxiedade; emfim a intelligencia, a principio intacta, perturba-se, e sobrevem delirio, seguido de morte. Tem-se observado diminuição da secreção ourinaria. A coexistência de uma peritonite determina exacerbação dos symptomas já enunciados com o apparecimento de outros que lhes são peculiares. A marcha desta moléstia, quer haja ou não peritonite, é essen- cialmente aguda, sendo sua duração ordinariamente de dous a dez dias; sua terminação pela cura póde se dar pela formação de um tecido cicatricial nos espaços areolares da camada submucosa, podendo apparecer mais tarde, como consequência da retracção cicatricial, uma stenose pronunciada do proprio estomago ou do orifício pylorico. Bamberger e Niemeyer dizem existir no musêo de Erlangen peças pathologicas que demonstrão essa terminação favoravel. Quando ha formação de abcesso, a moléstia tem uma marcha aguda ou chronica. No primeiro caso, os symptomas são mais ou menos os acima mencionados: vomitos, diarrhéa, grande sensibili- dade na região epigastrica, anorexia, sêde intensa com seccura da lingua e um estado geral grave. No segundo caso, sua symptomatologia apresenta grande obscu- ridade, podendo, em virtude de sua marcha lenta e sua reproducção em intervallos afastados, confundir-se com quasi todas as moléstias chronicas do estomago; ha dores epigastricas, nauseas, anxiedade, vomitos alimenticios ou mucosos, misturados ás vezes com sangue e pus, provenientes de uma ulcera gastrica, ou da ruptura de um abcesso na cavidade gastrica; afinal apparece um emmagrecimento notável, seguido de febre hectica e morte. De marcha ordinariamente longa, sua terminação é variavel: póde acontecer que o abcesso não se rompa, vindo o indivíduo a fallecer 41 por marasmo ; póde romper-se na cavidade gastrica e o pus ser ex- pellido, dando-se a cicatrização da solução de continuidade, ou abrir-se para a parte externa do estomago, e nesse caso o pus, derramando-se na cavidade abdominal, determina uma peritonite mortal. Finalmente, quando se dão adherencias do estomago com o pe- ritoneo, o pus póde atravessar a parede abdominal por uma perfu- ração dos tegumentos, determinando uma fistula estomacal; se, porém, estas se derem com os orgãos vizinhos, o pus poderá então derra- mar-se nesses orgãos. Prognostico.-E muito grave; comquanto se tenha observado alguns casos de cura, é a morte sua terminação ordinaria. Os abcessos de marcha chronica são menos graves que os de marcha aguda. Gastralgia Synonymia.- Gastrodynia, cardialgia. cardiodynia, dyspepsody- nia, passio cardíaca, affectus cardiacus, cardiogmus, espasmo, caimbra. cólica do estomago. Pathogenia e Etiologia.- A gastralgia é uma das especies de nevralgia as mais frequentes. Mais commum na mocidade e na idade adulta, é rara depois dos cincoenta annos, atacando de preferencia o sexo feminino, principalmente se é o temperamento nervoso o que predomina. Quasi todos os autores considerão esta aflecção como hereditária. Schmidtmann refere alguns exemplos de herança da cardialgia. Hoffmann falia delia como cousa muito commum. As emoções vivas, e sobretudo o medo, as affeições moraes tristes, as 16 6 42 contrariedades, os pezares prolongados, as paixões violentas, como o ciume, a cólera, o jogo, a ambição, podem ser encaradas como exercendo grande predisposição para esta nevrose. A prenhez exerce também alguma influencia como causa predispo- nente; nada mais frequente que vêr gastralgias desenvolverem-se nas mulheres pejadas em todas as épocas da gestação, sobretudo no comêço. Certos estados morbidos geraes, como a chlorose, as anemias tuber- culosa, palustre, plumbica e mercurial, estados diethesicos como sejão o herpetico, o darthroso, o rheumatico, o syphilitico; secreções fluxionaes anormaes, como sejão a leucorrhéa, a spermatorrhéa, a galactorrhéa; as suppu rações abundantes, as hemorrhagias, etc., pelo estado de debilidade que produzem sobre o organismo, augmen- tão ou determinão o estado nervoso e predispõem á gastralgia. E frequente vêr esta nevrose existir ao mesmo tempo que a hyste- ria, a hypochondria e a hemicranea. A habitação nas cidades, a humidade, o calor, certas constituições medicas, certas idiosyncrasias explicão muitas vezes o seu desenvol- vimento . A suppressão de certos fluxos habituaes, como o menstrual, o hemorrhoidal, o leucorrheico. Barras cita o exemplo de um individuo atacado de hemorrhoides, que sentia dores no estomago todas as vezes que seu fluxo hemorrhoidal se supprimia, o que podemos explicar talvez por uma acção metastatica. A vida sedentária, as vigilias excessivas, os trabalhos intellectuaes, principalmente após as refeições, o abuso dos prazeres venereos, a continência e o onanismo, actuando sobre o systema nervoso, dão muitas vezes logar a gastralgias. O abuso das bebidas emol lientes, das carnes brancas, um regimen muito severo, debilitando profundamente a constituição; o abuso das bebidas alcoólicas, do chá, do café, do gelo, das bebidas acidas ou fermentadas, de certos medicamentos irritantes, como a magnesia, 43 a therebenthina, a copahyba, o sulfato de quinina, os drásticos, contribuem poderosamente para o apparecimento da gastralgia. As affecções da medulla ou do cerebro, como a myelite aguda, a sclerose cerebro-spinal; a existência de tumores que, no craneo ou no thorax, comprimão cordões do nervo vago ou do sympathico, e no abdómen o plexo-solar; as affecções dos orgãos intestinaes, como do fígado, do baço, do pancreas, dos rins; os vermes intestinaes ; as lesões utero-ovarianas, sobretudo por occasião das épocas meustruaes, são quasi sempre, por uma acção indirecta ou reflexa, acompanhadas de acessos gastralgicos. Romberg admitte duas fôrmas de gastralgias: uma dependente de uma hyperesthesia do nervo vago, a que deu o nome de gastralgia nevrálgica, e outra dependente de uma hyperesthesia do plexo-solar, denominada coeliaca. Esta distincção, talvez admissível em theoria, não é de utilidade pratica, por ser difficil, como bem diz Henoch, determinar se as dôres gastralgicas em um doente se assestão nos filetes do nervo vago ou nos do grande sympathico. Symptomatologia. - A gastralgia raras vezes se desenvolve bruscamente ; ordinariamente apresenta phenomenos precursores con- stituídos por difficuldade da digestão, sensação de replecção, peso, calor e dôres surdas na região epigastrica, inaptidão para o trabalho corporal ou intellectual, eructações gazosase nauseas ; ás vezes começa repentinameute, e é então caracterisada por uma dor urente, roedora, contusiva, lancinante, constrictiva ou mesmo agonisante, que obriga o doente a mudar constantemente de posição e a se curvar afim de sof- frer menos ; sua face empallidece e cobre-se de suor frio, seus traços e seus olhos tornão-se agonisantes, conservão-se immoveis, como que sob o domínio da dor, que pôde chegar a ponto de produzir syncope. Schmidtmann observou delírio e convulsões em mulheres de sensi- bilidade exagerada. 44 A forma rapida é frequente nos indivíduos nervosos, debilitados, chloroticos, apezar da integridade das funcções gastricas; nos robus- tos esta fónna é rara, exceptuando-se o caso em que, existindo per- turbações digestivas, os ingesta actuem como causa occasional. A dor, raramente contínua e ordinariamente intermittente ouremit- tente, tem seu máximo de intensidade na região epigastrica na termi- nação do appendice xyphoide, podendo estender-se ao dorso, ás pa- redes thoraxicas, aos hypochondrios, aos rins e aos cordões sperma- ticos; augmenta mais ou menos com a ingestão dos alimentos, ou durante a digestão, que se torna demorada e dolorosa ; augmenta pela pressão brusca e irregular produzida por um corpo estreito como a ponta de um só dedo, diminue pela pressão metliodica progressiva e regularmente exercida com a palma da mão. Em casos raros, quando a dôr se localisa na parede posterior do estomago, a pressão, posto que exercida regular e methodicamente, a exagera consideravel- mente, o que não é de admirar, visto como a parte dolorosa é levada de encontro á columna vertebral. Nessas crises observa-se muitas vezes dyspnéa, prostração, resfria- mento das extremidades, pulso pequeno, serrado, intermittente ; a região epigastrica torna-se abahulada, globulosa pela pneumatose estomacal, porém é mais commum sua retracção com tensão das pa- redes abdominaes por acção reflexa. Doentes ha, entretanto, em quem a gastralgia não apresenta essa sensibilidade exagerada, e antes, diz Barras, «um máo-estar penoso e indefinível na região epigastrica, acompanhado de nauseas, abati- mento, anxiedades e algumas vezes de sensações exquisitas »; alguns têm sensação de frio glacial ou de calor intenso; em outros parece que o estomago se dilata extremamente e está prestes a rom- per-se, ou que está completamente vazio e retrahido ; outros têm sensações como que de insectos em movimento na mucosa gastrica ; seria muito fastidioso enumerar todas as perversões de sensibilidade experimentadas pelos gastralgicos. 45 0 appetíte, algumas vezes normal, póde augmentar, diminuir ou perverter-se, o que é principalmente observado nos indivíduos chlo- roticos e anémicos; a sede, ordinariamente normal, póde attingir á polydipsia. As secreções do estomago soôrem em muitos casos modificações quanto á sua quantidade e qualidade; outras vezes são pneuma toses que se produzem, sobretudo depois das refeições. As nauseas e as eructações são frequentes ; os vomitos são raros e constituídos por substancias ingeridas, quando têm logar depois das refeições e por mucosidades mais ou menos espessas, misturadas ou não com bile, quando têm logar pela manhã ; não são persistentes como os da gastrite chronica e do cancro ; têm logar com grandes intervallos ou em dias consecutivos, depois dos quaes vem um longo espaço de tempo sem se produzirem. Tem-se observado algumas vezes o soluço. A lingua, natural, larga, humída, sem sabôr algum, algumas vezes se apresenta coberta de uma saliva espumosa e abundante ; raras vezes é secca, sómente em um período adiantado da moléstia. A diarrhéa é rara; a constipação, pelo contrario, sendo um estado quasi habitual, é ordinariamente acompanhada de flatulência, meteo- rismo, tensão do ventre e cólicas. Durante os accessos, as ourinas são claras e transparentes, apenas com uma ligeira cor amarellada; depois quasi sempre abundantes. A hypochondria, o desanimo, a tristeza, o desgosto da vida, a inaptidão para o trabalho têm sido observados em alguns doentes. O somno é ordinariamente calmo. A cephalalgia é um phenomeno frequente; as vertigens, as exal- tações dos sentidos do gosto e olfacto, e as lypothymias são raras. A face, ordinariamente pallida, exprime um estado de abatimento e ás vezes de sofft imento. As funcções respiratórias e circulatórias nada apresentão de anor- mal, a não ser nos accessos violentos em que tornão-se um pouco 46 acceleradas ; não ha tosse gastrica; o pulso cheio, e pouco frequente nos accessos pouco intensos, torna-se nos violentos concentrado e frequente; ha calefrios eroticos, palpitações ; o calor da pelle é nor- mal, notando-se ás vezes grande sensibilidade ao frio e resfriamento das extremidades. Não ha febre: se algumas vezes depois de accessos violentos, repetidos e de um regímen debilitante, sobrevem um movi- mento febril lento, isso dependerá quasi sempre de uma complicação organica. Marcha, duração c terminação.-A gastralgia tem uma marcha muito irregular, sobretudo quando ella se prolonga por muito tempo. Os accessos gastralgicos podem ter logar em qualquer hora do dia ou da noite, porém é principalmente depois das refeições que se manifestão. Sua duração varia de alguns minutos até dez ou doze horas ; se tem por causa a ingestão de alimentos excitantes, são passageiros ; se, porém, se desenvolvem espontaneamente, ou dependem de um trata- mento antiphlogistico energico e de um excesso de severidade no regímen, durão por muitos annos, ás vezes por toda a vida, permittindo aos doentes apenas alguns intervallos de repouso mais ou menos prolongado. A terminação é na maioria dos casos, senão sempre, favoravel. Entretanto alguns autores, e entre elles Barras, citão casos em que a gastralgia terminou pela morte; convém notar que nesses casos sem- pre havia uma outra affecção concomitante, sob cuja influencia se produzião perturbações digestivas, e á qual deve ser attribuida a ter- minação fatal. Quando a moléstia persiste por muito tempo com accessos repeti- dos, produz o desenvolvimento de uma outra nevrose ainda mais grave, como a hysteria ou a hypochondria. Alguns autores admittem que a gastralgia possa se terminar pelo cancro do estomago; porém os factos conhecidos não são favoráveis 47 a essa opinião. Todavia não repugna absolutamente admittir que as profundas e numerosas perturbações da sensibilidade, da contractili- dade e das secreções do estomago não possão, depois de muito tempo, sendo admittida a predisposição, produzir a formação dos tecidos anormaes nesse orgão. Prognostico.-Não se deve considerar a gastralgia como uma affecção grave, no ponto de vista de sua terminação, a menos que não haja complicações, que são excepcionaes. Quando sobrevem em indivíduos anémicos ou chloroticos, submet- tidos a um regímen dietetico muito severo, póde durar por muitos annos, porém ordinariamente ella cede a um tratamento bem di- ripido. Dyspepsia. A dyspepsia essencial divide-se, quanto á duração, em aguda e chronica, subdividindo-se a aguda em accidental e temporária; quanto aos caracteres especiaes, divide-se em tlatulenta, gastralgica, acida atonica, bolimica, syncopal e hypercrinica ou pituitosa. Etiologia.-As causas da dyspepsia são predisponentes e deter- minantes . Causas predisponentes. - A dyspepsianão poupa idade alguma; comtudo acreditamos que a primeira infancia e a velhice sejão as mais frequentemente predipostas a contrahir a moléstia. Na primeira infancia, pela irregularidade com que são distribuídas as refeições; na velhice, pelo desequilíbrio dos movimentos de composição e de decomposição organicas, em virtude do qual o apparelho digestivo participa da deb - lidade e atonia geral do organismo. Uma organisaçâo delicada, um systema nervoso impressionavel, 48 hábitos geralmente sedentários expõem particularmente a mulher á dyspepsia. Se ajuntarmos a estas causas certas condições physiologicas que lhe são próprias, taes como a menstruação, a prenhez, o aleitamento, a menopausa, tantas vezes acompanhadas de perturbações digestivas, e, emfim, a sympathia observada do estomago para com as affecções uterinas e peri-uterinas, parece que a mulher deve ser mais vezes victima da dyspepsia que o homem. Porém a maior frequência dos diversos generos de excesso commettidos pelo homem diminue muito a differença que pareceria existir debaixo deste ponto de vista entre os dous sexos. Todos os temperamentos são predispostos á dyspepsia ; o nervoso, porém, é mais sujeito a esta affecção. O mesmo se dá com as constitui- ções, sendo os individuos de constituição fraca os mais sujeitos. De todos os climas é o quente que mais contribuo para o desenvolvi- mento da moléstia em questão. Com effeito, nos habitantes de um clima quente, como o nosso, o calor, actuando sobre o organismo, ao mesmo tempo que exalta as funcções da peripheria, abate as centraes; dahi a grande diminuição do appetite, carecendo do auxilio dos condimentos ou adubos excitantes para estimular e facilitar a acçâo dos orgãos digestivos, cujas funcções se achão difficeis e lentas, e a absorpção languida. A habitação nas grandes cidades predispõe mais ás dyspepsias do que a habitação no campo. No mesmo caso se acha a habitação em logares húmidos, mal arejados, pouco espaçosos e não em relação com a quantidade de individuos que abi demorão. As profissões que exigem certa posição do corpo, ausência de movimento, falta de intervallo conveniente entre as diversas refeições, etc., as profissões manuaes, que exigem a posição assentada e um trabalho penoso e prolongado, como a do sapa teiro, a do alfaiate, etc., as profissões scientificas, como a do medico, a do professor, a do jurisconsulto, etc., concorrem poderosamente para a producção da dyspepsia. 49 0 exercício corporal em excesso ou insufficiente, ou coincidindo com as digestões, ainda póde ser causa desta affecção. Finalmente os trabalhos de espirito durante a digestão, as paixões deprimentes, como um amor contrariado, a nostalgia, a inveja, o ciume, os transtornos políticos e pecuniários, etc., as causas deprimentes, como uma medicação expoliadora não indicada, a lactação prolongada, a leucorrhéa, as perdas seminaes involuntárias, o onanismo, o abuso dos prazeres sexuaes, e diversas diatheses ou cachexias como a syphilitica, a paludosa, etc., podem ser causas de dyspepsia, ou porque subtraião ao estomago uma parte do influxo nervoso que lhe é destinado, ou porque destruão as condições de equilíbrio entre as forças e funcções vitaes, ou porque alterem o sangue, ou, emfim, porque tragão uma atonia de todo o organismo. Causas determinantes. -• Um excesso na alimentação ou nas bebidas, a má distribuição nas refeições, uma alimentação insufficiente como as das pessoas que jejuão constante mente, das que vivem na miséria, que em virtude de uma sobriedade mal entendida se alimentão mui parcamente, dando em resultado diminuição dos productos uteis da digestão, o uso de alimentos e bebidas de má qualidade, como das carnes gordas, as carnes seccas, as partes visceraes como o fígado, bofe, etc., as gorduras e os alimentos já alterados, o pão crú, as massas, as frutas verdes, etc., as bebidas espirituosas em excesso como a aguardente, o cognac, a cerveja, etc., os alimentos solidos ou líquidos muito quentes como o chá, o café usado por muitas pessoas, são causas que contribuem poderosamente para o apparecimento da dyspepsia. A mastigação e a insalivação insufficientes, provenientes ou da alteração no apparelho dentário, ou por precipitação na alimentação, assim como a alteração nos princípios constituintes da saliva, a mudança de reacção, a presença de princípios novos como o pus, etc., podem também, segundo alguns médicos, determinar a dyspe- psia, ou porque tragão, irritando, uma hyperhemia da mucosa, ou 50 ainda porque, faltando o sueco salivar, os alimentos feculentos soffrão só mais tarde sua transformação. A influencia de certos liabitos, como o abuso dos vomitivos e dos purgativos, determinando, como o dos estimulantes, um enfraque- cimento da excitabilidade, ou uma irritação permanente do estomago, o uso e abuso de certos medicamentos, quer determinem uma acção irritante sobre a mucosa gastrica como o nitrato de prata, a digitalis, os saes de quinina, os mercuriaes, o iodo, os balsamos, etc., quer diminuão ou embotem a energia das funcções digestivas, como o opio e seus alcaloides, o meimendro, a belladona, etc., são muitas vezes causas desta nevrose. O uso immoderado do tabaco, quer fumado, quer aspirado, po- dendo sobretudo neste ultimo caso chegar, ainda que poucas vezes, uma porção ao estomago, por suas propriedades irritantes e stupefa- cientes, pode determinar uma exageração nas secreções e um relaxamento da túnica muscular; além disso, elle exerce, quando fumado em excesso, um enfraquecimento notável sobre o systema nervoso, do qual o estomago não pode deixar de resentir-se. Muitas outras causas podem ainda determinar a dyspepsia, e que só confusamente podem ser nomeadas, como uma gastrite clironica, um cancro ou ulcera do estomago, as emoções moraes que abalão profundamente o systema nervoso, um accesso de cólera, o terror, uma forte dor, uma noticia inesperada, um violento exercício mus- cular, os banhos geraes frios ou quentes trazendo uma congestão para os orgãos internos ou provocando um grande afíluxo de sangue para a peripheria, as emissões sanguíneas, como as sanguesugas, as hemorrhagias traumaticas, por perturbar a circulação e inner- vação gastricas, as bebidas muito frias ou geladas, trazendo a suppressão da hyperhemia normal e necessária para a digestão, etc. Symptomatologia.-Dyspepsia aguda accidental ou indigestão. -Os phenomenos que caracterisão a dyspepsia aguda accidental são 51 muito variaveis quanto á sua intensidade, podem ser mais ou menos graves, e para tornar o estudo mais methodico estabelecemos de ac- côrdo com os autores as formas seguintes : branda, média e intensa ou grave. Fórma branda.-Nesta fórma o doente sente um máo-estar in- definido, tendencia ao repouso, peso e distensão da região epigastrica, eructações frequentes, cujo cheiro assemelha-se desagradavelmente ao sabor dos alimentos e bebidas ingeridos, boca sêcca, pastosa, sede mais pronunciada, pulso mais frequente, bocejos e pouca ap- tidão aos trabalhos do espirito e do corpo. Este complexo de symptomas, que se mostrão ordinariamente pouco depois das refeições, persistem por algumas horas ; depois tende a regularisar-se e segue seu curso normal, quer em consequência de meios hygienicos em- pregados, ou porque a indigestão se tenha tornado intestinal, e promova evacuações mais ou menos abundantes. O appetite diminue por um tempo mais ou menos longo. Fórma média. - Esta fórma offerece a principio o mesmo quadro symptomatico que a primeira, porém com mais intensidade e O epi gastro, mais ou menos fortemente distendido, é então séde de con- tracções e de dores espontâneas bastante fortes ; a percussão do estomago dá um som obscuro ou tympanico, conforme a distensão é causada por alimentos ou por gazes. Ao mesmo tempo apparecem arrotos frequentes, ácidos, azedos e inodoros ; nauseas, salivação exagerada e vomitos alimenticios frequentes, que podem se tornar biliosos, caso elles continuem depois de completamente evacuado o estomago destas substancias. Além destes symptomas, sobrevêm outros geraes, taes como febre mais ou menos intensa, calefrio, pulso cheio e accelerado, face vermelha, conjunctivas injectadas, peso de cabeça ou verdadeira cephalalgia. Outros doentes ha que apre- sentão um cortejo diverso de symptomas : suores frios com res- friamento para as extremidades, face pallida, pulso pequeno, 52 depressivel, perturbações para o lado da visão e debilidade geral a ponto de terem vertigens. Fôrma intensa ou grave.- Ainda mais intensos e mais graves são os symptomas que marcão esta fórma, que podemos considerar como excepcional. Assim, a distensão do estomago é levada a ponto de impedir a regularidade da respiração e dos movimentos cardiacos, ameaçando a todo o instante suffocar o doente; os arrotos, as nauseas e os vomitos, que nesta fórma são difficeis, apparecem produzindo grande allivio ao doente, e quando elles não se apresentão podem dar-se então accidentes mais graves, como a ruptura do estomago, que é rara, uma syncope mortal, uma congestão ou uma hemorrhagia ce- rebral. A febre é muito intensa, a pelle torna-se quente, o pulso cheio, frequente e forte, a face túrgida, os olhos vermelhos e brilhantes, e emfim o doente apresenta-se com tonteiras e cephalalgia mais ou menos intensa. Outras vezes os symptomas são diversos: o doente apresenta-se pallido, profundamente abatido e sujeito a syncopes, pulso pequeno e filiforme, e extremidades frias. Outros cahem em uma somnolencia ou coma com resolução dos membros, respiração lenta, pulso fraco e accelerado, e emfim casos ha em que estes symptomas se complicão com convulsões epileptiformes muito violentas. A maior parte, porém, desses symptomas assustadores desta fórma desapparece com os vomitos ou as evacuações, quando são comba- tidos energicamente. Dyspepsia aguda temporária . - As funcções digestivas se en- fraquecem, tornão-se difficeis e dolorosas pela irregularidade do re- gimen, má preparação dos alimentos, fadigas excessivas, lautas refei- ções succedendo á abstinência. Se essas causas continuão, os symp- tomas tornão-se mais pronunciados, conservando-se apenas o appetite que, quando satisfeito em excesso, é acompanhado no fim de algumas horas de flatulência, gastralgia, acidez; as refeições da tarde trazem 53 dyspepsias nocturnas pronunciadas; o somno se perturba; sobrevêm o emmagrecimento, a pallidez, a inquietação, tornando o estomago depois de alguns dias susceptivel, irritável e mesmo rebelde. Dvspepsia chronica.- Fôrma flatulenta.-Esta fórma de dys- pepsia, talvez a mais frequente de todas, é caracterisada por uma superabundância de gazes nas vias digestivas. Como sabemos, no es- tado de saúde existe normalmente uma certa quantidade do gazes, no apparelho digestivo, e que esses gazes favorecem o cumprimento de suas funcções. Sua presença não é pois patliologica senão quando é exagerada, o que se traduz por perturbações mórbidas. E ordinariamente duas ou tres horas depois das refeições que se produz a flatulência, podendo variar mesmo no mesmo individuo sem razão alguma apparente. Podemos distinguir dous gráos na flatulência estomacal. No pri- meiro, que é o mais brando e mais ordinário, atumefacção do es- tomago determina uma sensação de máo-estar, mais incommodo que doloroso; todavia, se as vestes se achão muito apertadas, este in- commodo póde ser substituído por uma dôr surda na região epi- gastrica e nos hypochondrios. Depois de uma estada variavel no es- tomago, os gazes, que ordinariamente são inodoros e insipidos, são expellidos pela boca, produzindo grande allivio, porém de curta du- ração, pois que elles se reproduzem com uma rapidez e persistência desesperadora emquanto dura a digestão estomacal. Sua terminação faz cessar a flatulência e o máo-estar que produzia. Apezar desta perturbação funccional, a saúde conserva-se satisfac- toria, bem como o appetite. O segundo gráo não é senão a exageração do primeiro. Quer a producção dos gazes seja excessiva, ou que estes gazes, em logar de serem expellidos, como na precedente, sejão retidos e se accumulem no estomago, este orgão póde tumefazer-se a ponto que sua fórma se desenhe através das paredes abdominaes. Então não é mais um 54 máo-estar que experimenta o doente, porém verdadeiras dores, uma especie de cólica para o epigastro, sob as falsas costellas, e até na região dorsal correspondente. Ainda a distensão excessiva do estomago determina o recalcamento das paredes thoracicas; dahi perturbações mais ou menos notáveis na respiração e na circulação, bocejos, oppressão, e em alguns casos uma verdadeira suffocação. A estes phenomenos,já muito penosos e assustadores para o doente, se ajuntão ordinariamente palpitações e em alguns casos irregulari- dade nos batimentos cardíacos. Com effeito, este orgão é recalcado para cima com o diapliragma, e sua posição, de ligeiramente obliqua que era normalmente, torna-se quasi horizontal e superficial, o que póde ser verificado pela apalpação, auscultação e percussão. Assim as bateduras parecem dar-se debaixo da mão, o ouvido percebe os ruidos mais fortes, mais claros e em um ponto do peito mais elevado. Emfim a percussão dá som tympanico na região ordinariamente occu- pada pelo coração e agora occupada pelo estomago; ao mesmo tempo nota-se obscuridade ácima da região cardíaca. Esses phenomenos desapparecem ordinariamente com a expulsão dos gazes; quando, porém, isso não se dá, ou dá-se insuíficientemente, o doente empallidece, o rosto cobre-se de suor, e póde mesmo ser atacado de syncope. O temperamento nervoso é o que mais predispõe a esta fórma de dyspepsia; bem que frequente 'no homem, é ainda mais commum na mulher e nas pessoas delicadas ou debilitadas. A falta de exercício corporal, a vida sedentária, a compressão exercida sobre o ventre pelas vestimentas, a precipitação nas refeições, o uso de alimentos grosseiros ou de digestão difficil produzem com frequência esta fórma de dyspepsia. O regimen vegetal e em particular os legumes e os feculentos favorecem também a producção dos gazes digestivos. Fórma gastralgica. - Nos casos brandos, ou no começo dos casos mais intensos, os doentes dizem sentir o estomago, experimentão 55 sensações mais ou menos penosas de incommodo, peso, plenitude ou distensão ao nivel do epigastro. Não ha dor propriamente dita neste periodo. Porém a dyspepsia tem já alguma duração, a constituição e o temperamento do individuo se prestão: então as sensações prece- dentes são substituidas por verdadeiras dôres, analogas por sua in- tensidade ás das nevralgias; a dyspepsia reveste a forma gas- tralgica. Algum tempo, e algumas vezes mesmo immediatamente depois da ingestão dos alimentos, os doentes sentem no estomago dôres, cuja violência e caracter são muito variaveis: ora são picadas, repuxa- mentos penosos, ora a dor é aguda, lancinante, ou terebrante, outras vezes é uma sensação de contusão, de despedaçamento, de queima- dura, etc. Alguns doentes comparão a dor que sentem á que produ- zem as caimbras ou contracçÕes dos musculos voluntários, e com especialidade dos musculos da perna ou da planta dos pés. Quando essas dôres são muito intensas, os soffrimentos do doente exagerão-se, a ponto de lhe não permittirem posição alguma com- moda. Para uns a posição assentada com o tronco inclinado para diante parece a melhor; outros só se sentem um pouco alliviados com o caminhar apressadamente; outros, emfim, não podendo con- servar nenhuma dessas posições, atirão-se ao chão, rolão e se estorcem sem encontrar o mais pequeno allivio para essa dôr que tanto os desespera. Quasi sempre todos esses phenomenos assustadores se dissipão, apenas se completa o trabalho digestivo, ou ainda quando as subtancias ingeridas são expellidas pelo vomito. A séde da dôr é tão variavel como a sua fórma. Manifesta-se ordina- riamente na axilla e se propaga para os hypochondrios e dorso, onde ella é ás vezes muito intensa, ao longo das vertebras dorsaes, entre os hombros ou na ponta do omoplata. Outras vezes ella se irra dia para os espaços intercostaes. Estas especies de dôres podem mesmo apresentar-se mais fortes que a do estomago, a ponto de a encobrir completamente e de fazer crer na existência de uma lesão organica. 56 A dôr tem uma duração mais ou menos longa, porém geralmente inversa de sua intensidade, podendo entretanto persistir algumas horas com grande violência. Quanto ao momento de sua apparição, é muito variavel: quando pouco intensa, ella se dec Iara pouco tempo depois da ingestão dos alimentos; quando mais violenta, pelo contrario, ella póde mostrar-se em todos os periodos do trabalho digestivo. Seu caracter constante é sua coincidência com a digestão. E o que dis- tingue sobretudo a dyspepsia gastralgica da gastralgia propriamente dita. Esta ultima é ordinariamente uma affecção primitiva, e comple- tamente independente das difliculdades do trabalho digestivo; ella se mostra com este caracter nas pessoas de um temperamento ner- voso e coexiste com outras nevralgias que se succedem ou se substi- tuem mutuamente. Como todas as nevralgias, ella apparece em inter- vallos irregulares, muitas vezes fóra do tempo da digestão, que torna-se facil. A ingestão dos alimentos póde mesmo allivial-a, assim como uma compressão larga e branda sobre o epigastro. Esta fórma de dyspepsia observa-se principalmente nas pessoas nervosas em consequência de pezares ou preoccupações prolongadas, de trabalhos intellectuaes excessivos, de irregularidades de regimen, de excesso de mesa, de alimentação grosseira ou muito pouco sub- stancial. E menos commum, porém mais penosa e ordinariamente mais assustadora que a fórma fíatulenta. Fórma acida. -Como a flatulência e a gastrodynia, é a acida uma das formas mais communs da dyspepsia. Seu symptoma predomi- nante é a acidez mais ou menos pronunciada das matérias contidas nas vias digestivas, como a superabundância de gazes e a dôr predo- minão nas formas precedentes. Tres são os gráos desta fórma, simples azia, pyrosis e dyspepsia grave. Certas circumstancias etiologicas parecem produzir a dyspepsia acida : assim a chloro-anemia, uma constituição fraca ou enfraque- cida, quer pelo trabalho, quer pelos excessos, a vida sedentária dos 57 indivíduos de gabinete, bem como o abuso da alimentação feculenta e assucarada. No primeiro gráo, quando a dyspepsia se limita á simples azia, seus symptomas são pouco numerosos, e sua marcha é ordinariamente a seguinte : depois de uma refeição na qual tenhão prevalecido os prin- cípios feculentos e assucarados, a digestão se perturba, o doente sente máo-estar, peso na região epigastrica, arrôtos de sabor acido se produ- zem pouco a pouco, algumas vezes mesmo vomiturações acidas. Estes accidentes se prolongão por um tempo mais ou menos longo, depois a funcção volta a seu estado normal e o máo-estar desapparece com a azia. A pyrosis não é mais do que um gráo de acidez mais pronunciada. Na pyrosis as eructações, mais frequentes que no caso precedente, produzem uma sensação picante de calôr e de acidez na boca poste- rior e no epigastro. Uma vez declarada a pyrosis, pode persistir com uma intensidade pouco mais ou menos a mesma, até á terminação da digestão ; porém as mais das vezes essa sensação pic ante de calôr se renova com cada eructação, e vai diminuindo p ouco a pouco á medida que a elaboração dos alimentos se approxima do seu fim. A pyrosis não é sómente produzida ou entretida por eructações acidas ; os arrôtos, em logar de gazosos, podem ser alimentícios. Or- dinariamente se dão sem esforços, são vomiturações ora exclusivamen- te liquidas, ora semí-liquidas e misturadas com parcell as alimentícias; outras vezes, entretanto, os doentes se apresentão com n auseas e verda- deiros vomitos. O appetite geralmente diminue, e se não se intervem em tempo opportuno e de um modo efficaz, a inappetencia pode tornar-se com- pleta, os vomitos se repetir frequentemente, e a affecção tomar a fórma grave. A fórma grave se revela a principio por um ligeiro embaraço gás- trico, diminuição e logo após perda do appetite, pulso ligeiramente accelerado, nauseas e uma acidez mais ou menos notável da saliva e do hálito ; epigastro ligeiramente doloroso. 58 Com a continuação destes symptomas o doente é obrigado a con- servar-se no leito. A inappetencia torna-se ab soluta, a língua coberta de uma saburra branca, logo as vomiturações, os vomitos mucosos ou biliosos, sempre ácidos, succedem ás nauseas. A acidez do hálito cada vez se torna mais pronunciada; o cheiro acido de tal sorte se incrementa que chega a impregnar o ar do aposento do doente. A fraqueza, a frequência do pulso e a magreza progridem rapida e quotidianamente; o ventre se apresenta chato, indolente e menos sonoro que no estado normal, e tenaz constipação de ventre. Todos esses phenomenos continuando, os vomitos que a principio erão incoerciveis se moderão, o pulso torna-se mais frequente, vem grande elevação de temperatura e apparecem então os accidentes cerebraes, que ordinariamente precedem a morte apenas alguns dias. Se bem que esta fórma seja mais vezes observada na mulher durante o periodo da prenhez, não deixa todavia de fazer victimas independente desse estado, como o prova o Dr. Gruipon em algumas observações appensas ao seu excedente livro sobre as dyspepsias. Fórma atonica.- Esta fórma é caracterisada pela lentidão e diffi- culdade da digestão. E frequentemente observada nos indivíduos profundamente debilitados e enfraquecidos, quer em consequência de alterações nos elementos normaes do sangue, quer por uma causa debilitante geral, e em virtude da qual a constituição própria do indivíduo se tenha depauperado. Esta bradypepsia é tão pronunciada em alguns doentes, que as vinte quatro horas do dia apenas chegão para que seu trabalho diges- tivo se complete. Em geral ha perda de appetite, peso e distensão epigastrica, máo- estar geral, anxiedade, além dos symptomas geraes que resultão de uma digestão laboriosa e muitas vezes imperfeita. Comprehendemos sob esta fórma as variedades alcalina, dos solidas e dos liquidos de alguns autores, por isso que os phenomenos que caracterisão cada 59 uma delias são todos dependentes de uma mesma causa- a atonia da mucosa gastrica. A variedade alcalina ou neutra é frequentemente* observada nos individuos que usão quasi que exclusivamente de uma alimentação animal, e é devida á predominância de fluidos alcalinos no sueco gástrico. Caracterisa-se por sede contínua, propensão para os alimentos e bebidas acidas, boca pastosa e amarga, e nos casos graves podendo manifestarem-se vomitos biliosos. Segundo o genero de alimentação» esta variedade póde alternar com a acida. A variedade dos solidos é devida provavelmente a uma elaboração insufíiciente do sueco gástrico normal. Nesta variedade a ingestão de alimentos solidos, mesmo em pequena quantidade, determina uma diminuição no acto da digestão, caracterisada principalmente por peso e repuxamentos mais ou menos dolorosos do epigastro. A variedade dos liquidos é devida a uma diminuição da força absorvente dos vasos do estomago. Segundo o Dr. Chomel, esta variedade é caracterisada por uma especie de chocalhada apreciável á distancia, quando grande quantidade de liquidos tem sido ingerida e não tem encontrado da parte do estomago prompta absorpção. Forma bolimica. - A exageração do appetite, o crescimento anormal das forças digestivas e a ausência do bem-estar consecutivo á reparação das forças do organismo são seus symptomas caracteristicos. Casos ha em que a estes symptomas se reúnem a dôr, a acidez e vomitos pituitosos, e em alguns mesmo, segundo o Dr. Chomel, vomitos biliosos. Entretanto, estes phenomenos se acalmão ordina- riamente com a ingestão dos alimentos, para reapparecerem logo depois da rapida phase digestiva. Esta forma em algnns casos é tão exagerada que obriga o doente a alimentar-se seis, oito, doze vezes durante 24 horas, sem que todavia deixe de experimentar fadiga das pernas, langôr e fraqueza das concepções intellectuaes. Mesmo o somno é interrompido por esta fome mórbida. 60 Este estado póde prolongar-se por alguns annos, conservando o indi- víduo seu bem-estar. As funcçõesr intestinaes conservão-se regulares, sendo as evacuações proporcionaes á alimentação. Forma syncopal. -As lipothymias e as syncopes são os seus symptomas dominantes. É mais frequentemente observada nas pessoas fracas, impressionáveis e em estado de gravidez. Nesta forma, a digestão, sendo laboriosa e lenta, a menor fadiga ou emoção determina fraqueza do pulso e respiração, quéda das palpebras, enfraquecimento da sensibilidade, resfriamento das extremidades, estado este que póde prolongar-se por todo o tempo da digestão. Se as causas occasionaes dos phenomenos precedentes sorprendem o indivíduo assentado ou de joelhos, póde manifestar-se então uma verdadeira syncope. Forma hypercrinica ou pituitosa - E carecterisada pela produc- ção no estomago e depois expulsão pelo vomito de líquidos claros, albuminosos, glutinosos ou simplesmente aquosos, dando-se longo tempo depois da digestão. Estes vomitos têm ás vezes logar durante a noite, porém são mais communs pela manhã. Ora se dão com a maior facilidade poroccasião de um simples movimento, outras vezes, e mais raras, são precedidos de esforços violentos e dolorosos. Ainda é desconhecida a origem deste liquido pituitoso. O appetíte é quasi sempre diminuído e a defecação regular, sendo raras a constipação e a diarrhéa. Esta fórma é mais commum nos indivíduos que abusão das bebidas alcoólicas. Sobre a origem do liquido, diz o Dr. Gruipon que esta affecção deve ser classificada na categoria das nevrosescom hypersecreção. Segundo elle ainda, este liquido apresenta uma reacção alcalina, putrefaz-se rapidamente, não coagula o leite a quente, e exerce uma acção sensivelmente dissolvente sobre a fibra muscular. DIAGNOSTICO DIFFERENCIAL La Science du diagnostic tient le premiei rang entre toutes les parties de 1'arL et en est la plus utile et la pius difficile. Le discernement du caractère propre de chaque genre de maladie et de ses différentes espèces est la source des indications curatives. Sans un dia- gnostic exact et prècis, la théorie est toujours en défaut et la pratique souvent infidèle. Louis. Cancro do estomago Esta moléstia, que constitue, como dissemos tratando de sua etiolo- gia, uma das fôrmas mais frequentes da diathese cancerosa, póde apresentar muitas vezes, no ponto de vista do diagnostico, difficuldades taes que nos torna difíicil estudar as diíferentes formas sob as quaes podemos encontral-a. Em muitos casos, com effeito, se, depois da reunião dos signaes fornecidos pelo estudo geral e detalhado de todos os symptomas desta terrivel moléstia, nos é facil reconhecer a lesão, em muitos outros a ordem pela qual se apresentão os diíferentes symptomas indicados pelos autores, a maneira pela qual a lesão póde se achar encoberta por complicações taes como as moléstias do figado, do mesenterio, dos intestinos, e as diíferentes moléstias do estomago, ou algumas vezes mesmo, emíim, a ausência completa de signaes tornarão o diagnostico de uma tal difficuldade, que o observador se achará por muito tempo na duvida, e muitas vezes mesmo em uma impossibilidade absoluta de reconhecer a aífecção. Todavia ha dous symptomas que, embora não pathognomonicos, devem levar o medico ao diagnostico do 62 cancro do estomago, que são os vomitos negros e o tumor no epigastro ou em um dos hypocliondrios, acompanhando os movimentos do orgão. O vomito negro, que tem sido considerado por alguns autores como symptoma pathognomonico do cancro, está, porém, longe de sel-o, porquanto é observado em toda a ulceração de qualquer natureza que seja, como faz notar Brinton no estudo completo que fez, tratando da ulcera do estomago; se, diz elle, este phenomeno se encontra mais frequentemente no cancro, é que nesta affecção acontece ás maiâ das vezes que a hemorrhagia, sendo pouco considerável, o sangue, em vez de se apresentar então no estado de pureza, é expellido depois de ter soffrido a acção do sueco gástrico. Em um caso sómente o vomito será symptoma pathognomonico do cancro, quando com as substancias vindas do estomago puder se certificar a presença das cellulas caracte- risticas dessa affecção ; infelizmente esse signal não apparece senão quando a moléstia se acha perfeitamente declarada, quando, por conseguinte, a maior parte, senão todos os outros symptomas, tem já apparecido para fixar o diagnostico1; demais, é facil comprehender todas as difficuldades que apresentará a pesquiza destas cellulas cancerosas, misturadas com o sangue e com as matérias alimentícias. O vomito negro não é, pois, ainda um signal de certeza para reconhe- cer-se o cancro, e não é senão junto a outros symptomas, taes como a dor, a anorexia, o emmagrecimento ou o tumor, que podemos estabe- lecer um diagnostico certo. A presença do tumor é de grande valor; todavia, como diversas causas podem produzir esse phenomeno no epigastro, para que não sejamos induzidos a erro, deveremos prestar-lhe toda a attenção de modo a não tomarmos por tumôr da cavidade gastrica o que se acha situado em algum dos orgãos vizinhos. Assim, uma hérnia da linha branca, um tumôr do figado, do pancreas, um accumulo de cálculos na vesícula biliar, de matérias fecaes no colon transverso, um aneurisma da aorta ao nivel do tronco coeliaco, podem levar a 63 erro o pratico que não prestar a devida attenção ao exame do tumor, empregando os diversos methodos exploratorios, como a percussão, a apalpação, variando as posições do doente, observando a mobilidade do tumôr, e que não attender aos phenomenos consecutivos á sua existência. Cancro e ulcera É extremamente difficil o diagnostico differencial entre estas duas affecções ; confirmão esta opinião os erros que constantemente com- mettem médicos eminentes pelo talento, longa pratica e vastos co- nhecimentos. E sobretudo no cancro em começo, quando tem feito ainda poucos progressos, que nós nos achamos mais expostos ao erro. Entretanto ha ainda um certo complexo de signaes que devem guiar o medico. A ulcera simples começa ordinariamente de uma maneira aguda, que dura mais ou menos tempo, depois sobrevem uma remissão de todos os symptomas, e tudo se acalma momentaneamente ; mais tarde a moléstia retoma sua marcha para de novo desapparecer e terminar-se muitas vezes por uma cura completa. No cancro, pelo contrario, o começo é lento, os symptomas se desenvolvem pouco a pouco; demais, uma vez desenvolvido, o cancro não pára em sua marcha invasora, nunca se observão essas alternativas para melhor ou para peior, e essas remissões que dissemos como pertencendo propriamente á ulcera. A diminuição do appetite, attingindo mesmo á anorexia, é um symptoma frequentemente observado no cancro; na ulcera não ha anorexia; se os doentes affectados desta moléstia privão-se, como dissemos tratando da symptomatologia, o mais que podem de ingerir 64 alimentos, é isso em consequência das dores atrozes de que são victi- mas por essa occasião. Estas affecções são ambas ordinariamente acompanhadas de dor ; no cancro, em que esse elemento algumas vezes falha, a dor, de carác- ter variavel, é pouco intensa, surda, lancinante, c ontínua, localisada no epigastro com propagação para o dorso, e raras vezes augmen- tando pela pressão ou ingestão dos alimentos ; na ulcera a dor é mais aguda, urente, terebrante, fixa nos pontos ditos xyphodiano e rachidiano, apresenta remissões e exacerba-se sempre pela pressão e ingestão de alimentos. Os vomitos de alimentos não têm por si grande valor; entretanto, se apparecem tardiamente, sendo expellidos por elles substancias alimentares ingeridas dous, tres dias antes, sobretudo se são nluito abundantes, se os alimentos vêm acompanhados de grande quanti- dade de liquidos azedos, e não produzem influencia alguma benefica ntos soffrimentos do doente, isso indicará uma afiecção cancerosa. Na ulcera os vomitos têm logar sobretudo depois da ingestão dos ali- mentos, e são acompanhados de accessos dolorosos, que constituem, até certo ponto, uma crise terminal. As hemorrhagias são mais frequentes na ulcera, sobretudo se forem abundantes, quer seja reconhecida sua existência pela hematemese, pela cor e consistência das fezes (meloejia), quer pelos symptomas de hemorrhagia interna. No cancro também podem ter logar extra- vasações sanguineas, porém são em geral pouco consideráveis, e quando isso se dá só apparecem depois da sua ulceração, isto é, nos últimos periodos da affecção, quando ordinariamente não ha mais du- vida sobre o diagnostico. A existência do tumor não é razão para que o medico estabeleça logo o diagnostico de um cancro do estomago ; porquanto, como bem diz Woillez, em seu diccionario, a ulcera do estomago dá logar muitas vezes á exsudações plasticas, que, espessando-se, podem nos dar pela apalpação a sensação de um tumôr, e pela percussão um som 65 obscuro, fazendo-nos assim acreditar erradamente na existência de um tumor canceroso. A dilatação do estomago desenhado algumas vezes nas paredes do ventre, e nos casos de tumor, sua pouca sensibilidade á pressão, são phenomenos indicativos do cancro. O regimen dietetico, algumas vezes prejudicial, é sem proveito no cancro, emquanto que na ulcera é um meio muito efiicaz, melhorando ordinariamente em poucos dias as condições do doente. A alimentação lactea, que falha completamente no cancro, e produz na ulcera simples resultados admiráveis, é para Cruveilhier a pedra de toque para o diagnostico differencial destas duas affecções. Ainda vem corroborar essa opinião o seguinte trecho de Nonat, tratando da ulcera: « Une desparticularités les plus remarquables de cette affec- tion et qui plus d'une fois m^a suffi pour en établir le diagnostic, dest la tolérance parfaite de Vestomac pour le lait, alors que la plupart des aliments et des boissons sont obstinément rejetés par le vomissement. » No cancro o periodo cache tico apparece mais rapidamente que na ulcera, e caracterisa-se pela cor de palha da pelle, que se torna secca e rugosa, pelo oedema dos membros, engurgitamento dos ganglios lym- phaticos, principalmente os sub-claviculares. A phlegmasia alba dolens é para Trousseau um symptoma de grande importância para o diagnostico do cancro; assim, diz este ce- lebre clinico, todas as vezes que se hesitar no diagnostico entre uma gastrite chronica, uma ulcera ou um cancro, a presença de uma phlebite obliterante dissipará immediatamente toda a incerteza, e o medico poderá pronunciar-se pelo cancro. A idade do doente pode também auxiliar grandemente o medico; como vimos, tratando da etiologia, o cancro se apresenta ordinaria- mente dos 30 aos 50 ou GOannos; assim, pois, serão tanto maiores as probabilidades em favor da ulcera, quanto mais se acharem os in- dividuos em questão áquem dos 30 ou além dos 60 annos de idade: deveremos ainda, attender bastante á herança e á nreexistencia de um 66 tumôr canceroso; aos commemorativos, procurando saber se um ou mais membros da familia fallecêrão victimas da moléstia cancerosa, ou se o proprio doente teve um tumôr maligno em qualquer outro orgão, pois só assim poderemos, sem medo de errar, estabelecer o nosso juizo exacto. Finalmente, de marcha contínua, o cancro do estomago tem uma duração, termo médio, de 12 a 15 mezcs, e nunca se prolonga por mais de tres annos, segundo Brinton ; na ulcera, pelo contrario, não só sua marcha não é contínua, como dura, termo médio, de tres a cinco annos, podendo viver os indivíduos affectados dessa affecção ordi- nariamente por muito tempo, de tres a 30 e mesmo 35 annos, segundo o autor acima citado. Cancro do estomago e gastrite catarrlial chronica Torna-se em alguns casos extremamente difficil estabelecer-se o diagnostico differencial entre o cancro e a gastrite clironica, sobre- tudo quando esta se acha em um periodo adiantado. No cancro as dores são mais vivas e se manifestão tanto no estado de vacuidade como depois das refeições. Os vomitos alimentares se dão em ambas as affecções ; todavia no cancro elles apresentão de particular o serem no começo irregulares, inconstantes e muitas vezes electivos; em um periodo avançado da affecção tornão-se frequentes, e têm logar em um tempo mais ou menos longo após as refeições, segundo a sede do tumor canceroso; emfim, vê-se as substancias in- geridas não serem rejeitadas senão, algumas vezes, dous ou tres dias depois de introduzidas no estomago. Na gastrite clironica são menos frequentes, e os alimentos não se conservão tanto tempo nesse orgão. Os vomitos pretos, cor de borra de café, são ainda um signal em 67 favor do cancro, pois que as hematemeses observadas na gastrite chronica são excessivamente raras, não se tendo podido observar senão nos últimos dias da moléstia . Quando na gastrite chronica ha uma hypertrophia pronunciada das paredes do estomago, sua apalpação nos dá a sensação de um tumor achatado, mal limitado sobre seus bordos e pouco saliente. No cancro, pelo contrario, percebe-se um tumor liso ou desigual, mais ou menos movei, inteiramente obscuro á percussão e ordinaria- mente doloroso á pressão. O estado geral tem também grande im- portância, pois na gastrite chronica o enfraquecimento e o emma- grecimento é menos rápido que no cancro, não se observa a côr própria da diathese cancerosa, a pelle não é secca, rugosa; ha al- gumas vezes febre, que, ou manifesta-se continuamente, ou por um ligeiro augmento de temperatura á tarde. Emfim, o pratico deverá ainda attender á idade, pois que muitas vezes a gastrite tem logar na mocidade, o que não se dá senão ex- cepcionalmente com o cancro; aos antecedentes e collateraes dos doentes, sendo a diathese cancerosa transmissível por herança, e á marcha da affecção. Ulcera simples Sabemos que a existência da ulcera pode ser ignorada durante muito tempo, que nenhum dos symptomas observados durante a marcha desta affecção é constante, e que nenhum constitue um signal pathognomonico ; comprehende-se, pois, facilmente que esta moléstia seja muitas vezes confundida com outras moléstias do estomago, so- bretudo no comêço. De modo que no estado actual da sciencia o diagnostico differencial da ulcera simples acha-se cercado de difficul- dades ; porém, como diz Cruveilhier: « s'il n^st pas toujours possible 68 d'établir le diagnostic de cette lésion d'une manière positive., onpourra au moins en soupçonner la présence et la faire entrer comme élêment dans le calcai des probabilités, notre seul refuge pour le diagnostic d'organesinaccessibles à nos moyens directs d'observation » ; accrescen- taremos que, procedendo-se por via de exclusão ou de eliminação, poder-se-ha ás mais das vezes chegar a uma somma de probabilidades vizinha da certeza. Tendo já estabelecido o diagnostico differencial entre a ulcera e o cancro, trataremos em seguida de differençal-a da gastrite chronica e da gastralgia, reservando-nos para quando tratar da dyspepsia o diagnostico differencial dessas duas affecções. Ulcera e gastrite catarrlial chronica Nos bastará lembrar que alguns autores têm confundido a ulcera simples e a gastrite chronica, para fazer ver quanto são communs os symptomas destas duas affecções e que difficuldades o diagnostico deve muitas vezes apresentar. Julgamos todavia que na maior parte dos casos chegar-se-ha a distinguir estas duas affecções pelo complexo das considerações seguintes. A gastrite clironica é raras vezes primitiva, quasi sempre se des- envolve no decurso de uma moléstia, e sobretudo da phtysica. Se denuncia por nauseas e vomitos biliosos frequentes; os vomitos ali- mentares são raros e as hematemeses mui excepcionaes. O contrario tem logar para a ulcera simples: os vomitos biliosos raras vezes se dão, emquanto que os vomitos alimentares e sanguíneos se observão quasi sempre durante a marcha da affecção. No começo da gastrite chronica, ha febre com calefrios e calôr; a dor epigastrica é pouco viva, ás vezes nulla, e nunca se encontra o 69 ponto dorsal; as nauseas são sempre muito frequentes, e ás vezes persistem durante muito tempo. A constipação não é constante na gastrite chronica. Se a marcha é irregular, não apresenta, porém, estas remissões muito frisantes que se observão na ulcera. A lingua vermelha na pontaé coberta de um endueto esbranquiçado ou amarellado; ahi vê-se ás vezes papillas vermelhas, salientes. Na ulcera, a lingua, de ordinário normal, póde se apresentar ver- melha e lisa, segundo Niemeyer; a boca é secca, amarga, e muitas vezes encontra-se ahi uma stomatite aphtosa muito rebelde, que não desapparece momentaneamente senão para reapparecer logo. As crises atrozes de dor que têm logar frequentemente na ulcera não se dão na gastrite chronica. Cruveilhier diz que os vomitos negros nunca têm logar na gastrite chronica, entretanto elles têm sido observados algumas vezes, e Trousseau cita algu ns exemplos. Todavia, quando se vê sobrevir entre os symptomas que havemos exposto uma hematemese ou evacuações negras, deve se crêr sobretudo em uma ulcera. Entretanto, apezar de todo o cuidado que se dispensa no exame do doente, ha casos em que não se póde estabelecer o diagnostico diffe- rencial ; o que deve consolar-nos de nossa impotência é o tratamento, que é o mesmo em ambas as affecções. Ulcera simples e ffastralffia É de grande importância o diagnostico differencial destas duas affecções ; porquanto, variando a therapeutica a empregar em um e em outro caso, é claro que uma confusão de diagnostico, acarretando uma medicação inconveniente, aggravará o estado do doente. Procuraremos rapidamente estabelecer os dados principaes que devem afastar o medico de uma confusão tão prejudicial. 70 Na gastralgia, as dores são bruscas e súbitas em sua apparição e desapparecem completamente durante um tempo variavel; ordinaria- mente não apresentão esta persistência que se observa na ulcera, e não são bem circumscriptas á região epigastrica; uma forte pressão exercida methodicamente e a ingestão de alimentos as allivia muitas vezes; os accessos têm logar sobretudo em jejum. As que dependem de uma ulcera apresentão-se ordinariamente no ponto xyphoidiano cor- respondendo ao rachidiano, para os quaes, por diversas vezes, temos chamado a attenção, exasperando-se pela pressão, embora methodica, e pela ingestão de alimentos ; os accessos dolorosos succedem quasi sempre ás refeições. Os vomitos são raros na gastralgia ; Valleix não os encontrou senão sete vezes em trinta e sete observações; quando existem, apparecem em uma época mais ou menos afastada da ing estão dos alimentos, são mucosos e líquidos, e os alimentos solidos são quasi sempre conservados; nunca ha hematemeses. A ulcera determina vomitos frequentes, e nas matérias vomitadas se encontrão substancias ingeridas, solidas e liquidas indistinctamente, misturadas em alguns casos com sangue puro ou alterado, e apparecendo ordinariamente logo depois das refeições. Na gastralgia o appetite é exquisito, a nutrição conserva-se intacta por muito tempo, observão-se phenomenos nervosos de diversas espe- cies, taes como palpitações, hemicranias, vertigens, zunido dos ouvidos, hysteria; na ulcera o appetite, algumas vezes diminuído, é ordinariamente normal, o depauperamento considerável, sendo raros os symptomas nervosos. Os caracteres distinctivos tirados da mocidade, do sexo feminino, coincidindo com a chlorose, a esterilidade, fallão em favor da natureza nervosa dos accessos dolorosos ; entretanto não devemos dar grande valor a esses caracteres, pois que é justamente nessas condições, re- putadas próprias para a gastralgia, que a ulcera tem sido muitas vezes encontrada. 71 Gastrite catarrhal aguda O diagnostico da gastrite catarrhal aguda não apresenta ordinaria- mente grande difliculdade. Uma cephalalgia supra-orbitaria intensa de fôrma gravativa, exas- perando-se pelo ruido e pela luz, a dor epigastrica surda, espontânea ou mais vezes provocada pela pressão, a do hypochondrio direito pela congestão do fígado, a lingua larga, coberta de saburra esbran- quiçada ou amarellada, insipida ou amarga, o hálito fétido, as regur- gitações biliosas, as eructações, o abahulamento da região epigastrica e mesmo do ventre, a constipação, outras vezes a diarrhéa biliosa, a anorexia, a côr sub-icterica da face mais pronunciada nos sulcos naso-labiaes e nas conjunctivas scleroticaes, as vertigens, a insomnia, e, em crises mais intensas, a febre de typo remittente, de exacerbação vespertina, os ligeiros calefrios com abatimento algumas vezes muito pronunciado, os suores matutinos, os furunculos generalisados, a herpes labial e as manchas azuladas, sobretudo no ventre, são ossymp- tomas que, mais ou menos reunidos, levão ás mais das vezes o medico ao diagnostico de uma gastrite catarrhal aguda, branda ou grave, segundo a rebeldia dos phenomenos morbidos. Em sua fôrma branda a gastrite catarrhal aguda pôde se confundir com a dyspepsia, e em sua fôrma grave com a gastralgia e a gastrite toxica, de cujos diagnósticos differenciaes passamos a tratar. Gastrite catarrhal aguda e dyspepsia A gastrite catarrhal aguda de fôrma branda, ou embaraço gástrico, é confundida algumas vezes com a dyspepsia, não tanto no em- baraço gástrico ordinário, acompanhado de um ligeiro estado febril 72 e cedendo promptamente á intervenção therapeutica, porém sobre- tudo quando essa mesma indisposição se reveste de tenacidade, de uma marcha até certo ponto chronica, reapparecendo depois de haver desapparecido pelos meios curativos os mais sabiamente dirigidos; todavia mesmo nesses casos existe um complexo de symptomas que esclarecerá o nosso juizo sobre a natureza da moléstia. Em ambos os casos, o apparecimento mais rápido dos symptomas, a diminuição quasi completa do appetite, ás vezes anorexia absoluta, a lingua coberta de uma camada mais ou menos espessa de saburra branco-amarellada, a boca pastosa e amarga, o hálito fétido, a cor sub-icterica dos sulcos naso-labiaes e das scleroticas, a cephalalgia frontal gravativa, um movimento febril sobrevindo a certas horas do dia para as duas fôrmas, taes são os symptomas, positivos e quasi sempre sufficientes, do embaraço gástrico, em que o medico se deve basear para estabelecer o diagnostico. Nos casos mais obscuros, podem guiar o juizo do medico os effeitos geralmente favoráveis obtidos, no caso de embaraço gástrico, pelos meios evacuantes combinados á dieta e substituidos depois por alguns tonicos amargos. Gastrite catarrhal aguda e gastralgia E muitas vezes difficil distinguir uma gastralgia, quando se apresenta com caracter agudo, da febre gastrica, pela analogia de alguns symptomas ; todavia, se o medico prestar a devida attenção, principalmente aos phenomenos de que vamos tratar, essa duvida desapparecerá. Na gastrite catarrhal aguda lia dor que a pressão exaspera sempre, anorexia ou inappetencia absoluta para os alimentos, vomitos fre- quentes, biliosos, seguindo de perto as refeições, e febre mais ou 73 menos intensa; na gastralgia a dor é espontânea, acalmando-se muitas vezes por uma pressão methodicamente feita com a palma da mão, não ha ordinariamente anorexia, os vomitos não sobrevêm senão algum tempo depois das refeições, são muito menos frequentes c nunca biliosos, porém compostos de alimentos ou mucosidades, não ha febre. As dores da gastrite aguda são provocadas ou exageradas imme- diatamente pela ingestão dos alimentos, emquanto que na gastralgia este effeito não tem logar, e, quando elle se apresenta, não é senão algum tempo depois das refeições ; muitas vez. s mesmo a , ingestão de alimentos modera e faz desapparecer as dores. Gastrite catarrhal aguda e gastrite toxica O diagnostico differencial entre a gastrite catarrhal aguda de fórma grave ou febre gastrica e a gastrite toxica não será diflicil, se attendermos a que nesta ultima os phenomenos sobrevêm com mais rapidez e são revestidos de maior intensidade que na primeira; demais, o estado da boca, quando se trata de venenos cáusticos, a marcha, a duração e sobretudo os commemorativos esclarecerão extremamente o juizo do medico. Gastrite catarrhal chronica Uma dor surda, pouco intensa, exagerando-se sobretudo durante o trabalho da digestão que ordinariamente é lento; sensação de plenitude, de pressão, de distensão do estomago; eructações, palpi- tações terminando-se com a digestão estomacal; vomitos alimentares de matérias viscosas ou biliosas: a existência de um movimento 74 febril apparecendo por intervallos ; emfim, os phenomenos sympa- thicos que apparecem para o lado do systema nervoso,' o estado geral, a marcha e o modo de invasão da moléstia: taes são os elementos por meio dos quaes podemos chegar ao diagnostico. As moléstias gastricas que com ella se podem confundir são : o cancro, a ulcera simples, a dyspepsia e a gastralgia; tentaremos differençal-a das duas ultimas, e a respeito das duas primeiras nada mais accrescentaremos ao que ficou dito, quando tratámos do diagnos- tico differencial entre ellas e a gastrite chronica. Gastrite chronica e dyspepsia A dyspepsia apresenta alguns symptomas idênticos aos da gastrite chronica; todavia esses symptomas apresentão caracteres diversos. Assim, na dyspepsia a dôr epigastrica é mais localisada, augmenta sempre pela pressão, limitando-se ordinariamente ao cardia. Na gastrite, pelo contrario, ella é mais extensa e diffusa, apparecendo logo depois da ingestão dos alimentos, emquanto cue na dyspepsia é sómente algum tempo depois das refeições que a dôr se manifesta. Nas diversas fôrmas de dyspepsia, á excepção da flatulenta, o epigastro, mesmo normal á pressão, é flácido e de sonoridade normal á percussão ; na gastrite, pelo contrario, o epigastro aclia-se tenso, resistentee de sonoridade obscura. Os vomitos e as nauseas se dão nestas duas affecções, porém é sobretudo algum tempo depois das refeições que têm logar os vomi- tos dyspepticos, emquanto que na gastrite elles se dão ordinariamente pouco tempo depois da ingestão dos alimentos. E na gastrite chronica que os vomitos pituitosos, sobrevindo pela manhã em jejum, são mais communs. Todavia não devemos dar senão um valor secundário aos vomitos no diagnostico differencial 75 destas affecções, não só pela irregularidade em sua manifestação, como porque não são um phenomeno constante na inflammação da mucosa gastrica. Emfim o estado geral póde nos servir de grande elemento para o diagnostico. Ordinariamente uma dyspepsia simples, pouco intensa, é quasi compatível com a saúde, não diminue sensivelmente as forças e o bem-estar do doente, e apresenta períodos de remissão. Na gastrite os soffrimentos são contínuos, o que determina perda de forças e abatimento do doente. Gastrite chronica e gastralgia A gastralgia se distingue mais facilmente da gastrite chronica ; não fallando da forma violenta em que torna-se difíicil a confusão entre estas duas affecções, é na forma chronica da gastralgia que essa confusão póde dar-se ; entretanto o erro será facilmente evitado, se attendermos aos caracteres especiaes dos symptomas communs a essas affecções. A dor na gastralgia se assesta no epigastro, irradiando-se para pontos mais ou menos distantes; é intermittente ou remittente, e cessa ou diminue muitas vezes pela pressão. Na gastrite se limita ao epigastro, é quasi sempre contínua, exasperando-se pela pressão. O appetite e a maneira por que se dão as digestões varião nestas affec- ções. Na gastralgia o appetite é mais ou menos normal, algumas vezes irregular ou exquisito ; a ingestão de alimentos provocando dores algumas vezes, outras vezes, porém, ellas cessão com o estado de plenitude do estomago ; não lia reacção febril e os gastralgicos conservão um estado geral satisfactorio. Na gastrite chronica ha inappetencia para os alimentos ou anorexia, que sempre provocão dores epigastricas, sobretudo no momento 76 em que os alimentos chegão ao estomago; ha muitas vezes um mo- vimento febril com modificação no estado geral. A marcha ainda varia, intermittente na primeira, affccta na gastrite chronica uma marcha uniforme e quasi contínua. Gastrite toxica e phlegmonosa Muitas vezes a intensidade dos symptomas e a rapidez com que elles se apresentão tornão difficil o diagnostico differencial entre essas duas affecções ; todavia um exame bem dirigido sobre a etiologia, os symptomas apresentados e sua marcha, esclarecerá o medico sobre o diagnostico, fazendo desapparecer toda a duvida que porventura possa pairar em seu espirito. Na gastrite toxica os phenomenos intensos são mais passageiros do que os da gastrite plilegmonosa. Nesta os vomitos são biliosos ou denegridos (Jaccoud), porém nunca sanguinolentos; quando examina- dos convenientemente revelão em muitos casos a existência de pus de mistura com bile, tornando-se então um symptoma de grande valôr ; a lingua é collante, secca, vermelha na ponta e nos bordos; ha ás vezes ligeira icterícia (Brinton). Entretanto na gastrite toxica os vomitos são abundantes, constituídos por alimentos solidos ou líqui- dos, misturados com sangue e com parte da substancia toxica; ha cólicas violentas com retraeção do ventre, diarrhéa igualmente san- guinolenta ; a lingua é vermelha. As alterações que, na gastrite toxica apresentão a boca e o pha- rynge, produzidas pelas substancias toxicas, as sensações de dor e ardor no pharynge e esophago, a presença de substancias toxicas junto ao doente, a pouca frequência da gastrite plilegmonosa em rela- ção á toxica e sobretudo os commemorativos ainda nos favorecem para estabelecermos um diagnostico exacto. 77 Gastralgia e cancro De ordinário não ha difficuldade no diagnostico differencial entre a gastralgia e o cancro do estomago. As dores determinadas por uma gastralgia são muito mais intensas e mais rapidas em seu apparecimento; os vomitos biliosos e alimen- t res são menos communs; as regurgitações, a pyrosis, menos repetidas e menos intensas; a nutrição se conserva intacta por muito tempo, e, como toda nevrose, sua marcha é irregular, caprichosa e intermittente. No cancro a dor é menos intensa, e, longe de diminuir pela pressão methodica com a palma da mão como a dor gastralgica, exacerba-se pelo contrario; sua marcha é lenta, porém incessantemente progressiva, determinando um depauperamento desproporcional ás perturbações digestivas, e nunca apresentando essas remissões ás vezes tão longas, essas perturbações bruscas, essa marcha caprichosa que se nota na gastralgia. Se com os symptomas precedentes ainda podemos hesitar no diagnostico differencial entre essas duas affecções, essa hesitação desapparecerá com a manifestação dos vomitos negros, do tumor epigastrico, e sobretudo da cachexia cancerosa. Gastralgia e dyspepsia A gastralgia e a dyspepsia existem muitas vezes combinadas no mesmo individuo, o que concorre para que o medico encontre em alguns casos extrema difficuldade em estabelecer o diagnostico differencial. A gastralgia se distingue da dyspepsia pela facilidade com que se fazem as digestões muitas vezes mais promptas que no estado de 78 saúde; o appetite ordinariamente não se altera, algumas vezes se apresenta augmentado ou pervertido; as dores mais intensas e inter- mittentes, apparecendo por accessos, quasi nunca augmentadas pela pressão methodica, diminuem quasi sempre pela ingestão dos ali- mentos ; o eminagrecimento em geral é pouco notável, e sua marcha raramente contínua. Na dyspepsia a digestão é sempre lenta e laboriosa, o appetite ordinariamente nullo ou diminuído, as dóres muito menos intensas, augmentadas quasi sempre pela pressão e exclusivamente determinadas pela ingestão dos alimentos; é antes uma sensação de embaraço, de peso, que verdadeira dor; o emmagrecimento, algumas vezes nullo, é outras vezes muito pronunciado; sua marcha é uniforme com exacer- bações dependentes exactamente da presença de alimentos no estomago. Dyspepsia 0 diagnostico da dyspepsia aguda, notavelmente nas duas primei- ras fôrmas, nenhuma difficuldade offerece, attendendo-se bem para o modo por que principiou a moléstia, as causas que lhe derão origem e os phenomenos locaes indicativos de um laborioso trabalho digestivo. Na terceira fôrma, porém, a indigestão não é tão facil de reconhe- cer-se, e poder-se-ha confundir com a gastrite toxica, cujo cortejo symptomatico apresenta alguma semelhança, sobretudo quando produzida por uma substancia que não tenha deixado traços de sua passagem, ou cuja causa não nos seja revelada; todavia na gastrite toxica ha um sabor styptico e acre na boca, a sensação de calor e ardor na garganta e no esophago, dores fortes no epigastro, vomitos de matérias biliosas ou mesmo sanguinolentas e extremamente acres, prostração rapida, enfraquecimento acompanhado de delirio, coma, convulsões, e outros phenomenos que não existem ás mais das vezes na indigestão. 79 Na fórma chronica ainda é fácil determinar-se a existência da dyspepsia. As digestões lentas, laboriosas, a distensão e o peso que o doente sente no epigastro, principalmente depois das refeições, a diminuição do appetite que ás vezes sobrevem, a ceplialalgia habitual, a constipa- ção de ventre, a flatuosidade, a pyrosis, as cólicas, a distensão do abdómen, os borborygmos ruidosos e um máo-estar correspondente ao trabalho da digestão são symptomas muito communs, pelos quaes poderemos, não com toda a certeza, porém com muita probabilidade, diagnosticar uma dyspepsia. Em alguns casos, é verdade, revestem-se elles de caracteres mais graves, mais sérios, ou outros phenomenos podem se lhes incorporar, como verdadeira hemicranea, agitação, febre, delirio, etc. ; porém nestes casos o pratico ainda tem em seu auxilio os commemorativos e os resultados do seu exame. Quanto ao diagnostico das differentes variedades entre si, é ainda mais facil; porque, como vimos quando tratámos da symptomatologia, cada variedade tem o seu symptoma pathognomonico, e desde o momento em que este fôr reconhecido, sêl-o-ha facilmente a variedade a que pertence. Resta-nos agora tratar do diagnostico differencial entre a dyspepsia e as outras moléstias do estomago, que podem com ella se confundir, que são : o cancro, a ulcera, a gastrite chronica e a gastralgia. Tra- taremos sómente de differençal-a das duas primeiras, visto havermos feito anteriormente o mesmo com as outras duas. Dyspepsia e cancro A affecção cancerosa será sempre de um diagnostico diflicil no começo; nesse peiiodo o doente digere mal, seu appetite torna-se caprichoso e não temos outros phenomenos senão os de uma dyspepsia 80 ordinaria ; o que não nos deve admirar, porquanto o cancro quasi sempre é acompanhado de uma dyspepsia symptomatica. Entretanto, de" um modo geral, se observarmos más digestões, sobretudo em um homem, por isso que o cancro é ura terço menos frequente na mulher, se este homem é já de uma idade avançada, de 50 a GO annos, se estas más digestões são acompanhadas de uma dor fixa, contusiva ou lanci- nante com propagação para a região dorsal, e se este homem teve antes um estomago florescente, deveremos acreditar antes na existência de um cancro. E sómente mais tarde, quando apparecerem alguns symptomas que o caracterisão como o tumor, os vomitos de alimentos ingeridos dias antes, os vomitos negros, as dejecções sanguinolentas, a cachexia, o emmagrecimento, a côr amarella de palha, que poderemos estabelecer definitivamente o diagnostico; a dyspepsia será então simplesmente symptomatica. Dyspepsia e ulcera Se é verdade que em alguns casos a ulcera simples do estomago póde percorrer todos os seus períodos sem que os indivíduos delia aflectados soffrão incommodo algum no trabalho digestivo, todavia não é essa a regra; ordinariamente, o desarranjo funccional desse tra- balho é o primeiro symptoma da moléstia. Assim, o indivíduo nessas condições sente máo-estar, peso, producção de gazes, dores mais ou menos vivas na região epigastrica, eructações, pyrosis e outros sympto- mas que indicão uma simples dispepsia; porém logo apparece a dor que vem revelar ao pratico que observa a verdadeira moléstia contra a qual devem convergir todos os seus cuidados. Com effeito, a dor da ulcera, para cujos caracteres por mais de uma vez temos chamado a attenção, é muito diversa da que acompanha a dyspepsia. 81 A dôr da ulcera é mais contínua, provocada ou espontânea, mais profunda que a da dyspepsia ; não é sómente estomacal ou limitada á axilla, muitas vezes é uma dôr espinal ou rachidiana, assestando-se ao nivel da primeira vertebra lombar ou das tres ultimas vertebras dorsaes. O appetite é geralmente normal na dyspepsia e muito diminuido na ulcera, ou para exprimir-me de um modo mais correcto, como já dissemos em um artigo anterior, os doentes recusão alimentar-se, por isso que a alimentação provoca-lhes dôres epigastricas atrozes, e então como consequência dessa falta de alimentação sobre vem um emmagre- cimento rápido. Quando o vomito hemorrhagico existe, o diagnostico julga-se por si mesmo. O simples vomito alimenticio differe também nessas affeções: na ulcera simples sobrevem immediatamente depois da ingestão dos alimentos, antes do trabalho digestivo : na dyspepsia liga-se á digestão e sobrevem emquanto ella se faz. A dyspepsia é uma moléstia de marcha lenta; a ulcera tem uma marcha mais rapida. SYNOPTICO Canoro Ulcera simples Gastrite catarrhal aguda Gastrite catarrhal chronica Gastrite toxica Gastrite phlegmonosa Gastralgia Dyspepsia COMEÇO r Lento, muito insidioso e obscuro, perturbações digestivas, constipação. Lento e insidioso; as perturbações dyspepticas são muito frequentes; ha algumas vezes vomitos sanguíneos. Espontâneo ou secundário ; lento e nunca brusco, a menos que não succeda á indigestão ou embriaguez ; febre. Muito obscuro ; quasi sempre lento; perturbações de digestão, nauseas, vo- mitos, febre. Brusco ou rápido. Espontâneo, mais vezes secundário; rápido. Começa bruscamente quasi sempre por dôres intensas e de curta duração. Espontâneo ou secundário; começa lentamente quasi sempre por sympto- mas variados e exquisitos. POR Obscura, profunda, contínua, aug- mentando pouco pela pressão e ingestão dos alimentos; com o progresso da moléstia a dôr torna-se aguda, ás vezes lancinante. Não ha dôr dorsal corres- pondente á xyphoidiana. Terebrante ou lancinante, espontâ- nea ou provocada de um modo exces- sivo pela pressão e pela ingestão dos alimentos ; fixa nos pontos xyphoidiano e rachidiano. Intensa, surda; espontânea ou pro- vocada pela pressão, occupando o epi- gastro e algumas vezes o hypochon- drio esquerdo ou a região umbilical; semelhante a uma sensação incommoda de calor. Branda, surda c diffusa; espontâ- nea ou provocada pelos alimentos ou pela pressão; falta em alguns casos. Atrozes e súbitas no epigastro com propagação para todo o abdómen; exas- peradas pelas bebidas, pela pressão e pelos movimentos; intensas na boca, pharynge e esophago, cólicas violentas. Intensa ordinariamente, augmentada pela ingestão de qualquer substancia, pela pressão e pelos movimentos. Muito intensa, mal circumscripta, que modera ou desapparece por uma pressão methodica e pela ingestão dos Aguda, mais ou menos intensa na fórma gastralgica; nas outras fôrmas, muito branda, antes uma sensação de peso, de angustia epigastrica, coin- cidindo na maior parte dos casos com as digestões. alimentos; não guarda relação chrono- logica com as digestões; coincidem com outras nevralgias ou seguem-se a ellas. VOMITOS Viscosos ou filamentosos pela ma- nhã ; constituídos por alimentos inge- ridos mais ou menos alterados conforme a séde do cancro ; immediatos á in- gestão dos alimentos ou muito retar- dados, parecendo neste ultimo caso haver escolha na expulsão dos alimen- tos ; quando a moléstia está adiantada apparecem vomitos côr de borra de café; nos últimos periodos da moléstia san- guineos ; não acalmão a dôr. Mucosos ou pituitosos pela manhã; constituídos por substancias alimenta- res, muco ou sangue, constituindo mui- tas vezes hematemeses francas e ful- minantes ; apparecem lego depois da ingestão dos alimentos e acalmão as Mucosos ou biliosos, algumas vezes contendo substancias alimentares ; es- pontâneo ou provocado pelas bebidas ; mais ou menos frequentes e pouco abundantes ; quasi sempre produzem alivio. Pituitosos e difficeis, biliosos, raras vezes contêm substancias alimentares; matutinos os de catarrho alcoolico; os vomitos negros são muito raros, tendo-se apenas observado nos últimos periodos da moléstia. Mucosos ou muco-sanguinolentos, muito abundantes; contêm algumas vezes mucosa esphacelada. Mucosos ou biliosos, nunca sangui- nolentos ; mais ou menos frequentes. Mucosos ou pituitosos, sendo as sub' stancias solidas ordinariamente con' servadas na cavidade gastrica ; raros' acompanhão as crises. Mucosos e biliosos, apparecendo em jejum ou durante a digestão. dôres provocadas pela presença delles no estorna go. - TUMOR. • Duro, fixo, raras vezes não revelado pela apalpação. Mui raramente se encontra tumôr, e quando existe é ordinariamente acha- tado, mal limitado em seus bordos, Ausência de tumôr ; endurecimento do orgão conhecido pela apalpação, quando a moléstia tem já grande dura- ção. Ausência de tumôr. Ausência de tumôr. pouco saliente. ESTADO GERAL. ' Não ha febre ; cachexia caracteris- tica, côr de palha ; appetite diminuido, ás vezes anorexia ; phlegmasia alba dolens da perna ou do braço. Raras vezes ha febre ; anemia pro- funda dependente de hemorrh agi as fre- quentes ; appetite normal, ás vezes diminuido; não ha phlegmasia alba dolens. Ha febre remittente vespertina, anorexia ; appetencia pelas bebidas acidulas ; lingua larga, húmida, co- berta de espessa saburra amarellada ; cephalalgia occipitu-frontal. Ha febre ordinariamente durante a digestão, que torna-se contínua no pe- ríodo cachetico; cachexia gastrica tar- dia, em relação com a intensidade dos symptomas ; appetite muito diminuido; lingua larga, húmida, saburrosa. ver- melha na ponta algumas vezes. Febre contínua, intensa, ordinaria- mente de pouca duração; face verme- lha e angustiosa a principio, exprime depois uma prostração extrema, ella empallideee; as extremidades resfrião; lingua vermelha e secca. Febre contínua, intensa; anorexia, appetencia, pelas bebidas acidulas prin- cipalmente ; face vermelha no comêço, exprimindo depois grande abatimento: lingua glutinosa, secca na ponta e nos bordos; dyspnéa, grande anxiedade. Não ha febre; o doente apresenta um estado geral satisfactorio; appetite normal ou pervertido ; lingua normal ou pallida; dyspnéa, palpitações, he- micraneas, vertigens, bocejos, somno- lencia; hysteria, hypochondria, dys- menorrhéa. Anemia ; appetite pervertido, ás vezes diminuido, outras augmentado; lingua ordinariamente normal; flatu- lência, dyspnéa ; inaptidão para qual- quer trabalho intellectual, insomnias, somnolencia depois das refeições, ver- tigenSj hypochondria. GASTRORRHAGIA < Não apparece no começo da molés- tia e raras vezes nos últimos periodos. Apparece desde o comêço da molés- tia, manifestando-se pelo vomito ou pela côr das fezes. E raríssima, mesmo quando a moles- tia se acha n'um período muito adian- tado. Não ha gastrorrhagia. EVACUAÇÕES ALVINAS (estudo das) ' ' Constipação é a regra no comêço da moléstia ; nos últimos periodos é fre- quente a diarrhéa ; dejecções sanguim- lentas ou purulentas. Constipação habitual; dejecções san- guinolentas ; diarrhéa. Diarrhéa biliosa muitas vezes ; cons- tipação . Constipação rebelde com flatulência ; diarrhéa. Dejecções sanguinolentas. Constipação frequente ; raras vezes diarrhéa. Constipação frequente; lienteria. MARCHA < Lenta, uniforme, contínua e fatal ; o regimen dietet'co é sem proveito. Lenta, irregular, apresentando re- missões, modificando-se para melhor pelo regimen dietetico, principalmcnte pelo leite. Regular se o doente se submette a um regimen dietetico conveniente. Lenta; apparecem melhoras pelo regimen dietetico. Rapida e muito grave. Rapida algumas vezes e tendendo geralmente a aggravar-se. Irregular, intermíttente e exquisita, apresentando exacerbações e remis- sões ; não modificada pela dieta. Caprichosa, progride incessante- mente sem o recurso da medicina. DURAÇÃO Termo médio 12 a 15 mezes, o má- ximo 3 a 4 aunos ; alguns indivíduos têm succumbido com 45 e até com 30 Termo médio 2 a 5 annos, podendo chegar, segundo observações de práti- cos notáveis, a 17 annos (Luton) e Muito variavel, ordinariamente de dous a quatro dias na fórma branda, e na grave de 10 a 15. Muito variavel, ordinariamente longa. Variavel, ordinariamente de curta duração. Termo medio de 2 a 10 dias; em alguns casos raros póde chegar a 20 ou 30 dias de moléstia e isso na fórma Muito variavel, quando dura por muito tempo apparece a hypochondria, causa de uma vida lastimosa e des- Prolonga-se por muito tempo* dias de moléstia, o que é raro. mesmo 35 annos (Brinton) de duração ; reincide muitas vezes. chronica. graçada. TERMINAÇÃO . Sempre fatal. Quasi sempre pela cura. Ordinariamente pela cura. Quasi sempre pela cura. Geralmente fatal. Raras vezes pela cura. Ordinariamente pela cura ; quando esta não se dá, os doentes conservão seu mal até que outra moléstia venha terminar-lhes a existência. Geralmente pela cura. PROPOSIÇÕES PROPOSIÇÕES SECÇÃO ACCESSORIA CADEIRA DE MEDICINA LEGAL INFANTICÍDIO I Chama-se infanticídio a morte commettida em uma criança recem- nascida ou nascente. II A immoralidade e a miséria são as causas mais importantes do augmento de frequência do infanticídio nos paizes civilisados. 111 É indispensável a presença do corpo de delicto para provar-se o infanticídio. IV E pelo exame dos caracteres tirados do desenvolvimento geral do corpo, do estado do tegumento externo e do gráo de ossificação, que podemos estabelecer se a criança nasceu ou não a termo. V A circumstancia capital, entre as que devem constituir o crime de infanticídio, é a prova da vida da criança depois do parto. VI A prova que uma criança não respirou não exclue a existência do crime de infanticídio. VII A prova que uma criança tivesse nascido viva, embora não tenha aptidão para continuar a viver, basta para constituir o crime de infanticídio. 86 VIII De todos os signaes que indicão que a criança nasceu viva, são incontestavelmente os mais preciosos os que denuncião o estabeleci- ment o da respiração. IX A relação do peso do pulmão com o do corpo inteiro ou com o do coração não tem valor na docimasia pulmonar. X A docimasia pulmonar hydrostatica, pelo methodo de Daniel, não fornece resultados satisfactorios ; os cuidados minuciosos que exige oppoem-se a que seja adoptada nos casos de medicina legal. XI A docimasia hydrostatica ordinaria, pela sua simplicidade e facili- de de execução, deve servir de base principal nas decisões judiciaes em matéria de medicina legal. XI1 Os factos observados, que fazem admittir a possibilidade de uma respiração imperfeita do feto no ventre materno, depois da ruptura das membranas, não constituem objecção grave á docimasia pul- monar . XIII Os caracteres que apresenta um pulmão que respirou o distin- guem facilmente daquelle que foi insufllado. XIV As objecções á docimasia hydrostatica, baseadas na difficuldade da distincção entre um pulmão que respirou normalmente e o que está aftectado de emphysema ou putrefacção, são completamente des- truidas pela observação. XV A docimasia pulmonar optica não de ve ser desprezada como auxiliar poderoso da hydrostatica. SECÇÃO DE SCIENCIAS CIRÚRGICAS CADEIRA DE PARTOS, ETC. DO THROMBO VULVO-VAGINAL I O derramamento sanguineo que se faz nas partes molles da pequena bacia ou da vulva constitue o thrombo vulvo-vaginal. II E raro que este tumor occnpe simultaneamente os dous lados da vagina, e só exctpcionalmente invade toda a sua circumfe- rencia. III Na vulva o thrombo occupa quasi sempre os grandes lábios ; tem sido também observado nos pequenos, sendo mais frequente a occupação de um só; póde comtudo invadir os dous lados si- multaneamente . IV O thrombo não pertence exclusivamente ás mulheres pejadas. V Póde-se manifestai- durante a prenhez, durante o parto ou depois do delivramento. VI Suas causas mais frequentes, durante a prenhez, são as con- tusões, as quédas e as commoções violentas, e por occasião do trabalho do parto é a contusão por compressão do féto sobre as veias. 88 VII A não ser a sensação de peso que experimenta a mulher nas partes inferiores e o estado varicoso que algumas vezes precede á producção do thrombo, este tumor se apresenta ordinariamente de uma maneira brusca, sem symptomas precursores. VIII O apparecimento brusco do tumor, acompanhado de dor intensa ou de uma sensação insólita, o augmento rápido de seu volume, sua dureza, quando o sangue é apenas infiltrado, sua cor azulada e sua infiltração, quando se reúne em fóco, nos levào quasi sempre a um diagnostico exacto de um thrombo. IX O sangue nos tumores varicosos não é extravasado, e, por mais consideráveis que sejão, não se confundem com o thrombo. X A facil reducção do epiplocele, sua molleza pastosa, a elasticidade e os gargarejos do enterocele, são phenomenos bastante significa- tivos para ordinariamente elucidarem o diagnostico entre o thrombo e essas affecções. XI Quando o tumor por seu grande volume oppõe obstáculo ao corrimento dos lochios; quando a mucosa que reveste sua face interna é ameaçada de gangrena ou de ruptura de um mo- mento para outro, e a existência de fluctuação annuncia a au- sência de coágulos volumosos, de sorte que nada então offerece resistência á continuação incessante de perda interna ; e quando, finalmente, a mulher, victima de dores intensissimas, e cada vez mais fraca, apresenta um pulso pequeno, descoramento da pelle, etc., devemos proceder immediatamente á dilatação do tumor. 89 XII Se o tumôr apresenta um pequeno volume, por exemplo, o de um ovo de gallinha, se fôr duro, sem fluctuação e não augmentar de volume, e, ainda mais, se suas paredes pouco tensas tiverem uma cor normal e a dor fôr supportavel deveremos então esperar e favorecer a resolução, e só lançar mão do instrumento quando alguns accidentes o exigirem. XIII No caso de praticar-se a dilatação, se não houver hemorrhagia, poderemos limitar o tratamento á applicação de cataplasmas emol- lientes; porém, se ella apparecer, mesmo que o tumor tenha sido aberto 24 horas depois de seu apparecimento, torna-se necessário o emprego de alguns stypticos na cavidade que se deve encher com fios. XIV A dilatação, que cumpre seja bastante extensa para dar sa- bida aos coalhos, sempre que fôr possivel, deverá ser feita na parte externa. XV Se a inflammação ou suas consequências sobrevierem, serão combatidas pelos meios apropriados, loções repetidas e injecções a principio emollientes e depois adstringentes e desinfectantes, ou pelos meios cirúrgicos. SECÇÃO DE SCIENCIÃS MEDICAS CADEIRA DE MATÉRIA MEDICA E THERAPEUTICA BELLADONA CONSIDERADA PHARMACOLOG1CA E THERAPEUTICAMENTE I A belladona é uma planta herbacea, vivaz, de 50 centímetros a um metro de altura, e pertencente ao genero Atropa, da familia das Solaneas. II Suas folhas são grandes, ovaes, acuminadas, alternas, de uma cor verde carregada no estado fresco, rôxas ou amarelladas quando sêc- cas; suas flores têm uma corolla tubulosa, campanulada, de cor roxa, pediculadas e solitárias na axilla das folhas. III O fructo da belladona é uma baga arredondada, ligeiramente achatada, de cor verde a principio, depois vermelha e por fim preta, quando a maturidade é completa; tem um sabor ado- cicado. IV Todas as partes desta planta são empregadas em medicina, sobre- tudo as folhas. V O seu principio activo é a atropina, descoberta em 1868 por Mein; é um alcaloide que crystalisa em agulhas incolores de sabor acre e amargo, pouco solúvel na agua e muito solúvel no álcool e no ether. 92 VI 0 sulfato de atropina é dos seus saes o mais empregado em me- dicina. VII Em pequena dóse, a atropina accelera as bateduras cardíacas, augmenta a pressão arterial, a temperatura e os movimentos respira- tórios ; dóses toxicas determinão um retardamento considerável da circulação com diminuição notável da tensão dos vasos, da tempera- tura e do numero dos movimentos arteriaes. VIII Sua eliminação tem logar pelos rins, por todas as mucosas e ás vezes pela pelle no homem ; ella é rapida, bem como também sua acção; determina pela eliminação rubor das mucosas e pelle, desejos frequentes de ourinar, cólicas, puxos, tenesmo anal e vesical, suores profusos, diarrhéa, etc. IX O rubor e a seccura das mucosas explicão a aphonia, a dysphagia, a dysuria, etc. X As modificações da secreção ourinaria se prendem ás variações da pressão arterial. XI A belladona e seu alcaloide excitão o grande sympathico e as fi- bras lisas em pequena dóse, não determinando plienomenos de para- lysia senão em dóse muito elevada e sempre consecutivamente a con- traeções muito exageradas; donde sua utilidade na incontinência de ourina, na paralysia da bexiga, contra a constipação de ventre, as hérnias irreductiveis, etc. 93 XII A propriedade de dilatar a pupilla é o effeito mais constante e mais permanente da atropina, e cujas applicações são numerosas em oculistica. XIII Aproveitando do seu effeito sobre a sensibilidade, a belladona tem sido empregada com vantagem nas nevralgias. XIV Ainda em virtude de sua acção sedativa sobre a sensibilidade reflexa, tem sido seguido de verdadeiro triumpho o emprego desta substancia na coqueluche e na epilepsia. XV Segundo as experiencias de Thomaz Frazer, o antagonismo que existe entre a belladona e a fava de Calabar é sómente physiologico, e não toxico. HYP0CRATI8 APPH0RI8ML I Lassitudines spontaneae, morbos denuntiant. (Sec. II, Aphor. V.) II Ubi copiosior praeter naturam cibus ingestus fuerit, id morbum creat, quod etiam curatio indicat. (Sec. II, Aphor. XVII.) III Morbos ex repletione, ut curat evacuatio, sic eos, qui ex evacuatione fiunt, repletio et in caeteris contrarietas remedio est. (Sec. II, Aphor.i XXII.) IV Ex multo potu rigor et deliriam malum. (Sec. VII, Aplior. VII.) V Quibus occulti cancri fuerint, eos non curare melius est, curat citò pereunt, non curati verò longuis tempus perdurant. (Sec. VIII, Aphor. XXXVIII.) VI Nigrae dejectiones qualis sanguis niger, sponte procedentes, et cum febre et citra febrem, pessimae, eoque pejores quo plures earum colores deteriores fuerint. (Sec. IV. Aphor. XXI.) Esta These está conforme os estatutos. - Rio de Janeiro, 9 de Setembro de 1876. Dr. José Pereira Guimarães. Dr. Souza Lima Dr. Ferreira dos Santos.