Faculdade de fijedicina e Pharmacia do de Janeiro THESE DO 1897 THESE Faculdade de Kjedicina e pharmacia do de janeiro DISSERTAÇÃO Caieira de Clinica Feiiatrica Anemia spleraica- infecciosa E Splenopathia da heredo-syphilis Proposições Tres para cada uma das Cadeiras da Faculdade THESE APRESENTADA A faculdade de ||)edicina do Rio de Janeiro em 31 de Dezembro de 1896 PARA SER SUSTENTADA PELO §#♦ ffMtfwtI# FORMADO PELA UN1YERS1DADE DE NÁPOLES Afim de poder exercer a sua profissão NA Republica dos Estados Unidos do Brazil Rio de Janeiro Litho-Typ. Pinheiro & C, rua 7 de Setembro 153 1897 F&CtJLDADE DE MEDICINA E_DE PHARMACIA DO RIO DE JANEIRO DIRECTOR—Dr. Albino Rodrigues de Alvarenga. VICE-DIRECTOR—Dr. Francisco de Castro. SECRETARIO—Dr. Antonio de Mello Muniz Maia. Drs : LENTES CATHEDRATICOS João Martins Teixeira Physica Medica. Augusto Ferreira dos Santos Chimica inorgânica medica. João Joaquim Pizarro Botanica e zoologia medicas. Ernesto de Freitas Crissiuma Anatomia descriptiva. Eduardo Chapot Prevost. . . ... Histologia theorica e pratica Arthur Fernandes Campos da Paz. . . . Chimica organica e biologica. João Paulo de Carvalho. ...... Physiologia theorica e experimental. Antonio Maria Teixeira Matéria Medica, Pharmacologia e arte de formular. Pedro Severiano de Magalhães- .... Pathologia cirúrgica. Henrique Ladislau de Souza Lopes. . . Chimica analytica e toxicologica. Augusto Brant Paes Leme Anatomia medico-cirurgica. Marcos Bezerra Cavalcanti . . . Operações e apparelhos. Antonio Augusto de Azevedo Sodré . . . Pathoíogia medica. Cypriano de Souza Freitas. .... Anatomia e physiologia pathologicas. Albino Rodrigues de Alvarenga . . • . Therapeutica. Luiz da Cunha Feijó Júnior Obstetrícia. Agostinho José de Souza Lima Medicina legal. Benjamin Antonio da Rocha Faria . . . Hygiene e mesologia. Antonio Rodrigues Lima Pathologia geral. João da Costa Lima e Castro Clinica cirúrgica—2a cadeira. João Pizarro Gabiso Clinica dermatológica e syphiligraphica. Francisco de Castro Clinica propedêutica. Oscar Adolpho de Bulhões Ribeiro . . . Clinica cirúrgica—Ia cadeira. Erico Marinho da Gama Coelho .... Clinica obstétrica e gynecologica. Hilário Soares de Gouvêa Clinica ophthalmologica. José Benicio de Abreu . Clinica medica—2» cadeira. João Carlos Teixeira Brandão Clinica psychiatrica e de moléstias nervosas. Cândido Barata Ribeiro Clinica pediátrica. Nuno de Andrade . . Clinica medica—Ia cadeira. LENTES SUBSTITUTOS Drs : 1» secção Tiburcio Valeriano Pecegueiro do Amaral 2a secção Oscar Frederico de Souza 3a secção Genuino Marques Mancebo e Luiz Antonio da Silva Santos. 45 secção . Philcgonio Lopes Utinguassú e Luiz Ribeiro de Souza Fontes. 5a secção Ernesto do Nascimento Silva. 6a secção • Domingos de Góes e Vasconcellos e Fran- cisco de Paula Valladares 7a secção Bernado Alves Pereira. 8a secção . Augusto de Souza Brandão. 9l secção Francisco Simões Corrêa. 10a secção . Joaquim Xavier Pereira da Cunha. 11a secção Luiz da Costa Chaves Faria. 12a secção Mareio Filaphiano Nery. N. B.— A Faculdade não approva nem reprovra as opiniões emittidas nas theses que lhes são apresentadas. Cadeira de Clinica Pediátrica DISSERTAÇÃO Anemia splenica infecciosa E Splenopathia da heredo-syphilis ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ò SOBRE A 3Pa,tlD.©g;0rLese cLsus sun-omlsis As anemias em geral, dividem-se em primarias e secunda- rias : dizem-se primarias as que são autonomas, isto é, as que se apresentão em individuos anteriormente sãos; e secundarias as que se manifestão como consequências de outros estados morbidos preexistentes. Em verdade, si considerarmos só as formas graves de ane- mias secundarias, como aquellas em que o doente se apre- senta, não simplesmente pallido e depauperado, mas com uma pallidez cerea especial, que é signal infallivel de todas as anemias verdadeiras, a distincção em anemias primarias e secundarias, essencialmente não tem importância, attendendo que tanto umas como as outras são determinadas por uma causa que perturba a formação do sangue ou altera o proprio sangue. Vem a proposito referir o caso muito instructivo, observado por Strúmpell e narrado em seu admiravel tratado de Patho- logia medica. Na autopsia de um doente de carcinoma do esto- mago o qual apresentava uma anemia extraordinariamente in- tensa encontrou Strúmpell uma carcinose secundaria diffusa da medulla dos ossos. N’este caso, a anemia não podia ser consi- derada como dependente do carcinoma do estomago, e sim 8 devia ser attribuida a affecção da medulla dos ossos, que é o mais importante entre os orgãos hematopoieticos. Si todas as anemias dependem das lesões dos orgãos he- matopoieticos, ou si a alteração do sangue, e principalmente a reducção dos globulos vermelhos, é devida a influencias no- civas que directamente actuão sobre os corpúsculos sanguíneos, é questão não resolvida na sciencia. E’ verdade que em todas as anemias graves encontramos sempre alterações dos orgãos hematopoieticos ; mas, não sabemos si taes alterações não sejão um facto inteiramente secundário constituindo um esforço reaccionario de organismo, caracterisado por uma activissima neo-formação e regeneração dos corpús- culos vermelhos do sangue. De qualquer modo os orgãos hematopoieticos hão de ter uma parte importantíssima na pathogenia das anemias ; e a verdade d’este facto, foi demonstrada por um eminente cirurgião italiano, prof. D’Antona, que, para salvar um menino afíectado de ane- mia splenica, recorreu a splenectomia a qual foi seguida de cura completa. ANEMIA SPLENICA INFECCIOSA e SPLENOPATHIA DA HEREDO-SYPHILIS CAPITULO I Noção histórica A anemia splenica infecciosa das crianças e a splenopa- thia da syphilis hereditária até pouco tempo erão confundidas com a leucemia, a pseudo-leucemia e mesmo com a anemia perniciosa progressiva. Na verdade, os symptomas de uma anemia considerável, não tão fatalmente progressiva como a anemia perniciosa, com tumefacção splenica e sem leucemia, fazião pensar em uma pseudo-leucemia splenica. Esta forma de pseudo-leucemia é ra- ramente observada nos adultos, ao passo que é frequente nas crianças. Quem primeiro notou esta singularidade foi o emi- nente clinico Cardarelli, de Nápoles, que, recolhendo vários casos clínicos interessantes acompanhados de pesquizas anotomo-pa- thologicas, fez, no congresso medico de Génova, de 1880, uma importantíssima communicação, deixando bem patente que a pseudo-leucemia splenica das crianças apresentava symptomas especiaes, que merecião a maxima consideração. Na Allemanha, Henoch, observava aquella forma patholo- gica especial das crianças e em seu tratado de Pediatria, falia de uma hypertrophia simples do baço, não muito rara, sobretudo nos primeiros annos da vida, sendo caracterisada por uma coloração branco-amarellada da pelle, edemas e hemorrhagias ; e no sangue 10 dos pequenos enfermos os leucocytos são apenas mais numerosos do que no estado normal ; e ainda o professor tedesco diíTerença este morbo infantil da pseudo-leucemia pela ausência de ingorgi- tamentos ganglionares. Depois um illustre pediatra italiano, o professor Luigi Somma, em uma erudita publicação, feita nos archivos de pathologia in- fantil de 1884, propoz o nome de anemia splenica infantil, para aquella forma pathologica, que Cardarelli descrevera com o nome de pseudo-leucemia splenica das crianças e que Henoch chamara hypertrophia simples do baço. D’esta arte, Somma, creava uma entidade mórbida, que só as crianças apresentavão e que tanto por seus symptomas como por sua marcha, era tão difTerente da verdadeira pseudo-leucemia. Em 188/ Ebstein na Allemanha, em uma sociedade de mé- dicos tedescos, leu uma memória com o titulo : a febre recor- rente chronica, isto é, uma nova moléstia infecciosa. N’esta memória refere o auctor algumas observações feitas por Pel, dous annos antes, e outras pessoaes, concluindo que, aquella moléstia infantil, considerada até então, como pseudo-leucemia, era uma infecção nova, semelhante ao typhus recurrens, não obs- tante as pesquizas bacteriológicas feitas no sangue, não tivessem dado resultado satisfactorio. No mesmo anno, em Nápoles, o illustre cirurgião, o pro- fessor D’Antona, tendo occasião de observar uma criança alTectada d’aquella moléstia, que ja podia chamar-se anemia splenica infantil, segundo Somma, coadjuvado pelo Dr. Salvati, fez pesquizas bacteriológicas no sangue extrahido do baço, consi- derado berço de germens pathogenicos especiaes. E, tendo obtido uma cultura fértil de um micro-organismo semelhante ao do typho, apezar de não obter resultados positivos em inocula- ções praticadas em animaes, julgou, com tudo necessária a extir- pação do baço com o fim de salvar a vida do doente. De feito, após aquella grave operação o doente curou-se e vive. Mais tarde, o illustre pediatra, o professor Fede, dirigindo a clinica pediátrica de Nápoles, teve occasião de observar vários casos d’aquella moléstia, e a 15 de Setembro de 1889, referiu á 11 Academia medico-cirurgica de Nápoles, que tinha obtido resulta- dos importantíssimos de suas pesquizas bacteriológicas e experi- mentaes feitas em oito crianças aífectadas de anemia splenica. Por essa occasião communicou que em 4 casos encontrara sempre o mesmo micro-organismo, um micrococus, com tendencia a reu- nir-se em pequenos grupos e que se manifestava pathogenico para cães e coelhos, os quaes no fim de 25 dias a dous mezes tornarão-se magros, anémicos e com diminuição notável de gló- bulos vermelhos do sangue; em nenhum delles, entretanto, foi possível observar a tumefacção splenica. E assim, depois de todos estes importantes estudos, é sancio- nada no 1.° congresso pediátrico italiano, reunido em Roma em 1890, a denominação de anemia splenica infecciosa, para aquella forma pathologica especial, que Cardarelli chamara pseudo-leuce- mia splenica das crianças, Henoch: hypertrophia simples do baço e Ebestein febre recurrente chronica. Entretanto de ha muito se havia observado que alguns doen- tes d'aquella moléstia curavão-se completamente com as fricções de unguento mercuriál, ao passo que outros, e estes formavão a mór parte, peioravão com aquelle tratamento. Quem primeiro esclareceu esta questão foi o professor Ra- maglia, que sendo consultado, a proposito de uma menina de 4 a 5 annos, cachetica, com grande tumefacção splenica, julgou tratar-se de syphilis, prescrevendo o tratamento mercuriál, que foi seguido de resultado completo. (Morgagni—1881) Necessário era, pois, não confundir esta splenopathia da svphilis hereditária, com a anemia splenica infantil e os professo- res Cardarelli e Fede forão os primeiros a mostrar que se tratava de duas moléstias infantis essencialmente diíferentes entre si: uma é determinada pelo virus syphilitico transmittido dos pro- genitores á prole; outra reconhece por causagermens pathogenicos especiaes ainda imperfeitamente conhecidos ; alem d’issso diverso devia ser também o processo anatomo-pathologico, não obstante evoluírem apparentemente aquellas moléstias, com a mesma forma clinica. CAPITULO II Etiologia e pathogenese Anemia splenica E’ moléstia própria da primeira infancia mais commun no sexo masculino e observada de preferencia no primeiro e segundo anno de edade. O professor Cardarelli observou esta moléstia mais vezes em crianças da mesma familia, ou consanguíneos e que tinhão os paes, mais vezes a mãe, de imperfeita saude. Muitas vezes os doentes d’esta anemia splenica apresentão também si- gnaes de rachitismo; estes signaes, porém, não são constantes e por isso não podem ser considerados como factor etiologico. Nem a svphilis dos genitores tem influencia etiologica sobre esta moléstia, porquanto as splenopathias da heredo-syphilis, se bem que tenlião uma forma clinica semelhante, todavia offerecem um processo morbido proprio, essencialmente diflerente. Assim, pois, para a anemia splenica infantil, não existe ne- nhum factor etiologico especial; entretanto deve-se considerar todas as condições debilitantes, sobre tudo as que derivão de moléstias constituicionaes dos paes, como tendo influencia etiolo- gica no desenvolvimento da moléstia; nem mais nem menosdcque succcede, em geral, para todas as moléstias infecciosas. Que a anemia splenica das crianças seja de origem bacteri- ana, é o que se deprehende da própria forma clinica da moléstia tão typica e determinada, como soe acontecer nas moléstias infec- ciosas: tumefacção do baço e anemia considerável, frequente- mente com febre bastante alta, remittente e intermittente e per- sistente. Mas, o que nos parece mais digno de nota, é que a 13 moléstia se apresenta sempre com hypcrplasia e tumefacção só do baço e nunca das outras glandulas sanguíneas e lymphaticas, portanto é muito de admitir-se que a moléstia seja devida a ger- mens pathogenicos especiaes que encontrão só no baço, condições favoráveis ao seu desenvolvimento, ao contrario do que se observa na pseudo-leucemia, cujos germens, a consideral-a de origem bacteriana, encontrarião favoráveis condições ao seu desenvolvi- mento no baço e em todas as glandulas lymphaticas. Que na anemia splenica infantil só o baço seja atfectado, e isso constitua a causa pathogenica da moléstia, demonstrou-o o il- lustre cirurgião italiano, professor d’Antona, que curou uma cri- ança affectada desse morbo, praticando a splenectomia. Entretanto no que respeita a natureza dos germens infeccio- sos da anemia splenica ainda não temos dados precisos, porque D’Antona, com o sangue extrahido do baço d’aquelle enfermo, obteve uma cultura fértil, de um micro-organismo semelhante ao do typho, ao passo que Fede encontrou muitas vezes, mas não sempre, um micrococcus especial. Splenopathia da syphilis hereditária Ordinariamente quando um syphilitico se submetteu a um longo tratamento mercurial e já sendo decorridos 4, 5, 6, annos da época da infecção, ha muito que não tem nenhuma manifesta- ção syphilitica, pode considerar-se curado e a mulher, levando a termo a gestação poderá dar a luz um menino vivo e apparente- mente são. Digo apparentemente são porque esta criança, apenas nascida, não tendo nenhuma manifestação syphilitica, e nem nos primeiros mezes, apresentará depois, uma tumefacção splenica, mais ou menos notável, acompanhada de profunda anemia, isto é, apresentará uma splenopathia devida ao virus syphilitico transmittido do pae ao filho, virus já attenuado no genitor pelo mercúrio e pelo tempo, porem ainda não extincto e transmissivel. Esta attenuação do virus syphilitico nós não sabemos em que consiste, mas não podemos deixar de admittil-a, tendo em vista a notável lei do enfraquecimento gradual espontâneo da in- 14 tensidade da transmissão hereditária da syphilis, pela qual a prin- cipio vêm os abortos, depois os partos prematuros de crianças mortas, depois os partos prematuros de crianças vivas, mas que morrem pouco tempo após, e finalmente partos de crianças a termo, afiectados de svphilis hereditária mais ou menos intensa- mente, segundo o nascimento se afasta mais ou menos da epoca da infecção dos genitores: e n’esta serie de crianças, que nascem successivamente de paes syphiliticos, o periodo de incubação isto é, o tempo que decorre do nascimento á primeira manifestação de syphilis hereditária, torna-se sempre mais longo (Kassowitz). Alem d’essa attenuação progressiva espontânea, acerca da intensidade da transmissão da syphilis hereditária, temos também um poderoso factor de attenuação na cura anti-syphilitica dos paes, que, depois de ter um filho afiectado de syphilis grave, po- dem ter outro atacado ligeiramente, ou inteiramente immune, si ifiesse intervallo fizerão um bom tratamento mercurial ; cessada, porém, a influencia do tratamento hydrargirico, interrompido, a syphilis pode tornar-se de novo transmissível, ou se transmitte com mais intensidade (Lesser). Estes factos demonstrão de modo evidente que o virus sy- philitico,antes de estinguir-se, soffre attenuações: e isto encontra-se também no curso ordinário da própria syphilis, no qual distin- guem-se tres períodos, no ultimo dos quaes ella certamente não é contagiosa; embora quizermos admittir que em certos casos, especialmente quando tivermos algum deposito gommoso nos testículos, seja transmissível á prole. As próprias gommas da syphilis tardia, devidas á localisação do bacillo de Lustgarten, isto é, do bacillo da syphilis, sofFrem um periodo de regressão, pela qual (tornão-se) transformão-se em uma massa caseosa. Esta regressão é causada pela decadência das colonias de bacillos, que desapparccem, deixando talvez só alguns sporos que encapsulados pelo detrictus caseoso tornão-se innocuos por certo tempo (Schrõn). Assim, pois, quando nos filhos de indivíduos syphiliticos, de syphilis hereditária, se observa só alguma manifestação tardia, isso é devido a transmissão do virus attenuado, como já dissemos, 15 consistindo talvez em bacillos attenuados que se achão em uma phase especial, ou apenas desporos que mais tarde se desenxolve- rão, depois de certo periodo de tempo, em um dado orgão do organismo infantil. Tudo isto, porem, é simples hypothese, porque, volvendo ao nosso argumento, isto é, á splenopathia da heredo-syphilis,ninguém ainda encontrou o bacillo de Lustgarten no baço dos indivíduos atacados d’aquella moléstia, tarefa aliás que não é facil. A anemia, que costuma sempre acompanhar a splenopathia da syphilis hereditária deve ser considerada como consecutiva á affecção splenica, ou deve ser attribuida directamente a syphilis hereditária ? Quanto á nós, nos inclinamos de preferencia á primeira hy- pothese, porque o baço é uma glandula eminentemente hemato- poietica, especialmente nas crianças, e, sendo affectada por um processo syphilitico, sofifre perturbação em suas funções, tornan- do-se, de orgão productor, provavelmente um orgão de destruição dos globulos vermelhos sanguíneos. Comtudo é provável também que as ptomainas syphiliticas lançadas no sangue, possão exercer directamente uma acção deleteria sobre os corpúsculos saguineos determinando sua rapida destruição. CAPITULO III Anatomia pathologica Anemia splenica A tumefacção do baço é variavel, podendo algumas vezes attingir enormes proporções. Consiste este estado, essencialmente, em uma grande hyper- plasia do parenchvma do baço, da polpa splenica, cujas cellulas lymphoides se achão notavelmente augmentadas, nos espaços inter-trabeculares, e os corpúsculos de Malpighi apparecem en- tumescidos e engrossados, Ordinariamente as glandulas lymphaticas encontrão-se nor- maes, apenas em alguns casos augmentadas de volume. Frequentemente o figado encontra-se augmentado em seu volume, devido a dilatação e replecção dos vasos, e a prolifera- ção do tecido conjunctivo intersticial: as vezes nota-se também infiltracção de leucocytos e as cellulas hepaticas apresentão a tumefacção turva, ou a degeneração grasea (Fede). Os rins achão-se anemiados, mas na maioria dos casos, são normaes, só em alguns casos lia tumefacção turva do epithelio. (Fede.) O exame microscopicò do sangue revela sempre notável diminuição dos globulos vermelhos e da hemoglobina e ligeiro augmento dos leucocvtos. O prof. Fede encontrou a reducção dos globulos vermelhos ate 1.600.000 por millimetro cubico: a hemo- globina, avaliada, approximadamente pelo hemoglobinometro de Fleisch, em um caso achou-se reduzida a 45, e em outro a 25. 17 Splenopathia da syphilis hereditária A tumefacção splenica, que frequentemente é considerável, é devida ao augmento dilfuso do orgão, por proliferação do te- cido conjunctivo e espessamento das trabéculas splenicas: po- dem ser observadas, também, nodulos gommosos esparsos na superfície e no parenchyma. A tumefacção do baço é acompanhada também de augmento de volume do ligado, provavelmente devido a stase sanguínea e á proliferação do tecido inter-cellular hepático. Importantes são as alterações que apresenta o sangue: diminuição notável dos globulos vermelhos e da hemoglobina, sem, entretanto, haver augmento dos globulos brancos, que tam- bém são reduzidos, se os considerarmos de modo absoluto e não em relação aos globulos vermelhos. CAPITULO IV Symptomas clínicos e marcha Anemia splenica Aspecto anémico, com pallidez cerea especial e conside- rável augmento de volume do baço. Pode evoluir esta moléstia sem febre, com marcha eminen- temente chronica, podendo então o baço adquirir grandes propor- ções, passando o umbigo, podendo chegar, mesmo até ao pubis, e notão-se os symptomas mais graves da moléstia: ligeiros edemas da face e nas extremidades, placas hemorrhagicas esparsas na pelle e notável tendencia as hemorrhagias. Pode ter um curso lento, muito lento apresentando de tempo em tempo, ascensões febris, que se repetem com intervallos maiores, podendo haver 10, 8, 6 em um anno, de febre alta ou muito elevada, remittente e intermittente, que dura alguns dias e depois cede gradualmente. N’estas ascensões ha grandes perturbações gastro-intestinaes ás vezes mesmo icterícia, o baço augmenta de volume propor- cionalmente a duração da febre, e, nos longos intervallos de apyrexia reduz-se consideravelmente, e melhorando mesmo a anemia. Assim a criança sempre doentio, anémico, com um grande baço pode chegar á juventude (forma chronica da anemia sple- nica, com ascensões recorrentes febris, descripta por Cardarelli no : Bolletim da Real Academia Medico Cirúrgica de Nápoles, anno l.° n.° 8 e 9 de 1889). De resto, a anemia splenica infantil desde o começo, se apresenta com febre, que pode ser ligeira de alguns décimos, continua e intermittente, ou ser elevada, 19 attingir a 40° ou mais, remittente e intermittente, com intermit- tencia de grande ou de pequena duração. Cardarelli accrescenta que não raro, encontrão-se verdadei- ros paroxysmos periódicos: a febre, depois de alguns dias, cede gradualmente e, mais tarde, passados 2 ou 3 dias de apyrexia completa, reapparece; e assim durante o decurso da moléstia, o qual pode ser de vários mezes e mesmo de mais de um anno. As crianças afiectadas de anemia splenica costumão soffrer dyspepsia com constipação ou diarrhéa e frequentemente são sujeitas a manifestações catarrhaes do tubo gastro-intestinal ou do apparelho respiratório. Splenopathia da syphilis hereditária Notável tumefacção splenica com profunda anemia—sem- pre sem febre. Geralmente as crianças affectadas d’esta moléstia não apre- sentão nenhuma outra, das manifestações da syphilis hereditária, isto é, ha ausência de pemphigus especifico das palmas das mãos e das plantas dos pés, de coryza, de ulcerações da margem do anus e dos orgãos genitaes, e de alterações ósseas ; apresentão unicamente, uma anemia considerável, com grande tumefacção splenica e de frequente com augmento de volume do figado, que pode ser afiectado, contemporaneamente, da syphilis. Estes doentes solTrem de dyspepsia e facilmente adquirem catarrhos gastro-intestinaes. CAPITULO V Prognostico e Therapeutica Anemia splenica O prognostico da anemia splenica não é tão máo, como o da leucemia, ou da pseudo-leucemia, nem como o da anemia perniciosa progressiva, que, rebelde a qualquer tratamento evo- lue sempre com aggravação, até produzir a morte. Assim, de- ve-se destinguir a anemia splenica da pseudo-leucemia e da anemia perniciosa : comtudo, pode terminar pela morte, devida a qualquer moléstia intercorrente, principalmente dos orgãos res- piratórios, quasi sempre, porém, observa-se a cura, quando o doente é collocado em boas condições de hygiene e submettido a um tratamento conveniente. São remedios soberanos da anemia splenica a quinina e o ferro: deve-se administrar a quinina só até 0o,50 pordia, quando ha febre ; e a quinina em dose menor, e também o ferro, quando não ha febre, ou esta é minima, isto é, só de poucos décimos. Havendo, perturbações ou catarrho gastro-intestinal, n’este caso deve-se empregar medicação apropriada, suspendendo o ferro e a quinina. O sal de quinina que melhor é tolerado, é o hydroclorato, que se pode administrar em solução, ás colherinhas: e entretantos preparados de ferro, o que me parece mais apropriado, ou conveniente, é o albuminato de ferro liquido (Drees), do qual po- de-se dar 20 gottas 2 ou 3 vezes por dia. Pode-se recorrer também ao tratamento cirúrgico, isto é, a splenectomia ?. Sim, porque, só o bago é affectado n’esta moléstia 21 e está provado hoje, poder viver-se sem baço. Entretanto a splenectomia é sempre uma operação grave, e poder-se-ha recorrer a ella, só quando não se tem mais esperança no tratamento medico e o estado do doente permittir. Splenopathia da syphilishereditaria As criancas affectadas d’esta forma de syphilis hereditária podem morrer, pelo depauparemento notável a que chegão: ordinariamente, porem, curão-se e em breve tempo se submet- tem-se ao tratamento mercurial. Diversos são os methodos que os auctores costumão adoptar n’este tratamento: Baginshy costuma empregar sempre banhos de sublimado (1 por dia para as criancas até 1 anno, de 0,50 de sublimado para cada banho), e acredita ser este o melhor meio de administrar o mercúrio as crianças muito pequenas, porque é muito bem tolerado e muito efficaz nas erupções cutaneas da syphilis hereditária ; e alémd’isso, notouque, depois do emprego dos banhos de sublimado, desapparecião rapidamente também as graves lesões ósseas. Mas, não menos efficazes, na syphilis infantil, são as fric- ções de unguento mercurial, que tem dado sempre esplendidos resultados; e sobre os banhos, tem a vantagem, de, no seio da familia, ser de facillima applicação. Querendo dar o mercúrio pela via digestiva pode-se recorrer ao calomelanos, que é bem tolerado pelas crianças; tem, po- rém, o inconveniente de produzir diarrhéa, e é contra-indicado quando ha catarrhos diarrhéicos intestinaes. A’ cura mercurial, convém ajuntar, nas crianças muito ané- micas, o iodureto de ferro granulado—do qual pode-se admi- nistrar gr. 0,05 muitas vezes no dia, sempre que as condições gastro-intestinaes permittirem. CAPITULO VI Caso clinico de anemia splenica infecciosa (Nápoles, 30 de Maio de 1892) Menina de 12 mezes nascida em Marano (Nápoles) Anamnese e etiologia: A mãe apparentemente de bôa saude, diz que o marido é sadio. Teve outra filha, que falleceu, depois de ter sofírido por muito tempo, de catarrlio bronchico e febres. Quanto á presente, refere que nasceu em bom estado mas, pouco tempo depois, começou a soífirer perturbações intestinaes e febres; foi amamen- tada por sua mãe e por outra mulher, e do quinto mez em diante foram-lhe dados alimentos communs. Exame physico: Pelle e mucosas consideravelmente pallidas, pelle leve e musculos flácidos—pequenos ganglios cervicaes e inguinaes, A cabeça mostra-se bocelada nas regiões parietaes; a fonta- nella anterior muito larga continua-se com a sutura sagittal até a fontanella posterior e lateralmente continua-se com as suturas coronaes. A dentição é retardada, porque, vê-se, apenas, des- pontar um incizivo. As epiphyses dos ossos longos, radio, cubito, tibia e peroneo, appresentão-se engrossadas. O thorax é depri- mido lateralmente, e notão-se ingrossamentos nas cartilagens costaes, formando a chamada coroa rachitica: á percussão e auscultação nada se observa. O abdómen apresenta-se um pouco avolumado, especial- mente á esquerda; pela apalpação nota-se uma tumefacção do 23 baço, bem desenvolvida, e que se estende em baixo, até 3 centímetros, abaixo da linha umbilical transversa, adiante até a linha sterno-marginal esquerda prolongada. Pela apalpação, o baço apresenta-se liso, de consistência duro-elastica e não do- loroso. O figado não excede a arcada costal direita. Diagnostico: Pela analyse microscópica do sangue encontra-se: 3,820,000 globulos vermelhos, 20,000 globulos brancos, por millimetro cubico; 65 de hemoglobina; havia, pois, anemia. Que a doente era rachitica, não ha duvida: a cabeça bo- celada, o thorax deprimido lateralmente, acompanhado de no- dulos nas cartilagens costaes (coroa rachitica); as intumescências epiphysarias são signaes caracteristicos do rachitismo. Entre- tanto, a anemia e a tumefacção splenica classica, não podem ser efieito do rachitismo existente, o qual não costuma nunca produzir tal modificação splenica-—como se observa no caso em questão. Ao contrario, n’esta doente pode-se admittir que a ane- mia seja a causa determinante do rachitismo, que, na opinião de Baginsky e outros pediatras illustres, reconhece como causa possível, todas as condições mórbidas perturbadoras da nutri- ção e a falta de hygiene em geral, a humidade na habitação, o ar confinado e falta de asseio. Mas, se de um lado não podemos derivar aquelles symp- tomas do rachitismo, por outro, podemos referi-los de uma infec- cão malarica chronica. Porém examinado microscopicamente o sangue d’aquella doente, com o fim de verificar a presença dos plasmodios malaricos descobertos por Laveran, o resultado foi negativo. Assim, pois, a anemia em questão, com diminuirão notável dos globulos vermelhos, sem leucemia; com tumefacção splenica e sem sensivel intumescência das glandulas lymphaticas, consti- tuía exactamente aquella forma pathologica, que é descripta com o nome de anemia splenica infecciosa das crianças. Marcha e terminação da moléstia. A criança foi submettida ao tratamento pelo ferro e phos- phato de cálcio, administrando-se também pequenas doses de quinina: depois de 10 dias d’este tratamento, foi o mesmo sus- penso, porque a mãe da enferma retirou-se para a sua provincia. Durante os dias de tratamento a criança apenas apresentou um pouco de constipação. CAPITULO VII Caso clinico de splenopathia da syphilis hereditária (Nápoles, 9 de Março de 1892) Menino de 4 mezes nascido em Nápoles Anamnese e etiologia: Refere a mãe que tem uma filha de 14 annos de perfeita saude; que o marido teve infecções celticas, pelas quaes, esteve em tratamento no hospital de Jesús e Maria de Nápoles. IIa 5 annos, teve ella, um parto prematuro, o feto nascendo morto ; depois dous abortos ambos de 3 mezes, e por fim deu a luz o presente, que nasceu a termo e em bom estado: dous mezes depois começa a desnutrir-se e a tornar-se pallido. E’ ali- mentado com papas e de pouco leite materno. Teve etem actual- mente perturbações intestinaes, com dejecções verdes, aliás es- cassas. Exame physico: Apresenta a pelle e as mucosas muito pallidas e acha-se notavelmente em desnutrição; tem ganglios pequenos diffusos nas regiões inguinaes, no pescoço e no peito: boa conformação do esqueleto. O abdómen apresenta-se túmido, com grande meteorismo intestinal; pela apalpação nota-se que o ligado excede a arcada costal direita, cerca de 2 centímetros; o baço estende-se, em baixo, até a linha umbilical transversa, e adiante, parece não exceder a linha axcillar anterior prolongada; esta1 tumefacção 26 splenica é de superfície lisa de consistência duro-elasticae indo- lente á apalpação. Diagnostico: Pelo exame microscopico do sangue, encontrou-se 800,000 globulos vermelhos, 4,000 globulos brancos por millimetro cubico ; 40 de hemoglobina; assim, pois, tratava-se de profunda anemia. Mas, devia-se considerar esta anemia autonoma, uma forma mórbida própria, ou, é secundaria, isto é, consecutiva a outras condições mórbidas ? Na anamnese resultava claramente que o pae do doente con- trahira infecção syphilitica e isto, depois do nascimento da pri- meira filha; porque, foi depois que a mulher teve um parto pre- maturo e mais tarde dois abortos. Ora estabelecida a syphilis no progenitor, este doente, que apresentava tumefacção splenica com grande anemia, certamente devia estar affectado de uma splenopathia syphilitica, por syphi- lis hereditária. E não podia-se pensar também em uma degeneração amy- loide incipiente? A degeneração amyloide, é verdade, costuma começar sempre pelo baço, que ataca mais intensamente do que outros orgãos abdominaes,mas esta, desde o inicio, é acompanhada de cachexia geral do organismo e o nosso doente não apresen- tava uma verdadeira cachexia, não obstante sua grande anemia: além disso o baço com degeneração amyloide, costuma apresen- tar-se a apalpação, duro, muito duro com bordos obtusos e profundas incisuras e estes caracteres faltarão n’aquelle enfermo. N’este, o baço, ao contrario, de volume medíocre tinha con- sistência duro-elastica, superfície lisa, uniforme ; em summa, apre- sentava os caracteres de uma tumefacção diffusa, por infiam- mação lenta, chronica. E tratava-se exactamente, cTaquella inflammação chronica, que costuma determinar nos orgãos parenchymatosos, o virus syphilitico, aquella que tem por caracteres essenciaes, a proli- feração excessiva do tecido conjuntivo intersticial com damno das cellulas do orgão, e é por isso na minha opinião, que as 27 crianças affectadas de splenopathia syphilitica apresentão também anemia notável. Marcha e terminação da moléstia. y A criança é submettida as fricções mercuriaes e depois de 10 dias déste tratamento, á 19 de Março, procede-se a novo exa- me do sangue encontrando-se : 1,200,000 de globulos verme- lhos; 4,000 de globulos brancos, 40 de hemoglobinas. A 31 de Março fez-se o terceiro exame com o seguinte resultado; 1,590,000 de globulo» vermelhos 4,200 de globulos brancos; 45 de hemo- globina. A 21 de Abril procede-se ao 4o exame, cujo resultado é: 2,500,000 globulos vermelhos; 5,000 de globulos brancos; 65 de hemoglobina. Finalmente pelo 5o exame, a 23 de maio, isto é, depois de 2 mezes e meio de tratamento mercurial encontra-se 4,370,000 de globulos vermelhos; 10,000 de globulos brancos; e 85 de hemoglobina. O baço reduzia-se cjuasi aos seus limites normaes e a criança, no aspecto geral, apresentava-se ílorida, a ponto de se poder consideral-a períeitamente curada. CAPITULO VIII Caso clinico de splenopathia da syphilis hereditária (Nápoles, 24 de Abril de 1892) Menino de 4 mezes nascido em Afragola (Nápoles) Anamnese e etiologia. Os paes tem bom aspecto, mas o pae diz ter contrahido syphilis, a 5 annos. Immediatamente submetteu-se ao tratamento mercurial e depois de um anno, casou-se, continuando entretanto, o tratamento. A mulher não conseguiu levar ao fim a primeira gestação tendo um parto prematuro, com o feto morto. O mesmo não succedeu com a segunda gestação, que evoluio regularmente, vindo a luz uma criança que vive e em boas con- dições : depois disso, o pae, julgando-se curado abandonou o tratamento mercurial. Por ultimo nasceu o presente menino, appa- rentemente são, mas pouco tempo depois apresentou erupções cutaneas difFusas em torno do anus e nos membros inferiores : e actualmente, como signaes residuaes, notão-se manchas chro- maticas peri-anaes. E’ alimentado exclusivamente com leite materno. Exame physico: Pallidez, sobretudo na face : boa conformação do esqueleto —nada de anormal no torax. Pela apalpação o abdómen é indo- lor : ha meteorismo intestinal. Debaixo da arcada costal esquerda, nota-se uma tumefacção splenica, que se percebe bem pela apalparão e que se estende, em 29 baixo até a linha umbilical transversa, adiante até a linha axil- lar anterior: a superfície é lisa uniforme, de consistência duro-elas- tica, e é indolor. O exame microscopico do sangue dá o seguinte resultado : 2,480,000 de globulos vermelhos; 14,000 de globulos brancos por millimetro cubico, e 40 de hemoglobina. Diagnostico: Qualquer que seja a forma mórbida que apresente uma cri- ança, uma vez que pela anamnese sabe-se que o pae é syphilitico, parece-me que deve-se sempre admittir uma syphilis hereditária. No nosso caso, porém, sabíamos com certeza que o pae d’aquelle menino tinha contrahido syphilis e também, que, por dous annos consecutivos, tinha feito tratamento mercurial e com bom resultado : porque a mulher, depois de um parto prematuro de um feto morto, poude dar a luz uma menina a termo e de boa saude. Que a syphilis seja curável é facto incontestável, para os casos não tão raros de reinfecção, que, segundo as vistas modernas sobre as moléstias infecciosas, é possível sómente, quando o organismo já se exonerou do virus primitivo. Mas, aquelle indivíduo pae do doente, não podia conside- rar-se curado, só porque teve uma filha immune da infecção ; por- quanto a transmissão hereditária da syphilis não é obrigatória e bem frequentes são os casos em que a prole permanece immune especialmente quando é o pae syphilitico e soífreu a influencia do tratamento mercurial por longo tempo e continuado. Portanto, aquelle menino, apresentando tumefacção splenica e anemia, devia estar aífectado de uma splenopathia hereditária. Podia-se também suspeitar, que ifíeste caso se tratasse de uma anemia splenica infecciosa; mas pelo anamnestico da syphi- lis paterna, era mais provável tratar-se de uma splenopatia da syphilis hereditária, e, de facto, esperimentando o tratamento mercurial—este não deixou de produzir os resultados prodigio- sos, que só em casos verdadeiros de syphilis, costuma determi- nar. Submettido o doentinho ao tratamento pelas fricções de un- guento mercurial, melhorou immediatamente e depois, de 15 dias apenas, repetindo-se o exame do sangue, chegou-se ao seguinte resultado: 2,800,000 de globulos vermelhos; 14,000 de globulos brancos e 65 de hemoglobina. Com este resultado, isto é, a me- lhora considerável do doente, era muito de esperar a sua cura completa, se continuasse sob a iníluencia das fricções mercuriaes ; mas, a mãe da criança, retirou-se para sua provinda e o doente não foi mais observado. CAPITULO IX Differenças clinicas entre a anemia splenica infec- ciosa das crianças e a splenopathia da syphilis hereditária. Como se pôde distinguir a anemia splenica da splenopathia da syphilis hereditária ? Não levando em conta ligeiras differenças que não podem constituir critério de diagnostico, a anemia splenica e a spleno- pathia da sypliilis hereditária evoluem com a mesma fôrma cli- nica, e não se podem distinguir senão pelo dado anamnestico ou pela therapeutica. Mas frequentemente os dados anamnesticos não podem ser investigados, como faltão sempre nas crianças engeitadas, e então, com prejuizo do doente, podemos perder tempo em tentativas de tratamento, quando já deveriamos inter- vir energicamente. E, além d’isso, sabemos que não é nada innocuo um trata- mento mercurial em uma criança profundamente anémica, tanto pela experiencia clinica, como pela experiencia de Polodschnow, que, misturando o sangue com albuminato de mercúrio, observou que os globulos hematicos se desfazião. D’aqui se infere que não é cousa de somenos importância procurar alguma differença entre estas duas formas pathologicas. Na anemia splenica infecciosa das crianças encontra-se sem- pre um ligeiro augmento de globulos brancos, e ainda mais, na anemia splenica infantum os leucocytos, segundo Iaksch, no san- gue se encontrariao em tão grande numero, a ponto de em alguns casos haver uma especie de leucemia, com a ausência, porém, de cellulas eosinophilas. 32 Fede, comquanto não tivesse observado tal augmento, toda- via declarou ter encontrado um augmento de leucocytos até a pro- porção de 1 para 68 globulos vermelhos. E a proposito, um pro- fessor francez, Carlos Luzé, em sua memória sobre a anemia splenica infantil (publicada nos Archives gcnèrales de mcdecine, Mai, 1891), disse que n’esta moléstia ha sempre augmento dos leucocytos, e que o numero de globulos vermelhos varia de 820,000 a 3.380,000, o dos globulos brancos de 20 a 40,000, de modo que a relação média dos globulos brancos para os verme- lhos é de ljóO mais ou menos. Em verdade, nas fôrmas mórbidas em que ha notável di- minuição dos corpúsculos vermelhos, a proporção dos glo- bulos brancos para os vermelhos deve ser avaliada de um modo todo especial afim de se estabelecer si ha ou não augmento de leucocytos. D’ahi, para evitar erros, julgo conveniente n’estes casos, ava- liar sómente o numero absoluto dos globulos brancos. Com este critério podemos dizer que também no caso de anemia splenica infantil, por mim referido, houve augmento dos leucocytos; por- que, para cada millimetro cubico, encontrarão-se 20,000 leucocy- tos em vez de 14 ou 15,000, como é a cifra normal. Pois bem, ao passo que na anemia splenica infecciosa encon- tra-se sempre augmento de leucocytos, na splenopathia da heredo-syphilis, a par da diminuição mais ou menos notável dos globulos vermelhos, nota-se também reducção no numero de glo- bulos brancos. De facto, Baginski, em seu tratado de moléstias infantis, diz que, nas crianças com syphilis congénita e grande tumefacção splenica e hepatica, não poude notar augmento dos globulos brancos do sangue. E nos dous casos de splenopathia syphilitica por mim refe- ridos, em um, para cada millimetro cubico, encontrámos 800,000 globulos vermelhos, 4,000 globulos brancos; em outro, 2.480,000 globulos vermelhos e 14,000 globulos brancos. E tanto mais estas cifras de leucocytos estão abaixo da normal, porquanto as en- contrámos em duas crianças, ambas de quatro mezes, quando 33 normalmente a relação dos globulos brancos para os vermelhos é de 1 para 200, e portanto para cada millimetro cubico de sangue maquella edade devem-se encontrar cerca de 25,000 globulos brancos. Creio que si esta minha observação fôr mais tarde confir- mada, teremos, sem duvida, encontrado um criterioso diagnostico importantissimo, porque é o unico, afim de poder distinguir a splenopathia da syphilis hereditária, da anemia splenica infec- ciosa, quando também não ha nenhum dado anamnestico que auctorise a suspeitar a syphilis hereditária. PKOPOSIÇ0ES PROPOSIÇÕES Physica medica I O thermometro é um instrumento destinado a medir a tem- peratura. II A graduarão thermometrica é feita sobre diversas escalas. III O thermometro tem grande applicação em clinica. Chimica inorgânica medica I O chlorureto de sodio é um sal branco, crystallisavel e muito solúvel n’agua. II Em alguns terrenos fôrma grandes camadas, e n’agua do mar é o sal mais abundante. III O chlorureto de sodio encontra-se em todos os organismos vegetaes e animaes. 38 Botanica e zoologia medicas I Os inyxomycetos representão o annel de união entre as plan- tas inferiores e os protozoários. II Os protozoários dividem-se em rhizopodos, sporozoarios e infuzorios. III O parasita da malaria é classificado entre os sporozoarios. Anatomia descriptiva I O baço c um orgão glandulo-vascular. II Não tem conducto excretor. III E’ revestido pelo peritoneo em toda a sua superfície, menos no hilo, por onde entrão e sahem os vasos. Histologia I Os corpúsculos de Malpighi observão-se nos baços frescos dos homens sãos e das crianças. II Esses corpúsculos achão-se isolados ou grupados em cachos nas arborisações vasculares do baço. III São constituídos por um involucro connectivo e de um reti- çulo contendo çellulas lymphoides. Physiologia I O baço é uma glandula lymphatico-hematopoietica. II No baço ha também destruição de globulos vermelhos. III Contribue para a genese do pigmento no estado normal e pathologico do organismo. Anatomia medico-cirurgica I O baço está situado no hypocondrio esquerdo. II A face externa está em relação com o diaphragma, que a separa das costellas. III A face interna acha-se em relação com o estomago, com a cauda do pancreas, a capsula supra-renal e o rim. Clinica propedêutica I A area de matidez normal do baço se estende da 9a a 11a cos- tella; da linha costo-articular (traçada da articulação esterno- clavicular esquerda ao apice da 11a costella) até a columna ver- tebral. II Esta area de matidez augmenta e excede a arcada costal esquerda quando o baço cresce de volume. III A apalpação é o melhor meio semiotico para conhecer-se do augmento do baco. 40 Pathologia geral I A degeneração amyloide, na generalidade dos casos, é uma consequência das perturbações na nutrição geral. II Frequentemente é determinada pela tisica pulmonar, pela syphilis e suppurações prolongadas. III A degeneração amyloide observa-se mais frequentemente nos rins, no fígado, nos ganglios lymphaticos e na mucosa intestinal. Anatomia e physiologia pathologicas I Os orgãos invadidos pela degeneração amyloide apresen- tão-se augmentados de volume e de consistência. II Quando seccionados estes orgãos apresentão uma superfície brilhante e transparente. III A degeneração amyloide se reconhece tratando o orgão affectado pela solução iodo-iodurada e pelo acido sulphurico di- luído Chimica organica e biologica I A substancia amyloide, segundo Berthelot, Schmidt e outros, é um composto quaternário. II Contém azoto, e pela sua composição centesimal é analoga á dos albuminoides. III E’ insolúvel ifagua, e só é atacada pela solução acida ou alca- lina depois de aquecida. 41 Chimica analytica e toxicologica I O oxydo de carbono é um veneno do sangue. II E’ capaz de substituir o oxygeno da hemoglobina. III Communica ao sangue uma côr vermelha particular, que per- siste mesmo depois da morte. Clinica dermatológica e syphiligraphica I A syphilis hereditária póde atacar todos os tecidos e todos os orgãos do organismo infantil. II O coriza e a rouquidão da voz são dous symptomas dos mais precoces na heredo-syphilis. III Estes symptomas reunidos a erupções cutaneas especiaes cons- tituem os dados diagnósticos mais importantes. Pathologia medica [ Os germens da malaria encontrão no bago condições favo- ráveis ao seu desenvolvimento. II O parenchyma splenico reage a esta irritação, hypertro- phiando-se. III A tumefacção splenica da malaria póde assumir proporções enormes. 42 Clinica medica (primeira cadeira) I Clinicamente o exame microscopico do sangue é importan- tíssimo. II A contagem dos globulos vermelhos e dos leucocvtos é indispensável em qualquer caso de anemia. III Os leucocytos devem ser avaliados em relação aos corpús- culos vermelhos e também absolutamente. Clinica medica (segunda cadeira) I A fôrma febril mais commun da malaria é a intermit- tente. II As fôrmas de accessos approximados, contínuos, remitten- tes, são mais frequentes nos climas tropicaes. UI O typo da febre, a tumeíacção do baço e a acção especifica da quinina constituem os symptomas mais importantes da ma- laria. Pathologia cirúrgica I O lympho-sarcoma é um tumor eminentemente maligno. II Ilistologicamente é um sarcoma composto de cellulas redon- das e cellulas fusiformes. III Tem origem, quasi sempre, de uma glandula lvmphatica do pescoço—séde de predilecção. 43 Clinica cirúrgica (primeira cadeira) I Clinicamente não é difficil distinguir o lymphoma leuce- mico do lymphoma escrofuloso. II O lvmphoma leucemico permanece molle, movei e não adhere ás partes circumstantes. III O exame do sangue assegura o diagnostico. Clinica cirúrgica (segunda cadeira) I A extirpação do baço é indicada nos casos de grande vo- lume splenico-leucemico, na malaria, nos casos de sarcoma e de kystos. II Os melhores resultados são obtidos nos casos de baço movei, de kystos e de hypertrophia simples. III A splenectomia deve ser considerada uma operação grave. Operações e apparelhos I A laparotomia constitue o primeiro tempo da splenectomia. II Depois de encontrado o baço, a primeira cousa a fazer é a ligadura separada e dupla da artéria e veia splenicas, do liga- mento gastro-lienal e do ligamento diaphragmatico. III O baço deve • ser completamente isolado para poder ser se- parado dos seus ligamentos. 44 Therapeutica I A quinina é o anti-malarico por excellencia. II A quinina é muito mais efficaz nas fôrmas agudas da malaria' III Como tratamento preventivo é muito empregado o arsénico. Matéria medica—pharmacologia e arte de formular I Em uma prescripçao é necessário escolher o preparado do medicamento mais opportuno e a via de absorpção mais conve- niente. II R’ preciso ter em vista a incompatibilidade para estar seguro da accão medicamentosa. III Commette-se erro de incompatibilidade quando subminis- tra-se uma substancia medicamentosa em condições physico-chi- micas capazes de paralysar a sua acção. Clinica ophtalmologica 1 A conjunctivite dos recem-nascidos é de natureza infecciosa. II A infecção se faz na passagem do feto pelas vias genitaes. III O systema de Credé é o melhor meio preventivo da oph- talmite dos recem-nascidos. 45 Clinica pediátrica I O rachitismo, geographicamente muito diffuso, costuma pou- par os paizes tropicaes. II Por um processo irritativo produz o rachitismo notáveis de- formações no esqueleto infantil. III E’ provável que sejão causas do rachitismo certas alterações na nutrição, dependentes do systema nervoso central. Hygiene I A malaria é uma moléstia mais commum nas zonas tropi- cal e sub-tropical. II Ainda nada se sabe sobre o modo de diffusão do germen malarico. III A prophylaxia pôde consistir em remover a humidade, que é uma das condições necessárias ao terreno malarico. Medicina legal I Nos cadaveres dos estrangulados é caracteristico um cir- culo vermelho peri-corneal. II Depende este signal de um derramamento sanguíneo no ca- nal de Schlemm. III O sangue provém das veias ciliares que convergem n’aquelle canal. 46 Obstetrícia I Os vicios de conformação da bacia são causa de dystocia. II Em taes casos recorre-se a uma operação obstétrica, princi- palmente para salvar a vida da mulher. III A operação será a que fôr indicada pelo gráo de estreita- mento pelviano. Clinica obstétrica e gynecologica I A esterilidade 11a mulher reconhece varias causas. II Quasi sempre é devida á impermeabilidade do canal cer- vical do utero. III O estreitamento do canal também póde ser causa de esterilidade por si mesmo e pelas condições anormaes que deter- mina. Clinica psychiatrica e de moléstias nervosas I O diagnostico de séde nas moléstias cerebraes é de grande importância. II Tal diagnostico se faz pelo conhecimento das localisações cerebraes. III As localisações cerebraes hoje bem conhecidas são: as dos centros psycho-motores, da palavra, do ouvido e da vista. HIPPOCRATIS APHORISMI I Per cetates hoec eveniunt, parvis et recens ncitispueris ser- pentia oris ulcera, aphthce dictoe, vomitiones, tusses, vigilice, pa- vores, circa umbilicum inflammationes, aurium umiditates. II Ad dentionem vero progressis, gingivarum stimulantes pru- rigines, febres, convulsiones, alvi projluvia, idque preecipue cum caninos dentes emittere coeperint, et iis qui maxime crassi sunt et alvcs duras habent. III At iis paulum eetate progressis, tonsillarum inflammationes, vertebree quce ad occipitium est interior em in partem impulsiones, crebrce anhelationes, calculi, lumbrici rotundi, alii tenues et mi- nuti, in recto intestino orti, ascarides dicti, verrucce Grcecis akpoxopdoves dictoe, satyriasmi, strumee et alia tubercula, prceci- pue vero predicta. IV Adhuc autem eetate provectioribus et ad pubertatem progres- sis, ex iis multa et febres diuturnce, et sanguinis ex naribus pro- fuvia. V At magna ex parte pueris morbi judicatione solvuntur, partim quidem intra quadraginta dies, partim vero intra sep- tem menses, nonnulli intra annos septem, quidam etiam ad pu- bertatem progressis. VI Qui (morbi) vero pueris perseverarint, neque circa puber- tatem soluti fuerint,aut foeminis circa mensium eruptionem, diu perseverare consueverunt. Visto.—Secretaria da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, 5 de Janeiro de 1897- O Secretario, Dr. Antonio de Mello Muniz Maia.