ALGUMAS CONSIDERAÇÕES !S E HED1COLEGAES SOBRE O CASAMENTO E SEUS CASOS Í)E NÜLLIDADE. 8717 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES IWilIUIl SOBRE 0 CASAMENTO E SEUS CASOS DE NÜLLIDADE. APRESENTADA E SUSTENTADA PERANTE A FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO EM 19 DE DEZEMBRO DE 1848 POR J^aaUnc/a K^mbaitícted c/e S^S/atae *sw?(mcQt4xa, NASCIDO NO RIO DE JANEIRO, E FILHO LEGITIMO B0 COMMENDADOR JOSÉ DOMINGUES DE ATTAIDE M0NC0RV0 Doutor em Medicina pela mesma Faculdade, Sócio effectivo da Imperial Sociedade Amante da Instrucçao, e Membro Correspondente da Sociedade Auxiliadora da Industria Nacional. 0 casamento é uma divida sagrada que todos contrahem para preencher os fins de sua espécie e augmento do seu paiz; a vida é um bem que só se recebe com a condição de se transmittir. (do autor). TYPOÜRAPH1A IMPARCIAL DE FKANCISCO DE PAULA BRITO Pra<;;» da Constituição N. 64 1818. FACULDADE DK MEDICINA DO RIO DE JANEIRO, DIRECTOR O Snr. Dr. José' Martins da Cruz Jobim. LENTES PROl Os 8rs. Drs. I—ANNO- Francisco de Paula Cândido...........•.......... Francisco Freire Allemâo, Examinador........... II—ANNO. Joaquim Vicente Torres Homem................ Jcsé Maurício Nunes Garcia...................... III—ANNO. José Maurício Nunes Garcia.............•........ Lourenço de Assis Pereira da Cunha............... IV—ANNO. Luiz Francisco Ferreira.......................... Joaquim José da Silva........................... João José de Carvalho, Presidente............... V—ANNO. Cândido Borges Monteiro....................... Francisco Júlio Xavier.........................« VI—ANNO. Thomaz Gomes dos San tos.....................•« José Martins da Cruz Jobim...................... 2-° ao 4.° Manoel Feliciano Pereira de Carv.0, Exam. 5.° ao6.° Manoel de Valladão Pimentel.............. RIETARIOS. Physica Medica. 5 Botânica Medica, c princípios elementares de Zoo- C logja. 5 Chimica Medica, e princípios elementares de Mine- \ ralogia. Anatomia geral e descriptiva. Anatomia Geral e descriptiva. Physiologia. Pathologia externa. Pathologia interna. i Pharmacia, Matéria Medica, especialmente a Bsa- ! sileira, Therap., e Arte de formular. Operações, Anatomia topogr. e Apparelhos. Partos, Moléstias das mulheres pejadas e paridas, e dos meninos recém-nascidos. Hygienc, e historia da Medicina. Medicina legal. Clinica externa, e Anat. pathol. respectiva. Clinica interna, e Anat. pathol. respectiva. LENTES SUBSTITUTOS. Francisco Gabriel da Rocha Freire. Examinador.... > g - de ; ; accessoria,. Antônio Mana de Miranda Castro................. S José Bento da Rosa.............................. í Secçâo medica. Antônio Fchx Martins........................... 3 Y Domingos Marinho de Azevedo Americano, Exam. \ «.„„„- „:„„„•„ i • i° ai u c • ~ > ocecao cirúrgica. Luiz da Cunha Feyo............................. S ° SECRETARIO Ç) Snr. Dr. Luiz Carlos da Fonçc-ca. * Faculdade n^o approva nem desapprova as opiniões einittidas nas These*, que lhe s.to apresentada*. À MEU PREZADO PAi E MELHOR AMIGO O ILLM. SR. COMMENDADOR JOSÉ DOMINGUES DE ATTAIDE MONCORVO No momento mais solemnc da minha vida, em que do pórtico da vida civil em que vou entrar, envio uma saudação ao futuro, ura tributo sagrado pesa nos meus hombros, querido Pai, é elle o da gratidão, á cujas vozes meu peito deu sempre acolhimento. Devedor a yós da vida, da educação, e de tudo que sou e poderei ser, debalde procuro expressões que manifestem os sentimentos de que me acho possuído : emoções ha de natureza tal que parecem participar de essência sobrehumana; e então que palavras explical-as possam ? Dignai-vos por tanto, Senhor, de acceiUr esta primejra producção dos meus trabalhos, que a vós compete, visto de direito pertencer a primeira colheita á benigna mão, que sobre a terra lançou a semente, como pequeno mas sincero penhor do mais firme c puro amor, obediência e respeito filial, afim de que possa estimar-me o mais feliz dos filhos. On remplace un ami, son epouse, une amante; Mais un verlueux pèrc est un bien prccieux, Qu'on ne tient qu'unc fois de Ia bonlé des dieux. r A A ILLMA SNRA. D. TEQJ&ÂELL MJL3.2JL MONCSOEY© A vós que sempre vosdignastes conceder-me um elevado gráo no thermomelro de vossa affeição ; a vós que sempre com mão pródiga despendestes comigo os thesouros de vossas graças e carinhos; a vós, minha querida Mãi, que me tendes dado innumeras provas de ternura, que tendes por mim vertido tantas lagrimas, vosso filho grato vos dedica este imperfeito trabalho, ultima prova de suas lidas Acadêmicas, pelo qual tanto suspiraveis; coroados estão vossos desejos: as fervorosas e ardentes supplicas que endereçaveis ao Altíssimo, quando a Elle recorrieis na oceasião em que bem poucas probabilidades haviam de vosso filho poder ultima-lo, foram benignamente escutadas ! Acceitai-o, afim de que esse prazer dê ao vosso filho algum alento e o faça por um instante esquecer-se do tufão da adversidade que tanto o tem açoutado; prazer esse, que com tanta impaciência elle aguardava e tanto almejava em tempos mais ditosos, quando, com o coração cheio de esperanças, vida e vigor, pintava com as mais risonhas cores o seu futuro, que hoje, porém, oh illusões humanas! este envolto em negro e denso véo. Acceitai-o, ainda vos imploro, minha querida Mãi, como a mais sincera e cordeal prova de respeito e gratidão de vosso filho, que para assegurar sua existência, necessita viver por algum tempo de vos ausente e dos seus. Cumpra-se o seu fadario ; trague elle até esgotar o calix da amargura que sua ma sorte lhe tem preparado. Oxalá que com mais este sacrifício, breve venha o dia em qnc restabelecido corra a vossos braços para gozar do influxo de vossos benefícios, e então reunido a vós nunca mais se separar. Oh quão doce )hc será então a vida ' A MEUS CAROS IRMÃOS E VERDADEIROS AMIGOS Os Illms. Srs. JOSÉ DOMINGUES DE ATTAIDE MONCORVO EVARISTO CAMARGO DE ATTAIDE MONCORVO Mon crjeur abondc cn scntimens Mais mon esprit no peut les rendre ! ! AOS MANES DE MINHA NL.NCA ASSAZ CHORADA TIA E MADRINHA A ILLMA. SRA. D. RITA MARIA PEREIRA DE MENDONÇA Se a mão da ferrenha morte respeitasse as virtudes, e a belleza, vós terieis sido isenta de succumbir a seus nefandos golpes ! mas não o fostes!.... Se lá da eternidade é permittido ouvir-se humana voz, consenti que por um momento perturbe o silencio que desfructaes na mansão dos justos, onde de certo estaes, para vos rogar não desprezeis as lagrimas, que ainda hoje verto, como ingênuo testemunho da minha viva e eterna saudade !!! AO ILLM. E EXM. SR. CONSELHEIRO LUIZ MOUTTINHO DE L. A. E SILVA ENVIADO EXTRAORDINÁRIO E MINISTRO PLENIPOTENCIARIO DO BRASIL EM ROMA E A SUA SRA. MINHA ESTIMAVEL TIA. Tributo de considerarão e amizade. AO MEU PARTICULAR AMIGO E PARENTE O ILLM. SR. INNOCENCIO JOSÉ DE PROENÇA Recebei, eu vos peço, este pequeno, mas cordeal testemunho de reconhecimento e amizade. AOS ILLMS. SRS. DRS. MANOEL PACHECO DA SILVA. ANTÔNIO FELIX MARTINS. A vosso talento medico, e desvelados cuidados, Senhores, é que devo a vida, por duas vezes tão gravemente compromettida por um complexo de moléstias, que quasi sempre zomba dos mais bem combinados meios ! Não esmorecestes e me prodigalisastes hábil e opportunamente vossos soccorros, e arrancastes mais uma victima das bordas do túmulo! Em confissão de minha viva gratidão e sincera amizade, consenti que vosso nome seja aqui estampado, como está gravado no meu coração. Á MEMÓRIA DO MEU SÁBIO E RESPEITÁVEL MESTRE O ILLM. E REV. SR. CONEGO JANUÁRIO DA CUNHA BARBOSA Uma lagrima de dôr e de saudade ! AOS AMIGOS CERTOS, BONS PAES, E PRESTANTES CIDADÃOS OS ILLMS. SRS. JOÃO JOSÉ DIAS CAMARGO. COMMENDADOR MANOEL GOMES FERREIRA. JOÃO PEDRO DA VEIGA. Em quanto me animar da vida o sopro Grato publicarei vossos favores. AOS II.I.MS. SRS. EXM. BARÃO DE TINGOÁ COMMENDADOR ANTÔNIO CORRÊA E CASTRO COMMENDADOR LAURlANO CORRÊA E CASTRO, E SUAS FAMÍLIAS Relevai, Senhores, que vos offereça este primeiro fructo de minhas lucubrações litterarias; bem pouco vala elle, mas acceitai-o, não como prova do que vaieis, mas como real e fiel expressão de reconhecimento e alta estima de um amigo, que devidamente aprecia as devidas qualidades que vos ennobrecem. AOS MEUS PRESTANTES AMIGOS OS ILLMS. SRS. DR. ALBINO MOREIRA DA COSTA LIMA. DR. PEDRO MOREIRA DA COSTA LIMA. CAPITÃO JOÃO P. DE G. VASCONCELLOS MARIZ AUGUSTO HENRIQUE GONZAGA. FERNANDO ANTÔNIO LEAL JÚNIOR. JOÃO NEPOMUCENO DE SÁ. THOMAZ XAVIER DA MOTTA. MANOEL FRANCISCO DE SOUSA LEMOS. DR. ANTÔNIO DIAS DA COSTA. PADRE FRANCISCO DAS CHAGAS CORRÊA. TENENTE LUIZ JOSÉ DA FRANÇA. JOSÉ ROMÃO PAES. Prova não equivoca da nossa mutua amizade e da mais decidida sympathia. Ao Illm. Sr. J. J. COELHO E A SUA ESTIMAVEL FAMÍLIA. Signal de estima e sympathia. AO ILLM. SR. DR. JOÃO JOSÉ DE CARVALHO CAVALLEffiO DAS ORDENS DA ROSA E DE CHRISTO DOUTOR EM MEDICINA PELA FACULDADE DE PARIS, BACHAREL EM SCD2NCIAS PHYSICAS PELA FACULDADE DE SCDJ1NCIAS DA MESMA CIDADE, LENTE DA ESCOLA DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO, CIRURGIÃO MÓR DO CORPO DE PERMANENTES. Limitada prova de verdadeira amizade, gratidão e respeito. AOS ILLMS. SRS. DRS. FRANCISCO DE PAULA CÂNDIDO. MANOEL DE VALLADÃO P1MENTEL. LUIZ DA CUNHA FEIJO'. ANTÔNIO MARIA DE MIRANDA CASTRO. Demonstração de estima e homenagem ao saber. AO MEU PREDILECTO AMIGO E COLLEGA E Á SUA RESPEITÁVEL FAMÍLIA 0 1LLM. SR. DR. JOSÉ FRANCISCO DE SOUSA LEMOS. II est des nceuds secrets, il est des sympathies, Dont par le doux rapport les ames assorties S'altachent l'une à 1'autre, et se laissent piquer Par je ne sais quoiqu'on ne sait expliquer. Á MEMÓRIA DO MEU AMIGO E COLLEGA O ILLM. SR. JOÃO JOSÉ DOS SANTOS BANDEIRA. Saudosa recordação! AOS MEUS AMIGOS E COLLEGAS OS ILLMS. SRS. DRS. CARLOS LUIZ DE SAULES. JOSÉ XAVIER LOPES DE ARAÚJO. Animados do mesmo desejo, juntos começámos nossç>-fse^ ambicionado fim de nossas afanosas tarefas escolares; recebei pois esta nomeudgem F v tempo que nelles passámos juntos. PREFACIO. Não ó por certo o desejo de alardear conhecimentos que não possuimos, que nos força a empunhar a penna para dar á luz algumas folhas impressas. Aspirante ao honroso gráo de Doutor em Medicina, depois de tantas provas dadas nos seis longos annos gastos nas lidas escolares, nos amphitheatros anatômicos, e nos salões dos hospitaes, ainda nos vimos coagidos por Lei a passar pela prova da penna, como pedra limitrophe do nosso tirocinio es- colar, que submettida ao respeitável e severo tribunal da Faculdade de Me- dicina, serviria de base ao derradeiro juizo que de nós faria. Por sem duvida reconhecemos nós será cila recheada de imperfeições; bem acabado trabalho não se poderia exigir de nós que na idade de 21 annos, apenas começando de trilhar a difficil vereda das letras, achamo-nos baldos da capacidade necessária para discutir qualquer assumpto do vasto campo da Sciencia Me- dica, e depauperados de forças e mal libertados das garras da morte, com custo nos podiamos entregar ás fadigas que taes ensaios soem reclamar. Confiados pois na indulgência dos nossos benignos leitores, depois de muito divagarmos pelos domínios da Medicina, preferimos fazer algumas consi- derações hygienicas e medico-legaes sobre o casamento, não por tal as- sumpto se annivelar com a acanhada esphera de nossos conhecimentos, mas pelo interesse que oíferece á sociedade, encarado esse nó sagrado quer pelo lado moral quer pelo lado politico. Não nos cega o orgulho da originalidade; no nosso trabalho nada se encontrará de novo; tão somente digirimos as idéas que nos ministraram os livros ou colhemos de nossos preceptores. Feliz de nós se a transcendência c magnitude do objecto poder servir de des- culpa á deficiência de nossas forças: Quem si non tenui Magnis tamen excidiausis. Ovidio. ' ALGUMAS CONSIDERAÇÕES if ^lllltâi 1 Blllii Uêâli SOBRE 0 CASAMENTO E SEUS CASOS DE NÜLLIDADE. Si d'une part, Ia condition de vierge, dans nos institutions civiles, est un élat de violence conlre les impulsions de Ia nature, fort diffé- rent de 1'état libre des jeunes femelles d'animaux que subissent à 1'époque de leurs amours le joug de Ia voluplé ; si d'un autre côté, il est généralement admis, que le niariage est 1'état le plus conforme au bonhcur, au bien Ctre et à Ia santé de rhomme, il est important de répondre aux vues de Ia nature aussitòt que le permettentle dévelop- pement complet et Ia parfaile conformation de tous les organes. (Vikey. De la femme sous ses hapports physiologiques moral et littérairk. c.h. xi. pag. 78). Sendo a vida humana dividida em differenles períodos, um apparece em que a natureza, depois de ministrar aos principaes órgãos da economia o desenvolvimento que devem adqui- rir, concede aos indivíduos de um e outro sexo meios para a propagação de sua espécie; é o da puberdade, a primavera da vida, a quadra dos prazeres. Anlolha-se-lhes então uma carreira bem differenle da que tinham percorrido, e não só lhes mostra necessidades que sa- tisfazer, como até lhes impõe deveres, que na ordem natural lhes eram estranhos antes d'esse período da vida. Na infância do mundo, e antes do estabelecimento das sociedades civis, os rlous sexos não seguiam na sua união senão o sentimento que os altrahia para a satisfação (Vossas necessidades. As mulheres pertenciam áquelle que primeiro se apossava dellas (1); passavam para os braços dos que tinham mais força para as roubar, ou mais astucia para as seduzir. Os filhos que procediam de taes ajuntamentos não conheciam seus pais, e não ti- nham quem se occupasse da sua educação ; então os philosophos e legisladores submetteram essa união a certas formalidades, e fizeram delia um dos principaes objectos de suas medita- ções e sollicitudes. O casamento, pois, é essa união legal e sagrada entre dous entes que st; (1) Quos venerem incertam rapientes more ferarum, Viribus editior, coedebat, ut in grege taurus. Horat. Lib. 1. Sat. 3.a v. 109. 1 — t — idolatram, com o fim de satisfazerem suas necessidades pbysicas, perpetuarem sua espécie e educarem seus filhos, e prolongarem a vida comparlindo os dissabores e doçuras delia ; é este o estado que convém ao homem para fazer uso das novas potências, que adquirio pela puberdade. Em todos os tempos e até mesmo pelos chefes das diversas seitas religiosas, Zoroastes, Con- fucio e Mahomet tem o casamento sido aconselhado como um vinculo conforme com a natu- reza e organisação humana, e que não pouco concorre para a saúde e felicidade publica e in- dividual, e para o augmento da população; por isso que os filhos que resultam d'esse nó sa- grado contrahido entre indivíduos de um e outro sexo, são penhores, como diz Bacon, que elles dão ao seu paiz, que a elle os prendem, e lhes fazem despertar o nobre sentimento do santo amor da pátria. Nos paizes civilisados tem elle merecido os suffragios de todos os legisladores, e provas evidentes nos tem sido transmittidas das homenagens, respeito e deferencia que tributavam a este estado, expondo os celibatarios a varias humiliações e castigos públicos ; em Roma eram excluídos do direito de poder servir de testemunhas ; em Esparta eram cruelmente es- carnecidos, como se deprehende do fado que nos refere Plutarco, acontecido entre o velho celibalario Dercyllidas, que sempre commandára com gloria os exércitos de Lacedemonia, e um joven Espartano, que achando-se com elle em uma mesma assembléa do povo lhe dirigio o seguinte insulto.—« Não me levanto na tua presença, porque não tens filhos, que um dia façam o mesmo por mim.— * Sempre se tentou marcar a idade própria para contrahir matrimônio. Lycurgo, enthusiasta da liberdade de seu paiz, preferia uma população vigorosa, que defendesse as suas inlitui- ções, a uma população numerosa; e por isso requeria a idade de 30 annos para o sexo mas- culino e 20 para o feminino. Aristóteles, tendo em vista a conservação dos costumes, exigia 37 para os homens e 18 para as mulheres; desta maneira, dizia elle, os esposos passando a vida em uma doce e respectiva reciprocidade quanto aos annos, conservarão sempre meios de agradarem mais facilmente um ao outro, chegaráõ juntos á época em que se extingue a fa- culdade reproductiva da espécie, e então succederá á tão ditosa mocidade uma plácida velhi- ce. Tácito (1) nos conta que os Germanos não procuravam a sociedade das mulheres senão muito tarde, e aquelle que antes dos 20 annos perdia a virgindade ficava infamado; e com razão attribue ã continência destes povos durante a mocidade o vigor de sua constituição e multidão de seus filhos. Entre outros povos, porém, como os Romanos, e os Athenienses, em que urgia a necessidade de uma numerosa população, ou quando diversas circumstancias ac- carretáram a relaxação dos costumes, como aconteceo nos últimos tempos da Republica Roma- na, era permittido e até favorecido desde os primeiros annos da puberdade. As leis francezas marcam 18 annos completos para os moços, e 15 para as moças. Foderé quer que elle se effeclue logo que cheguem a esta época os indivíduos de ambos os sexos (2). (1) De moribus Germanorum. (2) Dans 1'état actuel de nos moeurs, et en considérant le développement plus rapide qu'autrefois des fa- cultes génératrices, je pense qu'il serait très-salubre et três moral de marier les garçons aussitôt qu'ils sont parvenus à leur puberté parfaite. Je suis d'autantplus porte à former cevoeu, qui, malheureusement, será lou- — 3 — Outros muitos exemplos poderíamos apontar que bpm mostram a diversidade de opiniões que tem reinado entre os legisladores sobre a idade mais própria para semelhante enlace ; po- rém esse trabalho deixamos aos historiadores, não nos sendo possível explanal-o nos estreitos limites a que nos pretendemos cingir; comtudo. dos que apresentámos se colhe que todos requerem a puberdade completa, que não pôde ser marcada, por isso que seu apparecimento pôde ser accelerado ou retardado por diversas circunstancias, como os temperamentos, cli- mas, maneira de viver, e paixões, e isso nos parece mui judicioso e acertado, porque nada achamos de mais offensivo aos votos e leis da natureza e da sociedade do que prender cedo com os vínculos do hymenêo a pessoas que não chegaram a seu perfeito desenvolvimento. Desta sorte apenas sahidas da infância cahiráò na caducidade, arrastarão uma penosa e triste existência pela serie de males que de prompto as assaltarão na sua nova posição. As moças ficarão expostas á suppressão do fluxo catamenial, a metrorhagias, á aberração das regras ou á menoxenia, por isso que a menstruação exige alguns annos para se regularisar, e seguindo uma marcha lenta e successiva não se repetirá periodicamente, e nas mesmas épocas pelo fac- to de apparecer pela primeira vez. Além disso tornando-se grávidas, estaráõ sugeitas a fre- qüentes abortos; debilitadas por prazeres prematuros lornar-se-hão estéreis ; e com dificul- dade supportaráõ as dores inseparáveis do parto e accidentes da prenhez (1). No sexo mas- culino também differentes moléstias atacaráò aos jovens que imprudentemente se unem cedo em matrimônio ; como sejam affecções dos apparelhos da respiração e da circulação. Preju- dica também á sociedade, porque o desgosto e o aborrecimento que se seguirá aos gozos mul- tiplicados a que se entregam com a sofreguidâo e ardor próprio de sua pouca idade, promo- verá a depravação dos costumes, e os excitará a procurar novos amores ; e se fructos resul- tam de semelhantes vínculos serão geralmente pouco robustos, e predispostos a contrahir enfermidades que attacam os systemas glandular, ósseo, e nervoso. Igualmente deveremos evitar toda a desproporção extrema de idade e força entre os dous esposos, visto que esse é um dos pontos capitães para que o accordo e boa união subsistam «ntre elles, pois é mui nocivo á saúde e prosperidade publica. A mesma razão humana se ne- ga a conceber que possa ser apertado um vinculo contrahido entre uma moça e um velho paduco (2), consumido pelos prazeres, e marcado pela deterioração do seu organismo ; um jours contrarie par les circonstances de 1'état social, qui j'ai observe indépendamment des considérations gé- nérales sur l'utililé du mariage, que Ia passion tyrannique de fonanisme devenue si commune et si meurtnè- re trouve souvent un conlrepoison dans le mariage, et que si on Ia laisse empirer, elle finit ordmairement par-rendre stérile, et par donner un degoút insurmontable pour 1'union conjugale.- (Dict. des S. Medicale* ai»t. de Foderé sur le mariage). (1) Quel père et quelle mère de famille ! Eh ! pour savoir éléver des enfans, attendez au moins de cesser deYêtre. Savez-vous à combien de jeunes personnes les fatigues de Ia grossesse supportees avant lage onl «ffaibli ia constitution, ruiné Ia santé, abrégé Ia vie? Savez-vous combien d;enfans s^ ^ rt faibles faute d'avoir été nourris dans un corps assez forme ? Quand Ia mere et 1 n an c ent à fo» et que ta substance nécéssaire à 1'accroissement de chacun des deux se partage, n, lun m a tre n. ce que tal destinait Ia nalure : comment se peut il que tous deux n'en souffrent pas? (J. J- Rousseau). (•2) Um velho amoroso, diz um escriptor francez, faz recordar o supplicio do tyranno Mezooce, que atava cadáveres a pessoas vivas. — 4 — vinculo a que não presidio o amor, e que a natureza repelle. O seu resultado necessário será o afrouxamento, dissenções domesticas, escandalosos divórcios, e toda a serie de desgostos, que costumam perturbar a almejada tranquillidade domestica. E cousa repugnante e até des- humana, que pais se encontrem tão aurisedentos que não duvidem sacrificar suas filhas, col- locando no mesmo leito a par de entes hediondos essas delicadas e innocentes meninas, a quem um momento de fascinadora illusâo, ou um carrancudo olhar de pães tyrannos fez pro- nunciar com a bocca juramentos que o coração não confirma (1)! Se acontece haver filhos, não podem ser educados por seus pais, porque em tenra idade tiveram a desgraça de os per- der, e de ordinário são valeludinanos, e não pouco importa á felicidade publica e domestica a procreação de filhos sãos e robustos: além disso a observação tem plenamente demonstrado quão funesto é para os velhos o amor sensual, que tornando-os pallidos, tristes e extenua- dos, os predispõe para congestões, paralysias, e perversões das faculdades intellectuaes ; a sua união com o bello sexo, a freqüente repetição do hymenêo é uma temeridade que lhes cava a sepultura (2). Pelos trabalhos estatísticos feitos em tempos e lugares differenles por Chasmond (3), Sin- clair (4), Buííon (5), Haigarlh {()), e principalmente por Deparcieux (7), está inquestionável e cabalmente provada a influencia vantajosa da união conjugai sobre a duração da vida, e por elles se vê que maior é o numero dos indivíduos casados que chegaram á uma extrema ve- lhice do que o dos solteiros; e n'estes observou Voltaire serem mais freqüentes os suicídios, as alienações mentaes, e as melancolias. Tão notáveis differenças de mortalidade nestes dous estados podem achar completa explicação no apoio mutuo que com este sagrado vinculo se estabelece entre os dous esposos, nas attenções, consolações, e cuidados que se prodigalisam nas enfermidades; e pela isenção das medonhas moléstias que de ordinário perseguem aos que se alistam na milícia ambulante de Venus. Uma circumstancia imperiosa deve fazer contrahir este casto vinculo da natureza: é o es- tado morbifico que resulta para ambos os sexos da extrema continência, sobre tudo para o (1) Dans les mariages qui se font par 1'aulorité des pères, on se règle uniquement sur les convenances d'institution et d'opinion, ce ne sont pasles personnes qu'on marie, ce sont les conditions et les biens, mais tout cela peut changer; les personnes seules restent toujours, elles se portent partout avec elle, en dépitde Ia foriune, ce n'est que parles rapports personnels qu'un mariage peut étre lieureux ou malheureux. Cest aux epoux à assorlir. Le penchant mutuei doit être leur prémier lien: leurs yeux, leurs coeurs doivent être leurs prèmiers guides; car comme leur prémier devoir, étant unis, est de s'aimer, et qu'aimerou n'aimer pas ne dé- pend point de nous mêmes, ce devoir en emporte nécessaircmeiit un autre qui est de commencer par s'aimer avant de s'unir. Cést lá le droit de Ia nature, que rien ne peut abroger; ceux qui l*ont gene par tant de lois civiles ont eu plus d'égard à 1'ordre apparent qu'au bonheur et aux mceurs des citoyens. (J. J. Rousseau). (2) Diz o sábio Bacon:—Concubitum pariter fugeat rugosa senectus Ni velitethalamo properans descendere in orcum.— (3y Journal encyclopédique, juin de 1771. (i) Code de santé pg. 137. (5) Supp à 1'IIist nat Tom. 4.o pg. 267—277. (6) Transact. philosoph. Tom. 66. (7) Essai sur les probabilités de Ia durée de Ia vie huraaine.—Paris 1716. — 5 — sexo masculino que tem sempre um estimulo preparado, uma causa perenne de irritação, des- de a puberdade até a decrepitude ; o que não acontece ao sexo opposto que, on por sua cons- tituição humida, ou pela desvelada educação que recebe pôde com menos risco supportar o celibato. E de passagem diremos que o celibato não é hoje respeitado senão como virtude sa- cerdotal, recommeudada pelos theologos, como necessária aos religiosos, porque perdendo elles o amor ás cousas terrestres, e elevando então continuamente sua alma á meditação das cousas celestes, podem com mais ardor preencher sua sagrada missão; fora d'ahi, é opposto aos bons costumes.— As pessoas que se vinculam por matrimônio confundem os seus inte- resses, triumpham do egoísmo, e tornam-se mais humanas e sensíveis ás desgraças de seus similhantes; os sentimentos de esposo e de pai fazem conhecer um manancial de encantos, que muito conbribue para a felicidade da vida. Outro tanto não acontece aos eelibatarios. clas- se inútil, e até digamos funesta, que quaes parasitas que se agarram ás arvores para lhes chu- par a substancia, só servem á sociedade de peso, e não tendo cousa que encha o vácuo de seu coração endurecido pela crápula» consideram o bello sexo, como mero instrumento de prazer, e solapam a moralidade, base do edifício social. A inclinação invencível dos dous sexos, um para o outro, o prazer que a natureza conce- deo á união de ambos, claramente nos indicam que foram feitos um para o outro : ella é ca- paz de aflrontar tudo o que tendesse a anniquilal-a. posto que diversas circumstancias. como os exercícios do corpo e do espirito, opiniões religiosas a possam por algum tempo enfraque- cer, mas nunca a fazer cessar, pois não ha meios que vedem a secreção do licor prolífico, cujo transporte para a circulação torna-se um aguilhão tão enérgico. Verdade é, que nos fas- tos da sciencia estão registados factos de cenobitas, e athletas. que passaram a vida na abs- tinência dos prazeres sensuaes ; mas serão estes exemplos bem averiguados para delles se de- duzir que não lutaram em contínuos assaltos entre a carne e o espirito? A não satisfação ao grito da natureza e a privação dos prazeres venereos, é uma origem fecunda de males para o sexo masculino. Além das freqüentes polluções nocturnas, que mais enfraquecem do que os jogos cupidineos, das continuas e dolorosas erecções, da tensão do cordão espermatico e das vesiculas seminaes etc, desenvolve-se uma forte irritação que não se limita aos órgãos da ge- ração, mas é geral, produzida pela repleçâo e estagnação do humor prolífico, que então nos canaes esperraaticos se torna acrimonioso e adquire propriedades venenosas pelo seu derra- mamento no systema vascular, como notou Galeno nos órgãos de animaes que nunca tinham copulado. os quaes trasbordavam de esperma, e exhalavam bodum. Também no sexo feminino, posto que o desejo de união não seja tão fogoso como no mas- culino, com tudo não deixa de ser activo. Na mulher o sentimento do amor, esta affeição uni- versal que atêa o facho de todas as existências, que aformosêa e exalta a vida. é mais profun- do e mais arraigado que no homem (1); agradar é sua partilha (2); ser adorada é o cumulo (1) Uamour, diz Madame de Stael, tfest qtfun épisode dans Ia vie de rhomme; c'est 1'histoire toute en- tière de Ia vie de Ia femme. (2) La jeune filie, diz Burdach, est domminée par le désir de plaire, et quelque sévòre que soit sa mora- lité quelque facile qu'il soit de blesser sa pudeur, ellecherche à appeler l'attention des hommes sur elle, et à piquer leur sensualilé; aussi faiUlle ressoxlir ce qu'elle croit être sa beauté pariicuhère; elle nt, marche — G — de toda a sua felicidade ; a linguagem do coração, á qual cede na maior parle dos casos, é por ella melhor comprehendida, que a lê no coração do homem, peneira os seus mais secretos pensamentos, e conhece o mágico poder de um olhar despedido de seus feiticeiros olhos, de uma palavra desprendida de seus melliffuos lábios, por isso que suas faculdades affectivas são susceptíveis de maior elevação e do desenvolvimento de qualidades que não são o apanágio de seu sexo. Quanlos exemplos não nos apresenta a historia, de mães lançarem-se ás cham- mas para salvarem seus filhos? e de amantes arrastarem os maiores riscos para protegerem os objectos de seu amor? « As affeições são, como diz Adelon, o que domina na vida moral das mulheres; desde sua infância manifestam o predomínio dos sentimentos que devem sucessi- vamente tornal-as amantes, esposas, e mães: amar é a grande occupação de sua vida, encan- tar é o único objecto de todos os seus votos ; os trabalhos do espirito pouco a occupam.»—(1) — A' vista pois das considerações que temos feito, seja-nos licito recommendar que se faça repousar uma parte do seu regimen sobre a moral, retirando-as dos collegios quando se ap- proximam da puberdade para se exercer sobre ellas uma mais activa vigilância ; em lugar das leituras licenciosas dos romances da escola moderna, em que as paixões são representa- das no mais alto gráo de exageraçâo, da freqüência dos bailes e lheatros que estragam sua sensibilidade, suscitando desejos incompatíveis com sua idade, e exaltando sua fraca imagi- nação ; e da musica e pintura que tão somente devem por ellas ser estudadas como meios de desenfado. e como diversão dos trabalhos domésticos, devem-se-lhes procurar distracções fortes, sociedades agradáveis, afastando-as da solidão como meios capazes, como já dissemos, de enfraquecer até certo ponto o aguilhão da voluptuosidade. «On a fait Diane. diz J. J. Rous- seau, ennemie de 1'amour, et 1'allegorie est três juste; les langueurs de l'amour ne naissent que dans un doux repôs ; un violent exercice étouffe les sentimens tendrés.» Excitantes tão poderosos rasgam o véo do pudor, e fazem perder a seductora innocencia. o mais bello attn- buto de uma moça. Similhante a uma tenra e mimosa planta, que crestada pelos ardentes raios do sol, murcha, e morre debaixo da influencia de um bafo envenenado, assim também dotadas de uma organisação tão impressionável, contrahem terríveis hábitos, e tornam-se tris- tes, languidas e pensativas: os desejos de felicidade e de amor, tão bellos e doces em sua sin- cera candura, transformam-se em chamma devorante, e então o onanismo. este mal execrável e destruidor, altera-lhes a saúde, decompõe-lhes as feições, e as conduz a uma morte pre- matura :— Comme une fleur dissechée Tombe Ia tête penchée Feuille à feuille sur le sol: Ainsi meurt Ia pauvre filie En elle plus rien ne brille, Que les perles de son col. (L. A. Berthaud), on s'occupe différement suivant que sa bouche, le pied ou Ia main est ce qu'il y a de plus beau en elle; elle couvre son sein, comme 1'organe marquant le but auquel elle aspire en silence, et cépendant elle en est fière, parcequ'il exprime sa deslination; aussi le voile-t-elle plutôt —qu'elle ne le cache. (1) La femme n'est pas plus faite pour figurer dans le lycée ou le porlique, que dans le gymnase et l'hip- As affecções que no sexo feminino nascem da repressão dos desejos venereos são mais communs e mais graves do que no masculino, taes são a loucura amorosa ou nymphomania, a clorosis, as alienações mentaes etc. Ha pessoas no sexo amável em quem os órgãos genilaes adquirem tal preponderância, que lhes é impossível vencer o ardor erótico que as devora. Uma estatua, um painel, a vista de um homem, o toque mais leve, são bastantes para accender-lhes desejos violentos; seu ente se agita, sua sensibilidade se exalta, sua physionomia se anima; vivo rubor lhes tinge as fa- ces, os olhos tornam-se-lhes scintillantes, a respiração tumultuosa e precipitada; as pulsa- ções do coração violentas; soltam as expressões mais apaixonadas, exhalam suspiros amiuda- dos. lançam os olhares mais ternos; emfim executam as altitudes mais voluptuosas com o intuito de obrigarem o objeclo de seus attaques a satisfazer sua erótica mania, e desgraçado delle se recusa que então será perseguido e espancado: Ce n'est plus une ardeur en ses veines cachée Cest Venus toute entière à sa proie attachée. A tanto pôde chegar a perda do pudor, do mais bello apanágio do bello sexo, da salva e guar- da de sua virtude!— Aquella casta e virtuosa moça, orgulho de uma mãe extremosa, sem- pre costumada a regular seu comportamento pelos seus prudentes dictames, sempre respeito- sa e attenta ao menor signal que cila lhe fazia, quando suas maneiras ou sua conversação es- tavam quasi a ultrapassar as raias prescriptas pela honestidade, aquella donzella tão timida emfim que só um olhar a fazia corar, como está mudada! É agora uma fúria que se atira aos braços de um homem, que se entrega ao fogoso delírio de sua escaldada imaginação, e que patenlêa a violência de seus desejos pelas acções mais escandalosas. Tal era a pobre moça de quem diz Buffon : — « J'ai vue, et je l'ai vu comme un phenomène, une filie de douze ans. três brune, d'un tein vif et fort colore, avec de Ia gorge et de Tembonpoint, faire les actions les plus indecentes au seul aspect d'un homme , rien n'était capable de 1'empécher, ni Ia pré* sence de sa mère, ni les remonstrances, ni les châtimens. Elle ne perdait cependant pas Ia raison, et son accès, qui était marque au point d'en être affreux, cessail dans le moment qu'elle demeurait seule avec les femmes.»— Tal era igualmente a famosa Messalina. cuja im- pudica e revoltante historia, nos conta Plineo e Juvenal, que escapando-se á noite do leito do imperador Cláudio, e disfarçada sob as vestes da prostituta Lycisca, affrontou os mais vis de- vassos, « et lassata viris, sed noa satiata recessit.» Outra affecção não menos freqüente e que bastante cuidado merece da parte do pratico, é a clorosis ou pallidas cores; apresenta-se uma alteração na côr natural da face, que então se torna plúmbea : os olhos se encovam; as palpebras ficam lividas, o corpo torna-se amarella- do, a expressão dos olhos triste, diminuição de appetite até completa anorexia, amenstruação se supprime, ou então o corrimento do fluido catamenial se opera, porém em épocas muito afastadas, e o sangue que escapa diminuo cada mez mais de quantidade e torna-se pallido e seroso. podrome; et sa destination étant de fonder le charme et le lien de Ia famille, il n'était pas trop de sa vie en- tière pour les soins si délicats et si multipliés que celle-ci reclame. La femmc savante voudrait elle descendre du haut de son génie pour veiller à ses enfans, à sonménage? (Cabanis). — 8 — Estas enfermidades, que acabamos de mencionar, e outras, a cujo trabalho nos furtamos, pois assás longa vai esta primeira parte da nossa These, tendo por causa o celibato, encon- tram no casamento o remédio mais efficaz para a sua cura. « Baillou diz que na múr parte das moléstias das mulheres, elle é um emplastro que cura todos os seus males.» Na clorosis prin- cipalmente o seu effeito ó mais constante e geralmente reconhecido desde o tempo de Hyp- pocrates (1). Quando o hymenêo celebra os seus mysterios, a pallidez se dissipa, a tez torna-se corada, a vivacidade succede á languidez ; nesta occurrencia é como o raio do sol que dissipa as nuvens que obscurecem um bello dia. Então ficam nedias, bem dispostas, gozando de vi- gorosa saúde o algumas até mais bonitas (2),. o que não se alcançaria, embora se esvaziasse todo o arsenal therapeutico (5). Sendo um dos fins do casamento a multiplicação do gênero humano, claro fica que não deve ser permittido entre os ascendentes e descendentes era linha recta, por isso que é contrario á natureza casar-se uma pessoa com outra a quem deo o nascimento mediata ou immediata- mente, é como que retroceder o sangue para a origem d'onde viera. Além disso haveria o perigo de que um pai ou uma mãe, concebendo amor para uma filha ou um filho abusassem de sua autoridade para satisfazer uma paixão criminosa, estando ainda viva a mulher ou o marido a quem o filho deve em parte o nascimento (4); e até parece contrario á honestidade, pela familiaridade, que produz o casamento entre os esposos, que é incompatível com o res- peito e consideração que os filhos devem ter para com os autores de seus dias; e indubita- velmente é anti-social porque os homens não escolhendo suas esposas, senão no seio de suas famílias, não contrahem estreitas amizades e vinculos com outras, não se obtém união entre os cidadãos, além de que, não havendo cruzamento de raças, as gerações tornam-se fracas ou viciosamente organisadas, como provam os trabalhos de Blumenbach, Buffon, Vandermonde e outros. Entre os christãos o matrimônio é um contracto civil revestido da dignidade de Sacramento (o). Segundo a sua instituição o homem não deve ter senão uma mulher, e ella um só marido; propter hoc dimittet homo patrem et matrem, et adhcerebit uxori suce. et erunt duo in carne una, disse Jesus Christo aos Phariseos. A* vista, pois, d'isto a polygamia simultânea é repro- vada pelo direito civil e cononico, como opposta a uma das propriedades do matrimônio — a unidade — e aos fins secundários da sua instituição — a paz e a união da família — o que (1) Equidem virginibus suadeo, quibus tale accidit, ut citissimè cum viris conjungantur; si enim con- ceperint, sance evaduut. (Lib. de morbis virginum). (2) Pausanias conta que o casamento fez tal methamorphose na mulher de Ariston, que sendo em soltei- ra a mais feia moça de Esparta, ficou tão bella, que poderia disputar a Helena o. prêmio da belleza. (5) Afferat ipse lieet sacras epidaurius herbas Amor non est medicabilis heriris. (Ovidio). (i) Inst. lib. 1 tit. X § 1. (o) Como o signal da união de Jesus Christo com sua Igreja, S. Cyrillo' na sua littera a Nestorius, S. Epephanio heres. 67,—S. Agostinho tract. 9 sobre S. João, julgam que fora elevado a essa dignidade quando Jesus Christo honrou com sua presença as nupcias de Cana. — 9 — a experiência demonstrou nas casas de Abrahão, Jacob e David, apezar de serem varões san- tos. Em alguns povos, como os Athenienses, os Egypcios, Persas, e principalmente nos Ori- entaes, era permittida a polygamia.— Segundo os códigos civis e religiosos da Asia, como o Zend-Avesta de Zoroastres, o Alcorão de Mahomet, os Kings dos Chins, só o marido possue todos os bens e poder, compra suas mulheres, guarda-as em serralhos, alimenta-as. Porém não ha cousa mais opposta á moral e ao augmento da população do que instituições que con- demnam um grande numero de mulheres a obedecer aos caprichos e vontades de um só ho- mem; a razão, a humanidade, a justiça clamam contra esses odiosos serralhos, em que á bru- tal e desdenhosa paixão de um só homem se sacrifica o coração de muitas mulheres que po- diam felicitar á muitos indivíduos. Esse homem, com despotica autoridade sobre muitas mu- lheres, enerva-se pelos amiudados prazeres, e o resultado será que dominando a esposa no acto da reproducção, terá maior numero de filhas que de filhos, por isso que não recebe senão a terça ou quarta parte do homem, que é o que justamente acontece, como nos diz Hippocra- tes, nas uniões em que o marido é mais fraco, do que nos apresenta Forster infinitos exem- plos entre as nações que percorreo (1). A monogamia, pois, é o estado que mais convém ao homem social, porque mantém a rela- ção numérica entre os dous sexos, e torna a raça humana mais viril e vigorosa, qualidade esta sobremaneira agradável ao coração da mulher, e ao de todas as fêmeas dos animaes, que pre- ferem os machos mais robustos, ou por poderem ser mais fortes defensores da sua natural fraqueza, ou por prometterem maior somma de prazeres: a historia fabulosa da paixão que a Deosa dos Amores nutria pelo Deos das batalhas não será uma dessas allegorias de que tanto abunda a mythologia, e da qual se deduz que os antigos também reconheciam esta verdade? (1) Observação sobre a espécie humana na segunda viagem de Cook. Tomo 5.° pg. 555, t E?WW???WWTO?WWBW?WWW??WW?W??W9W?; PARTE SEGUNDA Os tribunaes civis e ecclesiasticos desde a mais remota antigüidade tem constantemente in- vocado o auxilio das luzes da Medicina, para lhes servir de guia no esclarecimento das ques- tões as mais das vezes mysteriosas, que fazem exigir os pedidos de nullidade de casamento. Segundo o espirito do código civil francez, os casos que podem dar lugar a taes pedidos, são aquelles em que houve falta de liberdade de consentimento (1), erro de pessoa, falta de idade, de publicidade, de consentimento dos pais, etc. Á primeira vista talvez pareça absurdo que, contrahido um casamento, se possa dissolver, porque vai então em opposição com a segunda propriedade do matrimônio — a sua indissolu- bilidade (firmitate) descripta pelo Concilio Tridentino nas seguintes palavras : — Matrimonii perpetuum, indissolubilemque nexum primas humani generis parens, divini spiritus instinctu pronunciavit—e que Jesus Christo confirmou dizendo:—Quod ergo Deus conjunxit, homo non separet. Porém além dos vocábulos dissolução e nullidade terem accepções bem differen- tes, sendo o casamento uma convenção pela qual duas pessoas se obrigam não só a viverem juntas, mas ainda a terem filhos, segue-se que, quando um dos esposos não poder preencher esse fim, elle deve ser nullo, principio este que vai de accordo com a theoria dos contractos. « Toutes les sociétés, diz Burlamaqui, ont cela de commun, qu'elles sont fondées sur certaines conditions essenlielles, et que 1'obligation de 1'une des parties est relative à celles de 1'autre tellement que si 1'une manque aux engagemens essentiels du contrat, 1'autre se trouve en li- berte. » Tão somente dos dous primeiros casos, que são os únicos que concernem o Medico, diremos algumas palavras. ARTIGO 1.° CONSENTIMENTO. Nuptias non concubitus, sed consensus facit. Entendemos por consentimento a voluntária concordância de dous indivíduos acerca de um (1) Le mariage qui a été contracté sans le consentement libre des deux époux, ou de l'un d*eux, ne peut être attaqué que par 1'époux ou celui des deux dont le consentement n'a pas été libre. Lors qu'ü a eu erreur dans Ia personne, il ne peut être attaqué que par celui des deux époux qui a été induit en erreur. (Lib. l.o art. 180. Code Napoléon.) — 12 — objecto de que tem pleno conhecimento. Em todos os tempos se consagrou o principio da necessidade da liberdade do consentimento para a validade de todos os actos humanos, e as aceusações de violência foram sempre admittidas como sufficientes para se obter a sua nulli- dade. Sendo pois necessário em todo o contracto que ambos os contrahenles tenham igual conhecimento da cousa, a respeito da qual se obrigam, e que prestem com toda a liberdade o seu mutuo assenso, claro está que se algum delles não estiver dessas condições, o contracto é ipso facto — nullo, porque o consentimento é a base sobre que repousa a validade delle. e a obrigação dos contrahenles. A' vista, pois, disso, nos contractos matrimoniaes deverá elle ser indispensalvelmente requerido ; e com toda a justiça estabelece o direito civil que os aliena- dos não possam contrahir casamento. « Furor contrahi matrimonium non sinit, quia consen- su opus est »; e o direito canonico considera a demência—amentia—impedimento dirimente. ARTIGO 2.° ERRO DE PESSOA. Pôde dar-se o erro de pessoa havendo qualquer das três seguintes circumstancias: —l.a sexo incerto, isto é, disposição viciosa dos órgãos genitaes, de maneira que pareça pertencer a um sexo differente do que é, ou a ambos: 2." impotência de algum dos contrahentes; 5." engano arranjado de sorte que o homem se ligue a uma mulher differente da que elle desejava ou vice-versa. Este ultimo caso não concerne á Medicina. \ 1.° HERMAPHRODISMO. Hermaphrodito é chamado aquelle indivíduo do reino orgânico que em si reúne os dous sexos (1). No reino vegetal o hermaphrodismoé muito freqüente e pôde ser considerado como um attributo vegetal; só a classe denominada dioecia por Linnceo é a única isenta dessa qua- lidade ; no reino animal também se deparam bastantes indivíduos, como os molluscos, os vermes, os zoophitos, que participando ao mesmo tempo da natureza animal e vegetal, e ten- do uma existência imperfeita, e insensível, uma vida puramente vegetativa, contem em si am- bos os sexos. Porém, á medida que se percorre a escala zoológica, e se estudam os animaes mais perfeitos até o homem que se acha no cume da pyramide animal, vêem-se os sexos sepa- rados em dous indivíduos distinetos, e essa disposição que passa desapercebida aos olhos do ignorante, é objecto de séria e profunda meditação do philosopho que n'ella reconhece o poder previdente do Autor do Universo. Se Elle fizesse hermaphroditos os animaes mais perfeitos, (1) Fils de Mercure et de Venus, comme 1'indique son nom. Ce jeune homme doué de toutes les grâces de Ia nature, à ce que prelend l'histoire fabuleuse, fuit éperduement aimé de Ia nymphe Salmacis, dont il me prisa Ia tendresse; elle 1'aperçut un jour qu'il se baignait dans une fontaine de Ia Carie, et 1'occasion lui pa- rut favorable pour saptisfaire son amour, mais le coeur de cefingrat resta glacé: et dans le désespoir ou était Ia nymphe, de ne pouvoir faire passer jusqu'à lui unepartie du feu qui Ia consumait, elle invoqua les dieux, et leur demanda que du moins leurs deux corps ne fussent jamais separes: sa prière fut écoulée, et par une çtrange melamorphose, ils ne dévinrent qu'une même personne. (Myth.) — 13 — > por esse facto dispensassem a intervenção de dous indivíduos, por si mesmos se destruiriam; quem os poderia impedir de se entregar perpetuamenle á copula, de se enervar, e de se ma-r tar por seus próprios excessos? Qual delles e sobre tudo o homem, dotado de uma tão acti- va sensibilidade e continuamente irritado pelo estimulo que resultaria da proximidade dos se- xos poderia subtiahir-se á essa inclinação? Quando a separação dos sexos, os obstáculos, que a natureza, as convpnções sociaes. as leis da honra, os conselhos da religião são garan- tias insufficientes para n'elle acalmar a violenta febre do amor ! Nos animaes inferiores, po- rém, cuja carne é quasi sem nervos, e molle como uma massa insensível, neni-um perigo havia em reunir ambos os sexos, assim como nos vegetaes que são faltos de nervos, embora alguns phitologislas, como Imtrochet lh'os concedam. Como seria possível que uma ostra fi- xada a um escabroso rochedo procurasse oulra e reconhecesse o sexo delia ? Por estas con- siderações, concordamos com Mr. Mac, que quanto mais se avisinham do reino vegetal as clas- ses animaes, tanto mais freqüente e completo é n'ellas o hermaphrodismo (1). Nos séculos da credulidade e da ignorância, quando só a imaginação se tomava por guia, e quando ainda não se tinha bem estudado a natureza, a questão da androgynia mereceo séria attenção dos physiologistas e philosophos, e foi objecto de renhidos debales nos tribunaes ; porém, hoje, graças aos progressos da anatomia e da physiologia, esse grande problema se acha completamente resolvido pela negativa, por isso que não ha fados que nos induzam a crer que se encontram legítimos hermaphroditos nos mammiferos, e principalmente na espécie humana, isto é, indivíduos que possuindo os órgãos genitaes de ambos os sexos possam fe- cundar e ser fecundados. Os aponlados até hoje provam que a natureza não poucas vezes é caprichosa nas suas producções, e apresenta aberrações, anômalas e até monstruosidades nos órgãos geradores, que deram origem a semelhantes erros antes que os conhecimentos anatô- micos chegassem ao ponto de perfeição em que actualmenle se acham, e antes que esses en- tes singulares, objecto do ódio universal (2) fossem julgados bastante interessantes para exci- tar a curiosidade dos que se dedicam ao estudo da natureza. No sexo masculino os seguintes vicios de conformação podem fazer com que se pareça per- tencer ao sexo feminino, como sejam nos casos de hypospadias, quando o penis pouco menor (1) Cest en éffet dans Ia prédominance de Ia vie végétative sur Ia vie animale, que l'on découvre le veri- lable but de l'liermaplirodisme. Moins Ia vie animale ou de réiation est parfaite et plus l'hermaphrodisnie est nécessaire. Chez un mdividu appartenant à un ordre d'ôtres organisés dont Ia sensibdite et Ia locomotion sont nulles ou du moins três obscures, Ia léunion des attributs qui lui don;.ent Ia faculte de se fèconder, n'en- trainera jamais les inconveniens qu'une semblable réunion produirait chqz des êtres dont une sensibililé plus exquise déviendrait Ia source d'un épuisément funote par Ia facilite avec laquelle ils se livreraient à des cxcès continueis; mais c'est plus encore 1'impossibilité ou Ia dificulte de changer de lieu et de dislinguer, par les «ens, les objects environnanls, qui explique pourquoi l'hermaphrodisme est 1'appanage des organisalions les moins parfaites. En effcl, qui déviendrait Ia niultiplication de pareils êtres, si elle ne pouvait s'effectcur sons le concours de deux individus, qui plus ou moins éloignés l'un de 1'autre se chercheraienl sans se pouvoir joindre ? (Dicc. des Sciences Médicales. T. 21.) (2) Diz-nos a historia que nas Republicas de Roma e de Athenas, a existência d'esses desgraçados era con- siderada como máo presagio, e para abrandar a cólera dos Deoses promovida pela sua presença, lançavam-nos ao mar, ou desterravam-nos para uma ilha deserta. 4 — li- do que no estado natural, offerece a glande imperforada. ou fendida, ou communicando com o rectum ; o escroto profundamente sulcado na linha media, simulando uma fenda, cujas mar- gens formadas por duas pregas da pelle, se assemelham aos grandes lábios, contendo não poucas vezes os testículos, outras vezes ficando elles presos nos anneis inguinaes, ou promi- nentes dos dous lados do púbis. Para exemplificar esta espécie apresentaremos o facto que vem consignado no n.° 10 do Bulletin de Ia Société de Ia Faculte de Médécine année 1815. No anno de 1792 um recém- nascido foi baptisado. como pertencendo ao sexo feminino, com o nome de Maria Margarida. Na época da puberdade apparecem dous tumores no annel inguinal; tentam contel-os por meio de uma funda dupla, que occasiona dores bastante vivas, o que impede que se continue o seu uso ; os dous corpos ovoides que formavam estes tumores chegam ao escroto. Aos 19 annos Maria devia casar-se; seus pais decidiram que fosse visitada por um facultativo, porque o cirurgião incumbido de tratar dos tumores dizia que ella não podia contrahir casamento. O Dr. Worbe decidio que este indivíduo pertencia ao sexo masculino. Em virtude de uma de- cisão dada em 1813, depois de um exame feito por três médicos, Maria é julgada pertencer ao sexo masculino, e ordenam-lhe que deixe o vestuário feminino. O Dr. Worbe descreve este indivíduo na idade de 23 annos da maneira seguinte: —« Tem os cabellos e as sobrancelhas de côr castanha clara, uma barba loura começa a apontar no lábio superior e no queixo: o me- tal de sua voz é masculino, sua estatura é de 4 pés e 11 pollegadas; sua cutis muito alva, e sua constituição robusta ; seus membros são arredondados, porem bem musculosos. a con- formação da bacia não apresenta differença da do homem ; os joelhos não são inclinados um para o outro ; suas mãos são largas e fortes ; os pés tem proporções análogas. Ate aqui Ma- ria não é senão um homem commum; porém se se examinam os peitos, pelo volume tomar- se-hiam pelos de uma moça: são pyriformes, com o bico pouco saliente; será erectil? Ten- tei sabel-o, mas não pude dar-me porcomprehendido. Não me pareceo que os peitos apresen- tassem ao tacto esta estruetura glandulosa, caracter especial do órgão da secreção do leite. O púbis é cuberto de grande quantidade de pellos. de côr menos carregada que a dos cabel- los; esses pellos são raros na círcumvisinhança dessa região. Afastando-se as coixas uma da outra, nota-se uma fenda longitudinal, as pregas da pelle que a formam estão exactamente approximadas; fora dessa fenda nada se vê que annuncie partes genitaes de homem. Explo- rando-se estas partes com a mão, sentem-se dous corpos suspensos cada um a um cordão sahindo do abdômen pelo annel superpubiano; o da direita é mais volumoso e desce mais abaixo que o esquerdo. Não se pôde duvidar de que estes corpos sejam verdadeiros testícu- los agarrados aos cordões espermaticos, quando já se tem tido muitas vezes oceasião de apal- par esses órgãos, tanto no estado são como no morbi:lo. Afastando os lábios d'essa espécie de vulva, observa-se superiormente uma glande imperforada. Esta glande, que é pequena, pôde ser comparada á extremidade do dedo annular de uma mão de grossura mediana. Por baixo desse corpo carnoso começa um meio canal que termina em uma abertura situada pollegada e meia adiante da margem do ânus. Esta abertura que é talhada detraz para diante como uma penna de escrever, é o orifício externo do canal da uretra. Do que acabo de expor, continua "Wober, segue-se que neste indivíduo o escroto é dividido em duas lojas, contendo cada uma um testículo; que estes irrecusáveis testemunhos da virilidade eram os tumores que o ciriu- — 15 — gião tomava por hérnias inguinaes, que emfim elle é affligido por um hypospadias muito com- plicado. « No sexo feminino poderá haver parecença com o sexo masculino, quando houver extra- versão da bexiga, prolapso do utero e mais freqüentemente o desenvolvimento preternatural do clitoris, vícios estes que podem bem á primeira vista simular um penis. O exemplo de Margarida Malaure, que no anno de 1693 se apresentou em Paris vestida com o uniforme de militar, dizendo que possuía os órgãos genitaes de ambos os sexos, e que delles se podia uti- lisar conforme o seu gosto, é bem positivo para nos demonstrar quanto se assemelhava a um membro viril o prolapso do utero que cila tinha, a ponto de enganar a muitas pessoas que a examinaram e a classificaram hermaphrodita, até que Saviard o reconhecesse e operasse a sua reducção. Se, como provámos, de ordinário são anomalias que fazem tomar um sexo por outro, com tudo autores ha. de cuja boa fé e espirito de observação não se pôde duvidar, que affirmam ter encontrado indivíduos com algumas partes dos órgãos genitaes de ambos os sexos. Phenome- no tão estupendo que o espirito custa a conceber a sua possibilidade! porque, como diz Ac- kermann (1) as partes componentes do apparelho genital masculino, tem seus análogos no ap- parelho genilal feminino. «Cela est au prémier aspect, diz Mahon. bien difficile à admettre, puis que le clitoris avec ses corps caverneux, leurs muscles et ses plexus veineux, tiendrait Ia même place qui doit occuper Ia verge avec son appareil analogue. Des testicules, et en mê- me tems des ovaires, demanderaient aussi un double assortiment de vaisseaux spermatiques. Mais les fails doivent 1'emporter sur les raisonnements.» Em 1754 morreo no holel Dípu um rapaz chamado Jean Dupin, no qual se achou á direita um penis, com hypospadias. uma vul- va. um testículo e uma vesicula seminal; e á esquerda um utero, uma trompa, um ovario, um ligamento redondo, e largo. Giraud e Lemonier apresentaram á Sociedade da Faculdade de Medicina uma peça anatômica em que existiam um penis. uma vulva, testículos e ovarios. In- numeros são os casos que poderíamos apontar, porém limitamo-nos a transcrever o mais re- cente que se acha registado nos fastos da sciencia (2), é o de Elisabelh Rocca. joven campo- neza de 21 annos de idade, promettida em casamento a um moço de sua condição, que ven- do que o estado imperfeito das suas partes externas da geração obstavam ao complemento d'esta união dirigio-se ao Dr. Tarozzi em 1829, a fim de que este lhe praticasse a operação que pela mesma causa já tinha feito em sua irmã mais velha, blisabeth era bastante alta, de aspecto assás agradável, de compleição vigorosa, e casada; tinha algum buço, o pescoço ma- gro, a cartilagem tbyroide notavelmente sahida, e o peito largo, posto que nem-um vestígio houvesse de mamma, e o bico do peito fosse tão pequeno e rudimentar como no homem. As suas coixas eram delgadas, a voz grave, as feições muito pronunciadas, os olhos pretos, o olhar prompto e seguro, e a intelligencia mui desenvolvida ; emfim ella não tinha nem-uma d'essas formas que caracterisam uma mulher. O exame dos órgãos genitaes fez reconhecer o (1) In the two sexes, there are organs which correspond to each other, and which may be called ana- logous organs—the penis to the clitoris, the scrotum to the lábia, the testes to the ovaria, and the prostateto the utorus; and it farUier appears, thatof lhese analogous organs no two were ever found together in the sa- me individual. (Edinhukg NED1CAL AND SURG1CAL JOURNAL V0L. 3.» PG. 202). (•2) Annali univ. di Med. Novembro 1843. — 16 — seguinte: o púbis estava coberto de pellos, mas não prominente ; na parte superior da fenda vulvar percebia-se o clitoris. similhante a um membro viril, e do comprimento do pollegar de um homem bem conformado. Quanto ao resto das partes genitaes, era impossível percebel-as, porque achavam-se cobertas por uma membrana firme, e não adherente, que se continuava atraz com a pelle do petineo, e dirigia-se adiante até a base do clitoris. Esta membrana con- tinuava-se aos lados, com a pelle das virilhas, e superiormente apresentava uma larga aber- tura transversal, de maneira que tinha o aspecto de um saoco, cuja bocca olhasse para cima, e o fundo para baixo. Esta pelle, firme e similhante a do escroto no homem, encobria não só a porção inferior dos grandes lábios, mas também o orifício da uretra, as nymphas, e a hy- men. As urinas derramavam-se n'esla bolsa cutânea. levantavam, quando subiam, a margem superior da membrana, e sahindo pela abertura transversal, espalhavam-se no exterior em to- dos os sentidos, inundando as virilhas, a parte superior do púbis, e as coixas. Em conse- qüência desta disposição das partes genitaes externas, Elisabeth offerecia. até certo ponto, o aspecto de homem, já pelo clitoris, que tinha o forma de um membro viril, já por esta bolsa situada abaixo delle que simulava o escroto. Depois de reconhecer cuidadosamente o estado externo das parles, Tarozzi quiz descobrir as parles subjacentes, e com este intuito, tomando um bisturi, e guiando-o sobre urna sonda cannellada, dividio este septo cutâneo de cima a baixo, desde o ponto inimediatamente em relação com o clitoris até a commissura inferior da vulva, seguindo a linha media. Logo depois da secção os lábios da ferida se affastaram, e dei- xaram ver a fenda vulvar. e os grandes lábios, muito grossos inferiormente e de aspecto pu- riforme. Assustada com a presença do sangue, e julgando que a operação estava terminada, Elisabeth saltou do leito em que estava deitada, e safando-se á carreira chegou a pé ao seu domicilio situado a 3 milhas de distancia. Oito dias se tinham passado, quando a joven Eli- sabeth de novo voltou á casa do operador para lhe pedir que fizesse desapparecer os impedi- mentos que ainda se oppunham ao complemento dos deveres conjugaes. Um novo exame fez vêr que nos grandes lábios havia uma cavidade que encerrava um pequeno corpo arredondado da grossura de um ovo de pomba, bastante sensível, e mesmo algum tanlo doloroso á mais leve pressão. Estes corpos glandulosos tinham a forma do testículo humano, achavam-se li- vres e moveis na cavidade que lhes era proporcionada pelo grende lábio, estão presos a um cordão similhante ao cordão testicular do homem, e quando tocados, levantavam-se e subiam para o orifício inguinal por uma espécie de movimento vermicular. Entre estes grandes lábios achavam-se as duas nymphas, e no meio dellas o meato urinario; o orifício da vagina estava completamente fechado, em conseqüência da imperforação da membrana hymen, que era fi- brosa e muito resistente. O Dr. Tarozzi penetrou na cavidade vaginal por meio de uma inci- são crucial; mas Elisabeth de novo voltou para sua casa antes de terminada a operação. O operador não teve por conseguinte o tempo nem a facilidade desejáveis para reconhecer se a vagina terminava em fundo de sacco. ou se nella havia algum utero completo ou imper- feito. Soube todavia que desde que fez desapparecr a atresia da vagina, corria de tempos a tempos, e com períodos irregulares, um liquido esbranquiçado, ligeiramente tinto de sangue. Elisabeth não teve filhos desde que se casou, i Em todos estes casos os conhecimentos do Medico Legisla podem ser reclamados para de- terminar o sexo de qualquer indivíduo, e para decidir se elle é apto para contrahir casamento. — 17 — Para completa solução do primeiro quesito, deverá inspeccionar toda a peripheria do corpo, reconhecendo por essa forma quaes são os caracteres do sexo, que nelle predominam ; obser- var as suas propensões ; examinar altentamenle os órgãos da geração, e sondar com delica- deza todas as aberturas que nelles houver, a fim de saber a sua direcção e extensão ; verifi- car se por alguma dessas aberturas ha uma excrecção sangüínea periódica ; empregar mezes c até annos em observar o progressivo desenvolvimento physico e moral do indivíduo, para não aventurar um juízo errôneo quando existirem duvidas a respeito do seu verdadeiro sexo. Antigamente quando não se procedia a este exame com tão minuciosa atlenção, as leis tinham estabelecido que nos casos de perfeita igualdade dos sexos, o hermaphrodito escolheria aquel- le que lhe approuvesse, compromettendo-se por juramento a exercer só o officio que tinha preferido, isto é, ou de homem ou de mulher. Quanto ao segundo quesito, não nos occuparemos por ora delle. por desejarmos evitar uma enfadonha repetição, visto termos de fazer no seguinte artigo sobre a impotência, algumas re- flexões, que a elle dizem respeito. §2.° impotência. De accordo com Mr. Orfila diremos que — impotência é a impossibilidade physica de exer- cer o coito, o qual só deve ser reputado verdadeiro quando fôr susceptível de fecundação. Por conseguinte todas as vezes que o fim real do casamento não se poder preencher por diformi- dade de algum dos cônjuges, de maneira que não reúnam as qualidades necessárias para a procreação, para o cumprimento do preceito do Autor da Natureza — Multiplicamini—, justo era que as leis julgassem similhante estado, motivo bastante poderoso para se annullar um ca- samento, pois do contrario fora cruel para ambos os sexos (1) que as leis e a Religião eter- nisassem vínculos que a nalureza não tinha antorisado a formar. Foi essa a razão que induzio a Solon o permiltir ás mulheres ligadas a um impotente coha- bitarem com qualquer parente de seu marido que lhes approuvesse, e ao Imperador Justi- nianno o determinar que ellas poderiam requerer divorcio, quando a impotência continuasse por dous ou três annos depois do casamento. (1) Serait-il juste d'unirà une jeune et aimable personne un vilain impuissant tel qu'un ennuque, videns oculis, et ingemisens, quasi spado complectens virginem, et suspirans comme dit le livre de 1'Ecclesiastique 1 Car une femrae honnètc et pudique, si elle n'eprouve pas le danger des tentations en de pareilles conjonctures ne peut se défendre de dégoüts, et de mépris invoiontaires. Pourquoi sacrifier un sexe naturellement faible et timide, en le condamnant à s'oublicr toujours, à fermer son coeur aux plus delicieux sentimens dela nature? Sola-ne perpetua moerens carpere juventa ? Nec dulces natos, Veneris nec preemia noris? Virg. Eneid. 4 v. 52. Pourqov faire un crime de désirer le nom sacré de mère, et de remplir des dévoirs autborisés par toutes les lois pour Ia perpetuité du genre humain? N'èst ce pasplutôt parce qu'elle veut vivre dans 1'honnetété qu'une épousc trompée reclame Ia dissolution d'un contrat de fraude et d'iraposture? Une femme est exempte de cri- me quand elle demande 1'égalilé de droits et de devoirs dans une union oü elle se consacre pour Ia vie, et nul- le loi ne peut-être assez vnjuste pour immoler Ia faiblesse aux vains caprices du plus fort. (VlREY. DE LA FEMME). 5 — 18 — Para a verificação de tal estado tinham-se antigamente estabelecido os tribunaes chamados de .roíficialité, nos quaes se tentava a prova do congresso, e parece que foi o Papa Gregorio o Grande quem confiou aos Bispos o direito de decidir estas questões, por ser nesse tempo o Clero a classe mais illustrada da sociedade. Esta prova tão indecente e repugnante á civilisa- ção social, e que ministrava dados pouco ceitos (2). conservou-se por muito tempo, e só foi abolida em 1677 pelo Parlamento de Paris, a requerimento do advogado L.imoignon. De en- tão para cá tornou-se indispensável nestas questões a intervenção dos Médicos, que foram devidamente julgados os únicos habilitados para tal ministério. Diversas sào as causas que podem produzir a impotência em ambos os sexos, em geral di- videm-se em apparentes e occultas. As apparentes são as que procedem de um vicio exte- rior congênito ou adquirido que exclue a aptidão á copula; as occultas sào as que não podem ser reconhecidas pela inspecção exterior, e dividrm-se em physicas e moraes; d'ellas não trataremos, umas por não ser fácil reconhecel-as, e oulias porque não produzem impotência absoluta. CAUSAS APPARENTES DE IMPOTÊNCIA NO HOMEM. Ausência do penis.— Só deve qualificar-se um indivíduo de impotente quando fôr absoluta a ausência do penis , pois que grande numero de factos comprovam que para effectuar-se a fecundação basta poder ser introduzido nas partes sexnaes femininas o membro viril, ainda que reduzido a uma pequena prominencia dos corpos cavernosos, porém perforada, poder de- terminar nellas o gráo de eretbismo necessário, e poder depositar o licor profícuo á entrada dos órgãos geradores da mulher, Neste ponto estamos concordes com os mais notáveis Médicos Legistas como Foderé, For- tunalus Fidelis, Mr. Orfila, que opinam que não se deve taxar de impotente a um d'esses in- divíduos, salvo nos casos de irnputaçâo de estupro. Bifurcação d) penis.—Se nem-uma de suas extremidades poder ser introduzida na vagina, a impotência é indubitavel; devendo-se com tudo certificar-se, se debaixo de uma nova po- sição do homem ou da mulher, ou de ambos, alguma das extremidades do penis bifurcado poderá penetrar na cavidade que primeiramente tinha posto impedimento á sua entrada ; e também se poderia caber em uma vagina mais ampla, pois a primeira poderia ter sido tão es- treita que vedasse a passagem a um membro de tal sorte conformado. Vidos de dimensão do penis.—Não obstante considerar Foderé que a grande grossura do penis pôde dar lugar a coitos dolorosos, e occasionar contusões e feridas nos órgãos genitaes da mulher; e que o desmarcado comprimento, ainda mais nocivo é, por causa das ulceras, contuzòes, scirros, hemorrhagias, que podem originar-se no colo uterino, e que assim tanto a (2) La nature plus pudibonde que ces lois, refusait toujours son intervention dans ce honteux débat. Quels hommes, en effet, sont assez fermementimpudens, fussent-ils cuirassés de Ia phylosophie cynique des Diogènes et des Cratès, pour venír en présence des lémoins, reniplir une fonction que cherche à se dérober dans une mystérieuse obscurité? Et quel mari assez súr de lui meme devant une etfrontée qui regarde en pitié sa fai- blesse, qui ne se prête qu'avec Ia repuguance du mépris, ou mème avec une dérision insultante, à ses em- brassemcns? (Yihey.) — 19 — muita grossura como o muito comprimento possam causar impotência absoluta; com tudo am- parados com autoridades tão respeitáveis como as de Mr. Orfila e de Mr. Maré divergiremos desta opinião, fundados em muitos exemplos de coitos dolorosos seguidos de fecundação. Alem disso se em algumas mulheres a grande grossura pôde produzir dòr, em outras pelo contrario excitará sensações voluptuosas mais fortes; e de mais a vagina é um canal muito susceptível de dilataçâo, e a sua largura não é a mesma em todas as mulheres. Quanto ao considerável comprimento, na realidade pôde occasionar inconvenientes mais graves, porque tendo a vagina só 6 a 8 pollegadas de extensão, se o penis a exceder irá contundir o colo uterino, e dar lugar a outros accidentes. Porém similhante consideração, não nos parece suf- ficiente para se collocar tal vicio entre as causas da impotência, tanto mais que, sendo elle um verdadeiro luxo da natureza, certas precauções durante o coito podem tornar seus effeitos menos perigosos. Quanto á extrema pequenhez do penis, julgamos ter dito quanto basta, quando tratámos da ausência do penis. Direcção viciosa do penis.— Este vicio é algumas vezes congênito, porém na maioria dos casos depende de um estado varicoso. de uma induração ou ingorgitamento dos corpos caver- nosos, e então o penis pôde descrever uma curva que olhe ou para os púbis, ou para a linha media do escroto, ou para um ou outro lado. Só poderá constituir motivo de impotência, quando o esperma não puder ser depositado na vagina. Imperf ração do penis.—Em alguns indivíduos acontece que o vértice da glande é imper- forado, e a uretra que nelte se devia achar abre-se na base, ou em qualquer ponto do mem- bro, porém algumas vezes na face inferior constituindo o defeito conhecido pelo nome de hy- pospadias, ou na face superior, conhecido então pelo nome de epispadias. — Grande contro- vérsia tem reinado entre os Médicos Legistas acerca da aptidão a procrear das pessoas dotadas de tal conformação. Zacchias nega-lhes essa faculdade, salvo quando o orifício da uretra está muito próximo á glande; Mahon (1), Haller (2). Eschembach (3). Fazehus (4). e Teichmeyer (5) consideram-nas sempre impotentes; porém autoridades de não menor critério como Bel- loc(6), Desgenelies (7), Boose (8), Metzger (9). Kopp (10) professam opinião inversa. Mr. Orfila adopta a segunda, e considera como motivo de impotência só quando a abertura da uretra é muito visinha dos púbis, de maneira que o licor seminal não possa chegar à vagina. Phimosis e paraphhnosis.— É absurdo collocal-as entre as causas de impotência, visto que a cirurgia possue meios de remediar estes vicios, quer congênitos quer adqueridos. (1) Traité de Médécine légale. (2) Cours de Médécine légale. (3) Medicina legalis. (4) Elementa medicinoe forensis. (5) Instituliones medicinoe legalis. (6) Médécine légale. (7) Dictionaire des sciences médicales. (8) Elementa medecinoe legalis. (9) Médécine légale. (10) Dict. des Sciences Médicales. — 20 — Estreitamento do canal da uretra.'—Em conseqüência de blennhorrhagias o calibre da ure- tra muitas vezes se estieita. de maneira que o esperma não pôde ser ejaculado com força, e então sahe gotta a gotla, quando o penis está fora da vagina; poiém ha meios apropriados por cujo soccorro se pôde restabelecer seu livre curso. Falta dos testiciihs.—A sua falta congênita causa necessariamente impotência, porque são os órgãos secretores do esperma, humor indispensável á fecundação ; não obstante isso o pe- nis não perde sua faculdade erectil, e pôde, corno diz Mr. Orfila. haver um simulacro de coito, que nunca preencherá o voto da natureza, e da sociedade. Cumpre porém observar que o não apparecimento exterior dos testículos não é razão para acreditarmos na falta delles. porque em alguns indivíduos ficam grande parte da vida ou toda ella occultos atraz do annel inguinal; e esses indivíduos, chamados chrysorchidos, em vez de serem impotentes, sào pelo contrario os mais valerosos campeões da Deosa de Paphos, como se collige da observação de Bolfinck (1). Os dotados deste segundo vicio apresentam um desenvolvimento tão perfeito como os que tem os testículos no escroto, em quanto nos primeiros se descobre notável differença, tanto no physico como no moral; n'elles predominam as formas e attributos femininos. Não poucas vezes porém a perda dos testículos é adquirida; pôde ser o resultado de uma vingança, ou de um ciúme, e d isso nos dá a historia infinitos exemplos de desgraçados que experimentaram a sorte do amoroso Abeillard, victima do resentimenlo de Fulbert, e de outros privados dos attributos da virilidade pelo despeito de suas amantes motivado pela sua inconstância ; ou mesmo do salvador bisluri do operador que limitou uma enfermidade, que tendo nelles sede comprometteria a existência. Por isso o Medico Legista não se pronunciará irreflectidamente sobre a aptidão ao casamento sem requerer uma completa e circumstanciada historia de todos os commemoralivos, e sem proceder a um exame geral do habito d'esses indivíduos. Sareocèle. — Está provado que a privação quer originaria, quer adventicia de um testículo não importa ao indivíduo inaplidào á procreação. pois resta outro, que é sufficiente para a se- creção do esperma, e então o coito pôde ser fecundante todas as vezes que não forem ambos affectados de sarcocêle. em cujo exame se deve ter toda a reserva, porque muitas vezes esta enfermidade só invade a sua túnica vaginal. Hérnias escrotaes.-^ Se forem irreductiveis e de tal sorte volumosas que totalmente encu- bram o penis. e o coito seja impraticável qualquer que seja a posição do homem ou da mulher. devem-se reputar como causa de impotência, porém raras vezes isso acontece, porque quasi todas as hérnias são susceptíveis de se reduzirem em totalidade ou em parte mediante certas condições. O hydrocele pôde também impossibilitar o coito incubrindo o penis, mas é suscep- tível de cura radical esvasiando-se o tumor. CAUSAS APPARENTES DE IMPOTÊNCIA NA MULHER. .Obliteração da vagina.— Quer seja adquirida quer congênita não se poderá encarar como (1) Ex Rolfinckio retulit J. G. Simonhominem quendam circumforaneum, qui partim ob testículos intüs la- tentes, partim ob strenuam militiam puellis cüm maximè in honore et amore fuit. Sed spes fefellit. Breve enim sese gravidalas esse inteliexerunt. — 21 — rausa de impotência, porque por uma das mais simples operações — a incisão — se pôde separar os grandes dos pequenos lábios, e rasgar a membrana hymen. quando dotada de grande espessura, e triumphar-se destes obstáculos que impedem a entrada do penis na vagina; e mesmo nos casos irremediáveis, quando se conhecesse que a parte superior deste canal communicava com o recto (1) ou se abria na parede anterior do abdômen (2), não se de- ve formar tal juízo, porque o coito pôde ser susceptível de fecundação. Estreitamento excessivo da vagina.—Pelos meios que a arte tem a seu alcance póde-se re- mover este vicio de conformação, quando não depende de uma hypersarcose, callosidades ou inflamniaçòes, que tenham dado lugar a tumores, rugas, que resistam a seus mais bem com- binados esforços; e sirva-nos de exemplo o que conta Foderé de Uenevoli que tratou de uma mulher, cuja vagina, não tendo de largura mais do que o calibre de uma penna de escrever, resistira aos esforços de um marido vigoroso, por cujo motivo devia seu casamento ser annul- lado; mas elle com loções e fomentaçòes emollientes, com a introducção graduada de um pes- sario de raiz de genciana, a dilatou a ponto de tornal-a capaz de cohabitar com seu marido e exercer o coito. Algumas vezes também, diz Mr. Orfila. o estreitamento por si desapparece como aconteceo naquella moça de 16 annos, de quem nos faliam as memórias da Academia das Sciencias de Paris, cuja vagina que permittia apenas a introducção de uma penna de es- crever, começou a dilatar-se a ponto do parto poder ter lugar no quinto mez da gestação, on- ze annos depois de estar casada. Amplitude da vagina.— Ella pôde ser determinada pela ruptura do perineo, e pela com- municação da vagina com o ânus. Neste caso o asco que similhante defeito inspira ao homem faz o coito ordinariamente impraticável, mas se fôr elle vencido, pôde ser fecundo. Prolapso da vagina e do utero.— Quando se puder reduzir por meio de um pessario, e o marido for moderado e acautelado, nunca poderá ser reputado causa de impotência, e tanto é isto verdade que mulheres tem parido apezar de ter prolapsos do utero, e mesmo em alguns casos a fecundação tem sido meio curativo. Sensação dolorosa.—O coito produz em certas mulheres uma sensação dolorosa e viva. que porém não deve ser julgada senão como causa de impotência temporária, porque com ap- (1) Une jeune Piémontaise, qui avait épousé un caporal français, est conduite, pendant les douleursde Ia parlurilion, à Ihopital d'accouchemens de Turin. La sage femmc en chef explore, elle ne trouve pas de vagin: mais elle reconnait une tumeur volumeuse à 1'endroit correspondant à 1'orifice de celui-ci. L'accoucheuse a rê- cours à releve de garde qui élant aussi embarrassé qu'elle, fait appeller le Professeur Rossi. Celui-ci croit distinguer Ia tete de 1'enfant à travers Ia tumeur qu'il incise, et l'accouchementa lieu. 11 s'agissait maintenant de savoir commcnt Ia conception avait pu s'effectuer, et il resulta des aveux de Ia femme que son mari n'ayant pas trouvé ce qu'il désirait, avait suivi une route opposée. L'éclaircissement fut complet, lorsqu'on ent cons- tate qu'il existait une communication congénitale entre le vagin et le rectum. (Dict. des Sciences Médicales T. 24). (2) Morgagni raconte que Gianella fut appellé pour donner des soins à une femme enceinte, d'environ 40 ans, dont le vagin s'ouvrait à Ia paroi antérieure de 1'abdomen, il fut obligé de dilaler 1'ouverture exterieur* pourqu'elle perruit le passage de 1'enfant. (Tiuité de Med. Légale Uiífila). ___ *>} ___ propriados medicamentos, pôde ceder, e o coito ser possível com indivíduo cujo penis si-ja de menor dimensão. Dimensões excessivas do clitoris e das nymphas.— Tal circumstancia jamais poderá ser ad- mittida como causa de impotência, conforme o parecer dos mais eminentes Médicos Legislas, porém como capaz de incommodar o exercício do acto do coito. Estado scirrhoso ou carcinomatoso do utero.— Este estado que de ordinário se aggrava pelo coito, e que faz com que n'essa occasiâo experimente a mulher vivas dores, com justa razão deve ser classificado como causa de impolencia, por isso que se oppõe á fecundação, e não se effectua sem graves riscos para o homem, principalmente quando se desenvolvem ulceraçOes e dellas mana uma sanie acre e fétida. Remataremos aqui o nosso imperfeito trabalho: mil fadigas e lucubrações nos custou elle. Antes porém de depormos a penna, cumpre-nos agradecer ao lllm. Sr. Dr. João José de Car- valho, que desde a infância nos honra com sua prestanle amizade, a benignidade com que S. S. se servio acceitar a Presidência de nossa These. É mais um titulo á nossa gratidão que juntaremos aos demais obséquios que de S. S. temos recebido. HIPPOCRATIS AFHORISMI. »»»BSS^-^S*-SaB3t«< I. Ad extremos morbos, extrema remedia exquisitè optima. (Sect. 1.' aph. 6). II. Somnus. vigília, utraque modum excedentia, malum. (Sect. 2.a aph. 3). III. Non satietas. non fames. neque aliud quicquam bonum est, quod supra natura modum fuerit. (Sect. 2.a aph. 4). IV. Epilepticis pueris, mutationes, maximè aetatis. et regionum, vitae. liberationem faciunt. (Sect. 2.a aph. 45). * V. Quibus epilepsiae ante pubertatem contingunt, mutationem habent. Quibus vero accedunt viginti quinque annos natis, hi plerumque commoriuntur. (Sect 5.a aph. 7). VI. Mulieri, menstruis deficientibus. ò naribus sanguinem fluere. bonum. (Sect. 5.* aph. 33). TYP. 1MP. DE PAULA, BRITO—1848, Esta These está conforme aos Estatutos. Rio 5 de dezembro de 1848. Dr. João José de Carvalho, ERRATAS. Pag. 1, Epigraphe, linha» 9, em lu?ar de physiologiques — lêa-so — physiologique. ,, 4, Is. 18, chegaram á uma extrema — lêa-se — chegam etc. „ 12, (nota) Is. 3, Caril — lêa-se — Carie. ,, ,, ,, Is. 4, sapiizfaire — lêa se — ?ati?f.iirc. ,, 17, ls. 23, anlorisado — lôa-sc — autorisado. ,, 18, Is. 20, profícuo — 13a■ = -,■— prolífico.