DO Dr. Rias Ribeiro DISSERTAÇÃO Cadeira de Pathologia Medica FEBRE T YPHOIDE PROPOSIÇÕES Tres sobre cada cadeira da Faculdade TtIESE APRESENTADA /Faculdade de Medicina e de PH/pc/ do I[io de Janeiro jft J»Í|ítto JÍIO |UMIO FORMADO EM SEIEMIAS MEDIOO-GiRURÊiGAS PELO Pela Faculdade de Medicina de Jefferson, Philadelphia, Cirurgião Dentista pela Escola de Cirurgia Dentaria da Pennsylvania, ex-medico da The United-States and Brazil M S. S Co , etc. NATURAL DO ESTADO 00 RIO DE JANEIRO Afim de poder exercer a sua profissão na Republica dos Estados Unidos do Brazil RIO DE JANEIRO Typ. Aldina Rua Sete de Setembro N. 79 1895 FACULDADE DE MEDICINA E DE PHARMACIA DO RIO DE JANEIRO DIRECTOR—Dr. Albino Rodrigues de Alvarenga. VICE-DIRECTOR—Dr. João Tizarro Gahiso. SECRETARIO—Dr. Antonio de Mello Muni/. Man. Dks. : LENTES CATHEDRATICOS João Martins Teixeira Augusto Ferreira dos Santos João Joaquim Pizarro Ernesto de Freitas Crissiuma Eduardg Chapot Brçvost Domingos José Freire João Paulo de Carvalho josé Maria Teixeira Pedro Severiano de Magalhães Henrique Ladislau de Souza Lopes Augusto Brant Paes Leme Marcos Bezerra Cavalcanti Antonio Augusto de Azevedo Sodré Cypriano de Souza Freitas Albino Rodrigues de Alvarenga Luiz da Cunha Feijó Júnior Agostinho José de Souza Lima Benjamin Antonio da Rocha Faria Carlos Rodrigues de Vasconcellos João da Costa Lima e Castro João Pizarro Gabiso Francisco de Castro Oscar Adolpho de Bulhões Ribeiro Erico Marinho da Gama Coelho José Benicio de Abreu João Carlos Teixeira Brandão Cândido Barata Ribeiro Nuno de Andrade Physica medica. Chimica inorgânica medica. Botanica e zoologia medicas. Anatomia descriptiva. Histologia theorica e pi atica. Chimica organica e biológica. Physiologia theorica e experimental. Pharmacologia e arte de formular. Pathologia cirúrgica. Chimica analytica e toxicologia Anatomia medico-cirurgica e comparada. Operações e apparelhos. Pathologia medica. Anatomia e physiologia pathohigicas Matéria medica e therapeutica. Obstetricia. Medicina legal. Hygiene e mesologia. Pathologia geral e historia da me licina. Clinica cirúrgica—2a cadeira. Clinica dermatológica e syphiligraphica. Clinica propedêutica. Clinica cirúrgica—Ia cadeira. Clinica obstétrica e gynecologica. Clinica ophthalmologica. Clinica medica—2a cadeira. Clinica psychiatrica e de moléstias nervosas Clinica pediátrica. Clinica medica —la cadeira. LENTES SUBSTITUTOS Dks. : I" secção 2a ~ 3" » 4" .. 5” » 6a r » 8a ~ 9íl „ ioa ~ na ~ 12a „ Antonio Maria Teixeira, í Genuine Marqu*s Mancebo. } Luiz Antonio da Silva Santos. Philogonio Lopes Utinguassú \ Luiz Ribeiro de Souza Fontes. Ernesto do Nascimento silva. < Domingos de Góes e Vasconcellos. ? Francisco de Paula Valladares. Bernardo Alves Pereira. Augusto de Souza Brandão. Francisco Simões Corrêa. Joaquim Xavier Tereira da Cunha. Luiz da Costa Chaves Faria, Mareio F. Nery. N- B- A Faculdade não approva nem reprova as ODÍniões emitlidas nas theses que lhe são apresentadas. ‘ ’ DISSERTAÇÃO FEBRE TYPHOIDE The knowledge tbat a man can use is the only real knowledge; the only knowledge that has life and growth in it and converts itself into practical power. The rest hangs like dust about the brain, or dries like rain drops oíf the s tones. Froude. MEIS ET AMICIS FEBRE TYPHOIDE Historico Para fazermos uma descripção completa da historia da febre typhoide, seria necessário entrarmos em todo o as- sumpto das febres continuas, assumpto talvez mais extenso do que qualquer outro do dominio da sciencia medica. Não temos, porém, esta pretenção e nem o objecto do nosso imperfeito trabalho torna-o necessário ; ficaremos sa- tisfeitos, cumprindo um dever exigido pela lei, em tocar aqui simplesmente nos pontos mais salientes da sua historia. O Dr. Alexander Collie, no seu Tratado de febres, diz : “ Ha alguma evidencia que a febre typhoide existisse no tempo de Hippocrates, e um caso citado no livro terceiro das Epidemias é provavelmente um exemplo ; porém dessa época até o século 17 parece que confundiram-na com as outras doenças. “ Nesse século, entretanto, ha descripções de uma febre por Spigel, Baglivi e Lanius, que provavelmente era typhoide, e Sydenham reconheceu uma febre distincta da febris pes- tilens, que era provavelmente typhoide. Alguns autores ingle- zes no século 18, distinguiram as febres slovo, Igw e nervous como distinctas da febris petechiales e estas, ou algumas delias, eram provavelmente typhoide.’’ E’ a grande febre do presente periodo historico no mundo civilisado, como o typho o foi dos séculos 17 e 18, e a peste na idade média. E’ hoje endemica em todo o mundo, onde os povos europeus teem feito residência. E’ muitas vezes observada em casos esporádicos, outras vezes declara-se como uma epidemia local. A primeira descripção das lesões pathologicas, embora incompleta, encontra-se no trabalho de Prost, publicado em 1804. Em sua obra intitulada “A medicina esclarecida pela abertura dos corpos”, Prost assignalou bem a inflammação e as ulcerações que se encontrara nas autopsias de individuos mortos de febre ataxica, pútrida, maligna, etc., porém para elle estas lesões não eram sinão o resultado de um excesso de phlogose intestinal, como causa da morte. 8 Petit e Serres (1813), em seu tratado de “Febres entero- mesentericas”, se approximaram mais da verdade, fazendo a descripção circumstanciada das lesões intestinaes, porém commetteram dois erros : primo, acreditando que existissem tres variedades de febres entero-mesentericas, a simples, a butonosa e a ulcerosa, sem notar que o aspecto da lesão varia com a época da moléstia ; secundo, suppondo que a lesão in- testinal constituía por si a enfermidade. Mais tarde, Bretonneau (1820), o primeiro que deter- minou a natureza especial da lesão intestinal que a caracte- risa, descreveu-a sob a denominação de dothienenteria, reunindo nessa mesma especie mórbida todas as variedades esparsas descriptas anteriormente. Foi então que appareceram os trabalhos dessa pleiade de homens illustres : Trousseau, Andral, Louis, Wunderlich, Jackson, Bouillaud, etc., que brilham como scentelhas no firmamento fulgurante do mundo scientifico. e a febre ty- phoide tomou desde então, definitivamente, o lugar que ella occupa hoje, na nosographia medica ; porém, apezar disso, alguns autores continuaram a consideral-a como uma modi- ficação do typho. A febre typhoide torna-se para Forget a enterite folli- culosa ou a inflammação dos folliculos intestinaes, do mesmo modo que a pneumonia é a inflammação do pulmão. Nas suas narrativas, elle quer que o estado typhico seja ura attributo commum a lesões muito variadas, além de que, fallando de uma pneumonia typhica, sobrevindo em uma mulher, diz: “ N’est il pas plus rationnel d’admettre que cette ferarae a pris accidentellement une pneumonie, qui est devenue typhoide parce que le sujet était usé par l’âge, la fadigue, la misère ?” Foi’get nega a necessidade de uma lesão apreciável dos tecidos e guia-se pela alteração primitiva dos liquidos ; taes são, diz elle, certos casos de typhus siderans que mata o doente antes do desenvolvimento das lesões vis- ceraes apreciáveis. Grisolle admitte também que a lesão é sempre conse- cutiva a um estado geral, e da mesma forma Chomel reco- nhece que a alteração dos folliculos de Brunner e das glân- dulas de Peyer não póde explicar por si só a moléstia sem a alteração indeterminada dos nervos edo sangue, e mais par- ticularmente dos liquidos. Devemos reconhecer que a lesão dos folliculos é por tal fórma frequente, que podemos consideral-a como signal pathognomonico da febre typhoide ; e não épara admirar que em casos raros não sé encontrem estas alterações nos folliculos, 9 porquanto desde Sydenham até hoje todos os observadores teem admittido variolosos sem o cxanthemapustuloso (varíola sine variolis). Em 1836. o Dr. H. C. Lorabard, de Genebra, foi o pri- meiro que narrou que havia duas febres distinctas e sepa- radas na Grã-Bretanha, uma delias idêntica á febre typho e a outra á typhoide. Na mesma occasião Gerhard e Pinnock, de Philadelphia, chegaram ás mesmas conclusões, pelas observações de uma epidemia de typho que assolou aquella cidade em 1835 e 1836. O Dr. A. P. Ste-ward, de Londres, em 1840, descreveu com muita precisão as differenças das erupções das febres typho e typhoide ; porém é ao monumental trabalho de Louis que devemos a primeira descripção completa e comprehen- siva da febre typhoide, descripção tão completa que os obser- vadores que o seguiram teem difficilmente modificado. A febre typhoide das crianças foi cuidadosamente estu- dada por Barthez e Rilliet e por Taupin. Richard Bright apresentou alguns especimens excellentes de ulcerações in- testinaes dessa moléstia. Entre os observadores continentaes que estudaram par- ticularmente as lesões intestinaes, destacam-se Roederer e Wagler, Petit e Serres, e Bretonneau. As contribuições feitas pelos médicos americanos sobre o conhecimento da pyrexia typhoide teem sido numerosas e im- portantes. Entre os primeiros trabalhos sobresahem os de Nathan Smith (1824), James Jackson (1835), Enoch Hale (1833), W. Gerhard (1835), Austin Flint (1852), E. Bartlett (1835), Stilé, Norris, Pennock, Schattuck, Holmes, Bowditch, Power, etc. Depois do que acabamos de dizer em synopse ao histó- rico do typho abdominal, segundo o movimento da sciencia, nos é permittido confessar que não devemos ficar em um immobilismo pernicioso e sim acceitar francamente os dados novos da sciencia, estabelecidos pelas investigações múltiplas, curvando-nos á autoridade dos factos. Passemos a tratar presentemente, de conformidade com as idéas mais modernas, do historico das bactérias, que estão era relação com a febre typhoide. Em 1871, Recklinghausen notou massas de raicrococcus assestando-se nos abcessos consecutivos á febre typhoide; Eberth proseguindo nestas investigações, publicou em o anno seguinte um trabalho onde parece achar-se cm preludio a sua bella descoberta de 1880, e onde o autor considera os bacillos assignalados nos orgãos internos dos typhicos como productos de infecção secundaria, porque, diz elle, não se 10 encontram estes mesmos bacillos sinão sobre as ulcerações intestinaes em via de necrose ou de cicatrização; Klein (1875) encontrou também diversas especies de micro-organismos nas lesões de affecção typhica, e como este autor inglez, Sokoloff, Browicz e Fischl, guiados pelo successo das pes- quizas dos seus antecessores, viram perfeitamente bactérias alongadas no baço, no rim, nas placas de Peyer e sobre as paredes intestinaes dos typhicos. Ebcrth (1880,1881 el 883) foi o primeiro que na realidade deu a primeira descripção detalhada e exacta dos bacillos que se observam na febre typhoide, experiencias estas estu- dadas e realizadas por Klebs (1881), Coats e Crooke (1882), Mayer, etc. Apezar da autoridade de todos estes observadores, a prova ainda estava longe do ser feita. O microbio de Eberth não tinha absolutamente nada de característico sob o ponto de vista morphologico, e a com- prehensão destas controvérsias puramente anatómicas estava longe de ser decisiva. Foi o methodo das culturas sobre meios solidos (do qual Koch acabava de precisar a technica) que pcrmittiu a Gfaffky (1884) isolar e cultivar o bacillo typhoidico, completando assim de uma maneira feliz o estudo morphologico e bio- logico. Estes trabalhos fundamentaes foram o ponto de partida de muitos outros que precisaram ou completaram as pes- quizas de Eberth e Gaffky. 11 Synonymia A febre ou affecção typhoide de Louis, Chomel, Jackson e outros, tem uma longa synonymia pela diversidade de au- tores que delia se teem occupado. Assim, temos as seguintes denominações ; febre entero-mesenterica (Petit), dothienen- terite (Bretonneau), dothienenteria (Trousseau), typbo abdo- minal (Autenrieth), ileotypho (Griesinger), febre enterica (G. B. Wood, Gairdner), febre pythogenica (Murchison), febre mucosa (Tissot, Selle), enterite folliculosa (Forget, Cruveilhier), febre pituitosa (Stoll), febre pútrida (Rivière), febre mesenterica maligna (Baglivi), gastro-enterite (Brous- sais), febre lenta nervosa (Langrish, Huxham), Synochus putris ou typhus mitior (Cullen), febre bectica (Willis), e ainda encontramol-a com outras denominações, que alguns práticos antigos descreveram, conforme a predominância de certos symptomas, como : febre gastrica (Baillou), febre ataxica, febre adynamica (Pinei), febre lenta (Forestus), febre nervosa (Gilchrist), febre continua (Andral), febre chronica (Juncker), febre biliosa (Tissot), febre outomnal (Flint), remittente infantil (Wilson), typbo nervoso (Sau- vages), etc., comprehendendo-se hoje por febre typhoide todas estas variedades de uma unica especie nosologica. 12 Definição Dar uma definição que abranja todas as manifestações dessa entidade mórbida e que seja ao mesmo tempo concisa e completa, é assumpto de ardua difflculdade ; comtudo, ad- optamos a seguinte, por nos parecer que contêm os caracteres principaes desta pyrexia: E’/uma affocção aguda, febril e infecto-contagiosa, de marcha cyclica e caracterisada por adynamia mais ou monos profunda, por uma erupção peculiar, que se observa geral- mente sobre o thorax e parede antero superior do abdómen, por lesões especificas dos intestinos e notável congestão do baço. Ou então de um modo mais conciso e preciso, attendendo aos dados etiologicos : “é a moléstia produzida pelo baciilo de Eberth 13 Etiologia As causas da lebre typhoide estiveram até certo tempo envolvidas na maior obscuridade. Em geral os autores que trataram dessa pyrexia, attribuiram-na á infecção por miasmas resultantes de decomposições organicas, animaes e vegetaes, sem que investigassem o elemento morbido, que nestes mias- mas produzia a febre typhoide. Hoje, porém, depois dos estudos bacteriológicos, chegaram os autores modernos á conclusão de que a causa primordial, indispensável, desta pyrexia, é um micro-organismo especifico, o bacillo desco- coberto por Eberth, opinião hoje geralmente acceita e por nós adoptada. Este bacillo {Bacillm typhosus, bacillo de Eberth) penetra no organismo são por diversos meios, mas principalmente por intermédio da agua contaminada, gelo, alimentos liqui- dosesolidos, e pelos corpúsculos contaminados e suspensos no ar atmospherico. A fonte mais fecunda do miasma typhoigenico existe nas matérias fecaes dos doentes affectados dessa moléstia. O principio typhoidico, uma vez engendrado, se transporta a distancia, por differentes meios ; espalha-se no ar, na agua, nas roupas, etc. Para uns, a absorpção do principio typhoidico se faz na própria fonte ; para outros, a absorpção se faz por uma ou varias gerações,porque elle é um principio fecundo, isto é, durante a evolução da moléstia, em um individuo, se re- genera, se multiplica. Para G-. de Mussy, Budd, etc., o contagio se faz por intermédio das dejecções intestinaes, pelas emanações das matérias pútridas, etc. A communicação desta pyrexia por intermédio das vestes e sobretudo da roupa do leito está evidentemente pro- vada pela serie considerável de observações colhidas por occasião das epidemias de Windsor, de Bristol, de Westmin- ster, Bruxellas, etc. Para provar-se o contagio, basta saber-se que elle se manifesta em um grande numero de casos. As observações negativas provam somente que a trans- missão da moléstia exige certas condições especiaes, o que é uma verdade, não só em relação a esta pyrexia, como a outra qualquer affecção contagiosa. A predisposição e a immunidade á impressão do prin- cipio contagioso teem sido observadas nas moléstias mais contagiosas. 14 Alguns autores acreditam que o elemento typhoidieo é um fermento ou bactéria de genero especial, parecendo ser o bacterio catenula de Dujardin ; 230rém, para a maioria dos autores modernos é, como dissemos, o bacillo de Eberth- Gaífky, o qual apresenta os seguintes caracteres : é um micro- organismo delgado, de extremidade arredondada, duas ou tres vezes mais comprido do que largo, polymorpho, isto é, apresentando fórmas achatada e alongada, colorindo-se pelas cores de anilina, de uma maneira menos intensa do que os outros micro-organismos e dotado de grande mobilidade. A febre typhoide não tem geographia; é encontrada em todas as partes do mundo, assim como póde occorrer em qualquer periodo do anno; é mais frequente, porém, nos mezes do outomno, pelo que esta pyrexia recebeu também o nome de febre outomnal. Affecla ambos os sexos quasi igualmente e todas as idades, porém é uma affecção essencialmente da mocidade, isto é, entre 15 e 35 annos, sendo extremamente rara depois dos 50 annos. 15 Symptomatologia Indubitavelmente abririamos um caminho escabroso era extremo, si emprehendessemos descrever minuciosamente todas as variedades de symptomas que se encontram nas diversas fórmas sobre as quaes se manifesta a febre typhoide. Sciente disto, seguimos o exemplo dos melhores práticos, ligando mais interesse aos casos observados em nosso paiz. Nas moléstias infectuosas de localisações exteriores e de evolução continua, como as febres eruptivas, é facil seguir- mos as phases diversas que tem o processo morbido e de- terminar com a devida precisão o encadeamento e a duração; mas esta determinação está longe de ser facil, quando as lesões características da moléstia se occultam á nossa obser- vação e quando o desenvolvimento delias parece fazer-se por exacerbações successivas, como observamos na dothie- nen teria. Quanto á opinião dos pathologistas sobre o numero e li- mites dos periodos da febre typhoide, ha grande divergência, attendendo á aggrupação dos symptomas na ordem de sua apparição, para representar por esta fórma em sua marcha, e era sua coordenação, os actos simultâneos ou successivos, que representam esta pyrexia. Foram os médicos francezes os primeiros que esclare- ceram o cháos da medicina pyretologica, fundando sobre bases inabalaveis a pathologia das febres continuas, obser- vando que a duração media da moléstia se encerrava em um espaço de cerca de tres semanas, á qual correspondiam as phases successivas de augmento, de estado e declinação, que correspondem ao cyclo morbido e deram a estes tres periodos as denominações de primeiro, segundo e teiraeiro periodo septenario. A divisão da febre typhoide em dous periodos, sendo o primeiro correspondente á evolução das lesões dothienen- tericas e o segundo á sua reparação, nos parece mais theo- rica que pratica. Foi proposta por Hamerynk e foi adoptada com enthusiasmo por toda a escola allemã e introduzida em França por Jaccoud. Debaixo do ponto de vista anatomico, diz Griesinger, o primeiro periodo corresponde, de uma maneira geral, á in- filtração e á ulceração das placas de Peyer ; o segundo per- tence, portanto, á reparação do processo typhoidico. Wunderlich, Thomas, See, Hirtz, etc., julgaram mais acertado basear os periodos da febre na marcha da tempera- 16 tura febril, admittindo tres estádios : o primeiro ou das oscil- lações ascendentes; p segundo ou das oscillações estacionarias e o terceiro ou das oscillações descendentes. “Julgamos plausivel fundar, antes, os periodos da febre typhoide no conjuncto de symptomas mais ou menos con- stantes, que apparecern em épocas mais ou menos determinadas da sua evolução e, por isso, admittirms tres periodos, a saber; Io período ou de invasão, de ascensão, etc.; 2" período, de estado ou ataxo-adynamico, e 3o periodo ou de termi- nação, que se realiza pela cura ou pela morte”.—Peçanha da Silva. A duração da phase prodromica varia de sete, dez ou mesmo mais dias. Todos os autores concordam em dar como ponto de in- vasão da moléstia ou o momento do primeiro calefrio ou o da elevação tliermica, e desta data é enumerada a duração dos differentes periodos. 17 Primeiro periodo ou de invasão Em casos numerosos, durante alguns dias, semanas mesmo, antes que a febre se patenteie, ella é precedida de perturbações funccionaes, que a ella se prendem como signaes precursores. Em alguns doentes nota-se a indisposição, uma pertur- bação dos centros nervosos, que se traduz por uma mudança de caracter, por uma vaga tristeza, algumas vezes mesmo por um presentimento de alguma moléstia próxima, ou por um aborrecimento aos trabalhos intellectuaes. A estes phenomenos insolitos podem se juntar: um amortecimento dos sentidos, zunidos nos ouvidos, algumas vezes mesmo um pouco de surdez, vertigens, fraqueza mus- cular e um sentimento de fadiga para os movimentos, e neste caso, os doentes somente querem estar em decúbito dorsal. Elles accusara uma cephalalgia mais ou menos violenta, tendo sua séde principalmente na fronte, e que aggrava-se quando se approxima a noute ; dores vagas nas pernas e costas. O somno é interrompido por visões ou sonhos pavorosos, durante os quaes os doentes pronunciam em voz alta algumas palavras incoherentes, e outras vezes ha insomnia completa, e ás vezes sub-delirio. No estado de vigilia, conservam quasi sempre seu per- feito conhecimento durante a primeira semana, mostrando-se indifferentes a tudo e respondendo leutarnente e com máo humor ás perguntas que se lhes fazem. A sêde é ordinariamente viva, o appetite desapparece, a bocca amarga e pastosa; em alguns casos nauseas e vomitos. As evacuações tornam-se molles, liquidas, fioconosas eás vezes serosas ; quasi sempre são amarelladas e fétidas desde o começo da moléstia, augmentando durante a noute, e não são acompanhadas de tenesmos. Conjunctamente com a diarrhéa, apparece o meteorismo abdominal, que dá á percussão um som tympanico. Embora abahulado o ventre, póde apresentar o caracter de mol- leza, ou ao contrario, a dureza e a resistência. A presença simultânea de gazes e liquidos no intestino explica o phenomeno do gargarejo, quando se comprime o abdómen. Isto se observa na parede anterior do abdómen, no ponto correspondente á fossa iliaca direita, e esse facto tem lugar, em razão da lesão aiiatomica, na valvula ileo-cecal, e da passagem das matérias liquidas e gazozas. A pressão nesse ponto desperta no doente dor mais ou menos viva. A urina mostra-se vermelha, escassa, carregada, fétida e sedimentosa, com peso especifico de 1020 e mais, com 18 grande proporção de uréa, de uratos, matérias extractivas e corantes e diminuida a sua proporção de chloruretos ; é algumas vezes albuminosa. O pulso é cheio e frequente (90 á 110, ; temperatura de 40° de tarde; e 39°,5 de manhã. “ A epistaxis, muito frequente em outros paizes, é rara entre nós ; nas crianças é que ella apparece com mais fre- quência ; a diarrhéa é de uma raridade extrema, no entre- tanto que a constipação de ventre é quasi infallivel no pri- meiro septenario ; o gargarejo da fossa iliaca direita só se manifesta mais tarde ; as manchas typhoides só apparecem em casos excepcionaes, e muito tardiamente. ’’— Torres Homem. G-eralmente a tosse e a espectoração revelam o catarrho bronchico no primeiro septenario, porém a sua intensidade varia em differentes epidemias e em dilíerentes indiví- duos. 19 Segundo período ou ataxo- adynamico A moléstia progride, começa o segundo septenario, e o mal adquire então os seus caracteres distinctivos, os quaes vão se tornando cada vez mais salientes á me- dida que se approxima o terceiro septenario. O uso do termo febre nervosa, para designar o typho abdominal, mostra como são frequentes e severas as perturbações do systeraa nervoso nesta doença. No se- gundo periodo os doèntes não accusam mais cephalalgia nem dores nos membros ; apparecem perturbações da visão ( photophobia ) e da audição ( zunidos nos ouvidos e surdez ), assim como vertigens e pesadelos; o delirio, primeiramente fraco, e manifestando-se somente á noute, torna-se permanente e é caracterisado mais por divaga- ções e murmurios, do que pela furia e pela violência ; ha carphologia, sobresaltos de tendões, o tremor dos membros superiores, ás vezes verdadeiras convulsões, o soluço e o coma. Neste coma os enfermos estão como em um estado de somno, porém tem tresvarios e proferem palavras inintelligiveis, gesticulando ; ás vezes sahem do leito sem motivo ; mas sacudindo-os e attrahindo-lhes bem a attenção, recuperam o seu juizo perfeito, abrem os olhos, respondem com acerto, depois tornam dahi a pouco a cahir no mesmo estado. Os traços physionomicos se alteram profundamente, as faces tornam-se encovadas, as regiões malares proe- minentes, as feições conservam-se fixas, immoveis, expri- mindo indifferença e estupidez e os enfermos cahem pouco a pouco em um estado de somnolencia e de estupor, de onde se tem grande diíficuldade de tiral-os, mesmo por pouco tempo. Não obstante a seccura da bocca, não indicam de- sejo algum de beber, mas bebem com grande avidez, quando se approxima de seus lábios um copo cheio de agua. A lingua se apresenta secca, gretada, tremula, e coberta de um mucus secco, ennegrecida pelo sangue ; a bocca fica entre-aberta, deixando ver os dentes cobertos de fulligem ; as fossas nazaes ou se acham revestidas de pequenos coalhos sanguíneos, ou de uma especie de pó pardo. Uma decomposição putrhla, soífrida pelo inducto que cobre a lingua e os dentes, occasiona um cheiro penetrante e desagradavel ; a mobilidade da lingua é muito enfraquecida ; formam-se escharas em todos os pontos que supportam o peso do corpo ; a pelle rugosa, encar- 20 quilhada, tendo calor secco especial ; o ventre torna-se proeminente, tympanico e doloroso, principalmente na região iliaca direita, onde se nota o borborygmo ; ap- parece no fim uma diarrhéa abundante e frequente ; outras vezes manifestam-se verdadeiras hemorrhagias intestinaes ; as urinas tornam-se escassas, avermelhadas e ás vezes albuminosas ; uma dyspnéa atroz é produzida pela exageração dos phenomenos broncho-pulmonares, reunida á grande distensão do ventre, que impelle o diaphragma para a cavidade thoracica. A febre, quer tenha havido, ou não a marcha cyclica ou regular, mantem-se em um gráo muito elevado ; a temperatura da tarde eleva-se geralmente á 40°,5 e mesmo á 41°,5, alternando com uma remissão pela manhã ; o pulso torna-se molle, concentrado, pequeno, quasi sempre dicroto; attinge muitas vezes a uma frequência de 110 a 120 pul- sações e mais por minuto ; um pulso de 140 é signal desfavorável ; em alguns casos o pulso não é accelerado ou póde mesmo estar abaixo do normal ; a sua fre- quência 6 sempre augmentada por excitamento mental, ou pelo esforço de levantar do leito ; ligeira irregula- ridade na força ou frequência é muito commum ; grande irregularidade no pulso ó um máo presagio. “Em muitos casos notam-se na pelle sudaminas muito confluentes ; em alguns manchas petechiaes dis- cretas ; em outros, mais raramente, a erupção roseolar typhoide, que tanto concorre na Europa para caracte- risar a moléstia.—Torres Homem. 21 Terceiro periodo—de declínio, ou de terminação A epoca em que começa este periodo de solução varia necessariamente, segundo a duração dos periodos prece- dentes. Nos casos simples, de intensidade media, o periodo de solução será geralmente comprehendido no espaço de 18 a 25 dias. Nos casos benignos, póde começar no segundo septenario ; nos casos geraes, que se termi- nam pela cura, começa na quarta ou quinta semana. Si todos os accidentes acima referidos augmentam ; si as feições se alteram cada vez mais, tornando-se o rosto cadavérico, a falia inintelligivel e a respiração diííicil ; si, com um suor viscoso e extremidades frias, os doentes cahem em um estado comatoso, a morte está próxima. Si, pelo contrario, o estupor e a indifferença do doente cessam, seguindo-se ao delirio somno tranquillo ; si a lingua humedece e torna-se limpa, si o ventre diminue de volume, podendo o doente suster as evacuações ; si finalraente, o pulso torna-se menos frequente, a pelle menos quente e o doente tem algum appetite, ha tudo a esperar. E’ neste periodo que os accidentes mais graves e as complicações se apresentam. E’ o periodo da ulceração activa dos intestinos. O ventre torna-se muitas vezes proeminente ; diarrhéa pertinaz, hemorrhagia dos intestinos e perfuração, accidentes de caracter muito grave, occor- rem com mais frequência neste periodo. A hemorrhagia, mesmo ligeira, é para ser encarada com attenção, desde que ella póde ser o signal precursor de uma mais seria ; a hemorrhagia intestinal é geralmente acompanhada por um abaixamento de temperatura rá- pido e considerável, que tem lugar antes que o sangue seja expellido do intestino. Si houver muita perda de sangue, segue-se grande pro- stração ou mesmo collapso. Os symptomas nervosos graves são geralmente alli- viados de uma maneira notável depois da hemorrhagia intestinal ; os doentes sahem de um estupor profundo ou delirio para um estado de consciência completa. A per- furação intestinal é um accidente muito grave, de que resulta sempre peritonite mais ou menos extensa. A per- furação é muitas vezes denunciada por uma dor aguda no ventre; algumas vezes o seu apparecimento é insi- dioso. 22 O abdómen está distendido e sensivel, segue-se o collapso com abaixamento de temperatura, face estúpida; nausea e vomitos ; pulso pequeno e frequente : a morte termina a scena em poucas horas ou dias. Nas crianças a extensão da ulceração intestinal é, como regra, muito menos do que no adulto ; portanto as hemorrbagias intestinaes e perfuração são menos fre- quentes. Nas pessoas idosas o curso da doença é muito ir- regular, a febre não é muito alta ; falta a erupção, e quasi sempre é muito difficil fazer-se o diagnostico logo, mesmo para aquelles que teem tido grande expe- riencia. As pessoas gordas estão mais sujeitas a soífrer muito severamente ; as intemperadas, quasi sempre tem esta, como outras febres, severamente, especialmente os symptomas nervosos, e a grande fraqueza da acção do coração. 23 Convalescença Este periodo de reparação ede constituição, que não é mais a moléstia, mas que não é ainda o estado completo das condições normaes, começa com a dofervescencia ; porém as complicações podem retardar indefinidamente o restabeleci- mento. A volta completa da saude varia segundo os individuos, segundo a idade, conforme o temperamento, o caracter epi- demico ; a convalescença não constitue sinão um estado in- termediário entre a moléstia e a cura. Si, pois, a convalescença não é a saude em si, mas rela- tiva, reclama ainda cuidados especiaes. Sua importância toma nisto proporções consideráveis, porque qualquer inci- dente póde trazer complicações mortaes. A alteração profunda dos líquidos e dos solidos se tra- duz no aspecto do convalescente ; seu rosto é de uma grande pallidez ; o nariz torna-se afilado, os traços, apagados, mudam a physionomia ordinaria ; as mucosas são descoradas, a ma- greza é geral e muito accusada ; os cabellos geralmente cahem, etc. O catarrho da bexiga póde perturbar a marcha da conva- lescença, nos casos em que a retenção de urina deu-se du- rante a pyrexia. Modificações importantes da urina acompanham a conva- lescença, e segundo Robin, ellas consistem na polyuria, den- sidade fraca, augmento de matérias solidas, alcalinidade, traços de albumina durante oito ou dez dias ; nos casos gra- ves, augmento de chloruretos e phosphatos, etc. Nas formas benignas, a marcha da convalescença é quasi sempre simples e rapida. As verdadeiras recahidas são fre- quentes nesta pyrexia. Umarecahida typica é igual ao ata- que primitivo, porém de uma duração menos longa, O inter- vallo entre a defervescencia completa e o começo da recahi- da é geralmente de sete á dez dias. A gravidade dos symptomas nas recahidas não tem rela- ção com a severidade do primitivo ataque ; podem ser ligei- ros ou graves, conforme as circumstancias ; é algumas ve- zes fatal. 24 Formas Como todas as moléstias infectuosas, a pyrexia dothie- nenterica póde apresentar grandes differenças quanto a sua violência e quanto a sua duração. A multiplicidade das loca- lisações mórbidas, a variedade e a mobilidade dos symptomas influenciados pela idade, estado constitucional do doente, ca- racter epidemico, etc., grangearam-lhe, como tivemos occa- sião de ver, a synonymia talvez mais extensa. A causa disso não é tanto o resultado do estudo ou da opinião deste ou daquelle autor, mas sim as fórmas de que ella se reveste. Em outro tempo, destacavam-se como especies nosologi- cas differentes fórmas daquillo que é hoje reconhecido como variedades de uma unica unidade mórbida. Comtudo, reduzindo todas as variedades a uma só uni- dade pathologica, força é confessar a predominância de uma certa ordem de phenomenos que imprimem á dothienenteria um cunho particular, que é importante tomar em considera- ção á cabeceira do doente, sobretudo de baixo do ponto de vista do prognostico e tratamento. Attendendo ás fórmas benignas com que ella ás vezes se apresenta e á gravidade também de outros e ao predominio de certos symptomas, admittimos as fórmas clinicas seguin- tes : abortiva, ambulatória, ataxica adynamica, biliosa e hemorrhaffica. O 25 Complicações As complicações da febre typhoide são de muitas espe- cies e todas trazem quasi sempre accidentes gravissimos. Mencionaremos as mais importantes, algumas provoca- das pela própria infecção typhoidica. As mais communs são: la,Ia, no tubo digestivo: as hemorrhagias intestinaes, a perito- nite, a angina simples; 2a, no apparelho respiratório: a laryn- gite ulcerosa, produzindo ás vezes a necrose das cartilagens e o edema da glotte, a bronchite generalisada, pneumonia lo- bar ou lobular ; 3a, no apparelho circulatório : a degenera- ção do myocardio e paresia cardiaca, endocardite, phle- bite, gangrena secca; 4a, no systema nervoso: a paralysia da motilidade (hemiplegia, paraplegia), da sensibilidade geral e sensorial, sobretudo durante a convalescença, symptomas de meningite espinhal ou de myelite e, finalmente, as com- plicações palustres. 26 Anatomia pathologica A febre typhoide tendo como lesão principal a do intes- tino, é por ella que nos convem começar o exame histologico. Desde o começo a mucosa intestinal é a séde de uma hype- remia activa, que se traduz por uma coloração vermelha. As glandulas intestinaes são logo affectadas desta con- gestão, pelo que se entumecem e as cellulas lymphaticas se multiplicam de uma maneira prodigiosa, porém estes ele- mentos lymphoides de nova formação invadem também os septos interfolliculares das placas de Peyer, formando abi verdadeiras massas hetero-plasticas. Esta luxuriante infiltração hyperplastica não se faz sem perdas grandes na vida dos elementos do folliculo ; Cornil, descrevendo a marcha do processo morbido, diz que os vasos das glandulas são comprimidos por essa massa nova, que a circulação ahi se amortece, que para mesmo, que á hyperemia inicial succede a ischemia, que, finalmente, o tecido glandular morre. O segundo período é caracterisado pela necrobiose que se estabelece nos elementos hyperplasicos ; o processo morbido determina uma fonte caseosa nas cellulas lympha- ticas, fonte esta que determina a ulceração das placas. Esta gangrena resulta da multiplicação dos elementos e da falta de nutrição. A mortificação dos elementos vae da peripheria para o centro; para as partes profundas, a ulceração segue a mesma marcha, do tal maneira que as ulcerações ganham gradual- mente a profundeza. Si as ulceraçães se limitarem ao folliculo, não podemos duvidar da perfuração; a eliminação dos elementos das placas se fazendo, fica sobre o intestino uma ulcera, cujo fundo offerece tanto menor resistência, quanto maior for o trabalho ulcerativo. Neste caso é facil cornprehendermos melhor a perfuração pela queda das escharas, do que por um trabalho ulcerativo. A mortificação das túnicas intestinaes é feita de dous modos ; ou ellas são arrastadas ao mesmo tempo que a placa e a perda da substancia apresenta um bordo saliente, espesso e a mucosa é fortemente hypercmiada, ou então a mortifi- cação é feita de uma maneira lenta e gradual e os bordos da ulcera perfurada são molles, delgados, e a mucosa que os envolve perde o seu aspecto hyperemiado. A perfuração affecta a fórma de funil, sua circumferencia diminue á me- dida que ella se approxima da serosa peritoneal. 27 As perfurações intestinaes podem determinar o desenvol- vimento de uma peritonite, que é gravíssima no curso da pyrexia typhoidica, e que mata rapidamente o doente. Nos casos em que a terminação da febre typhoide 6 feliz, favoravel, apreciamos os salutares phenomenos da cica- trização. O trabalho reparador inicia-se, geral mente, pelos bordos: depois nascem botões carnosos no centro das ulcerações e acabam por attingir os bordos. Esta reparação de marcha rapida não leva comtudo a mucosa para o seu estado normal. Sempre existe a falta das villosidades que a tornam mais lisa, sempre a sua coloração é de um vermelho mais car- regado. Os ganglios mesentericos são congestos, augmen- tados de volume e amollecidos ; encontram-se no interior dos seus tecidos traços de uma suppuração diffusa, e por fim, si a febre typhoide tende a um termino feliz, os ganglios di- minuem de volume, se endurecem, tornando-se pardos, e pouco a pouco vão rehavendo suas propriedades normaes. O baço é geralmente hypertrophiado, engorgitado de cellulas lymphaticas, roseo ou vermelho e, na maioria dos casos, pallido e molle. Os corpúsculos de Malpighi, quando são visíveis, são ge- ralmente mais volumosos do que de ordinário. Os rins são geralmente accommettidos de uma inflaramação parenchymatosa, o que se observa em todas as moléstias febris e infectuosas. Encontramos o figado sempre gorduroso e hypertrophiado. Em certos casos notamos ainda as ulcerações do pharynge e esopbago e ás vezes mesmo a producção de falsas membranas na garganta ; as lesões próprias da peritonite, das pneumonias, da pleurisia, a gastrite ulcerosa, a conges- tão dos centros nervosos, etc. Os musculos soffrem, ordinariamente, no curso da febre typhoide a degeneração gordurosa ou vitrea, que, de preferen- cia se observa no psoas ilíaco e grande recto-abdominal. A mesma alteração póde invadir os musculos respira- tórios e o coração, que, por isso, mostra-se pallido e flaccido, contendo coalhos mais ou menos volumosos e pouco con- sistentes. No exame da fibra muscular, notamos que ella perde sua transparência c sua estriação, que torna-se granulosa e se in- filtra de elementos gordurosos. A túnica externa dos pequenos vasos participa deste trabalho de proliferação e sem duvida alguma esse processo morbido deve influir na producção das hemorrhagias intra-musculares, que observamos na febre ty- phoide. O cerebro, a medulla e seus invólucros são sempre congestionados. 28 O sangue apresenta algumas alterações : os leucocytos se augmentam durante o primeiro septenario, mas diminuem quando as placas de Peyer chegam á phase da ulceração (Malassez e Brouardel) e encontram-se muitas vezos, mesmo durante a vida, bactérias semelhantes observadas nas placas de Peyer, nos ganglios mesentericos e no baço. Passemos a tratar das bactérias encontradas em diversos orgãos, como causa das lesões destes, segundo as opiniões modernas. Eberth aconselha endurecer pelo álcool pedaços de baço, figado, ganglios mesentericos, etc., para bem estudar-se as bactérias da febre typhoide. Tratava os córtes pelo acido acético, antes de toda e qualquer coloração, e os examinava ao microscopio, com um augmento de 100 a 200 diâmetros. Para melhor serem vistos os cumulos ou bactérias, deve- mos colorir os córtes histologicos cora a safranina, a fuchsina segundo Babes, ou com a violeta de methyla ; Kock e Gaffky servem-se do azul de methyleno em solução alcoolica forte. Graças ás pcsquizas minuciosas, feitas sobre os córtes histologicos das placas de Peyer, observadas era começo de sua tumefacção, os sábios encontram bastonetes curtos, de ex- tremidades arredondadas, associados ás vezes dous a dous, em via de divisão. Na superfície da parte mortificada das placas de Peyer viu-se muitas vezes uma camada espessa de bacté- rias redondas, infiltradas no tecido mortificado ou reunida em zoogléas. O sangue recolhido durante a vida dos doentes, mostra algumas vezes bacillos de febre typhoide, situados entre os globulos vermelhos, havendo também bacillos em via de divisão. Os bacillos do intestino são tão numerosos, quanto á variedade das formas, que por muito tempo encontrou-se difficuldade em especificar quaes eram os causadores da febre typhoide. Os ganglios mesentericos engorgitados, mostram-se, a um forte augmento, cheios de bacillos. O baço, que é constantemente hypertrophiado na dothie- nenteria, contêm habitualmente bacillos, por Eberth descriptos. A puncção feita, durante a vida do doente, com uma seringa de Pravaz, é um meio de verificar as pesquizas de Eberth, as quaes foram confirmadas por Maragliano, que ensaiou cul- turas com este sangue, obtendo o desenvolvimento de ba- cillos do diversas grandezas. Emfim, depois dos estudos de Eberth e Galfky, tanto o figado como o baço tornaram-se os orgãos onde mais frequen- 29 temente encontram-se os bacillos da febre typhoide, sob a fórma de ilhotas ou focos mais ou menos extensos e mais ou menos numerosos. As observações dos rins nem sempre foram coroadas de feliz exito, porém com a continuação de estudos mais sérios tem-se admittido que os bacillos passam na cavidade dos tubos uriniferos, deixando-se eliminar pelas urinas. Só esta ma- neira de ver nos explica a presença de bactérias neste liquido. Klebs e Eppinger estudaram as lesões do larynge e da trachéa e attribuiram as lesões para o lado da mucosa e das cartilagens á presença de bacillos, e chegaram ao resultado de que as alterações necrosicas da mucosa e cartilagens estão em relação com a presença de grandes zoogléas de micrococcus redondos. Para o lado da pelle, nas escharas gangrenosas, en- contra-se sempre uma grande quantidade de micro-organismos e nas grandes ulceras do decúbito, que occasionam por vezes a septicemia ou pyohemia, encontram-se também micro-orga- nismos idênticos aos das pustulas cutaneas. 30 Diagnostico Não é facil fazer-se o diagnostico da febre typhoide, salvo quando ella se apresenta com o cortejo comjfieto de symptomas que lhe são peculiares. A difficuldade está, pois, nas physionomias differentes que ella póde apresentar e nas complicações múltiplas que podem concorrer. Devemos valer-nos, não só dos symptomas, como dos recursos therapeuticos, da etiologia e da constituição medica reinante. Quando um doente, sem nenhuma localisação mórbida apreciável, apresenta, durante tres ou quatro dias, paro- xismos vespertinos, com uma temperatura progressiva e gradual que oscilla entre 38° e 39°,5 ; si elle accusa também cephalalgia, abatimento, fraqueza muscular, etc., devemos sempre desconfiar da existência do typho abdominal. A desconfiança deve tornar-se maior si a esses signaes se reunir a diarrhéa, o gargarejo ileo-cecal, a dor pela pres- são na fossa iliaca direita, o meteorismo abdominal, as man- chas róseas lenticulares, as epistaxis, a tumefacção do baço, os estertores sibilantes e sonoros pela escuta do thorax, a tosse, a seccura das cavidades nazaes e o delirio. Adquirimos a certeza do diagnostico no dia em que a erupção característica se patenteia, não deixando lugar a nenhuma duvida. Si observamos todos estes symptomas, o diagnostico não apresenta difficuldades ; porém nem sempre isto se dá e al- gumas vezes seu cortejo symptomatico é tão attenuado ou complicado que a sua significação torna-se duvidosa. Sobre a marcha da temperatura na pyrexia typhoide, Wunderlich formulou as leis seguintes : “Une maladie qui au second jour présente chez I’adulte une température voisine de 40 dégrès, n’est pas une fièvre typhoide ; une maladie qui, après le soir du quatrième jour, ne presente pas une température supérieure à 39 dégrès, n’est pas une fièvre typhoide ; enfin, uno maladie qui, après le premier jour, presente une seule fois, dans le premier septenairc, une température normale, n’est pas non plus un typhus abdominal.’’ Diremos como dizem os bons autores modernos, que estas leis peccam pelo rigor absoluto, o qual na pratica mui- tas vezes falha, influenciado por causas pathologicas diversas, que sóem apparecer nas pyrexias graves, como esta de que tratamos. 31 Depois da analyse dos symptomas da febre typhoide, seria sem utilidade repetir a discussão por extenso como a affecção differe de todas as outras febres idiopathicas. Trataremos, antes de explicar o seu diagnostico, daquel- las affecções, quer essencialmente febris ou não, que com ella teem intima semelhança. E aqui encontramos que estas doen- ças, com as quaes a febre typhoide póde ser confundida, não são as mesmas em todos os estados da affecção. No principio da affecção é mais provável ser confundida com uma febre continua simples, ou com uma das exanthe- maticas. Porém a diarrhéa não é frequente nestas, nem os prodromos notáveis naquella ; e qualquer duvida que possa existir em referencia á febre continua simples é resolvida em poucos dias, pela marcha da temperatura, que é differente, e pelos symptomas, que terminam em um tempo em que a febre typhoide começa a ser mais e mais desenvolvida. Até agora, as febres exanthernatosas não podem, antes de apparecerem as suas erupções, ser distinguidas com certeza absoluta ; entretanto, podemos suspeitar sararnpão attendendo ao corysa, escarlatina á dor de garganta, e va- riola pela rachialgia e febre alta. Em um estado mais adeantado a febre póde ser confun- dida com o typho e com estes estados morbidos ; debilidade geral, condições typhicas, enterite, peritonite, meningite, endocardite ulcerativa, affecções pulmonares agudas, etc. Para o diagnostico differencial das febres typhoide e typhô modificamos o seguinte quadro, que se encontra no livro Medicai Diagnosis do meu illustrado mestre o Dr. J. M. Da Costa, de Philadelphia : TYPHOIDE TYPHO Idade 18 a 35 annos. Todas as idades ; mui- tas vezes em pessoas além da idade média. Contagio fracamente contagiosa ; muitas vezes esporádica. muito contagiosa ; geral- mente epidemica. Incubação ataque geralmente insi- dioso ; 10 a 14 dias. ataque geralmente repen- tino ; prodromos não pro- longados. Duração 23 dias; muitas vezes mais longa. mais curta ; pode não ser prolongada além da se- gunda semana. Symptomas cerebraes vem gradualmente ; du- ram mais e menos severa- mente. delirio ou estupor deci- dido vem logo; cephalal- gia tem apparecido e ces- sado até cerca do decimo dia. Emaciação grande magreza. menos emaciação ; pro- stração maior. Face pallida ou enrubecida, limitada a face. muito enrubecida, de cor escura ; olhos injectados. Pelle quente, algumas vezes co- berta com suores ácidos. Calor pungente; ás ve- zes emittindo cheiro am- moniacal. 0 cheiro é pe- culiar e característico. Temperatura Registro da tempera- tura característico, prin- cipalmente influenciado pelas mudanças na lesão intersticial das glandulas Registro da tempera- tura é mais de uma febre continua; pela maior parte repentina e defer- vescencia rapida. 33 TYPHOIDE TYPHO Symptomas I abdominaes diarrhéa, tympanite, bor- borygmo na fossa iliaca direita, hemorrhagia in- testinal não rara. prisão de ventre, meteo- rismo raro, hemorrhagia intestinal extremamente rara; ás vezes diarrhéa durante a convalescença. Epistaxis frequente não ha Complicações pulmonares bronchite e pleurisia. pneumonia, ou pelo me- nos mais intensa conges- tão dos pulmões e bron- chite capillar. Erupção manchas rosoas lenticula- res, principalmente no abdómen e thorax e não nas extremidades, appa- reccm na 2a semana e desapparecem na 8a, e também sob pressão. mais escuras e sobre todo o corpo, occorrem do 5o ao 8o dia, duram uma semana, não desappare- cem sob pressão, não são renovadas. Convalescença gradual rapida Morte raras vezes antes do fim da2a semana, usualmente na 3a ou depois. póde ser no fim da Ia se- mana, e muitas vezes an- tes do fim da segunda. Apparencias post - mortem estado morbido das pla- cas do Peyer, augmento dos ganglios mesenteri- cos; ulceração da camada mucosa do intestino ; au- gmento e amollecimento do baço ; ulceração do pharynge. Os mais frequentes são o estado liquido de cor escura do sangue e au- gmento do baço. 0 amol- lecimento do coração é mais commum no typho do que em typhoide. Não ha lesões intestinaes. 34 Os pontos de diíferenças entre as duas affecções são tão manifestos neste quadro que parece impossível confundil-os. Entretanto, devemos lembrar-nos que todos esses signaes não apparecera em todos os casos ; nem este quadro prova mais do que a distincção clinica entre as affinidades destas duas pyrexias. Também ninguém póde negar que occasio- nalmente os symptomas das duas affecções são singularmente confundidos ou alternados. Assim, podemos ter constipação cm typhoide e diarrhéa em typho, ou a erupção póde ser curiosamente mesclada. Ha 58 annos afirmavam a identidade entre a febre ty- phoide e o typho, porém graças aos trabalhos de Gerhard, de Pinnock, de Graves, de Lombard, de Steward, são essas moléstias hoje reconhecidas como absolutamente distinctas e differentes. O começo do typho é geralmente muito brusco ; póde matar em algumas horas ; a sua duração é mais curta e ter- mina antes por crises que gradualmente. Quando a diarrhéa co-existe com o tympanite e a sensi- bilidade abdominal, e que as dejecções são amarellas, póde se concluir que trata-se da febre typhoide e esta opinião será confirmada pela presença da epistaxis ou da hemorrhagia in- testinal. O caracter mais distinctivo e mais saliente é fornecido pela erupção, mais constante, mais precoce e mais abundante, e foi esta erupção que deu-lhe o nome—typho exanthematico. A erupção petechial é mais commum no typho que na typhoide ; a esta ultima pertencem as manchas lenticulares eas sudaminas. O argumento de maior valor contra a se- paração das duas moléstias é a ausência de lesão intestinal característica, nos indivíduos mortos de typho. A integrida- de quasi completa do tubo digestivo, neste ultimo caso, é do mais alto interesse. Si a todos estes signaes juntarmos os tirados das diífe- renças thermometricas, teremos uma base solida para apoiar a nossa convicção. Hoje, á vista das theorias parasitarias rei- nantes e incontestáveis, principalmente para esta moléstia de germen conhecido e incontestado, o diagnostico differencial entre estas duas moléstias, e quaesquer outras, torna-se muito mais facil, quasi absoluto, desde que o exame bacteriológico demonstrar nas dejecções dos doentes a presença ou ausência do bacillo de Eberth, sendo em um caso a febre typhoide e em outro outra qualquer moléstia ; comtanto que as pesquizas sejam rigorosas e por pessoa autorisada em bacteriologia. Debilidade geral A primeira vista não parece verosimil que uma affecção tão aguda e grave como a pyrexia typhoi- 35 de pudesse ser confundida com a mera debilidade ; entre- tanto um erro tal póde occorrer onde a affecção é latente, ou tão ligeira que difficilmente o doente procura o leito. Nos chamados casos ambulantes da febre, ou wálking ca- ses dos inglezes, a debilidade, não obstante, manifesta-se repentinamente, e não gradualmente, como nas fraquezas de causas geraes constitucionaes. Além disso os symtomas abdominaes são rara mente au- sentes e ha sempre mais ou menos confusão de idéas. A de- vida attenção a estas circumstancias prevenirá o engano ; porém a maior segurança contra o erro é estar vigilante que a moléstia assuma ás vezes uma fórma latente, e examinar to- dos os casos de grande e rapida debilidade, para ver si sob a sua capa estão occultas as feições da febre typhoide. Condições typhicas— E’ muito frequente commetter-se ge- ral mente o erro de considerar-se como febre typhoide qual- quer condição typhica do organismo. Podemos encontrar esta condição em muitas affecções differeníes, quer aguda ou chronica ; porém mais especial- mente na infecção purulenta, algumas fórmas de pneumonia, dysenteria e erysipelas graves ; entretanto é na febre ty- phoide que nós o encontramos de um modo mais perfeito, si bem que não possamos bem deíinil-o : Milner Fothergill compara-o á um “tissue-waste without increased renal activity, and with tbe accumulation in the blood of the pro- ducts of tissue-waste”. A pneumonia, as aífecções renaes revestem-se algumas vezes de caracter typhico. Na pneumonia a auscultação nos revelará o ponto de partida do estado febril e a marcha da moléstia nos firmará a diagnose. Nas affecções renaes a analyse das urinas é de summa importância e estes cuidados sempre devemos ter em casos de duvida. Enterite A grande differença entre a enterite e a febre typhoide consiste no seguinte ; na enterite a in- fiammação do intestino constitue a doença ; na typhoide a ir- ritação do intestino e a alteração mórbida das suas glându- las são meramente os elementos da doença. Na enterite, por conseguinte, não ha ulteriores sympto- mas além daquelles referentes ao intestino infiammado. Não encontramos grande prostração, delirio, engorgitamento do baço, manchas róseas e sudaminas, nem signaes de proces- sos anormaes devidos á dyscrasia typhoidéa. A desordem intestinal também dá origem a maior dor abdominal, eé de duração mais curta. Em certos casos raros os fol- liculos dos intestinos são inflammados e entumecidos (Da 36 Costa), e a enterite póde simular perfeitamente a febre ty- phoicle, mas a ausência das lesões intestinaes características da erupção e congestão do baço excluem a febre typhoide. Peritonite—As mesmas annotações applicam-se á inflam- mação peritoneal. Aqui, além disso, a expressão da physio- nomia, a constipação de ventre, a grande sensibilidade abdo- minal, transpirações, nauseas e vomitos, o pulso pequeno, frequente e filiforme servem como signaes de descriminação. Devemos porém lembrar-nos de que a iníiammação aguda do peritoneo póde apparecer no curso da febre typhoide. Geralraente este desagradavel acontecimento apparece no ultimo periodo da moléstia, e depois que o doente tem estado sob observação por algum tempo; então não temos difficuldade em reconhecer a significação do apparecimento da perito- nite; mas o accidente póde occorrer em casos que não tenhamos visto previamente, ou em que a affecção tenha proseguido um curso latente que difficilmente tenha attrahido mesmo a at- tenção do doente. A causa da peritonite é então com- mummente revelada pela autopsia, que mostra a perfuração actual das paredes do intestino, em consequência da ulceração de uma glandula solitaria ou agminada. Meningite—A febre typhoide tem alguns symptomas em commum com a iníiammação das membranas do cerebro. Muitos autores teem indicado regras para distinguir esta mo- léstia da febre typhoide, mas em presença do doente essas regras são algumas vezes insufficientes. Em todas as varie- dades da febre continua, mas especialmente na febre ty- phoide, os symptomas cerebraes algumas vezes apresentam uma notável semelhança com os de meningite idiopathica e taes symptomas podem mesmo apparecer sem que o exame do cadaver revele traços de iníiammação das meningeas. Como, então, havemos de distinguir esses casos febris da meningite? ou como certificar-nos si a iníiammação do in- vólucro do cerebro esteja realmente presente como uma com- plicação e producto, si assim póde ser chamado, da febre? Infelizmente não ha signai de diagnostico absoluto. O au- gmento de phosphato na urina, observado por Bence Jones, nas aífecções inflammatorias das texturas nervosas, julgou-se fornecer um meio precioso de distincção ; mas sabemos que esteaugmento póde também ser devido a outras causas e como ainda possuimos pouco conhecimento da chimica clinica das secreções nessas doenças, não podemos concluir do exame da urina o diagnostico differencial. Endocarditb ulcerativa —Em alguns casos o diagnostico entre esta e a febre typhoide torna-se de grande difficuldade, 37 especialmente si a observação do doente é feita quando a endocardite já tenha produzido o delirio e os symptomas do collapso. Calefrios recorrentes, com alta temperatura e transpira- ções, como na febre inalaria, grande rapidez do pulso, com mudanças repentinas e irregularidade notável, uma erupção roseolar gerálmente diffusa e os signaes de lesão cardiaca, formam os pontos mais seguros de distincção. AJfecções -pulmonares agudas—E’ muito difficil o diagnos- tico differencial entre a tuberculose aguda e a dothienente- ria, porquanto os symptomas destas aífecções oíferecem muita semelhança entre si e nem sempre podem ser descrimina- dos ; a própria auscultação, que é uma fonte de recurso, muitas vezes falha pela confusão que existe, isto é, de ligar- mos os estertores a uma infiltração tuberculosa ou a uma simples congestão pulmonar. O thermometro, o conhecimento dos antecedentes do doente (herança, moléstias individuaes), o modo do começo, sempre insidioso na tuberculose, a ausência dos phenomenos proprios á dothienenteria, poderão induzir ao pratico a admit- tir a existência de uma tuberculisação miliar aguda. 38 Prognostico Hippocrates dizia: Non nimis tutas in acutis prsedictiones sive mortis sive salutis ; e G. de Mussy escreveu : a nenhuma moléstia este aphorismo tem tanta applicação como nas febres continuas e em particular na febre tiphoide. Moléstias que evoluem com certa benignidade, que dão occasião ao doente, até mesmo de tratar de suas occupa- ções, podem vir, todavia, a revestir-se, de repente, de uma gravidade tal que o faça succumbir em algumas horas ; por outro lado, doentes que julgamos perdidos, que du- rante uma semana ou mais ficam mergulhados em um coma profundo, prostrados no leito como massas inertes, estra- nhos a tudo que os rodeia, podem de repente, por uma sorte de ressurreição, encaminhar-se rapidamente para a cura, O caracter da febre, a maneira por que o indivíduo affectado a supporta, as complicações, constituem as fontes fundamentaes do prognostico. Nas próprias fórmas benignas, não devemos prever sempre uma terminação favoravel, porque em sua marcha, podem ser sorprendidas por qualquer complicação seria, que as desviem do caminho que seguiam, tomando desta sorte uma alta gravidade. Podemos dizer que quanto mais alto é o gráo da febre, maior é a gravidade e mais serio é o prognostico, A hyperthermia prolongada, mórmente si os abaixa- mentos matutinos da temperatura forem apenas de décimos de gráos, arrastara comsigo phenomenos múltiplos de uma real gravidade. Os vomitos, quando se apresentam tardios, constituem quasi sempre os primeiros symptomas de uma peritonite. A gravidade da diarrhéa está em relação com a sua abundancia e duração. A sensibilidade abdominal e o meteorismo são signaes graves. O delirio, a carphologia, as convulsões, a adynamia pro- funda, a frequência excessiva e irregularidade do pulso, as escharas, são sempre signaes de muita gravidade que, ordi- nariamente, indicam um fim proximo. De todas as complicações citaremos como as mais serias e mais graves : a peritonite por perfuração intestinal, a en- terorrhagia, a meningo-encephalite, a pneumonia ; e quanto ás formas : a adynamica, ataxica e hemorrhagica. A gravidade da febre typhoide liga-se não só á idade avançada, aos depauperados, aos não acclimados, como também ao caracter epidemico e ao meio em que se acham os doentes collocados. 39 Tratamento Não conhecemos methodo algum de tratamento pelo qual se possa deter a febre typhoide em sua marcha—todas as ten- tativas nesse sentido são hoje reconhecidas não só inúteis, porque a dothienenteria percorre ura cyclo definido, mas ainda são muitas vezes nocivas, enfraquecendo um doente que não tem toda a energia vital para lutar contra uma affecção tão debilitante. O tratamento do typho abdominal tem passado por phases diversas. Assim a medicação antiphlogistica, purgativa, tónica, expectante e symptomatica tem sido successivamente posta em pimtica, uma depois da outra, abandonando-se hoje de um modo absoluto todo e qualquer tratamento exclusivo na dothienenteria. Por muitos annos os meios antiphlogisticos, incluidas as emissões sanguineas e os purgativos, dominaram a thera- peutica da febre typhoide; depois veiu o methodo expectante entre nós preconisado pelo professor Valladão, e hoje final- mente os médicos dividem-se em dous grupos, quanto á ma- neira de tratar os doentes desta moléstia : uns seguem as in- dicações fornecidas pelos symptomas; outros empregam desde o começo até ao fim da moléstia os tonicos e corroborantes, e alimentam os doentes. De accordo com a opinião de abalisados pathologistas, não seguimos methodo algum exclusivo no tratamento da febre typhoide. “ Em uma moléstia primitiva e secundariamente infec- ciosa, anatòmicamente caracterisada por uma inflammação in- testinal séptica, com manifestações syraptomaticas tão nume- rosas e variadas, revestindo diversas fórmas, em cada uma das quaes predominam as lesões de um apparelho orgânico, cuja marcha é perturbada por uma serie de episodios mór- bidos, ás vezes imprevistos, não é racional empregar-se uma medicação invariável, sempre a mesma.”—Torres Homem. De conformidade com a etiologia e attendendo ao modo por que faz-se a infecção e evolue a marcha da pyrexia dothie- nenterica, vamos estudar o tratamento da moléstia, comprehen- dendo quatro pontos principaes, applicaveis na generalidade dos casos. Assim dividimos as indicações therapeuticas do seguinte modo: Io diminuir a acção do agente pathogenico e das suas toxinas pela antisepsia e desinfecção do intestino ; 2o abaixar a hyperthermia ; 3o alimentação ; 4o favorecer a eliminação dos bacillos e dos venenos orgânicos. 40 Sendo, como já dissemos na parte etiologica do nosso trabalho, a febre typhoide devida á presença de grande quan- tidade de bacillos no organismo, era intuitivo o seu trata- mento pela antisepsia. A antisepsia éum facto hoje provado em sciencia, e para a febre typhoide quasi todas as medica- ções que diminuem a febre são antisépticas. Antisepsia do intestino O ideal seria fazer urna anti- sepsia geral indo matar o bacillo nos diversos pontos do or- ganismo, o que é impossível actualmente, porquanto não co- nhecemos o especifico da febre typhoide. Contentamo-nos era fazer a antisepsia do intestino, justamente onde são mais abundantes os focos de microbios. Destroem-se assim os focos infectuosos locaes e impede-se que se reproduzam as reino- culações. O hydrargyro, o iodo, o acido phonico, o creosoto, o quinino, os ácidos mineraes, o thymol, o naphtol, o nitrato de prata, o acido salicylico, o salicylato de bismutho, a resor- cina, a essencia de terebenthina, o hydrozone, o glycozone, a hydrotherapia teem sido considerados específicos, e entre estes principalmente o mercúrio e o iodo. Os médicos allemães teem mostrado mais predilecção pelas preparações mercuriaes, aconselhando internamento dóses fortes de calomelanos e externamente foraentações ao ventre de pomada mercurial, até produzirem a salivação e as ulce- rações da bocca. Desde então, o calomelanos foi adoptado vantajosamente na Allemanha, França, Estados Unidos da America e Inglaterra. Salet preconisou um methodo, que consiste em adminis- trar 1 centigrammo de calomelanos de hora em hora até pro- duzir a salivação. Bouchard aconselha, durante quatro dias consecutivos e correspondendo á indicação da antisepsia geral, 40 centigrammos de calomelanos por dia, na dose de dous centigrammos por hora. Bouchard empregou este methodo de tratamento em 39 doentes de febre typhoide, até á producção da salivação raercmfial, afim de comprovar os casos importantes obtidos por Salet. Quasi sempre a salivação mostrou-se no fim do sétimo dia, e todos os doentes que tiveram a salivação se curaram ; a duração média da moléstia foi de 21 dias e a mor- talidade em 39 casos foi de dous doentes. Si bem que o methodo de tratamento pelos calomelanos em pequenas dóses tenha dado alguns bons resultados, tem os inconvenientes de uma longa convalescença, uma debilidade e uma anemia profunda, e certos accidentes, como a epistaxis, matérias dysentericas sanguinolentas, sendo as hemorrha- gias intestinaes mais frequentes. 41 Alguns práticos empregam o calomelanos em dóse pur- gativa e única, de 2 em 2 dias, no primeiro septenario, asso- ciando outros meios antisépticos nos intervallos. Bouchard, em vez dos calomelanos como purgativo, em- prega o sulfato de magnesia, em dóse de 15 grammas, reno- vado de 3 em 3 dias. Para obter a antisepsia intestinal, Bouchard aconselha a seguinte mistura (de difficil ingestão para qualquer doente) : 100 grammas de pó de carvão vegetal, 1 gramma de iodofor- mio e 5 grammas de naphtalina, misturadas com 200 grammas de glycerina e 50 grammas de peptona, que devem servir de base á alimentação. Esta mistura fórma substancia neutra, semi-liquida, que deve ser ministrada ás colheres de sopa, de 2 em 2 horas, em um terço de copo de agua, e é absorvida em 24 horas. Afim de manter o intestino grosso desembaraçado, um clyster pela manhã e outro á tarde, de 50 centigramas de acido phenico para 500 gramas de agua, cada um. Como uso dos an- tisépticos as matérias fecaes perdem o máo cheiro e descoram- se completamente ; sua acção toxica diminue e os alcalóides não se acham sinão era quantidade insignificante no liquido filtrado, e desapparecem quasi completamente os agentes da putrefacção. Graças á desinfecção das matérias fecaes, obtecm-se outros benefícios: os doentes perdem a cor terrosa, o tympa- nismo intestinal diminue. a lingua torna-se húmida e as es- charas são muito raras. A mortalidade, que era outrora de 25 por cento, desceu a 15, quando se tornou possível neutralisar os venenos intes- tinaes; a 10 quando se conseguiu obter a antisepsia intestinal; e finalmente a 7 por 100, quando este tratamento completo foi deíinitivamente instituído por Bouchard. Meu illustre mestre o professor Bartholow tem usado com muito proveito, nos intervallos dos purgativos de calomelanos, a combinação de iodo e acido phenico (tintura de iodo 8 gramas, acido phenico 4 gramas), na dóse de 1 á 3 gottas em agua gelada, de 3 em 3 horas, depois do alimento, desde o começo da moléstia. Abaixar a temperatura—A hyperthermia indica a gravi- dade da moléstia, mas não a produz ; é um symptoma e não uma causa. Deste modo as medicações que teem por fim ex- clusivo lutar contra esto symptoma dão fracos resultados. Ha pouca utilidade em diminuir a temperatura á custa de um anti-thermico, emquanto ha muita em subtrahir calor ao corpo por meio do uso do banho frio. Assim é aos banhos 42 frios que damos preferencia, porque diminuem a febre, exer- cendo uma acção geral sobre o systema nervoso, poderemos dizer mesmo sobre todo o organismo. A medicação antipyretica abrange nesta pyrexia dons processos differentes ; de um lado, medicamento cujo pa- pel é diminuir as combustões organicas ; de outro lado o frio exterior que priva o organismo do calorico, mas cuja acção éna realidade mais complexa. Os anti-thermicos mais em- pregados são : a quinina, o salicylato de sodio, a digitalis, a antipyrina, a thallina, a kairina, a resorcina, e ultimamente guaiacol externamente. Sabemos que o sulfato de quinina é um hypothermico, porém preferimos o seu emprego, sobretudo quando houver complicação palustre, ou quando apezar da balneação a tem- peratura conservar-se elevada. Liebermeister, enthusiasta e apologista da hydrothera- pia, disse, si elle fosse forçado a adoptar um destes dous meios—a agua fria ou a quinina—que na generalidade dos casos escolheria o ultimo. Ehrlich e Laquer, citados por Nothnagel e Rossbach, ultimamente propuzeram administrar a thallina em pequenas dóses muitas vezes repetidas, afim do evitar uma acção brusca do medicamento. Estas dóses repetidas todas as horas oscillariam entre 0,04 e 0,1; elevar-se-hiam mesmo até 0,2, segundo a reacção offerecida pelo doente, reacção que deve sempre ser observada com cuidado no começo. Aquelles au- tores dizem ter visto esta thallinisação continua produzir ef- feitos particularmente favoráveis no tratamento do thypho abdominal, e os resultados de suas experiencias lhes deixa- ram mesmo a impressão de que a thallina, ao lado de sua acção antipyretica, possue ainda uma acção especifica con- tra o typhus. Além destes meios, ha um cujo emprego tem sido muito preconisado. Falíamos dos meios hydrotherapicos com o fim de abater a temperatura febril. O banho frio póde ser dado segundo oraethodo de Brand ou de Liebermeister. Segundo estes autores, quando a tem- peratura axillar indicava 39°, administravam ao doente, oito ou mais vezes por dia, um banho de baixa temperatura du- rante 10 a 15 minutos. A crueldade dos banhos frios tem feito substituil-os pelos banhos tépidos, gradualmente resfriados. Podemos empregal-os segundo os methodos de Zeimsen, Riess e Bouchard. Bouchard teve por fim realizar um banho em que o doente possa perder o calorico sem choque nervoso, nem espasmo dos vasos cutâneos. O que importa não é sub- trahir o calorico por contiguidade ou conductilidade ; é, ao 43 contrario, que o sangue possa vir resfriar-se na superfície do corpo, e é um dos pontos em que julgamos o processo de Bouchard superior a quaesquer dos anteriores, attendendo ainda a vantagem que tem de não martyrisar os doentes. A temperatura inicial do banho é de dous gráos inferior á temperatura central do doente ; 38°, por exemplo, si o doente tiver 40°. O doente sente-se bem e não experimenta nenhum abalo. Resfria-se insensivelmente a agua de um gráo por cada 10 minutos até 30°, sem ir nunca abaixo dessa temperatura. Nenhum sentimento de choque nervoso nem espasmo vascular peripherico se produz durante o banho. O pulso não se retrabe ; a 33°, o doente acha seu banho fresco ; a 32°, acha-o frio, mas até 30° continua a fallar e conversar em estado moral admiravel, e o entorpecimento typhico desapparece. A elevação thermica que se faz depois do banho não se opera sinão lentamente, e não é nunca uma ascenção brusca. E’ digno de nota que se consegue tanto melhor res- friar o doente quanto sua temperatura é mais elevada, sendo esta comprehendida entre 38° e 40° ; ao contrario nos do- entes de temperatura excessiva (40° e 41°) o resfriamento é tanto menor quanto mais elevada é a temperatura. As differenças de abaixamento thermico nos banhos va- riam igualmente segundo os periodos da moléstia. Quando predomina a hyperthermia desde o começo, é mais difficil resfriar os doentes ; a media do abaixamento é de cinco dé- cimos, mais tarde de seis e finalmente de sete décimos no quarto septenario. Segundo as horas, ha também variações. A temperatura do typhico sóbe das 7 horas da manhã ás 3 da tarde; produz- se então uma descida, e vem depois uma nova ascenção, cujo máximo é realizado á meia noute. De meia noute ás 7 horas, a quéda opera-se e o doente perde todo c excesso de tempe- ratura que tinha levado o dia a adquirir. E’ entre meia noute e 6 horas que tem-se os abaixa- mentos thermicos mais consideráveis, depois dos banhos ; vem pela manhã os abaixamentos de tres gráos. Além da subtração do calorico, os banhos trazem outras vantagens. O delirio, quando existe no começo, cahe depois de tres dias de tratamento, no máximo. Não ha mais verda- deiro entorpecimento typhico. Segundo Skinner, os doentos mostram-sc interessados pela marcha de sua temperatura, e discutem durante o banho sobre o numero de décimos de gráos que tinham antes e de- pois do banho. 44 A lingua apresenta-se húmida, os dentes não são fuligi- nosos e a cor não tem a pallidez terrosa que attesta a in- toxicação profunda da economia. Finalmente, a necessidade do somno manifesta-se depois de cada banho, e os doentes dormem bem á noute. As escha- ras são também muito mais raras. Podemos obter também bons resultados com as loções feitas na superfície do corpo, com vinagre aromatico, conse- guindo-se deste modo não só diminuir a temperatura, como conservar em roda do doente uma atmosphera agradavel. Ha algumas contra-indicações ao uso do banho frio, que são : a perfuração e a hemorrhagia intestinaes, a grande fraqueza da acção do coração, a superfície do corpo fria e com hyperthermia central. Conforme diversas observações publicadas pelo meu pro- vecto mestre Da Costa (Medicai News, Jan. 24/94; Brazil Me- dico., 1 de Abril de 1895, n. 13), este distincto pra- tico aconselha o uso do guaiacol em fricções sobre a pelle para fazer baixar a temperatura.na febre typhoide, o que elle fez por analogia ao que o Dr. Solis-Cohen havia observa- do nas febres dos tuberculosos. Este meio, segundo meu illustre mostre, é preferível ao uso dos outros anti-thermicos, por não ser seguido de depressão alguma. O tratamento alimentar da febre typhoide é muito im- portante. As lesões principaes assestando-se nos intestinos, a dieta deve ser estabelecida de conformidade. O leite éde uma utilidade incontestável, mas deve ser administrado de tres era tres horas e de cada vez 60 a 120 grammas ; ou póde ser alternado com os caldos de gallinha ou de vacca, sem gordura, o caldo feito com a cevada ou o arroz— a melhor regra dietetica é o poder digestivo de cada doente. Si houver vomito depois do alimento, ou si o alimento passar intacto, convem administrar os preparados de pepsina e ácidos mineraes, ou deve dar-se a peptona. Os refrigerantes, as limonadas, as laranjadas, o vinho fino do Porto ou Madeira, em pequenas dóses, o vinho qui- nado, são sempre o recurso de que lançamos mão para sus- tentar as forças do doente. Favorecer a diurese— Preenchendo esta importante indi- cação,© intuito principal é auxiliar a eliminação pelos rins das toxinas e dos agentes infectuosos. Para isto é mister manter a energia do coração, garantir a integridade do rim. A cafeina é indicada todas as vezes que o coração enfra- quece e que as urinas tornam-se raras ; a digitalis não será prescripta por causa da sua acção sobre o rim. As bebidas devera ser abundantes ; além do leite e dos caldos (2 litros) o doeiite beberá limonadas, vinho e agua 45 mineral fraca, á vontade, mas sempre em pequenas quanti- dades de cada vez. Estas bebidas servirão para dissolver as toxinas e eliminal-as. Com o mesmo fim, deve favorecer-se as evacuações alvi- nas por meio dos laxativos. Eis aqui uma therapeutica complexa e nem podia deixar de assim ser, porquanto as indicações a preencher são com- plexas. A’ vista destas considerações, vamos tratar dos recursos que combatem outros phenoraenos, que costumam acompa- nhar a febre typhoide. Contra asepistaxis abundantes empregaremos as ventosas seccas no thorax, as compressas na nuca, o tamponamento, as injecções de agua fria, o perchlorureto de ferro. Para sustarmos a diarrhéa, que póde ser abundante, ad- ministraremos as poções gommosas, os adstringentes, o xa- rope de diacodio, os antisépticos intestinaes (naphtol, salicy- lato de bismutho, salol, etc). Um cuidado que devemos sempre ter em vista é a desin- fecção das dejecções do doente com soluções fortes de su- blimado corrosivo, de sulphato de ferro, acido phenico, porém, devemos lembrar-nos que mesmo o intenso frio não destroe o germen typhoidico. Para combater o meteorismo, empregaremos as poções carminativas ; ether, hortelã pimenta, aniz, noz vomica, es- sencia dc terebenthina, compressas frias ou com terebenthina sobre o abdómen. Podemos diminuir a seccura da lingua aconselhando a lavagem com agua avinagrada, ou com chlorato de potássio, bebidas frescas, com moderação, ou pequenos fra- gmentos de gelo dissolvidos lentamente na bocca. Contra a cephalalgia empregar-se-ha a antipyrina. Delirio, si for devido á debilidade, augmentar os esti- mulantes ; si a outras causas, a morphina. Debilidade, alimento de 3 em 3 horas ; não se deve deixar de dar alimento pelo facto de estar em somnolencia o doente ; os estimulantes são indicados no começo, servindo de melhor guia a acção do coração. Para combater as paralysias consecutivas, empregaremos o sulphato de strychnina, a hydrotherapia, os banhos de mar e os thermaes. Para prevenir as escharas aconselharemos ao doente que mude de posição ou que se colloque sobre um coxim de borracha. Si as escharas já se teem estabelecido, laval- as-hemos com agua phenicada e faremos pulverisação da mistura de carvão, quina, camphora, etc. 46 Segundo as formas e as complicações que apresenta a pyrexia, difforentes são seus meios de tratamento. Nas formas abortiva e ambulatória, o unico cuidado de- verá ser de tonificar e alimentar o doente, aconselhando, a par disso, medidas hygienicas e repouso. Na fórma inflarnmatoria, em que o pulso é cheio, forte, vibrante, a face se intumece eha hyperhemia cerebral, appli- caremos algumas sanguesugas na região mastoidéa, sinapis- mos nos membros inferiores, etc. Si existir complicação biliosa, devemos aconselhar a poaia concentrada, aos cálices, de meia em meia hora; pur- gativos, com especialidade os calomelanos, o rhuibarbo. Si manifestar-se o franco estado ataxo-adynamico, usa- remos os antiespasmodicos : o almiscar, castorio, chloral só ou com bromureto de potássio, ou morphina. Quando a ataxia é acompanhada de profunda adynamia, convem administrar os antiespasmodicos reunidos aos tonicos excitantes. Quando houver qualquer complicação para o lado dos pulmões, empregaremos o banho frio, o tartaro emetico, as ventosas seccas no thorax, as poções tónicas e antisé- pticas. Si apparecerem os symptomas de peritonite, moderam-se as contracções intestinaes pelas injecções de morphina, se- guidas pelo uso do opio, em dóses fraccionadas (10 a 15 cent. nas 24 horas), o gelo intux et extra. Nos casos de hemorrhagia intestinal devemos suspender os banhos, praticar, injecções hypodermicas de morphina, e os homostaticos, como ergotina, perchlorureto de ferro, acido tannico com os pós de Dower, applicar bexigas de gelo sobre o ventre, os revulsivos e as ventosas seccas, suspender relati- vamente os alimentos e as bebidas e recommendar o mais completo repouso. O doente deve estar em decúbito dorsal e com a cabeça mais baixa do que as e si a hemorrhagia for profusa, o pé da cama deve ser levantado e bandages applicadas ao membro inferior para conservar o sangue nas partes vitaes. PROPOSIÇOES PROPOSIÇOES Physica Medica O thermometro é um auxiliar indispensável ao medico e muitas vezes somente as suas informações conduzem ao dia- gnostico. Para satisfazer as necessidades clinicas, o thermometro deve ser muito exacto e sensivel. O thermometro é applicado nas axillas, na bocca, no anus ena vagina ; nas criancinhas podemos applical-o na dobra da virilha, flexionando a coxa sobre o abdómen. Chimica inorgânica medica A agua distillada é um composto chimico de hydrogeno e oxygeno. Póde-se obter a agua distillada por diferentes pro- cessos. Em medicina emprega-se muito a agua distillada como excipiente. Botanica e Zoologia Medicas A funcção é que faz o orgão. 50 Desde que urna funcção cessa, o orgão que lhe era ad- stricto se atropbia. Pelo exercício da funcção obtem-se a evolução do orgão. Anatomia descriptiva A urethra é um canal que serve para a excreção da urina, em ambos os sexos. No homem a urethra ainda serve para a emissão do es- perma. A urethra da mulher, por sua estruetura, é muito mais dilatavel do que a do homem. Histologia theorica e pratica O periosteo é uma membrana fibro-vasçular, que re- veste todos os ossos do esqueleto. A sua cor é esbranquiçada ou branco amarellada e sua resistência, como em geral a dos tecidos fibrosos, é con- sidprn.vpl. A sua espessura e adherencia ás partes ósseas variam segundo as regiões. Chimica organica e biologica Dá-se o nome de quinas a vegetaes da familia das rubia- ceas pertencentes ao genero cinchona. Entre as numerosas especies. a cinchona calisaya é a mais rica em quinina. Um mesmo vegetal fornece as cascas conhecidas em pbarmacia pelos nomes de quinas amarella, vermelha e cin- zenta. Physiologia theorica e experimental Existe normalmente grande quantidade de microbios no tubo digestivo. Estes micro-organismos secretam fermentos solúveis, que auxiliam as transformações digestivas. Elles fabricam igualmente productos prejudiciaes, que são eliminados pelo intestino, rins, etc., ou retidos e des- truidos pelo fígado. Pharmacologia e Arte de formular As emulsões preparam-se com o auxilio de substancias oleosas. Apresentam-se com o aspecto leitoso pela divisão do oleo na agua e sua suspensão por uma substancia mucilaginosa. O leite é uma emulsão natural. Pathologia cirúrgica A mudança de relação normal e permanente entre as su- perfícies articulares é que se denomina luxação. 52 As luxações se dividem em trcs grupos : luxações trau- maticas, luxações espontâneas ou consecutivas e luxações congénitas. A deformidade do membro no ponto luxado é um dos principaes symptomas da luxação. Chimica analytica e toxicologica Um dos meios mais coinmuns para a pesquiza do arsé- nico é o apparelho de Marsh. Este apparelho também serve para a pesquiza do anti- monio. Differenciam-se as manchas de um e do outro por cara- cteres especiaes. Anatomia medico-cirurgica e comparada A artéria radial está situada na parte superior do ante- braço, entre os musculos pronador redondo e supinador longo e, na parte inferior, entre este e o grande palmar. Na região palmar esta artéria fórraa a arcada profunda. A ligadura desta artéria se faz nos terços superior, mé- dio e inferior do ante-braço. Operações e apparelhos Amputação é a operação que consiste na separação de um membro ou de um segmento de membro. 53 Ha duas especies de amputação ; umas, feitas ao uivei das articulações—desarticulações ou amputações na conti- guidade ; outras, feitas ao nivel dos ossos—amputações pro- priamente ditas, na continuidade. Além da salvação da vida do doente, deve o cirurgião procurar diminuir tanto quanto possivsl, pela escolha do processo e do apparelho prothetico, os inconvenientes resul- tantes da mutilação que vai praticar. Pathologia medica A febre typhoide é transmissível, importavel e conta- giosa. A duração da febre typhoide divide-se em tres periodos : de ascensão, de estádio e de declinação. A duração media desta pyrexia é de 21 dias. Anatomia e Physiologia pathologicas Tumor é toda a massa constituida por tecido de nova formação com tendencia a persistir e a crescer. A divisão dos tumores em benignos e malignos é bas- tante util no ponto de vista clinico. A herança exerce uma grande influencia na etiologia dos tumores. 54 Matéria Medica e Therapentica Os arsenicaes são medicamentos que a principio deve tormar-se em dóses minimas, afim de que se possa dar a to- lerância. Os arsenicaes toem sido empregados com muita vanta- gem nas dermopathias e em algumas manifestações do palu- dismo. Os preparados arsenicaes' mais empregados são: o acido arsenioso, o arseniato de sodio, o arseniato de potássio e o arsenito de sodio. Obstetricia A febre puerperal é a consequência de uma infecção a que ficou exposto o organismo pelo estado da, cavidade ute- rina depois do parto. Evitada, portanto, a infecção, o puerperio póde correr sem o menor augraento da temperatura. O parteiro que não usa da necessária antiscpsia é culpa- do dos accidentes que podem resultar da infecção. Medicina legal A simulação da, alienação mental não exclue a idéa de alienação no individuo que simula. ... De ordinário.o individuo que. simula a alienação, si não é um alienado, é um individuo psychicamente degenerado. 55 No indivíduo que simula, tendendo sempre a exagerar os symptomas da alienação, é facil descobrir a fraude. Hygiene e mesologia Todo o navio vindo de um porto infeccionado por uma moléstia epidemica deve soffrer quarentena. A quarentena póde ser de observação, ou rigorosa, se- gundo o navio é suspeito eu infeccionado. As' mesmas medidas prophylaticas tomadas contra um paiz estrangeiro devem ser observadas em relação a diffe- rentes pontos do mesmo paiz. Pathologia geral e historia da medicina Receptividade mórbida é o estado em que se acha muitas vezes um indivíduo para adquirir uma moléstia que póde não atacar um outro nas mesmas condições. A receptividade é uma condição essencial para o desen- volvimento das moléstias infectuosas. Sem ella o microbio não pullula no organismo. Clinica cirúrgica (2U cadeira) A antisepsia rigorosa nos curativos abriu para a cirurgia os mais vastos horizontes, permittindo-lhe ã pratica das mais ousadas operações, com probabilidade de bom exito. 56 Deve-se principalmente a Lister o emprego do methodo antiséptico, cujas innmneras modificações e variedades ba- seam-se nos mesmos principies. O curativo antiséptico é hoje de rigor desde a mais simples até a mais importante operação cirúrgica. A antisepsia, a anesthesia e a ischemia cirúrgicas constituem as mais notá- veis conquistas da cirurgia contemporânea. Clinica dermatológica e syphiligraphica Sendo a syphilis uma moléstia infecto-contagiosa, embora o seu germen especifico não tenha sido ainda descoberto, é de rigor o emprego de medidas hygienicas e prophylaticas contra ella. O contagio directo representando com a herança os seus modos únicos de propagação, a regulamentação da prosti- tuição publica e a restricção dos casamentos dos syphiliticos, pelo menos dos recem-infectados, são os meios de que póde dispor a hygiene para diminuir esta terrivel moléstia. Os preparados de hydrargyro e o iodureto de potássio constituem os meios therapeuticos específicos. Clinica propedentica No estado normal a urina é ligeiramente acida e enver- melhece o papel azul de turnesol. As urinas são acidas em uma serie de moléstias acom- panhadas de febres, taes como a febre typhoide, o rheuma- tismo articular agudo, a pneumonia, etc. 57 Em consequência de uma medicação alcalina pela in- gestão de saes alcalinos de ácidos vegetaes, as urinas tornam- se alcalinas. Glinica cirúrgica (Ia cadeira) Fracturas são soluções de continuidade dos ossos, produ- zidas por uma violência qualquer. Distinguem-se nas fracturas causas determinantes e pre- disponentes. As causas determinantes são : as violências externas e as contracções musculares ; as causas predisponentes são: a idade, o sexo, as moléstias geraes e locaes. Clinica obstétrica O symptoma mais commum do inicio da prenhez é a per- turbação das funcçÕes digestivas. Observa-se muitas vezes também uma notável perversão da sensibilidade do gosto. A lingua, que é a séde principal desse sentido, não apre- senta modificação alguma em taes casos, o que parece indicar que o phenomeno é puramente nervoso. Clinica gynecologica O vaginismo, segundo a definição do professor Marion Sims, consiste em uma hyporesthesia excessiva do hymen e da entrada da vagina, acompanhada de contracções violentas, involuntárias e espasmódicas do sphincter da vagina. 58 No vaginismo o coito é impossível Os casos bem caracterisados, que Sims observou, não eram complicados de inflammação. Clinica ophtalmologica Entre as moléstias inflammatorias que podem affectar o globulo occular é a conjunctivite simples uma das mais fre- quentes. O frio, as poeiras, os vapores irritantes, a presença de corpos estranhos, a luz viva ou reflectida são as principaes causas da inflammação. Fazer desapparecer a causa da irritação c a indicação do tratamento,convindo o banho dos olhos com líquidos quentes, como a agua, o leite e collyrios adstringentes. Clinica Medica ( 211 caxleira) A dyspopsia c antes um symptoma commum a grande numero de moléstias, principalmente chronicas, do que uma moléstia propriamente dita. Não raras vezes a causa da dyspepsia passa completa- mente despercebida ao medico. Os dyspepticos apresentam quasi sempre anorexia o quando deixam o leito, pela manhã, sentem a bocca secca, amarga, e a língua se mostra coberta de umasaburra espessa e amarellada. 59 Clinica psychiatrica e de moléstias nervosas O idiotismo consiste em uma parada de desenvolvimento das faculdades psychicas, ligado a um vicio congénito ou accidcntal do encephalo. Ha tres gráos de idiotismo : completo, semi-idiotismo e imbecilidade. A herança, o traumatismo e diversas moléstias da pri- meira infancia, são causas incontestáveis na genesis do idiotismo. A hysteria é uma nevrose commum aos indivíduos adul- tos (homens e mulheres) e ás crianças. Os estygmas da hysteria continuam os mesmos ; só os accidentes variam. O tratamento da hysteria é muito variavel. Clinica Pediátrica O rachitismo é uma affecção que se observa na infancia e perturba o desenvolvimento do organismo. E’ uma perturbação de nutrição de todos os tecidos do organismo, que é seguida de deformação do systema osseo. O tratamento consiste em tonicos, boas indicações hy- gienicas e exercícios physicos. 60 Clinica medica (1" cadeira) As gastrorrhagias, quer esseuciaes, quer symptomati- cas, são a consequência próxima de rupturas dos vasos do estomago. O diagnostico da gastrorrhagia, além dos caracteres fornecidos pela hematemese e pelos symptomas locaos e geraes, repousa sobre os antecedentes do doente. A menos que não se trate de uma gastrorrhagia supple- mentar, onde a therapeutica consiste em fazer a revulsão do sangue para a parte em que a hemorrhagia se dá habitual- raente, toda a hemorrhagia estomacal deve ser combatida pelos heraostaticos. HYPOCRATIS APHORISMI Vita brevis, ars longa, occasio proeceps experimentam fallax, judicium diíficile. (Sect. 1, Aph. Io.) Natura corporis est in medicina principium studi. {Sect. 111, Aph. 70.) In febribus acutis convulsiones et circa víscera dolores vehementes, inalum. (Sect. IV, Aph. 65o.) In febribus non intermittentibus, si partes externae sint frigidse internas vero urantur, et siti vexentur, lethale est. {Sect. IV, Aph. 18o.) In febribus, ex somnis pavores, aut convulsiones, malum. {Sect. IV' Aph. 67.°) Frigidi sudores cum febre quidem acuta, mortem ; cum rnitiore vero morbi longitudinem significant. {Sect. IV. Aph. 37o.)